Primeira Turma | Publicacao: 11/03/2015
Ass. Digital em 04/03/2015 por JOSE EDUARDO DE RESENDE CHAVES JUNIOR
Relator: JERCJ| Revisor: CMVF
PODER JUDICIÁRIO ­ JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO
00989­2012­136­03­00­5­RO
RECORRENTES: RODOVIÁRIO LÍDER LTDA (1)
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (2)
RECORRIDOS:
OS MESMOS
EMENTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASTREINTES. DANO MORAL COLETIVO. DESTINAÇÃO A ÓRGÃO PÚBLICO DE FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO. A reversão do valor da indenização decorrente das astreintes e do dano moral coletivo, para órgão público de fiscalização do trabalho, atende ao disposto no artigo 13 da Lei 7.347/85, interpretado à luz dos princípios constitucionais fundamentais, de modo a cumprir a finalidade legal de reconstituição dos bens lesados. Neste sentido, é o Enunciado 12 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho promovida pelo C. TST. Tal direcionamento está, inclusive, em consonância com a Resolução nº 154 de 2012 do CNJ, que define a política institucional do Poder Judiciário na utilização dos recursos oriundos da aplicação da pena de prestação
pecuniária,
destinando­os, preferencialmente, à entidade pública ou privada com finalidade social.
Vistos os autos, relatados e discutidos os presentes recursos ordinários, interpostos contra decisão proferida pelo MM. Juízo da 36ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, em que figuram, como recorrentes, Ministério Público do Trabalho e Rodoviário Líder Ltda, como recorridos, os mesmos.
RELATÓRIO
A MMª. Juiza Hadma Christina Murta Campos, da PODER JUDICIÁRIO ­ JUSTIÇA DO TRABALHO
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36ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte, pela r. sentença de fls. 1029­1033, cujo relatório adoto e a este incorporo, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulado pelo autor para condenar a ré ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer definidas às fls. 1032­verso/1033 e ao pagamento de dano moral coletivo (R$500.000,00), a ser revertido ao FAT.
Em face da r. sentença, a ré interpôs o recurso ordinário de fls. 1034­1056, alegando a ineficácia das provas colhidas no inquérito civil. Insurgiu­se contra a sua condenação ao pagamento de danos morais coletivos e ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer. Requereu suspensão da tutela antecipada. Em caráter sucessivo, requer a redução do valor dos danos morais coletivos e da multa pelo descumprimento das obrigações de fazer e não fazer.
Contrarrazões às fls. 1064/1071.
O Ministério Público opôs agravo de petição às fls. 1085­1090.
Contraminuta às fls. 1092­1093.
É o relatório.
VOTO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Preenchidos todos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso ordinário interposto pela ré. Preparo comprovado às fls. 1059­1060.
Conheço, ainda, do agravo de petição interposto pelo Ministério Público.
JUÍZO DE MÉRITO
RECURSO ORDINÁRIO
Cuida­se de Ação Civil Pública, de autoria do PODER JUDICIÁRIO ­ JUSTIÇA DO TRABALHO
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Ministério Público, que visa coibir a permanência de diversas irregularidades trabalhistas relacionadas à ausência de controle de jornada de trabalho, excesso de jornada além do limite legal, não concessão dos intervalos intrajornada e interjornada, labor aos domingos e feriados e não pagamento das horas extras trabalhadas e do adicional noturno.
Assevera que os documentos juntados aos autos com a inicial demonstram a conduta reiterada, contumaz e ilícita do réu em descumprir normas de saúde, segurança e higiene no trabalho de transporte rodoviário. Postula que seja proferido comando coercitivo a fim de cessar tal conduta.
O objeto da Ação Civil Pública é, portanto, a tutela inibitória, prospectiva, voltada para o futuro.
A ré defendeu­se, sustentando, em síntese, que a falta de estrutura das estradas do país não permite o devido cumprimento da legislação. Admitiu, ainda, que não cuidou de implementar o efetivo controle de jornada dos seus motoristas, eis que afirmou que a sua atividade “sempre foi preponderantemente desenvolvida externamente e, conseqüentemente, tornando impossível o controle da referida jornada de trabalho (fl. 276/278).
