Paisagens da Pesquisa Contemporânea sobre o Livro Didático de História Maria Carolina Bovério Galzerani João Batista Gonçalves Bueno Arnaldo Pinto Júnior (orgs.) ©2013 Maria Carolina Bovério Galzerani; João Batista Gonçalves Bueno; Arnaldo Pinto Júnior Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. G1399 Galzerani, Maria Carolina Bovério; Bueno, João Batista Gonçalves; Pinto Jr, Arnaldo. Paisagens da Pesquisa Contemporânea sobre o Livro Didático de História/ Maria Carolina Bovério Galzerani; João Batista Gonçalves Bueno; Arnaldo Pinto Júnior. Jundiaí: Paco Editorial; Campinas: Centro de Memória/ Unicamp, 2013. 408 p. Inclui bibliografia. Inclui gráficos, imagens e tabelas. ISBN: 978-85-8148-210-1 1. História 2. Ensino 3. Livro Didático 4. Memória I. Galzerani, Maria Carolina Bovério II. Bueno, João Batista Gonçalves III. Pinto Jr, Arnaldo. CDD: 901 Índices para catálogo sistemático: História 901 Estudo e Ensino 907 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal Av Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabáu, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú – Jundiaí-SP – 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 [email protected] Centro de Memória - Unicamp Rua Sérgio Buarque de Holanda, 800 Caixa postal 6023 - CEP 13083-859 Barão Geraldo - Campinas - SP - Brasil 19 35215242 | 19 35215243 [email protected] Sumário Apresentação..................................................................................................7 Introdução Paisagens da pesquisa contemporânea sobre o livro didático de história..........9 Maria Carolina Bovério Galzerani Parte I O lugar da pesquisa hoje: o estado da arte, memórias e histórias Capítulo 1 Livro didático e história do ensino de história: caminhos de pesquisa...........19 Arlette Medeiros Gasparello Capítulo 2 O que sabemos (e o que não sabemos) sobre o livro didático de história: estado do conhecimento, tendências e perspectivas.......................................35 Flávia Eloisa Caimi Capítulo 3 Livros didáticos: cenários de pesquisa e práticas de ensino no Brasil.............53 Maria Carolina Bovério Galzerani Parte II Contemplando práticas de leitura e usos dos livros didáticos Capítulo 4 Memórias discentes, livros didáticos e culturas escolares..............................79 Maria Angela Borges Salvadori Capítulo 5 A apropriação docente dos livros didáticos de história: entre prescrições curriculares, saberes e práticas docentes............................99 Aléxia Pádua Franco; Ernesta Zamboni Capítulo 6 Os usos do livro didático de história: entre táticas e prescrições..................127 Araci Rodrigues Coelho Capítulo 7 Uma experiência de pesquisa: uso do livro didático e práticas de leituras no ensino de história na rede pública municipal da cidade de São Paulo.....................................................................................151 Helenice Ciampi Capítulo 8 Livro didático de história lido em sala de aula: uma prática de leitura dentre outras possíveis.............................................181 Lana Mara de Castro Siman; Luísa Teixeira Andrade Capítulo 9 Livros didáticos de história para o ensino médio e as orientações oficiais: processos de recontextualização e didatização................................209 Ana Maria Monteiro Capítulo 10 Relações entre material didático e ensino de ciências humanas e sociais no primário: um olhar sobre as práticas docentes de futuros professores......................................................................................227 Anderson Araújo-Oliveira Parte iii Outros cenários de pesquisa I – Linguagens iconográficas Capítulo 11 Imagens em livros didáticos de história: elementos para uma análise das relações imagem/texto/historiografia.................................247 Ana Heloísa Molina Capítulo 12 Propostas de leitura das imagens visuais em livros didáticos de história: uma incursão possível................................................267 João Batista Gonçalves Bueno; Maria Carolina Bovério Galzerani Ii – Conteúdos temáticos Capítulo 13 Os povos originários na literatura escolar: possibilidades de um discurso