EDITORIAL Editores Sônia Inakake Almir C. Almeida Jornalista Responsável Luiza C. Oliva MTB 16.935 [email protected] Edição 19 Agosto 2006 Colunistas Cassiano Zeferino de Carvalho Neto Maria Irene de Matos Maluf Maria Taís de Melo Diretor de Arte Thais Moro Gabriel Borges Assistentes de Arte Adriano Costa Vespa Juliana Cavalheiro Rodrigo Trevizan Atendimento ao Leitor e Circulação Emilly Tabuço João Elias Pereira Impressão Duo Graf Filiada à Direcional Escolas, agosto/06 Apoio 2 A Direcional Escolas é uma publicação mensal da Exclusiva Publicações Ltda., com circulação nacional. Dirigida a diretores, educadores, coordenadores e todos os profissionais que atuam na área da educação. Não é permitida a reprodução total ou parcial das matérias, sujeitando os infratores às penalidades legais. As matérias assinadas são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, a opinião da revista Direcional Escolas. R. Vergueiro, 2556 8º Andar Vila Mariana 04102-000 São Paulo SP Tel.: (11) 5573-8110 - Fax: (11) 5084-3807 [email protected] www.direcionalescolas.com.br Caro leitor, Um time de peso de colunistas e colaboradores ajudou a construir esta edição muito especial de Direcional Escolas. Oito artigos foram escritos por palestrantes da 10ª edição do Congresso e Feira de Educação Saber, evento que reunirá educadores, entre os próximos dias 1, 2 e 3 de setembro, no ITM Centro de Convenções, em São Paulo, em torno do tema “Ensinar menos para aprender mais: o conhecimento que leva ao saber”. Ciências, física, geografia, produção de vídeos, o uso de jogos eletrônicos em sala de aula, a criança de seis anos e a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental estão entre os focos desses artigos. Grande parte de nossos autores estará ministrando oficinas relacionadas aos temas de seus artigos num novo espaço do Saber, a Sala Inteligente. A proposta da sala, fruto de estudos do educador Cassiano Zeferino de Carvalho Neto, é agregar num único espaço da sala de aula todos os recursos pedagógicos. Uma revolução na educação, aliás, é o que propõe Cassiano no artigo de capa desta edição, “Por uma escola inteligente”, uma escola aberta aos novos tempos. Mudanças, aliás, parecem ser um tema constante desta edição. Na Entrevista, Cesar Callegari, conselheiro do Conselho Nacional de Educação e ex-secretário de educação de Taboão da Serra, defende mudanças urgentes para que a educação brasileira avance em qualidade. Valorização do magistério, diminuição do número de alunos por sala de aula, investimentos em recursos didáticos e fixação do professor na escola, fortalecendo a equipe escolar, estão entre as providências urgentes a serem tomadas, na opinião de Callegari. Direcional Escolas traz ainda muita informação de qualidade. O artigo de Maria Inês Carniato discute a atual identidade do ensino religioso, intercultural e interreligiosa, conforme o modelo definido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Religioso. O fantasma do bullying, que invade as escolas com medo, humilhação e violência, é apresentado na reportagem de Luiza Oliva. E na seção Perfil da Escola, não deixe de conhecer a história da Escola Estadual Nelson Fernandes que, no interior paulista, é exemplo de escola pública de qualidade, investindo em projetos voltados para a comunidade e na recuperação dos espaços físicos. Boa leitura e esperamos vocês no Saber 2006! Um abraço, Os Editores Direcional Escolas, agosto/06 Colaboraram nesta edição Anna Maria Pessoa de Carvalho Beatriz Rizek Edmilson de Castro José Silvério Edmundo Germano Luis Fabio Simões Pucci Maria Cristina Motta de Toledo Maria Inês Carniato Mary Grace Martins N. Omote Roberto von Puttkammer Prado Teresa Gallotti Florenzano Viviane Scarpelo Comin 3 ENTREVISTA Cesar Callegari Por Luiza Oliva 13 06 10 10 10 PÁGINA DO PSICOPEDAGOGO 13 16 18 21 21 24 Direcional Escolas, agosto/06 EDUCAÇÃO INFANTIL 4 26 Crianças de seis anos: a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental Por Maria Taís de Melo 30 ENSINO MÉDIO Ciências com ênfase em física vivencial Por José Silvério Edmundo Germano, N. Omote e Luis Fabio Simões Pucci 34 Imagens de satélite como recurso didático Por Teresa Gallotti Florenzano 16 Escola Estadual Nelson Fernandes Por Luiza Oliva 34 Por uma escola inteligente Por Cassiano Zeferino de Carvalho Neto 36 EDUCAÇÃO AMBIENTAL Processos geológicos e o homem como responsáveis pela transformação da terra Por Maria Cristina Motta de Toledo 14 Aulas animadas: mais movimento ao que acontece dentro da escola Por Mary Grace Martins PERFIL DA ESCOLA 28 Desmistificando o micro: a inteligência artificial aliada no planejamento escolar Por Beatriz Rizek EDUCAÇÃO CIENTÍFICA 14 DIDÁTICA EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA CAPA O novo papel dos avós na educação Por Maria Irene Maluf 18 28 ENSINO FUNDAMENTAL Ensinar ciências para promover a enculturação científica Por Anna Maria Pessoa de Carvalho 18 BULLYING Quando a escola é sofrimento Por Luiza Oliva 40 ESPAÇO INTERDISCIPLINAR Histórias que encantam crianças Por Viviane Scarpelo Comin 40 46 48 O futuro da escola privada Por Roberto von Puttkammer Prado AGENDA 50 Ensino religioso, componente da formação cidadã Por Maria Inês Carniato 36 44 GESTÃO ENSINO RELIGIOSO 44 SALA DE AULA As sucatas como ponto de partida para a imaginação no processo educativo Por Érika Ratkevícius 48 LANÇAMENTOS Os mais recentes lançamentos de livros voltados à educação. 50 Direcional Escolas, agosto/06 SUMÁRIO 5 ENTREVISTA Mudanças possíveis, em busca da qualidade O conselheiro do CNE considera que o Brasil não tem mais tempo a perder na busca pela qualidade da educação. Por Luiza Oliva Foto: Almir Almeida Direcional Escolas, agosto/06 C 6 omo conselheiro do Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão ligado ao Ministério da Educação, Cesar Callegari está envolvido com os assuntos mais atuais em relação à educação. É o caso da aprovação da inclusão das disciplinas de filosofia e sociologia no Ensino Médio e da criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que substituirá o atual Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e atenderá os alunos da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A obrigatoriedade do ensino de filosofia e sociologia no Ensino Médio é inclusive o tema de sua palestra, que acontece no próximo dia 2 de setembro, na 10ª edição do Congresso de Educação Saber. Callegari foi o relator do parecer do CNE que aprovou por unanimidade a inclusão das disciplinas nas escolas públicas e privadas de Ensino Médio. Para Cesar, o fato representa um avanço na qualidade do Ensino Médio. “Jovens brasileiros precisam ter espírito crítico, uma ampla visão de mundo e condições de se tornarem cidadãos atuantes e protagonistas do seu tempo”, justifica. A experiência como conselheiro do CNE tem mostrado a Cesar que é possível fazer educação de qualidade no Brasil. “Tenho contatos com escolas e educadores do Brasil inteiro e vejo um misto de inacreditável entusiasmo, até de veteranos. As dificuldades são enormes e eles persistem em fazer uma prática inventiva, renovadora todo dia, buscando coisas novas e com resultados fantásticos. É claro que há muitas dificuldades, mas há muitas saídas”, admite. Nesta entrevista a Direcional Escolas, Cesar Callegari avalia o que precisa mudar para termos uma educação de qualidade, também com base em sua experiência prática como Secretário de Educação de Taboão da Serra, cidade da região metropolitana de São Paulo, cargo que exerceu entre 2005 e 2006. O Programa de Interação Família e Escola que desenvolveu na cidade ganhou prêmio do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), órgão da ONU, como um dos melhores programas educacionais do país. descontinuidade das políticas educacionais é um problema crônico no país, uma infelicidade. Muita coisa boa é desfeita, sem a devida avaliação. A alternância do poder faz parte do processo democrático. Como em educação temos políticas de longo prazo, que demandam tempos longos de maturação, esses tempos frequentemente são superiores aos tempos dos governos. Nem sempre os sistemas de ensino são fortes o suficiente para resistir a esse processo de desmanche, de revanchismo, de uma visão pequena de gestores que acham que a secretaria virou uma propriedade particular ou a escola virou uma propriedade particular de um novo diretor. A escola é algo público, construído por muita gente. Antes das políticas serem alteradas, pelo menos deveriam merecer uma avaliação criteriosa e generosa. O novo governante, o novo dirigente, o novo diretor quer colocar de qualquer maneira sua impressão digital e esquece, ou ignora, praticamente todos os avanços construídos ao longo dos anos e quer inventar a roda. Isso representa perda de recursos, desalento por parte dos criadores dos programas. Qual é o antídoto maior para isso? É o fortalecimento da estrutura, seja da escola, seja dos sistemas de escolas. Se houver enraizamento de uma política educacional numa determinada cidade ou numa determinada escola, e portanto uma política defendida por muitos, fruto de um contrato social e educacional entre muitas pessoas, é menos provável que essa escola seja afetada por mudanças bruscas das alternâncias de poder. As escolas que não se mobilizam são levadas a isso por falta de verba? Essas escolas que dão certo também enfrentam falta de recursos? Elas acabam superando barreiras. O problema da falta de estrutura é muito severo. Ele joga um balde de água fria em muita gente animada. A própria sustentação de certos projetos sem o apoio da fonte estrutural de recursos, seja uma secretaria, no caso de escolas públicas, seja a própria família, quando se trata de escolas particulares, acaba limitando muito a ação. É freqüente encontrarmos casos em que a limitação estrutural é superada pelo resultado de um empreendedorismo. Há muitos profissionais da educação que são empreendedores no sentido mais amplo, que procuram encontrar em cada dificuldade um desafio É uma tendência a escola se abrir para a comunidade? até pedagógico para o conjunto da escola. Tenho A escola não pode ser uma escolavisto isso em escolas públicas, particulares, conservatório, tem que ser dinâmica e essa Existem ingredientes pequenas, grandes. Isso nos anima. Porque se característica vem exatamente da interação básicos de uma educação olharmos apenas os índices da educação brasileira, que ela estabelece com o processo educativo, de qualidade que é de desanimar. que não é apenas escolar. O Programa devem ser perseguidos, de Uma outra fonte de problemas em relação Interação Família e Escola de Taboão da Serra maneira criativa. às políticas educacionais é uma invencionice partiu do conceito que valorizar o magistério permanente. Muitos, sem terem condições é valorizar uma função social muito mais de enfrentar problemas estruturais, acabam criando uma vertigem ampla. Abrimos condições para que o professor tivesse uma relação permanente, como se isso fosse capaz de anestesiar a necessidade de mais profunda com o outro pólo de desenvolvimento educacional, enfrentamento dos problemas estruturais. Sou muito crítico em relação que é a família. Os resultados são extraordinários e imediatos. a essa idéia de sacudir as escolas a cada dia, a cada mês, com um projeto É uma forma inovadora de realizar algo que qualquer educador novo. Frequentemente, são projetos que vêm de pára-quedas, de fora sabe que é importante, que é a relação com a família. O inovador, do ambiente escolar. Esse é um processo que mais atrapalha do que que é bem simples, é proporcionar condições para que o professor resolve. Existem ingredientes básicos de uma educação de qualidade, visite a casa da família dos seus alunos. Todos os alunos, não os que o be-a-bá, o feijão com arroz, que deve ser perseguido, embora de têm algum tipo de problema. O professor ganha R$ 30 por visita, maneira criativa e inovadora. Senão, há um tsunami a cada mês, que que é feita fora do horário de trabalho, a qualquer momento que o vai tirando da escola a possibilidade dela encontrar o seu eixo. professor quiser, pré-agendado com a família. Durante a visita não há preenchimento de ficha, o professor não anota nada, não há uma O senhor foi secretário de educação de Taboão da Serra até março inquisição. A idéia é criar um espaço mais próximo, mutuamente de 2006 e idealizou um projeto premiado pela ONU. O que pensa afetivo, para que a família se sinta encorajada a comentar aspectos da da descontinuidade das políticas educacionais no Brasil? criança, do seu processo educativo e do seu ambiente familiar, e que As mudanças de governo são um entrave para a educação. A a criança se sinta valorizada por seu professor visitar o seu território, Direcional Escolas, agosto/06 CESAR CALLEGARI DIRECIONAL ESCOLAS - No contato que o senhor tem com práticas educacionais positivas, vê algum perfil comum a esses educadores? Que características têm essas escolas? A característica comum a todas elas é o fato da escola ter poder, um nível maior de autonomia. Um ingrediente permanente que determina essa autonomia é a conexão com a comunidade. E há várias formas de fazer isso. A comunidade é conectada com a escola de maneira reagente, por exemplo, a partir de um empenho pessoal do diretor ou da própria equipe da escola que acaba criando uma conexão. Outras vezes, é a própria comunidade que faz com que a escola reaja, ela é ativa. Toda vez que percebemos uma escola boa, ela tem participação intensa da comunidade, seja ela decorrente da iniciativa da direção ou coordenação ou ao contrário. A comunidade é de tal forma organizada e presente que a escola vai para frente. 7 ENTREVISTA Direcional Escolas, agosto/06 Não houve problemas relacionados à segurança dos professores ou recusa das famílias em recebê-los? É claro que para agendar o encontro deve haver um acordo mútuo. Nos pouquíssimos casos em que isso não aconteceu não foi por acanhamento das famílias em função de sua precariedade social e econômica. Paradoxalmente, a recusa partiu de famílias de classe média, e não sei por qual motivo. De junho de 2005 até hoje foram realizadas cerca de 1600 visitas na cidade e não houve um só caso relacionado à segurança dos professores. Mesmo em locais onde nem a polícia entra, os professores entraram escoltados pelas crianças. 8 E por parte dos professores, aconteceram recusas? O programa é optativo, o professor não é obrigado a fazer as visitas. Mas há uma pressão dos próprios alunos. Mesmo no relacionamento entre os professores, o repertório dos que participam se enriquece numa mesa de planejamento. Não é penoso para o professor, ele pode programar com muita flexibilidade suas visitas. E sempre deixamos claro que não se pretende do professor nenhum trabalho na área de assistência social. Temos a ativação de uma rede de proteção à criança quando ela se faz necessária, mas por outros órgãos da prefeitura e com extremo cuidado. Houve um caso muito marcante de um menino de nove anos que vivia num barraco com sete irmãos, todos vivendo numa mesma cama, com a mãe alcoólatra. Eles viviam com uma cesta básica doada por uma comunidade religiosa. A professora se emocionou com a situação. Ela pessoalmente tomou algumas atitudes e nos acionou. Era uma família em condição de risco total e ativamos uma rede de proteção social com a secretaria de assistência social. A própria escola desenvolveu uma estratégia mais adequada para lidar com aquela criança, que mudou totalmente. Era retraída, envergonhada, vinha para a escola sem tomar banho. Os professores são afetados por esse conjunto de informações novas, mas eles mesmos acham que é muito melhor ter consciência da origem dos problemas, para sobrepujá-los, do que lidar com eles sem conhecer a origem. O programa é um enorme sucesso mas eu não quero dizer que é perfeito. Essa própria rede de proteção social precisa sempre ser aperfeiçoada. Mas é uma excelente estratégia. Poucas coisas em uma cidade são mais tentaculares em relação às famílias do que a escola. Dificilmente você encontra algo que chega tão diretamente às famílias do que a rede escolar. Foi difícil a aprovação da obrigatoriedade das disciplinas de filosofia e sociologia no Ensino Médio? Esse assunto é extremamente polêmico, mesmo dentro da Câmara de Educação Básica do CNE. Está muito longe de ser uma matéria pacífica. Encontrei um caminho para esse processo ser aprovado. A maior crítica é que não cabe a um órgão normativo do sistema nacional de educação, que é o CNE, impor nada no que se refere a estruturação da legislação curricular. Temos que estabelecer orientações gerais em termos de diretrizes curriculares, mas não impor a formatação final da grade curricular. Guiomar Namo de Mello, por exemplo, acredita que filosofia e sociologia são conteúdos curriculares que devem ser tratados em outras disciplinas, como história e geografia. Propus que nas escolas que organizem seu currículo de maneira flexível, inovadora, não por disciplina, os conteúdos curriculares de filosofia e sociologia devem ser organizados de maneira flexível, não disciplinar. Aliás, essa é uma recomendação da LDB. Nas escolas que adotam um sistema de organização curricular por disciplina, aí sim os conteúdos de filosofia e sociologia precisam ser ministrados por disciplina, obrigatoriamente. Essa foi a saída formal. A sociologia e a filosofia estão explicitamente referidas na LDB. Elas não são tratadas como disciplinas, mas como conteúdos curriculares. Historicamente, já houve épocas em que elas eram disciplinas. O que ocorreu? Sociologia e filosofia foram vítimas preferenciais em alguns momentos. O primeiro foi o da época da ditadura militar. O aparelho repressivo imaginava que essas aulas, com seus professores, eram verdadeiros ninhos de comunistas e subversivos. Mais recentemente, de 1995 para cá, em São Paulo principalmente, acorreu um fortíssimo enxugamento da grade curricular do Ensino Médio. Havia uma concepção, que eu considero totalmente equivocada, que, como não se podia fazer tudo razoavelmente bem, concentrar-se a grade curricular no ensino de português e matemática. Esse foi basicamente o pressuposto da política E o que mais a escola brasileira precisa para melhorar de qualidade? Um segundo ponto requer investimentos para diminuir fortemente o número de alunos por sala de aula. Isso é essencial, representa condição de uma assistência educacional mais adequada. Com classes de 45, 46 alunos, em séries iniciais do Ensino Fundamental, não há boa pedagogia que resista. Esse processo de diminuição é factível, não só nas séries iniciais, e se dá pela diminuição da taxa de natalidade e do êxito de algumas políticas de progressão e correção de fluxo dos alunos pelo Ensino Fundamental, permitindo uma quantidade menor de alunos principalmente no Ensino Fundamental. Outras estratégias adequadas, como escolas de tempo integral, passam a ser possíveis: temos professores, salas de aula, e até ociosidade em algumas escolas, então é possível ter a complementação do processo educativo do aluno na própria escola. Um terceiro ponto que demanda investimentos é a questão dos próprios recursos didáticos. O livro didático, uma tecnologia do século XIII, ainda não chegou ao século XXI na maioria das escolas do Ensino Médio. Agora o governo federal está indo para o terceiro livro. De maneira geral, e não só no Ensino Médio, essa seria a Aplausos porque finalmente isso está começando. Alguns professores adaptavam um arremedo de apostila para ter algum material de necessidade premente da escola no Brasil? Eu diria que é avançar na qualidade. Essa qualidade deriva de alguns pontos suporte. A situação mais comum é, à noite, um professor cansado se centrais. Primeiro, uma política efetiva de valorização do magistério. Temos resignar a colocar na lousa, onde o giz mal pega, um ponto da sua que inverter esse sinal perverso que é o salário do professor. Que vida eu disciplina que provavelmente não será sequer copiado pelos alunos, terei se escolher ser professor? Quando hoje um jovem percebe que o salário igualmente cansados, e que jamais será discutido. O resultado do SAEB médio do professor no Brasil é R$ 700, nós estamos dando o seguinte sinal: mostra que 70% dos alunos que concluem o Ensino Médio no Brasil hoje, e mesmo em São Paulo, são classificados fora aqueles que são vocacionados e que têm paixão entre os níveis crítico e muito crítico, e apenas pela atividade do magistério, escolherão a carreira Nós não temos tempo 7% são classificados no nível adequado em de professor os que não encontrarem outra opção histórico para esperar a proficiência em matemática. Não é de causar no mercado de trabalho. Essa é a realidade brasileira formação de uma nova surpresa. Nós não temos tempo histórico para e temos que inverte-la. Temos que considerar que, geração de professores esperar a formação de