UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O CONCEITO DE TEMPO NO ENSINO DE FÍSICA E SUA INFLUÊNCIA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Por: RAIMUNDO DOS SANTOS MONTENEGRO JUNIOR Orientador Prof. Dr. Fernando Gouvêa Rio de Janeiro 2009 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE O CONCEITO DE TEMPO NO ENSINO DE FÍSICA E SUA INFLUÊNCIA NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Apresentação Candido de Mendes monografia como à requisito Universidade parcial para obtenção do grau de especialista em Docência do Ensino Superior. Por: Raimundo dos Santos Montenegro Junior. 3 AGRADECIMENTOS Ao orientador Prof.Dr. Fernando Gouvêa, sem o qual a realização deste trabalho não seria possível. Aos amigos que contribuíram, direta ou indiretamente, para a confecção desse trabalho acadêmico. 4 DEDICATÓRIA À Deus por iluminar meu caminho na busca da realização deste sonho, e a Lucélia Ribeiro da Silva, minha esposa, que durante os momentos mais difíceis da realização deste trabalho, acreditou em meu potencial. sempre 5 RESUMO Este trabalho tem como propósito central compreender aspectos da construção do conceito de tempo desenvolvidas por alguns dos principais pensadores, ao longo dos séculos, tendo como ponto de partida uma concepção de ciência que se insere, mais amplamente, numa teoria dialética do conhecimento, em contraposição a uma visão metafísica. Busca-se em seguida explicitar a relação entre a história do conceito de tempo e a prática pedagógica, emergindo disso nossa opção por uma educação dialógica e libertadora, da qual se depreende, entre outras coisas, a relevância da história da ciência sob diversos aspectos, fundamentando, nessa perspectiva, o conceito de tempo como sendo de extrema relevância no âmbito da física, resultando na construção de um texto destinado, preferencialmente, a professores de ciências e áreas afins. A análise do material bibliográfico consultado permitiu delinear as características mais marcantes do processo de conceitualização do tempo, representados por um caminhar no sentido da objetivação e do racionalismo crescentes. Também foi possível avaliar a pertinência do referencial teórico utilizado na interpretação desse processo. Palavras-chave: tempo, ensino de física, escola. 6 METODOLOGIA O intuito deste trabalho é apresentar os principais resultados de uma pesquisa bibliográfica, cujo objetivo central é compreender aspectos da construção do conceito de tempo. Nosso estudo partiu da constatação de uma grande ausência, no que se refere a estudos voltados especificamente a aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem do conceito de tempo no ensino de física. No que diz respeito ao tempo, há estudos destinados à compreensão do tempo geológico, assim como outros onde o conceito de tempo aparece “pulverizado” em outros conceitos, mais não é o foco principal de atenção. A principal referência acerca do conceito de tempo em crianças encontra-se na obra A Noção de Tempo na Criança (Piaget, s/d), fundamental para a construção do conceito de tempo por crianças de 5 a 9 anos de idade. Tendo como ponto de partida os trabalhos alencados acima, a preocupação do nosso estudo foi a de buscar compreender a continuidade do processo de conceitualização do tempo físico, no campo teórico, sem estudo de casos, identificando os obstáculos históricos à construção desse conceito. Em nosso estudo, fizemos uso principalmente de noções bachelardianas, aplicadas na questão da construção do conceito de tempo. É justamente ao analisar o progresso do conhecimento científico que Bachelard funda o conceito de obstáculo epistemológico. Para ele, é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento deve ser colocado, pois eles surgem inevitavelmente na relação dos sujeitos com os objetos do conhecimento. É a superação desses obstáculos que propicia o avanço do conhecimento. Se o progresso do conhecimento depende da superação de obstáculos, essa por sua vez nunca é definitiva. Para caracterizar esse processo a partir dessa perspectiva, analisamos a evolução filosófica do conhecimento, objetivando compreender como um processo que atravessa fases, caminhando no sentido de uma maior coerência racional, passando pelo aninismo (ou realismo ingênuo), empirismo e pelo racionalismo tradicional, 7 contribuiu para o progresso do entendimento do conceito de tempo ao longo da história. SUMÁRIO 8 INTRODUÇÃO.....................................................................................................09 CAPÍTULO I - A HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA ....................10 CAPÍTULO II - O NASCIMENTO DA CIÊNCIA MODERNA..................................21 CAPÍTULO III – A PROBLEMATIZAÇÃO DO CONCEITO DE TEMPO E SUA PERSPECTIVA HISTÓRICA................................................................................31 CONCLUSÃO......................................................................................................38 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA...........................................................................41 ÍNDICE.................................................................................................................44 FOLHA DE AVALIAÇÃO......................................................................................45 9 INTRODUÇÃO O interesse pela questão do tempo certamente não é novo, pessoalmente acredito que nossa sociedade atual, por motivos ligados à sua organização política e econômica, é escrava do tempo, em diversos sentidos. Mas é possível (e preciso) negar essa visão como única e definitiva para redescobrir e admirar esse conceito. De um lado, o tempo subjetivo, a percepção do tempo, a construção cognitiva dessa noção, as diferentes visões sociais e histórias a seu respeito, a memória, tudo isso é complexo e interessante, assim como, de outro, o tempo físico, seja ele da mecânica clássica, da relatividade, ou retocado pela termodinâmica ou pela cosmologia. Além disso, a problematização pedagógica desses conceitos ainda é um terreno não muito explorado. Desvela-se assim (mas jamais inteiramente) o mistério do tempo que, como quase todos os “obscuros” conceitos da física, paradoxalmente “claros” à primeira vista, exerce o seu fascínio. A própria palavra que, isolada, leva quase que imediatamente à reflexão, é em si mesma uma metáfora da existência. Muitas dessas entrelinhas estarão presentes nesta monografia. 10 CAPÍTULO 1 A HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA Diante das atuais condições do ensino de física no Brasil e das diversas bases teóricas desenvolvidas ao longo dos anos em pesquisa na área de educação, muitos professores deparam-se com a disparidade entre o que é produzido cientificamente e o que de fato pode ser aplicado em sala de aula. Na prática, o método tradicional estabelece distância na relação professoraluno e diminui a convivência entre os sujeitos, restringindo o aprendizado, pois uma relação mais amistosa e humana entre ambos contribuiria também na aprendizagem. Já o método cognitivo interacionista, prioriza as atividades dos sujeitos, ao criar um ambiente desafiador. De fato, um ambiente onde o aluno possa construir suas habilidades de maneira autônoma, através da interação entre os alunos e o professor, contribui para o desenvolvimento das inteligências e, quando aplicadas ao ensino de física, certamente despertarão o interesse sobre os conteúdos desta ciência. Uma educação científica que apresente a ciência como um fazer humano, contextualizado histórica e socialmente, que evidencie seu caráter inacabado, transitório, bem como as rupturas e transformações pelas quais essa atividade passou através dos séculos não pode, certamente, abdicar da história. Seja no ensino superior, médio ou fundamental, defendemos que aspectos históricos estejam contemplados na prática educativa. No entanto, de qual história da ciência falamos aqui? Não defendemos aquela história que, quando presente nos textos didáticos tradicionais do ensino médio ou superior sirva apenas como 11 ilustração. Esse tipo de história factual e cronológica, às vezes, mais prejudica do que auxilia uma tentativa de apresentação da ciência, perpetuando muitas vezes concepções ingênuas do fazer científico, estereotipadas e, até, mentirosas. Defendemos a história