A corrupção do melhor engendra o pior Um ensaio sobre a metamorfose do cristianismo e seus aspectos sombrios no Ocidente moderno capitalista Luiz Carlos Susin Dr. Teologia – Pucrs Ivan Illich1, pensador notável nas décadas de sessenta a oitenta, deixou suas memórias em uma conversação com David Cayley, que foram publicadas mais tarde, junto a seus últimos escritos, com o título de efeito deste texto. Ivan Illich concluía, depois de análises multidisciplinares, que o Ocidente moderno foi engendrado de forma perversa pelo cristianismo. Para um autor que pode ser considerado um entusiasta educador à esperança e à libertação, tal afirmação pode soar muito pessimista. Mas Ivan Illich não descartava nenhuma possibilidade, nem mesmo a pior: que do seio do cristianismo possa surgir o “anticristo”, expressão que parece muito secundária no Novo Testamento e que ele ousa utilizar somente com muito cuidado. Vou seguir aqui esta pista, embora de forma moderada, num ensaio com muitas interrogações, e com a ajuda suplementar de Pierre Legendre e seu estudo sobre a estruturação dogmática e jurídica das sociedades cristãs do Ocidente devidas à confluência de helenismo, romanismo e cristianismo2. Finalmente, vou ensaiar uma reflexão em torno da alma humana que 1 Ivan Illich (1926-2002), nascido em Viena, de pai croata católico e de mãe judia, estudou filosofia e teologia na Universidade Gregoriana, de Roma, sendo ordenado padre em 1951. Por falar uma dezena de línguas, tornou-se assessor do Cardeal Spellmann, de Nova York, e encarregado da formação do clero para o trabalho com latinos. Nomeado vice-reitor da Universidade Católica de Porto Rico em 1956, enfrentou a ideologia da “Aliança para o Progresso” de Kennedy, e começou a ser um crítico da educação formal e da cultura hegemônica da modernidade, do mito do progresso e da perda de humanidade que tal progresso acarreta. Assessorou o Cardeal Suenens, moderador do Concílio Vaticano II, e depois se estabeleceu em Cuernavaca, ao lado do bispo Sergio Méndes Arceo, fundando com ele o Centro de Formação Intercultural e o Centro Intercultural de Documentação. Promoveu a “equivalência das culturas” em termos de valores, de tal forma que os missionários viessem aprender junto aos povos latinos para tomarem juntos as decisões dos caminhos a seguir. Ajudou inúmeros centros missionários na América Latina, inclusive em Petrópolis, no Brasil. Sua lucidez crítica lhe valeu muitos conflitos, pelo que deixou osacerdócio, crescendo como intelectual requisitado em diversos países, vindo a falecer em Bremen, Alemanha. Foi um crítico das instituições e da cultura da modernidade, do capitalismo, da ciência, especialmente da medicina, e escreveu sobre gênero, convivialidade, linguagem, ecologia. O livro que aqui utilizamos tem uma longa introdução biográfica cujo nome, no original inglês é tomado de um verso de Paul Celan, The Rivers North of the Future. A obra em francês leva o título da segunda parte, com textos de Ivan Illich: La corruption du meilleur engendre le pire. Paris: Actes Sud, 2007. 2 LEGENDRE Pierre, L’autre Bible de l’Occident. Le Monument romano-canonique. Étude sur l’architecture dogmatique des sociétés. Paris: Fayard, 2009. possibilita tais aventuras e desventuras, alma que emerge do abismo do desejo e do sonho de felicidade. 1. Cristianismo, modernidade e capitalismo: qual relação? Há inúmeros estudos que buscam compreender quais os fundamentos que explicariam melhor a conexão entre cristianismo e modernidade ocidental, no seio da qual se desenvolveu e predomina a economia capitalista. Dá-se por evidente, de modo geral, que a conexão existe. Podem-se considerar diferentes afluentes na formação desse grande rio de águas da modernidade – não só gregos e judeus, mas também francos, germânicos, árabes, etc, e até, por trás dos árabes e da mítica viagem de Marco Pólo, o influxo do Oriente distante. Mas há um tempo em que o cristianismo, ou, para ser mais preciso, a Igreja católico-romana amalgama o quadro cultural, político e econômico da Europa, matriz de onde surgiria o Ocidente moderno. No entanto, há diferentes tendências ou acentos hermenêuticos que dão em diferentes posturas de ambas as partes, cristãos e modernos. Vou resumir aqui em três acentos, que serão posteriormente aprofundados. a) Conseqüência? Há valores humanos que foram conquistados ou ao menos incrementados e democratizados pelas sociedades modernas e que foram fermentados por princípios evangélicos portados pelo cristianismo.3 Assim, por exemplo, o amplo exercício da individualidade responsável que alicerça a autonomia, tão característica da modernidade, e que tem um momento importante de seu engendramento nos escrutínios de consciência de cada monge em sua cela noturna e de cada cristão sozinho diante de Deus em preparação para o sacramento da confissão.4 E a necessidade de exercer a própria responsabilidade, portanto a liberdade e a escolha, que redundaram no direito moderno, entre outras conseqüências, à escolha de cônjuge. Ou ainda os valores da fraternidade e da igualdade de todos, ideais da Revolução Francesa, em que ecoa a carta 3 “Non seulement le christianisme a joué un rôle dans l’avènement de l’humanisme moderne, mais celuici, même sécularisé, porte encore les marques de son long cheminement à travers la pensée chrétienne. Ce n’est pas, toutefois, la religion chrétienne en tant que religion, c’est-à-dire en tant que système de croyances et de pratiques, de rites et d’institutions, qui a été le facteur de cette émancipation, c’est l’Évangile en lui-même” (Joseph Moingt, Pour un humanisme évangélique. In: Études, Outubro 2007, p. 347-348). 4 Cf. TILLICH Paul, A coragem de ser. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972. da liberdade dos filhos de Deus lá onde não há mais privilégios a diferenciar nem judeu e nem grego, homem ou mulher, livre ou escravo (Cf. Gl 3,28). Há elementos evangélicos que iriam desenvolver a concepção de “pessoa” e redundariam nos Direitos Humanos. O próprio conceito ou, mais longe, a própria crença em “progresso” e a palavra mesma “modernidade” podem ser examinadas à luz da escatologia cristã e da dimensão de tempo tipicamente cristã que é o futuro à luz do horizonte escatológico. Quando Heidegger afirma que o futuro é o tempo originário, constitutivo dos tempos, estaria pensando o tempo com a percepção da fé cristã, apesar dele mesmo? Há inúmeras situações em que se pode identificar a modernidade ocidental como conseqüência natural do cristianismo e de seus valores, mesmo quando se impuseram apesar e contra as instituições premodernas da Igreja em sua forma católico-romana. b) Oposição? Uma segunda possibilidade hermenêutica é o conflito e a oposição até a radical mútua exclusão entre cristianismo e modernidade ocidental. No coração desta oposição está a luta entre Igreja e Estado laico, luta que atravessa os últimos cinco séculos. As associações “horizontais”, nascidas nas catacumbas da sociedade feudal verticalista, como, por exemplo, a maçonaria, ganham um ímpeto liberacionista e iluminista crescente que leva ao choque de fé e razão, religião e ciência no interior do Ocidente cristão e de suas instituições, desde as mais gerais até as mais íntimas. Por exemplo, desde a política, a opinião pública, a escola, até a família e o atual reconhecimento de união de pessoas do mesmo sexo. Os sentimentos desta oposição são de irreverência e dessacralização, por um lado, e de autoritarismo e abuso de poder religioso por outro lado. Ao ponto de parecer uma oposição inconciliável, pois chega aos valores mais fundamentais da vida e da fé. É o que analisou com maestria Danièle Hervieu-Léger em Catholicisme, la fin d'un monde.5 A modernidade opera, na verdade, uma « extrojeção» ou « exculturação » do cristianismo. Basta esta anotação inicial para nos voltarmos para a terceira e mais complicada relação, a de perversão. c) Perversão? 