A MM Juíza de origem, em antecipação de tutela, condenou a ré a cumprir, no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária de R$5.000,00 por dia de descumprimento e por empregado ou motorista contratado, as seguintes obrigações em relação a seus empregados: a) permitir que anotem a real e efetiva jornada de trabalho; b) respeitar a duração do trabalho normal de seus empregados, dentro dos parâmetros constitucionais de 44 horas semanais e 8 diárias, remunerando corretamente a sobrejornada, facultada a compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, nos termos dos artigos 7º, XVI da CRFB e 59, 60 e 61 da CLT; c) abster­se de prorrogar injustificadamente a jornada normal, além do limite legal de 2 horas diárias, observada a redução ficta do trabalho noturno; d) observar o intervalo para alimentação e descanso de uma a duas horas em jornadas contínuas superiores a seis horas diárias; e) conceder intervalo para descanso entre as jornadas, que deverá ser, no mínimo, de 11 horas consecutivas; f) conceder o descanso semanal remunerado de 24 horas consecutivas (art. 67 da CLT); g) abster­se de manter empregado trabalhando em dias de feriado nacionais e religiosos, sem a permissão da autoridade competente e sem a necessidade imperiosa dos serviços; h) efetuar o pagamento regular do adicional noturno; i) efetuar o PODER JUDICIÁRIO ­ JUSTIÇA DO TRABALHO
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pagamento em dobro dos domingos e feriados trabalhados e não compensados; j) assegurar aos motoristas empregados o descanso de 30 minutos a cada 4 horas de trabalho contínuo no exercício da condução; k) assegurar aos motoristas empregados o descanso de 36 horas nas viagens com duração superior a uma semana, nos termos da Lei 12.619/2012.
Condenou a ré, ainda, em relação aos trabalhadores contratados/ autônomos ou comodatários, conhecidos no mercado de trabalho como “agregados”, a: 1) efetuar o controle da jornada através de diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, consignando os horários de início, intervalo e término da jornada; 2) assegurar os intervalos de 11 horas entre duas jornadas de trabalho, semanal de 24 horas consecutivas e pelo menos uma hora de intervalo para alimentação e descanso; 3) assegurar o descanso de 30 minutos a cada 4 horas de trabalho contínuo no exercício da condução; 4) assegurar o descanso semanal de 36 horas nas viagens com duração superior a uma semana, nos termos da Lei 12.619/2012. Condenou a ré ao pagamento de dano moral coletivo (R$500.000,00), a ser revertido ao FAT.
A ré interpôs recurso ordinário, alegando a ineficácia das provas colhidas no inquérito civil. Insurgiu­se contra a sua condenação ao pagamento de danos morais coletivos e ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer. Requereu suspensão da tutela antecipada. Em caráter sucessivo, requer a redução do valor dos danos morais coletivos e da multa pelo descumprimento das obrigações de fazer e não fazer.
Pois bem.
O trabalhador é, antes de tudo, um ser humano, que empenha sua força de trabalho e parte significativa de sua dimensão existencial em favor da atividade que exerce. Por conseguinte, é dotado de uma dignidade essencial que deve ser respeitada em qualquer circunstância.
O direito ao trabalho é um direito humano imprescindível à conformação da dignidade da pessoa, como determina a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), eis que constitui fundamento para o exercício dos direitos humanos de liberdade.
A Constituição de 1988 estabeleceu como fundamento da República Federativa a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. No art. 170, consagrou a ordem econômica PODER JUDICIÁRIO ­ JUSTIÇA DO TRABALHO
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fundada na valorização do trabalho humano, com o fim de assegurar a todos a existência digna, observado o princípio da função social da propriedade. Elevou o trabalho a primado da ordem social, estabelecendo, como seu objetivo, a justiça social (art. 193).
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a saúde não se limita a ausência de doenças, pois corresponde ao completo estado de bem estar físico, mental e social de um individuo. O meio ambiente equilibrado está intimamente ligado à saúde e à segurança do trabalhador, razão pela qual as medidas de prevenção e proteção contra infortúnios e doenças no trabalho devem assumir prioridade no quadro de ações da empresa, a fim de cumprir­se sua função social e a de sua propriedade (art. 5, XXII e XXIII, art. 170, II e III).
O direito ao meio ambiente adequado é um direito humano e como tal encontra proteção expressa no direito internacional por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. XXV) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 7º, “b” e 12) e nas Convenções 148, 155, 161, 167 e 187 da OIT.
O conteúdo essencial da saúde abrange: a abstenção por parte do Estado (eficácia vertical) e do particular (eficácia horizontal) em comprometer a saúde do trabalhador e o dever de prevenção do Estado (prestações atribuídas ao SUS e criação de normas, tais como a recente Lei do Motorista).
