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LEITURA E MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Teresa Cristina da Costa Neves*
>A emergência das novas tecnologias de informação sugere o redirecionamento do eixo das discussões sobre
as relações entre leitura e meios de comunicação. A visão segundo a qual os veículos de massa, em especial
os eletrônicos, seriam fortes oponentes ao desenvolvimento do hábito de ler defronta-se com outras variáveis,
introduzidas pelo aparecimento dos mais recentes suportes digitais. Uma das possibilidades de se
compreender esta guinada é refazer o percurso da palavra escrita frente à evolução dos meios de comunicação
no mundo ocidental, desde a Antiguidade até os nossos dias.
Escrita - Leitura - Meios de Comunicação - Novas Tecnologias - Livro Eletrônico
>Those concerned with modern technologies of information are now apt to propose on a new basis the debate
about the relationship between reading habits and mass media audience. So far, it is clear to some theorists
that regular exposure to electronic media is detrimental to the habit of reading. However, as a new digital
world is coming up, this very idea is becoming more and more debatable. In an attempt at understanding the
new direction the world of literacy is taking today, we think that the whole history of writing should
reevaluated. And this is to be done in the light of modern media gradual development as the centuries pass in
Western civilization.
Writing - Reading - Mass Media - New Technologies - E-books
O filósofo Sócrates, que viveu em Atenas nos anos de 470 a.C. a 399 a.C., foi o
primeiro de três pensadores gregos – precedendo a Platão e Aristóteles – que marcaram
definitivamente a cultura ocidental. Fundador da filosofia moral, ele combateu com
veemência os sofistas, pensadores profissionais de seu tempo que cobravam para ensinar;
defendeu e praticou a dialética e o debate, inaugurando um novo método pedagógico, a
maiêutica. Seus contemporâneos o descreveram como um homem dotado de grande senso
de humor, traço realçado em uma das histórias a seu respeito que sobreviveu ao tempo.
Consta que, ao ser apontado pelo oráculo de Delfos como o mais sábio de todos os homens,
Sócrates teria reagido de maneira espirituosa, formulando a célebre frase – “só sei que nada
sei”. O filósofo acabou condenado à morte, acusado de desprezar os deuses do Estado e de
introduzir novas divindades. E, mesmo tendo a chance de fugir da prisão, preferiu acatar a
lei: morreu ao ingerir uma infusão de cicuta.
As informações sobre Sócrates e seu legado, porém, provêm, sobretudo, de Platão,
seu mais proeminente discípulo, pois ele próprio jamais escreveu sobre qualquer assunto. E
fez isso por opção consciente. Foi praticante e defensor ardoroso da comunicação oral e
crítico ferrenho da palavra escrita. Seus ataques amparavam-se basicamente em dois
argumentos: (1) acreditava que a escrita teria a capacidade de atrofiar a memória; (2)
considerava-a inadequada ao diálogo, porque a única resposta capaz de oferecer às questões
que lhe são propostas é o texto já pronto e acabado, não havendo, portanto, lugar para o
debate.
A censura socrática à escrita permite inferir pelo menos três aspectos pertinentes:
a) as preocupações de Sócrates mostram que, na Grécia de seu tempo, a escrita,
embora ainda vedada à maioria da população, já era corrente no meio intelectual, a ponto
de representar uma ameaça à oralidade por ele defendida. A comunicação humana de então
havia evoluído das primeiras formas de escrita – introduzidas pelos sumérios e egípcios em
torno de 3.000 a.C. – até a escrita alfabética – desenvolvida pelos fenícios, hebreus e
gregos. Esta passagem de um sistema a outro foi fundamental, porque facilitou e agilizou a
codificação e a decodificação de mensagens. No método original, o hieroglífico,
empregava-se um símbolo diferente para cada palavra ou conceito. Com o alfabeto, a
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escrita foi dividida em uma quantidade limitada de partes mínimas – as letras – que só
ganham sentido quando colocadas em determinada ordem. Por esta razão, ler e escrever
tornaram-se tarefas muito mais simples depois do alfabeto. Para os gregos da época de
Sócrates, portanto, a possibilidade de acesso à escrita e à leitura já era consideravelmente
maior do que havia sido para povos precedentes, que se utilizavam dos símbolos
hieroglíficos;
b) o segundo raciocínio possível é uma contra-argumentação óbvia: não fosse a
escrita e o trabalho de Platão em memorizar, por meio dela, o pensamento de seu mentor,
não chegaríamos a conhecer a obra socrática, menos ainda sua objeção ao texto escrito;
c) é possível ainda refletir no sentido de que as inquietações de Sócrates revelam
que, há mais de 2.400 anos, os gregos já estavam preocupados com os canais que ligam a
fonte ao destinatário ou o emissor ao receptor na transmissão de uma mensagem. Pioneiros
nas mais diversas atividades, foram eles também os primeiros a pensar sobre o assunto,
podendo ser considerados teóricos originais dos meios de comunicação.
