ATUAÇÃO E FORMAÇÃO DO PEDAGOGO EM ESPAÇOS NÃO
ESCOLARES
Ana Maria Gomes da Silva (UFPB) 1
RESUMO
As questões ambientais ocupam um lugar de destaque no debate atual. Seja devido às grandes
tragédias ecológicas que ameaçam a sociedade e ao meio ambiente, ou resultante das
desastrosas relações entre o homem e natureza, voltados para a remoção sem controle de
matérias-primas, ocasionando sérios problemas à vida em nosso planeta. Por estas razões
apresento, neste texto, um relato de experiência das práticas agroecológicas educativas na
perspectiva da sustentabilidade sócio-econômica-ambiental, presentes no projeto: “Formação de
Agricultores Familiares na Perspectiva da Sustentabilidade Sócio-econômica-ambiental”,
desenvolvido em três assentamentos no vale do Mamanguape PB, sendo eles: Novo Salvador e
Boa Esperança, ambos no município de Jacaraú/PB e Assentamento Jardim, município de
Curral de Cima/PB. Sob este aspecto, esta reflexão trata-se de uma análise das contribuições do
referido projeto para minha formação enquanto docente do curso de pedagogia.
Palavras-Chave: Agroecologia; Espaço não escolar; Formação.
INTRODUÇÃO
Foram diversos os debates, pareceres, discussões e mudanças vivenciadas nos
cursos de formação de pedagogos ao longo da história. Muitos debates foram surgindo,
mas na prática poucas foram às mudanças, porém uma das mais significativas é citada
no parecer nº 252/69 que definiu a estrutura curricular para o curso de pedagogia com a
função de formar professores para o ensino normal e especialistas em diversas
atividades, tais como: administração, orientação, supervisão e inspeção. Habilitando o
licenciado a exercer o magistério nas séries iniciais para o ensino normal. Na qual se
defendia a formação específica de técnicos em educação, o pedagogo não docente. No
que diz respeito às licenciaturas também não houve mudanças.
A resolução nº 292/62 do Conselho Federal de Educação (CFE) trouxe tentativas
de organizar o percurso de formação dos profissionais da educação, que se organizavam
no modelo 3 + 1, presentes desde 1939 com o início do curso de pedagogia, modelo este
¹. Graduanda do Curso de Licenciatura em Pedagogia do CCAE- UFPB, bolsista do projeto
“Formação de Agricultores Familiares na perspectiva da sustentabilidade sócio-economicoambiental” (CNPq); e Membro do GEPEDUCA – Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do
Campo e Ambiental (CCAE – UFPB - DED) e-mail: [email protected].
em que, em três anos o aluno teria o diploma de bacharel, e com mais um ano opcional
o diploma de licenciado.
A Lei de Diretrizes e Base2 também influenciou na mobilização dos educadores
de todos os níveis de ensino para rediscutir a formação de profissionais da educação.
Para estes não bastavam reformas curriculares e sim uma urgência na definição de uma
estrutura organizacional para um sistema nacional de formação de profissionais da
educação, incluindo a definição dos locais do processo formativo.
Quanto ao local de formação em alguns foi mantido nas faculdades de educação
em outros ocorreram algumas mudanças como os deslocamentos aos institutos,
departamentos e cursos. Segundo Selma Garrido Pimenta:
O curso de pedagogia destinar-se-á à formação de profissionais
interessados em estudos do campo teórico-investigativo da educação e
no exercício técnico-profissional como pedagogos no sistema de
ensino, nas escolas e em outras instituições educativas, inclusive as
não escolares. (PIMENTA, 2006, p. 15)
Deste modo concordo com as questões apresentadas por Selma Garrido ao
afirmar que o pedagogo não deve limitar-se apenas a espaços escolares, o conceito de
pedagogia é mais amplo e abrange outras instâncias. Não significa dizer que a docência
não é importante, mas afirmar que o pedagogo também é fundamental em outros
campos de trabalho. Uma vez que este profissional estimula a reflexão crítica sobre as
práticas de um aluno ou trabalhador. A sociedade em constante transformação verifica a
cada momento necessidades objetivas de formação, e as práticas sociais se exercitam a
partir de intencionalidades explícitas ou não, desta forma a prática pedagógica não deve
limitar-se apenas as escolas, mas a todas as práticas educativas de uma sociedade, em
busca de potencializar a ação educacional com fins educativos e em busca de um projeto
de formação de sociedade. Por tanto, a prática pedagógica realiza-se através de sua ação
científica em relação à práxis educativa, visando compreendê-las e torná-las explícitas
em um processo de conscientização a seus participantes. É preciso uma análise mais
profunda acerca do que realmente constitui a profissão do pedagogo.