No cenário jurídico pátrio a proteção à saúde encontra fundamento na própria Constituição que prevê o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, nele incluído o do trabalho, como direito difuso, consoante interpretação sistemática dos artigos 225 e 200, VIII. Além disso, no artigo 7º, está positivado o princípio da prevenção dos riscos inerentes ao trabalho (inc XXII) e o do poluidor­pagador (inc. XXIX), sendo que a prevenção deve ser sempre prioridade.
Importante ressaltar que o Brasil, em termos de legislação ambiental, é um dos países mais avançados do mundo, o que ocorre também no aspecto do meio ambiente do trabalho, sendo que a Lei 12.619/2013 dispõe especificamente acerca de normas do meio ambiente de trabalho para a categoria dos motoristas.
Com efeito, estabelece a Lei 12.619/2012, no artigo 2º, que são direitos dos motoristas profissionais, além daqueles previstos na PODER JUDICIÁRIO ­ JUSTIÇA DO TRABALHO
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Constituição Federal:
I ­ ter acesso gratuito a programas de formação e aperfeiçoamento profissional, em cooperação com o poder público; II ­ contar, por intermédio do Sistema Único de Saúde ­ SUS, com atendimento profilático, terapêutico e reabilitador, especialmente em relação às enfermidades que mais os acometam, consoante levantamento oficial, respeitado o disposto no artigo 162 da CLT; III ­ não responder perante o empregador por prejuízo patrimonial decorrente da ação de terceiro, ressalvado o dolo ou a desídia do motorista, nesses casos mediante comprovação, no cumprimento de suas funções; IV ­ receber proteção do Estado contra ações criminosas que lhes sejam dirigidas no efetivo exercício da profissão; V ­ jornada de trabalho e tempo de direção controlados de maneira fidedigna pelo empregador, que poderá valer­se de anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, nos termos do §3º do artigo 74 da CLT, ou de meios eletrônicos idôneos instalados nos veículos, a critério do empregador. Por alteração trazida por essa lei, foram incluídos os artigos 235­D e 235­E da CLT, que estabelecem:
Art. 235­D. Nas viagens de longa distância, assim consideradas aquelas em que o motorista profissional permanece fora da base da empresa, matriz ou filial e de sua residência por mais de 24 (vinte e quatro) horas, serão observados: I ­ intervalo mínimo de 30 (trinta) minutos para descanso a cada 4 (quatro) horas de tempo ininterrupto de direção, podendo ser fracionados o tempo de direção e o de intervalo de descanso, desde que não completadas as 4 (quatro) horas ininterruptas de direção; II ­ intervalo mínimo de 1 (uma) hora para refeição, podendo coincidir ou não com o intervalo de descanso do inciso I; III ­ repouso diário do motorista obrigatoriamente PODER JUDICIÁRIO ­ JUSTIÇA DO TRABALHO
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com o veículo estacionado, podendo ser feito em cabine leito do veículo ou em alojamento do empregador, do contratante do transporte, do embarcador ou do destinatário ou em hotel, ressalvada a hipótese da direção em dupla de motoristas prevista no § 6o do art. 235­E. Art. 235­E. Ao transporte rodoviário de cargas em longa distância, além do previsto no art. 235­D, serão aplicadas regras conforme a especificidade da operação de transporte realizada. § 1o Nas viagens com duração superior a 1 (uma) semana, o descanso semanal será de 36 (trinta e seis) horas por semana trabalhada ou fração semanal trabalhada, e seu gozo ocorrerá no retorno do motorista à base (matriz ou filial) ou em seu domicílio, salvo se a empresa oferecer condições adequadas para o efetivo gozo do referido descanso. § 3o É permitido o fracionamento do descanso semanal em 30 (trinta) horas mais 6 (seis) horas a serem cumpridas na mesma semana e em continuidade de um período de repouso diário. § 4o O motorista fora da base da empresa que ficar com o veículo parado por tempo superior à jornada normal de trabalho fica dispensado do serviço, exceto se for exigida permanência junto ao veículo, hipótese em que o tempo excedente à jornada será considerado de espera. § 5o Nas viagens de longa distância e duração, nas operações de carga ou descarga e nas fiscalizações em barreiras fiscais ou aduaneira de fronteira, o tempo parado que exceder a jornada normal será computado como tempo de espera e será indenizado na forma do § 9o do art. 235­C. § 6o Nos casos em que o empregador adotar revezamento de motoristas trabalhando em dupla no mesmo veículo, o tempo que exceder a jornada normal de trabalho em que o motorista estiver em repouso no veículo em movimento será considerado tempo de reserva e será remunerado na razão de 30% (trinta por cento) da hora normal. § 7o É garantido ao motorista que trabalha em regime de revezamento repouso diário mínimo de 6 (seis) horas consecutivas fora do veículo em alojamento externo ou, se na cabine leito, com o veículo estacionado. PODER JUDICIÁRIO ­ JUSTIÇA DO TRABALHO