5 Paris, Bayard, 2003 É aqui que se coloca a tese de Ivan Illich. Mas ele não está sozinho. Historiadores como Jean Delumeau, por exemplo, alertam para uma perda cada vez mais irreparável de “sentido”, no seu duplo sentido de direção e de significação, onde triunfa a visão puramente desconstrutiva das ciências hermenêuticas, da psicanálise, da filosofia da existência6. A análise de Ivan Illich nos interessa porque ele não se coloca em uma das partes – conseqüência ou oposição - e nem examina as partes de forma desconstrutivista. A tese é afirmativa: O Ocidente moderno é o próprio cristianismo, é uma das possibilidades do cristianismo de forma concretizada, mas não a melhor – por exemplo, a idéia familiar à atual teologia cristã de que a Igreja se superaria na realização do Reino de Deus. Trata-se, ao contrário, da concretização da possibilidade de gerar um monstro no lugar do Reino de Deus, monstro que tinha um nome sintomático nos inícios do cristianismo: o surgimento do anti-cristo, esta figura perversa que, a ficar com Illich, só o cristianismo poderia gerar7. Em muitos traços da modernidade real, não a sonhada e o capitalismo é um desses traços - emerge o monstro que só o cristianismo poderia gerar. Esta interpretação é complexa e exige um desdobramento analítico como também uma reflexão radical sobre o cristianismo e suas fontes evangélicas. 2. Uma arqueologia do cristianismo histórico. Precisamos fazer uma distinção metodológica entre as fontes evangélicas do cristianismo – seus textos e testemunhas fundadoras – e o cristianismo histórico, o seu desdobramento através do mediterrâneo e alhures. Uma distinção não significa um corte e uma separação radical, pois se pode também seguir um “fio dourado” de permanência e evolução das fontes no desenrolar contraditório e até paradoxal da história do cristianismo8. Em termos filosóficos e teológicos, podemos detectar o drama do cristianismo na sua singular vocação à universalidade, ou seja, sua forma de missão universal, sua indomável experiência inicial da liberdade dos filhos e filhas de Deus 6 Cf. DELUMEAU Jean, Mil anos de Felicidade. Uma História do Paraíso. São Paulo: companhia das Letras, 1997. p365-368. 7 Cf. ILLICH Ivan, opus cit. p97ss. 8 João Paulo I, o Papa dos 33 dias de 1978, ao ser entrevistado, brincou com os jornalistas pedindo-lhes que fizessem perguntas essenciais e não como os que teriam ido entrevistar Napoleão e lhe perguntaram sobre a sua cor preferida de ceroulas. Ele respondeu irritado que era um general e que lhe perguntassem sobre estratégias de guerra. E o papa acrescentou: ao me perguntarem sobre a Igreja, lembrem que a história da Igreja não é propriamente a história dos Papas, mas a história dos santos. Os santos são o “fio dourado” do cristianismo. superando toda barreira de família, gênero, raça, nação, condição social. Então precisamos também dar uma volta pela emergência da universalidade. Para além da universalidade, precisaremos passar também pela vocação cristã à infinitude, ou seja à vida eterna. Ora, universalidade e infinitude serão também a alma da modernidade e uma de suas concretizações perversas pode ser detectada no capitalismo. a) A “Era Axial” e a universalidade. As três universalidades do mundo mediterrânico. Em seu monumental livro A grande transformação9, karen Armstrong busca as conexões que levaram a surgirem juntos o confucionismo e o taoísmo na China, o budismo na Índia, o monoteísmo em Israel, a racionalidade filosófica na Grécia, em um período máximo de 700 anos, e o fato de que até hoje interferem juntos na consciência da humanidade inteira. Ela identifica essas conexões em místicos, filósofos e teólogos do período, cujas idéias e posturas revolucionárias não são somente similares mas, de alguma forma ainda não muito conhecida, “interconectadas”. “Todas as tradições que se desenvolveram na Era Axial empurraram as fronteiras da consciência humana e descobriram no seu bojo uma dimensão transcendente” (p13). Além disso, sem se importar muito com ritos ou doutrinas, portanto o que já está instituído nas religiões, continuando com Karen Armstrong, todos os nomes marcantes da Era Axial “descobriram que a ética da compaixão funciona” (15), dando importância decisiva à benevolência, à justiça e à caridade em sentido amplo como forma religiosa e civil de realização humana, o que significava uma grande transformação em confronto com as práticas religiosas anteriores, tribais e locais, normalmente de caráter sacrificialista. O que aqui é importante sublinhar, embora ela não diga de forma nem muito explícita e nem extensa, é que aquela “Era Axial” foi também, junto com a dimensão de transcendência, a era da descoberta da universalidade. Convém uma palavra mais cuidadosa sobre esta categoria que, depois, passando pelo cristianismo, se tornaria um camaleão de incansáveis metamorfoses até o neo-liberalismo da atual globalização de informações, de produções e de mercados. Para o nosso foco, basta um olhar restringido ao Mediterrâneo. A genialidade da racionalidade grega, ficando com a imagem da “segunda navegação” de Platão, é a navegação que abraça o risco de abandonar o pensamento dependente dos sentidos – a 9 ARMOSTRONG Karen, A Grande Transformação. O mundo na época de Buda, Confúcio e Jeremias. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. navegação “a velas” dependente dos ventos em torno - e se levanta na aventura de uma forma de navegação que conta somente com os recursos da racionalidade. Assim, abstraída e acima das vicissitudes limitadoras que os sentidos padecem, a “segunda navegação” conta somente com os próprios músculos da razão teórica e dos seus remos fabricados ad hoc, a que Aristóteles daria o nome de categorias. Fabricados na ciência da lógica, com medida e proporção, esses remos permitem adentrar mares sem contornos, alcançando a pura theoria: abstrata e universal, que permite a liberdade e o poder de conceituar virtualmente tudo, a natureza de todas as coisas. Esta é a vocação da filosofia grega à universalidade, a sua genial capacidade de dizer e de pensar de forma universal. Mesmo um filósofo judeu como Emmanuel Lévinas, que nutriu precaução ao ethos grego por pretender pensar e possuir em categorias as estrelas e os mistérios, sublinhou este imenso esforço e serviço da filosofia grega.10 Com as “medidas” gregas – nas quais se traçam proporções, cânones, e se obtém o equilíbrio e o acabamento como perfeição – estão conectadas