intercultural.................................................287 Maria Aparecida Bergamaschi; Ernesta Zamboni Capítulo 14 Educar para a memória e o patrimônio: possibilidades expressas no livro didático “Santa Catarina”– interagindo com a história...............................................307 Elison Antonio Paim Capítulo 15 A construção de uma sociedade de direitos: história, livro didático e cinema...................................................................327 Décio Gatti Júnior Iii – A questão da avaliação dos livros Capítulo 16 O programa nacional do livro didático (pnld) e a construção do saber histórico escolar....................................................357 Margarida Maria Dias de Oliveira Capítulo 17 Livros na batalha de ideias: a sedução da verdade no debate público em torno dos livros didáticos de história..............................373 Sonia Regina Miranda; Yara Cristina Alvim Os autores..................................................................................................399 Apresentação O fascínio de uma coleção está nesse tanto que revela e nesse tanto que esconde do impulso secreto que levou a criá-la. (Ítalo Calvino) Ao ler a coleção de textos que formam este livro que tenho prazer de apresentar, lembrei-me do livro de Ítalo Calvino, Coleções de areia, em que o autor nos conduz/seduz por intrigantes/fascinantes coleções/exposições. As coleções/exposições se transformam, na descrição de Calvino, em verdadeiras passagens que enredam o leitor, transformando-o num transeunte, num flaneur ou num paisagista ávido por ver, ouvir, cheirar e contar novas paisagens. Não é outro o poder de sedução das paisagens sobre os livros didáticos organizadas na forma de livro pela incansável Maria Carolina Bovério Galzerani, por Arnaldo Pinto Júnior e por João Batista Gonçalves Bueno. Este livro, no imenso território dos estudos sobre os livros didáticos, demarca uma mirada sobre os livros didáticos de história. Os três panoramas paisagísticos sugeridos pelos organizadores são os pousos de uma viagem que, como entroncamentos, articulam caminhos possíveis a serem percorridos pela leitura dos capítulos. Os diversos capítulos do livro revelam que o livro didático de histórica, objeto escolar tão longevo quanto instável, não cessa de revelar-se também objeto controverso, multifacetado e disputado. Está no interior da escola, na sala de aula. Aí, está sujeito a apropriações das mais diversas. Nunca se pode dizer, com certeza, qual é seu lugar neste território. Às vezes, ocupa o centro da cena; às vezes, é sorrateiramente arrastado para o fundo do palco. Mas sua presença é inquestionável. Antes e depois de chegar à escola, sua presença, demonstram os estudos, se espraia pelo conjunto do tecido social. Da sala de aula ao espaço público produzido/ocupado pela “grande” imprensa, o livro didático é tão amado quanto odiado. É um grande negócio! Atravessa de alto a baixo as políticas públicas para a educação! É objeto de disputa nos territórios da memória e da história nacionais! Se os diversos capítulos são reveladores da imensa possibilidade de estudos de um mesmo objeto de pesquisa quando interrogado com criatividade e pertinência a partir de pontos de vista distintos, eles também se revelam. Se revelam na constituição de uma certa tradição de leitura ou, se preferirmos, de uma comunidade de leitores. Tal comunidade, revelada, dentre outros aspectos, por um léxico comum e por autores partilhados, por exemplo, não se rende, entretanto, ao lugar comum das constatações fáceis e generalizantes. São textos instigantes, inquietos, desestabilizantes até. 7 MARIA CAROLINA BOVÉRIO GALZERANI - JOÃO BATISTA GONÇALVES BUENO - ARNALDO PINTO JÚNIOR (orgs.) Os motivos, os impulsos, como diria Calvino, do grupo se revelam, também, no engajamento para que a escola, sobretudo a pública, seja cenário e cena de uma história de todos nós. Isto se traduz, nos textos, numa sensível escuta de interlocutores os mais diversos, na leitura a contrapelo de certos textos e de certos depoimentos e de um compromisso ético com o outro (do passado e do presente) na produção do conhecimento. São textos, são autoras