2
Ver: LDB 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Título VI.
Por isso, este profissional deve torna-se crítico e investigativo. Segundo Selma
Garrido, a pedagogia é uma reflexão teórica a partir e sobre as práticas educativas, não
tendo como afirmar que o trabalho pedagógico limita-se ao trabalho docente nas
escolas. Por acreditar num campo vasto para atuação do pedagogo e defender a
pedagogia como teoria e prática da educação Libâneo reivindica que o pedagogo possua
presença atuante nas mais diversas instituições e ambientes da comunidade: nos
movimentos sociais, nos meios de comunicação de massa, nas empresas, nos hospitais,
nos presídios, nos projetos culturais e nos programas comunitários de melhoria da
qualidade de vida. Evidenciando que esta participação pedagógica também exige
preparação prévia, sistemática e qualificada.
É notável e devemos reconhecer que as práticas educativas acontecem em
diversos lugares, sejam formais, não formais e informais, nos locais de trabalho, nas
relações familiares, na rua, nas instituições de ensino em fim em todas as relações e
convívio social. Para estes campos pedagógicos Libâneo apresenta as seguintes
definições:
A educação informal corresponderia a ações e influências exercidas
pelo meio, pelo ambiente sócio cultural, e que se desenvolve por meio
das relações dos indivíduos e grupos com seu ambiente humano,
social, ecológico, físico e cultural [...] A educação não formal seria a
realizada em instituições educativas fora dos marcos institucionais [...]
A educação formal compreenderiam instancias de formação, escolares
ou não, onde há objetivos educativos explícitos e uma ação
intencional institucionalizada, estruturada, sistemática. (LIBÂNEO,
2008, p.31)
Diante destas questões e fundamentada em pesquisas bibliográficas e análises de
entrevistas, apresento neste relato as experiências vivenciadas como bolsista no projeto
Formação de Agricultores Familiares na Perspectiva da Sustentabilidade Sócioeconômica-ambiental desenvolvido em três Assentamentos rurais; Boa Esperança e
Novo Salvador município de Jacaraú e Jardim no município de Curral de Cima no Vale
do Mamanguape/PB, as quais contribuíram para minha formação enquanto aluna do
curso de pedagogia, evidenciando as experiências das práticas de liberdades e
desenvolvimento sustentável na perspectiva da agroecologia. O projeto busca promover
a formação continuada em agroecologia e desenvolvimento rural sustentável das
famílias envolvidas. Trata-se de uma região devastada pela presença maciça da
monocultura da cana de açúcar, destruição de recursos naturais, desmatamento,
empobrecimento do solo, baixa produtividade e pouca utilização da mão de obra.
Segundo
Gliessman
(2001),
como
consequência
desse
modelo
de
desenvolvimento os danos se expressão na diminuição da fertilidade dos solos, perda de
matéria orgânica, lixiviação de nutrientes, degradação e aumento da erosão dos solos,
contaminação e esgotamento de fontes hídricas, aumento de pragas e doenças,
contaminação de ambientes agrícolas e ecossistemas naturais, danos à saúde de
agricultores e assalariados agrícolas, destruição de insetos e microorganismo benéficos,
diminuição drástica da biodiversidade regional e desequilíbrios no ciclo global de
nitrogênio com consequente agravamento dos problemas na camada de ozônio. Os
Assentamentos mencionados possuem formas de desenvolvimento que mostram
claramente a relação entre homem e natureza e como as práticas pedagógicas
desenvolvem-se nestes espaços.