da ciência tanto na formação dos professores e pesquisadores da área de ciências quanto na formação do cidadão comum contemporâneo que pode, ou não, seguir algum curso superior em outras áreas do conhecimento. Optamos por uma história que não seja uma reconstrução do passado com o objetivo de selecionar apenas o que pode ser útil para a compreensão das teorias e modelos atualmente aceitos, e a argumentação deve caminhar no sentido de fazer uma construção racional crítica, instigadora do imaginário, que revele os sucessos e fracassos ocorridos ao longo do desenvolvimento da física, enfim, uma história que apresente o caráter dinâmico do passado e que, certamente, com uma educação inovadora, será ainda mais dinâmica. Não se trata, portanto, de tomarmos a história da ciência de forma dogmática, como se ela fosse a solução para todos os problemas do ensino de física e sim abalar as certezas, tornando-a não-dogmática, crítica e humana. Isso revela a complexidade do fazer científico, e nesse sentido, a formação do discente-cidadão não estaria de forma alguma prejudicada, mas engrandecida. Reafirmamos que as razões levantadas em favor da utilização da história da ciência no ensino de física inserem-se no contexto da concepção dialética do conhecimento, e consideramos que a perspectiva histórica seja algo que também deva estar presente na sala de aula, sendo encarada de modo não-dogmático. Embora a história da ciência não seja, em si, uma metodologia de ensino, também não pode ela, garantir tal coisa. Certamente, nem todos os estudantes irão motivar-se através de uma educação científica histórica, mas 12 essa perspectiva deve ser-lhes apresentada, sob a pena de transformarmos educação em doutrinação. (SCHENBERG, 1984, p. 30) Pretendemos haver evidenciado em que medida a não-historicidade contribui para intensificar o caráter dogmático da educação científica, em geral. Esse dogmatismo, entretanto, acentua e é acentuado por uma prática pedagógica caracterizada pela fragmentação. Resultam os currículos de uma excessiva e artificial compartimentalização do conhecimento, e, mesmo dentro de cada disciplina, o conteúdo é subdividido de modo estanque, fazendo com que um determinado estudo pouca ou nenhuma relação pareça ter com o seguinte. A fragmentação é tamanha que, muitas vezes, a cinemática parece absolutamente não se relacionar com a dinâmica, que se apresenta aos alunos como “outra matéria”. Certamente que a perspectiva disciplinar é importante, no sentido de que o professor de física precisa ser conhecedor de física, para que possa estabelecer claramente os limites de tal conhecimento, seu âmbito de atuação e sua perspectiva do real. A idéia de disciplinaridade é importante para demarcar e para poder compor. Somente é possível compor um todo juntando as partes, quando você conhece as partes. A disciplinaridade é o ato de conhecer essas partes. Um todo é muito mais que a soma das partes, mas é preciso que se tenha conhecimento dessas partes. O pensar dialético leva-nos a reinterpretar a soma das partes e essa soma é algo que se concretiza à custa de uma perda. Nessa soma, deve-se buscar o estabelecimento dos limites de certo conhecimento. Nesse sentido, um conceito, lei, teoria ou disciplina deixa de possuir um imenso campo de atuação que uma abordagem primeira poderia levar a supor. Há uma perda que, paradoxalmente, é um ganho, no tocante ao estabelecimento de uma maior profundidade. Desse modo, pensamos que exista uma ruptura entre o chamado senso comum e o conhecimento sistematizado. A problematização do primeiro o limita, visando à sua transcendência. 13 Então: Não seria a prática interdisciplinar uma forma de estabelecer esses limites? Um conceito ganha clareza quando compreendemos o que ele não é? Onde ele não se aplica? Vejamos: No momento que um conceito muda de sentido, é um acontecimento da conceptualização (percurso entre a percepção e a construção do conhecimento). Mesmo se colocando do simples ponto de vista pedagógico, o aluno-cidadão compreenderá melhor, por exemplo, o valor da noção galineana de velocidade se o professor souber expor o papel aristotélico da velocidade no movimento. (BACHELARD, 1985, p. 51) Acreditamos que o aluno também compreenderá melhor o conceito físico de tempo se o professor souber expor as outras acepções que esse conceito adquire em outras áreas do conhecimento, na linguagem nãoacadêmica. Um trabalho dessa natureza pode vir a ser interessante na busca que nos propusemos aqui, e representa certamente um tipo de pensamento interdisciplinar. Contudo, para nós, a interdisciplinaridade nasce a partir da problematização, concebida segundo o referencial educacional de Paulo Freire. Para ele, tudo pode ser problematizado e, nesse processo, o educador não é mero espectador, encontrando-se igualmente problematizado. (FREIRE, 2ª edição, 1975) A verdadeira problematização, acreditamos, passa pela interdisciplinaridade. Como problematizar um determinado conteúdo de física, sem efetivamente incorporar os elementos dessa problematização em uma prática subseqüente? Esses elementos poderão contribuir para a delimitação do conhecimento em física, numa prática interdisciplinar? Para nós, o próprio professor de física, no âmbito da problematização a que se propõe, deve explorar as possíveis interfaces do conceito, tema ou assunto que pretenda trabalhar com seus alunos. A partir disso os estudantes 14 podem admirar e readmirar esse conceito, uma vez que conhecem os limites do mesmo, no campo do conhecimento sistematizado. O trabalho a partir de diversos referenciais, dados pelas diversas disciplinas, resulta num aprofundamento, numa objetivação daquele conceito, complexo em sua natureza, em torno do qual, dois sujeitos, dialogicamente, elaboram suas reflexões. Nesse nosso trabalho, deixaremos de lado a perspectiva interdisciplinar, citada apenas para estabelecer uma relação dialética, optando pelo aprofundamento da perspectiva histórica. Não que a primeira seja menos relevante dentro de nossa concepção de educação, mas por refletir apenas um tipo de limitação inerente a esse trabalho. Com vistas a uma exemplificação de como a perspectiva histórica poderia estar contemplada no ensino de física, tomaremos para nossa análise, a partir de agora, um conceito de fundamental importância na física: o conceito de tempo. Embora nossa escolha contenha uma aparente simplicidade, o conceito de tempo é extremamente complexo, permeando os diversos ramos do conhecimento físico, dado o seu caráter fundamental. Apesar disso, é um conceito pouco estudado, no que se refere ao ensino de física. Pretendemos apresentar diversas concepções desse conceito ao longo da história, criando subsídios para uma análise posterior, favorecendo um primeiro contato com o material histórico, ainda não problematizado. Procuraremos abordar as idéias desenvolvidas por alguns dos principais pensadores que se debruçaram sobre essa questão específica, ao longo dos séculos. 1.1 - O CONCEITO DE TEMPO NA ANTIGUIDADE 15 Já na pré-história, o homem notava mudanças sazonais em seu meio ambiente, tanto no que se refere à abundância de espécies animais e vegetais, como à presença de ciclos regulares na natureza, como o dia e a noite. Não tardou a surgir a percepção de relações entre os ciclos celestes e os biológicos. Foi, no entanto, a fixação do homem à terra que o levou à elaboração dos primeiros calendários, marcas das primitivas civilizações agrícolas. Reciprocamente, o conhecimento das estações foi uma condição para que esse processo ocorresse de modo definitivo. A história dos calendários, por si só, é algo extremamente fascinante, que mereceria uma abordagem mais extensa. O que nos importa aqui, no entanto, é, em primeiro lugar, a própria idéia de marcação do tempo que surge com eles e, em segundo lugar, as possíveis concepções sobre o tempo. O calendário egípcio, por exemplo, era composto de 12 meses de 30 dias cada, com 5 dias adicionais de festa ao final do ano. Baseado no movimento do Sol dividia-se o ano em três estações: tempo da inundação, tempo da semeadura e tempo da colheita. O ciclo das cheias do Nilo tem profunda relação com a visão de tempo dos egípcios, pois o “mito de Osíris”, que corporificava esse ciclo de nascimento, encerrava uma promessa de imortalidade, ou seja, de tempo infinito para Faraó. Por ocasião da morte física do Faraó, uma série de ritos o capacitava a tornar-se “Osíris”, entidade imune à devastação do tempo. (WHITROW,1993, p. 38) As pirâmides são verdadeiros monumentos à imortalidade, e o culto a “Osíris” simbolizava essa busca. Devemos aos egípcios os primeiros relógios de Sol, assim como os primeiros relógios de água, usados posteriormente pelos gregos e romanos. 