e autores, que se sabem constrangidos, mas que não deixam de exercitar liberdades. O livro constitui, assim, uma imensa paisagem a ser percorrida, conhecida, sentida pelo leitor. Os caminhos são vários, as veredas são muitas, as travessias levam a pousos fascinantes. Lembrando Walter Benjamin, um interlocutor de vários textos publicados no livro, espero que os autores encontrem leitores argutos para os quais a história e os próprios livros didáticos – inclusive seu descarte e esquecimento como cacos da história –, possam ganhar novos sentidos, pois, como dizia Chico Buarque, “quem jamais a esquece não pode reconhecer”. Belo Horizonte, outono de 2013. Luciano Mendes de Faria Filho Professor da UFMG 8 Introdução PAISAGENS DA PESQUISA CONTEMPORÂNEA SOBRE O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA Maria Carolina Bovério Galzerani O que está além da vidraça da nossa apreensão, diz Magritte, requer um desenho para que possamos discernir adequadamente sua forma, sem falar no prazer proporcionado por sua percepção. E é a cultura, a convenção, a cognição que formam esse desenho; que conferem a uma impressão retiniana, a qualidade que expressamos como beleza. (Simon Schama, 1995) Paisagens são indissociáveis dos indivíduos que as contemplam. (Alain Corbin, 2011) Que paisagens historiográficas e educacionais estão presentes nas pesquisas contemporâneas relativas aos livros didáticos hoje, sobretudo no Brasil? Como compreender tais saberes na relação com os poderes e práticas culturais, existentes no país, sobretudo a partir dos anos 1980 aos nossos dias? Que práticas de leitura e usos têm sido implementados no que respeita ao livro didático? Até que ponto os sujeitos leitores são concebidos como portadores de memórias, de saberes da experiência, produtores de saberes escolares? Essas são algumas das questões a serem enfrentadas nesta coletânea, que se volta ao tema livro didático da História. Tema instigante que constitui campo de investigação para os pesquisadores interessados no engendramento – contraditório, polissêmico, historicamente datado – das práticas culturais. Esta coletânea reúne instigantes elaborações analíticas, representativas das mais atuais tendências de pesquisa, dedicadas à temática livro didático de História, produzidas por autores que se têm destacado nesta área, principalmente em nosso país. São pesquisadores da história ensinada, docentes universitários – em sua grande maioria –, os quais exercem suas atividades em diferentes instituições públicas e particulares de diferentes regiões do país e do exterior, com formação, sobretudo, em História e/ou Educação. 9 MARIA CAROLINA BOVÉRIO GALZERANI - JOÃO BATISTA GONÇALVES BUENO - ARNALDO PINTO JÚNIOR (orgs.) Neste sentido, tais produções foram selecionadas de modo a contribuir para o adensamento das discussões relativas tanto à avaliação do estado da arte das pesquisas acadêmicas contemporâneas, voltadas ao tema, como à produção de inovações teórico-metodológicas neste campo, o qual articula, criativamente, práticas de pesquisa e de ensino. A escolha da investigação relativa à temática livro didático de História – produto cultural contraditório, mercadoria, integrante da tradição escolar há pelo menos dois séculos, veiculador de visões de mundo e de sensibilidades –, expressa a compreensão da relevância que, historicamente, tais manuais têm ocupado no interior das culturas escolares, assim como em práticas culturais mais amplas. Para justificar tal relevância, basta rememorarmos que os livros didáticos constituíram – e constituem ainda hoje – se não a principal, uma das mais importantes referências impressas para a formação e inserção cultural de um expressivo número de discentes e docentes, principalmente os das classes populares. A viagem proposta pelos textos, aqui reunidos, visa potencializar o encontro com três configurações ou conjuntos paisagísticos, a saber: o lugar das pesquisas sobre o livro didático hoje; as práticas de leitura e os usos do livro didático de História; outros cenários, tais como, a linguagem iconográfica, os conteúdos temáticos, a autoria, a questão da avaliação. Mais especificamente, no