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§ 9o Em caso de força maior, devidamente comprovado, a duração da jornada de trabalho do motorista profissional poderá ser elevada pelo tempo necessário para sair da situação extraordinária e chegar a um local seguro ou ao seu destino. § 10. Não será considerado como jornada de trabalho nem ensejará o pagamento de qualquer remuneração o período em que o motorista ou o ajudante ficarem espontaneamente no veículo usufruindo do intervalo de repouso diário ou durante o gozo de seus intervalos intrajornadas. § 11. Nos casos em que o motorista tenha que acompanhar o veículo transportado por qualquer meio onde ele siga embarcado, e que a embarcação disponha de alojamento para gozo do intervalo de repouso diário previsto no § 3o do art. 235­C, esse tempo não será considerado como jornada de trabalho, a não ser o tempo restante, que será considerado de espera. § 12. Aplica­se o disposto no § 6o deste artigo ao transporte de passageiros de longa distância em regime de revezamento. Tais regulamentações foram imprescindíveis porque os índices de acidentes de trabalho, no transporte rodoviário de passageiros e de cargas, são muito altos, devido às péssimas condições do meio ambiente laboral.
O meio ambiente de trabalho do motorista profissional é, praticamente, a cabine de um caminhão. É neste local que ele vive a maior parte do tempo. As horas de trabalho são longas e, quando terminam, muitas vezes, eles se vêem obrigados a dormir na cabine do caminhão. Os postos de combustíveis são onde eles fazem suas refeições e tomam banho, sendo de conhecimento geral as suas condições precárias.
Neste sentido, foi editada a Lei 12.619/2012 a fim de garantir ao motorista profissional alojamento externo ou cabine leito, para descanso e pernoite e a devida limitação das horas de trabalho.
Desta forma, não merecem prosperar as alegações da ré no sentido de as condições da estrada e dos postos de abastecimento não permitem o devido cumprimento da lei. PODER JUDICIÁRIO ­ JUSTIÇA DO TRABALHO
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Ademais, quanto à alegação da ré de que os trabalhadores exerciam atividade externa, incompatível com a fixação da jornada, também não merece acolhida, pois, de acordo com a referida lei, constitui direito fundamental do trabalhador motorista ter a sua jornada de trabalho e o tempo de direção controlados de maneira fidedigna pelo empregador, que poderá valer­se de anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo.
Alias, de acordo com disposição expressa da Convenção 155 da OIT, ratificada pela República Federativa do Brasil em 1992, constitui dever empresarial o aprimoramento contínuo da segurança no trabalho, a fim de implementar novas técnicas que evitem a ocorrência de infortúnios, garantindo a preservação da saúde e integridade física dos trabalhadores, sejam empregados ou terceirizados.
Da mesma forma, tal se aplica aos motoristas agregados, que se diferenciam dos autônomos clássicos, nos termos do art. 5º da Lei 11.442/2007, dada sua característica de trabalhadores parassubordinados, que embora não sejam empregados, tem maior similaridade com os trabalhadores com vínculo empregatício do que com os autônomos clássicos. Relevante destacar que o não cumprimento das normas trabalhistas causa um tríplice prejuízo: ao trabalhador, que tem a sua saúde e vida colocados em risco; à empresa, porque a ocorrência de acidente de trabalho gera passivo trabalhista, ação regressiva do INSS e reajuste da contribuição previdenciária (FAP) e para a sociedade em geral, que custeia, de forma solidária, o pagamento dos benefícios previdenciários. Assim, é preciso incutir na empresa a noção de que o cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho, como as delimitadas no pedido, deve ser encarado como investimento não apenas na higidez física e mental dos trabalhadores, mas também como redução do passivo trabalhista da empresa e dos custos sociais gerados pelo acidente de trabalho.