16 Os babilônios criaram um calendário baseado na Lua. Havia 12 meses Lunares, com 29 ou 30 dias cada, sendo um décimo terceiro mês acrescentado de vez em quando. Devido ao próprio ambiente onde essa civilização desenvolveu-se, assolado por grandes variações climáticas, tinham uma visão do mundo marcada por destruições, o que se reflete em sua mitologia. A visão babilônica do tempo caracterizava-se mais pela inconstância do que pela permanência de ciclos. Os antigos calendários gregos eram bastante caóticos. Todos eles se baseavam em meses lunares astronômicos, sendo que a intercalação do 13º mês era feita segundo a vontade da autoridade local. Assim, o calendário diferia de cidade para cidade. Posteriormente, os gregos procuraram ciclos que pudessem organizar essas intercalações. O mais importante deles foi o Metônico, com duração de 19 anos. O grego Meton observou, por volta de 430 a.C., que 19 anos Solares correspondiam a 235 Lunações, enquanto 19 anos Lunares correspondiam a 228 Lunações. Era necessário, então, intercalar 7 meses Lunares a cada ciclo de 19 anos. Na América, os maias construíram um calendário extremamente preciso e complexo, formado por um ano Solar de 18 meses e 20 dias, com 5 dias intercalados, perfazendo um total de 365 dias. Havia outros ciclos de importância em sua astronomia, fruto de uma relativamente avançada matemática. (BOCZKO,1984, p. 16. WHITROW,1993. p. 109 – 113) 17 A marcação do tempo, para as primeiras grandes civilizações, sempre esteve associada aos movimentos dos astros e os ciclos da natureza. As observações astronômicas eram uma necessidade, e não apenas fruto de simples curiosidade. Essa idéia de tempo, associada aos movimentos dos astros, estendeu-se ao movimento de qualquer corpo que possui massa, tornando-se uma característica da mecânica newtoniana, que faz uso de outro conceito físico igualmente importante (a velocidade), que diz que o tempo é igual ao espaço percorrido dividido pela velocidade (t = S / v). Essa velocidade, no contexto físico, deve ser entendida como a rapidez dessa mudança de posição. Sendo assim, o tempo newtoniano estaria relacionado com a mudança de posição, em relação a um referencial inercial e à respectiva rapidez com que essa mudança ocorre. Porém, se a mudança de posição depende da adoção de um referencial inercial, pode-se dizer que o tempo matemático de Newton dependeria do estado de movimento desse corpo, ou seja, sem movimento não haveria tempo matemático. Esse tempo matemático, equacionável, seria um tempo independente da percepção humana, uma vez que o estado de movimento é uma característica inercial dos corpos. Referenciais inerciais e não inerciais podem ser distinguidos pela ausência ou presença de forças fictícias, como explicado brevemente. A presença de forças fictícias indica que as leis físicas não são as leis mais simples disponíveis, então, em termos do princípio da relatividade especial, um referencial onde forças fictícias estão presentes não é um referencial inercial. Corpos em referenciais não inerciais ficam sujeitos as chamadas forças fictícias (pseudo-forças); isto é, forças provenientes da aceleração do próprio referencial e não de forças físicas atuando no corpo. Exemplos de forças fictícias são a força centrífuga e a força de Coriolis em referenciais girantes. Como então, são as forças "fictícias' separadas das forças "reais"? É difícil aplicar a definição newtoniana de referencial inercial sem essa 18 separação. Por exemplo, considere um objeto estacionário em um referencial inercial. Estando em repouso, nenhuma força resultante está aplicada. Mas em um referencial girando sobre um eixo fixo, o objeto parece mover-se em um círculo, e está sujeito a força centrípeta (que é composta pela força de Coriolis e pela força centrífuga). Como podemos decidir que o referencial girante é um referencial não inercial? Há duas abordagens para essa resolução: uma abordagem é olhar para a origem das forças fictícias (a força de Coriolis e a força centrífuga). Nós perceberemos que não há fontes para essas forças, nenhum corpo originando-as. Uma segunda abordagem é a olhar para uma variedade de referenciais. Para qualquer referencial inercial, a força de Coriolis e a força centrífuga desaparecem, então a aplicação do princípio da relatividade especial seria identificar estes referenciais onde as forças desaparecem,compartilhando das mesmas e mais simples leis da física, e, por conseguinte, que o referencial girante não é inercial.O próprio Newton examinou esse problema usando esferas em rotação. Ele argumentou que se as esferas não estão em rotação, a tensão na corda é medida como zero em todos os referenciais. Se as esferas apenas aparentam estar em rotação(isto é, estamos observando esferas estacionárias, de um referencial em rotação), a tensão nula na corda é respaldada pela observação de que a força centrípeta é fornecida pelas forças centrifuga e de Coriolis em combinação, logo nenhuma tensão é necessária. Se as esferas realmente estão em rotação, a tensão observada é exatamente a força centrípeta exigida pelo movimento circular. Assim, a medição da tensão na corda identifica o referencial inercial: é o que onde a tensão na corda é exatamente a força centrípeta exigida pelo movimento da maneira que ele é observado naquele referencial, e não um valor diferente. Isto é, o referencial inercial é aquele onde as forças fictícias desaparecem. (Halliday,1995) O poeta lucrécio (98 - 55 a.C.) apresentava idéias avançadas para sua época, ao defender um universo infinito em todas as direções e um tempo sem existência em si mesmo, não-separado do movimento das coisas. Aqui, 19 vemos que a idéia de tempo lucreciano nos remete à física clássica, e ao conceito de tempo defendido modernamente por Newton. O tempo, para os judeus, era linear devido a crença da criação e triunfo do povo eleito(Israel), e esse conceito influenciou o cristianismo (por considerar a crucificação de Cristo um evento não passível de repetição), que por sua vez influenciou a visão ocidental de tempo, de maneira profunda. (LUCRÉCIO, 1980, p. 37. WHITROW,1993. p. 57 – 73) 1.2. O CONCEITO DE TEMPO NA IDADE MÉDIA Um personagem importante para nós, dada a sua profundidade sobre suas reflexões sobre o tempo, foi Santo Agostinho (354 – 430). Nascido cerca de 40 anos após o cristianismo tornar-se a religião oficial do Império Romano do Ocidente, procurou compreender o significado da frase do Gênesis: “no princípio Deus criou o céu e a Terra”. Como nada material poderia existir antes da criação, Agostinho concluiu que o criador fez o mundo a partir da palavra. Em seguida procura responder a questão: O que estaria Deus fazendo antes da criação? Sua resposta: “não sei”. E é nesse ponto que começam suas conjecturas sobre o tempo. (AGOSTINHO,1980. p. 213 – 214) Para ele, o “passado” já não existe, e o “futuro” ainda não veio. Numa tentativa de atribuir realidade ao “presente”, passa a considerar alguns intervalos de tempo, mostrando que sempre há, em qualquer divisão que se faça, um passado que já não é, e um futuro que ainda será. Concluiu que o presente não tem nenhuma duração. Não obstante, Agostinho admite que podemos comparar intervalos de tempo, na poesia ou na música, sem associá-los aos movimentos dos corpos. Segundo ele, se os astros, por exemplo, deixassem de se mover, ainda assim poderíamos avaliar se o movimento de uma roda é mais rápido ou mais lento a cada volta. Também as sílabas por nós pronunciadas continuariam sendo “longas” ou “breves”. 