Se assim é, podemos afirmar que, ao relacionarmos, hoje, leitura e meios de
comunicação, estamos, de certa forma, dando continuidade a uma discussão iniciada por
Sócrates, há mais de dois milênios. Seria até mesmo possível comparar a oposição socrática
à expressão escrita – e sua inquietude em preservar a oralidade como modo preferencial de
comunicação – às restrições feitas atualmente aos meios eletrônicos, bem como à
preocupação de muitos de nossos contemporâneos em resguardar a escrita e,
conseqüentemente, valorizar a leitura.
Caminho legítimo para se estabelecer tal relação é rever de forma pontual o
percurso da escrita desde a Grécia antiga até os nossos dias1. Na verdade, não é difícil
compreender a resistência dos gregos em renunciar à tradição oral, se atentarmos para a
vulnerabilidade da palavra escrita numa época anterior à imprensa, em que cada texto
precisava ser produzido à mão, condição que, obviamente, o predestinava à escassez.
Talvez para Sócrates fosse difícil cogitar desta hipótese, mas o curso histórico veio
ironicamente mostrar que, no mundo antigo, a mensagem escrita precisava ser mais
preservada que a transmissão oral.
A destruição da Biblioteca de Alexandria, uma das maiores catástrofes intelectuais
da História, mostra que esta falta de confiança na escrita não era de todo infundada. O
desenvolvimento da cultura de Sócrates até Ptolomeu, o fundador da biblioteca,
atravessando as gerações de Platão, Aristóteles e Alexandre Magno, fez com que, naquela
coleção, chegassem a ser reunidos e armazenados cerca de 500 mil manuscritos, entre
tratados científicos e filosóficos, códigos legais, discursos políticos e peças de autores mais
ou menos importantes2. Embora o índice de alfabetização na antiga cidade egípcia jamais
tivesse alcançado toda sua população, muitos foram os que aprenderam a ler e a escrever
em escolas, que também ensinavam música, matemática e astronomia. A metrópole
portuária, porém, viu seus dias de centro científico e literário acabarem em chamas. Grande
parte da biblioteca foi destruída em 390 d.C.; e o que restou também terminou incendiado,
mais tarde, em 640 d.C., quando a cidade rendeu-se à conquista dos muçulmanos.
O que se seguiu a este aniquilamento, como se sabe, foi a Idade das Trevas na
Europa. O alfabeto continuou como modo de escrita, mas a árdua vida medieval só fez
favorecer o analfabetismo. Por aproximadamente mil anos, o acesso ao conhecimento por
meio da leitura ficou restrito a padres cristãos, que exerceram o papel de guardiões deste
monopólio. Nesta época, a cópia e a ilustração de livros eram confiadas exclusivamente a
monges enclausurados nos mosteiros3 . Este estado de coisas permaneceu até que a prensa
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tipográfica e sua capacidade de produzir múltiplas cópias acabaram definitivamente com o
controle eclesial. Um milênio depois da destruição da Biblioteca de Alexandria, a palavra
escrita renasceria revigorada, anunciando o mundo moderno.