filosofia, artes, política e até mesmo as guerras “heróicas”, essas se constituindo em verdadeiras narrativas canônicas de estética marcial, de alcance universal, como é o caso exemplar da Guerra de Tróia na Ilíada de Homero. Mas, para não perder o foco, trata-se da presidência de uma universalidade formal e abstrata, capaz de se levantar do localismo, tanto dos clãs como, aos poucos, das polis isoladas, superando as turbulências das fronteiras. A filosofia, a arquitetura, a música e a escultura, a ginástica olímpica e inclusive o heroísmo guerreiro e suas conquistas estavam pautados na formalidade de caráter universal. Greca captiva captivavit ferocem Romam: Os romanos, em sua expansão imperialista, absorveram a formalidade artística e filosófica dos gregos vencidos, isso é bem sabido pela história. Mas não perderam o realismo do fato social: a genialidade romana se realiza na universalidade jurídica, no Direito. É aqui que, segundo Pierre Legendre, as sentença lógicas, as conclusões axiomáticas, proferidas na academia, se tornam sentenças jurídicas proferidas em tribunal com conseqüências práticas mais imediatas para a sociedade. Com medidas, com proporção e equilíbrio, com cânones e lógica jurídica, levantando-se dos fatos para uma “segunda navegação”. Uma prova dessa segunda navegação é a invenção da “pessoa jurídica”, um sujeito de direitos e 10 Cf. SUSIN Luiz Carlos, O homem messiânico . Uma introdução ao pensamento de Emmanuel Levinas. Porto Alegre: EST/Vozes, 1984, p427-430. deveres altamente eficaz em termos sociais. De tal maneira que os povos germânicos e francos, os primeiros “bárbaros” a submeterem o império construído pelos romanos, ao invés de imporem seu Direito aos vencidos, abraçaram o Direito Romano porque ficaram fascinados por sua eficácia: graças à sua formalidade jurídica, tem capacidade de decolar de um direito tribal e local, feito de costumes herdados e de uma jurisprudência de sangue, limitado a um grupo social, e pode abranger virtualmente povos e raças diversas, pairando em sua universalidade, mesmo que a preço de abstrações: a lei não tem olhos para as singularidades, pode ser dura lex, sed lex – para todos. Um dos sintomas desta abstração legislativa virtualmente universal era a sucessão imperial por designação jurídica e não biologicamente, o que permitia em tese estabelecer para sucessão até mesmo um escravo. E então fez sua entrada no Mediterrâneo uma terceira onda de universalidade: o cristianismo. Em termos religiosos e morais havia um concorrente venerável instalado nesse mundo como em casa própria, os estóicos, saídos da espiritualidade filosófica grega e assentados na política da cidadania romana. À figura de Paulo pode-se contrapor a figura de Sêneca ou mesmo dos imperadores Adriano e Marco Aurélio. Porque o cristianismo e não o estoicismo tomou conta do Mediterrâneo é uma pergunta que se fez Paul Tillich. Segundo ele, a resposta está no paradoxo cristão. O estoicismo, exatamente na sua universalidade pelo caminho da abstração, tinha esquecido as singularidades, a começar pelos corpos. Por isso teve sucesso numa elite filosófica e política bem educada, cujas necessidades corporais eram absolvidas por bens e escravos. O povo sempre viveu na luta cotidiana dos corpos – da comida, do remédio, do abrigo - e as promessas do cristianismo traziam uma universal esperança para os corpos: a ressurreição da carne, antecipada na mesa universal da eucaristia e na fraternidade abolindo privilégios, virtualmente universal, sem limites e livre em relação a condicionamentos. Pode-se invocar aqui o “universal concreto” de Hegel para constatar o acontecimento fundador: o Verbo divino feito carne humana, a transcendência intocável imanente à corporeidade frágil e dada aos sentidos na junção de um acontecimento ao mesmo tempo singular e universal – aqui está o paradoxo vivido pelas origens cristãs. O cristianismo adquiria assim uma tensão polarizada entre dois contrários – o divino e o humano - numa unidade que apenas em momentos, em experiências e em pessoas muito singulares conseguiria chegar a ser honrada. Trata-se de uma universalidade eminentemente escatológica e divisada em singularidades corporalmente situadas. Pelo seu lado terreno, corporal, situado, porta uma inquietude e uma esperança libertadora passando pelos caminhos de toda carne, dos laços de sangue e das instituições, da cultura, da religião e da política, transfigurando-os com a liberdade indomável do pleno e escatológico experimentado já no meio do caminho. Daqui iria derivar, deformada e reduzida à imanência, a crença no progresso e a modernidade com seu séqüito de promessas. A confluência destas três universalidades compõe o cristianismo do primeiro milênio. Desde a primeira geração patrística os pensadores cristãos se dividiram em duas tendências, a de Clemente de Alexandria, Orígenes e Agostinho por um lado e a de Irineu, Tertuliano e Basílio por outro lado: os que viam na universalidade grega ou romana até mais do que uma oportunidade, um verdadeiro sinal providencial de Deus para o cristianismo, e os que advogavam distância e alteridade em relação àquelas universalidades lógicas e jurídicas. Seria um exercício instigante, por exemplo, examinar a categoria de unidade divina e a de justiça e poder nesse contexto de intersecção entre cultura e cristianismo, mas isso foge ao tamanho a que se deve ater este texto. b) A “virada constantiniana” Há um fato histórico, no entanto, que leva de roldão as experiências dos três primeiros séculos do cristianismo: a virada do século IV, que se chama frequentemente de “virada constantiniana”, e que iria marcar profundamente o cristianismo. Pela sua condição de “encarnação”, e, portanto, de “inculturação”, pode-se supor que em alguma época da sua história, o cristianismo assumiria uma condição política e dogmática, jurídica e canônica, uma vez que se encontrou com o helenismo e o romanismo no contexto do Mediterrâneo. Um “terceiro” entre a transcendência e os corpos singulares mas vocacionados à convivência aberta virtualmente à universalidade, se tornaria “mediação”, instituições cristãs! Pode-se ampliar com mais hipóteses: toda experiência de fé religiosa acaba necessitando se organizar em religião estabelecida. É necessário ficar colado aos fatos da história antes de apressar conclusões: a virada constantiniana e o fabuloso mito da Donatio Constantini. Juntando a universalidade cristã com a universalidade do Estado e da Doutrina, deram ao cristianismo um enorme terreno, ainda que abstrato, e um “totem invisível” – expressão de Pierre Legendre11 - portanto um centro invisível, que iria se cimentar na universalidade do Direito e numa hierarquia legitimada de poderes e de saberes construída com medida, proporção e equilíbrio. Assim estaria em condições de submeter toda multiplicidade à unidade, à catolicidade. O século IV começa a juntar as três universalidades numa só – o cristianismo. Que iria gerar a Europa moderna, que iria gerar o capitalismo, que iria gerar a globalização de mercados. c) A outra Bíblia do Ocidente: o monumento romano-canônico e a arquitetura dogmática das sociedades ocidentais. O enunciado acima é tomado do título do