Agroecologia e educação
A agroecologia representa uma forma de abordar e incorporar cuidados especiais
relativos ao meio ambiente. Esta necessidade surgiu a partir da segunda metade do
século XX e início do século XXI que foi marcado por uma grande devastação
ambiental, perda da biodiversidade, desastres ecológicos e climáticos, poluição,
aquecimento global, alimentos transgênicos, agrotóxicos e tantas outras coisas que
colocaram e colocam a vida no planeta em risco. A agroecologia vai além do cultivo
orgânico, ela é um olhar sobre o mundo, buscando um desenvolvimento de forma
sustentável que visa à produção diversificada, segurança alimentar e qualidade de vida.
Os seres humanos estão desenvolvendo-se de maneira descontrolada e sem pensar nas
gerações futuras, por isso a educação ambiental inclui a dimensão cultural, social e
política como fatores importantes na formação de novos cidadãos.
O projeto, já mencionado, é fruto de uma construção coletiva com a participação
de técnicos, pesquisadores e lideranças dos assentamentos e da Comissão Pastoral da
Terra, e tem como objetivo geral incentivar e fortalecer a agricultura familiar, a
produção diversificada proporcionando segurança alimentar e geração de renda para as
trinta famílias envolvidas visando à permanência e sobrevivência do homem no campo.
E ainda desenvolver entre os envolvidos a consciência agroecológica, evidenciando que
tem como trabalhar na terra de uma forma segura e sustentável. Os princípios da
agroecologia podem embasar estratégias de organizações que beneficiam os agricultores
familiares proporcionando a criação de uma nova cultura. A agroecologia é um modo de
trabalhar a agricultura familiar respeitando a natureza, um jeito de produzir com ela e
não contra ela. É uma construção social que envolve toda a família. Aos bolsistas
estudantes e professores cabe a observação participante, pesquisação, registros de
relatos das experiências e fotográficos como também o acompanhamento do processo
de gestão participativa. A equipe técnica acompanha os agricultores na seleção das áreas
de plantio, dão apoio técnico e coordenam as oficinas práticas.
Enquanto bolsista neste projeto constatei que muitas foram às contribuições para
minha formação docente, diversas e notáveis foram às práticas educativas. Tais como: a
troca de saberes com e entre os agricultores, relação de igualdade entre os indivíduos,
desenvolvimento paulatinamente da consciência ambiental, organização e gestão
coletiva aquela em que todos os agentes envolvidos participam das decisões dos
benefícios e das responsabilidades, princípios da comuna e ainda autonomia e
responsabilidade princípios que orientam os saberes pedagógicos. É durante as
entrevistas e coletas de dados que a aquisição de conhecimentos torna-se evidente, os
agricultores relatam experiências de vida onde a prática é vista como o grande elemento
de formação. Os saberes surgem diante das necessidades que tenho e conforme
necessito minhas práticas são modificadas e reinventadas. O que nos leva a
compreender que ensinar não é transferir conhecimento, mas produzir e construir
coletivamente de modo que não haja sujeito formador e sujeito formado. Todos são e
estão em processo de formação em que as relações e convivência modelam este
processo. Esta metodologia de formação é tema das contribuições de Paulo Freire
(1996, p. 23) para nossa educação ao afirmar que “quem forma se forma e re-forma ao
formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”. Muitos talvez, não vejam
neste projeto relações que o envolvam inteiramente com o curso de pedagogia. Por
trata-se de um projeto que trabalha com agricultores, técnicas agroecológicas, uso de
tração animal, curva de nível, rotação e consócio de culturas. Mas ao realizar um estudo
profundo nas questões que envolvem a formação dos pedagogos em espaços não
escolares e as práticas educativas desenvolvidas nestes ambientes, percebe-se que este
profissional ao mesmo tempo em que atende as modalidades escolares, deve estar apto a
também desenvolver atividades extraescolares, como nos movimentos sociais, nas áreas