uma nova geração de em poucos anos, um jovem estudante que tenha professores ou esperar 20 anos para acertar interesse por biologia considere ser professor de biologia com a mesma intensidade que considera ser médico, por exemplo. a educação no Brasil. Em 20 anos, se continuar assim, o Brasil será Ele tem que saber que essa é uma opção viável para o seu projeto de vida. condenado a ser uma nação de segunda classe no planeta. Como não Precisamos de políticas muito mais corajosas de valorização do professor, temos esse tempo, precisamos recorrer a novas tecnologias de apoio não apenas do ponto de vista salarial mas das suas condições de trabalho ao professor e ao aluno, e entre elas está o livro didático. Não podemos e de desenvolvimento profissional permanente. O mercado profissional esperar uma política vagarosa de livro didático para os estudantes do para educadores vai se ampliar vertiginosamente no país nos próximos Ensino Médio. Isso tem que ir com muito mais velocidade, e associada anos, o que é bom. Com a adoção da nova sistemática de financiamento a tecnologias do século XXI. da educação básica, o Fundeb, os sistemas de ensino, particularmente os Um quarto ponto remete à dimensão da estruturação das escolas municipais, vão ficar muito estimulados a ampliar sua rede de escolas e dos sistemas de ensino, o que envolve uma teia de providências, de Educação Infantil e aumentar suas atividades de EJA. Apenas 8% das entre elas fixar o professor na escola. Escola é equipe escolar. Escola crianças brasileiras de zero a três anos são atendidas em creches. Esse é o em que a equipe é volante se sente frágil. Fixar o professor na escola, principal problema político-educacional dos prefeitos brasileiros. A grande como forma de organização do sistema de ensino, tem que ser meta pressão política da opinião pública é pela abertura de creches. A matrícula perseguida pelos gestores. Acredito nesses quatro pontos como a base de uma criança numa creche será condição para que o prefeito traga da revolução educacional necessária e urgente. recursos para o seu município através do Fundeb. pública desenvolvida pelo governo do Estado de São Paulo nesse período. O resultado dessa política foi a adoção de várias medidas de eliminação de uma quantidade incrível de aulas de história, geografia, filosofia, sociologia, remanescentes de psicologia e mesmo diminuição de aulas de química, física e biologia. Os resultados podem ser medidos pelo SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), que de 1995 até 2003 mostra uma queda permanente das curvas de qualidade da educação paulista. É claro que isso tem que ser melhor investigado mas eu suspeito que o enxugamento da grade curricular do Ensino Médio, com a eliminação de uma enorme quantidade de aulas de disciplinas mais contextualizantes, levou a um empobrecimento inclusive do aprendizado da matemática e do português. Outro argumento no que se refere a sociologia e filosofia é que nós devemos estar preparados para um processo de enriquecimento curricular do Ensino Médio. A demanda por mais vagas será declinante nos próximos anos, assim como já tem acontecido no Ensino Fundamental, o que abre possibilidades reais de investimentos maiores em qualidade. Entre os critérios de qualidade está o enriquecimento gradativo dos componentes curriculares oferecidos aos estudantes. Contatos com Cesar Callegari: [email protected]; www.cesarcallegari.com.br Direcional Escolas, agosto/06 o seu domínio. Isso acaba deflagrando uma relação quase mágica. Temos depoimentos de crianças que dizem que o professor virou seu amigo, ela conheceu sua casa, sua turma. Essa criança é estimulada a ser muito mais colaborativa e cooperativa no seu próprio processo educacional. Temos inúmeros casos de crianças que eram ou muito apáticas ou muito irriquietas em sala de aula e passam a colaborar. Essas crianças mais ativas, que frequentemente exercem um papel de liderança na classe, exercem transformações imediatas não só na relação dela com o professor mas com o conjunto da classe. E finalmente, e talvez o aspecto mais importante, é que o professor passa a ter um conjunto de elementos que ele não tinha antes, por mais atento e sensível que fosse. Passa a ter elementos da realidade de seus alunos, tem condições de aprender a singularidade de cada um desses indivíduos, reconhecendo nessas singularidades todas as possibilidades de desenvolvimento educacional. A agenda da escola muda a partir disso. Os horários de trabalho pedagógico e o próprio plano ativo da escola mudam totalmente. Não é mais a agenda que vem de cima para baixo, como o secretário da educação quer. As próprias atividades relacionadas à formação continuada de professores passam a ser impregnadas por um novo tipo de demanda, que não é só a demanda da equipe técnica de uma secretaria de educação, mas são propostas derivadas de necessidades que a própria equipe escolar percebe. 9 CAPA Por uma escola inteligente Ao gestor o cuidado, Ao educador a realização, Ao estudante o direito à vida, À sociedade a oportunidade de ver-se, E rever-se a si mesma... A Escola Inteligente Não é a escola do futuro, Mas a escola do presente. O futuro passa por aqui. O que parece muito longe pode estar mais perto do que se imagina ou supõe Por Cassiano Zeferino de Carvalho Neto Direcional Escolas, agosto/06 O contexto histórico e seus reflexos na educação contemporânea 10 As concepções político-educacionais têm experimentado crises profundas nas últimas décadas. Amparadas em significativos avanços da Psicologia, Pedagogia, Psicopedagogia, Neurobiologia, Sociologia, Direito e Política, dentre outras ciências recorrentes, as maneiras de conceituar, organizar e promover a educação formal vêm se transformando e exigindo novas respostas a antigos problemas. Centrados nas perspectivas político-institucionais, nas relações sócio-pedagógicas docente-discente, nos ambientes e mídias e nas condições de contorno da própria comunidade em que se constitui e que a constitui, a escola não pode e nem consegue mais permanecer no pedestal de singularidade acadêmica em que um dia se postou. Assim, deslocada de sua posição de instituição guardiã dos saberes seculares, recolocada agora para um mundo que a ressitua como espaço e lugar planetário e destituída de poder a priori que gozava desde suas origens, a escola colapsou. Na verdade nunca foi preparada para experimentar mudanças paradigmáticas tão profundas e bruscas como a que experimentou em poucas décadas, principalmente desde o final do século XX. Ao longo da história da educação a escola, como instituição formal de ensino, repetidamente veio a reboque das inovações de caráter científico, artístico e tecnológico. Enquanto os saberes epistemológicos avançaram com a velocidade de um jato, a escola mal e mal conseguiu se “atualizar” na velocidade de uma bicicleta a ser pedalada sem parar, pois se não por si só não se manteria em movimento. Conceber uma escola que venha atender às efetivas demandas de uma sociedade planetária, mas em nível local, rompendo sem cinismo com as próprias barreiras e limitações, requer não só ousadia, mas também novos referenciais tão confiáveis quanto possíveis. Em outras palavras, poderíamos dizer que é essencial reinventar a escola, sem que ela perca a sua identidade; pelo contrário, fazendo-a conquistar seus novos espaços e tempos, reconstruindo seu caráter de contemporaneidade. A pedagogia contemporânea busca construir modelos consistentes capazes de responder aos desafios educacionais deste tempo, sabendo de antemão que serão provisórios, passíveis de aprimoramentos e requintes, críticas e ajustes, melhoria contínua enfim. Portanto podemos arriscar dizer que estamos diante de uma situação ímpar na história recente da educação brasileira. Se, Consideramos indispensável buscar estabelecer algumas categorias para auxiliar na compreensão dos fenômenos de natureza histórico-social que preponderantemente contribuíram, e vem contribuindo, de forma intensa com a escola, obrigandoa a relativizar, de forma aceleradíssima, seu papel secular, suas especialidades e especificidades. Ainda que carecendo de um aprofundamento impossível de ser aqui detalhado, podemos dizer que a descentralização e a pulverização da informação e sua atual multicomplexidade, alcançando os sujeitos sociais por variados canais, como o rádio, a televisão, a internet e as mídias do jornalismo, dentre outros meios, foram e continuam sendo os fatores mais importantes para compreendermos a crise institucional da escola. Certamente outros aspectos de natureza social que passam pela instituição familiar, religiosa, política e mesmo a educacional, têm sofrido mudanças intensas o que acaba por afetar os antigos modelos e padrões escolares: as necessidades são outras, as respostas também. Assim, mesmo que de um modo não rigoroso, podemos dizer que o acesso à informação, que se intensificou nos anos de 1980 para cá, provocou e continua a provocar uma verdadeira revolução. A diferença entre uma revolução e uma reforma está, justamente, nos tempos em que cada uma se dá. Enquanto que uma revolução trata de mudanças profundas em tempos curtos, uma reforma pode significar mudanças não tão profundas em tempos longos. Dessa forma se estabelece e permanece a crise na Educação: o entorno social à escola caminha no passo revolucionário e a escola no passo das reformas. Se este quadro de fato puder representar, ainda que de modo aproximativo, o cenário em que hoje vive a escola podemos mais bem compreender o contexto em que estamos inseridos, enquanto responsáveis por políticas públicas e privadas, por gestão e docência ou por discência e entorno escolar. Com isso podemos nos lançar à busca de soluções, aqui entendidas, de forma rigorosa, como tecnologias. Aliás, vale dizer que há diferenças fundamentais entre tecnologia, técnica e mídia. O primeiro conceito se refere ao por que, no sentido de buscar soluções a um determinado problema e isto envolve inteligências e criatividade (arte); o segundo trata de como as soluções apresentadas podem ser implementadas, interconectando as mídias, isto é, o “que” responsável pela implementação final do processo. Numa sala de aula tradicional o quadro e as carteiras, juntamente com cadernos, lápis, borracha etc. se constituem em mídias (o que); o modo como se relacionam e interconectam são as técnicas utilizadas (por exemplo, não se colocam as carteiras de modo que os estudantes fiquem de costas para o quadro de giz!) e a tecnologia está oculta, pois representa o conjunto de problemas e suas possíveis respostas aproximativas que foram, ao longo do tempo, precisando ser enfrentados para que o fenômeno educacional e seus processos pudessem se estabelecer. Por uma escola inteligente Tendo como referência as considerações feitas até aqui procuramos responder aos problemas centrais da educação básica e superior. A escola deve ser capaz, antes de tudo, de criar um ambiente de acolhimento não só afetivo, mas também em sintonia com a contemporaneidade da vida social, com todos os desafios e oportunidades que encerra, para além dos discursos vazios e carregados de falso ufanismo. A esta escola chamaremos de Escola Inteligente. Se para muitos uma Escola Inteligente pode ser um avanço, um alto degrau do ponto de vista tecnológico, para outros representará o presente com sua ambientação para o futuro. Entre tais extremos se inclui um espetacular universo de jovens e adultos que vivem na sociedade do conhecimento, uma sociedade na qual a miscigenação cultural é de natureza complexa, ampla e irrefreável por se sustentar na democratização das tecnologias da informação e comunicação, no âmbito planetário. Não há mais opção de natureza romântica do tipo “participo, ou não participo da inclusão digital”! De fato, esta questão pode ser alterada: “para existir devo me incluir” e retornamos à necessidade fundamental da espécie humana: “só existo e me constituo homem na interação com o outro”. Direcional Escolas, agosto/06 por um lado, muitos clamam por mudanças nem todos podem promovê-las, pelas mais variadas razões. É preciso levar em conta ainda que somente com boas intenções isoladas não se chegará longe, na verdade pouco poderá ser efetivamente feito. As políticas públicas carecem de atitudes responsáveis no sentido de ir além das aparências e das formas, superando as fachadas que querem mostrar serviço, mas que, de fato, muito pouco ou nada contribuem para a construção de novos modelos de educação e de escola. Assim o tempo passa e gerações e gerações de brasileiros se perdem no abismo das aparências disfarçadas de realizações sociais e políticas bem intencionadas. É chegada a hora, ensaiada por séculos. Não mais os muros da prisão intelectual, Mas a visão de um mundo global, Ávido por ser reinventado e inovado, A cada instante. 11 CAPA • O novo papel dos avós Direcional Escolas, agosto/06 CONVITE ESPECIAL Visite a Sala Inteligente, célula vital da Escola Inteligente, na SABER – 2006 (www.feirasaber.com.br). 12 Enquanto interagir representou estar perto fisicamente, as características das relações humanas tinham um determinado protocolo e modo de ocorrer, mas na medida em que “estar próximo” transcendeu a dimensão unicamente física e alcançou a esfera virtual, o contexto passou a mudar e novas configurações foram se estabelecendo. Podemos dizer, com pequena margem de erro, que tanto o mundo quanto a humanização e as relações sociais por ela responsáveis estão sendo reinventadas a todo instante. O que era circunscrito a um local, ou área física, hoje se converte num espaço cibernético que, literalmente, representa o mundo, ou ainda no conceito de Pierre Levy, na Cibercultura. Este é um dos principais cenários do cidadão do século XXI. Sua cidadania não deve e nem pode ser mero discurso político, desprovido de significado efetivo. Como dissemos há pouco, não mais se trata de uma escolha ingênua, e sim de uma necessidade tão imperativa ao ser humano quanto o domínio da linguagem, em suas mais diferentes esferas de manifestação. É nesta perspectiva e dimensão que se insere uma Escola Inteligente, que se recusa em ser uma colcha de retalhos pedagógicos, para assumir-se enquanto instituição de seu tempo e do futuro da civilização. Mas os muros da Escola Inteligente são baixos, ou praticamente inexistem! Não nos referimos aos muros de tijolos e concreto, mas aqueles que podem representar barreiras culturais. Nesta perspectiva a escola está na casa do estudante e do professor, e cada um deles se encontra na escola, a qualquer hora do dia ou da noite, 365 dias e seis horas por ano. A comunidade Escola Inteligente é, portanto, altamente interativa, social-dialógica, crítico-criativa e desenvolve a consciência da cidadania como fator essencial à vida. Longe da fragmentação, a Escola Inteligente é antes um elo integrador para os sujeitos, na seara de sua trajetória cultural. É fonte Referências bibliográficas: CARVALHO NETO, C. Z. Por onde caminha a Educação? IFCE – Instituto para a Formação Continuada em Educação: São Paulo, 2003. ___________________ e MELO M. T. E agora, Professor? (Por uma Pedagogia Vivencial). Obra em multimídia. IFCE – Instituto para a Formação Continuada em Educação: São Paulo, 2004. CARVALHO NETO, C. Z. Por uma Escola Inteligente. Instituto Galileo Galilei para a Educação (IGGE): São Paulo, 2005. Cassiano Zeferino de Carvalho Neto é Educador, presidente do IGGE – Instituto Galileo Galilei para a Educação (www.igge.org.br). Email: [email protected] na educação Por Maria Irene Maluf A figura dos avós mudou radicalmente nas últimas décadas. Muitos de nós lembramos com grande saudade daquelas pessoas de cabelos grisalhos ou brancos, que visitávamos aos domingos e amorosamente nos cobriam de mimos e vontades. A casa da avó era repleta de cheiros bons que vinham da cozinha, de brinquedos que não se precisavam guardar, de bichinhos de estimação que não se podiam criar nas nossas casas, de horários muito flexíveis para dormir e acordar, de colos, abraços, afagos e beijos sem fim. Era onde se conseguia exercer uma certa tirania sem repreensão e sem repressão, pois a visita ao paraíso era limitada pela segunda-feira, quando invariavelmente começavam os deveres, as regras e a escola para onde nossos pais nos levavam . Com o passar dos anos, os avós foram estendendo sua responsabilidade na vida das famílias por eles iniciadas, deixando de ser apenas um esteio emocional, para serem parceiros no cuidado direto com os netos, quando não se tornam seus verdadeiros educadores. Mesmo em jovens famílias bem estruturadas e com recursos econômicos suficientes, podemos atualmente verificar com facilidade a importância que a presença praticamente diária dos avós tem na educação dos netos. Com as mães trabalhando fora, as crianças precisam da presença de alguém de confiança para cuidar delas, dandolhes amparo afetivo e se responsabilizando por parte de sua criação e educação, não só quando estes são bebês, mas também por toda infância e adolescência . O aparecimento da nova estrutura da família em nossa sociedade, construída também a partir dos múltiplos casamentos, a ausência de um dos pais, quer devido a separações matrimoniais, à morte, às diversas doenças, assim como ao abuso de drogas, incapacidades momentâneas, desemprego, etc., colocou muitos avós como protagonistas e não mais como coadjuvantes na educação das novas gerações. Porém, é importantíssimo lembrar que, numa época da vida onde provavelmente as pessoas pensam em passar e não em assumir responsabilidades, esse voltar no tempo pode representar um ônus difícil de ser pago, apesar de haver um lado afetivo importante e positivo para todos. Assim, os mais velhos, por terem companhia de seus netos, revivem experiências, criam novos hábitos pessoais, sentese revigorar pela oportunidade de doar o tempo e a atenção que não tiveram oportunidade de vivenciar com seus próprios filhos. Muitos se sentem impulsionados a rejuvenescer , a atualizar-se para acompanhar o crescimento dos netos. Mas a situação pode também criar áreas de atrito e de risco para os dois lados, provocando o aparecimento de sentimentos contraditórios, de perda, ressentimento, culpa, além de representar uma privação da liberdade pessoal, a qual, tendo os filhos já adultos, as pessoas almejam usufruir. É diferente cuidar das crianças nos finais de semana e de se colocar no lugar de pais, de educadores, que têm de impor limites, estabelecer controles e providenciar recursos financeiros para fazer frente aos novos compromissos. As diferenças tornam-se ainda mais evidentes quando os netos, já crescidos e com hábitos e costumes arraigados, vão para a guarda definitiva de seus avós. Muitos pais acabam também por se ressentir da intimidade e do afeto dos filhos com os seus sogros e pais. As crianças podem sentir a fragilidade física de seus novos cuidadores, a falta da presença e atenção de seus pais e a inevitável mudança da linha educativa nem sempre é recebida com tranqüilidade. Acostumados com avós muito condescendentes quando eram apenas visitas de domingo, há crianças que se ressentem da mudança necessária de papéis: no lugar dos doces ilimitados surge a escova de dentes, a alimentação balanceada; em vez das brincadeiras e folguedos livres de obrigações com a realidade, surgem às reclamações, os horários, as exigências. Não é mais possível ser “mãe e pai com açúcar”: agora cabe aos avós a tarefa de conferir o banho, a lição de casa, o horário das refeições, da escola, das aulas de inglês, música, judô.... entre outras atividades do dia-a-dia. Além disso, acrescentam-se ao choque inevitável das gerações as diferenças culturais familiares, fatos que costumam ser subestimados. Acredito ser importantíssimo que os avós, imbuídos dessa nova responsabilidade, recebam sempre que necessário, além do carinho e da gratidão de seus filhos, o apoio e assistência às suas novas necessidades, através da consulta a profissionais especializados que os ajudem a compreender seu novo papel, lhes dêem subsídios para desempenhar a tarefa de modo adequado e prazeroso para eles, para seus filhos e netos. Assim, mesmo assumindo esse desafiante compromisso, ainda conseguirão com maior facilidade, continuar a ser os avós queridos que tanto têm a oferecer em termos de afetividade e experiência de vida às novas gerações. Maria Irene Maluf é Pedagoga, especialista em Educação Especial e Psicopedagogia, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) e editora da revista Psicopedagogia. e-mail [email protected] Direcional Escolas, agosto/06 NA INTERNET • www.intelligentschool.com.br • www.salainteligente.com.br • www.aulainteligente.com.br • www.ciaedu.com.br/home.htm • www.ifce.com.br • www.igge.org.br de informação e desafio; é partilha, mas é também o obstáculo e o conflito construtivo das personalidades capazes de hoje, para no futuro lidarem com as divergências e adversidades que se apresentarem ao longo da vida. A escola estratificada, estanque e engessada que pretende transmitir a qualquer custo valores, totalmente questionáveis, deve ceder lugar a uma escola flexível, mas não frouxa; intensa, mas não massacrante; provocadora da construção dos saberes e rica em possibilidades pedagógicas, mas sem ostentações inúteis; democrática, mas não demagógica e contemporânea sem perder de vista os horizontes de futuro. Enfim, plena, mas sem jamais estar pronta. Ao educador resgata-se a dimensão da autoria. Por ter à disposição nada menos do que um universo de informações, poderá tanto contar com as bibliotecas da aula inteligente, como ir buscar em qualquer sítio da web a informação documental que possa ser elemento constitutivo para a elaboração de autoria. Em outras palavras, passará o educador a exercer sua dimensão de autor e não mais de mero reprodutor de conteúdos impostos, por razões discutíveis e nada democráticas. Assim, os potenciais criativos e inovadores dos educadores poderão, neste novo cenário, emergir mais plenamente, trazendo um clima salutar, rico, vivo e desafiador, que em última instância propiciará o resgate da identidade responsável, perante os objetos da cultura e do saber, na arte de mediar. Ao gestor de uma escola inteligente estará reservada a missão de cuidar para que a qualidade total seja um processo com início, avaliação, reinício diário, sem fim. A Escola Inteligente deve ser o local da descoberta, da criatividade, do poder da emoção, das relações humanas em toda sua plenitude, da revisão crítica da sociedade e do cidadão como construtor inseparável desta mesma sociedade. 