livro de Pierre Legendre. Ao estudar a utilização da Bíblia na construção da Europa medieval, Legendre constata que a sua “alma arquetípica”, seu sentido original, fica tão fortemente amalgamada à normatividade das instituições através da “citação legitimadora” que é quase impossível recuperar a leitura original. Há, por exemplo, no “fio dourado” do cristiansimo, algum São Francisco de Assis, é bem verdade. Mas tão atravessado pela tensão entre o pai mercador, a cúria romana legisladora e a Ordem que ele não queria organizar, a ponto de ser um homem chagado, um crucificado resultante do próprio cristianismo. A ficarmos com Legendre, o cristianismo latino, seus textos normativos carregados de sacralidade atribuída à linguagem cristã, conta com uma montagem jurídica continuamente trabalhada pela narrativa bíblica, com moldura trinitária e centralidade cristológica sempre de forma legitimadora e performática, jogando sempre entre dois planos, da natureza humana e da natureza divina no âmbito concreto da sociedade e da hierarquia social. Mas obedecendo sempre a formalidade jurídica típica da herança greco-romana. Isso explica as sociedades européias até nossos dias, mesmo em sua radical secularidade. Inclusive a filosofia crítica da modernidade e o Estado contratual nascido com o Iluminismo guardam esta estrutura sacra, dogmática e definitória que se encarnou em instituições, pessoas jurídicas, mais do que em pessoas físicas. Estas, as pessoas físicas, só se explicam, valem e eventualmente se equivalem, dentro daquelas, das pessoas jurídicas. 11 Cf. Opus cit, p77. 3. O “Anti-cristo”? A realidade da perversão. Somente com muito cuidado, depois de incursões através da linguagem mítica, Ivan Illich emprega, em um de seus últimos textos, esta imagem do Novo Testamento. Segundo ele, havia alguma consciência, entre os primeiros cristãos, de que o cristianismo pode gerar o “anti-cristo”, o seu contrário. E, de certa forma, somente o cristianismo é capaz deste “duplo monstruoso” que faz surgir o horror no coração em que se deveria esperar o mais sublime do cristianismo. Nesse sentido, a figura mítica do “anti-cristo” tem um caráter completamente diferente da figura mítica de algum “demônio”, e está relacionada como um double bind, duplo laço que cria o pior dos dilemas e das tentações, pois se trata de um “duplo monstruoso” no interior do próprio cristianismo. Há uma ambigüidade e uma obscuridade que acompanha a pureza e a luminosidade do cristianismo: ele pode ser a maior idolatria que nenhuma religião poderia ser capaz. Ivan Illich vê nisso o maior mysterium iniquitatis.12 a) O ídolo no coração do templo? A metáfora do ídolo e do templo pode nos ajudar. É simples: quanto mais espiritual e mais universal for o templo, da mesma forma mais misterioso e mais total se torna o ídolo, com seu horror de cópia monstruosa, quando surge de dentro dele. O que é, neste caso, um “ídolo”? É, claro, uma imagem, mas também uma “idéia” que gesta a imagem, uma identidade ou “mesmidade”: identidade do “ideal” que se confirma e se erige com poder de realidade pela reduplicação e espelhamento de si, por uma expressão e um retorno da expressão a si e com um conseqüente repouso em si, uma “mesmidade”, mas de caráter “monstruoso”, que, ao invés de “mostrar” – revelar – “monstra”, “monstraliza”!. O problema da imagem, do espelhamento, do narcisismo a que este movimento de identidade está sempre tentado a decair como “monstruosidade” pode ser chamado também de “pornografia” ou ainda de “pornologia” ou “pornovisão”. É quando a imagem toma o lugar da realidade viva, se substitui a ela, ganha uma aparente vida própria, capaz de prometer e fascinar e até certo ponto satisfazer mais do que a realidade viva. É o simulacro perfeito, sacro! Assim, o Cristo pantocrático do império cristão, de grande olhar magnífico e impávido, com frases sacras “retiradas”, portanto descontextualizadas, do texto evangélico original, parece bem mais fascinante e tremendo do que aquele nazareno desbotado de sol chamado Jesus e suas pequenas estórias para camponeses. 12 Cf. ILLICH Ivan, opus cit. p98-99. Foi com essa mesma percepção que Ivan Illich se interrogou sobre o Ocidente moderno: uma engenhosa e fascinante pornografia, uma nova simulação ou simulacro da experiência cristã originária, a maior de todas as pornografias, erigida em identidade, em confirmação de si com poder, ídolo “igual aos que o fizeram”(Sl 115,8). E quem o fez? O cristianismo na passagem da narrativa ao dogmático e ao jurídico, da experiência de comunidades sob intensa experiência do Espírito a uma sociedade juridicamente estabelecida em nome de Cristo de forma tão universal e “monumental”. Diferente de Nietzsche, há pensadores ateus contemporâneos que não pensam ter sido de todo mau este desenvolvimento. Vejamos um caso. b) Um teste: O dogma do “homem-deus” A literatura do Ocidente seguiu a lógica inelutável: o homem cria deus à sua imagem e semelhança, em sua lógica identitária é impenitentemente produtor de ídolos. Depois do idealismo e do absolutismo de Hegel, ficou fácil virá-lo de cabeça para baixo e perceber, com suas categorias ao avesso, tal possibilidade idolátrica no Ocidente. Com Feuerbach, Nietzsche, o marxismo e a psicanálise ou a filosofia da existência e a ontologia e a lógica da identidade, segue-se até hoje sem cessar de mostrar, com muita razão, que o ser humano se submete à sua própria imagem divinizada, esperando alcançar-se a si mesmo narcisicamente, pelos caminhos do conhecimento, da apropriação, do progresso, da produção e do consumo. De certa forma, a tecnologia em que estamos imersos começa na tecnologia teo-lógica, na produção de ídolos. Onde está esta clivagem na origem da modernidade? A figura de Dr. Fausto, em todas as suas versões – a versão medieval, que era contada por pregadores como lição de moral sobre o que se devia evitar, e a de Christopher Marlowe e de Johann Wolfgang von Goethe como figura audaz do homem moderno – encontra em Descartes uma filosofia programática: pensando metodicamente, apoiado na idéia inata, interior, de infinito e de perfeição, pode-se chegar a ser “senhor e possuidor” (maître e possesseur) do universo. Em Descartes, portanto, antes de Hegel, os atributos divinos estão no interior, não mais acima ou fora, princípio e garantia de uma subjetivação sem limites, sujeito com possibilidades de absoluto – “a modernidade é a afirmação do sujeito”(Heidegger) – algo jamais pensado em outras latitudes. Esta “idéia de infinito”, que os gregos tinham mantido com cuidado e até com alergia fora da esfera parmenidiana do ser acabado, portanto perfeito, a teologia medieval batizou para falar de Deus. Colou as categorias de infinitude e perfeição, o que espantaria os gregos. Mas permanecia, para os teólogos medievais, um infinito e perfeito ser divino para além da esfera do ser em sua versão de mundo de criaturas. Pois na lição de Aristóteles, o ser se expressa de muitos modos. Os medievais, então, privilegiam dois modos: o ser divino, necessário, infinito e perfeito, e os seres contingentes, imperfeitos e finitos, as criaturas. Agora, com Descartes, o infinito e perfeito subjaz à subjetividade como idéia