HAMLET: THE RUPTURING DELAy1
(HAMLET: A HESITA9Ao DE RUPTURA)
MARCOS ROBERTO BATISTA DE FREITAS
estudos sobre as obras de William Shakespeare (1564 - J616),
urn dos assuntos mais controversos e a questao da hesita~ao do persona­
gem-tftu10 da tragedia Hamlet (1601) em vingar a morte de seu
Levando-se em conta que a referida pe~a foi esc rita segundo a tradi~ao
das Revenge Plays ("pe~as de vingan~a"), hl1 obviamente uma situa~ao
inusitada em Hamiel, ja que 0 prfncipe da Dinamarca perde pe10 menos
uma oportunidade perfeita em realizar a a~ao fundamental destaRevenge
Play, que e a vingan~a: ainda no terceiro ato (cena tres) da tragedia, 0
protagonista adia a execu~ao de seu leitmot~fpor urn motivo de cunho
reI igioso que nao e compativel com 0 carliter essencialmente questionador
e humanista de Hamlet. 0 adiamento da vingan~a estende-se ate a catas­
trofe no quinto (e ultimo) ato, onde Hamlet mata seu tio Claudio mais
para revidar a vileza de seu proprio envenenamento no duelo de floretes
com Laertes do que para vingar 0 envenenamento de seu paL
Muitas teorias foram elaboradas na crftica litcniria shakespearcana
para explicar a hesita~ao de Hamlet que, aparentemente, nao e justifica­
vel. As principais teorias sobre 0 assunto sao a Romantica (no seculo
XIX) e a Psicanalftica (no seculo XX). A teoria Romantica afirma que
protaganista da tragedia em questao hesita em matar Claudio, 0 usurpador
que assassinou 0 proprio irmao para tamar 0 reino da Dinamarca, por­
que Hamlet tinha uma tendencia a filosofar e meditar que 0 tornava inap­
to a agir. Urn dos principais articuladores dessa leoria, Samuel Taylor
Coleridge (1772 - 1834), afirmavaque: "Shakespeare wished to impress
on us the truth, that action is the chief end of existence - that no faculties
of intellect, however brilliant, can be considered valuable, or indeed
otherwise than as misfortunes, if
withdraw us from, or render us
Disserta~iio de Mcslrado em Lileraturas de LIngua IngJesa, dcfendida em 13 de
mar~o de 2003, no Inslitulo de Lelras da UERJ, sob orientac;ao da Prot~ Dr" Pennia
I
Viana Guedes.
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Harnlet:The Rupturing Delay
Marcos Roberto Batista de Freitas
a pe~a que fosse mais "fiel" aos padroes detemlinados pelo Estagirita
em sua Poetica,
repugnant to action, and lead us to think and think of doing, until the
time has elapsed when we cando anything effectually"'.
A tradi<;ao da critica Iiteraria psicanulflica tern varias ramifica­
.;;6es, mas as principais leorias dessa crftica sobre a hesita~ao de Hamlet
sao duas: a de A. C. Bradley e a de Sigmund Freud. A. C. Bradley (1851
1935) anrma que a ina<;ao de Ham let e devida a sua profunda mehm­
colia (pel a defini~ao renascentista, que a considera como urn atribulo do
cat'ater de uma pessoa, e nao como urn estado passagciro), Essa melan­
col ia seria urn atributo paradigmatico do homem renascentista no perso­
nagem de Hamlet, que tern de viver em urn momento hist6rico de duvidas.