20 Sendo assim, os movimentos dos corpos celestes não marcavam o tempo, para Agostinho. (AGOSTINHO,1980. p. 217 – 219) São Tomás de Aquino (1225 – 1274) discutiu a existência de 3 tipos de tempo: o dos corpos e fenômenos terrestres, a eternidade atemporal, e o tempo dos anjos, dos corpos celestes e das idéias. A visão aristotélica de tempo, fundida com teses religiosas, torna-se evidente em São Tomás quando afirma que, se Deus não está sujeito aos movimentos de coisa nenhuma, pode-se inferir que não há nele qualquer sucessão de tempo. (TOMÁS DE AQUINO,1973. p. 79) O importante para nós, até aqui, é assinalar como todo esse desenvolvimento influenciou a visão comum sobre o tempo. Cada vez mais o tempo passa a ser “medido”, “racionalizado” e “economizado”. Horários fixos passam a ser estabelecidos para uma série de atividades, principalmente no que se refere ao estudo e ao trabalho. Encontramos nessa época de profundas transformações políticas, sociais e econômicas, as raízes de muitos aspectos da maneira como o tempo é vivenciado por um cidadão comum de nossa sociedade atual. 21 CAPÍTULO 2 O NASCIMENTO DA CIÊNCIA MODERNA Para a filosofia e a ciência, estava por vir uma alteração mais profunda. Galileu Galilei (1564-1642) irá desferir duros golpes contra o conceito aristotélico ainda dominante na descrição do universo, em geral, e dos demais movimentos, em particular. Ao defender a mobilidade da Terra, inaugura uma “nova interpretação natural”, baseada na relatividade do movimento. Galileu “matematiza a experiência” ao estabelecer sua Lei de queda dos corpos. E é nesse ponto em particular que o seu trabalho nos diz respeito aqui, uma vez que a mudança de velocidade dos corpos em queda dá-se a uma taxa constante relativamente ao tempo(vfinal = a.t), e não ao espaço. A visão manifesta por Galileu, após haver “temporalizado” o movimento de queda dos corpos, é um prelúdio da teoria newtoniana, tanto no que se refere ao conceito de tempo, propriamente dito, quanto ao desenvolvimento do cálculo diferencial e integral. (Revista Brasileira de Ensino de Física, 1995, 17(1), p. 50-54) René Descartes (1596-1650) propõe uma teoria bastante complexa para explicar o universo. Admite a presença de Deus para o seu surgimento, sendo sua ação responsável por “quebrar” a matéria primordial e colocá-la em 22 movimento. As desenvolvimento “Leis naturais”, posterior do criadas mundo. A por Deus, cosmologia acarretariam de o Descartes, essencialmente qualitativa, será alvo de duras críticas por parte de Newton. Uma discussão detalhada sobre a cosmologia de Descartes foge aos propósitos desse trabalho. Interessa-nos aqui somente apontar sua existência e o fato dela admitir um início temporal para o universo. (MARTINS, 2ª edição, 1994) Isaac Newton (1642-1727) entendia o tempo e o espaço como absolutos, e os trouxe para o formalismo da mecânica, que passou a chamar-se “mecânica newtoniana”. Em sua principal obra, Newton procura separar o que chama de “tempo absoluto” do “tempo relativo”. O primeiro é o “tempo da mecânica”, enquanto o segundo é uma espécie de “sombra” do primeiro, vinculado à nossa percepção. No Opticks(livro III – Parte 1 – Q31), ele caracteriza o espaço absoluto como sendo o “sensório de Deus” e quanto ao tempo, Deus também faz-se presente quando lança sua concepção de dt (o infinitésimo de tempo) que representava a ação de Deus em cada instante como um “regulador” de tudo o que ocorre no universo. Essa visão da atuação divina, que será criticada por Leibniz (1646-1716), procurava ir de encontro a teoria de Descartes, por considerar que essa favoreceria o “ateísmo”. No entanto, a sua preocupação com o ateísmo acaba levando Newton à, paradoxalmente, construir uma mecânica que, em sua formulação matemática, possibilitaria “deterministas” da obra eliminar de a Newton presença devem-se, de Deus. portanto, As visões mais aos “newtonianos” do que ao próprio Newton, tendo em vista seu apego aos princípios metafísicos. (LEIBNIZ, 2ª edição, 1983) Um primeiro aspecto interessante da mecânica newtoniana é o fato dela ser “reversível”, ou seja, admite uma transformação temporal que troque “t” por “-t”. Dito de modo acadêmico, equivale a dizer que os sistemas conservativos (nos quais a energia mecânica total permanece constante) não 23 são capazes de definir um sentido preferencial para o transcorrer do tempo. Assim, se filmássemos um pêndulo conservativo em oscilação, não seríamos capazes de decidir, ao assistirmos a exibição do filme, se o mesmo estaria sendo projetado “para frente” ou “para trás”. Por outro lado, nos sistemas dissipativos (onde a energia mecânica total não permanece constante), somos capazes de distinguir o sentido de projeção do filme. (SACHS,1987) As idéias de Newton sobre o tempo sofreram críticas por parte de pensadores da sua época e posteriores. Dentre eles, destacaremos um contemporâneo de Newton já citado anteriormente: Gottfried W. Leibniz. Para Leibniz, o tempo não tem uma existência independente das pessoas que o concebem. Ao contrário, é a ”ordem sucessiva das coisas” que nos dá a noção de tempo, sendo ele, pois, relativo. Diante da questão de por que Deus não havia criado o mundo algum tempo antes do momento em que o fez, Leibniz usa o seu “princípio da razão suficiente”, segundo o qual nada pode existir sem uma causa que o faça existir daquele modo. Se o tempo tivesse existência “fora dos eventos observáveis” (absoluto, portanto), seria difícil, com base nesse princípio, explicar por que Deus optou por um instante e não por outro. Para ele, o tempo é algo “idealizado”, construido a partir de relações, o que não impede de ser dotado de “quantidade”, ou seja, Leibniz admite que o tempo pode ser medido. (KOYRÉ, Gradiva, s/d) Outro importante crítico das idéias de tempo absoluto de Newton foi Ernst Mach. Em seu tratado sobre o o desenvolvimento histórico da mecânica, ele nega a possibilidade de um “tempo absoluto” pois, segundo ele, a própria idéia de tempo é uma abstração, a qual chegamos pela variação das coisas observadas. Não podemos afirmar, por exemplo, que o movimento de um pêndulo em oscilação ocorre no “tempo”. Percebemos esse movimento quando comparamos as sucessivas posições do pêndulo com outros pontos. Ainda que esses pontos não existissem, a comparação se daria com nossos pensamentos e sensações, que seriam diferentes. Da mesma forma, um 24 movimento só é uniforme quando comparado com outro movimento, também uniforme. Mach afirma que a nossa representação do tempo surge a partir de uma correspondência entre o conteúdo de nossa memória e o conteúdo de nossa percepção. O “tempo absoluto”, para ele, seria fruto de um conceito metafísico, sem valor científico. (MACH,1949) Fugiria dos propósitos aqui expostos uma descrição pormenorizada de todos aqueles que contribuíram para a formulação do princípio da conservação da energia, e consequentemente, da evolução do conceito de tempo, portanto, abordaremos somente os aspéctos que julgamos relevantes para uma melhor contextualização da discussão sobre o tempo. 2.1. O TEMPO NO SÉCULO XIX O princípio da conservação, é um dos mais fundamentais de toda a Física, assumido como válido tanto na mecânica clássica quanto na teoria quântica e na relatividade. Ele expressa a homogeneidade do tempo, ou seja, o fato de que o tempo “flui” sempre no mesmo ritmo, num dado referencial. Dessa forma, um fenômeno físico não muda, ao longo dos anos, se as condições iniciais permanecerem as mesmas. Podemos, em conseqüência disso, assumir, entre outras coisas, que uma determinada experiência não necessita ser repetida com o passar do tempo, pois seu resultado continua válido, consideradas as mesmas condições iniciais. No entanto, se um pêndulo partisse espontaneamente do repouso e começasse a oscilar, isso em nada violaria o princípio da conservação da energia. Os chamados “fenômenos irreversíveis”, como a transformação de um ovo em omelete, poderiam ser reversíveis, à luz do princípio da conservação. (NUSSENZVEIG,1981, p. 391-395) 25 Sadi Carnot (1796-1832), motivado pelas profundas transformações que as máquinas térmicas começaram a operar, apresenta um estudo teórico sobre o funcionamento delas em 1824. Nesse trabalho, Carnot busca princípios gerais para o funcionamento das “máquinas de calor”, estabelecendo condições de rendimento máximo para um ciclo reversível ideal e tecendo argumentos contra o “motor perpétuo” (crença da época sobre a possibilidade de se fabricar um motor que, após ser posto em movimento, jamais pararia). Os estudos sobre as máquinas térmicas favoreceram a elaboração da 2ª Lei da termodinâmica, que define um sentido preferencial para as trocas de calor: do corpo de maior temperatura para o corpo de menor temperatura. Isso conduziu os cientistas do século XIX a duas idéias: de que o tempo possui um sentido preferencial para transcorrer (do passado para o futuro) e tem caráter homogêneo (possui um “ritmo” constante). (MARTINS, 1994, p. 128-130) A descoberta da radioatividade natural propiciou uma exemplificação de um processo irreversível em nível atômico. Além disso, em breve ela seria utilizada para “medir o tempo”, ajudando em muito a fundamentação da geologia e da teoria da evolução de Charles Darwin. Proposta em 1859, sua teoria “esbarrava” em objeções referentes ao tempo necessário para que a evolução tivesse ocorrido, avaliado por Darwin como sendo superior à idade estimada naquela época para o universo, tanto no âmbito religioso (tempo bíblico) quanto no pensar científico. 