Como bem pontuou a MM Juíza de origem, os depoimentos prestados por ex­empregados, em parecer técnico da ASCONT e nas diversas decisões judiciais juntadas aos autos (fls. 20–178) comprovaram as irregularidades relacionadas na petição inicial.
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Ademais, a própria ré juntou decisão judicial (fls. 327­333) em que ficou comprovado que havia meio de controlar a jornada de seus motoristas (fl. 329), sendo que a empresa preferia não fazê­lo a fim de se esquivar do pagamento de horas extras.
As decisões judiciais juntadas às fls. 288­366 também comprovam o labor em sobrejornada dos motoristas.
Os relatórios de viagem (fls. 846­852) não deixam dúvidas de que a jornada exigida pela empresa era exaustiva, pois noticiam longas viagens, de até 9.674 km, com média diária de 602 km/dia, sem o pagamento de horas extras, noturnas ou concessão de folga (vide, por exemplo, viagem do motorista João Vitor Souza).
Do mesmo modo, as guias de viagem (fls. 877­926) comprovam que trajetos de cerca de 11.000 km, sem a concessão de folgas (vide, por exemplo, viagem do motorista Gilmar Fernando).
O próprio sistema de rastreamento utilizado pela reclamada possibilita a verificação do trajeto e tempo ao volante, como demonstrado pelo autor no bojo do inquérito civil (fls. 47 e ss.).
A prova dos autos (documentos contidos no inquérito civil e aqueles trazidos com a própria defesa) demonstram que o motoristas laboravam em excesso de jornada, com ausência de pagamento de horas extraordinárias e adicional noturno e ausência de concessão de intervalos e folgas legais.
Importante ressaltar que o Colendo TST já se pronuncia no sentido da presunção de veracidade das provas produzidas no inquérito civil, presidido pelo Ministério Público do Trabalho, caso não infirmadas por prova em contrário nos autos, conforme decisões a seguir:
RECURSO DE DE REVISTA. 1. NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Deixa­se de examinar a preliminar, com base no art. 249, § 2º, do CPC. 2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. LAUDO DE INSPEÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. MEIO DE PROVA. VALIDADE. À luz do disposto no art. 364 do CPC, os documentos públicos gozam de presunção de legitimidade e somente podem ser desconstituídos por meio de contraprova PODER JUDICIÁRIO ­ JUSTIÇA DO TRABALHO
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produzida pela parte adversa, não bastando para tanto, a singela impugnação. O laudo de inspeção do Ministério do Trabalho e as peças de inquérito civil público, promovido pelo Ministério Público do Trabalho, desfrutam de valor probante e, sem elementos que contradigam os fatos neles descritos, não podem ser ignorados como meios de prova. Recurso de revista conhecido e provido (RR 57600­73.2005.5.03.0105 –
Julgado em 24.06.2009 – 3ª Turma).
NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Não se reconhece violação dos artigos 93, inciso IX, da Constituição da República, 458, inciso II, do Código de Processo Civil e 832 da Consolidação das Leis do Trabalho em face de julgado cujas razões de decidir são fundamentadamente reveladas, abarcando a totalidade dos temas controvertidos. Uma vez consubstanciada a entrega completa da prestação jurisdicional, afasta­se a arguição de nulidade. Recurso de revista não conhecido. DANO MORAL. PROVA. VALIDADE. ELEMENTOS PROBATÓRIOS OBTIDOS EM PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CONDUZIDO POR ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. 1. O Ministério Público do Trabalho é instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos dos artigos 127 e 128 da Constituição da República Federativa do Brasil. Entre as suas funções institucionais encontra­se a promoção do inquérito civil ou de outros procedimentos administrativos necessários à consecução de suas finalidades (artigos 129, inciso III, da Constituição e 6º, inciso VII, e 84, inciso II, da Lei Complementar n.º 75/1993). Assim, a descrição dos fatos ocorridos perante seus órgãos ­ e devidamente certificados – goza de presunção de veracidade, inclusive por força da fé pública inerente às suas declarações. 2. Nesse contexto, tem­se que os elementos colhidos pelo órgão do MPT em procedimento investigatório, desde que carreados aos autos, devem ser livremente sopesados pelo juiz por ocasião da avaliação da prova produzida, e cotejados com os elementos de fato aventados – e devidamente comprovados ­ pelas partes. Aliás, constituiria PODER JUDICIÁRIO ­ JUSTIÇA DO TRABALHO
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contrassenso admitir a força probante dos documentos particulares apresentados pelos sujeitos processuais e negar tal atributo àqueles extraídos de procedimento em trâmite perante o órgão do Ministério Público do Trabalho. É importante frisar, nesse particular, que, por força dos princípios da aquisição processual e da livre apreciação das provas, as partes as produzem para o processo, cabendo ao juiz avaliá­las e daí extrair as consequências que entender pertinentes, nos termos do artigo 131 do Código de Processo Civil. 3. Fixadas tais premissas, tem­se que a valoração, pela instância de prova, de elementos probatórios extraídos dos autos de procedimento investigatório conduzido pelo MPT não importa em violação do artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República. Reforça tal conclusão a circunstância de a parte não lançar qualquer questionamento quanto à integridade da prova em questão, nem tampouco contestar a sua correspondência com a realidade fática, limitando­se, ao revés, a aventar a mera irregularidade formal do procedimento de instrução. 4. Recurso de revista não conhecido (RR ­ 68000­51.2002.5.12.0025­ Julgado em 09.02.2011­ 1º Turma).