13 EDUCAÇÃO AMBIENTAL Processos geológicos e o homem como responsáveis pela transformação da terra Por Maria Cristina Motta de Toledo 14 1. Ciclo da água O ciclo da água pode ser observado em escala diminuída em montagens simples. Por exemplo, pode-se pegar um aquário pequeno, com terra e areia secas. No meio da terra, coloca-se uma planta com bastante folhas, retirada de um vaso. Coloque bastante água no aquário e observe pelas paredes transparentes que a terra e a areia vão mudando de cor conforme ficam umedecidas. Quando a parte inferior do material fica saturada em água, temos a formação do lençol de água subterrânea. Nesse momento, já se faz uma observação muito importante, pois muitas Foto: Almir Cândido espécie humana é a única que não apenas usufrui o ambiente favorável para sua sobrevivência, mas também se apropria dele e o modifica para suprir suas necessidades. O intenso uso da superfície terrestre pelo ser humano já mostra sinais de mudanças desfavoráveis à manutenção da vida. Por isso, é necessário aproximar as crianças do conhecimento da dinâmica do Planeta e das possíveis conseqüências da interferência humana sobre o meio físico. Assim, poderemos continuar... Se refletirmos, podemos estudar a História Natural e escolher que caminho seguir: o do respeito à Natureza e seus ciclos, usufruindo os recursos naturais hoje, sem comprometê-los para o uso das futuras gerações, ou o do imediatismo, explorando o ambiente e os recursos naturais de forma indiscriminada e predatória. É importante conhecer como funciona o Planeta, de onde vêm os recursos naturais, e os aspectos lúdicos e cognitivos que podem ser explorados com a Geologia, tendo como resultado mudar a perspectiva imediatista e individualista das crianças para uma perspectiva holística e de longo prazo na compreensão da Natureza. Conhecimentos sobre como a Terra funciona podem causar uma modificação real nas relações que cada pessoa tem com o ambiente. A pessoa consciente do significado dos processos naturais sente que faz parte da Natureza e passa a ter um cuidado maior em suas atividades cotidianas. Todas elas interferem nos processos naturais e trazem conseqüências desejáveis ou indesejáveis, em prazos mais longos ou mais curtos. Antes de tratar de questões ambientais globais, como poluição, efeito estufa, aquecimento global e diminuição da camada de ozônio, processos que fazem parte do cotidiano das crianças podem ter um efeito educativo maior. Nesse contexto, o livro Cinco pedrinhas saem em aventura, editado pela Oficina de Textos, conta uma parte do ciclo geológico por meio da viagem de alguns grãos e evidencia algumas noções de processos geológicos, ou seja, processos naturais envolvendo materiais da Terra. Com isso, a criança pode despertar para a dinâmica natural e também para as interferências que as atividades humanas têm nessa dinâmica, já que, na história, algumas ações antrópicas estão incorporadas à história dos grãos. Atividades que educam e ampliam esse conhecimento de forma simples são sugeridas a seguir. Para saber mais, acesse: http://www.ofitexto.com.br/5pedrinhas/ pessoas não sabem que o lençol de água subterrânea não é um espaço contínuo ocupado por água, mas o conjunto de vazios entre os grãos minerais ocupados por água. À medida que se acrescenta água, observa-se a infiltração e a subida do nível freático. Esse processo reproduz uma fase fundamental que é a alimentação da água subterrânea. Quando quase tudo estiver saturado, fecha-se o aquário com um saco plástico transparente que envolva toda a beirada do aquário e que seja alto o suficiente para deixar um espaço vazio acima das folhas da planta. O plástico deve ser grudado com fita adesiva nas paredes do aquário para que não haja troca de ar com o exterior. Esperam-se algumas horas para que a água evapore do solo e a planta transpire, de modo que a parte interna do plástico condense o vapor de água vindo desses processos. Com pequenos golpes com os dedos sobre o plástico, as gotículas precipitarão sobre a planta e o solo, simulando a chuva. 2. Intemperismo • Físico (congelamento): fragmentos de rocha colocados no congelador à noite e retirados de dia. Após alguns dias, semanas ou meses, dependendo da rocha, os fragmentos estarão se esfarelando. Sugestão: “pedra mineira” e arenito sofrerão fragmentação rápida; granito sofrerá fragmentação lenta. • Químico (dissolução): fragmento de mármore mergulhado em água com vinagre, água com limão ou em Coca-Cola. A superfície polida ficará áspera pela progressiva dissolução dos cristais. Sugestão: verificar pias de cozinha feitas de mármore, granito ou outras rochas. Após alguns anos de uso, apresentarão perda do polimento nos locais mais sujeitos a agentes de dissolução, como sabonete, detergente, vinagre, limão etc. 3. Identificando a importância da Geologia no cotidiano Simule o dia-a-dia desde a hora de acordar até o momento de dormir. Para cada ação - escovar os dentes, fazer xixi, tomar banho, comer pão no café da manhã etc. - identifique a NÃO existência de um material de origem geológica. É importante identificar tudo o que é utilizado na produção do bem ou serviço que utilizamos. A fabricação do pão, por exemplo, exige trigo adubado, e o adubo é feito a partir da apatita - mineral utilizado para fabricação de fertilizantes. O solo em que o trigo é plantado também é constituído por minerais e matéria orgânica. O vaso sanitário que usamos é fabricado a partir de material de origem geológica. 4. Erosão e transporte • Pelo vento: pegue um punhado de areia e assopre. Pegue um punhado de terra de jardim e assopre. Verifique as diferenças, como os tipos de grãos que foram retirados pelo sopro. É possível demonstrar influência da umidade, da presença de raízes no solo etc. Havendo espaço, mais tipos de materiais e um ventilador podem ser utilizados. Os materiais de diferentes granulometrias podem ser misturados. Com o ventilador ligado, os materiais serão levantados (erosão), transportados e sedimentados a diferentes distâncias, conforme seu tamanho e massa. Com o ventilador desligado, verifica-se que grãos mais finos foram levados mais para longe, e grãos maiores ficaram mais próximos do monte inicial. • Pela água: coloque uma mistura de terra de jardim, areia e pedregulhos sobre uma superfície cimentada ou revestida. Jogue água com um regador ou uma mangueira. Com pouca água, veja que o monte se desmonta, mas somente os grãos menores (portanto, mais leves) são transportados. Com maior quantidade de água e/ ou aumentando a pressão na mangueira, grãos progressivamente maiores serão retirados do monte e transportados. Maria Cristina Motta de Toledo é geóloga, livre-docente pelo Instituto de Geociências (IGc) da USP, e Professora Associada deste Instituto e da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Foi responsável por um programa de divulgação das Geociências na Secretaria Estadual de Cultura e Secretarias Municipais de Cultura e Escolas de 1º e 2º graus no Estado de São Paulo, de 1991 a 1995. Realiza pesquisas em Geoquímica de Superfície. Foi coordenadora do programa de pós-graduação em Geoquímica e Geotectônica e do curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental do IGc-USP. É coordenadora do curso de Licenciatura em Ciências da Natureza da EACH e co-autora dos livros Cinco Pedrinhas Saem em Aventura (M. Cristina M. Toledo e Rosely A. Imbernon) e Decifrando a Terra (Wilson Teixeira, M. Cristina M. Toledo, Thomas R. Fairchild, Fabio Taioli), ambos pela Editora Oficina de Textos (www.ofitexto.com.br) Direcional Escolas, agosto/06 Direcional Escolas, agosto/06 A 15 DIDÁTICA Aulas animadas: mais movimento ao que acontece dentro da escola Por Mary Grace Martins 16 palavra ânimo, do latim “anima”, está ligada a alma e significa “sopro de vida”. A animação é um dos sinais que nos dá a sensação de vida nos seres vivos e até mesmo em imagens (desenhos animados). Nesse sentido, as aulas “paradas” em que o professor tenta “ensinar” e os alunos fazem de conta que “prestam atenção”, além de contribuírem com o desânimo dos alunos, ainda permitem que o professor acredite, por alguns momentos, que conseguiu cumprir o seu objetivo. Uma proposta de aula animada é exatamente o oposto: • Os alunos são envolvidos em um desafio que não é exclusivamente escolar, mas sim algo que eles vêem acontecer fora da escola. • O protagonista é o próprio aluno. Ele é autor e ator. • A tarefa não é para entregar ao professor, mas sim para ser reconhecida tanto na escola quanto fora dela. • O aluno é membro importante dentro de um grupo. Assume papéis fundamentais e dessa forma é responsável. • Há movimento na sala de aula. Algo que é possível observar tanto pela liberdade que os alunos têm em circular nos diferentes espaços, como também em sua expressão corporal e facial. • O professor não fica preocupado em ensinar, mas em mediar o processo para que os alunos aprendam. Como desenvolver uma proposta com estas características? O que pode ser feito de modo que o aluno perceba significado, aprenda, colabore, sinta-se desafiado e envolvido? Há várias possibilidades, principalmente quando aproveitamos o potencial que as TICs (tecnologias de comunicação e informação) podem trazer à prática pedagógica. Os alunos gostam e envolvem-se em tarefas quando podem produzir e socializar algo que é reconhecido socialmente. Por isso podem aprender muito quando têm a oportunidade de criar um blog, um programa de rádio (ou Podcast), um jornal da escola ou um vídeo. Isso porque todas estas mídias podem ser socializadas dentro e fora da escola e o aluno ser reconhecido pela sua atuação, o que é de fundamental importância. Para o Congresso Saber 2006, optamos por trabalhar com educadores a produção de vídeos. Esta oficina vivencial, intitulada Aulas animadas: produção colaborativa de vídeos na educação, terá como ponto de partida a criação de um produto a partir dos diversos recursos que serão disponibilizados (massinha, peças de lego, bonecos e outros materiais) para a elaboração, produção e apresentação de uma propaganda em vídeo do produto criado. Esta proposta tem como principal intenção promover a aprendizagem baseada na resolução de problemas (KASTRUP, 2002), propiciando o trabalho em grupo e a aprendizagem colaborativa por meio das seguintes estratégias: • Envolvimento do grupo em um desafio colaborativo em que todos terão uma tarefa para que possam contribuir. • Uso do espaço da Sala Inteligente que possibilita integrar diferentes recursos e mídias em um mesmo local. • Proposta pedagógica baseada em algo que é produzido socialmente fora da escola: elaboração, construção, edição e socialização de um vídeo utilizando o software Windows Movie Maker. • Uso de material de apoio e consulta com animações que possibilitam maior autonomia para uso dos recursos tecnológicos disponíveis. Desta forma, o trabalho do mediador da oficina será apenas de orientação, Adriano Costa Vespa Direcional Escolas, agosto/06 A cineastas, produtores, roteiristas, atores, dentre outros. O fato de assumir um novo papel ou personagem também traz um certo encantamento que permite maior envolvimento na atividade. Em suma, acreditamos que uma proposta capaz de contemplar o uso inteligente dos recursos disponíveis na escola, a diversidade de interesses e conhecimentos nas mais diversas áreas, o uso de mídias presentes em nosso cotidiano, a aprendizagem colaborativa e a perspectiva de ser agente do próprio processo de aprendizagem é o que precisamos para tornar nossas aulas e alunos mais animados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FRANCO, Marília S. A natureza pedagógica das linguagens audiovisuais in Coletânea Lições com cinema. São Paulo, FDE, 1993. GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a Teoria na Prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. KASTRUP, V. Aprendizagem, arte e invenção. Em Daniel Lins (Org). Nietzsche e Deleuze: intensidade e paixão. Rio de Janeiro: RelumeDumará, 2002 Martins, Mary Grace. Criando Histórias Digitais. Disponível em http:// www.vivenciapedagogica.com.br . Acesso em 10/05/2006 MORAN, José Manuel, MASETTO, Marcos e BEHRENS, Marilda. Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica. 7ª ed., Campinas: Papirus, 2003 PENTEADO, Heloisa Dupas. Televisão e escola: conflito ou cooperação?. São Paulo: Cortez, 1991 Mary Grace Martins é Pedagoga pela USP. Atua como tutora/formadora e consultora na formação de professores em ensino à distância nos projetos da Microsoft Educação e Instituto Crescer. Designer Instrucional da QI Learning Tecnologia. Assessora em projetos de educação on-line e formação de educadores em instituições públicas e privadas pela empresa Vivência Pedagógica e responsável pelo site e comunidade virtuais de educadores desta empresa. e-mail: [email protected] www.vivenciapedagogica.com.br Direcional Escolas, agosto/06 acompanhamento e incentivo a participação, sem precisar “ensinar” passo-a-passo cada etapa das atividades. Nosso objetivo é vivenciar e refletir a respeito do trabalho com diferentes habilidades e linguagens de modo ativo/participativo. Ao dividir com o grupo a tarefa de produzir um vídeo, os participantes compartilharão responsabilidades diferenciadas, terão que lidar com desafios que envolvem a relação com o outro e sua diversidade e até mesmo a resolução de problemas próprios da tarefa. O trabalho com múltiplas inteligências (GARDNER, 1995), é contemplado em diferentes momentos: para elaborar o roteiro é necessário inteligência lingüística, para se relacionar com o grupo durante todo o processo haverá envolvimento das inteligências intra e interpessoal, o trabalho de atuação no vídeo exigirá inteligência corporal, na criação do StoryBoard também deverá ser pensado nos sons que este vídeo terá e portanto a inteligência musical será fundamental, para pensar o cenário de produção é necessária a inteligência espacial. Ao trabalharem em grupos, os alunos aprenderão também uns com os outros, podendo partir das habilidades que já possuem e ao mesmo tempo despertarem o interesse por outras áreas. Com certeza maiores aspectos de cada uma destas inteligências serão utilizados no processo e este deverá propiciar uma reflexão aos participantes sobre o próprio desenvolvimento e aprendizagem. Outro fator importante é que em projetos como estes todos os alunos podem participar, independente de faixa etária, nível de conhecimento tecnológico ou até mesmo intelectual. É possível formar grupos contemplando a diversidade que há na escola e em nosso dia-dia, reunindo interesses e idéias de alunos surdos, cegos ou com qualquer outro tipo de limitação. Cada um pode contribuir, sentir-se importante e valorizado no projeto desenvolvido. O diferencial é o quanto a proposta foge do que comumente é apresentado na escola. Este novo contexto permite até que os alunos esqueçam que são “alunos”, daqueles que precisam fazer atividades “para-entregar-ao-professor”, pois podem atuar como inventores, 17 ENSINO FUNDAMENTAL Ensinar Ciências para Promover a Enculturação Científica Por Anna Maria Pessoa de Carvalho 18 Nestes últimos 30 anos, as pesquisas em ensino de Ciências vêm produzindo conhecimento e dando suporte para o planejamento de cursos cujas propostas seriam levar os alunos a produzirem conhecimento significativo não só sobre o conteúdo das disciplinas científicas como também, e principalmente, sobre o processo da construção da própria ciência. Entretanto, se de um lado os referenciais teóricos para o planejamento do ensino são aceitos por uma grande parcela da sociedade que trabalha em ensino de Ciências, os dados empíricos sobre o conhecimento realmente produzido pelos alunos nos cursos, principalmente no que se refere à aquisição do processo de construção da ciência, ou seja, a enculturação científica, ainda está sendo obtida, sendo que numerosos estudos têm mostrado que o ensino – inclusive o universitário – tem transmitido visões empírico-indutivistas da ciência que se distancia largamente de como se constroem e se produzem os conhecimentos científicos. Driver, Newton e Osborne (1999) propõem a metáfora de aprendizagem de Ciências como um processo de enculturação. A Ciência, como mostra os autores, pode ser entendida como uma cultura que tem suas regras, valores e linguagem própria e, portanto, o ensino da ciência como uma enculturação deve levar os alunos a entender e praticar essa cultura, pois é importante que o ensino leve os alunos a produzirem conhecimento significativo não só sobre o conteúdo das disciplinas científicas como também, e principalmente, sobre o processo da construção da própria ciência. É preciso, como mostra Lemke (1997), ensinar os alunos à “falar ciências”. Outros autores (Cobem e Aikenhead, 1998, Duit e Treagust, 1998) têm caminhado para a criação de meios que proporcionam a construção de explicações contextualizadas por parte dos alunos, estudando situações em que o aprendiz transpõe as fronteiras entre sua cultura cotidiana e a cultura científica. Nesse mesmo caminho encontramos trabalhos como Capecchi (2003) e Capecchi e Carvalho (2006), que identificam algumas práticas em sala de aula que facilitam as mudanças nas concepções de ciência dos estudantes, tais como: freqüentes interações professor – aluno, participação ativa dos estudantes na resolução de problemas, ênfase em questionamentos orientados pelo professor dentro de um ambiente encorajador e livre de riscos para os mesmos. No LaPEF – Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física – estruturamos o curso de ‘Conhecimento Físico’ (Carvalho et al. 1998) para as séries iniciais do Ensino Fundamental, sendo que o nosso objetivo principal é que os alunos construam os conhecimentos específicos e que nossas aulas criem oportunidades para que estes adquiram as habilidades e atitudes próprias das ciências. Planejamos 15 atividades, que foram delineadas como problemas abertos, possibilitando a resolução pelos alunos em pequenos grupos. Nestas atividades, além de focalizarmos o conhecimento de física, procuramos também propor uma metodologia de ensino que leve em conta os conhecimentos produzidos pelas pesquisas na área de ensino de ciências. Ao propormos situações problemáticas em atividades de ensino e proporcionarmos espaço e tempo para a sistematização coletiva do conhecimento e da tomada de consciência do que foi feito, criamos oportunidade para o ‘aprender a falar ciência’ (Lemke 1997). É nessa etapa que existe a possibilidade de ampliação do vocabulário dos alunos e, com a ajuda por parte do professor, da melhora na argumentação dos alunos. Procuramos, ao planejarmos nossas atividades de ensino de física, restabelecer a humanidade e as incertezas da Ciência produzida pelo homem. Foi procurando esse objetivo que organizamos o ensino para que nossos alunos experimentem, hipotetizem e argumentem sobre os conceitos científicos. Depois de elaborada a Proposta de Ensino, de propormos sua divulgação em livro (Carvalho et al 1998), vídeos www.lapef.fe.br, e muitos cursos de formação continuada para professores e coordenadores, o nosso foco foi o estudo do ensino propriamente dito. Procurando saber o que realmente as nossas Atividades ensinavam, passamos a gravar as aulas e analisá-las com o objetivo de descrever os aspectos da enculturação científica que pudessem aparecer nas falas dos alunos. 