2.2. O TEMPO NO SÉCULO XX Albert Einstein (1879-1955) propõe, em 1905, a chamada teoria da relatividade especial, cujos pilares básicos são: o princípio da relatividade (segundo o qual as leis físicas são invariantes entre sistemas de referência 26 inerciais), e a constância da velocidade da luz no vácuo (cujo valor foi estimado em 3.108m/s). Tais premissas são incompatíveis com a mecânica newtoniana que, como já vimos, pressupõe a existência de um tempo absoluto. Para a relatividade, o tempo passa a ser relativo, ou seja, depende do sistema de referência do observador. Desse modo, os relógios de observadores que se deslocam, um em relação ao outro, não marcarão a mesma coisa. (WHITROW, p. 175-178, 1993) Em sua teoria, Einstein apresentou uma nova definição para os conceitos de tempo e espaço, mostrando que a maneira como a mecânica de Newton abordava esses conceitos não era válida para algumas situações. Ao discutir o conceito de tempo, Einstein mostrou que a simultaneidade(fatos que ocorrem em diferentes locais e ao mesmo tempo) é algo relativo. Assim, o que é simultâneo para um observador poderá não ser simultâneo para outro observador que se move em relação ao primeiro. Podemos entender esse conceito de relatividade da simultaneidade se analisarmos um exemplo proposto pelo próprio Einstein. Suponha que um trem muito comprido se mova com velocidade muito alta. Imagine agora que dois raios caiam em dois lugares “A” e “B”, separados por uma distância que possui o mesmo valor do comprimento de um dos vagões do trem. A queda dos raios ocorrerá no momento em que as extremidades do vagão estiverem exatamente abaixo dos pontos “A” e “B” e será observada em dois referenciais inerciais diferentes. Um observador estará em repouso num ponto da estrada que corresponde à metade da distância entre “A” e “B” e um segundo observador estará no centro do vagão e, desta forma, em movimento em relação a um observador na estrada. Quando os dois raios caírem, o observador em repouso na estrada verá que esse acontecimento foi simultâneo, mas o observador dentro do vagão não perceberá a queda dos dois raios ao mesmo tempo, no seu referencial 27 um dos raios cairá primeiro. Por que isso acontece? A resposta está no fato de que a velocidade da luz, embora seja muito grande, não é infinita. No nosso exemplo, a luz dos dois raios terá que percorrer uma grande distância até chegar aos olhos dos dois observadores. Para o observador em repouso, a distância a ser percorrida será a mesma tanto para o raio que caiu em “A” como para o raio que caiu em “B”. Já para o observador no vagão, embora no momento em que os raios caíram ele estivesse no ponto médio entre “A” e “B”, a sua posição em relação a esses pontos mudou com o passar do tempo, pois ele se movimentava com a mesma velocidade do vagão. Desse modo, esse observador se movia em direção a um dos raios ao mesmo tempo em que se afastava do outro. Sendo assim, a luz do raio em direção ao qual ele se movia percorreu uma distância menor para chegar até ele enquanto a distância percorrida pelo outro raio foi maior e, por isso, o raio foi percebido num instante posterior. Imagine agora outra situação onde será possível verificar mais um efeito da relatividade, chamado dilatação do tempo. Um experimento será realizado no interior de um vagão que desta vez será muito alto. Novamente teremos dois observadores em referenciais diferentes. Haverá um observador no interior do trem em alta velocidade e será ele quem realizará a experiência. Mas, iremos supor que para um observador em repouso na estrada também será possível verificar o que ocorrerá no interior do vagão. O experimento consiste na emissão de um pulso de luz por uma lanterna presa no chão do vagão. A luz será refletida por um espelho, que por sua vez se encontra preso ao teto. Cada observador irá cronometrar o tempo que a luz da lanterna levará para subir até o teto e descer de volta à lanterna, após ser refletida pelo espelho. Digamos que a altura do vagão seja de 900.000 Km e sua velocidade 240.000 Km/s. Como a velocidade da luz é de 300.000 Km/s, e admitindo que a luz se propaga com velocidade constante, o tempo gasto pela luz da lanterna para percorrer a altura do vagão será de 3 segundos no movimento de subida e 3 segundos no movimento de descida. 28 Portanto, o tempo total será de 6 segundos. No entanto, para o observador em repouso na estrada, o tempo medido será de 10 segundos. Qual o motivo dessa diferença? Estaria com defeito o cronômetro utilizado pelo observador localizado fora do vagão? Na verdade, o que ocorre nesse experimento é que a trajetória percorrida pela luz da lanterna não será a mesma nos dois referenciais. Para o observador dentro do vagão, a luz percorre uma trajetória vertical tanto na subida como na descida. A distância percorrida por ela é o dobro da altura do trem(1.800.000 Km). Mas para o observador em repouso, durante o movimento da luz da lanterna, o trem também irá se movimentar. O resultado desse movimento do trem será uma trajetória, vista para o observador em repouso, que corresponde aos lados iguais de um triângulo isósceles, cuja base é a distância percorrida pelo vagão a 240.000 Km/s. Esse efeito verificado no exemplo anterior é conhecido como dilatação do tempo. Embora esse exemplo represente uma situação fictícia, podemos observar a dilatação do tempo nos relógios que viajam nos satélites artificiais em torno da Terra. Os aparelhos de GPS por exemplo, fornecem suas indicações ao captar os sinais dos satélites do Sistema de Posicionamento Global. De acordo com a teoria da relatividade, os relógios que se movem nos satélites a 14 mil quilômetros por hora e a cerca de 20 mil quilômetros de altura(como é o caso dos satélites de GPS), atrasam cerca de 7 milesegundos (0,007 segundos) por dia em relação aos relógios da Terra. Além desse efeito da relatividade restrita, ocorre também um efeito relativístico maior devido à gravidade, de modo que os relógios dos satélites também irão se adiantar cerca de 45 microsegundos por dia e o desvio a ser considerado será o adiantamento de 38 microsegundos por dia. De qualquer forma, a dilatação do tempo é extremamente importante na precisão dos dados fornecidos pelos aparelhos GPS. Para a questão que nos toca particularmente aqui, a relatividade trouxe, portanto, sérias e profundas implicações sobre a maneira de se pensar o tempo no século XX. Várias conseqüências surgem do tratamento matemático dado a essa teoria, como a chamada contração do comprimento e a dilatação 29 do tempo. Posteriormente, com a teoria da relatividade geral, estabelece-se uma relação entre o transcorrer do tempo e a gravidade, de modo que quanto mais próximo um relógio estiver da Terra, mais lentamente ele trabalhará. Essa idéia está na base do famoso “paradoxo dos gêmeos”. (WHITROW, p. 175-178, 1993) A segunda “revolução” no conceito de tempo do século XX ocorreu com o advento da mecânica quântica, a nova teoria sobre o “micromundo” que rompeu, em muitos aspectos, com a ciência desenvolvida até fins do século XIX. A revolução quântica resultou do trabalho de um grande número de pessoas, dentre os quais poderíamos citar Planck, Bohr, Einstein, Born, Heisenberg, De Broglie, Schroedinger, Pauli, Dirac, Fermi, entre outros. Durante as primeiras décadas do século XX, o “novo olhar” trazido pela mecânica quântica levou a um série de questionamentos acerca do conhecimento físico desenvolvido até então. Dualidades, incertezas e probabilidades são conceitos que ajudam um “novo saber” sobre o conceito de tempo, agora mais distante da física clássica. Uma outra questão que