primeiro panorama proposto– o lugar das pesquisas sobre o livro didático hoje-, podemos descortinar, como paisagem inicial, os caminhos que estão sendo percorridos pelos pesquisadores nas diferentes abordagens, nas perspectivas de análise e nas fontes utilizadas (Arlette Medeiros Gasparello). A seguir, podemos conhecer o estado do conhecimento da pesquisa acadêmica nacional, acerca do livro didático de História, realizada nos programas de mestrado e doutorado no percurso de uma década (1998-2007), no diálogo com um corpus documental constituído por 72 pesquisas, incluindo dissertações e teses. Dentre as imagens conclusivas delineadas, a pesquisa destaca o incremento da produção, a expansão qualitativa das análises, a superação de determinados vieses reducionistas, configurando-se, pois, um quadro bastante estimulante para o avanço da pesquisa acadêmica (Flávia Eloisa Caimi). Fechando este primeiro panorama, podemos visitar as memórias e histórias da trajetória profissional de uma docente pesquisadora brasileira desta área, situada entre os anos de 1970 e o presente, tecida na relação com o objeto livro didático de História. Essa trajetória potencializa a valorização de alternativas de pesquisa/ensino, voltadas para os livros didáticos de História, fundadas na racionalidade estética e comprometidas como o absoluto dos seres humanos (Maria Carolina Bovério Galzerani). 10 PAISAGENS DA PESQUISA CONTEMPORÂNEA SOBRE O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA No segundo conjunto paisagístico proposto – dedicado às práticas de leitura e aos usos do livro didático de História – figura, na abertura, uma investigação dedicada aos modos pelos quais os usos do livro didático são narrados, em textos memorialísticos, pelos discentes de diferentes cursos de Licenciatura da Faculdade de Educação/USP, SP. Seu objetivo é destacar a importância de um olhar que incida não apenas sobre a questão dos conteúdos disciplinares veiculados ou das ações mais institucionais, relativas à formulação de uma política de avaliação deste tipo de material, mas, também, sobre os modos próprios de uso e as múltiplas estratégias de leitura, sempre mais inventivas, criadas pelos alunos (Maria Ângela Borges Salvadori). Na sequência, a paisagem da pesquisa permite adentrar numa análise da questão da apropriação, realizada por professoras das séries iniciais do ensino fundamental, de escolas estaduais de Uberlândia, MG, de livros didáticos de História, em aulas ministradas para turmas de 3ª série. As experiências formuladas referem-se ao uso do segundo livro mais escolhido pelas escolas brasileiras, dentre aqueles aprovados e distribuídos pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) 2004 – Viver e aprender História, de Elian Alabi Lucci e Anselmo Lazaro Branco, da Editora Saraiva (1999). Dentre as possíveis perspectivas oferecidas, o estudo enfatiza que os professores analisados apropriaram-se, com relativa autonomia, deste material escolar, por meio de seus múltiplos saberes, acumulados durante sua vida pessoal, escolar e profissional. Daí, a importância de olharmos para o livro didático na sua relação direta com os saberes e as práticas docentes (Aléxia Pádua Franco e Ernesta Zamboni). Dando continuidade à viagem, deparamo-nos com as contribuições da pesquisa voltada à problemática de como e por que professoras do primeiro segmento do ensino fundamental, de escolas públicas de Betim, Região Metropolitana de Belo Horizonte, MG, usam o livro didático de História, História com Reflexão (produzido por Marilu Favarin Marin, Júlio Quevedo e Marlene Ordonez. São Paulo: Editora IBEP, 2001, Coleção Horizontes, 4ª série), distribuído pelo PNLD. Nas imagens analíticas delineadas, destaca-se a necessidade da colocação em prática de investimentos maciços e sistemáticos na formação continuada e nas condições de trabalho dos professores e das escolas, para além de se ter bons materiais didáticos (Araci Rodrigues Coelho). A proposta reflexiva, a seguir, analisa os dados coletados do Projeto Saber Escolar: memórias e práticas de professores de História da rede municipal da cidade de São Paulo, uma experiência de