1- Os aspectos da enculturação científica que aparecem quando os alunos estão resolvendo o problema em pequenos grupos. Na primeira etapa, quando os alunos estão, em pequenos grupos, manipulando os objetos para resolverem o problema, pudemos observar que esta ação não se limitou a uma simples manipulação. Na discussão entre os elementos do grupo aparece a construção e o teste de suas hipóteses. Estas são levantadas a partir das observações realizadas e/ou a partir de conhecimentos prévios trazidos para o grupo, e vão direcionando a atenção dos alunos para a seleção das variáveis relevantes do fenômeno que está sendo estudado. À medida que os alunos vão testando suas hipóteses, argumentando com seus colegas sobre suas idéias, procurando justificativas para suas ações, explicando, assim, o que estão fazendo para os outros alunos do grupo, observa-se, em muitas dessas participações, o início do raciocínio compensatório. Esta etapa do trabalho prático é fundamental para a criação de um sistema conceitual coerente e nos mostra que, quando a aula propõe um problema experimental nos quais os alunos se envolvem buscando a solução, ela proporciona para estes alunos um ambiente onde encontramos o raciocínio por trás da manipulação. Muitas discussões entre os alunos visando à resolução do problema proposto são feitas nessa parte da aula, e é principalmente nessas trocas de experiências e de proposições, quando os alunos vêem suas idéias confrontadas e precisam lidar com opiniões e atitudes diferentes das suas, que se dá a construção da autonomia moral. Essa construção dos aspectos morais durante o ensino é importante para a estruturação de uma escola cidadã. 2- Os aspectos da enculturação científica que aparecem quando os alunos estão respondendo ao ‘como’ e ao ‘por que’. A atribuição de conceitos nas explicações, logo no início da discussão, já denunciava o empenho dos alunos em buscar justificativas. É durante essas duas últimas etapas, a reflexão sobre o ‘como’ - a fase da tomada de consciência de suas próprias ações - e a procura do ‘por que’ - fase das explicações causais -, que os alunos têm a oportunidade de construírem a sua compreensão dos fenômenos físicos. E, quando os alunos vão contando o que fizeram, para o professor e para a classe, descrevendo suas ações, ouvindo os colegas, eles vão estabelecendo, em pensamento, as suas próprias coordenações conceituais, lógico-matemáticas e causais, como mostram as análises de nossos dados. Quando os alunos são incitados a contar como resolveram o problema, eles começam a tomar consciência das coordenações dos eventos. A tomada de consciência está, pois, longe de constituir apenas uma simples leitura: ela é uma reconstrução feita pelo aluno de suas ações e do que ele conseguiu observar durante a experiência. Pensando no que fez, para poder falar, para contar para o professor e para a classe, o aluno vai fazendo ligações lógicas do tipo Direcional Escolas, agosto/06 Ju Cavalheiro Direcional Escolas, agosto/06 A Proposta de Ensino 19 ENSINO FUNDAMENTAL se..., então..., portanto..., estabelecendo conexões entre as suas ações e reações dos objetos. Pudemos ver essa seqüência em todas as atividades que analisamos, isto é, o aluno vai além do ‘se eu fiz isso, então aquilo aconteceu’. Ele vai tomando consciência das etapas intermediárias, vendo os atributos físicos da experiência, e procurando uma explicação, uma justificativa para o seu problema, empregando, então, uma palavra nova que ainda não tinha sido utilizada – pressão, peso, força, impulso etc. É nessa etapa que existe a possibilidade de ampliação do vocabulário dos alunos e, com a ajuda por parte do professor, a aula pode proporcionar uma real comunicação entre eles. É o início da aprendizagem da linguagem científica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Cappechi, M.C.M. 2004. Argumentação numa Aula de Física in Carvalho A.M.P. (org) Ensino de ciências:Unindo a Pesquisa e a Prática. Thomson Learning. São Paulo. Cappechi, M.C.M. e Carvalho A.M.P. 2006. Atividades de Laboratório como Instrumento para a Abordagem de Aspectos da Cultura Científica, Pro-Posições, UNICAMP, São Paulo Carvalho, A.M.P et. All. 1998. Ciências no Ensino Fundamental: O conhecimento físico, Editora Scipione, São Paulo. Cobern, W. W. e Aikenhead, G. S., 1998. Cultural Aspects of Learning Science. 3- A Escrita dos Alunos In: Fraser, B. J. e Tobin, K. G(Ed.) International Handbook of Science 20 Escrever ciências também é uma das etapas da enculturação científica que deve ser trabalhada na escola. O nosso Projeto, apesar de ser dirigido para alunos da primeira etapa do Ensino Fundamental, procurou desenvolver esta habilidade que realça a construção pessoal do conhecimento. A escrita é um instrumento de aprendizagem que requer um maior esforço do aluno por ser convergente e focalizado, bem diferente da argumentação oral que é flexível enquanto explora as idéias coletivamente. Desta maneira, a escrita é uma atividade complementar à argumentação que ocorre em sala de aula, mas ambas são fundamentais em um ensino de ciências que procura criar nos alunos as principais habilidades do mundo das ciências. Nossos alunos organizaram seus textos dentro de uma ordem cronológica semelhante à ocorrida durante a atividade, o que mostra uma objetividade bastante grande tendo em vista suas idades. Além disso, eles usaram os verbos de ação na primeira pessoa do plural, refletindo que o seu trabalho em grupo foi coletivo e não uma somatória de ações individuais. O fato intrigante das análises do material escrito pelos alunos foi que encontramos uma taxa muito maior de explicações legais do que causais, mesmo quando essas explicações causais tinham aparecido nas aulas e sido discutido pela classe. Driver, R.;Newton,P. e Osborne,J. (1999) The place of argumentation in the pedagogy of school science. International Journal of Science Education,21(5), p.556-576. Duit, R.; Treagust, D. F., 1998. Learning in Science – From Behaviourism Towards Social Construtivism and Beyond. In: Fraser, B. J. e Tobin, K.G.(Ed.) International Handbook of Science Education. Klower Academic Publishes. Lemke, J (1997) Aprendendo a hablar ciencias: linguagem, aprendizajem y valores., Paidos, Barcelona. Anna Maria Pessoa de Carvalho é Professora titular da Faculdade de Educação da USP. Graduou-se em Física e é doutorada na área de Ensino de Física. Coordena o Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física (LaPEF) da FEUSP onde desenvolve vários projetos para os cursos Fundamental e Médio. É orientadora nos Programas de Pós-Graduação e foi representante brasileira na Interamerican Coucil on Physics Education sendo atualmente representante na International Commission on Physics Education. Direcional Escolas, agosto/06 Direcional Escolas, agosto/06 Education. Klower Academic Publishes. 21 PERFIL DA ESCOLA Escola Estadual Nelson Fernandes Em Santa Rita do Passa Quatro, escola investe em projetos voltados para a comunidade e na recuperação dos espaços físicos. Por Luiza Oliva Fotos: Divulgação Direcional Escolas, agosto/06 U 22 ma escola permanentemente antenada com a comunidade. Assim pode ser definida a Escola Estadual Nelson Fernandes, localizada em Santa Rita do Passa Quatro, interior paulista. A escola, que nasceu em 1947 como Ginásio Estadual de Santa Rita, frequentemente envolve seus alunos em projetos ligados à comunidade local. “Acredito que se o aluno não valoriza e conhece seu próprio município, não adianta desenvolvermos ações globais”, pondera Rosa Maria Gasparini Nazar, diretora da escola há 16 anos. Com inúmeras ações voltadas para esse foco, a escola tem conseguido bons resultados. O projeto “As coisas boas da nossa terra”, desenvolvido em 2005 por alunos do Ensino Médio, recebeu este ano o prêmio Construindo a Nação, promovido pelo Instituto Cidadania Brasil. A idéia foi valorizar a história de Santa Rita e transmiti-la para a comunidade com a publicação de um almanaque. Parcerias da escola com o jornal da cidade e empresas patrocinadoras viabilizaram a impressão do livreto. Através de pesquisas feitas pelos alunos, foi reunido o material que compõe o almanaque, como as festas de cada mês e os melhores restaurantes da cidade. “Os alunos foram à Vigilância Sanitária para conhecer os critérios exigidos quanto à higiene. Hoje, o guia de restaurantes do almanaque serve como ponto de referência para turistas e para a própria população”, conta a diretora. Outra idéia de sucesso é o Projeto Mananciais. Rosa lembra que ele teve origem em 2001, através do Projeto Preservando o Futuro, com o objetivo de alertar pais, alunos e comunidade da necessidade de preservar o meio ambiente. Em 2002, a idéia cresceu e se transformou no Projeto Meio Ambiente. Os alunos mapearam as áreas de mananciais do município, visitando os locais mais críticos e encaminhando às autoridades da cidade as possíveis soluções. No ano seguinte, professores das áreas de História, Geografia e Matemática da Nelson Fernandes assumiram a coordenação do Projeto Mananciais, em parceria com o soldado da Polícia Ambiental Rogério Leme, que já realizava na escola o Projeto Beija-Flor, onde alunos das 7ª séries participam de várias ações em favor do meio ambiente. Depois de feito um diagnóstico do estado em que se encontravam os mananciais da região, a escola optou por recuperar o manancial da Lagoinha. “Ele foi escolhido por ser o mais próximo da escola, já que os alunos se deslocaram frequentemente até o local, e também por estar numa comunidade menos favorecida, o bairro de Lagoinha”, relembra Rosa. Inicialmente, a escola começou a plantar mudas no local. “Sem cercar a área, nós plantávamos e os animais comiam. Fizemos então um estudo junto com a Prefeitura para demarcar a área. Os alunos pesquisaram as mudas da região e que seriam consideradas mata ciliar para a proteção do manancial. Eles participaram até da produção das mudas no viveiro da Polícia Ambiental”, explica. O local foi cercado e mais de 1.300 mudas nativas plantadas. Panfletos de conscientização, elaborados pelos alunos e professores, foram distribuídos para a comunidade da Lagoinha. Rosa explica que projetos que exigem mais saídas dos alunos da escola são desenvolvidos pela turma do Ensino Médio. Mas, a questão do meio ambiente começa a ser trabalhada desde a 5ª série (a escola atende alunos do Ensino Fundamental II e Médio). “Com eles, começamos o trabalho chamado de ‘Escola Limpa’. Nessa faixa etária a preocupação começa com o ambiente escolar”, diz. Os cuidados com as instalações da escola são, aliás, um dos focos da gestão da diretora Rosa Maria. “Desde que assumi a direção da escola, sempre me preocupei com a reforma e a adequação dos espaços físicos para atender a melhoria do projeto pedagógico. A melhoria pedagógica só se concretiza se professor e alunos tiverem espaços e materiais adequados e disponíveis para a execução de suas ações”, acredita. A escola tem passado por reformas e foram recuperados recentemente o refeitório, o pátio, a biblioteca, a sala de som e imagem e a sala de informática. Foi criada ainda a sala de preparação física. Segundo Rosa Maria, a iniciativa da sala de preparação física é inédita e a única da Diretoria de Ensino de Pirassununga, a qual pertence a Nelson Fernandes. A sala conta com 10 bicicletas ergométricas, 14 aparelhos para abdominais, 45 colchonetes para exercícios físicos e materiais esportivos diversos. É utilizada pelos alunos a partir de 8ª série, por professores e funcionários, sempre sob orientação e supervisão dos professores de Educação Física, e também no Programa Escola da Família. O programa do Governo do Estado, que abre as escolas aos finais de semana para as famílias, tem ajudado, na opinião da diretora, na melhoria do relacionamento entre a escola e as famílias. “Os pais têm colaborado e participado de atividades nos finais de semana, o que Raio-X da Escola • Uma unidade em Santa Rita do Passa Quatro, interior de São Paulo. • 1113 alunos • 74 funcionários (incluindo professores). • Cursos: Ensino Fundamental II, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos Fundamental e Médio. • Instalações: 18 salas de aulas, duas quadras cobertas, gabinete dentário, duas cozinhas, área coberta e área descoberta para intervalo, zeladoria, refeitório, biblioteca, sala de som e imagem, sala de informática, cinco oficinas pedagógicas, sala de preparação física, sala do grêmio e salas específicas para o programa Escola da Família. • e-mail: [email protected] e e024284a@see. sp.gov.br • site: www.escoladafamilianelsonfernandes.nafoto.net Direcional Escolas, agosto/06 Pontos positivos da Nelson Fernandes: recuperação dos espaços físicos e projetos envolvendo a comunidade. desperta o sentimento de pertencimento do espaço escolar por parte de todos”, avalia. A metodologia de projetos e a recuperação dos espaços físicos voltados para os objetivos pedagógicos da escola são dois dos aspectos que vêm somando pontos positivos para a Nelson Fernandes. Segundo Rosa, a conquista do Prêmio Construindo a Nação elevou a auto-estima de toda a comunidade escolar. “O envolvimento de toda a comunidade com a Unidade Escolar e o sentimento de pertencer a ela por parte de todos tem melhorado os cuidados com o patrimônio público e os resultados nos desempenhos escolares”, aponta. O número significativo de novos alunos que a escola recebe anualmente exige, porém, um esforço grande para criar e obter mais recursos, espaços e materiais complementares. Conforme a diretora, a escola busca novas parcerias constantemente através da Associação de Pais e Mestres para arrecadar fundos. Em busca de aprimoramentos na sua gestão, e visando ser conhecida como referência em excelência em educação na região, a equipe elaborou o projeto “Redimensionando Caminhos para a Melhoria da Escola”, com ações previstas para serem realizadas durante um semestre letivo. Entre os principais aspectos que precisam ser melhorados e levantados pela equipe estão a divulgação dos resultados educacionais junto aos pais, a implementação da busca por parcerias na comunidade para possibilitar a execução de ações escolares e pedagógicas, garantir a participação de alunos e pais nas decisões pedagógicas e promover ações concretas visando a diminuição da evasão escolar no Ensino Médio regular e na Educação de Jovens e Adultos no período noturno. Sem dúvida, uma meta ambiciosa mas possível de ser alcançada. No aspecto gestão, a Nelson Fernandes foi inclusive classificada pela Diretoria de Ensino de Pirassununga para participar do prêmio Gestão Escolar. “A Diretoria vem acompanhando de perto as unidades escolares e está descobrindo o nosso trabalho”, finaliza a diretora. 23 GESTÃO Por Roberto von Puttkammer Prado Direcional Escolas, agosto/06 O 24 passado todos conhecemos. E as lembranças são as melhores possíveis! A escola privada de educação básica sempre foi a vanguarda da educação brasileira, motivo de disputa das famílias na procura de vagas para seus filhos. O presente também é conhecido pelos educadores. Ainda forte e importante no cenário nacional, procurada por todas as camadas da população, mas diante de uma crise que já perdura por alguns anos, principalmente no Estado de São Paulo. Por quê? Sendo ainda hoje um “objeto de consumo” do brasileiro, é interessante determo-nos sobre a opinião dos usuários da escola privada de educação básica. O que eles têm a nos dizer? Em pesquisa encomendada pela Fenep e realizada pelo Ibope(1), as famílias com filhos na escola privada foram ouvidas. E 82% acham que a escola privada, de maneira geral, é satisfatória. A avaliação, neste e em outros quesitos, mostra-se muito positiva. Mas alguns detalhes chamam a atenção, que resumidamente transcrevo: • Comparando-se com a escola pública, qual o diferencial da escola privada? Na resposta espontânea a esta pergunta, 39% apontam para “qualidade de ensino”, 27% para “professores qualificados”, 15% para “falta de greves” e 14% para “segurança”. • Qual a principal razão para escolha da escola em que seu filho(a) estuda? Dentre as várias respostas, destacam-se “qualidade de ensino” com 57% e “localização da escola”, com 38% (lembre-se que a pesquisa foi realizada em grandes centros urbanos). A partir destes dados, faço uma afirmação: atualmente, a escola privada é opção por conta da deficiência da escola pública, e não por suas qualidades. Só assim entende-se como critério de escolha a inexistência de greves, por exemplo. Professores qualificados é diferencial? Só por, segundo os entrevistados, não haver professores tão qualificados na pública. Qualidade de ensino é diferencial? A meu ver, ter qualidade é obrigação de qualquer empresa... Alguns números do Censo Escolar(2) também podem nos ajudar na análise. Entre 1996 e 2005, as matrículas na escola privada de educação básica cresceram 17,2% no Estado de São Paulo. Mas, no mesmo período, o número de escolas cresce 159,1%! Há, portanto, um claro descompasso entre crescimento da demanda com o crescimento da oferta, e este fato se torna um dos principais motivos da crise que hoje nos afeta. Mesmo havendo mais alunos na escola privada em geral, há menos alunos em cada escola, gerando sérios problemas financeiros para muitas delas. Há ainda outros fatores importantes, como crescimento populacional menor (as famílias têm menos filhos) e a crise econômica que atinge a classe média há anos. Talvez isto explique o resultado da pesquisa realizada pelo Inep com famílias de alunos de escolas públicas(3), onde 18% dos entrevistados afirmam que seus filhos já estudaram em escolas privadas – dos quais mais de 70% saíram por motivos econômicos. E as escolas privadas, entre sensibilizar-se por esta situação ou cuidar da sua própria crise, têm optado por aumentar as anuidades escolares em níveis superiores aos da inflação em geral... Embora pudéssemos continuar a discorrer sobre o presente, chega a hora de “usarmos a bola de cristal”: diante desta realidade, qual o futuro da escola privada de educação básica? Não consigo enxergar futuro promissor – se nada for alterado, se continuarmos na mesmice de sempre. Enquanto formos todos iguais e tivermos como diferencial a qualidade (ao menos perante os olhos de nossos alunos e respectivos pais), o valor de nossa anuidade será sempre alto demais, por menor que seja. Até por que acredito, espero e luto para que o Brasil tenha um ensino público de qualidade. E quanto melhor a qualidade do ensino público, mais “desleal” será a concorrência, pois nunca conseguiremos competir em valor da anuidade... Como competir com a escola pública de qualidade? Somente tendo mais a oferecer do que qualidade de ensino. A escola pública, por definição e legislação, é para todos. O ideal para a escola privada, então, é ser “para alguns” – é ter seu nicho de mercado, seu público-alvo. Como afirma Gustavo Ioschpe(4): “A educação nunca será monopólio de governos: as pessoas devem ter o direito de pagar por um ensino diferenciado”. Atenção: antes que alguns me perguntem como fica a inclusão nesta concepção, quero esclarecer. Ser para alguns não significa ser somente para a elite. Significa ser especial para a sua comunidade, pobre ou rica, elite ou não. Significa especializar-se em ser ótimo para uma parcela da sociedade. Nem todos irão preferir sua escola, mas aqueles que a preferem não a trocam por nada! 1 Pesquisa realizada em dezembro de 2005 em 8 macro-regiões brasileiras, ecomendada pela Federação Nacional de Escolas Particulares. 2 Realizado anualmente pelo MEC/Inep. Dados disponíveis até 2005, neste artigo referem-se ao Estado de São Paulo. 3 Pesquisa Nacional Qualidade da Educação, realizada em maio de 2005 pelo MEC/Inep. 4 Mestre em desenvolvimento econômico com especialização em economia da educação. 