envolve a noção temporal na mecânica quântica diz respeito ao famoso debate Einstein-Bohr sobre os fundamentos dessa teoria. Einstein, descontente com o “status” que a probabilidade assumira no mundo quântico, encabeçou uma série de críticas à mecânica quântica, intencionando sempre demonstrar a incompletude dessa teoria. Interessa-nos destacar que, tanto a teoria da relatividade quanto a mecânica quântica são teorias reversíveis temporalmente, ou seja, suas estruturas matemáticas não distinguem “t” de “-t”. Seria oportuno apontar que, inclusive, as chamadas “anti-partículas” (partículas desprovidas de massa) podem ser interpretadas, à luz dessas teorias, como sendo “partículas” viajando para trás no tempo. (PESSOA JR, 1995) A física do século XX proporcionou uma revolução, não apenas no “micromundo”, mas levou à formulação de novas teorias sobre o universo como um todo. Seria difícil tentarmos resgatar aqui todos os modelos 30 surgidos, pois eles nos interessam na medida que apontam concepções novas sobre o tempo. Surge então em 1947, com G. Gamow, a chamada teoria do “big-bang”, cujas idéias centrais constituem a visão dominante em cosmologia. O “bigbang” repesenta uma grande explosão que teria originado, a 15 bilhões de anos, o nosso universo. A partir de então, iniciou-se a expansão que presenciamos ainda hoje. O aspecto interessante nessa teoria é a singularidade presente em t = 0, ou seja, no instante de surgimento do universo. Nesse ponto haveria uma grande densidade de matéria, representando um problema matemático para a teoria, uma vez que a quantidade de matéria total existente no universo ainda é uma incógnita. Poderíamos considerar o “big-bang” como sendo a origem do tempo? Se a resposta for sim, estaremos retornando ao problema inicialmente proposto por Santo Agostinho: o que existia antes? Uma teoria completa e unificada ainda não foi alcançada. Segundo Stephen Hawking, tentativas nesse sentido podem levar à introdução de um tempo imaginário (definido matematicamente usando números complexos), fazendo desaparecer nossa distinção entre espaço e tempo (visão euclidiana), conduzindo o pensamento para um universo com “duas histórias”: uma segundo o tempo imaginário e outra segundo o tempo real. Como vemos, as teorias mais fundamentais e atuais ainda encontram, no tempo, um profundo mistério. Finalizando essa seção, seria importante apontarmos que a “marcação do tempo” por meios de relógios mais e mais precisos, vinculada a questões de ordem econômica e social, acrescida de um sistema de comunicação cada vez mais interligado e rápido, acabou por tornar o tempo o grande “senhor” da vida das pessoas. Uma pretensa “domesticação” do tempo pela ciência, representada pela própria definição do segundo no sistema internacional de unidades( duração de 9.192.631.770 períodos de oscilação da radiação 31 correspondente à transição entre dois níveis hiperfinos do Césio-133) parece corresponder plenamente ao papel que esse conceito adquiriu em nossa sociedade industrial moderna. (HAWKING, 4ª edição, p. 182-191, 1996) CAPÍTULO 3 A PROBLEMATIZAÇÃO DO CONCEITO DE TEMPO E SUA PERSPECTIVA HISTÓRICA Nesse último capítulo, procuraremos efetuar uma síntese do que foi apresentado até aqui, buscando incorporar elementos dos dois primeiros capítulos, contemplando uma discussão educacional das concepções sobre o tempo, fruto dessa pesquisa. Para transformarmos esse estudo numa história que não seja meramente ilustrativa, factual e cronológica, iremos problematizar um determinado período histórico, aprofundando nossa análise sobre ele. Selecionamos, com essa intenção, o período compreendido entre os séculos IV a.C e XVII d.C, aproximadamente. Nosso propósito será analisar como o conceito de tempo foi introduzido de forma definitiva no estudo dos movimentos. Iniciaremos essa seção a partir de um erro. Galileu, ao estabelecer a lei de queda dos corpos, busca primeiramente relacionar a variação de velocidade dos corpos em queda com a distância percorrida a partir da origem, e não com o intervalo de tempo correspondente. Esse “erro” que Galileu assume ter incorrido, também foi cometido por Descartes. (KOYRÉ,1986, p.105) 32 Por que dois “monstros” da ciência haveriam de titubear para introduzir o tempo no estudo do movimento de queda? Uma resposta satisfatória sobre essa questão só poderá emergir se conseguirmos compreender o trabalho de ambos no âmbito de uma revolução científica. Galileu, representou a transição entre dois paradigmas: do aristotélico-ptolomaico para o newtoniano. E é justamente por isso que necessitamos, inicialmente, penetrar no “universo conceitual” do primeiro paradigma. Somente dessa forma poderemos entender a natureza e o porquê da revolução, a relevância e a razão do erro galineano, e a ruptura existente entre as visões de mundo representadas por esses paradigmas, em geral, e entre os conceitos de tempo a eles associados, em particular. Foi no âmbito da astronomia que os mais duros golpes foram desferidos contra a cosmologia aristotélica. O universo heliocêntrico de Nicolau Copérnico veio, no século XVI, contribuir não apenas para uma completa reformulação da astronomia, sob novas bases, como também para uma profunda transformação na visão do homem e de seu papel no universo. O universo herdado por Copérnico era um “mundo fechado” e suas raízes encontram-se por volta do século IV a.C na Grécia, onde consolidou-se a visão de que a Terra era esférica e encontrava-se imóvel no centro do universo. Em seu redor circulavam, presos a esferas, a Lua, o Sol, os demais planetas e, por último, as estrelas. Além delas, não existia nada: nem espaço, nem matéria. A esfera fora escolhida por ser a mais perfeita figura da geometria, sendo por isso a melhor opção de que dispunha o Criador para construir o mundo, e o tempo havia sido criado junto com o universo, como uma “imagem da mobilidade da eternidade”. Entretanto, havia também outras razões de natureza observacional que sustentavam a esfericidade da Terra, como o formato da sombra projetada por essa durante um eclipse lunar ou a maneira pela qual os navios desapareciam no horizonte(primeiramente o casco e depois o mastro). (PLATÃO, 1977, p.50) 33 Quanto à imobilidade da Terra, nossos próprios sentidos atestam a seu favor, enquanto o Sol e as estrelas parecem caminhar no céu durante o dia e a noite, circundando-nos. Esse é um ponto importante, uma vez que o argumento dos sentidos somou-se a motivações teóricas, estéticas e religiosas para sustentar, durante séculos, esse modelo cosmológico. O universo esférico e geocêntrico explicava de modo bastante satisfatório uma série de movimentos observados no céu, como o movimento do Sol e das estrelas(de leste para oeste) e o movimento do Sol do norte para o sul. No entanto, os planetas apresentavam movimentos mais complexos, conhecidos como movimentos retrógrados, interrompendo por um certo período o seu movimento para leste e avançando para oeste, retrocedendo novamente em seguida. Tais movimentos desafiaram desde sedo os defensores do universo geocêntrico, levando Ptolomeu à desenvolver , no século II a.C, uma série de “artifícios geométricos” que foram utilizados pelos astrônomos na tentativa de adequar o modelo com as observações planetárias. O importante nesse ponto é percebermos como o problema das posições planetárias acabou levando os astrônomos da antiguidade a construirem um modelo cada vez mais aprimorado e “geometrizado”do universo, numa tentativa de “salvar” a esfera celeste, conciliando observação e sentidos. O modelo aristotélico-ptolomaico estava cada vez mais incorporado e adaptado a questões religiosas, tornando-se mais difícil romper com essa visão de mundo. Embora o sistema de Ptolomeu não conseguisse ajustar-se fielmente às observações, dominou como um modelo aceito por quase 1800 anos. Mas como situa-se a questão do tempo na cosmologia aristotélica? Adentramos aqui, em um ponto de grande interesse para a perspectiva colocada por nosso trabalho. Aristóteles relaciona o tempo ao movimento em geral, afirmando que o tempo é o aspecto numerável do movimento, o número do movimento com 34 respeito ao “antes” e “depois”, ou seja, o tempo e o movimento definem-se um ao outro. O movimento dos céus, para Aristóteles, por ser circular, regular e imutável, forneceria uma medida perfeita desse tempo contínuo