Importante ressaltar que a presente decisão está em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, pois as provas produzidas no inquérito civil foram corroborados e complementados pelos documentos juntados aos autos com a defesa. Segue ementa de decisão do STF sobre o inquérito criminal, mas que pode ser utilizada, por argumento a fortiori, quanto ao inquérito civil:
HABEAS CORPUS. PENAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE EM PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO FUNDADA EM OUTROS ELEMENTOS OBTIDOS NA FASE JUDICIAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVER­SE O CONJUNTO FÁTICO­PROBATÓRIO NA VIA ELEITA. O WRIT NÃO PODE SER UTILIZADO COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. I – Os elementos colhidos no inquérito policial podem influir na formação do livre convencimento do juiz para PODER JUDICIÁRIO ­ JUSTIÇA DO TRABALHO
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a decisão da causa quando complementados por outros indícios e provas obtidos na instrução judicial. Precedentes. II ­ A análise da suficiência ou não dos elementos de prova para a condenação é questão que exige revolvimento do conjunto fático­probatório da causa, providência incabível na via do habeas corpus. III – O habeas corpus, em que pese configurar remédio constitucional de largo espectro, não pode ser empregado como sucedâneo de revisão criminal. Precedentes. IV – Ordem denegada”.(HC 104669, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 26/10/2010).
Salienta­se que a grande finalidade da ação civil pública é obter provimentos judiciais de alcance coletivo, que reforçarão o cumprimento da lei e desencorajarão condutas socialmente inaceitáveis. Em suma, o instituto visa a garantir a observância e o cumprimento do ordenamento jurídico, particularmente, dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados.
Somente assim será possível obter a mudança da mentalidade dos agentes econômicos, com vistas ao cumprimento, a tempo e a modo, do direito material, objetivo esse que todos os operadores do Direito devem prestigiar.
Fica mantida, com fundamento nos arts. 12 da Lei 7347/85, 461 do CPC e 84 do CDC, antecipação da tutela de mérito, contudo, tendo em vista que se trata de empresa de grande porte, em que a implementação das medidas determinadas na Lei 12.619/12 demanda tempo e dispêndio de numerário, considerando, ainda, que havia a possibilidade de reforma da decisão de origem, mostra­se prudente estabelecer que a antecipação dos efeitos da tutela se dê a partir da publicação deste acórdão.
Mantenho a multa diária de R$5.000,00 por dia de descumprimento e por empregado ou motorista contratado (astreintes), porque o valor é razoável e o intuito é compelir o cumprimento espontâneo das obrigações delineadas na sentença. Reverte­se o valor da multa à Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais para ser utilizado na aquisição de veículos, conforme necessidade deste órgão público.
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O direcionamento do valor da multa a esta entidade está de acordo com o art. 13 da Lei nº 7.347/85 interpretado à luz dos princípios constitucionais fundamentais, uma vez que atende ao objetivo de reconstituição dos bens lesados e do Enunciado 12 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho promovida pelo C. TST. A reversão do valor da condenação à entidade com finalidade social também está em consonância com a Resolução nº 154 de 2012 do Conselho Nacional de Justiça, que define a política institucional do Poder Judiciário na utilização dos recursos oriundos da aplicação da pena de prestação pecuniária, destinando­os, preferencialmente, à entidade pública ou privada com finalidade social, previamente conveniada, ou para atividades de caráter essencial à segurança pública, educação e saúde, desde que estas atendam às áreas vitais de relevante cunho social, a critério da unidade gestora.