pesquisa, tendo como pesquisadores alunos da licenciatura e da pós-graduação lato sensu – História, Sociedade e Cultura da PUC/SP. Seu objetivo é enfatizar o uso do livro didático e as práticas de leituras desenvolvidos pelos docentes observados e entrevistados em três subprefeituras municipais, entre 2005 e 2008.O mote fundamental é, pois, per11 MARIA CAROLINA BOVÉRIO GALZERANI - JOÃO BATISTA GONÇALVES BUENO - ARNALDO PINTO JÚNIOR (orgs.) ceber como os profissionais de História, pelas práticas e relações de docentes e discentes, justificam suas escolhas dos livros adotados, assim como constroem seu significado, expressando suas articulações com as prescrições oficiais e/ou administrativas. A hipótese de trabalho formulada é que os dados coletados dos profissionais pesquisados podem oferecer vestígios sobre as marcas deixadas pela formação acadêmica e suas articulações com a cultura escolar, experiências de vida pessoal e práticas cotidianas (Helenice Ciampi). Nesta mesma sequência investigativa, voltada à significativa questão das práticas de leitura e dos usos dos livros didáticos, encontramos uma elaboração que discute a aprendizagem da leitura da escrita escolar da História, realizada por alunos, mediados pela professora, de uma dada escola pública de Belo horizonte, MG, como um ato criador e inventivo. Dentre uma diversidade de práticas de leitura em salas de aula de História, analisa-se uma, tomando-a como construção social de leitura, que se institui em uma determinada sala de aula. Identificam-se atos, gestos, estratégias de leitura na criação de sentidos e significados de conteúdos sobre a Revolução Francesa, promovidos pela professora e pelos alunos. Vislumbram-se, a partir da análise realizada, outras possibilidades de leitura de textos históricos escolares em sala de aula e importantes pistas para a formação de leitores – professores de História e alunos – e de usos do livro didático em sala de aula (Lana Mara de Castro Siman e Luísa Teixeira Andrade). A paisagem, neste momento, amplia-se ao leitor/caminhante, oferecendo-lhe perspectivas analíticas que ora incluem, para além dos professores e alunos, a figura do autor dos livros didáticos. O foco da produção apresentada diz respeito aos processos de recontextualização e de didatização realizados, quando da produção de livros didáticos, por seus autores, com base em subsídios obtidos em pesquisa realizada sobre livro de História para o ensino médio e o respectivo manual do professor. A intenção desta análise é buscar compreender alternativas e encaminhamentos produzidos a partir das leituras dos autores sobre as diretrizes oficiais e que mesclam suas concepções sobre o ensinar e aprender História com seus objetivos políticos e pedagógicos. Mediação de alta complexidade, as experiências abordadas oferecem mostra significativa dos desafios e possibilidades presentes nos processos de produção de obras didáticas que, a não ser em tempos de censura explícita, são espaço do exercício da liberdade para criar e abrir perspectivas para leituras de mundo diferenciadas (Ana Maria Monteiro). Fechando esta segunda configuração paisagística, podemos dialogar com os resultados parciais de uma pesquisa de doutorado, intitulada Características de práticas docentes em ciências humanas e sociais realizadas por futuros professores do ensino primário em contexto de formação prática em meio escolar. Realizada com a participação de nove estudantes do quarto e último ano de formação inicial do programa de bacharelado em ensino pré-escolar e primário de uma 12 PAISAGENS DA PESQUISA CONTEMPORÂNEA SOBRE O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA universidade francófona do Quebec no Canadá, tal pesquisa, de tipo descritivo e exploratório, focaliza as práticas docentes dos futuros professores em ciências humanas e sociais, a partir de três eixos de análise complementares e indissociáveis. A saber, as finalidades socioeducativas que fundamentam o ensino de ciências humanas e sociais (por que ensinar?); os dispositivos didáticos de formação colocados em prática (como ensinar?), bem como os suportes materiais aos quais recorrem os futuros professores