Ao comparar Hamlet com os conceitos da Poetica, nota-se que a
pe~a teatral em questao segue todos os principais pont os detemlinados
por Arist6teles para a elabora~ao de uma tragedia de qllalidade, exeeto 0
principal deles: a a-;ao tnigica do her6i. Arist6teles afirmava perempto­
riamenle que a pial' tragedia seria aquela em que 0 her6i tragico hesita ou
se nega a executar a a\ao tnigica (Pohica, cap, XIV). Nesse caso. se­
gundo 0 Estagirita, nao se produzia 0 efeito catartico na plateia e, por
conseguinte. 0 objetivo da tragedia enquanto manifesta~ao arlfstica nao
seria alcan~ado, 0 que vemos em Hamlet e exatamente 0 contrario do
que Arist6teles afirmava: a lragedia do prfncipe da Dinamarca e uma
das pe~as teatrais mais famosas e mais eneenadas da dramaturgia mun­
dial; e Hamlet tamb~m econsiderado lima figura central entre os grandes
personagens da literatura mundial. Tudo isso indica que 0 objetivo de
Hamlet enquanto lragedia foi plenamente alcan\ado, nao obstante 0 fato
dessa pe\a contradizer 0 preceito da a~ao tragica escrito na Poerica,
ira, desapontamentos e incertezas,
Sigmund Freud (1856 1939)' em uma de suas famosas cartas,
descreve a hesita<;ao de Hamlet em vingar 0 envenenamento de sell pai
como urn cfeito do complexo de Edipo que atua no inconsciente desse
her6i tragico. Hamlet se veria, de acordo com Freud, numa situa~ao
angustiante ao extrema: tem que vingar-se do lio (CI{mdio), mas ao mes­
mo tempo quer tamar 0 lugar dele - SCI' 0 novo rei da Dinamarca c
desposar sua propria mae, a rainha Gerll1ldes.
Em meu trabalho, eu proponho que a hesitarr ao de Hamlet em
realizar sua vingan\a pode ser explicada em termos esteticos, pe1a teoria
dramatica, Primeiramentc, devo salientar que no perfodo renascentista
(no qual a dramalurgia shakespeareana esta inserida) houve grande
revivifica\ao e valoriza\ao dos escritos de dramaturgos e pensadores da
Grecia antiga, Arist6teles (384 322 a.c.) foi 0 autor do primeiro trata­
do de teoria literaria da civilizw;ao ocidental: a Poetic{l, Esse tratado
dcdica a maior parte dos seus vinte e seis capftulos ao esludo da lragc­
dia, usando como exemplos as tragedias e os personagens criados pelos
principais nomes da dramaturgia grega, como Esqui 10, SMocks. Euripides
etc. No Renascimento, a Poetica de Arist6leles era considerada 0 "guia
normativo" para a cria<;ao dramatica, e os principais nomes da
dramalUrgia no Renascimenlo consideravam como de melhor qualidade
"Shakespeare deseJava Impor-nos a verdade, de que a ac;iio coprincipal resultado
da exislcncia que ncnhuma das faculdadcs do inte\eclo, apcsar de hrilhantes, po­
dcm sel' consideradas vaiiosas, ou mesmo diferenles das advcrsidadcs, sc clas nos
afastam da m,:ao ou nos deixam repugnados em agir, enos 1cvam a pensar c a pcnsar
em fazer, ate que lenha n~ssado a horn de efclivamenle sc fazer >llp-uma coisa", (Mi­
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Hamlet, portanto, difere das tragedias escritas tanto na Grecia
antiga quanto da dramaturgia dos conlemporaneos de Shakespeare pre­
cisamente na 'lues tao da a~ao tragica, ao nao seguir essa que e a princi­
pal premissa aristotelica sobre 0 assnnto. A misteriosa hesitayao de Hamlet
em realizar sua vingan.;a (ou sua a\ao tnigica) seria, na minha opiniao,
um artiffcio estetico de renova<;ao, consciente ou nao, para Shakespeare
romper, atraves de sua arte, com a influencia hegemonica do pensamento
chissico (sendo a Poetica uma das obras classicas que melhor represen­
tam essa influencia), que restringia c cerceava a arte dramatica mediante
padrces esteticos mllito antigos. Na minha opiniao, Shakespeare conce­
beu esse idiossincratieo her6i tnigico para demonstrar que a arte s6 deve
ser limitada pela pr6pria crialividade dos artislas,
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