A invenção do alemão Johann Gutenberg, já no século XV, só se tornou viável,
aliás, graças ao sistema alfabético. Na verdade, os chineses haviam criado a prensa
tipográfica, oitocentos anos antes, mas seu uso foi inviabilizado pela incompatibilidade
entre o emprego de caracteres móveis e uma língua escrita composta por 20 mil ideogramas
diferentes. Melhor sorte tiveram os pioneiros ocidentais da máquina de imprimir, que
dispunham de um alfabeto de 26 letras distintas, cujas combinações eram potencialmente
capazes de produzir um número infinito de palavras. A descoberta da imprensa provocou
uma reviravolta na comunicação, que, por sua vez, operou amplas e profundas alterações na
ordem do mundo. Mudanças religiosas, políticas, econômicas, sociais e culturais foram
desencadeadas simultaneamente ao surgimento e à posterior evolução das técnicas de
impressão.
Martinho Lutero, por exemplo, foi um dos primeiros a vislumbrar o potencial da
novidade e, literalmente, imprimiu sua Reforma Protestante por toda a Europa. Distribuiu
fartamente livros e panfletos, utilizando-os para o embate das idéias doutrinárias. Fraturava,
assim, o poder da Igreja Católica, sustentado até então pelo açambarcamento religioso do
texto escrito, fonte única de sabedoria em muitos campos.
A imprensa serviu também para divulgar informações sobre o Novo Mundo. Por ser
capaz de inspirar maior confiança do que os relatos orais, a palavra impressa tornou-se
crucial para o desencadeamento da chamada Era das Descobertas4. Graças à prensa
tipográfica, a façanha do genovês Cristóvão Colombo obteve a confiança dos monarcas
espanhóis, que patrocinaram a conquista da América. O primeiro relato impresso de sua
viagem, um panfleto de oito páginas publicado em latim, toscano, alemão e espanhol5,
tornou-se campeão de vendas em 1493.
O espírito do nacionalismo, despertado pelas proezas dos navegadores, que exibiam
em seus navios as bandeiras de seus países, foi difundido e cristalizado por meio da leitura
do material impresso amplamente disponível. Relatos de experiências, inventos e teorias,
igualmente, ganharam as páginas impressas e, ao contrário das previsões de Sócrates,
motivaram o debate de idéias e a troca de saberes, impulsionando, assim, a revolução
científica.
A disseminação de novos conhecimentos, evidentemente, estimulou o interesse das
pessoas em adquirir ferramentas intelectuais capazes de torná-las aptas a acessar as
informações disponíveis em quantidade pelo emprego da técnica de impressão. Em outras
palavras, para usufruir os benefícios do novo meio de comunicação, era preciso aprender a
ler. Com o advento da comunicação de massa, inaugurada com a imprensa, tornou-se
necessário massificar também a alfabetização, ou seja, franqueá-la a um número
considerável de pessoas. O caminho para isso seria a sala-de-aula, e o atendimento da
demanda só foi possível com a ascensão e o desenvolvimento do ensino público, amparado
em livros que já podiam ser oferecidos a custos relativamente baixos. Enquanto crescia o
número de leitores, tanto jornais quanto livros foram, ao longo dos séculos, se
popularizando, adaptando-se ao gosto do público e se tornando produtos mais baratos e,
portanto, mais acessíveis.
Já no século XIX, uma outra descoberta iria revelar-se essencial ao avanço da
leitura: a eletricidade. De fato, a lâmpada, criada pelo norte-americano Thomas Edison, em
1879, ofereceu inúmeras vantagens em relação ao tipo de iluminação não-natural existente
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até então, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento da capacidade de ler. Esta
atividade podia, afinal, ser exercida em um período mais conveniente, à noite,
artificialmente transformada em dia. Além disso, a luz elétrica incentivou a afirmação da
leitura como um hábito solitário e silencioso, ao contrário do que acontecia com os textos
manuscritos da Antigüidade e mesmo com a palavra impressa que circulava nos meios mais
populares. Em ambos os casos, o ato de ler se efetuava de forma coletiva e sonora, porque
era posto em prática em voz alta. O resultado de tudo isso foi que, em poucos anos, além
dos livros, multiplicaram-se o número de títulos de jornais diários, a quantidade de
exemplares vendidos, a circulação de semanários, bem como a porcentagem de crianças
que freqüentavam a escola pública. E os índices de analfabetismo caíram.