e “eterno”, o que implicaria num tempo infinito(cuja existência é desde sempre). Um outro ponto importante é o fato de Aristóteles questionar-se sobre se o tempo poderia existir na ausência da alma, ou seja, de alguém que possa “contar”. Nessa hipótese, o tempo em si não existiria, mas apenas o movimento. Parece-nos claro, o caráter secundário que o tempo assume dentro desse paradigma. O movimento não é relativo ao tempo (embora seja esse seu aspécto mensurável) mas ao lugar. No universo Aristotélico, os lugares estão bem determinados, numa rígida hierarquia de um mundo fechado, onde prevalece o “espaço-matéria”, e o tempo é um coadjuvante, que aparentemente desapareceria com a ausência do homem. A importância do espaço, na concepção aristotélica, difere radicalmente do espaço newtoniano. Para Newton o espaço é homogêneo e neutro, não existindo nenhuma região ou direção preferencial para o movimento. Já para Aristóteles, o espaço parece ter “vida”, onde os objetos movimentam-se por “desejos” e “motivações” internas. A análise de Aristóteles parece encontrar respaldo nas concepções infantis sobre o tempo, onde esse é associado a “mudança” e “movimento”, vinculadas num primeiro momento a fenômenos naturais e meteorológicos. Desse modo o tempo passa enquanto a pessoa está crescendo, por exemplo, mas não a partir do momento em que se torna adulta. O chamado “tempo psicológico” ou a percepção subjetiva do tempo, parece também corresponder a uma dose de aninismo, na medida em que associa seu transcorrer a uma percepção pessoal, dependentes de estados internos que variam. Newton irá separar o “tempo absoluto”(da mecânica) do “tempo relativo”(de caráter subjetivo). A superação do ponto de vista aristotélico não foi um processo fácil e tranquilo, pelo contrário, a substituição desse paradigma requereu uma revolução científica que rompeu profundamente com o conhecimento 35 estabelecido. O nascimento da nova mecânica, que teve Copérnico, Galileu, Kepler e Newton como protagonistas, necessitou de uma ruptura com o saber anterior. (PIAGET, vol 2, 1981, p.16-18) O período de gestação de uma nova teoria do movimento foi longo. Ptolomeu, que viveu no século II a.C., pode ser considerado uma das últimas grandes figuras da ciência antiga. O saber ocidental decaiu sob o domínio romano e com a ascensão do pensamento cristão. Resgatado posteriormente pelos árabes durante a invasão da Península Ibérica no século VII, ressurgiu na Europa por volta do século X, quando as primeiras traduções latinas do árabe passaram a ser aceitas. Ao longo de todo esse período, o mundo islâmico tornou-se um pólo de conhecimento. Esse processo de recuperação do saber antigo intensifica-se no século XIII, com o surgimento das primeiras universidades, que irão abrigar a tradição filosófica conhecida como escolástica. Não obstante, a Igreja teve papel determinante em concentrar todo o conhecimento , durante toda a idade média. Os primeiros teólogos eram hostis com relação ao conhecimento “pagão”, numa época em que a fé cristã procurava afirmar-se. Nos séculos XII e XIII, com a hegemonia do cristianismo assegurada, tornaram-se necessárias algumas modificações para fundir a cosmologia aristotélicoptolomaica com as inconciliáveis teses da Igreja. Desse modo, abandonou-se a idéia de que o universo e o movimento sempre existiram. O Renascimento foi o momento propício para a revolução científica que recebeu impulso das “grandes navegações”, por exigirem um melhor conhecimento dos céus e uma mais precisa marcação do tempo. É nesse contexto que surge o trabalho de Nicolau Copérnico (1473-1543), de importância capital para o desenvolvimento de uma “nova astronomia e cosmologia”. Indiretamente, a contribuição de Copérnico foi crucial, na medida em que abalou todo um sistema explicativo “coerente”. Uma mudança na astronomia teve que ser acompanhada por uma nova teoria do movimento, e é nesse momento que surgirá a questão temporal. (KOYRÉ, p.46-55) 36 A “harmonia geométrica” ainda era uma promessa no heliocentrismo copernicano e, procurando não nos distanciarmos muito de nosso propósito, podemos destacar o fato de que a idéia de uma Terra planetária, levantava uma série de problemas para a vida cristã, como o fato de que se houvesse outros corpos essencialmente “iguais” a Terra, levaria à hipótese deles serem habitados e, se existissem homens em outros planetas, como eles poderiam ser descendentes de Adão e Eva? No bojo da luta entre católicos e protestantes inseriu-se o copernicanismo, “apanhando” dos dois lados. Porém, os céus não eram mais os mesmos depois de Copérnico. 3.1. GALILEU E A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA Chegamos, finalmente, a Galileu (1564-1642) que, no âmbito da astronomia, trouxe grandiosas contribuições ao modelo copernicano. Com o uso do telescópio, observou os céus como ninguém antes havia feito e relatou como tudo era compatível com a nova cosmologia que surgia, na qual não havia separação entre o celeste e o terrestre. No entanto, o que nos importa é o trabalho efetivo de Galileu na construção de uma nova teoria do movimento, pois o movimento da Terra trazia questões para a física que claramente estavam em desacordo com a visão aristotélica. (KOYRÉ, p.86) Contrapondo a idéia do movimento “em direção ao lugar natural”, Galileu lança a “relatividade do movimento”, inaugurando uma nova interpretação natural, ou seja, uma nova forma de olhar o real. A idéia de movimento compartilhado, de composição de movimentos, da dependência do movimento em relação ao observador serão o fundamento da “nova física”, mais não nos deteremos na análise de tal construção, voltemo-nos à questão do tempo. Galileu acreditava que os acréscimos de velocidade na queda dos corpos ocorriam em intervalos de tempo iguais e a temporalização do 37 movimento marca a introdução do conceito de tempo de modo profundo na mecânica, abrindo o caminho que leva ao tempo absoluto de Newton, ainda que Galileu não tenha se valido de relógios mecânicos. No que diz respeito à medida do tempo, Galileu empregou um grande recipiente cheio de água, suspenso no alto, com um pequeno orifício feito no fundo, de onde caia um fino fio de água que era recolhido num pequeno copo durante todo o tempo em que uma bola descia de um plano inclinado. As quantidades de água assim recolhidas eram “pesadas” com uma balança, repetidas vezes. A medição do tempo define o próprio tempo, assim como a medição da massa define a massa. Essa noção empirista encontra-se fortemente ligada a aspectos econômicos e sociais, estando cada vez mais presente na vida do cidadão comum ao longo dos séculos. Ainda hoje é comum pensar-se o tempo como “aquilo que o relógio mede”, e o “horário de verão”, por exemplo, ainda parece “roubar” efetivamente uma hora na vida das pessoas. Com o cálculo infinitesimal, de Newton, e a consolidação da nova cosmologia, inserese o tempo num outro quadro conceitual completo. Não podemos esquecer a relação estabelecida por Newton entre o “dt” e a ação de Deus no universo, que gerou duras críticas por parte de seu contemporâneo Leibniz, e para o qual chamamos a atenção anteriormente. Outra importante crítica ao conceito de tempo de Newton deveu-se a E.Mach que encarava-o como um “ocioso conceito metafísico”. Entretanto, até o advento da teoria da relatividade, a noção newtoniana de tempo reinará, absoluta. Com o trabalho de Newton podemos dizer que se completa a revolução. O universo aristotélico-ptolomaico fora substituído por outro, que trouxe um conjunto de novos problemas e possibilidades para a ciência, além de ter influenciado diversas áreas, tais como a filosofia e a política. Nesse contexto, o conceito de tempo transita entre o empirismo primitivo e o racionalismo característico do novo paradigma. A temporalização do movimento de queda insere-se, portanto, na construção de uma teoria do movimento incomensurável como o paradigma anterior. Esse momento marca de forma 38 indelével a introdução do conceito de tempo de modo profundo na mecânica, abrindo o caminho que leva ao tempo absoluto newtoniano. CONCLUSÃO Se a educação, como diz Paulo Freire, visa não apenas inserir o homem no mundo, mas com o mundo, de uma forma crítica e autônoma, então esse homem deve ser capaz de ler esse mundo, cuja linguagem é constituída, em grande parte, de caracteres