menos valorizadas e nos tema transversais como a educação ambiental, saúde e
comunidade. A formação ecológica, além de ser um direito de cidadania, está vinculada
também com a formação escolar de crianças e adolescentes que serão os futuros
profissionais deste país e cidadãos do mundo. Desta forma surge a necessidade de se
estudar e desenvolver as práticas agroecológicas dentro e fora de sala de aula. Os
princípios básicos da educação ambiental são em suma o conjunto dos elementos que
compõem a discussão sociedade e natureza. A relação sociedade natureza é permeada
de complexidade e especificidades. Embora a sociedade faça parte da natureza e
necessite dela para sobreviver, é a “sociedade” quem a destrói. Desta maneira um dos
agentes transformador é a educação, que se desenvolve no projeto mencionado durante
as avaliações e planejamento com as famílias envolvidas e com a equipe de
coordenação, nas viagens de intercambio com comunidades que desenvolvam atividades
agroecológicas, nas visitas das bolsistas e técnicos as comunidades, nas oficinas
práticas, nos ciclos de formação e nos seminários de intervivência entre as famílias
É importante reafirmar que assim como Selma Garrido, Libâneo define ser vasto
o campo educativo quando afirma que:
O campo do educativo é bastante vasto, uma vez que a educação ocorre em
muitos lugares e sob variadas modalidades: na família, no trabalho, na rua, na
fábrica, nos meios de comunicação, na política, na escola. Ou seja, ela não se
refere apenas as práticas escolares, mas a um imenso conjunto de outras
práticas educativas. (LIBÂNEO, 2006, p. 63)
É por estes e outros posicionamentos que a educação como prática educativa,
compreende não apenas ao ato ou método de ensino, ela ocorre no desenvolvimento
humano, na relação com a sociedade, com a natureza e entre grupos, de modo que tenha
como objetivo comum, a formação do ser humano. E que diante do desequilíbrio
ecológico que vivemos possa ser um agente transformador desta realidade.
CONCLUSÃO
É importante considerar que é através dos processos de comunicação e interação
nas relações sociais que a educação se concretiza. E é por isso que a pedagogia
ultrapassa padrões pré-estabelecidos. Penso que, um bom profissional está sempre
pronto para mudanças e desafios e aperfeiçoa suas práticas conforme surgem às
necessidades. Cada vez mais me convenço de que cabe a um bom educador o mérito de
desenvolver em seus alunos a consciência ambiental de modo que estes ao se relacionar
com o mundo compreendam a ética e o respeito como elementos fundamentais. Uma
vez que a educação é a melhor forma de intervir no mundo e a agroecologia é ciência de
conexão que traz práticas populares e tradicionais na intenção de resgatar a função
social da terra e da natureza. A prática agroecológica é uma construção social e
ambiental em defesa da biodiversidade e a atuação do pedagogo na construção desta
conscientização e essencial para que as futuras gerações conheçam e concretizem essas
ações.
Assim, ao produzir este artigo espero ter contribuído para as discussões que
permeiam a formação dos pedagogos, evidenciando que são durante as atividades
desenvolvidas pelo projeto, que adquiro conhecimentos, autonomia, liberdade,
mudança, ética, reflexão crítica e identidade para minhas práticas pedagógicas escolares
ou não. O grande desafio é pensar o pedagogo para ambientes não escolares quando a
formação prioriza a docência. A respeito disso Libâneo (2006, p.82) diz que: “Se os
professores são todos educadores, nem todos educadores são professores”.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra. 1996.
GLIESSMAN, S. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. 2ª ed.
Porto Alegre: UFRGS, 2001.
LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e Pedagogos, para quê?. 10ª ed. São Paulo:
Cortez, 2008.
LIBÃNEO, José Carlos. (org). Pedagogia e Pedagogos: caminhos e perspectivas. 2ª ed.
São Paulo: Cortez. 2006.
PIMENTA, Selma Garrido. (org). Pedagogia e Pedagogos: caminhos e perspectivas.
2ªed. São Paulo: Cortez. 2006.
Download

ATUAÇÃO E FORMAÇÃO DO PEDAGOGO EM ESPAÇOS NÃO