A mesma energia elétrica que impulsionou a alfabetização, o hábito de ler, assim
como a produção de livros, jornais e revistas, também viabilizou o aparecimento e o
desenvolvimento dos meios de comunicação de massa eletrônicos, já no século XX. Mas
estes, por sua vez, não tardaram a ser apontados como inimigos implacáveis da leitura. Por
mais atraentes que fossem as opções diversificadas de textos impressos oferecidas na época
do surgimento do rádio e, depois, da televisão, não é difícil compreender o impacto e a
sedução que estes veículos exerceram sobre as pessoas.
Primeiro, o rádio reabilitou e amplificou a fala e a audição, restaurando a oralidade
tão reclamada por Sócrates. Mais do que isso, resgatou e adaptou a aptidão humana para
contar e ouvir histórias. Curiosamente, porém, parece ter-se prestado pouco ao diálogo. Não
por acaso, sua era foi também a da difusão do nacional-socialismo preconizado por Adolf
Hitler, que fez deste meio de comunicação um fiel e decisivo aliado em seu projeto político.
Extremamente sedutor e apropriado às mensagens narrativas, o rádio logo foi consagrado
por sua capacidade de promover um novo tipo de entretenimento. Embora, nos anos 20, o
cinema já se tivesse firmado como diversão pública, a radiodifusão conduziu o mundo real
e o universo ficcional para dentro de casa, com a vantagem das transmissões instantâneas.
Maior ainda foi o efeito arrebatador da televisão sobre o público. Em certo sentido,
ela reuniu o cinema e o rádio num novo tipo de tela, quando já existia familiaridade com
produções cinematográficas e radiofônicas, o que tornou a transmissão televisual
facilmente aceita. Nos anos 50, a TV havia se estabelecido e, nas décadas seguintes, viria a
ocupar a posição de meio-síntese do século XX, instaurando a “era da imagem”. A
televisão reconfigurou hábitos e impôs novos padrões de recepção. Logo tomou o lugar do
rádio na sala de estar, deslocando este para a cozinha, para o quarto e para o automóvel6.
Com os meios impressos, ela seria igualmente implacável. Entretanto, embora seja
apontada como a maior inibidora do hábito de leitura de seu tempo, a TV não conseguiu
fazer com que livros, jornais e revistas sucumbissem. Além disso, apesar de toda sua
importância, revelou-se impotente para nos conduzir, soberana, ao Terceiro Milênio. A
partir dos anos 80, a televisão, meio que levou a chamada comunicação de massa ao seu
limite, cede, pouco a pouco, seu lugar de relevo aos computadores pessoais, que trazem
consigo a esperança de resgate da presença individualizada no mundo, em contraste com a
massificação que teria marcado o último século7.
A chegada dos computadores revira, mais uma vez, padrões culturais vigentes e,
novamente, os reordena. A começar pelo fato de que, ao utilizar este meio de comunicação
interligado em rede (com o uso de um modem e de uma linha telefônica), cada um de nós
se torna, a um só tempo, produtor e receptor de mensagens. E esta é uma ruptura decisiva
com relação ao modelo anterior. Senão, vejamos:
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a) na comunicação de massa, temos um modelo comunicacional no qual o tráfego
de informação se dá de um para todos (de um jornal para todos os seus leitores; de uma
emissora de TV para todos os seus telespectadores, etc.), de modo que há um emissor para
um grande número de receptores relativamente passivos e isolados uns dos outros;
b) no novo modelo comunicacional, posto em prática por meio dos computadores
interligados em rede, o fluxo da informação se dá de todos para todos, de maneira que cada
uma das pessoas conectadas pode, virtualmente, se comunicar com todas as outras – seja
através de e-mail (ou correio eletrônico), chat (diálogo em tempo real através da rede),
fórum de discussão (espécie de mural virtual em que são veiculadas opiniões sobre
determinado assunto), seja produzindo sua homepage (página da web). Deste modo, não há
mais um único centro emissor; todos podem ser emissores – e também receptores – no
processo de circulação da informação8.