Plenamente justificada, pois, a destinação do valor das astreintes à associação acima específica.
Dou, pois, provimento parcial ao recurso para determinar que o marco inicial da tutela antecipada seja a publicação deste acórdão, no prazo de trinta dias, bem assim para reverter o valor da multa a favor da Superintendência Regional do Trabalho em Minas Gerais.
DO DANO MORAL COLETIVO
O dano moral coletivo pode ser definido como a injusta lesão a interesses metaindividuais socialmente relevantes para a coletividade, tutelados juridicamente, cuja ofensa atinge a esfera moral de determinado grupo, classe ou comunidade de pessoas ou até mesmo de toda a sociedade, causando­lhes sentimento de repúdio, desagrado, insatisfação, vergonha, angústia ou impotência em face da lesão perpetrada.
Diante da situação revelada nos autos, torna­se imprescindível a imediata e eficaz resposta do sistema jurídico, com a necessária condenação em pecúnia do responsável, com fundamento nos artigos 5º, V e X, da CF/88, 1º, IV, da LACP e 6º, VII, do CDC, afinal, apenas a imposição judicial de uma abstenção ou de cessação da conduta danosa deixaria impune e sem ressarcimento a lesão já perpetrada.
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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO
00989­2012­136­03­00­5­RO
Quanto ao valor da reparação, em se tratando de dano moral coletivo, deve o julgador levar em conta, em primeiro lugar, a sua natureza pedagógica, a fim de evitar a reiteração do ilícito. Neste caso, um valor ínfimo pode servir como estímulo à prática reiterada, especialmente se o infrator for empresa de grande poder econômico.
Outros fatores também devem ser sopesados no momento da fixação da indenização, tais como a extensão do dano (considerando o elevado número de motorista da ré); permanência temporal (lesões aos direitos coletivos dos trabalhadores perduraram por aproximadamente 8 anos); situação econômica do ofensor (empresa­ré integra um dos “maiores grupos corporativos do país”, segundo informações retiradas do seu sitio eletrônico na rede mundial de computadores), mantenho a indenização arbitrada em R$500.000,00 (quinhentos mil reais), que atende à sua dupla finalidade, pedagógica e reparatória da ordem jurídica.
Tal valor será revertido à Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais para ser utilizado na aquisição de veículos automotores, empregados na fiscalização da legislação trabalhista, conforme necessidade deste órgão público, pelos motivos já expostos.
AGRAVO DE PETIÇÃO
O MM Juízo de origem indeferiu a execução imediata das astreintes, “considerando a existência do recurso ordinário interposto e que se noticia, também defesa/recurso administrativo, este especificamente relacionado às infrações verificadas na SRT” (fl. 1082).
Recorre o MPT postulando execução imediata das astreintes, sob o fundamento de que é patente a possibilidade da exigência da multa diária antes do trânsito em julgado (fl. 1089).
Examino.
Tendo em vista a modulação do termo inicial da antecipação de tutela, concedida, neste acórdão, a partir de sua publicação, nego provimento ao apelo por perda de objeto.
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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO
00989­2012­136­03­00­5­RO
FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,
O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, pela sua 1ª Turma preliminarmente, à unanimidade, conheceu do recurso ordinário interposto pela reclamada; no mérito, sem divergência, deu­lhe provimento parcial para determinar que marco inicial da tutela antecipada seja a publicação deste acórdão. Mantido o valor da condenação, porque ainda compatível. Reverteu o valor das astreintes e do dano moral coletivo à Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais, cujos valores deverão ser utilizados na aquisição de veículos, conforme necessidade do referido órgão público. Por maioria de votos, conheceu do agravo de petição interposto pelo Ministério Público do Trabalho, vencida a Exma. Desembargadora Revisora; no mérito, ainda por maioria de votos, negou­lhe provimento, vencida a Exma. Desembargadora Revisora. Custas, pelo Agravante, no importe de R$44,26 (quarenta e quatro reais e vinte e seis centavos). Isento, nos termos do artigo 790­A, inciso II.
Belo Horizonte, 2 de março de 2015.
JOSÉ EDUARDO DE RESENDE CHAVES JÚNIOR
DESEMBARGADOR RELATOR
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