inata, no seu interior, assegurando a liberdade, a certeza e o rigor do pensamento que pode se tornar senhor do universo. Para Luc-Ferry, a individualidade moderna resulta do duplo dinamismo do caminho da própria fé cristã e do dogma central do cristianismo: o divino se fez humano para que o humano se fizesse divino. Vale a pena esta longa citação: Por um lado o ‘desencantamento do mundo’ ou, para dizer melhor, o vasto movimento de humanização do divino que caracteriza, desde o século XVIII a escalada da laicidade na Europa. Em nome da recusa de argumentos de autoridade e em nome da liberdade de consciência, o conteúdo da Revelação (bíblica) não cessou de ser ‘humanizada’ no decorrer dos dois últimos séculos. É contra tal tendência que o Papa multiplica encíclicas. (...) Mas, paralelamente, é também uma lenta e inexorável divinização do humano que nós assistimos, ligada ao nascimento do amor moderno, do qual os historiadores das mentalidade nos permitiram recentemente decifrar a especificidade. Os problemas éticos os mais contemporâneos dão testemunho disso: é o homem como tal que aparece hoje como sagrado. (...) O movimento agora vai do homem a Deus, e não mais o inverso. É a autonomia que deve conduzir a heteronomia, não esta última que vem, impondo-se ao indivíduo, contradizer a primeira. Os cristãos tradicionalistas verão nisso o sinal supremo do orgulho humano. Os cristãos leigos poderão, ao contrário, ler nisso o acontecimento de uma fé enfim autêntica sobre o fundo de um eclipse do teológico-ético. (...) A transcendência não é aniquilada por esta reversão de perspectiva. Ela está inclusive inscrita, a título de idéia, na razão humana. Mas é do seio da imanência a si, com a rejeição do argumento de autoridade obrigante, que a transcendência se manifesta agora a um sujeito que reivindica, no plano moral universal, um ideal de autonomia.13 Este otimismo conseqüente, ao contrário de Feuerbach, segue o otimismo do marxista Ernest Bloch, que mencionou o cristianismo como a “antropologização” do 13 FERRY luc, L’homme-Dieu ou lê Sens de la Vie. Paris: Grasset, 1996, p62-63. divino, fonte da centralidade e do valor transcendental do humano na modernidade14. Mas a questão nos parece evidentemente mais complexa, e retomamos no item seguinte. c) Cristianismo sem Igreja e Igreja sem cristianismo. Em termos de modernidade, de fato, podemos verificar com Luc-Ferry e com Gianni Vattimo15 um cristianismo moderno ou posmoderno que descarta a autoridade heterônoma, autoritária, e a instituição que a exerce, a Igreja. Pode-se, de fato, localizar esta rejeição com clareza no princípio mesmo do movimento iluminista, na saída do estado de tutela e de minoridade. Em termos mais posmodernos, este “cristianismo sem Igreja” pode ser encontrado no romance de um professor de ciência da religião americano, de grande repercussão internacional – A Cabana16 – onde a tradição cristã está colocada a serviço da redenção interior e pode ser partilhada entre amigos num jantar com um bom vinho e uma boa conversa. A um cristianismo sem Igreja corresponde, talvez antes ainda, uma Igreja sem cristianismo, entendendo-se aqui um cristianismo “vivo”. Os subtítulos de “monumento romano-canônico” e de “arquitetura dogmática das sociedades” ocidentais, na obra de Pierre Legendre A outra Bíblia do Ocidente, expressam um cristianismo que, na realização de sua vocação à universalidade aliada à universalidade da razão grega com seus conceitos e do direito romano com seus cânones, tornou-se um cristianismo eclesiástico abstrato na doutrina e funcional na estrutura canônica. O alto preço dessa tendência à abstração e à funcionalidade sob medida foi um edifício sem alma, exatamente um “monumento” no seu sentido mais arcaico e profundo: um mausoléu, erguido sobre o cadáver heróico e venerável do que foi um cristianismo vivo nas suas origens. Tal cristianismo eclesiástico seria o mausoléu de um crucificado sem ressurreição e sem a convicção de um túmulo “vazio” ao qual não seria mais necessário voltar com oferendas e sacrifícios. Pelo contrário, este enorme monumento fúnebre celebra e garante a presença do cadáver do herói que move os sentimentos de reparação e de sacrifício, de submissão à lei e à autoridade sacra. É nesse sentido, também, que se pode compreender o espanto de René Girard diante de muitas manifestações patológicas 14 Cf. MOLTMANN Jürgen, Dio nella creazione. Brescia: Queriniana, 1986. p59-62. Para Vattimo, cf. Acreditar em acreditar. Lisboa: Relógio d’água, 1998. 16 YOUNG William P, A Cabana. Rio de Janeiro: Sextante, 2008. 15 do cristianismo histórico na forma de “ressacrificialização”17. Um sintoma de cristianismo formal, ritualista e sacrificialista, reduzido a mausoléu no dogma e no direito canônico, eventualmente subsistente sem experiência de fé viva, é o mal-estar do clero na análise do piscanalista, biblista e padre, Eugen Drewermann, cuja obra foi traduzida para o italiano de forma precisa: Funcionários de Deus.18 Honestamente, deve-se reconhecer, por outro lado, o “fio dourado” de profecia e de busca de reformas, mesmo frequentemente a contrapelo da grandiosidade deste monumento romano-canônico, um fio dourado na vida de cristãos santos e profetas, criadores e frequentemente perturbadores. É justamente nesse contraste que se compreende melhor o lado “perverso”, a condição opaca e pesada de anti-messianismo – o “anti-cristo” – sobre o qual se ergue o Ocidente moderno saído da Igreja, inclusive aquilo que houve de mais luminoso nele, a esperança e o otimismo do iluminismo, as ciências em seu estatuto de positivismo e de criação tecnológica, e a atual avalanche de desconstruções numa quase orgiástica onda de auto-destruição inclinando todo o percurso da história e do progresso, da ciência e da tecnologia à decadência e ao pessimismo. Isso se constata, segundo o historiador Jean Delumeau, na voragem cultural de desconstrução em que o sentido do humano se perde, perde direção e significação19. A essa auto-destruição, tánatos no fundo de eros, voltaremos em seguida. d) “Da economia da salvação à salvação pela economia” Max Weber, sociólogo de tradição protestante, atento à conexão íntima da religião com a sociedade, estudioso da mudança de valores tradicionais por objetivos pragmáticos na sociedade moderna, e autor dos ensaios que compuseram o seu mais conhecido livro A ética protestante e o espírito do capitalismo20, caracteriza a passagem 17 Em português há pouca publicação da já abundante bibliografia de René Girard em outras línguas. No entanto, o clássico livro de sua teoria é A violência e o sagrado. São Paulo: Paz e Terra, 1998. Para o caso do cristianismo, O bode expiatório. São Paulo: paulus, 2004. 18 DREWERMANN Eugen, Funzionari di Dio. Psicogramma di un ideale. Bolzano: Ed. Raetia, 1995. 19 Sobre esta contínua corrosão de sentido no triunfo da desconstrução histórico-crítica, surpreende o grito de Jean Delumeau depois de ele mesmo ter trabalhado longamente com este método: “As ‘desconstruções” sucessivas a que se entregaram há mais de cem anos numerosos pensadores ocidentais acabaram por obscurecer nos espíritos essa noção de ‘sentido’, que é ao mesmo tempo direção e significação. Torna-se urgente reconstruí-la; caso contrário, o que há de melhor em nossa civilização perecerá”( em: Mil anos de felicidade. Uma história do Paraíso. São Paulo: companhia das Letras, 1997, p365. 