5 Doutor em ciências da educação pela Universidade de Lisboa e professor, desde 1991, dessa universidade. Roberto von Puttkammer Prado é Diretor Executivo do Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo), Presidente da AEC-SP (Associação de Educação Católica do Estado de São Paulo) e consultor de escolas de Educação Básica. Direcional Escolas, agosto/06 escola privada Adriano Costa Vespa O futuro da A escola privada de ensino básico precisa, de certa forma, voltar às origens. Não querer ser boa em tudo e para todos – isto é muito difícil de conseguir e mais difícil ainda será fazer com que a sociedade reconheça. Especialize-se em um segmento, por exemplo. Se a escola é muito boa em Educação Infantil, fato reconhecido pela comunidade, não invista tudo na criação do Ensino Médio, mas em ser cada vez melhor na Educação Infantil. Especialize-se em atender bem uma parcela específica da sociedade. Pela língua (escolas bilíngues), pela fé (escolas confessionais), pela linha educacional. Descubra seu nicho de mercado, descubra a quem você quer atender e quem quer ser atendido por você. Para essa comunidade, sua escola deverá ser especial. Outra escola não serve, ainda que ofereça desconto na anuidade. Falamos da crise por que passa a educação de modo geral e a privada em especial. Há anos estamos falando - e sentindo - a crise. Temos duas opções: ou aguardamos a luz no fim do túnel, ou nos adaptamos para conviver com ela. Para isso existe um termo, emprestado da física. Resiliência é a capacidade de resistir flexivelmente à adversidade, utilizando-a para o desenvolvimento pessoal, profissional e social. Traduzindo: ou a escola cresce com a crise (e apesar da crise) ou será fechada por ela! Optei por analisar a escola privada sob o prisma da gestão econômica e administrativa. Mas num olhar pedagógico, chegaríamos a resultados semelhantes. Rui Canário(5) faz um análise da escola atual com a qual comungo. Segundo ele, a escola de hoje está obsoleta, pois: • está baseada na “pedagogia da revelação”, onde o professor ensina; a escola está programada para ensinar, não para que o aluno aprenda; • está baseada na cumulatividade, onde o professor oferece a cada dia mais para o aluno aprender cada vez mais; • está baseada na repetição, onde o aluno repete o que o professor faz, fala e ensina; • está programada para trabalhar com grupos homogêneos, para ensinar a classes, e não aos indivíduos (eis aqui a verdadeira dificuldade da inclusão, a meu ver). A escola do futuro deverá romper com esta obsolescência. Deverá responder a uma sociedade em constante mudança. Deverá responder à nova era que se vislumbra, a Era do Conhecimento. E, para tanto, não basta “ter qualidade”... 25 EDUCAÇÃO INFANTIL Por Maria Taís de Melo Para a legitimidade e a efetividade dessa política educacional, são necessárias ações de ordem pedagógica, administrativa e financeira. Crianças de seis anos: a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental Partindo destes pressupostos, ressaltamos a importância das escolas estarem proporcionando momentos de estudo e discussão deste documento, como forma de estar se preparando para a implantação e implementação desta política pública de maneira que as crianças realmente se sintam incluídas de forma respeitosa e democrática. Uma grande preocupação quanto à inclusão de crianças de seis anos no Ensino Fundamental é a da escola estar preparada para respeitar as necessidades subjetivas destas crianças, que estão em processo de construção de suas identidades e em pleno desenvolvimento. Dentro deste contexto, a garantia do espaço para atividades lúdicas é fundamental. Vygotsky afirma que, na idade que vai até os seis anos, algumas modificações ocorrem no desenvolvimento da criança. Ela Fundamental (DPE), buscando fortalecer um processo de debate com educacional em 2006 tem sido a ampliação do Ensino Fundamental para professores e gestores sobre a infância na Educação Básica, colocou Nesse período, a criança tenta atuar não apenas sobre as coisas às nove anos de duração. à disposição do público, pela internet, a versão digital do documento quais tem acesso, mas esforça-se para agir como um adulto e é isso que Com a aprovação da Lei no 11.274/2006, ficou regulamentada a Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientação para a Inclusão da se torna motivo de brincadeira. inclusão de crianças a partir dos seis anos no Ensino Fundamental. O Criança de Seis Anos de Idade. Com o documento, as escolas terão Para Vygotsky, a situação imaginária da brincadeira decorre da Ministério da Educação defende o fato de que especialmente as crianças informações relevantes para o atendimento adequado aos estudantes. ação da criança, ou seja, para imaginar precisa agir. Vygotsky vê a pertencentes aos setores populares se beneficiarão desta medida, uma Nele são desenvolvidos temas como a infância e sua singularidade; brincadeira infantil como um recurso que possibilita a transição da vez que as crianças de seis anos de idade das classes média e alta já se a infância na escola e na vida: uma relação fundamental; o brincar estreita vinculação entre significado e objeto concreto à operação com encontram, majoritariamente, incorporadas ao sistema de ensino – na como um modo de ser e estar no mundo; as diversas expressões e o significado separado do objeto. pré-escola ou na primeira série do Ensino Fundamental. desenvolvimento da criança na escola; as crianças de seis anos e as O autor ressalta que na brincadeira a criança ainda utiliza um O Ministro, na abertura do documento que apresenta a política áreas do conhecimento; letramento e alfabetização: pensando a prática objeto concreto para promover a separação entre significado e objeto e, pública de ampliação dos anos obrigatórios do Ensino Fundamental, pedagógica; a organização do trabalho pedagógico: alfabetização e ao substituir no lúdico, opera com significado das coisas e dá um passo ressalta a importância dessa decisão política e relaciona-a, também, ao letramento como eixos organizadores; avaliação e aprendizagem na importante em direção ao pensamento conceitual. fato de recentes pesquisas mostrarem que 81,7% das crianças de seis escola: a prática pedagógica como eixo da reflexão e modalidades anos estão na escola, sendo que 38,9% freqüentam a Educação Infantil, organizativas do trabalho pedagógico: uma possibilidade. Desta maneira, as maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo que no futuro se tornarão seu nível básico de ação real e de moralidade. O brinquedo contém todas as tendências do adaptem à ampliação do Ensino Fundamental. Nesse prazo, devem ser desenvolvimento sob forma condensada sendo, ele mesmo, uma grande O MEC ressalta que o ingresso da criança de seis anos no Ensino tomadas providências, como a adaptação da estrutura física das escolas, fonte de desenvolvimento. Fundamental não pode constituir uma medida meramente administrativa. a construção de salas de aula e a formação continuada de professores e É preciso atenção ao processo de desenvolvimento e aprendizagem gestores de educação. Fundamental (IBGE, Censo Demográfico 2000). Direcional Escolas, agosto/06 dispõe para conhecê-la e compreendê-la. A lei estabeleceu prazo de cinco anos para que todos os sistemas se 13,6% pertencem às classes de alfabetização e 29,6% estão no Ensino 26 necessidade de agir sobre ela; tal ato é a principal forma de que a criança ma das temáticas mais discutidas no contexto da legislação Para finalizar ressaltamos que este processo trará ganhos às crianças se forem respeitadas as necessidades inerentes aos seis anos de idade. das crianças, o que implica, segundo a abordagem sócio-histórica de Ressalte-se que, para que esta mudança traga benefícios reais Caso contrário, se esta criança for submetida a uma carga de exigências Vygotsky, conhecimento e respeito às suas características etárias, sociais, às crianças incluídas no processo, é necessário estarmos atentos ao acima do que está preparada e afastada da mediação lúdica, correremos psicológicas e cognitivas. fato de que a aprendizagem não depende apenas do aumento do o risco de estar roubando um ano da infância destes sujeitos em pleno tempo de permanência na escola, mas também do emprego mais processo de desenvolvimento bio-psico-social. Nesse sentido, o MEC, por meio da Secretaria de Educação Básica (SEB) e do Departamento de Políticas da Educação Infantil e do Ensino eficaz desse tempo. Referências bibliográficas MEC. www.mec.gov.br VYGOTSKY, L. S. (1991). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. Maria Taís de Melo é Mestre em Psicologia e Doutora em Mídia e Conhecimento pelo PPGEP da UFSC. Professora do Curso de Pedagogia da UNIVALI. Consultora Educacional. Email: [email protected] Direcional Escolas, agosto/06 U passa a se interessar por uma esfera mais ampla da realidade e sente 27 EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA Jogos de Ação – Exigem, basicamente, habilidade em manejar os controles, já que a idéia é derrubar alvos, eliminar inimigos, desviar de obstáculos, entre outras situações que exigem agilidade. Desmistificando o micro: Shooter – Combinação de jogo de ação e aventura que se destaca por oferecer uma visão do cenário pela perspectiva do personagem principal, em substituição à tradicional visão externa e geral. Simulação - Os temas a serem simulados variam de jogo para jogo, indo desde a construção de modelos de crescimento de uma cidade até a “invenção” de um relacionamento. a inteligência artificial como aliada no planejamento escolar Particularmente, os jogos e sistemas de simulação são bastante utilizados, na educação, para o ensino de Ciências – Biologia, Química, Física e Matemática – seguindo três princípios básicos: Humberto Maturana1 Direcional Escolas, agosto/06 A 28 inclusão digital tem sido incansavelmente defendida e perseguida por incontáveis instituições de ensino e pesquisa e também por empresas, como forma de atender às demandas de mercado interno e externo. Entretanto, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Conselho Internacional de União Científica (ISCU) destacam que o saber científico também é um elemento de exclusão, sobretudo social e digital, considerando a presença e o avanço das tecnologias de comunicação e informação. O simples acesso a um computador e seus recursos pouco acrescenta ao conhecimento do sujeito se algumas ferramentas virtuais -como bibliotecas, livros eletrônicos e interessantes sistemas de inteligência artificial -, não estiverem, igualmente, disponíveis. A preocupação da UNESCO e do ISCU está ratificada por meio da Declaração sobre Ciência e o Uso do Conhecimento Científico, mais conhecida como Declaração de Budapeste, datada de 1999. No documento, são defendidos não apenas o acesso aos conhecimentos prontos, aceitos e reconhecidos pela comunidade científica e pelas diversas sociedades, mas o processo metodológico como um todo, envolvendo problematização, investigação, hipóteses, estudos e pesquisas provenientes de vários países. Ainda segundo o documento, a ciência deve responder às necessidades da sociedade para possibilitar a melhoria das condições de vida da população mundial, especialmente daquela que vive em situação de pobreza extrema. Tal compromisso pode, perfeitamente, começar a ser honrado nos anos iniciais da educação formal / escolar, por meio da aplicação de jogos criados a partir dos princípios da inteligência artificial. Embora polêmico, o uso de jogos em sala de aula desperta o interesse por vários motivos: ambientes virtuais, imagens, armas com efeitos especiais, alienígenas e personagens que prendem a atenção, de acordo com o perfil de cada público, costumam ser elementos bastante atraentes para inspirar a resolução de problemas, minimizando as chances de desistência, por parte do jogador. O segredo está em utilizar jogos que ofereçam situações existentes no cotidiano dos alunos, longe da ficção científica. Questões como a violência urbana, por exemplo, podem se transformar em lições de cidadania por meio de jogos que simulam salvamentos de vidas. O universo dos jogos eletrônicos oferece as seguintes variações: Jogos de Aventura - apresentam desafios a serem solucionados pelo jogador, etapa por etapa. A história se desenvolve à medida que os problemas com maiores graus de complexidade forem sendo resolvidos. Por fim, até o momento, temos o Quiz – jogo de perguntas e respostas que testa o conhecimento do usuário em determinados assuntos – e o Role Playing Game, mais conhecido como RPG, criado originalmente fora dos meios computacionais, como jogo de interpretação de dados. Na versão tecnológica, o jogador transita por um mundo fictício e pode controlar um ou vários personagens. Nessa categoria, os jogos mais recentes são os Massive Multiplayer OnLine – mmo – jogos online de interpretação, para múltiplos jogadores. Os mmo´s permitem que milhares de jogadores criem personagens num mundo virtual dinâmico, ao mesmo tempo, na internet. A próxima geração de jogos eletrônicos será baseada na mobilidade, rompendo o preconceito de que jogos eletrônicos estimulam o isolamento: no Japão, já existem games que obrigam o usuário a sair de casa, interagir com o mundo e executar tarefas externas em diferentes etapas do jogo. Esta geração de jogos destina-se aos telefones celulares, permitindo que o participante seja localizado, geograficamente, e lhe seja atribuída uma tarefa. Só depois de sair de casa e cumpri-la é que ele muda de fase. 1 Adriano Costa Vespa Não sabemos como será a vida durante o século XXI, e qualquer predição nesse sentido é apenas uma extrapolação do presente. Podemos pensar num futuro definido desde esse presente como uma continuação dele? Nós, os seres humanos, fazemos o mundo em que vivemos ao longo do nosso viver. Ele surge conosco. Como poderíamos especificar um futuro que não nos pertencerá?. • O princípio da veracidade: professores e alunos devem trabalhar com problemas verídicos e não com simples demonstrações de princípios. Devem realizar pesquisas de verdade, para as quais não existe, de imediato, uma resposta pronta. Encontrar locais de proliferação de mosquitos da dengue, por exemplo, ou analisar os níveis de metais pesados em corpos d´água por meio de simulações são problemas verídicos que se constituem em verdadeiros desafios tanto para alunos como para professores. • O princípio da realidade: alunos e professores devem utilizar os equipamentos disponíveis em laboratório para iniciar ou refazer o experimento sempre que necessário, complementando a testagem de hipóteses por meio de simulações feitas no computador. Isto porque alguns elementos, muitas vezes, podem ser perigosos ou mesmo impróprios para manipulação leiga, como misturas de ácidos ou de substâncias inflamáveis. Na simulação, obtém-se resultados sem que haja riscos à integridade física do experimentador. • O princípio da solidariedade: Através da internet, que oferece, dentre outros recursos de comunicação, comunidades virtuais, blogs, fóruns e listas de discussões, alunos e professores trocam informações entre si, permitindo uma compreensão mais ampla dos fenômenos estudados, tanto pela ampliação de bases de dados como pelo enriquecimento de vivências pessoais. Professor de Ciências na Universidade do Chile Beatriz Rizek é Pedagoga, Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP, pós-graduada em Psicopedagogia, pesquisadora da Faculdade de Educação e da Escola do Futuro da USP, coordenadora pedagógica da Estudo, Estratégia e Informação/Escolanet e da PMKT - perfect marketing em projetos de marketing de causas, com ações educativas e sócio-ambientais. Direcional Escolas, agosto/06 Por Beatriz Rizek 29 Ju Cavalheiro ENSINO MÉDIO Ciências com ênfase em física vivencial Por José Silvério Edmundo Germano, N. Omote e Luis Fabio Simões Pucci 30 “Aula de laboratório”: um grupo de alunos realiza um experimento sobre conservação de energia. Ao final, os resultados fazem explodir aos olhos uma constrangedora constatação: “deu tudo errado!”. Pressupor que uma vivência ou um experimento “deu errado” equivale a ouvir o seguinte: a natureza falhou, conspirou! Decidiu não colaborar... Acaso, de uma hora para outra, as constantes universais foram alteradas e a Física perdeu sua validade? Que absurdo... É necessário ouvir e refletir, criticamente, a imprecisão conceitual, ou mais, a improcedência fundamental daquele “deu errado”. Olhando criticamente veremos que o equívoco pode ser de caráter metodológico e ligado ao tipo de abordagem pedagógica que foi levada a efeito. Na base dessas situações acríticas há uma dicotomia, a separação entre teoria e prática. Em outras palavras, os modelos matemáticos que os livros ou apostilas trazem, tão bem organizados e apresentados, simplesmente “furam” quando diretamente submetidos à experimentação, já que não carregam considerações metrológicas que devem ser levadas em conta quanto ao instrumental, os processos, as incertezas, os desvios e as imprecisões nas medidas. Para superar esta distância entre teoria e prática é preciso resgatar o processo de construção do próprio conhecimento científico e tecnológico trazendo-os para o dia-a-dia da escola. Nesse processo um dos objetivos a ser atingido é a construção de um modelo, primeiramente dentro de um caso particular e, posteriormente, para o caso geral, por exemplo. Esta re-elaboração metodológica pressupõe que se leve em conta, desde o início do processo, a importância que uma sensibilização adequada do aluno para o tema poderá conferir ao processo educacional. Por sensibilização chamamos o conjunto de procedimentos capazes de dar forma e contorno ao assunto que queremos tratar. O ponto de partida pode ser um texto polêmico, uma atividade lúdica, a observação direta de um fenômeno, um vídeo, uma simulação feita no computador, uma palestra, uma visita, um debate e assim por diante. Em resumo: um ponto de partida socialmente significativo, do ponto de vista ético. Um tema não é significativo só porque pode cair no vestibular, ou na próxima avaliação. Um tema é significativo quando tem a ver com a vida de cada um, com a existência. E como praticamente tudo é relevante, porque tanta resistência pelos alunos em “querer aprender?”. A investigação desse problema nos arremete, com freqüência elevada, à dimensão da valoração intrínseca da contextualização. Sem que se possa criar uma atmosfera envolvente, desafiadora, motivadora enfim, o processo não se deflagra na totalidade dos sujeitos envolvidos. Naturalmente existem cenários instantâneos que, de alguma forma, interferem e inibem a plena realização de uma vivência pela totalidade dos estudantes. Mas é preciso, neste caso, avaliar comparativamente ao grau de envolvimento de estudantes que foram devidamente acolhidos e motivados e daqueles que não passaram por este contexto e que, de um salto, partiram para o enfrentamento de conteúdos verbalmente apresentados por seu professor. Em outras palavras, podemos propiciar um ambiente e uma atmosfera tal que estimule o aluno a atingir o “liminar de interesse”, antes de despejarmos “trocentas” fórmulas e um milhão de palavras, inúteis, sobre ele. Um dos aspectos de uma metodologia vivencial é exatamente esse. Não estarmos fixados à descrição formal, e morta, de teorias. Nosso intuito é ampliar a percepção e o trato do aluno para esferas do mundo físico que ele nem desconfia existir. Mas para isso é preciso, indispensável, que o professor já tenha se inserido em processos de desenvolvimento de suas competências enquanto mediador educacional. Sem esta prerrogativa, com a subida de tal degrau a favor do processo, provavelmente nada se dará de novo e tudo voltará a cair na mesmice (geralmente insuportável!) de sempre. Todas as áreas e componentes curriculares podem se prestar magnificamente para este rico processo de sensibilização, por contar com a possibilidade de produção de variados fenômenos, com relativa facilidade quando as fontes de informação se encontram ao alcance dos dedos, desde que o professor esteja se preparando para isso. Neste ponto falta um esclarecimento preciso em que ainda poucos percebem a diferença: não se quer “experimentação” ou “laboratório”. O que se objetiva é ampliar o universo de percepção e pensamentos criativos dos alunos, o que envolve nível de consciência. Para isso, ao professor compete a criação de Espaços Laboratoriais. O Laboratório é, antes, uma dimensão de competências do educador. Onde estiver um educador verdadeiramente comprometido com a educação do seu aluno, ali estará à disposição deles um laboratório que pode ser até mesmo a cabeça de um palito de fósforo, um selo, um jornal do ano passado, uma formiga, um rinoceronte no zoológico ou um site com simuladores, na web. Tudo é mídia para experimentar, o que fará a diferença serão as concepções educacionais a partir das quais nascem as estratégias e as metodologias construídas conjuntamente por discentes e docentes, no enfrentamento de problemas e suas possíveis soluções. Naturalmente, à medida que avançamos em direção ao Ensino Médio, é possível e desejável que aspectos ligados à medição Direcional Escolas, agosto/06 Direcional Escolas, julho/06 Por uma física vivencial 31 32 de magnitudes de grandezas em geral, durante um processo experimental, cresçam em importância. Isto se deve ao fato de não só ser possível como também desejável a instauração de processos de refinamento e maior alcance na elaboração de modelos físicos, químicos ou biológicos pelos alunos, com trato matemático um pouco mais sofisticado. Para tanto, é indispensável um processo de medidas relativo ao experimento realizado, não com o intuito de “provar” leis, mas como meio de elaboração e construção cognitivas. A interpretação de resultados e medidas, já nesta fase de desenvolvimento do aluno, propicia a prática da criticidade e esta pressupõe a constituição de referenciais mais acurados, desenvolvidas ao longo de processos educacionais anteriores. É justamente através desta postura, que não visa “ajustar” o experimento à teoria mas, sim, construí-la, que o estudante começa a desenvolver um pensar cada vez mais elaborado. Em suas ações haverá algo de Galileu, Newton ou Pasteur, mas principalmente haverá muito de si mesmo e de seu professor. Como ativo participante de um processo interativo, o aluno é estimulado a criar estruturas de pensamento fundamentais para aprender, desenvolver e aplicar o conhecimento adquirido. Para educar (e não apenas “ensinar”), é fundamental focar no desenvolvimento de competências ligadas ao investigar, mas dentro de uma perspectiva crítica. Autores como John Dewey e Matthew Lipman trabalharam conceitos ligados ao chamado pensamento reflexivo, que se distingue do pensamento comum por ser dotado de uma consciência quanto as suas causas e conseqüências. Esse tipo de pensamento é aquele capaz de criar condições para que o indivíduo escolha entre diferentes alternativas, agindo sobre elas e prevendo suas possíveis implicações (Lipman, p. 158-159). Nessa linha, Isabel Alarcão afirma que a formação de professores precisa estar centrada no desenvolvimento de educadores reflexivos, que será o profissional consciente da sua capacidade humana de criador e não mero reprodutor de idéias e práticas exteriores, já que esse modelo é cada vez mais falho dentro da sociedade da informação, que exige indivíduos aptos para enfrentar o novo, autônomo, agindo com flexibilidade diante de novos problemas. Lipman diz que a autonomia só pode ser desenvolvida através do modelo reflexivo de educação, já que o aluno capaz de “pensar por si mesmo” é capaz de ir além do simples repetir o que outros dizem ou pensam (seus professores, seus colegas, as mídias de comunicação de massa etc). Ele passa a estar habilitado a fazer seus próprios julgamentos a partir de provas e evidências, desenvolvendo uma visão própria de indivíduo que quer ser e de mundo que gostaria de ter. Dentro dessa perspectiva, estamos diante de novos modelos para a educação, centrados no aluno e na aprendizagem, e que não comportam mais extremismos ou modas, tão comuns na área. Portanto, nem “certo”, nem “errado”; nem “teoria” de um lado e “prática” do outro, mas o pensamento e o agir vivenciados, numa perspectiva integradora de disciplinas, saberes e competências. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em escola reflexiva. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2004. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Médio. Brasília: SEMTEC/MEC, 1999. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. PCN + Ensino Médio - Orientações Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002. CARVALHO, A. M. P.; GIL - PÉREZ, D. Formação de professores de ciências. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2003. CARVALHO, Cassiano Z. Por uma escola inteligente. São Paulo: Instituto Galileo Galilei, 2005. KENSKI, Vani M. As tecnologias invadem nosso cotidiano. In: Integração das tecnologias na educação. Brasília: MEC, Seed, 2005. LIPMAN, Matthew. O pensar na educação. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. José Silvério Edmundo Germano é graduado em Física pela UFRJ, tem Mestrado e Doutorado em Física pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Professor Adjunto do Departamento de Física do ITA. N. Omote é Físico pelo Instituto de Física da USP, autor pelas editoras Moderna e Laborciência, com larga experiência em programas de formação continuada de docentes. Luis Fabio Simões Pucci é Engenheiro Mecânico pela MauáSP, Físico pelo Instituto de Física da USP, Matemático pela Uniban-SP e Mestrando em Educação pela Uninove-SP. Autor da editora Escala Educacional, coordenador da área de Física da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Direcional Escolas, agosto/06 Direcional Escolas, agosto/06 ENSINO MÉDIO 33 EDUCAÇÃO CIENTÍFICA Imagens de satélite Foto: Google Earth como recurso didático Por Teresa Gallotti Florenzano m grande número de imagens da superfície terrestre é captado por sensores a bordo de satélites de sensoriamento remoto. Podemos, assim, definir o sensoriamento remoto como a tecnologia de aquisição de dados da superfície terrestre à distância, isto é, a partir de satélites artificiais. Embora cada vez mais freqüentes na mídia, em atlas e livros, as imagens de satélites são ainda pouco exploradas, tanto no Ensino Fundamental e Médio como no ensino superior. Isso se deve, em grande parte, ao pouco conhecimento sobre o uso dessas imagens. A difusão do uso do sensoriamento remoto no ensino é o objetivo deste artigo e parte integrante da obra de minha autoria, Imagens de satélite para estudos ambientais, editado pela Oficina de Textos. Os parâmetros curriculares reforçam a importância do uso de novas tecnologias, como a do sensoriamento remoto, que se destaca da maioria dos recursos educacionais pela possibilidade de se extraírem informações multidisciplinares, uma vez que dados contidos em uma única imagem podem ser utilizados para multifinalidades. As imagens possibilitam determinar configurações que vão da visão do planeta Terra a de um Estado, região ou localidade. Quanto aos aspectos físicos, pode-se observar a repartição entre terras e oceanos, a distribuição de grandes unidades estruturais, como cadeias de montanhas, localização de cursos d’água e meandros, deltas; ao relevo continental (escarpas, cristas, morros, colinas) e litorâneo (falésias, dunas, praias, ilhas, golfos, baías), cobertura vegetal; à configuração, organização e expansão das grandes cidades, a conurbação e a evolução das áreas agropecuárias. Como tempo e espaço são dimensões essenciais para a compreensão dos problemas ambientais, a contribuição da Geografia e da História é indispensável ao estudo do processo de ocupação e 34 transformação do espaço, das mudanças e inovações tecnológicas ocorridas ao longo do tempo e do modelo de desenvolvimento adotado. Imagens de diferentes períodos ajudam na compreensão do processo de organização e transformação do espaço. A partir da interpretação de imagens de diferentes datas, de uma mesma região, é possível reconstituir o processo de ocupação e desenvolvimento de uma região. Na falta de imagens e fotografias aéreas mais antigas, podem ser utilizados mapas antigos e até cartões-postais. As Ciências de modo geral, e mais especificamente a Física, podem explorar os princípios físicos do sensoriamento remoto, que envolvem o estudo da energia eletromagnética, interação dessa energia com as propriedades físico-químicas dos componentes da superfície terrestre; como são obtidos as imagens e o processo de formação das cores. Dessa forma, ao mesmo tempo em que o aluno está apreendendo conceitos de Física, ele se torna mais capacitado para explorar os dados de sensores remotos. Imagens de satélite podem contribuir para o estudo dos problemas de saúde pública, relacionados com a contaminação das águas, como a cólera e a leptospirose, e a poluição atmosférica, como as doenças respiratórias. A partir da interpretação desses dados e com os fundamentos teóricos da Biologia, Química, Geografia e História, é possível relacionar a distribuição dessas doenças e das condições que as favorecem com as características ambientais, econômicas e sociais da área em estudo. Com conhecimentos da Química e dos dados de sensores remotos, pode-se explorar a correlação existente entre a qualidade da água (de rios, lagos, represas e do oceano), representada em uma imagem por diferentes tonalidades ou cores, e os componentes químicos e orgânicos dessa água, determinados por análises químicas de laboratório. Com a ajuda da Matemática, é possível calcular ângulos, distâncias, proporções (escalas), áreas (urbanas, agrícolas, inundadas, queimadas), taxas ou índices (o índice de área verde de uma cidade, taxas de crescimento urbano, de desmatamento). A Educação Artística contribui para a elaboração de mapas, maquetes e outros produtos cartográficos de expressão artística, a partir da interpretação de fotografias aéreas e imagens de satélites. A maior ou menor contribuição do sensoriamento remoto no ensino das disciplinas específicas, dos temas transversais, como Meio Ambiente, ou em atividades e projetos interdisciplinares, vai depender da motivação e criatividade dos professores e alunos envolvidos, das características da área de estudo, da disponibilidade de dados e do tema utilizado como fio condutor do estudo. O livro infanto-juvenil A nave espacial Noé, da editora Oficina de Textos, é um bom exemplo da aplicação do ensino de sensoriamento remoto às crianças. Para saber mais, acesse: http://www.ofitexto.com.br/anaveespacialnoe/ Tanto os alunos como os professores sem familiaridade com o sensoriamento remoto têm uma facilidade maior com relação às fotografias aéreas, que retratam uma realidade mais próxima. Nesse aspecto, as imagens de alta resolução dos novos sensores a bordo de satélites como o SPOT-5, IKONOS-2 e o QuickBird, entre outros, mais próximas àquelas das fotografias aéreas, deverão contribuir sensivelmente para a difusão do uso do sensoriamento remoto como recurso didático. A disponibilidade das imagens por sensoriamento remoto é cada vez maior. Atualmente, podem ser encontradas em livros, atlas, revistas, jornais, cds e na Internet. Imagens de satélite no formato digital podem ser obtidas gratuitamente nos endereços: http://www.dgi.inpe.br;http://www.inpe.br/unidades/cep/ atividadescep/educasere/; http://www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br; http://glcf.umiacs.umd.edu/data e no Google: http://earth.google. com/, entre outros. Portanto, a dificuldade de acesso aos dados de sensores remotos não serve mais como justificativa para a sua não utilização em sala de aula. Como conhecer a área representada em uma imagem facilita a sua análise e interpretação, recomenda-se, inicialmente, explorar imagens da própria região. Sugestões de atividades com imagens de satélite 1. Utilize fotografias aéreas ou imagens de satélites para ensinar o conceito de escala, que é fundamental para o uso de dados de sensores remotos e de mapas. 2. A partir de fotografias ou imagens de seu município, de diferentes períodos, destaque as principais transformações ocorridas nos ambientes urbano e rural. Teresa Gallotti Florenzano é geógrafa, com mestrado em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE e doutorado em Geografia Física pela Universidade de São Paulo. Atua como pesquisadora no INPE há mais de 20 anos, com destacada colaboração também na área didática, ministrando cursos de interpretação de imagens de satélite para diversos públicos, entre os quais professores do ensino fundamental, médio e superior, na modalidade presencial e à distância. É autora dos livros: A Nave Espacial Noé e Imagens de Satélite para Estudos Ambientais, ambos pela Editora Oficina de Textos (www.ofitexto.com.br). Direcional Escolas, agosto/06 U 35 ENSINO RELIGIOSO Por Maria Inês Carniato Ensino Religioso, Direcional Escolas, agosto/06 H 36 á 10 anos o Ensino Religioso é componente curricular obrigatório do Ensino Fundamental nos sistemas públicos do País. A aprovação do artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, baseado no artigo 210 da Constituição, foi resultado de um longo processo de prática e reflexão de educadores. Durante mais de 30 anos o Ensino Religioso vem mudando de enfoque, em sintonia com a cultura e as novas exigências pluralistas da sociedade, passando de confessional cristão para ecumênico, depois para antropológico e centralizado em valores e atitudes, até chegar à identidade atual: inter-cultural e inter-religiosa, conforme o modelo definido pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Religioso, apresentados ao MEC pelo Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso. É longa a trajetória do Ensino Religioso no País, porém sua evolução é pouco conhecida, não só fora, como também dentro dos sistemas de educação e da própria escola. Muitas pessoas ainda o consideram doutrinal e confessional, portanto, excludente, em uma escola pluralista como a de hoje. Conhecer melhor seus novos paradigmas é indispensável para quem tem qualquer tipo de envolvimento com a Educação de Base no Brasil. Paradigma antropológico: Patrimônio da Humanidade Pessoas dos mais variados níveis de cultura, ao ouvir falar em Ensino Religioso, têm despertado no próprio subconsciente o arquétipo “catecismo”, “igreja”, “Bíblia” ou algo equivalente que vivenciou na infância. Digamos que o “catecismo” ou qualquer outro título que se dê à instrução específica praticada em uma tradição religiosa corresponde à milésima parte do potencial de conhecimento que se encerra no termo Ensino Religioso. Esse potencial, praticamente infinito, por se tratar de uma ciência humana, não é acervo particular de nenhuma religião. É patrimônio da humanidade. A Unesco, órgão das Nações Unidas para a educação e a cultura, há décadas vem desenvolvendo o projeto Patrimônio Cultural da Humanidade, pelo qual, em dezenas de países em todos os continentes, são preservados lugares arqueológicos da pré-história, da idade antiga e construções ou ruínas da época medieval. Uma imensa porcentagem, talvez mais de 80% destes lugares, foram, ou ainda são, espaços sagrados, nos quais se realizaram rituais, cerimônias, cultos e sacrifícios ou se levantaram monumentais templos e santuários, até com desconhecidas ou inacreditáveis técnicas de construção, que atestam a genialidade, os múltiplos conhecimentos e a persistência dos antepassados. Essas pessoas geniais dedicaram vidas inteiras à causa de materializar a experiência religiosa, dando-lhe visibilidade na rocha, na pedra, e nas mega-construções, na esperança de vê-la eternizada. Este, pode-se dizer, é um “inconsciente coletivo” do Fenômeno Religioso, que, por outro lado, continua hoje mais vivo do que nunca, em milhares de diferentes manifestações. Um breve olhar panorâmico sobre a história mostra que a dimensão religiosa do espírito humano está no alicerce do saber universal e é um dos principais moventes da produção cultural da humanidade. • A primeira educação foi iniciática: os indivíduos eram iniciados no conhecimento e na prática de tabus, mitos, símbolos, costumes e rituais mágicos que regiam a vida dos clãs em relação aos totens e aos espíritos protetores. • A arte, a dança, o esporte, o teatro, a pintura, a escultura, a música, a arquitetura, a medicina, a química, a metalurgia começaram em rituais religiosos xamânicos, iniciáticos, sacerdotais e litúrgicos, e na confecção de objetos sagrados das religiões primordiais ou das grandes civilizações. • A literatura clássica universal, cujas obras imortais são estudadas perenemente, tem grande número de narrativas míticas e épicas, nas quais os deuses e os heróis se apresentam por meio da linguagem simbólica, capaz de assumir a projeção de sentimentos, angústias, interrogações, limites, sonhos e grandiosidades do espírito humano de todos os tempos. • A origem da gramática e da escrita é religiosa. Provam isso a captação da idéia e sua expressão material nos desenhos rupestres dos recintos sagrados das cavernas, bem como os segredos dos deuses registrados em colunas e paredes de templos nas civilizações. E o que dizer de textos religiosos tão antigos cuja autoria se perde na névoa dos tempos como os Vedas da Índia, por exemplo? Em tempos imemoriais, pessoas de inteligência brilhante criaram sistemas de escrita exclusivos para produzí-los, sem mesmo saber que estavam cultivando “a flor de lótus” da cultura da humanidade. • O modelo da escola ocidental vem da educação grega, a scolé – clube dos ociosos – onde os jovens das famílias ricas se reuniam ao redor dos didáscolos – mestres – e passavam o tempo prazerosamente, conhecendo os deuses do Olimpo e os heróis épicos da Grécia ou cultivando a semelhança com os deuses por meio do cultivo da mente e da perfeita estética corporal. Por sinal, as olimpíadas têm origem nas competições esportivas feitas ao redor dos santuários gregos, por ocasião das festas religiosas. Os pressupostos antropológicos universais ajudam a compreender os termos da legislação brasileira, que parte da cultura Direcional Escolas, agosto/06 Adriano Costa Vespa componente da formação cidadã 37 ENSINO RELIGIOSO Direcional Escolas, agosto/06 Paradigma legal: parte integrante da formação básica 38 A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (com o inciso do artigo 33 em 1997) definem o Ensino Religioso como disciplina curricular nas escolas públicas de Ensino Fundamental: • Artigo 210 - Serão fixados conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 1º - O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de Ensino Fundamental (Constituição da República Federativa do Brasil). • Artigo 33 - O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de Ensino Fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. § 1º - Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do Ensino Religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – inciso nº 9.475/97). A formação básica comum e (o) respeito aos valores culturais e artísticos nacionais e regionais remete necessariamente para o Ensino Religioso, como se vê no parágrafo 1º. do artigo, porque os valores culturais e artísticos da população brasileira derivam da miscigenação de culturas matrizes essencialmente religiosas: a indígena, a africana, a cristã medieval e também das tradições cristãs e orientais mais tardias. Retirado o componente religioso, o folclore e a arte colonial barroca, por exemplo, praticamente desapareceriam. As atuais Diretrizes Curriculares da Educação apontam para a prioridade da inclusão e da valorização da etnia, da cultura, dos costumes e das experiências dos alunos. A pertença religiosa é uma das principais causadoras de atitudes de desprezo, temor, rivalidade e exclusão na sala de aula. Neste sentido, o primeiro objetivo do Ensino Religioso é favorecer a objetividade no conhecimento das tradições religiosas. Só o conhecimento liberta de preconceitos e de tabus. Para isso, o Ensino Religioso, enquanto componente curricular, tem parâmetros que especificam sua identidade e função. Paradigma científico: estudo do Fenômeno Religioso ConformeosParâmetrosCurricularesNacionaisdoEnsinoReligioso, o objeto de estudo científico da disciplina é o Fenômeno Religioso, isto é: os sinais da religiosidade presentes na cultura estabelecida e na sociedade atual. Edgar Morin, professor da Universidade de Paris, no livro Os sete saberes necessários para a educação do futuro, escrito a pedido da Unesco, sobre os novos paradigmas da educação para o Terceiro Milênio, assim diz: O saber científico sobre o qual este texto se apóia para situar a condição humana não só é provisório, mas também desemboca em profundos mistérios referentes ao Universo, à Vida, ao nascimento do ser humano. Aqui se abre um indecidível, no qual intervêm opções filosóficas e crenças religiosas através de culturas e civilizações (op.cit. p. 13). O Ensino Religioso oferece a possibilidade de desenvolver as duas dimensões propostas pelo professor Morin: um saber que resulte do rigor científico e que conduza à humanização e à superação do preconceito derivado da ignorância ante o mistério presente nos horizontes humanos. Paradigma curricular: os cinco eixos temáticos A sociedade pós-moderna é marcada por uma procura intensa de experiências transcendentes e até pseudo-místicas. Os alunos trazem para a escola uma variedade, às vezes caótica, de informações desconexas e de vivências religiosas nem sempre assimiladas. O papel da escola é aplicar, sobre esse potencial de saber, um método científico e torná-lo organizado e inteligível e significativo, proporcionando a superação do temor, do tabu, da mentalidade mágica, da indiferença, do preconceito e da rivalidade. Os PCNERS (Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Religioso), que foram elaborados mediante longo trabalho de base entre professores e apresentados ao MEC pelo Fórum Nacional Permanente de Ensino Religioso, oferecem esse método. Os PCNERS organizam-se em cinco blocos temáticos de abordagem do Fenômeno Religioso que podem ser comparados a um armário de laboratório, no qual se organizam e se classificam os elementos de determinado fenômeno a serem estudados. Os cinco eixos são: • Tradições e culturas religiosas; • Textos sagrados orais e escritos; • Teologias das tradições religiosas; • Ritos e símbolos religiosos; • Etos e valores dos povos e das culturas. No âmbito das matrizes culturais brasileiras, quais conteúdos