para apoiar a sua intervenção educativa e, por consequência, as aprendizagens dos alunos (com que ensinar?) Para os fins deste texto, somente essa última questão do terceiro eixo de análise é considerada. O objetivo é identificar a importância e o papel que os materiais didáticos, e, particularmente, os livros didáticos aprovados pelo Ministério da Educação do Quebec, ocupam nas práticas docentes em ciências humanas e sociais, realizadas por futuros professores do primário em contexto de formação prática em meio escolar, que são formados, atualmente, na ótica de operacionalização do novo currículo do primário (Anderson Araújo Oliveira). Abrindo o terceiro e último panorama desta coletânea – outros cenários, tais como, a linguagem iconográfica, os conteúdos temáticos, a questão da avaliação – a reflexão propõe-se a discutir, a partir de três livros didáticos escritos em períodos diferentes, indicativos de sinais historiográficos daqueles momentos, a relação entre imagem visual/texto/historiografia. Dentre as questões priorizadas, enfoca quais mudanças ou transformações podem ser observadas nos livros didáticos de História no que se refere ao uso de iconografias em seu interior e à incorporação ou apropriação dos debates historiográficos sobre as visualidades? Que diálogos têm sido estabelecidos com a historiografia relacionada a essa temática? Como contribuição para tal reflexão, destaca a importância da inclusão de pesquisas e de indagações de outras áreas que enriqueçam tal abordagem: a história da arte, ao repensar seu objeto e os signos de leitura visual, a antropologia visual e as contribuições para o registro do “imaginário e do poético”, a fotografia e suas perspectivas técnicas e de conteúdo, dentre outros debates colocados para os domínios da imagem (Ana Heloisa Molina). Ainda focalizando a questão da linguagem iconográfica, deparamo-nos com uma pesquisa dedicada à análise de algumas propostas de exercícios, voltadas à leitura de iconografias em livros didáticos de História, situados nos primeiros anos do século XXI. Tal análise priorizou o período da edição dos PCN de História (Parâmetros Curriculares Nacionais), em 1998, bem como o período que sucedeu ao aprimoramento das regras de avaliação estabelecidas pelas comissões julgadoras do PNLD (2002, 2004, 2005, 2007, 2008). Nesta investigação conclui-se que as formas de editoração das imagens visuais podem ser consideradas como permanências, se estudadas em relação aos textos escritos. A partir dessa constatação, enfatiza-se a proposição de que professores e alunos 13 MARIA CAROLINA BOVÉRIO GALZERANI - JOÃO BATISTA GONÇALVES BUENO - ARNALDO PINTO JÚNIOR (orgs.) dialoguem com as imagens visuais, considerando a totalidade dos livros didáticos como objetos produtores de sentidos (João Batista Gonçalves Bueno, Maria Carolina Bovério Galzerani). A seguir encontramos a possibilidade do adensamento reflexivo relativo à temática povos ameríndios, principalmente face à lei que remete às escolas a obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena. Considerando a importância da literatura escolar na veiculação desse tema, o artigo debruça-se sobre obras literárias, produzidas na primeira república, e destinadas às escolas, analisando, especialmente, como a temática indígena é tratada nestas publicações. Além de questionar as representações de índio que predominam na literatura escolar, a partir do diálogo com a educação escolar indígena, aponta possibilidades para um protagonismo ameríndio na produção de outras visões de histórias (Maria Aparecida Bergamaschi, Ernesta Zamboni). Por sua vez, a paisagem textual que se abre, potencializando o encontro com a pesquisa do livro didático – Santa Catarina: interagindo com a História de autoria de Lilian Sourient, Roseni Rudek e Rosiane de Camargo, da Editora do Brasil (2003)– centrada na questão da história regional, tem como objetivo analisar como as autoras sugerem que os professores e estudantes trabalhem com as questões da memória e do patrimônio. Neste desenho analítico, o texto deixa o desafio para que cada professor e professora procure educar para a memória e para o patrimônio, “pois