Isto significa que, neste canal de comunicação, deixamos de ser meros destinatários
e nos tornamos usuários de um sistema de informação. A interatividade é radicalmente
redimensionada, porque, agora, não interagimos apenas com a máquina, como no uso do
controle remoto e da gravação em videocassete, mas também com o conteúdo por ela
veiculado. Percorrendo a realidade virtual do ciberespaço, podemos alcançar,
instantaneamente, qualquer ponto do planeta, de acordo com nossa escolha ou preferência.
A informação agora é servida à la carte. Com seus recursos de multimídia, reunindo
imagem, som e palavra, as máquinas telemáticas vêm resgatar a escrita de uma espécie de
seqüestro a que esteve submetida durante o “império das imagens”, no qual reinou a
televisão.
Embora tenha voltado a “rolar” (não mais como no antigo vólumen, mas na tela,
com a ajuda das barras de rolagem), o texto digital reúne diferenças fundamentais em
relação aos manuscritos da Antigüidade e também à escrita impressa convencional.
Impalpável, imaterial e “deslocalizado”, ele só se realiza por meio de dispositivos técnicos
sob o comando de quem deseje acessá-lo. Tal característica explica uma espécie de
insegurança que ainda temos hoje em relação a este tipo de texto. Sua virtualidade nos dá a
impressão de que – como ocorreu com a compilação de Alexandria –, por uma fatalidade,
ele virá a nos faltar. Por esta razão, somos ainda muito dependentes de sua materialização
no papel, através da reprodução impressa – operação, a propósito, cada vez mais banal,
facilmente realizável, cujo conceito também exige revisão, ante o virtual lançamento da
tinta eletrônica ou e-ink.
Outro aspecto a ser considerado é que o novo meio pode tanto distribuir textos em
redes (on-line), como é o caso da internet, quanto torná-los disponíveis sem que haja
comunicação simultânea com sistemas de transmissão e processamento de informações
(off-line). A organização textual também pode variar, apresentando-se em encadeamento
linear, análoga ao dos manuscritos e impressos, ou assumindo caráter hipertextual, ou seja,
tornando-se não-seqüencial, não-hierarquizada e ramificada por meio de links, que
oferecem ao leitor múltiplas escolhas de percurso. No hipertexto, não há começo, meio ou
fim. Quem estabelece os caminhos a serem percorridos é o leitor. Além disso, as conexões
disponíveis, através dos links, possibilitam o reenvio a outras formas de discurso que não só
a escrita. Texto, ilustração e vídeo convivem na mesma tela e podem, sendo links, remeter
uns aos outros
Os novos aparatos tecnológicos para facilitar a leitura nas telas de computadores
vêm-se desenvolvendo a passos largos. Já é possível, por exemplo, obter gratuitamente,
pela internet, software desenvolvido para este fim, o reader. O aplicativo, compatível com
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a segurança exigida pelos detentores de conteúdo, permite acessar livrarias e bibliotecas
virtuais (nas quais podem ser adquiridos títulos de graça ou a preços de 30% a 40%
inferiores aos de seus equivalentes impressos), criar acervo pessoal, marcar páginas, alterar
fontes, sublinhar trechos, consultar dicionário e adicionar notas. Sua instalação pode ser
feita em computadores de mesa (desktops), portáteis (laptops e notebooks) ou de bolso
(como os palmtops e handhelds). Outra opção é executar o programa em aparelhos
especialmente produzidos para servirem de suportes do texto digital, conhecidos como
reading devices ou e-books devices, comercializados desde 1998.