pertencem a cada um dos eixos? Vejamos alguns exemplos: • Tradições e culturas religiosas: indígenas, cristãs européias medievais, africanas, orientais (judeus, xintoístas, budistas...), cristãs européias modernas (protestantes, pentecostais...) e, atualmente, novos movimentos religiosos ecléticos e sincréticos. • Textos sagrados: orais: mitos e cosmovisões das tradições indígenas e africanas; escritos: livros sagrados do cristianismo e do judaísmo (a Bíblia), do xintoísmo e do budismo, do islamismo etc. • Teologias das tradições religiosas: os diferentes nomes atribuídos a Deus, as diferenças doutrinais entre as tradições religiosas: a crença indígena e africana nos espíritos dos antepassados, a crença oriental e espírita na reencarnação, a crença bíblico cristã na ressurreição etc. • Ritos e símbolos religiosos: os ritos e símbolos universais, presentes em todas as tradições religiosas: a música, a dança, a oferenda, a água, o fogo etc; ritos e símbolos que caracterizam cada uma das tradições e se manifestam nas cerimônias: centros religiosos, templos, igrejas, sinagogas, mesquitas, terreiros, casas de reza; cerimônias: oferendas a Iemanjá à beira do mar, os cultos, a missa, os rituais indígenas etc. • Etos dos povos e das culturas: costumes e valores dos povos indígenas, por exemplo, o senso de comunidade, valorização dos anciãos, cuidado com as crianças, respeito ao meio-ambiente; das religiões afro-descendentes, o sentido de partilha e de festa, a utopia de uma terra de vida e liberdade... O que essas tradições têm a ensinar à sociedade? Quais os valores que elas guardam como etos sagrado? Enfim, o resgate de valores que caracteriza a vivência de cada etnia e o que uma tradição religiosa tem a ensinar às outras. Os cinco blocos temáticos são organizados contemporaneamente no currículo das nove séries do Ensino Fundamental por meio de conteúdos e atividades adaptados a cada idade e série. Através deles pode ser trabalhada qualquer manifestação do Fenômeno Religioso, todas as informações e também todas as experiências e práticas que os alunos trazem da família e da convivência social. As editoras têm lançado material didático de apoio aos professores, como por exemplo, a coleção Ensino Religioso Fundamental, revista Diálogo de Ensino Religioso, ambas da editora Paulinas, dentre outras. Porém é indispensável que o profissional professor de Ensino Religioso seja habilitado e preparado para lidar com conhecimentos novos que antes não faziam parte do currículo e nem estiveram presentes em sua formação docente. Para isso, o caminho viável é que os sistemas estaduais de ensino façam convênios com as universidades para a criação de cursos de licenciatura em Ensino Religioso, vinculados ao departamento de Ciências da Religião. Além do conteúdo estabelecido, o Ensino Religioso tem um tratamento pedagógico diferenciado. Presta-se para atividades interdisciplinares interativas e participativas que proporcionem não só pesquisa rigorosa, re-elaboração de dados e produção de formas literárias e artísticas de expressar o conhecimento, como também experiências significativas na educação integral, pois nenhuma disciplina como o Ensino Religioso lida com as questões humanas, universais e particulares. E estas, por sua vez, refletidas e dialogadas, podem se transformar em construção da sabedoria de vida, levar à cidadania e ao protagonismo na humanização e na transformação do mundo. Maria Inês Carniato é autora da Coleção didática “Ensino Religioso Fundamental” e diretora de redação da Revista “Diálogo de Ensino Religioso”, ambas da editora Paulinas. Bacharel em filosofia pela Universidade Estadual do Ceará, Bacharel em Teologia pastoral pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, de São Paulo (SP), Mestra em teologia sistemática pelo Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, de Belo Horizonte (MG), e especializada em Comunicação e Educação pela Universidade São Francisco, de Bragança Paulista (SP). Ministra cursos, palestras e oficinas de Ensino Religioso com educadores dos sistemas públicos e particulares de educação do País. E-mail: [email protected] Direcional Escolas, agosto/06 nacional e reconhece a necessidade de valorizá-la na educação para a cidadania, tornando obrigatório o Ensino Religioso durante o Ensino Fundamental, nos sistemas públicos de educação. 39 BULLYING Quando a escola é sofrimento O bullying não é um fenômeno novo. Nas escolas, sempre existiu o valentão pronto a humilhar o mais fraco. A violência, porém, tem ganhado contornos mais fortes e invadido até a internet. 40 menina boa aluna, que tira excelentes notas, gera ciúmes nas colegas. Espalham boatos sobre sua sexualidade, chamando-a de sapatão, e deixam a garota de lado, excluindo-a do grupo. O garoto de 5ª série, que não gosta de jogar futebol, é tímido e sensível e chora com facilidade, ganha da turma o apelido de “bicha”. Perseguido e humilhado no horário do recreio, passa a faltar às aulas com frequência e fica com aspecto triste e deprimido. Já um menino cursando a 3ª série sentia-se sozinho e abandonado. Buscou ajuda da direção escolar pois não suportava mais ser chamado de Gordo. Sem amigos, sentia-se rejeitado em decorrência de sua obesidade. O adolescente de 16 anos ganhou apelidos como Bob Esponja e Bom Bril por causa dos seus cabelos crespos e do seu jeito calado e tímido. Rejeitado, isolou-se da turma. Casos como esses são descritos no livro Fenômeno Bullying (Editora Verus), da educadora Cleo Fante. As histórias foram relatadas por educadores, alunos de diversos cursos ministrados por Cleo, inclusive de pós-graduação, e mostram que o bullying está mais perto de nós do que imaginamos. O termo se origina da palavra inglesa bully, ou valentão, tirano. Na forma de verbo, indica a ação de brutalizar, tiranizar, amedrontar. Nas últimas décadas, o bullying vem sendo alvo de pesquisas e estudos. No final de 1982, um fato causou grande divulgação nos meios de comunicação: o suicídio de três crianças, com idades entre 10 e 14 anos, no norte da Noruega. Segundo Cleo Fante, muito provavelmente o ato foi motivado pela situação de maus tratos a que eram submetidas pelos seus companheiros de escola. Dan Olweus, pesquisador da Universidade de Bergen, desenvolveu então os primeiros critérios para detectar o bullying, diferenciando-o de incidentes, gozações ou relações de brincadeiras entre iguais. Em seu estudo, Olweus constatou que a cada sete alunos, um estava envolvido em casos de bullying. No Brasil, uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia) em 2003, com 5875 alunos de 5ª a 8ª séries de escolas municipais do Rio de Janeiro, mostrou que 40,5% desses alunos admitiram estar envolvidos com bullying. O fenômeno vai além das brincadeiras comuns e aceitáveis entre crianças e jovens. Acontece com alunos de diversas faixas sociais e econômicas, principalmente envolvendo pré-adolescentes. O fato do bullying atingir um amplo leque de classes sócio-econômicas deve-se, conforme Cleo, principalmente aos modelos educativos que são introjetados pela criança, especialmente na primeira infância. “Crianças que têm como modelos educativos as diversas formas de maus-tratos e as explosões emocionais violentas tendem a reproduzilas na escola, contra seus colegas. Há ainda a exposição às inúmeras cenas de violência, deboche e indiferença apresentados na mídia e nos jogos de games”, avalia. Conforme Cleo, a idade média das vítimas está entre 11 e 12 anos. “Mas podemos encontrar o bullying em faixas etárias menores, lá pelos quatro anos”, adverte. “O bullying ocorre dentro e fora das escolas, ultrapassando os conflitos e brigas normais que ocorrem entre estudantes, com a característica de ser planejado, repetitivo e se constituir por atos de intimidação sobre indivíduos mais vulneráveis e incapazes de se defender, o que acarreta sérios problemas psicológicos, isolamento, marginalização e até mesmo suicídio”, constata a psicopedagoga Maria Irene Maluf, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), completando que a prática do bullying depende da existência de um núcleo problemático no qual não se desenvolveram positivamente as relações entre seus membros. O psicólogo do Ensino Médio do Colégio Santo Américo, Alexandre Trinca, afirma que a agressão do bullying é um comportamento manifesto relacionado a profundas questões psíquicas que são revertidas em uma agressividade direcionada ao outro. “Como um sintoma psíquico, não deveríamos compreender o bullying em decorrência de classes econômicas e sociais, pois ele pode ocorrer em qualquer ambiente onde haja convívio entre as pessoas”, diz. Por outro lado, Alexandre acredita que nossa sociedade, que valoriza o mais forte, o que detém o poder, é um campo fértil para a expressão do bullying. “Vivemos em uma cultura excludente, narcísica e extremamente competitiva. Um fenômeno baseado no estabelecimento do poder sobre o outro, como é o bullying, encontra um campo fértil para se expressar”, arremata. Como identificar o bullying Surge, então, uma questão importante para a escola: como identificar o bullying em meio às brincadeiras e atitudes próprias de crianças e adolescentes sem conseqüências mais sérias? Para ser considerado bullying, os maus tratos e humilhações devem ser repetitivos contra a mesma vítima, informa a pesquisadora Cleo Fante, e ocorrerem num período prolongado de tempo. “O professor deve saber o que é brincadeira, pois todos se divertem. Mas, quando vários se divertem às custas daqueles que sofrem, deixa de ter graça e se transforma em violência”, esclarece Cleo, que dirige o Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar (Cemeobes), entidade que tem como objetivo desenvolver estudos, pesquisas e material didático sobre o bullying. “Para uma atitude ser considerada bullying é necessário que sejam verificados alguns fatores: a sistematização e a continuidade do comportamento agressivo, bem como a relação desigual de poder entre o agressor e o alvo”, define o psicólogo Alexandre Trinca. Para Maria Irene Maluf, o que distingue o bullying das brincadeiras próprias do desenvolvimento infantil e juvenil é o fato de que, neste último caso, os comportamentos indesejados não são constantes e são esquecidos em pouco tempo, já que não afetam de forma profunda a auto-estima das vítimas. Conforme a psicopedagoga, cabe aos pais e à escola a tarefa de observarem com cuidado as crianças que apresentam crescente Direcional Escolas, agosto/06 A Ju Cavalheiro Direcional Escolas, junho/06 agosto/06 Por Luiza Oliva 41 BULLYING 42 Na luta contra o bullying, muitas escolas já estão levando o assunto para sala de aula com objetivos preventivos. O Colégio Santa Maria há três anos mantém um programa inserido na grade curricular, voltado contra o bullying. Os orientadores realizam com os alunos debates, análises de texto e até dramatizações. Segundo Selma Pietrocolla, orientadora da 7ª série do Santa Maria, nas dramatizações são utilizadas inclusive técnicas de psicodrama, com um estudante vivenciando a situação do outro. No Colégio Pueri Domus também é feito um projeto com alunos de 5ª a 8ª séries, visando melhorar as relações. “Levamos aos alunos de 7ª e 8ª séries a existência de casos graves, que acarretaram doenças, mudanças de escola e até suicídio das vítimas. Assim, eles ficam sabendo as conseqüências da prática do bullying e se conscientizam que o que parece divertido causa um grande mal ao outro”, conta a coordenadora pedagógica e educacional de 7ª e 8ª séries Leylah Carvalhaes. Os estudantes do Ensino Fundamental II divulgam suas pesquisas e conclusões para as turmas de 4ª série. O projeto já acontece há cerca de três anos no Pueri Domus. “É um trabalho de base. A escola deve tocar no assunto abertamente com seus alunos e não apenas por ser um tema da moda. Todos precisamos estar de olhos bem abertos, pois muitos sofrem o bullying calados. Não dá para pintar o cenário de cor-de-rosa e dizer que não acontece”, concordam Leylah e Rose Pugliesi, coordenadora pedagógica e educacional de 5ª e 6ª séries do colégio. Segundo as coordenadoras, tem sido decisivo para o sucesso do projeto no Pueri Domus o papel do professor tutor, responsável por questões de aprendizagem e de relacionamento. O tutor avalia como a classe se comporta fora da sala, se todos têm amigos com quem almoçar, por exemplo. Outra preocupação é que os grupos de estudos não sejam fixos, aproximando mais os alunos e evitando a criação de grupos fechados para a entrada de novos estudantes. “Fazemos um trabalho de valores preventivo. Um aluno tem direito a não ter empatia por outro mas não a desrespeitá-lo”, afirmam. Rejeições a algum aluno em sala de aula existem em toda escola. O bullying, porém, está extrapolando os limites físicos dos colégios e entrando na rede mundial de computadores. Não são raros os casos em que as humilhações e agressões a um colega invadem páginas da internet. Cleide Fernandes Ruy, psicóloga e coordenadora pedagógica do Colégio Magno, afirma que há dois anos a escola desenvolve projetos preventivos ao bullying. Este ano, porém, o colégio enriqueceu a discussão introduzindo a questão do chamado cyberbullying. “Ou seja, é a expressão do bullying por meio de recursos eletrônicos que, entre outras características, permite a agressão oculta sob o anonimato. É o caso das comunidades de orkuts, por exemplo, que muitas vezes servem como instrumento de perseguição”, conta. Uma das atividades elaboradas pelos alunos foi uma espécie de manual de ética dos orkuts. Mariluce Lourenço, diretora de curso de 1ª a 7ª séries do Colégio Augusto Laranja, concorda que, com a utilização da internet, o bullying está fugindo do alcance verbal e partindo para o registro escrito das agressões. “Com a internet, o bullying foge da classe e vai para o mundo. O fenômeno não é novo, só que agora temos um perfil mais apurado de quem sofre e de quem age. O novo é divulgar esse registro pela internet e a escola não pode ficar parada, assistindo isso acontecer”, atesta. Para Mariluce, o pré-adolescente não tem noção dos problemas que causa ao “zoar” um colega, colocando apelidos ou criando uma página na internet para perpetuar as agressões. No regimento interno do colégio foi, inclusive, inserida uma cláusula que aponta, entre os deveres do aluno, “não difamar alunos, professores e demais funcionários sobre qualquer pretexto e uso de qualquer forma de comunicação”. Num artigo específico, fica estabelecido que o representante legal do aluno é responsável por eventuais informações difamatórias, veiculadas por ele, por qualquer meio, inclusive internet. Seja qual for a forma de transmissão do bullying, Mariluce confirma que a escola deve agir rápido. “Devemos mostrar aos agressores, sempre agindo de maneira educacional, que eles não têm o direito de causar sofrimento a um aluno”, finaliza. receio de ir ao colégio, negando-se ou pedindo para serem sempre acompanhadas, e que demonstram baixa auto-estima, problemas de aprendizagem, perda freqüente de material escolar ou objetos pessoais, ou ainda que dão explicações pouco razoáveis para esses fatos, assim como para o aparecimento de ferimentos corporais e danos ao uniforme. “A violência escolar leva a vítima a se isolar ainda mais, sentir-se insegura e discriminada”, define Maria Irene. Para o psicólogo do Colégio Santo Américo, o bullying tem como característica ser um comportamento velado, que ocorre longe do olhar do adulto, tornando-se muito difícil identificá-lo. “Geralmente, o aluno-alvo se inibe, ou é inibido pelo grupo, em expor sua condição e não consegue dividir seu sofrimento com um adulto”, afirma. Trinca enumera alguns reflexos da vivência de bullying no alunoalvo que podem ser identificados pelos professores: surgimento de súbitos problemas de saúde, insucesso escolar, depressão, ansiedade e distúrbios de conduta. “O aluno-alvo pode se tornar calado e retraído, apresentando falta de concentração nas atividades. Pode ainda se sentir perturbado ou aflito antes da hora do intervalo e seus colegas não quererem se sentar perto dele”, completa. A escola deve ter muita cautela ao fazer qualquer diagnóstico, evitando julgamentos precipitados, concordam os especialistas. “O fato de o aluno apresentar tais sinais não quer dizer, necessariamente, que sofre bullying”, sustenta Trinca. Maria Irene Maluf constata que vítima e agressor precisam do apoio da escola, de suas famílias e da orientação de profissionais especializados. Segundo a psicopedagoga, as vítimas do bullying têm por característica pessoal a dificuldade de reagir. “Em geral, são escolhidas por seus agressores justamente por aparentar certa fragilidade, ansiedade, dificuldade de relacionamento com o grupo e termina por ter ainda maiores problemas com sua auto-estima, podendo vir a desenvolver depressão e apresentar baixo rendimento escolar”, aponta. O agressor normalmente também é alguém com problemas de insegurança, de relacionamento social, que aprendeu com adultos essa forma de resolver suas questões. “Frequentemente ele é vítima de rejeição, de pouco cuidado por parte de famílias desestruturadas, em que a agressão é o modelo usado para impor o poder. Torna-se um valentão na aparência, mas é uma criança ou jovem que precisa de assistência para conseguir se expressar e se relacionar de forma socialmente adequada”, diz a psicopedagoga. O simples fato de trocar a vítima do bullying de escola não significa que ela se verá livre do problema. “Aconselhamos tanto a escola quanto os pais a capacitar a criança para que se torne assertiva, ou seja, para que expresse os seus sentimentos, o que gosta ou não, como quer ser tratada pelos colegas, que trabalhe sua auto-estima e desenvolva seu processo de socialização. Se a criança não consegue se defender, ser assertiva e relacionar-se, em qualquer escola que vá, terá dificuldades”, acredita Cleo Fante. Em busca da prevenção do bullying e da resolução de conflitos que por acaso já existam na escola, é fundamental munir os professores de informações. Na opinião de Cleo, a escola deve primeiramente conscientizar seus profissionais para a relevância do bullying, depois capacitá-los a identificar, diagnosticar e encaminhar os casos de forma ética-profissional, além de desenvolver estratégias preventivas. “O professor pode se apropriar do tema por meio de palestras, grupos de estudo e de discussão sobre o assunto, de levantamento e identificação de casos e de elaboração de estratégias para lidar com o problema”, enumera Alexandre Trinca. Entre as sugestões de Alexandre aos professores estão aproximar os alunos do tema bullying através de aulas, palestras e dinâmicas apropriadas, proporcionar momentos reflexivos focalizando questões de relacionamento e criar um espaço aberto para a convivência com as diferenças. PARA MAIS INFORMAÇÕES Alexandre Trinca/Colégio Santo Américo [email protected] www.colegiosantoamerico.com.br Cleo Fante [email protected] www.bullying.pro.br Colégio Augusto Laranja [email protected] www.augustolaranja.com.br Colégio Magno [email protected] www.colmagno.com.br Colégio Pueri Domus [email protected] www.pueridomus.br Colégio Santa Maria [email protected] www.colsantamaria.com.br Maria Irene Maluf [email protected] Direcional Escolas, agosto/06 Direcional Escolas, junho/06 agosto/06 Nas escolas, prevenção 43 SALA DE AULA As sucatas como ponto de partida para a imaginação no processo educativo Por Érika Ratkevícius 44 ão transformamos sucatas em objetos úteis e bonitos da noite para o dia. Para tanto, um dos pontos principais para o início desse processo é a mudança de visão a respeito da antiga tradição popular de que sucata é lixo! Assim, devemos utilizar um novo conceito, no qual a sucata representa um rico material, acessível para todos diariamente e, além de tudo, barato. Hoje, aos poucos, temos uma onda que cresce cada vez mais em relação ao uso das sucatas não só na educação como no cotidiano das pessoas. Na educação, conquista uma ampla aceitação, pois quem se permite a chance de vivenciar a experiência da criação de jogos, brinquedos, enfeites, presentes etc. desenvolvidos a partir do material de sucata, adquire um olhar mais abrangente, plantando uma semente encantada, que crescerá e dará frutos até fazer uma conexão com todo o processo educacional. O ponto de partida para a imaginação pode, assim, iniciar por meio dessa semente que floresce e toma conta de todos os nossos cantinhos e prateleiras em sala de aula, tornando útil aquilo que, antes, iria para o lixo. O encanto que nasce ao manipular as sucatas e, a partir delas, criar algo diferente, é único, pois acabamos tendo a certeza de que valeu a pena tentar. Cada pessoa encontrará uma maneira de adaptar-se a essa nova onda, que irá jorrar muita água durante o ano e, certamente, ajudará a matar a sede e a ânsia de produção criativa das crianças