20 WEBER Max, A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Claret, 2003. para a modernidade com esta descrição: trata-se do abandono da “economia da salvação” – expressão patrística utilizada para se referir aos desígnios ou providências de Deus para as suas criaturas - especialmente e a um certo momento exclusivamente oferecida pelos meios sacramentais da Igreja Católica, para se lançar a uma “salvação através da economia”. De certa forma, a “universalidade” como um sistema inteiramente aberto e global, que não seria somente pensado mas “atuado” pelos séculos que vieram sendo caracterizados como modernidade, é a universalidade da economia e do mercado. A esta universalidade corresponde uma nova metamorfose ou uma melhor adaptação do cristianismo, ao estilo da sobrevivência das espécies na teoria de Darwin, diante da necessidade de maior liberdade de iniciativa individual e de novas acentuações em valores cristãos, muito particularmente ligados ao investimento e ao progresso. Max Weber, como é bem sabido, vê a realização dessa metamorfose no protestantismo, especialmente no calvinismo. Nesses ambientes prosperou o capitalismo como sistema econômico com espírito messiânico. Seria o capitalismo uma “Igreja secular”, com seus próprios sinais sacramentais da salvação? É bem verdade que um dos conflitos centrais no cristianismo em tempos modernos foi a relação entre Igreja e Estado, mas é também notável que o Estado prosperou na defenestração da hegemonia da Igreja justo nos países que melhor desenvolveram um sistema capitalista na economia com free religion. A nova economia exigiu uma política de legitimação que significou uma metamorfose também na percepção de Estado e de Igreja. Assim, muitas das funções eclesiásticas passaram à soberania do Estado, e este, por sua vez, tornou-se o garante do progresso econômico e, em algumas situações limites, o “provedor”. O progresso econômico se tornou o sinal indubitável de um Estado bem sucedido, e tal progresso envolveu a sociedade inteira de nações inteiras. De certa forma, a economia se tornou o alento da alma moderna, seu respiro e aspiração. O poder e a riqueza ganharam um novo acento: não só apropriação e acumulação, hegemonia e soberania, mas produção e reprodução. O que exige mercado, movimento, frenesi de um mundo em aceleração, em contínuo e crescente “êxtase” de ordem econômico, até o excesso. Hoje, em tudo há excesso, e o excesso é o outro lado, agora patente, da contínua e necessária raridade no movimento do sistema capitalista e financeiro, reprodutivo e inventivo.21 Mas, se é possível detectar uma Igreja secularizada no sistema em que pontificam o capital, o mercado e as finanças, não seria simplesmente, na relação de 21 Cf as análises de Patrick Viveret, Sur le bon usage d’un fin de monde. in: www.wftl.org double bind, a outra face, o sósia monstruoso, de um Mercado sacralizado na Igreja prémoderna, que, por sua vez, é sósia monstruoso do cristianismo original? Apenas duas alusões que ilustram esta condição camaleônica do cristianismo histórico: os juros e as indulgências. Por um lado, a Igreja condenou por séculos uma forma de investimento que juntava a abstração do dinheiro e o tempo, gerando capital: como se dinheiro fosse coelho que gera outro coelho. No entanto, não se pode pensar o nascimento do capitalismo sem uma nova percepção do tempo como investimento econômico, em que um sistema de juros é vital. Por outro lado, as indulgências, que começaram no encorajamento à cruzada, se tornaram um investimento e um mercado fantástico de aplicação a prazo indeterminado – com a morte, própria ou de terceiros, os familiares, etc. Então se receberia os benefícios, enquanto em curto prazo a captação e o investimento se tornavam basílicas e outras benfeitorias palpáveis. O próprio Deus, com seu ministério da fazenda e seu imposto de renda, seu sistema judiciário em última e praticamente única instância, seria o regulador e o garante do sistema. As imagens do juízo e do purgatório eram instrumentos eficazes para o sistema econômico das indulgências, das taxas de intenções e, em grande medida, também de realização dos sacramentos. É importante reconhecer que as Igrejas neopentecostais com um caráter fortemente arrecadatório e mercantil não inventaram a partir do nada seus sistemas em que o dinheiro se tornou descaradamente um sacramento, um sinal eficaz da graça, da troca de bens, enfim de mercado que volta à sua fonte sacra no final de um período em crise de confiança, o da salvação através da economia. Na volta ao sistema sacro, encurtam-se os prazos, os benefícios são mais imediatos, com seus sucessos e fracassos, que podem ser interpretados como “provas” da fé ou “crises”, tal como as crises do capitalismo, sobretudo da confiança no sistema financeiro. e) A idéia de infinito e o capitalismo Há, porém, uma questão de ordem mais filosófica e de fundo teológico que pode esclarecer a perversão e o surgimento do “sósia monstruoso”: a atuação da idéia de infinito no crescimento sem limites do capitalismo clássico. Convém repetir o que já dissemos acima, porque agora é vital lembrar: A percepção de “infinito” tem uma história no Ocidente, que pode ser resumida em três capítulos. Os gregos escreveram o primeiro capítulo, jogando tudo o que não é “acabado”, portanto “finito” fora da esfera do ser parmenidiano. Mesmo Aristóteles, que não aceita o conceito de “não ser” e o substitui por “potência”, só vê perfeição no que é “acabado”. Foi a filosofia escolástica, serva da teologia cristã, que deu um cunho positivo à categoria de infinito, juntando o que seria estranho para os gregos: infinitude e perfeição. O terceiro capítulo está bem escrito nas Meditações cartesianas, mais especificamente na terceira delas: a idéia de infinito, e de perfeição, é uma idéia inata na base da subjetividade pensante. Há uma interiorização e uma subjetivação, uma antropologização e individualização, que dispensa qualquer recorrência para fora: é “inata” e “em mim”. Esse otimismo fantástico em relação ao sujeito moderno nascente faz uma de suas maiores experimentações na área da economia: o interesse econômico é justo e o seu sucesso prova o aperfeiçoamento ao infinito: o capitalismo é essa “louca da casa”, que não conhece mais limites. Esse interesse ao infinito encontra na estrutura formal e universal do Estado o seu apoio para se universalizar. Assim, não só o Ocidente filosófico e jurídico, mas também econômico, tecnológico, tecnocientífico, passa a ser missionário de um humanismo universal de marca sacramental capitalista. Hegel viu no infinito quantitativo um “mau infinito”. No entanto, sua recuperação da dialética até o Absoluto realizado e a confirmação do mito de progresso, um messianismo travestido, não muda mas torna ainda mais totalizante o caminho tomado. Por isso os que abandonaram o idealismo hegeliano, como Marx, viram na natureza a mãe do homem e no trabalho o pai do homem, assim como na violência a parteira do homem. Essa relação de produção, apesar do equilíbirio buscado por Marx, na verdade continuou o caminho de Francis Bacon: a tortura da natureza como de uma prostituta para expoliá-la de seus segredos. Até a atual crise de finitude. O século XX, além do horror no coração da modernidade, representado pela Rosa de Hiroshima, a fina flor do Holocoausto e da Bomba, conhece este choque da finitude na filosofia da existência, na psicanálise, na antropologia, e, finalmente, na ecologia, e se cobre de sombra. O pensamento do século XX abandona o otimismo dos grandes sistemas e da universalidade. A arte, o pensamento, toda expressão humana perde forma, rima e medida, tonalidade e proporção, e emerge o excesso como sintoma de pósmodernidade.22 Mais fundo, emerge tánatos no coração de eros. O capitalismo se revela pulsão de morte no coração da vida, como um “anti-cristo” no coração do cristianismo, 22 Cf. EVERDELL William R. Os primeiros modernos. As origens do pensamento do século XX. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2000. incapaz de organizar a sociedade humana para a convivência necessária à sobrevivência justo quando tinha tanta promessa de felicidade geral.23 4. A alienação da felicidade. Vamos, então, a este último aspecto da “perversão”: a perversão da felicidade. Há uma questão frequentemente dada por resolvida e que consiste em perguntar sobre a felicidade. De qual felicidade se está falando. Lévinas afirma com simplicidade: Ninguém quer simplesmente ser, mas ser feliz. Somente ser é abstração. O que dá conteúdo ao ser não são categorias, mas modalidades de ser, e o modo pelo qual vale a pena ser é a felicidade. E nisso concorda com Aristóteles, para quem a finalidade da vida humana é a felicidade, e com Duns Scotus, que vê a razão da criação, da graça e da salvação na felicidade, como também com Kant, para quem o ser humano não tem uma finalidade além dele mesmo, ou seja, de sua felicidade. O que aconteceu com a felicidade no cristianismo? a) Felicidade e virtude Embora o cristianismo introduza um conceito teológico na percepção de felicidade – a felicidade é, em última análise, possuir Deus, o que torna esta vida peregrina na busca de Deus - continua em grande medida concordando com os gregos em exaltar a felicidade como subproduto da virtude, pois a virtude, especialmente a sabedoria que dá a justa medida de todas as coisas, é o caminho para chegar à felicidade em plenitude. Portanto, é feliz quem pratica a virtude. Agostinho é genial em uma de suas pérolas sobre a felicidade, mesmo antes de recorrer a Deus: “É feliz quem pode o que quer e só quer o bem”24. Assim, a felicidade está intimamente ligada à ética, à bondade. Que, por sua vez, está relacionada a outros, seja a uma vida em comum seja a uma comunhão com Deus. Evidentemente há muitos empecilhos no caminho da felicidade, especialmente as paixões da vontade. A alienação do conhecimento também é um problema para a felicidade, pois há o risco de buscar o bem onde ele não está. Em última análise, se a 23 Sobre estas afirmações “pesadas”, cf. DOSTALER Gilles e MARIS Bernard, Capitalismo et pulsion de mort. Paris: Albin Michel, 2009. Nesse estudo há uma confrontação e uma atualização de Freud e Keynes. O resultado é sombrio como viemos destacando. 24 SANTO AGOSTINHO, A vida feliz. São Paulo: Paulus, 1993. p felicidade é poder e querer o bem, é vital saber onde encontrá-lo e em que consiste. Aqui está uma diferença entre os gregos, que buscaram a felicidade na virtude e na sabedoria, e os modernos: os gregos atingiram a racionalidade produtora de tecnologia, e não é sem razão que Aristóteles é considerado o pai da ciência no Ocidente. Mas não tiveram interesse em fazer disso uma prática de produção e reprodução. É até possível que haja uma razão simples: os escravos faziam o que faria uma máquina. Mas essa resposta não resolve tudo: máquinas são mais velozes e eficientes, e sem subjetividade são menos problemáticas. Mas porque ser eficiente e veloz, elementos que caracterizam a produtividade moderna? Em última análise, atalhando um percurso longo e cheio de ângulos interessantes: os gregos não confundiram o Bem com os bens enquanto coisas possuídas. A confusão de bens com coisas veio se tornando cada vez mais uma alternativa alienante para o que era a coincidência de bens com virtudes. O “poder” tanto dos estóicos como de Agostinho, era o poder da virtude, a capacidade de querer e, de fato, fazer o bem. E isso supunha também capacidade de renúncia de coisas e bens menores, portanto, renúncia de desejos de felicidades “menores”. b) Felicidade, apropriação e consumação. Quando foi que o Ocidente cristão deixou de buscar Deus como objeto de felicidade para se alienar nos objetos como já sendo realização de felicidade? Voltemos ao “duplo monstruoso” e à dificuldade econômica de obter indulgências e graça. E à reforma protestante que rompe com as escadarias apodrecidas de toda uma parafernália de mediações jurídicas e canônicas com exigências econômicas para obter a graça. Costuma-se apontar, como acenei acima, para Calvino e para o calvinismo como ambiente do espírito do capitalismo. Para quem lê Calvino e conhece a sua história e a de sua experiência na comunidade de Genebra, surpreende-se com a injustiça: Calvino localizou o sinal eficaz da graça, portanto a sacramentalidade da salvação, na concórdia da comunidade e na prosperidade da paz, essencialmente em bens “comunitários”, não ainda econômicos.25 Parece ter sido o deslocamento migratório para a América, em busca de liberdade religiosa, que aconteceu uma mutação: os migrantes se assentaram em propriedades afastadas umas das outras, de tal forma que se tornou inviável a intensa vida em comunidade. Em meio a uma paisagem exuberante mas desabitada e a 25 Cf. GANOCZY Alexandre, Dalla sua pienezza noi tutti abbiamo ricevuto. Brescia: Queriniana, 1991, p170-178, especialmente 176. trabalhar, foi justamente a prosperidade do trabalho e a bênção dos produtos do trabalho que indicaram a presença eficaz da graça e da salvação. Daqui teria nascido a “teologia da prosperidade” que conhecemos e que hoje ocupa de forma religiosa os espaços populares que já não têm confiança nas promessas de felicidade através da economia de mercado.26 De qualquer forma, ainda que possamos ter muitas outras hipóteses para análise, há uma perversão do que se pode considerar poder e riqueza no Ocidente, e isso em referência ao caminho cristão para Deus. Talvez se possa concluir que há um fundo antropológico, que ultrapassa o próprio cristianismo, como faz René Girard ou mesmo a psicanálise: o desejo e seus avatares, que leva à consumação, seja na forma de consumismo de coisas e pessoas e contínua defasagem do desejo, seja na forma de sacrifícios dos heróis e dos que sustentam o sistema, jazendo sepultados em suas bases. Mas aqui nosso foco é a perversão do messianismo, daquilo que é portador e realizador das promessas de felicidade. Em relação ao poder: a perversão do poder de criar e do poder de fazer o bem para o poder tomar. Em nome de Cristo, do Messias salvador, legitimou-se um poder fantástico para expandir colônias e sujeitar povos. Trata-se de um poder de apropriação que