Os livros eletrônicos aproximam-se em peso, tamanho e formato das obras
impressas, a fim de se equipararem a elas em praticidade e portabilidade. Dispensando
cabos e fios, propõem-se a oferecer a mesma funcionalidade dos livros de papel, com a
vantagem de possibilitarem o acúmulo de diversas obras ao mesmo tempo. Os preços
variam de US$199 a US$600, e os modelos mais avançados que já estão no mercado
chegam a armazenar 15 mil páginas, o equivalente a 30 livros de 500 páginas. Outras
versões ainda não colocadas à venda, no entanto, prometem reunir até 500 mil páginas, ou
seja, mil livros de 500 páginas9. Os equipamentos ainda possuem tela plana de cristal
líquido colorida, sensível a toque (touchscreen), luminosidade ajustável, bateria com
duração de 20 a 40 horas, base giratória, além de admitirem expansão de memória.
Mas o desenvolvimento de tecnologias voltadas para a leitura de livros eletrônicos
não pára aí. Uma empresa americana já apresentou o protótipo de uma tela para
computador de bolso feita de papel eletrônico10. Tão fino quanto um chumaço de cabelo, o
monitor de papel tem superfície plástica maleável e visível de qualquer ângulo. Também é
leve o suficiente para ser carregado debaixo do braço. Através dele será possível acessar
uma listagem de centenas, talvez milhares de títulos, guardados na memória do
computador. Com o uso de uma caneta especial, basta tocar sobre o título da obra desejada
para que ela seja impressa em tempo real no papel digital. A expectativa é de que, em cinco
anos, um livro como esse possa substituir uma biblioteca inteira.
Tanto investimento em mecanismos de leitura eletrônica é justificado, quando se
toma conhecimento das mais recentes pesquisas. Um estudo do Instituto Poynter e da
Universidade de Stanford11 mostra que os padrões de leitura divergem fortemente de acordo
com o meio. Conforme a investigação, quem lê notícias em sites da internet tende a se
concentrar no texto do artigo em primeiro lugar, deixando fotografias e gráficos em
segundo plano. Em oposição, quem lê jornais e revistas procura de forma imediata as
ilustrações e, só depois, se preocupa com o texto. E mais: na internet, os leitores lêem, em
média, 75% de cada artigo; nos jornais e revistas, este índice cai vertiginosamente para
30%.
Os dados são animadores em relação às perspectivas abertas à leitura pelo campo
tecnológico. Não obstante, salientar apenas os aspectos positivos deste contexto significa
cair na armadilha da visão simplista segundo a qual os dispositivos da informática são a
solução para todos os males contemporâneos. A informatização, embora seja um processo
relativamente recente, envolve uma série de conflitos e tensões, porque expõe as imensas
desigualdades entre os que dispõem desta tecnologia e aqueles que estão completamente à
margem da evolução tecnológica.
Desde o tempo dos primitivos manuscritos, quase tudo mudou. Mas não tudo. Se, na
longínqua Antigüidade, o acesso à leitura e à escrita era restrito a um seleto grupo de
privilegiados, hoje, em plena era da informática, ainda há uma significativa parte da
humanidade que sequer alcançou a alfabetização tradicional e, portanto, está impedida de
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usufruir a maior benesse, talvez, das sociedades civilizadas: a informação escrita, disposta
em imensas redes de distribuição. E esta é, sem dúvida, uma das mais desconcertantes
contradições de nosso tempo.
Há, certamente, um sentido revigorante na constatação de que, contrariando todas as
previsões de Sócrates, há mais de dois milênios, os computadores em rede, como nenhum
outro meio, permitiram que a palavra escrita se tornasse potencialmente propícia à troca, ao
colóquio, à interatividade. Esta mesma tecnologia também nos oferece uma capacidade,
sem precedentes, de armazenar informações e, o que é melhor, facultá-las e distribuí-las
amplamente em tempo real. Porém, embora seja animador observar que a evolução
tecnológica parece caminhar na direção do fortalecimento dos hábitos de leitura e não o
contrário, há ainda muitas questões a nos desafiar.
Como garantir a todos o acesso aos benefícios oferecidos pela tecnologia? Será
possível acompanhar o ritmo acelerado das inovações neste campo? Depois de termos
vencido as dificuldades da escassez, como lidar, agora, com os problemas decorrentes do
excesso de informação inerente aos meios de comunicação tecnológicos mais recentes? De
que maneira agir e que critérios eleger para selecionar conteúdos? Haverá uma forma eficaz
de controlar a reprodução e assegurar o direito autoral? Será que o excesso e a aceleração,
marcas definitivas de nosso tempo, não vão nos privar da condição de leitores capazes de
reputar aquilo que lemos?