e, principalmente, dos adultos, que muitas vezes se negam a tentar. Essa provocação positiva ficará marcada profundamente no professor e fará desabrochar a incrível característica da boa vontade e do desafio, que sempre nos faz experimentar e, acrescente-se, terá uma repercussão intensa no trabalho com os alunos e, sobretudo, na participação desse polêmico movimento que se está desencadeando e se espalhando nas escolas, interferindo diretamente na prática do educador, com muitas chances de prosperar enquanto estímulo e incentivo para todos. O trabalho com sucatas propicia um desenvolvimento gradativo de um conceito artístico construído pela própria criança, estimulada pela nova maneira de descobrir uma mesma idéia. As sucatas serão, a partir de agora, sempre bem vindas, desde que abordem a faixa etária adequada e sejam apresentadas de forma consistente, com variedade de materiais, técnicas e uma boa dose de entusiasmo. Elas não podem tornar-se apenas objetos ornamentais; devem, sim, possibilitar percepções e sensações estéticas, sonoras, visuais, plásticas, gestuais, sentimentais e até fantasias da turma. A sucata é, acima de tudo, de natureza lúdica, assim, responsável pelo aprimoramento das experiências vividas, favorecendo o exercício sensório-motor; portanto, cabe ao educador selecioná-las de acordo com o local, idade e intenção que se pretende atingir. Para finalizar, pode-se dizer que esse trabalho e suas dimensões requerem profissionais dispostos a construir e imaginar, bem como descobrir que o mundo que vivemos tem um motor muito potente que é acelerado num processo violentamente rápido, e as formas de expressão com as sucatas, com certeza, farão parte, muito em breve, da vida dos educadores. Érika Ratkevícius é Pedagoga, educadora especializada em Educação Infantil, atuante na rede pública municipal de ensino, com extensão em educação ambiental e políticas educacionais (USP); desenvolve oficinas periodicamente. Site: www.caee.com.br Direcional Escolas, agosto/06 Direcional Escolas, agosto/06 N 45 ESPAÇO INTERDISCIPLINAR e coragem de Nóc. Naquele momento, sentiu-se extremamente feliz e chorou de alegria. Além do agradecimento que recebeu das formigas, percebeu que se elas estavam do lado de fora de sua casa, tentando apagar o fogo, é porque de alguma forma ele era importante. Sentiu-se amado e querido percebendo os amigos que tinha na vila. Passado todo o problema referente àquela noite, como havia prometido, Zóz o ajudou na construção de uma nova casa, que ele dizia ter ficado linda, bem melhor que a antiga. Nóc, além de ganhar um novo lar, ganhou uma nova vida, pois passou a cumprimentar todos. Conversava, contava “causos” e procurava sempre estar disponível para ajudar e servir, mesmo que fosse apenas abrindo uma porta ou segurando uma sacola para uma formiga mais velha. Nóc nunca mais havia ficado sozinho e triste, dizia que se sentia útil e feliz naquele lugar. Percebeu que oferecendo amor também receberia. A inveja e a raiva se esvaíram mediante tantos sentimentos bons que agora estavam em seu coração. Nóc e Zóz se tornaram grandes amigos e viveram na vila felizes para sempre. Fim! Histórias que Encantam Crianças auto-estima precisa ser sempre polida para que a pessoa sinta-se capaz e consiga pequenas e grandes realizações em sua vida. A virtude é algo que aprendemos e que quando praticada nos dá uma sensação de prazer em viver. O amor, a amizade, a tolerância podem gerar paz interior. A raiva e a inveja são sentimentos humanos, que podem ser entendidos e trabalhados psicologicamente. Estes são temas abordados nesta edição, que traz a história de duas formiguinhas, uma feliz com práticas do bem, e a outra que passa por momentos de tristeza por sentir inveja e frustração no contato com as outras formigas. Vamos conhecer a história da Formiguinha Zóz. Direcional Escolas, agosto/06 Formiguinha Zóz 46 Era uma vez uma vila onde moravam muitas formiguinhas. Uma delas era Zóz, muito especial, inteligente e rápida. Sua mãe lhe deu uma correntinha com um pingente brilhante, e ao entregá-lo disse que era o símbolo do amor que ela tinha por ele. Toda vez que Zóz passava por algum tipo de problema, segurava por alguns instantes no pingente brilhante e sentia a presença de sua mãe, algo que a acalmava e o encorajava. Na vila todos gostavam de Zóz devido a bondade e a felicidade que transmitia. Zóz tinha um primo chamado Nóc, era muito tímido e quando alguém tentava conversar com ele, não dava atenção. Todos o achavam estranho por não querer se comunicar e compartilhar suas idéias. Como Zóz era bem quisto, Nóc sentia muita inveja e raiva, pois nunca ninguém havia dito a ele que pelo menos o achava agradável. Nóc sentia-se sozinho e triste, andava sempre com a cabeça baixa e não conseguia olhar nos olhos de alguém e dizer um belo bom dia, coisa que Zóz fazia todas as manhãs, quando passeava pelas ruas da vila. A vila tinha 379 anos, muito bonita, cheia de flores e árvores onde as formiguinhas buscavam sua alimentação. Todas trabalhavam muito, eram esforçadas e buscavam estar sempre unidas. Zóz participava de todas as aulas que eram ministradas pelo professor Bonji, um senhor que ensinava aos jovens como serem úteis aos outros. Nóc também participava das aulas, mas não acreditava que um dia poderia ajudar alguém. Numa tarde de sol brilhante, as formiguinhas da vila estavam cansadas do dia de trabalho, porém felizes, pois agora poderiam se reunir na praça e perto de uma fogueira contar histórias. Também poderiam se divertir com as piadas do Formigão, um velho engraçado que sempre se dispusera a animar a vila. Nem imaginavam que aquela tarde poderia ser fatal. Lá estavam elas, 35 formiguinhas amigas reunidas, dançando e cantando felizes, próximo à fogueira. Nóc não saía de casa quando havia festa na praça. Porém, ele não sabia que estavam festejando. Saiu e quando chegou ao centro da praça, levou um susto, pois todos estavam lá. Disse bem baixinho a si mesmo: “Não acredito! Uma festa na praça e eu estou aqui. Preciso ir embora.” Antes de partir ficou curioso e resolveu olhar o que estavam fazendo. Viu sorrisos, brincadeiras e dança. Nesse momento teve raiva de todos por não estar participando e por se sentir excluído. Pensou que a alegria delas deveria acabar rapidinho. Dizia a si mesmo, “já que não posso ser feliz, elas também não podem”. Enquanto todos dançavam, disfarçadamente se aproximou da fogueira e pegou um pouco de brasa sem ser percebido. Nóc pensou que colocando fogo na floresta chamaria a atenção das formigas, e que assim elas parariam de dançar e a festa acabaria. Nóc não contava com o vento que fez o fogo se alastrar pela floresta, indo em direção às casas. Em instantes as labaredas começaram a subir. Nóc abaixou a cabeça despedindo-se de boa parte da natureza de que tanto as formiguinhas precisavam para viver. Na vila as formiguinhas dançavam e, de repente, Zóz percebeu uma fumaça forte. Olhou e gritou: - Fogo, fogo na floresta! Todas as formiguinhas começaram a gritar. Zóz correu para ver o que estava acontecendo de perto. O fogo já tomava conta de boa parte da mata e se alastrava em direção a vila, coisa que Nóc não havia previsto que aconteceria. Zóz pediu para que as formigas lhe ajudassem a pegar baldes de água para apagar o fogo. Enquanto isso, Nóc começou a ficar apavorado, pois o fogo estava indo em direção à sua casa. Por segundos pensou em sua vida: concluiu que não tinha amigos, que ninguém gostava dele e que a única coisa que ainda lhe restava era a sua casinha. Sentou-se próximo a mesa de jantar, abaixou a cabeça como de costume e ficou esperando o fogo chegar. Dentro de si já havia tomado a decisão de ficar na casa, mesmo que ela se incendiasse. Pouco tempo depois, o fogo já cercava a casa de Nóc. A formiguinha mais rápida da vila, Zóz, não pensou duas vezes, pulou por sobre fogo e foi retirar Nóc da casa demonstrando muita coragem Sugestão de Atividades: Antigamente as pessoas sentavam-se em círculo para contarem histórias e com os mais diversos títulos, divertiam-se. O contador da história é quem dava emoção e vida e determinação. Nóc não queria sair de lá de jeito algum. Zóz, tentando convence-lo, disse que o ajudaria na construção de uma nova casa. O local ficou cada vez mais quente e o fogo já estava entrando no quarto, quando Zóz pegou Nóc a força, colocando-o nos ombros e saindo numa rapidez incrível. Nóc, ao visualizar o lado de fora, se espantou com a quantidade de formigas espalhadas ao redor da casa tentando apagar o fogo com alguns baldes de água. Em meio a todo aquele fogo, Zóz passou a mão no pescoço e não percebeu sua corrente. Procurou novamente, mas a correntinha havia se perdido, provavelmente no momento em que foi salvar Nóc. Assim, desesperado, pulou novamente por sobre o fogo que já havia avançado mais um pouco, na tentativa de encontrá-la. A fumaça cobria quase todas as partes da casa - Zóz não agüentou, desmaiando no centro da sala. Nóc, do lado de fora, se pôs a chorar, pois não acreditava que havia criado tão grande problema. A mãe de Zóz chegou e disse: - Não pode ser, Zóz está lá dentro. Nóc lembrou-se das aulas do professor Bonji e pensou que era a sua chance de ajudar alguém. Levantou a cabeça, enxugou as lágrimas que já salgavam sua boca e disse pela primeira vez em voz alta: - Vou ajudar. Bravamente Nóc correu o mais rápido que pôde, de forma que conseguisse entrar pela porta de trás da casa. Com muito esforço, rastejando pelo chão como uma forma de se livrar da fumaça, encontrou Zóz e o puxou para fora. Voltou ainda abaixado e, no meio da fumaça, encontrou a correntinha que brilhava. Saiu da casa e foi ao encontro de Zóz que já estava sendo atendido por formiguinhas médicas. Todos deram um viva à bravura aos personagens. Na escola, o professor pode utilizar-se desta forma, interpretando a história, garantindo a atenção dos alunos que podem ficar sentados em círculo. No término, poderá sugerir um teatrinho improvisado, com os personagens “Formiguinha Zóz e a sua prima Nóc”. Uma encenação rápida, no meio do círculo, com a parte da história em que Nóc vê a possibilidade de ajudar alguém e salva Zóz. Os demais alunos serão as formiguinhas que ajudarão apagar o fogo da casa de Nóc. Depois da encenação de todos, o professor poderá fazer perguntas ao grupo como: o que vocês acham que a formiguinha sentiu quando ajudou sua prima? O que será que Nóc sentiu ao ver que todos da vila estavam ajudando apagar o fogo de sua casa? Alguém aqui já sentiu que não era amado e depois percebeu o contrário? Quem já sentiu inveja, por que e como resolveu? O que vocês entendem sobre raiva? Como você se sente quando ajuda um amigo? Outras perguntas que o educador considere adequadas ao tema podem ser colocadas. Outra forma para trabalhar estas questões com as crianças é solicitar que as mesmas levem para a escola jornais, revistas e gibis e que façam colagens do que SENTIRAM ao ouvir a história, eliciando nas crianças a percepção de si mesmas e o auto-conhecimento. Depois, se quiserem poderão comentar sobre seus trabalhos. Dica: O professor não precisa preocupar-se com discursos para os alunos. Poderá usar poucas palavras, dando oportunidade para as crianças se expressarem, permitindo que explorem seus próprios pensamentos e sentimentos de forma clara e construtiva. Viviane Scarpelo Comin. CRP: 06/75424. Psicóloga Clínica, Hipnoterapeuta e Orientadora Vocacional. Atendimento a crianças, adolescentes, casais e famílias. Site: www.delphospsicologia.com.br E-mail: [email protected] Direcional Escolas, agosto/06 A Por Viviane Scarpelo Comin Ilustração: Eklisleno Ximenes 47 LANÇAMENTOS Fotos: Divulgação Para melhorar a escola Orientação profissional Livro: Tecnologias para Transformar a Educação Autor: Juana Maria Sancho e Fernando Hernández Editora: Artmed Preço: R$ 38,00 Livro: Orientação profissional – Uma experiência psicodramática Autor: Lucila Camargo Editora: Ágora Preço: R$ 28,90 Páginas: 152 Páginas: 200 Direcional Escolas, agosto/06 Juana Maria Sancho e Fernando Hernández são professores da Universidade de Barcelona conhecidos no Brasil devido às inúmeras participações em congressos e consultorias na formação docente. O lançamento da Artmed reúne textos da dupla e de outros autores espanhóis. A obra engloba um conjunto de saberes, ferramentas e formas de fazer que são subsídios valiosos para se repensar e melhorar o ensino, dando atenção particular ao papel das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na educação e sua influência na configuração da escola do amanhã. 48 Lucila Camargo é jornalista, educadora, psicodramatista e especialista em orientação profissional. Ela sugere o psicodrama como proposta para a orientação vocacional. Lucila desenvolveu uma metodologia que valoriza a flexibilidade, a sensibilidade e o autoconhecimento. “Aliado à disposição do jovem em descobrir-se, o programa favorece o despertar dos talentos individuais”, afirma. O psicodrama surge como ferramenta para que os jovens percebam suas aptidões e identifiquem os sinais que os conduzirão a uma carreira profissional satisfatória. Discutindo Paulo Freire O mundo do tamanho da imaginação Livro: Conceitos de educação em Paulo Freire Autor: Maria Lucia Marcondes Carvalho Vasconcelos e Regina Helena Pires de Brito Editora: Vozes Preço: R$ 25,00 Páginas: 198 Livro: A Menina que inventou o branco-invisível Autor: José Carlos Aragão Editora: Paulinas Preço: R$19,80 Páginas: 40 Conceitos de educação em Paulo Freire é um instrumento prático de acesso aos textos do educador. Não deixa de ser uma homenagem a Paulo Freire, mas acima de tudo é um manual baseado em conhecimentos adquiridos por ele. O livro pretende, sobretudo, ser um provocador de discussões e dar voz às supostas indagações que surgem quando Freire é lido. A menina do livro tinha duas broncas: morar em apartamento e não ter um bichinho de estimação. A menina que vivia no mundinho pequeno de um apartamento criou na sua imaginação um companheiro perfeito. E assim nasceu um elefante brancoinvisível, que ninguém via. A história ensina às crianças e relembra aos adultos como lidar com as limitações impostas pela vida: se não dá para vencê-las, drible-as com boas idéias, usando a imaginação. Laço duradouro Festa popular Livro: Pais ocupados, filhos distantes – Investindo no relacionamento Autor: Gordon Neufeld e Gabor Mate Editora: Melhoramentos Preço: R$ 39,00 Páginas: 400 Livro: O Congo vem aí! Autor: Sérgio Capparelli Editora: Global Preço: R$25,00 Páginas: 24 Gordon Neufeld, psicólogo clínico, e Gabor Mate, médico, ambos canadenses, definem que a criação dos filhos nada mais é do que fomentar um bom relacionamento. O foco principal do livro não é mostrar aos pais o que eles devem fazer para seus filhos, mas sim quem eles devem ser para eles. Os autores oferecem um programa para a criação de um laço duradouro com os filhos e um auxílio visando preveni-los para que o mundo dos pares (os amigos do colégio, os colegas do bairro, os ídolos, entre outros), não os seduza. O premiado autor Sérgio Capparelli (já ganhou cinco vezes o Prêmio Jabuti) mostra, neste livro, a tradição da Congada, de origem africana, que ainda hoje sobrevive principalmente no Sul de Minas, Nordeste de São Paulo e interior de Goiás. A festa é dedicada a Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito e esperada com ansiedade pelos moradores. Carlos Eduardo Cinelli e Warley Goulart utilizaram nas ilustrações desenhos recortados em tecidos das mais variadas cores e texturas, montagem de cena e fotografia. Revolução da educação Poemas musicados Livro: Amigos do Peito Autor: Cláudio Thebas Editora: Formato Preço: R$29,90 Páginas: 28 Amigos do Peito chega à sua 15ª edição e traz um CD de áudio com os poemas musicados. Ilustrado por Eva Furnari, o livro de poemas conta a história de um menino e a sua rotina durante um dia inteiro, desde a hora que ele se levanta, até suas atividades na escola, brincadeiras, o almoço e o banho, com muito bom humor e criatividade. A obra recebeu o prêmio da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil (FNLIJ) de Altamente Recomendável para Crianças na categoria poesia em 1996. Livro: Por uma Escola inteligente Autor: Cassiano Zeferino de Carvalho Neto Editora: IGGE Preço: R$35,00 Páginas: 128 O autor é defensor de uma pedagogia vivencial, onde o estudante vivencie situações, construa conhecimentos e crie novas soluções. Defende também a idéia de que o professor precisa repensar seu papel e seus métodos de ensino. A escola inteligente proposta na obra tem conotação de inovação, vivência e autoria, capaz de provocar a tão esperada revolução da Educação. O livro pode ser encomendado na Livraria Cortez: [email protected] . Educação nutricional Livro: Brincando com os alimentos Autor: Juliana de Almeida Queiróz Parra e Julliana Augusto Sanches Bonato Editora: Metha Preço: R$ 59,00 Páginas: 76 O livro transmite às crianças em idade pré-escolar, com recursos lúdicos, conhecimentos básicos sobre alimentação. Através da educação nutricional, as autoras buscam despertar na criança o prazer de se alimentar e a consciência de que uma boa alimentação pode proporcionar benefícios presentes e futuros. Direcional Escolas, agosto/06 Conheça alguns dos mais recentes lançamentos de literatura infanto-juvenil e de livros voltados à educação. 49 AGENDA II WORKSHOP - A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA EMBASADA NA TEORIA SISTÊMICA II CONGRESSO DE EDUCAÇÃO INFANTIL SEDIN / 2006 Data: 26 de Agosto de 2006. Realização: ABPP– Associação Brasileira de Psicopedagogia Informações: (11) 3085-2716 www.abpp.com.br [email protected] Educadores da Infância: Cientistas da Prática rumo à Profissionalização DATA: 25 a 27 de Outubro de 2006. Local: Anhembi - São Paulo Realização: SEDIN - Sindicato dos Trab. em Estab. de Educação Infantil Informações: (11) 3258 3878 www.sedin.com.br [email protected] VII BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DO CEARÁ Data: 18 a 27/08/2006 Local: Centro de Convenções – Fortaleza – CE Realização: RPS Feiras Informações: (11) 3333-7878 www.rpsfeiras.com.br X CONGRESSO E FEIRA DE EDUCAÇÃO SABER 2006 Data: 01 a 03 de Setembro de 2006 Local: ITM EXPO – SP. Av Eng Roberto Zuccolo, 555 Realização: SIEEESP Informações: (11) 5583 5500 www.feirasaber.com.br [email protected] CONGRESSO CONHECER 2006 ES Data: 01 a 03 de Setembro de 2006. Local: SESC Praia Formosa - Aracruz – ES. Realização: Máxima Eventos Contato: (27) 3339-5984 www.maxima.art.br FENALBA 2006 - V FEIRA NACIONAL DO LIVRO DA BAIXADA SANTISTA CONECTAINTELIGÊNCIA – CONGRESSO INTERNACIONAL DE ENSINO E APRENDIZAGEM SALÃO DA EDUCAÇÃO DA BAIXADA SANTISTA Direcional Escolas, agosto/06 DATA: 5 a 8 de Outubro de 2006 LOCAL: Mendes Convention Center – Santos – SP. REALIZAÇÃO: Grupo Promofair INFORMAÇÕES: www.promofair.com.br 50 VII CONGRESSO DE PSICOPEDAGOGIA III CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE PSICOPEDAGOGIA I CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO DE PSICOPEDAGOGIA X ENCONTRO BRASILEIRO DE PSICOPEDAGOGOS II EXPO PSICOPED Data: 12 a 15 de Outubro de 2006. Local: Universidade São Judas Tadeu – Mooca – SP. Realização: ABPP – Associação Brasileira de Psicopedagogia Contato: (11) 3361-3056 www.abpp.com.br II LITERAMERICA – FEIRA SUL-AMERICANA DO LIVRO Data: 16 a 24/09/2006 Local: Centro de Eventos do Pantanal – Cuaiabá – MT Realização: Governo do Estado do Mato Grosso Contato: (65) 3613-9211 www.literamericana.com.br X FEIRA PAN-AMAZÔNICA DO LIVRO Data: 15 a 24/09/2006 Local: Centro de Convenções Júlio César – Belém – PA Realização: RPS Feiras Contato: (11) 3333-7878 www.rpsfeiras.com.br CURSOS COMO TRANSFORMAR MATERIAIS ECOLÓGICOS EM MATERIAL PEDAGÓGICO Profissional: Laedir Aparecido Antonio Data: 12/08/2006 das 09 às 15 horas Público Alvo: Professores de Educação Infantil e Fundamental e demais interessados REALIZAÇÃO: CAEE – Centro de Atendimento a Empresas e Escolas INFORMAÇÕES: (11) 5532-1512 - FAX (11) 5049-3317 www.caee.com.br [email protected] CONFECÇÃO DE INSTRUMENTOS MUSICAIS COM SUCATA E BANDINHA RÍTMICA Profissional – Leila Maria Grillo Data: 19/08/2006 das 09 às 15 horas Público Alvo: Professores de educação infantil e fundamental I, professores de educação artística, pedagogos alunos de pedagogia e recreacionistas. REALIZAÇÃO: CAEE – Centro de Atendimento a Empresas e Escolas INFORMAÇÕES: (11) 5532-1512 - FAX (11) 5049-3317 www.caee.com.br [email protected] COMO ENSINAR CIÊNCIAS UTILIZANDO SUCATA Profissional - Hernani Facundo Leite Data: 26/08/2006 das 09 às 15 horas Público Alvo: Professores de ensino fundamental I, ensino fundamental II, coordenadores pedagógicos, orientadores REALIZAÇÃO: CAEE – Centro de Atendimento a Empresas e Escolas INFORMAÇÕES: (11) 5532-1512 - FAX (11) 5049-3317 www.caee.com.br [email protected] 52 Direcional Escolas, agosto/06