leva ao totalitarismo e à violência do outro até o holocausto, mesmo quando há uma política messiânica que não invoca mais o nome de Jesus e da Igreja. Hanna Arendt procurou distinguir poder e violência para devolver ao poder a dignidade de sua vocação messiânica: “poder é a capacidade de ação em conjunto”. Portanto, um exercício essencialmente compartilhado, realmente democrático, com a mesma renúncia ao autoritarismo que o próprio Jesus renunciou diante de suas tentações. Só cooperativamente é possível exercer um poder criativo. Em relação à riqueza: a perversão do valor reduzido a objeto e a mercadoria. Marx é atual em alguns aspectos que apontam para a alienação e para a fetichização. O fetiche tem algo de sacralização, é o sósia monstruoso do “sentido”. Para que o sentido tenha se descolado da vida “boa” no entendimento dos gregos – uma vida virtuosa, pautada pelo bem, em que a riqueza é “ser bom” e o valor do progresso é “ser melhor” – foi necessário, de novo, engolfar-se nas mediações e medidas econômicas da bondade, obra de quem pode se dar ao luxo da apropriação e eventual ostentação de seus bens. 26 Esta era a convicção do Pastor Weber, teólogo observador do Concílio Vaticano II e protagonista do Ecumenismo no Brasil. Foi professor na Escola Superior de Teologia de São Leopoldo. Então, ser “rico” é já ser certeza de ser “bom”, é ter dado certo e portanto é estar certo, é ter tido sucesso, ter a fórmula, e ser inclusive modelo a ser desejado, exatamente o oposto da proposta messiânica de Jesus. Pois nele, ser melhor é abrir mão, é confiar no Deus que veste os lírios do campo. Como se chegou, justamente no Ocidente cristão, à exaltação dos pecados capitais como receitas para o sucesso?27 c) Felicidade, carência e dom. O fio dourado da Reforma Protestante não foi propriamente a liberdade e menos ainda a iniciativa econômica, mas a salvação pela graça. O que isso significa em termos econômicos? Em sua terceira encíclica – Caritas in veritate – com certa dose de teologia da economia, Bento XVI faz uma tímida alusão à economia do dom. Os antropólogos avisam que um mercado baseado na lógica do dom só é possível em comunidades relativamente pequenas e bem ancoradas na tradição. Seria, portanto, um valor tradicional. No entanto, subjaz inclusive ao mercado sofisticado e virulento da modernidade: sob a complexa lógica do mercado, com seus produtos e regras, há uma paradoxal lógica da necessidade do dom, uma necessidade na qual o mercado, como um vampiro, crava os dentes através da publicidade que bebe da necessidade do dom para manipular e garantir seu funcionamento e sua expansão. Por outro lado, a necessidade de dons – de presentes em festas e comemorações, em chegadas e partidas, para as pessoas que amamos ou queremos amar - também se serve do mercado. Porque esta complicada aliança? Porque há outra aliança que é absolutamente necessária e que só pode se realizar através do dom: nós damos para criar laços, para fazer e fortalecer alianças. Isso vale para povos ancestrais, para tribos e comunidades tradicionais, interna e externamente, mas continua verdadeiro para os “modernos”.28 A sacralidade do dom está, na verdade, nos laços, nas alianças que criam, seja entre humanos, seja com o divino. O laço é buscado e somente se realiza através do dom, mas parte do reconhecimento da carência e do desejo que a carência engendra: carência de alguém, de outro. Não é a riqueza, a abundância e o supérfluo, que possibilitam o dom e a economia de dom, mas a carência, a necessidade de outro. A confissão de carência e a confissão do desejo a respeito de outro, e o movimento de 27 Cf. VIVERET Opus cit. Cf. MARTINS Paulo Henrique (org) A dádiva entre os modernos. Discussão sobre os fundamentos e as regras do social. Cf. tb. CAILLE Alain, O paradigma do dom. O terceiro paradigma. Petrópolis, Vozes, 2002. 28 superação da distância e de busca da presença de outro, por sua vez, são também confissão do valor e da raridade altamente preciosa, sem preço mensurável, que é o outro e não as coisas. É nesse círculo que as coisas ganham valor como dom e não como apropriação. É necessário cuidar das doses de sacrifícios que podem se tornar monstruosas na vontade ou desejo de dom e de aliança. O dom pode ser um bocado de pão, um copo d’água, ou tudo o que se pode, mas outra maneira de contar a perversão do cristianismo é a sua ressacrificialização. Enfim, a felicidade não é experimentada como apropriação e autoafirmação em contraposição ao outro, fazendo emergir a pulsão de tánatos no coração de eros através da rivalidade no fundo da cooperação, mas como aliança encontrada e renovada em cada chegada e em cada despedida, em cada comemoração e em cada augúrio: a felicidade é o outro! Então, a antropologia do dom sem exigência de sacrifícios é que deveria regular o mercado e não o contrário. Hoje, o cristianismo, que assiste impotente a perversão do sentido de suas festas de presentes e trocas de dons pela manipulação vampiresca do mercado, precisa aprender de culturas não ocidentais a recuperar o que é central também na fé e na cultura cristã: “isto é meu corpo dado por vós”! Termino com a palavra vigorosa de uma representante indígena colombiana por ocasião da comemoração dos 500 anos de evangelização da América Latina: “Vocês dizem que ser cristão é partilhar e ter tudo em comum? Então nós éramos mais cristãos antes de vocês chegarem”. Para concluir: É importante e não é difícil reconhecer hoje os avatares históricos do cristianismo, sua conexão com a modernidade como continuidade laica e em conflito, mas, sobretudo, sua perversão. Não há porque se escandalizar demasiado: toda luz porta suas possibilidades de sombras, e tanto mais sombra quanto mais luz. O “anticristo” só poderia surgir desde o fundo do cristianismo e o acompanha como tentações e quedas, tornando-se agora talvez mais apocalíptico porque está envolvendo a terra inteira e tem potencial de destruição da presença humana sobre a terra. Antônio Gramsci observava que, enquanto um velho mundo tarda a desaparecer e um mundo novo demora a emergir, nesse entretempo surgem os monstros. E se fica entregue ao “pânico moral” e à “peste emocional”, buscando desesperadamente tapar os furos de nossas frágeis muralhas com vítimas expiatórias, sacrificadas para aplacar os monstros29. As novas acusações entre laicistas e fundamentalistas na vitrine do mundo talvez sejam um sinal. E o clamor em torno dos padres pedófilos, este fenômeno típico de “duplo monstruoso” que cria tanto mais horror quanto mais sacro é o lugar de aparecimento do monstruoso, talvez seja comparável à gritaria e ao linchamento do rato quando aparece na sala, aliviando temporariamente a ninhada imensa que está oculta por baixo do assoalho. O Apocalipse de João, escrito sob o sistema civilizado e fascinante de gregos e romanos, nos diz algo a respeito: num mundo de sistemas poderosos e monstruosos, de bestas, de serpentes e dragões, a esperança está na paradoxal “força da fragilidade” – a descendência humilde da mulher indefesa recolhida ao deserto, testemunha frágil da verdade e da liberdade diante de Pilatos. Mas para quem tem olhos de fé para ver. 29 Cf. VIVERET Opus cit.