Estas são algumas das indagações que nos provocam. O que, decerto, é natural, já
que atravessamos um nítido momento de transição, semelhante àquele do tempo de
Sócrates, quando a cultura grega resistia em passar da oralidade à escrita. Agora, no
entanto, estamos em vantagem, porque Sócrates nos precedeu. Por mais justificadas que
sejam nossas preocupações, não será possível nos livrarmos delas simplesmente
depreciando, condenando ou mesmo resistindo aos novos paradigmas de escrita e leitura
que a tecnologia nos oferece.
Os produtos impressos ainda nos parecem essenciais. Os próprios estudiosos e
especialistas no assunto asseguram que livros e jornais de papel não vão desaparecer. Mas
só por enquanto. E isso – apenas por ora – nos tranqüiliza. Não se pode negar, contudo, um
indisfarçável constrangimento quando constatamos que, gradualmente, tanto o jornal
quanto o livro convencionais começam a ganhar ares de produtos “velhos”, ultrapassados,
fabricados de forma antiquada, exigindo matéria-prima cara e considerada até, em
determinados âmbitos, como ecologicamente incorreta.
O desafio que aflige as atuais gerações é, em resumo, descobrir o melhor caminho
para trilhar a passagem de uma realidade à outra. Considerando-se que “a tecnologia não é
boa nem má, mas também não é neutra”12, tal equacionamento exige a superação de
atitudes dissimuladoras e depende de nossa sincera capacidade de, tomando por lição o
passado, fazer emergir os embaraços do presente na perspectiva de um futuro que, afinal,
cabe a nós construir.
Notas
* Mestre em Comunicação e Cultura (ECO/UFRJ). Professora assistente da Faculdade de
Comunicação/UFJF.
1. Para isso, acompanha-se aqui, fundamentalmente, o raciocínio desenvolvido por
LEVINSON, P. (1998).
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2. A esta altura, mais exatamente entre os séculos II e V, ocorria a gradativa substituição da
forma de organizar o texto manuscrito em rolo – o vólumen – pelo formato atual dos livros,
composto por cadernos reunidos – o códex. Esta mudança tanto reduz os custos de
fabricação, quanto facilita a leitura, deixando as mãos do leitor livres para anotações, por
exemplo. Cf. MELLO JR., J. (2001), p. 1.
3. Circunstância, aliás, tão bem retratada por Umberto Eco, em O nome da Rosa.
4. Os vikings – navegadores escandinavos – já teriam chegado no Novo Mundo 500 anos
antes de Colombo. No entanto, como a proeza só podia ser relatada por meio de sagas orais,
estas não eram suficientemente confiáveis para fazer alguém se deslocar até as terras
recém-descobertas. Cf. LEVINSON, P. op.cit., p. 52.
5. Antes da imprensa, convém observar, a única língua utilizada na escrita era o latim.
6. Como já havia sido feito pelo rádio, a TV atrelou-se rapidamente aos anúncios
comerciais, tornando-se veículo publicitário por excelência e consagrando a sociedade de
consumo.
7. Da mesma maneira que a passagem da palavra escrita à imprensa pode ser associada à
transição do indivíduo à multidão e, desta, à massa, a evolução dos meios eletrônicos,
sobretudo a que vai da televisão ao computador, assinala um retorno da massa ao coletivo
e, deste, ao grupo.
8. Cf. LEMOS, A (2000), pp. 3-4.
9. Cf. MOHERDAUI, L. (2001), p. 1.
10. Cf. FRUET, H. (2001), p. 76.
11. Cf. “INTERNET muda hábitos de leitura de notícias” (2001), p.1.
12. Lei de Kranzberg. Cf. KUNCZIK, M. (1997), p. 206.
Bibliografia
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LEITURA E MEIOS DE COMUNICAÇÃO Teresa Cristina da