como já diz o velho ditado, ninguém ama aquilo que não conhece” (Elison Antônio Paim). A investigação seguinte permite ao caminhante, peregrino dos espaços desta coletânea, beneficiar-se de reflexões em torno da temática dos direitos humanos. Para tanto, o estudo apresenta um histórico básico sobre o processo de construção dos direitos humanos, analisando a forma tomada pelo conteúdo afeto à questão nos livros didáticos de História, de Educação Moral e Cívica e de Organização Social e Política do Brasil. Por fim, amplia as discussões centradas no livro didático, observando como o cinema de massa, em especial, o norte-americano, tem colaborado para a disseminação de temáticas voltadas aos direitos humanos (Décio Gatti Júnior). Descortinando pesquisas concernentes à problemática da avaliação dos livros didáticos, na relação com as políticas públicas, a seguir, apresentam-se duas importantes investigações. A primeira delas traz considerações sobre o papel de destaque que o livro didático assumiu nas políticas públicas para educação no Brasil, o qual tem motivado polêmicas acirradas na mídia comercial nos últimos anos. Enfatiza, neste processo, as alterações pelas quais passaram os editais do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), bem como as mudanças na concepção de obra didática que têm expressado, sobretudo, após a publicação, em 2002, do documento “Recomendações para uma Política Pú14 PAISAGENS DA PESQUISA CONTEMPORÂNEA SOBRE O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA blica de Livros Didáticos”. São alguns desses aspectos que o texto em tela problematiza, tomando por referencial o lugar das obras didáticas de História na construção de um saber histórico escolar (Margarida Maria Dias de Oliveira). A segunda e última pesquisa panoramática desta coletânea tem como objetivo discutir, com base em uma reflexão no campo da epistemologia da História, os efeitos sociais e políticos do debate público que se trava, frequentemente, na grande imprensa nacional a respeito do Livro Didático de História. Busca-se demonstrar como a construção de narrativas, socialmente compartilhadas, em torno de uma ideia de verdade provoca compreensões difusas, acerca da validação dos livros didáticos de História disponíveis no mercado editorial, bem como sobre a legitimação dos processos públicos de avaliação de obras didáticas, com ênfase para o Programa Nacional do Livro Didático – (PNLD) (Sonia Regina Miranda, Yara Cristina Alvim). Enfatizamos, ainda, que o que a coletânea “Paisagens das pesquisas contemporâneas sobre o livro didático de História” procura ser é um novo modo de olhar, uma exploração às terras destas investigações, em busca de inspirações para a produção de conhecimentos educacionais, comprometidos com uma visão da educação entendida como “forma de renovar um mundo comum” (ARENDT, 1992, p.217). Importa aqui registrar que a imagem paisagem, aqui impressa, diz respeito a uma percepção transformadora, ou seja, a um enquadramento visual, produzido a partir de uma bagagem cultural sobre um determinado espaço –no nosso caso, as pesquisas acadêmicas – e, ao mesmo tempo, produtor de cultura. Paisagem, como obra da mente, que se compõe “tanto de camadas de lembranças quanto de estratos de rochas” (SCHAMA, 1995, p.16-17). Deixemos, pois, para o leitor o desafio de adentrar as paisagens culturais desta coletânea, para produzir suas próprias “operações de caça”, no ato da leitura (CERTEAU, 1994). Afinal, concordamos, também, com Alain Corbin no sentido de que “as paisagens são indissociáveis dos indivíduos que as contemplam”. Ou, ainda melhor, acreditando com Mia Couto (1991) que “os homens nasceram para desobedecer aos mapas e desinventar bússolas”, uma vez que seus “sonhos vão à frente de seus passos”, o convite que aqui fica ao leitor é para que percorra as terras das pesquisas sobre os livros didáticos, agindo sobre elas, “desordenando as paisagens”, modificando-as. Isto de modo a configurar novas paisagens, produzir ressignificações, fortalecer-se como produtor de conhecimentos, nesta importante área de pesquisa/ensino, campo de investigações em constante desenvolvimento. 15