científicos. Por isso, saber física é poder desvelar o mundo, interpretá-lo, compreendê-lo, questioná-lo, transformá-lo. Nossa cultura é, também e principalmente, uma cultura científica. Seria o ensino tradicional, da forma como caracterizamos em nosso trabalho, uma via propícia a esse desvelamento? Contra uma tal educação, pobre e desmotivadora, massificadora e alienante, fundada numa concepção metafísica do conhecimento, cujo ideal é a transmissão pura e simples do saber, juntamo-nos a uma legião que parte de outros pressupostos. E não se trata, é claro, de uma luta do “bem” contra o “mal”, mais de um duro processo de conservação e transformação cultural, do qual somos agentes e vítimas. Estamos então vinculados a problematização dialógica para estabelecer, dentre outras coisas, a necessidade pedagógica da história da ciência. Essa fundamentação teórica poderia encontrar, no que se refere ao ensino de física, inúmeros temas a abordar. Essa ciência, em sua particular maneira de 39 olhar o real, proporciona-nos um vasto campo de atuação, do qual escolhemos, por motivações várias, o conceito de tempo. Para o cidadão comum talvez o tempo seja “aquilo que o relógio marca”, ou ainda “ o clima”. No entanto, o ensino de física pode ampliar esse conceito, redefini-lo a partir dos “universos conceituais” nos quais se insere, de suas relações e interfaces com outras noções. Procuramos justamente mostrar através desse trabalho uma possível maneira de problematizá-lo, a partir da história da ciência. Embora nosso trabalho possua um caráter de investigação bibliográfica no âmbito específico da pesquisa em ensino de ciências, podemos dele depreender certas mensagens dirigidas para a sala de aula, no que se refere especificamente à construção do conceito de tempo. Sabemos que pouca ou nenhuma atenção é dada à problematização dessa noção nas aulas de física do ensino médio (sem esquecermos também os livros didáticos). Normalmente, o tempo é considerado como algo “conhecido a priori” pelo aluno e que, portanto, não necessita ser explorado ou discutido. O conceito é abordado sem discussão, nos estudos iniciais da mecânica, e lá permanece, como um parâmetro matemático abstrato, referenciado pelo relógio supostamente familiar a todos. No entanto, acreditamos não apenas que o debate em torno do tempo possa ser mais rico do que isso, mas que a própria compreensão desse conceito e de sua inserção nas teorias físicas depende de um trabalho mais cuidadoso. Como fazê-lo? Certamente não há uma “receita”. Entretanto, ao longo do desenrolar de nosso estudo, pudemos verificar que certas questões abordadas nesse trabalho apresentam um grande potencial problematizador sobre a idéia de tempo. A discussão sobre a história dos relógios (ampulheta, corda ou digital) e sua precisão, por exemplo, pode vir a ser uma atividade de sala de aula que ajude a compreender aspectos ligados à mensuração do tempo. O entendimento do “como se mede” contribui para o entendimento do “o quê se mede”, para a construção do próprio conceito. 40 O debate em torno da permanência ou não do tempo, em função do desaparecimento do relógio, do Sol, do ser humano e da própria matéria do universo, é outra questão levantada aqui que pode ser transformada em uma atividade significativa de sala de aula. Esse debate sobre a natureza do tempo pode mostrar-se fundamental para que os alunos confrontem suas visões, permitindo momentos de aprendizado e reflexão ao longo da aula, onde o aluno elabora e reelabora seus posicionamentos. Essas diferentes visões sobre o tempo, da maneira como foi exposta nesse trabalho, podem ser usadas pelo professor de física que deseja discutir o conceito de tempo com seus alunos, elaborando atividades sobre o tema. A ação do professor volta-se, então, à promoção não de uma “mudança conceitual”, mais de uma alteração dos perfis conceituais de seus estudantes. Nesse processo, a construção de um tempo cada vez mais objetivo permite ao aluno lidar com a problemática de sua medida, relacionando-a a fenômenos cíclicos ou uniformes, ao mesmo tempo que consegue associar sua percepção da passagem do tempo a fenômenos de outra natureza. Esse tempo objetivo passa a ser algo muito presente na vida do aluno, havendo ocorrência de dificuldade de lidar com um conceito tão presente e fundamental, que também é imaterial. Devido a isso, o tempo poderá vir a ser encarado pelos alunos como uma “entidade”. A idéia de tempo que é adquirida por um grupo de alunos a partir de um longo processo de aprendizagem, que desconhece, a priori, o contexto histórico da evolução do conceito de tempo, dificilmente será capaz de uma sequência, regularidade e continuidade, a fim de contribuir para uma melhor compreensão do presente, passado e futuro. Os conceitos temporais fazem parte, então, da dimensão experimental do real. Seguindo o referencial epistemológico de Gaston Bachelard, inserido no contexto mais amplo da discussão epistemológica que deve permear a formação dos professores de física, objetivando preparar a intervenção dos mesmos para interpretar as concepções dos alunos, acreditamos que o nosso 41 trabalho forneça, especificamente à construção do conceito de tempo, subsídios para que o professor interprete também a sala de aula em termos dos compromissos epistemológicos de seus alunos, identificando a presença de obstáculos no processo de ensino-aprendizagem, adquirindo mais elementos para enfrentar tais obstáculos, explorando as visões dos estudantes para auxiliá-los na construção da cidadania. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA AGOSTINHO, STO. – Confissões (coleção “Os Pensadores”), São Paulo, Abril Cultural, 2ª edição, 1980. p. 213 – 214. AGOSTINHO, STO. – Confissões (coleção “Os Pensadores”), São Paulo, Abril Cultural, 2ª edição, 1980. p. 217 – 219. BACHELARD, G. – O Novo Espírito Científico. 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WHITROW, G.J – O Tempo na História: concepções do tempo da préhistória aos nossos dias, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed, 1993. p. 57 – 73. 44 ÍNDICE FOLHA DE ROSTO.....................................................................................2 AGRADECIMENTO.....................................................................................3 DEDICATÓRIA............................................................................................4 RESUMO.....................................................................................................5 METODOLOGIA..........................................................................................6 SUMÁRIO....................................................................................................8 INTRODUÇÃO................................................................................... .........9 CAPÍTULO I A HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO ENSINO DE FÍSICA......................................10 1.1 - O Conceito de Tempo na Antiguidade.......................................................14 1.2 - O Conceito de Tempo na Idade Média......................................................19 CAPÍTULO II O NASCIMENTO DA CIÊNCIA MODERNA...................................................21 2.1 - O Tempo no Século XIX............................................................................ 24 2.2 - O Tempo no Século XX............................................................................25 CAPÍTULO III 45 A PROBLEMATIZAÇÃO DO CONCEITO DE TEMPO E SUA PERSPECTIVA HISTÓRICA...................................................................................................31 3.1 - Galileu e a Revolução Científica.............................................................36 CONCLUSÃO..........................................................................................38 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA...............................................................41 ÍNDICE....................................................................................................44 46 FOLHA DE AVALIAÇÃO Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes. Título da Monografia: O Conceito de Tempo no Ensino de Física e sua Influência na Construção da Cidadania. Autor: Raimundo dos Santos Montenegro Junior. Data da entrega: Avaliado por: Prof.Dr. Fernando Gouvêa Conceito: