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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE
FACULDADE DE CIÊNCIAS, EDUCAÇÃO E LETRAS – FACE
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
TÁSSIO SIMÕES OLIVEIRA
O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DO EMIGRANTE
VALADARENSE NOS EUA
GOVERNADOR VALADARES – MG
2009
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TÁSSIO SIMÕES OLIVEIRA
O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DO EMIGRANTE
VALADARENSE NOS EUA
Monografia apresentada ao Curso de Ciências
Sociais da Faculdade de Ciências, Educação e
Letras (FACE), da Universidade Vale do Rio
Doce, como pré-requisito parcial à obtenção do
título Licenciatura em Ciências Sociais.
Profª. Orientadora: Drª. Sueli Siqueira.
GOVERNADOR VALADARES – MG
2009
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TÁSSIO SIMÕES OLIVEIRA
O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DO EMIGRANTE VALADARENSE
NOS EUA
Monografia apresentada ao Curso de Ciências
Sociais da Faculdade de Ciências, Educação e
Letras (FACE), da Universidade Vale do Rio
Doce, como pré-requisito parcial à obtenção do
título Licenciatura em Ciências Sociais.
Governador Valadares,____de_______________de______.
Banca Examinadora
Pofª. Drª. Sueli Siqueira – Orientadora
Universidade Vale do Rio Doce
Profª. Msª. Cristina Salles Caetano
Universidade Vale do Rio Doce
Profª. Msª. Devani Tomaz Domingues
Prefeitura Municipal de Governador Valadares
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RESUMO
O fenômeno migratório na região de Governador Valadares tem início na década de 1960, a
partir da exploração do minério de ferro e a reforma da ferrovia vitória-minas. Posteriormente
nas décadas subseqüentes tal fluxo se intensifica e com isso surge uma série de redes sociais
que agem no sentido de fortalecer e embasar tal fenômeno. Tendo ciência das implicações que
surgem a partir de todo o processo que envolve o ato de emigrar, esta presente monografia se
levanta com a preocupação de entender como se processa a formação identitária dos
emigrantes valadarenses nos EUA. Nesse sentido entende-se que a formação da identidade do
emigrante nos EUA passa por um processo onde sua cultura e seus valores tendem a ser
preservados, mas sofrendo certas influências da cultura local. Tal monografia utiliza de um
conceito de Merton (1979) “ambivalência social” para fazer uma análise da perspectiva da
formação da identidade do emigrante e suas negociações, através dos papéis e status sociais,
onde estão inseridos. Daí surge outra série de implicações e processos que influenciam na
formação da identidade desse emigrante, como, por exemplo, o processo de estereotipação.
Os filhos de emigrantes, entendidos como emigrantes de segunda geração também participam
desse processo ativamente, onde a partir da análise das questões chega-se a conclusão, que
esses emigrantes de segunda geração tendem a desenvolver uma identidade híbrida,
multifacetada, com aspectos relativos à cultura de seus pais e aspectos relativos à cultura
local.
Palavras-chave: migração internacional, redes sociais, formação identitária, ambivalência
social, cultura híbrida.
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ABSTRACT
The migratory phenomenon in Governador Valadares region has beginning in 1960 decade,
from the exploration of the iron ore and the reform of the railroad vitória-minas. Later in the
subsequent decades such flow gets intensified and so comes out series of social nets that act in
the direction to fortify and to base such phenomenon. Having science of the implications that
appear from all the process that involves the act of emigrating, this present monograph has the
concern of understanding the process of identify formation of the valadarenses emigrants in
U.S.A. In this direction one understands that the formation of the identity of the emigrant in
U.S.A. passes for a process where its culture and its values tend to be preserved, but suffering
certain influences from the local culture. Such monograph uses of a concept of Merton (1979)
“social ambivalence” to make an analysis of the perspective of the formation of the identity of
the emigrant and its negotiations, through the social papers and statuses, where they are
inserted. So appears another series of implications and processes that influence in the
formation of the identity of this emigrant, as, for example, the generalization process. The
children of emigrants, took as emigrants of second generation also participate of this process
actively, and from the analysis of the questions can be concluded, that these emigrants of
second generation tend to develop a hybrid, multifaceted identity, with aspects relatives to the
culture of its parents and aspects relatives to the local culture.
Word-key: international migration, social networks, identity formation, social ambivalence,
hybrid culture.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................8
O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DO EMIGRANTE NOS
EUA..........................................................................................................................................12
1.0 AS PRINCIPAIS TEORIAS SOBRE AS MIGRAÇÕES
INTERNACIONAIS...............................................................................................................12
2.0 O PROCESSO DE FORMAÇÃO IDENTITÁRIO DO EMIGRANTE DE
PRIMEIRA GERAÇÃO.........................................................................................................16
2.1 O PROCESSO DE FORMAÇÃO IDENTITÁRIO DE
EMIGRANTES DE SEGUNDAGERAÇÃO (FILHOS DE EMIGRANTES
BRASILEIROS NOS EUA).....................................................................................................21
3.0 CENÁRIOS DE DIVULGAÇÃO E IMAGEM
DO BRASIL.............................................................................................................................26
4.0 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NA PERSPECTIVA TEÓRICA
SOCIOLÓGICA......................................................................................................................32
CONCLUSÃO.........................................................................................................................42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................47
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INTRODUÇÃO
Essa monografia versará sobre a formação da identidade do grupo de emigrantes
valadarenses nos EUA. Entender como se processa tal fenômeno é o principal fundamento
que norteia tal estudo.
Historicamente a cidade de Governador Valadares tem experiência migratória, seja
porque se situa em ponto estratégico no país, tendo várias BR’s que a cruza, dessa forma atrai
migrantes que passando pela cidade decidem ali ficar, como também com o passar do tempo a
cidade de Governador Valadares passou a exportar emigrantes para vários países do mundo,
principalmente os EUA.
Os primeiros emigrantes de Governador Valadares para os EUA emigraram no ano de
1964, eram três jovens que pertenciam à classe média valadarense, de lá pra cá o fluxo de
emigração se intensificou com a criação de redes sociais que foram fomentadas a partir desses
jovens (SIQUEIRA, 2008). Para entender como esse processo se fez, é necessário entender
um contexto de relações mais amplas, uma relação de uma rede transnacional.
Esses jovens emigraram, não por necessidades econômicas e sim, segundo Siqueira
(2008), com o objetivo de conhecerem uma nova cultura, uma nova aventura, e esse desejo de
conhecer a “América” foi fomentado pelos relatos de um intercambista que estudou na única
escola de inglês que existia em Governador Valadares na época, criada por um casal de
estadunidenses, a família Simpson.
Segundo essa mesma pesquisadora, a partir desses primeiros emigrantes, a rede foi se
ampliando, outros valadarenses começaram a imigrar, tendo como apoio esses três primeiros
rapazes que arranjando empregos, emprestando dinheiro, moradia no início da empreitada da
aventura da imigração. Essa rede foi se ampliando e ganhou tal configuração como pode se
perceber atualmente.
Mas para entender como se processou a relação EUA – Governador Valadares é
necessário fazer uma análise das relações político-econômicas da época.
Nos anos de 1942 Brasil e EUA assinam um acordo com o objetivo de unir os países
da América Latina pensando já na guerra dos aliados (SIQUEIRA, 2008). Com isso, devido
esse acordo o Brasil teria que aumentar sua produção de minério de ferro, pois, era na
Alemanha que a maiores jazidas de tal minério se concentravam. Na região de Itabira em MG
existia uma grande concentração desse minério que era transportada pela estrada de ferro
Vitória-Minas.
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Nesse mesmo ano foi criada pelo Governo Federal Brasileiro a Companhia Vale do
Rio Doce (CAMPOS, 2006 apud SIQUEIRA, 2008), já com o objetivo de suprir uma maior
demanda de produção de minério de ferro. Com todo esse processo, era necessário reforma a
estrada de ferro Vitória-Minas, com isso uma empresa estadunidense foi contratada para fazer
o serviço e ficou sediada no Brasil na cidade de Governador Valadares.
Nesse sentido, a cidade de Governador Valadares começa a se tornar uma cidade pólo
na região, tendo em vista sua localização geográfica já lhe garantia posição estratégica, pois
várias rodovias que cruzam o país passavam por ela, e com esse novo processo, a cidade
passava a atrair novos trabalhadores.
Com a intensificação da exploração do minério de ferro e da mica na região, doenças
como a malária dificultavam a produtividade dos trabalhadores, nesse sentido foi instituído o
Programa Rio Doce nas cidades por onde passava a estrada de ferro (Governador Valadares,
Aimorés e Colatina) e criado o SESP (Serviço Especial de Saúde Pública) em Governador
Valadares. Para a população essas melhorias foram associadas à presença estadunidense nesta
cidade (VILARINO, 2008 apud SIQUEIRA, 2008).
A economia valadarense nesse período foi dinamizada o crescimento econômico da
cidade era sensível aos olhos da população, a estrada de ferro estava sendo reformada e a
exploração da mica tinha em Governador Valadares seus principais centros de
beneficiamento, sendo assim, os moradores da época associavam as melhorias de condições
de vida, maior circulação de dinheiro na região – em especial na cidade de Governador
Valadares – à presença norte-americana na cidade (SIQUEIRA, 2008).
Com o final das obras e da exploração da mica na região a cidade de Governador
Valadares sofreu uma forte retração na sua economia, os estadunidenses que aqui aportaram
foram embora, porém, uma família permaneceu nesta cidade, a família Simpson (SIQUEIRA,
2008).
Esta família era composta por Richard Simpson e Dona Geraldina sua esposa e seus
filhos que já nasceram na cidade de Governador Valadares, Richard Simpson foi o engenheiro
responsável pela reforma da estrada de ferro Vitória-Minas. (SIQUEIRA, 2008).
Esse casal, não só fundou a escola de inglês IBEU como também foi um dos
fundadores do Rotary Club da cidade, essas duas instituições segundo Siqueira (2008) foram
extremamente importantes no sentido da constituição das redes que possibilitaram o fluxo
migratório, porém, tal constituição se faz dentro de um processo que envolve um conjunto de
fatores históricos, culturais, sociais, políticos e econômicos.
Nos relatos e cartas, segundo Siqueira (SIQUEIRA, 2008) do intercambista que havia
estudado no IBEU, foi um fato preponderante para a decisão dos primeiro jovens a imigrar
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para o EUA. A imprensa noticiava de forma positiva a “aventura” vivida por esses primeiros
emigrantes na década de 1960. A escola de inglês IBEU foi extremamente importante, pois,
os intercambistas forneciam informações mais concretas sobre a sociedade estadunidense.
Ao longo dos anos de 1960 a 1980 essa rede foi se consolidando. O fenômeno da
imigração perpassa por vários fatores, existe atualmente uma série de instrumentos legais e
principalmente ilegais que atuam no sentido de promover tal fenômeno.
Agências de turismo que programam as viagens, idas ao consulado, dão todo o apoio
necessário legal para tal empreitada, como também existem falsificadores de passaportes, os
“cônsul” que organizam a travessia ilegal pelo México (atualmente essa via tem sido menos
utilizada, devida à alta fiscalização), as relações estabelecidas com os parentes que estão no
exterior, o envio de remessas de dinheiro, tudo isso compõe a “cultura da imigração”. Sendo
entendida essa cultura da imigração como todos os instrumentos, tanto materiais como
psicológicos, que ajudam a criar no imaginário da população valadarense o mito da migração.
É exatamente nesse sentido que a “cultura da imigração” vai influenciar na formação
do processo de identidade, tanto do emigrante, como da população da cidade de Governador
Valadares, mitificação de uma cidade internacionalizada (ASSIS, 1993).
Tendo ciência das implicações econômicas, históricas, políticas e culturais que tal
fenômeno implica este estudo se levanta como uma fonte no entendimento da formação da
identidade dos emigrantes que aportam em um país alheio. Essa identidade que se forma tem
uma determinada face em um contexto transnacional, na verdade não é só uma face que se
forma em tal contexto e sim uma face com múltiplas formas. E desvendar as características, as
sínteses de tal processo é a preocupação mor de tal estudo.
A metodologia que norteará tal monografia é estritamente teórico-bibliográfica, será
feita uma leitura e revisão de textos de autores importantes sobre o assunto objetivando
responder a questão central deste estudo, ou seja, como se configura, e quais são as principais
características do processo de formação de identidade do emigrante valadarense nos EUA?
A presente monografia será dividida em quatro itens:
No primeiro item, “Principais Teorias Sobre As Migrações Internacionais” será
discutida de forma breve as principais teorias internacionais sobre o fenômeno da imigração,
seus principais autores e críticas cabíveis a cada vertente;
No segundo item, “O processo de formação identitário do emigrante de primeira
geração”, será discutido como se sintetiza a formação de identidade do emigrante de primeira
geração e suas principais características, sendo definidos aí os vínculos formados entre esse
emigrante e sua terra natal, as novas redefinições do processo de expectativa temporal e as
principais implicações dessas questões;
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Ainda no segundo item que se subdivide em “O processo de formação identitário de
emigrantes de segunda geração (filhos de emigrantes brasileiros nos EUA)”, será discutido
quais as implicações sofrem os filhos dos emigrantes brasileiros nos EUA, perante o processo
de formação de identidade étnica que gira em torno mais da biculturalidade;
No terceiro item, “Cenários de divulgação e imagem do Brasil” será feita uma
descrição e discussão dos ambientes mais propícios onde são divulgadas a imagem do Brasil e
conseqüentemente onde o emigrante brasileiro participa com o objetivo de se sentir mais
próximo de sua terra natal, podendo assim estimular seu “senso” de brasilidade;
E no quarto e último item “A Construção da Identidade na Perspectiva Teórica
Sociológica”, será feita uma análise mais aprofundada de fato como se processa a formação
da identidade do emigrante brasileiro nos EUA, utilizando o conceito de “ambivalência
sociológica” (MERTON, 1979) forjado por Roberto King Merton.
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O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DO EMIGRANTE NOS EUA
1.0 AS PRINCIPAIS TEORIAS SOBRE AS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS
Existem várias linhas de pensamento que se debruçam sobre a questão da migração,
esta monografia utilizará na análise de tal questão a abordagem que privilegia as redes sociais
como sendo aquela teoria que melhor explica tal fenômeno, porém fazendo algumas
considerações.
Mas para situar contextualmente tal fenômeno e como se dá o processo de formação
de identidade do emigrante se faz necessário fazer uma síntese das mais importantes teorias
que abordam a questão da migração, pois, nenhuma delas por si só explica por completo todas
as especificidades de tal fenômeno.
A migração é um fenômeno antigo, pode-se considerar sua existência, desde os
primórdios da civilização, porém, este tema tem-se levantado como preocupação sociológica
há muito pouco tempo. Os clássicos, Karl Marx, Max Weber e Èmile Durkheim analisavam
tal questão como sendo uma simples conseqüência do processo de desenvolvimento do
capitalismo, sendo apenas umas das várias outras conseqüências deste processo, mas cada um
ao seu modo (ASSIS & SASAKI, 2000).
Do mesmo modo desde o séc. XIX até início do séc. XX o fenômeno da imigração não
era tido como principal preocupação dos teóricos da época, já que esse processo também era
entendido como conseqüências do processo de urbanização e metropilização.
A partir dessa época dois autores americanos Thomas & Znanieck (1918) deram uma
maior importância ao assunto. Esses dois autores fizeram um estudo baseado em um grande
número de emigrantes poloneses que se dirigiram aos EUA, esse estudo centrava sua análise
na quebra dos laços de solidariedade e as conseqüências geradas no âmbito familiar
(THOMAS & ZNANIECK, 1918 apud ASSIS & SASAKI, 2000).
Influenciados, pelos estudos desenvolvidos por Thomas & Znanieck, os autores da
Escola de Chicago desenvolveram uma teoria que se baseava na completa assimilação e
aculturação dos novos emigrantes que chegavam aos EUA. Segundo a Escola de Chicago os
grupos emigrantes sofriam um processo de assimilação e aculturação estrutural, porém
mantendo seus valores e modos de vida. A grande crítica que se faz a esse modelo teórico é o
fato que não se considerava as diferenças entre os processos de colonização imperialista e
colonialista, que influenciava diretamente a migração. Sendo assim, cada vez mais esses
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grupos se transformavam em grupos étnicos, afirmando suas identidades (ASSIS & SASAKI,
2000).
Outra escola importante para o desenvolvimento da teoria da imigração é a
Neoclássica. Segundo o pensamento dos autores neoclássicos, os fatores que influenciam a
migração são aqueles de repulsão nos países de origem do migrante e os fatores de atração
nos países receptores, que se traduz mais diretamente nas ofertas de trabalho e melhores
salários oferecidos nos países receptores (diferenças entre as taxas salariais entre países). Ou
seja, o fator que induz a migração é o mercado de trabalho, sendo assim, o emigrante nesse
contexto faz um cálculo dos custos e benefícios (sociais, psicológicos, materiais) do ato de
imigrar, nesse sentido a imigração é entendida como simples somatórias de indivíduos que se
direcionam aos melhores mercados de trabalho (renda) (HARRIS & TODARO, 1970 apud
ASSIS & SASAKI, 2000).
Várias críticas são feitas a essa teoria, a principal reza sobre o fato de que essa é uma
análise individualista, sendo assim reduz o campo de análise. Também se observa que
historicamente os fluxos de trabalhadores dos países tidos como desenvolvidos são maiores
do que os fluxos daqueles países subdesenvolvidos (SIQUEIRA, 2006).
Portes (1995) também critica tal teoria partindo do conceito de Weber sobre ação
social, ou seja, segundo Portes os indivíduos além de fazer uma cálculo dos custos e
benefícios individualmente, também levam em consideração os princípios estabelecidos por
Weber no sentido da reciprocidade da ação social. Ou seja, em outras palavras, os emigrantes
buscam uma ação racional socialmente orientada buscando preencher os requisitos forjados
pela sociedade. Nesse sentido os emigrantes são entendidos como parte de grupos étnicos e
integrantes de estruturas sociais que afetam os demais membros (ASSIS & SASAKI, 2000).
Um outro grupo de autores, conhecido como “novos economistas”, também lançam
suas críticas à teoria neoclássica. Segundo Massey (MASSEY, 1997 apud ASSIS & SASAKI,
2000), a unidade de estudo mais adequada é a família ou domicílios, pois, o fator que
realmente influencia a migração não é a diferença de renda entre os países e sim um conjunto
de redes sociais e relações que se estruturam tanto nos países de origem e destino da
migração, e a família é um desses elos que estruturam tais redes.
Outra linha de estudo interessante sobre a imigração é a histórico-estrutural, tendo
duas vertentes. A primeira é a teoria da segmentação do mercado de trabalho, representada
por Michael Piore (PIORE, 1979 apud ASSIS & SASAKI, 2000) e Alejandro Portes
(PORTES, 1981 apud ASSIS & SASAKI, 2000) principalmente, segundo essa vertente, os
trabalhadores nativos dos países que recebem os emigrantes não aceitam desempenhar
funções em trabalhos mal remunerados e condições ruins, sendo assim, os emigrantes entram
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nesse mercado de trabalho sem competir com os trabalhadores nativos, pois, estes são
protegidos pelas organizações trabalhistas e sindicatos (ASSIS & SASAKI, 2000).
Dessa forma haveria uma complementaridade entre os trabalhadores nativos e os
trabalhadores emigrantes, pois, os dois grupos preencheriam demandas diferentes do mercado
de trabalho, o mercado primário e o mercado secundário, onde o mercado primário se
caracteriza por trabalhadores com alta qualificação, melhores salários e possibilidade de
ascensão social, nas grandes empresas, sendo assim o trabalhador emigrante quase não tem
nenhuma chance de ocupar algum cargo nesse mercado, devido a fragilidade de sua situação
em um país estrangeiro. O mercado secundário se caracteriza por oferecer salários baixos, não
precisar de alta qualificação o trabalhador, não há possibilidade de ascensão e nenhuma
proteção das leis trabalhistas, e é para esse setor que se destinam os trabalhadores emigrantes
(ASSIS & SASAKI, 2000).
A segunda vertente da linha histórico-estrutural é a do capital humano, defendida
principalmente por Sassen (SASSEN, 1988 apud ASSIS & SASAKI, 2000), sendo o trânsito
do capital como principal incentivo à migração. Segundo essa linha de pensamento, os
emigrantes ao utilizarem os serviços do walfare state dos EUA, penalizam as receitas dos
estados onde esses se concentram, ainda competem com os trabalhadores nativos pelos
empregos em que ocupam e rebaixam os salários. Sendo assim, os autores dessa linha
acreditam que se deveria incentivar a migração de trabalhadores de maior qualificação com o
objetivo de garantir melhores salários e garantia de um sistema econômico mais produtivo.
(ASSIS & SASAKI, 2000).
Como já foi dito anteriormente a presente monografia irá priorizar, para o maior
entendimento e compreensão de todo o processo que envolve a imigração, a análise das redes
sociais. De uma forma geral, podemos entender redes sociais como um conjunto de relações
que tem como objetivo facilitar e viabilizar o próprio ato de migrar. (SOARES, 2003).
Nesse sentido, as redes sociais se revelam sob a forma de laços de amizade, de
parentesco, de trabalho e informais que se inter-relacionam mutuamente, pessoas organizadas
em prol de um objetivo que é garantir a possibilidade e a viabilização do projeto de emigrar.
Dentro desse viés o fenômeno “migração” é entendido como um processo social que tem certa
mobilidade, as redes são transferidas ou transportadas tendo como base a própria migração
(SOARES, 2003).
Também pode ser entendido como um dos componentes dessa teia, emaranhado de
relações, a criação de meios mais concretos que auxiliam todo o processo, como, por
exemplo, os mecanismos ilegais, através das agências, falsificação de passaportes e
documentos necessários para todo o processo, o auxílio pelos primeiros emigrantes aos mais
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recentes através de informações, moradia no início da aventura de emigrar, arranjos de
empregos, ou seja, todo o suporte inicial necessário (SIQUEIRA, 2006).
Outro aspecto que se faz importante constatar é o fato de que há a formação, baseado
em todo esse processo, de uma ponte ou laços que se configuram entre os dois mundos (o
mundo de origem do emigrante, onde se faz toda a sua cultura e o novo mundo, onde esse
mesmo emigrante entra em contato com uma nova cultura), essa relação também faz parte das
redes sociais, dessa forma se cria um novo espaço onde esse emigrante passa a transitar e que
gera um forte impacto na sua maneira de encarar a realidade.
Esse novo espaço vai ser criado a partir do momento em que esse emigrante entra em
contato com a realidade existente no país de destino, a partir desse contato vai se formar um
elo entre esses dois países (o de origem e o de destino) aonde a cultura do emigrante vai se
confrontar com a cultura do lugar de onde migrou. Outro aspecto onde esse espaço é
enfatizado são as vias de comunicação estabelecidas pelos emigrantes entre seu país e o país
receptor através das revoluções tecnológicas que possibilitaram uma comunicação em tempo
real, até mesmo através de jornais que são produzidos pelos emigrantes com notícias de sua
terra natal.
Todas essas relações configuram um processo denominado “transnacionalização”, ou
seja, não há mais fronteiras, o emigrante vai passar a viver divido entre duas realidades
diferentes ao mesmo tempo, onde sua cultura vai entrar em contato com a cultura local,
formando assim, não uma assimilação estrutural como queriam os autores da Escola de
Chicago, mas uma síntese, um novo re-arranjo que configura o processo de
transnacionalização étnica do emigrante (SIQUEIRA, 2006).
Um dos indícios da formação desse “estado” transnacional criado pelo emigrante se
faz quando este não deixa de manter vínculos com a sua terra natal, chega até a participar da
vida familiar, social e institucional de sua cidade, mesmo estando há milhares de quilômetros
distante. Da mesma forma esse emigrante mantém relações no país de destino, assim cria-se
um novo contexto transnacional, ou seja, o emigrante agora passa a ser um trans-migrante,
rompe as barreiras fronteiriças, e passa a viver o global, segundo os estudiosos isso só é
possível com o advento da globalização (SIQUEIRA, 2006).
Participam da vida familiar, comunidade e outras instituições no seu país, mas também
constroem possibilidades no país hospedeiro. Nesse sentido tornam-se transmigrantes vivem
entre dois mundos, com hábitos, valores e costumes diferentes, envolvendo assim uma
infinidade de relações e conexões entre as duas sociedades, entre o local e o global. Essas
conexões tornam-se possíveis apenas em um mundo globalizado. (SIQUEIRA, 2006, pg. 42,
itálico da autora).
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A esses produtos híbridos, simulados. Os artistas e escritores da fronteira acrescentam seu
próprio laboratório intelectual. Em uma entrevista de rádio foi perguntado a Guillermo GómezPeña editor da revista bilíngüe La Línea Quebrada/The Boken Line, com sede em Tihuana e
San Diego: Repórter: Se ama tanto o nosso país como o senhor diz, porque vive na Califórnia?
Gómez-Penã: Estou me desmexicanizando para compreender-me. Repórter: O que o senhor se
considera então? Gómez-Peña: Pós méxica, pré-chicano, panlatino, transterrado, arteamericano
[...] depende do dia e da semana em questão (CANGLINI, 2000, pg. 323-324, itálico do autor).
Essa passagem da entrevista de Gómez-Peña, que é editor da revista La Línea
Quebrada/The Broken Line, demonstra exatamente esse caráter transnacional da formação de
uma cultura híbrida, ou seja, esse emigrante é desterritorializado frente à sua nação, formando
assim uma cultura multifacetada, composta por vários aspectos distintos, híbrida (CANGLINI,
2000).
Canglini (2000) demonstra essa desterritorialização, esse caráter transnacional, citando
um estudo desenvolvido por Roger Rouse em uma comunidade fronteiriça no México,
chamada “Arguillilla”. Essa comunidade tem como fator de subsistência rural a agricultura e a
criação de gado, mais recentemente o envio de dólares tem dinamizado a economia local.
Nessa comunidade, segundo esse estudo, quase todas as famílias têm membros que já
emigraram ou que são emigrantes, atualmente essas relação com os EUA se tornou tão intensa
que para entender essa comunidade é preciso abarcá-la de uma forma mais ampla, a economia
local sobrevive em detrimento do envio da moeda norte-americana, as relações familiares,
sociais e institucionais (redes sociais) têm como base não a comunidade local, mas sim a
relação que se configurou entre EUA e Arguillilla, isso demonstra o caráter de
desterritorialização ou transnacional do emigrante (CANGLINI, 2000).
Segundo Siqueira (2006), esse caráter transnacional também se efetiva na região de
Governador Valadares, que é característica dessa região a relação onde a proximidade com os
Estados Unidos se faz intensa e as pessoas a vivem diariamente. É comum encontrar pessoas
nas ruas conversando sobre parentes que foram para os EUA e voltaram ou que ainda estão lá,
ou então encontrar pessoas que foram ou já retornaram ou até mesmo encontrar pessoas que
abriram um determinado negócio com o dinheiro proveniente da economia realizada no tempo
em que trabalhou como emigrante nos EUA, esse fato também tem mostrado certa
dinamização da economia valadarense.
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2.0 O PROCESSO DE FORMAÇÃO IDENTITÁRIO DO EMIGRANTE DE
PRIMEIRA GERAÇÃO
Mais precisamente tratando sobre os aspectos relacionados ao processo de formação
de identidade do emigrante algumas considerações têm que serem feitas.
Sales (1999) analisou um grupo de emigrantes em Boston – EUA, esse grupo é de
imigração recente, portanto primeira geração. Esse fato segundo a autora tem uma grande
importância sobre o processo de formação identitário.
Sendo assim, para Sales (1999), a dimensão temporal tem uma enorme implicação
nesse processo, essa dimensão temporal tem que ser entendida como espaços de tempos
particulares da vida do emigrante relacionado à sua família, ao seu país de origem e de destino
também. Ou seja, as expectativas temporais que o emigrante cria são aspectos extremamente
importantes nesse processo.
Sales (1999) ao citar Roberts (1995), que utilizou um conceito elaborado por Merton
(1984) “expectativas temporais socialmente determinadas”, demonstra que tal conceito serve
para fazer uma análise onde evidencia o ajustamento do emigrante na economia hospedeira,
sendo as expectativas temporais compartilhadas em grupo cruciais para o desenvolvimento de
uma identidade grupal.
Outro aspecto importante, segundo a autora, é o fato de que na década de 1980
começou haver uma mudança dessa expectativa temporal do emigrante. Nessa época o
emigrante tinha como expectativa emigrar e certamente retornar ao Brasil, porém, muitas
viagens de retorno aos EUA ocorreram e esse fato segundo Sales (1999) fez com que
houvesse uma redefinição das expectativas temporais dos emigrantes, com isso se altera os
planos que fazem e daí sua identidade étnica se altera.
Nesse sentido é crucial definir identidade étnica como um processo onde a igualdade e
a alteridade ocupam um lugar privilegiado em sua síntese. Tal processo se caracteriza pelo
fato de haver uma marcação entre os diversos contextos políticos, culturais, sociais e
econômicos, formando uma ideologia étnica que influencia o grupo emigrante tanto de forma
interna e/ou externa ao mesmo tempo, dessa forma segundo Ribeiro (1999) no caso dos
emigrantes brasileiros em solo estadunidense, assimilam tal ideologia de maneira homogênea.
Mas é seguindo esse jogo de marcações inter-étnicas onde, o fluxo de informações e
ideologias vai formar os valores, os estereótipos e as imagens que configuram o processo de
identidade do grupo emigrante (RIBEIRO, 1999).
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Essa redefinição da expectativa temporal se faz a partir do momento em que o
emigrante institui um novo projeto em que permanecer nos EUA por um tempo mais longo
seria necessário. Segundo Sales (1999), apesar de ser uma decisão individual do emigrante de
instituir tal projeto de permanência mais longa nos EUA, é um fato reforçado de forma grupal,
pois, é amplamente compartilhado pelo âmbito de grupo.
Os emigrantes começaram a se estruturar tendo como visão uma maior
permanência no país hospedeiro, como por exemplo, a diminuição das remessas feitas para o
Brasil, pagamentos de impostos com a intenção de obter a legalização, investimento na área
de imóveis nos EUA, estruturação familiar (nascimento de filhos) nos EUA (SALES, 1999).
Nesse sentido não é válido afirmar que há uma quebra dos laços de redes sociais com
o Brasil, só pelo fato de haver a incidência de emigrantes que estejam buscando permanecer
nos EUA, o que de fato há é a criação de novos laços, novas redes sociais no país hospedeiro,
pois, ao mesmo tempo em que se cria essa nova rede, as relações com país de origem são
mantidas, às vezes com menor intensidade, mas mesmo assim mantidas.
O que de fato Sales (1999) está defendendo é a tese de que os vínculos com o Brasil
estimulam a permanência dos emigrantes nos EUA, isso não quer dizer que estes emigrantes
brasileiros estão perdendo suas identidades, muito pelo contrário, são esses laços identitários
que reforçam suas permanências naquele país.
Nesse sentido, os vínculos com o Brasil vão reforçar a permanência dos emigrantes
nos EUA quando há uma grande preservação da língua portuguesa pelos emigrantes,
preservação da culinária, quando há o surgimento de grandes nichos de negócios étnicos de
vários tipos (restaurantes, salões de beleza e diversos outros tipos de estabelecimentos),
também quando há o surgimento de uma imprensa étnica que divulga as notícias sobre o
Brasil para os emigrantes, enfim todo esse contexto vai agir nesse sentido de maior
permanência nos EUA, pois, a sensação de está “cada vez mais em casa”, ou seja, em terra
natal é intensificada e isso traz um maior conforto psicológico ao grupo emigrante (SALES,
1999).
E os fatores que reforçam a identidade étnica da comunidade brasileira nos EUA –
mais precisamente a comunidade brasileira em Boston estudada por Sales (1999), mas
também esse fato ocorre em outras comunidades de emigrantes – são: a preservação da
cultura culinária brasileira; preservação da língua portuguesa; presença de uma grande
infinidade de salões de beleza brasileiros na região de Boston especificamente; grande
presença de restaurantes brasileiros, não só em Boston como em outras comunidades; e até
mesmo pela maneira de se vestir (SALES, 1999).
18
Outro fator importante nesse processo é a existência de uma imprensa étnica, ou seja,
uma imprensa feita pelos brasileiros que estão no exterior com o objetivo de manter
informados os emigrantes das notícias que acontecem no Brasil e também com o objetivo de
efetivar uma maior comunicação dos brasileiros residentes nos EUA e suas respectivas
famílias em solo brasileiro. Nesse sentido, por essa comunicação ser tão intensa, segundo a
autora, muitos emigrantes não sentem mais tanta falta ou saudades do Brasil, sentem-se mais
à vontade, “como se estivessem no Brasil”.
Segundo Sales (1999) a partir do ano de 1993 saíram várias notícias na imprensa
evidenciando o lado positivo da imigração brasileira. Várias notícias sobre a recuperação do
centro de Framinghan com a ocupação dos emigrantes que estabeleceram negócios nessa área
(principalmente restaurantes e salões de beleza), anteriormente essa localidade era ocupada
pela criminalidade (drogas e prostituição).
Numericamente já nessa mesma época a população emigrante na região de Boston já
era significativa, as estimativas da época abarcavam a cifra de 150.000 emigrantes brasileiros,
sendo considerada por Sales (1999), como a principal comunidade emigrante católica, pois
esse censo foi levantado pela arquidiocese de Boston.
Outro ponto também bastante significativo é o fato de um grande jornal de Boston, o
Boston Globe, ter editado entre 1993 e 1994 um número de 15 reportagens noticiando de
forma positiva a presença dos brasileiros nessa região. Essas reportagens mostravam fotos e
entrevista de brasileiros bem sucedidos em seus respectivos negócios, e segundo Sales (1999),
não só a imprensa estadunidense nessa região enxerga com bons olhos os emigrantes
brasileiros como também as autoridades governamentais (SALES, 1999)
A análise de Sales (1999) é bastante interessante, segundo essa autora os brasileiros
utilizam do estereótipo, que já é preexistente na sociedade estadunidense, de “povo
trabalhador” para a afirmação de sua auto-imagem, sendo que assim dessa forma procura
buscar uma identificação étnica própria, mesmo que se valendo de um estereótipo.
O que realmente importa em relação a esse aspecto é ter em mente que a alteridade e a
igualdade são os pontos mais relevantes desse processo. Ter em mente que o contato com o
“outro” diferente é um processo crucial para definir o “nós”. Sendo assim grupos étnicos são
entendidos como:
[...] sistemas de definição de limites e fronteiras em contexto cultural marcado por relações interétnicas.
Um outro elemento importante ressaltado em várias dessas abordagens é a afirmação da identidade
como um fluxo multifacetado sujeito à negociações variáveis de acordo com o contexto interativo
(SALES, 1999, pg. 35).
19
A língua portuguesa, que já era utilizada pela presença da comunidade portuguesa em
Boston, passa a agora conviver ao lado do Espanhol como uma língua que participa
diariamente da rotina e da vida da comunidade emigrante como um todo em Boston, sendo
que muitos brasileiros têm empregos como tradutores de sua língua mãe em determinados
serviços como hospitais, por exemplo. (SALES, 1999).
A tese de que os laços com o Brasil estão cada vez mais estimulando a mudança de
percepção do emigrante e com isso a alteração do processo étnico, faz com que a comunidade
emigrante proponha uma nova percepção temporal onde uma maior permanência nos EUA
seja mais viável, é completamente cabível.
E essa nova percepção é estimulada e evidenciada pela configuração de novas redes
sociais que vão se implementando no cotidiano dessa comunidade emigrante. Sendo assim,
toda essa atmosfera que faz com que esse emigrante se sinta “como se estivesse no Brasil”
crie um conjunto de novas relações que lhe permita vislumbrar temporalmente uma maior
permanência naquele país.
Dessa forma, a disseminação de programa de TV brasileiros nessa região em questão,
fitas gravadas com os programas brasileiros (novelas principalmente) são distribuídos
empresarialmente para a população emigrante, sendo assistidas as novelas até mesmo na
ordem em que são exibidas nas redes brasileiras, faz com que esse grupo de emigrantes
brasileiros nos EUA, se sinta “mais em casa”. (SALES, 1999).
Nesse sentido outra questão tem que ser abordada, é o fato de que é geralmente
veiculada pela imprensa étnica uma evidente crise social e política que passa o Brasil (criação
e disseminação do imaginário de certa crise no Brasil), sendo assim, é estimulada também
através desse fato a mudança ou a redefinição da expectativa temporal da população
emigrante (SALES, 1999).
Além desse ponto, a imprensa étnica tem um forte papel na construção de uma nova
permanência dos emigrantes nos EUA, pois, através dela são veiculadas notícias relacionadas
à comunidade de forma imediata, isso serve para reforçar a identidade étnica comunitária,
evidencia sempre fotos e fatos de brasileiros bem sucedidos em solo estadunidense e nos
espaços direcionados ao Brasil, a maioria das notícias estão vinculadas à corrupção, violência,
crimes e pobreza. (SALES, 1999).
Outro ponto de forte influência no sentido de formação étnica do emigrante é a igreja.
A igreja (nesse sentido entendida como instituição independente do credo) é uma instituição
que colabora tanto para “legitimar” a condição de clandestinidade vivida pelos emigrantes
como também serve como um dos principais pontos de apoio para a formação da identidade
étnica comunitária do grupo deste grupo.
20
Os líderes espirituais sempre em seus discursos deixam claro que Deus fez o mundo
sem fronteiras, esse tipo de discurso legitima a condição de clandestinidade dos emigrantes no
sentido de que preenche as suas expectativas e lhes trazem mais conforto psicológico
(SALES, 1999).
E esse conforto psicológico reforçado pela convivência grupal que a igreja propõe,
também estimula com vigor a formação de identidade étnica entre os emigrantes. De formas
diferentes (igrejas católicas e evangélicas), mas com o mesmo sentido, desenvolvem trabalhos
que operam na formação étnica da comunidade emigrante brasileira nos EUA.
Ribeiro (1999) também destaca a importância das igrejas nesse processo de afirmação
da identidade brasileira. O que mais atrai os emigrantes brasileiros em torno dos templos e
igrejas é o fato de poderem rezar ou orar em português, compartilharem os mesmos problemas
e dali buscarem uma solução grupal, a comunhão que existem nesses tipos de ambientes, isso
lhes garantem um grande conforto psicológico e acaba por reforçar a ação de pertencer a um
determinado grupo, potencializando assim a reprodução da identidade do emigrante brasileiro
(RIBEIRO, 1999).
Nesses espaços o convívio é bastante intenso, como salientou Martes (1999) o
conforto material e psicológico se amplia e de fato segundo Menezes (2003) essa questão traz
uma grande noção de pertencimento a uma comunidade semelhante a esses jovens e isso
consequentemente implementará no processo de formação identitária.
A igreja segundo Martes (1999) é entendida pelos emigrantes, como um lugar onde se
busca conforto, apoio, tanto material como psicológico, nesse sentido, a igreja é um âmbito
em que os laços de solidariedade, fraternidade entre os emigrantes são fortalecidos.
Menezes (2003) identifica a igreja, usando a teoria de Ribeiro (1999), como um
“cenário de afirmação da identidade brasileira”, um cenário que se identifica de maneira
interna à própria comunidade emigrante, que necessita desses “ritos” para sua própria
preservação e manutenção. Nesse sentido, pode-se considerar que, tanto a análise de Ribeiro
(1999) como a de Menezes (2003) refletem uma realidade onde o emigrante pode fortemente
se amparar em busca da afirmação de sua auto-identidade e é exatamente nesse sentido, que
também caminha tal análise.
21
2.1 O PROCESSO DE FORMAÇÃO IDENTITÁRIO DE EMIGRANTES DE SEGUNDA
GERAÇÃO (FILHOS DE EMIGRANTES BRASILEIROS NOS EUA)
Um ponto também de muita importância em relação à busca de maior permanência é
o fato de muitos emigrantes planejarem o nascimento de um filho em solo estadunidense,
segundo a autora, esse é um ponto de forte significância entre os emigrantes que evidencia a
redefinição de suas expectativas temporais. Isso pelo fato de que a existência do filho faz com
que o círculo das relações sociais (redes sociais) dos emigrantes são amplamente alargadas
como, por exemplo, a utilização das redes de saúde e educacional em solo estadunidense
(SALES, 1999).
Grande parte desses filhos de brasileiros nos EUA já carrega nomes típicos da cultura
estadunidense, são a segunda geração de emigrantes, mas com uma característica diferenciada
em relação aos seus pais, pois, além do próprio nome como fator constituinte identitário,
falarão o inglês fluentemente sem o sotaque, utilizarão do sistema educacional e serão
automaticamente cidadãos americanos, já que nasceram em solo estadunidense (SALES,
1999).
Segundo Menezes (2003) o fato desses filhos de emigrantes já carregarem nomes
típicos da cultura estadunidense e nascerem em solo norte-americano já lhes atribui uma
expectativa privilegiada, pois, não enfrentarão as dificuldades que seus pais enfrentaram.
Menezes (2003) também afirma como Sales (1999) o fato de que esses filhos de emigrantes
terão disponíveis os sistemas de saúde, educacional, entre outros, direitos constituintes do
cidadão estadunidense.
Mas especificamente tratando do sistema escolar, tem-se que deixar claro o fato de que
muitos filhos de emigrantes (de segunda geração) são matriculados em graus de séries
inferiores, com alegação de que ainda não falam o inglês fluentemente, sendo assim, são
mantidos em um ensino de menor qualidade e formados sem o preparo necessário para
competir em igualdade no mercado de trabalho.
Para diminuir a extensão desse problema, segundo Menezes (2003) muitos pais
emigrantes, estimulam os filhos, já desde cedo, a aprenderem o inglês, e terem tal língua
como a sua primeira, sendo que dessa forma poderão entrar no sistema regular de ensino e
competirem em igualdade, esse fato com certeza desempenha forte influência no processo de
formação étnica desse emigrante.
Esse fato segundo Menezes (2003) demonstra um extremo desrespeito cultural, onde
muitos alunos são obrigados a cantarem o hino no início das aulas, os professores partem de
22
uma política onde a flexibilização cultural é sempre unilateral (sempre deve partir do lado do
emigrante aluno). A escola segundo tal autor é o âmbito mais importante onde a identidade do
emigrante de segunda geração é formada, ali são lhes passados os valores da sociedade
estadunidense, os símbolos dessa sociedade, a ideologia consumista e evocado tudo o mais
que for de exaltação de tal sociedade (MENEZES, 2003).
Menezes (2003) subdivide o termo “segunda geração” em três categorias: a primeira
categoria inclui jovens nascidos no Brasil e que tiveram grande parte de sua infância neste
país, possuindo assim um alargado “acervo” em sua memória sobre o Brasil, mas que em
algum momento migraram aos EUA; a segunda categoria também inclui crianças jovens
nascidas no Brasil, porém migraram muito cedo, sem ter muitas memórias sobre seu país de
origem, sendo que o que essas crianças lembram ou idealizam sobre o seu país de origem vem
do relacionamento com seus pais; e a terceira categoria engloba jovens filhos de brasileiros já
nascidos em solo estadunidense, porém, a situação desses jovens não é tão estável, pois,
muitos de seus pais não são legais naquele país, não possuindo assim cidadania estadunidense
(os pais) estes filhos a qualquer momento podem ser “remanejados” para o Brasil
(MENEZES, 2003).
Nesse sentido, o processo de socialização dos filhos de “segunda geração”, é um
processo, que segundo Menezes (2003), ocorre de forma dual, sob a égide da dicotomia
Brasil-EUA, sendo que seus pais pertencem a uma cultura distinta onde estão inseridos e isso
com certeza delineará todo o processo de formação étnica desses jovens, que se fará nas
relações cotidianas mais presentes, tanto na escola, como na vida “informal”.
Da mesma forma como Sales (1999) e Menezes (2003) também deixa claro o fato, que
muitas famílias no intuito de buscar uma situação mais estável, mesmo que essa situação de
estabilidade não seja realmente concreta, projetam o nascimento de filhos em solo
estadunidense, já carregando em seus nomes a marca identitária deste país. Menezes (2003)
também adverte o fato que o nascimento dos filhos promove uma maior inserção dos
emigrantes na sociedade estadunidense e também o fato de haver uma redefinição das
expectativas temporais.
Sendo assim, tanto Sales (1999) como Menezes (2003) demonstram a importância que
os emigrantes de segunda geração têm sobre o processo de inserção da família nos EUA e
conseqüentemente isso implicará no processo ainda mais abrangente, o processo de formação
de identidade do emigrante.
Outro fato que segundo Menezes (2003) desempenha grande influência no processo de
formação étnica dos filhos dos emigrantes é questão de que tem havido o surgimento de
muitas creches informais. Muitas mulheres têm trabalhado nesse ramo, e mais outras tantas
23
migram já com o objetivo de cuidar dos filhos dos emigrantes, e com a criação dessas creches
acabam cuidando também de crianças filhas de cidadãos estadunidenses (MENEZES, 2003).
E é nesse convívio que essas crianças começam a se socializar, conhecer os valores
pertinentes ao Brasil, a culinária, a língua, as relações pessoais, mesmo que em menor grau,
nesse convívio entre as crianças, entra e sai de pais, essas crianças começam a ter uma noção,
mesmo que inconsciente, das relações de parentesco brasileiras, começam a entender as
diferenças culturais e estereotipagens fazendo assim uma comparação dialética entre as duas
culturas: a brasileira entendida como uma cultura “quente” e a estadunidense entendida como
uma cultura “fria” (MENEZES, 2003).
Nesse sentido, a classificação “quente e fria” é reproduzida pelos filhos de segunda
geração e advém da projeção onde o a cultura estadunidense é classificada, por parte dos
brasileiros, como afastada, contendo regras rígidas e distantes de interação e a cultura
brasileira sendo classificada como quente por ter como característica mais próxima de
interação, onde o brasileiro é entendido como sempre pronto a ajudar o outro, sempre alegre e
sorridente, dessa maneira esses estereótipos acabam influenciando no processo de formação
identitário do grupo emigrante e em especial dos emigrantes de segunda geração (MENEZES,
2003).
Dessa forma, entende-se um pouco mais como ocorre esse processo de estereotipagem,
contendo elementos comparativos sendo executados de forma dialética. Entendo que esse
processo de estereotipagem é comum no relacionamento social e ainda mais ativado em um
relacionamento social entre culturas distintas já que a oposição entre aquilo que é exótico se
torna ainda mais intenso e nesse sentido esse fato também influencia de forma decisiva no
processo de formação étnica do emigrante, impondo delimitações, classificações perante a
cultura alheia, formando assim, as pré-noções básicas desse emigrante.
Mais especificamente sobre a população jovem que freqüenta a igreja (emigrantes de
segunda geração), Sales (1999) relata que ao assistir uma missa em Boston, onde fez um
estudo sobre o processo de identidade étnica entre emigrantes daquela região (SALES, 1999),
o padre chamou todas as crianças filhas de emigrantes presentes para abençoá-las, depois
disso, essas crianças se retirariam, pois, a missa não era direcionada para elas, sendo que já
havia uma missa específica para esse público, devido à sua importância, segundo a igreja.
Mas o que realmente é importante relatar é o fato de que segundo Sales (1999) as crianças ali
presentes alcançavam a cifra de 20% do total de fieis.
Então nesse sentido, seguindo a linha de análise de Menezes (2003), pode-se concluir
facilmente que esse seguimento, filhos de emigrantes que compõem a segunda geração de
emigrantes, tem uma grande importância e influência no processo de formação identitária da
24
comunidade emigrante. Sendo que, até a própria igreja reconhece que quantitativamente esse
grupo já se demonstra bastante expressivo e que é necessário promover ações para abarcá-lo,
não só enquanto fieis, mas também enquanto indivíduos que devem estar dentro de um
processo de formação identitária segundo os seus (igreja) preceitos religiosos.
Segundo Menezes (2003) a igreja também tem sido outro cenário onde o processo de
socialização dos emigrantes de segunda geração (filhos de emigrantes da primeira geração).
Sendo assim, nas igrejas há o convívio de forma dicotômica Brasil-Eua análoga ao convívio
doméstico-público vivido nas creches. As missas ou cultos são processados em português,
apesar de serem abertos para o público de forma geral, porém, essas missas e cultos têm nos
brasileiros seus focos.
Também segundo Menezes (2003), na igreja, no convívio entre os jovens, crianças e
adultos, informações importantes, como, por exemplo, a maneira de se vestir, a maneira de
orar ou rezar, até mesmo os traços fenótipos que nos jovens se reproduzem, a forma de que
cada emigrante brasileiro se comporta, a língua portuguesa e muitos outros aspectos, são
transmitidos, e assimilados por esses jovens formando assim um arcabouço identitário de
como é o Brasil, formando assim, nesse jovem uma idéia e ainda mais, o próprio processo
identitário étnico cultural brasileiro (MENEZES, 2003). Também nesse processo, vale à pena
ressaltar que esses jovens formam uma imagem do Brasil transportada pelos adultos e,
portanto carregada de elementos locais.
Porém há outro lado, que o convívio que esses jovens têm na própria comunidade
estadunidense, na escola (caso que já foi citado), entre outros exemplos, sendo que de um lado
forma-se uma idéia, uma identidade brasileira, e de outro lado, pelo convívio com a sociedade
estadunidense são apreendidos os valores de tal sociedade, daí sintetiza-se uma
biculturalidade, e uma dessas expressões está no entrelaçamento entre essas duas culturas,
como o aprendizado das duas línguas (MENEZES, 2003).
Muitas crianças, filhos de emigrantes, são obrigadas a acumular tarefas, como
tradutoras de seus pais em consultas médicas, resolvem problemas diversos por dominarem o
inglês, coisa que seus pais não dominam, tornando-se assim, partes muitos importantes do
núcleo doméstico, assuntos como ilegalidade, clandestinidade fazem parte dos assuntos que
diretamente seus pais estão envolvidos e conseqüentemente influenciam na vida desses
jovens. Esse fato acaba por promover um rápido amadurecimento, e com certeza influencia no
processo de formação de identidade desse jovem (MENEZES, 2003).
A língua segundo Menezes (2003) é o fator que sofre maior influência no sentido da
“americanização”, muitos dos outros fatores acabam por se perpetuarem e se reproduzir, mas
a língua nativa dos pais é um fator que dificilmente permanecerá com uma força pelo menos
25
desejável. Ito-Adler (ITO-ADLER, 1980 apud MENEZES, 2003) cita casos de famílias que
ao se comunicarem, pais utilizam sua língua mãe e seus filhos respondem utilizando o inglês.
Mas também segundo Menezes (2003) o caso brasileiro não tem sido identificado por
essa forma: primeiro porque o grupo de brasileiros que tem ido para os EUA, tem um nível
educacional mais à cima da média (MARTES, 2000), sendo assim, tem uma maior concepção
sobre a preservação dos valores culturais, onde a língua está incluso; em segundo lugar
existem instituições preparadas para dar suporte aos emigrantes e aulas de português para os
seus filhos; e em terceiro lugar como já foi citado mais à cima, o fato de muitas famílias
assistirem a programas e filmes brasileiros através de fitas que são alugadas, como também
através de TV’s por assinatura. Nesse sentido o caso brasileiro tem se diferenciado do modelo
que seguem outros grupos de emigrantes, como deixa claros Portes (PORTES, 1981 apud
MENZES, 2003) que apresenta um padrão geral nesse sentido, onde o bilingüismo não
sobrevive por muito tempo.
Parece bastante aceitável creditar que os emigrantes de segunda geração começam a
assimilar a questão da biculturalidade, usando o termo de Canglini (2000), o hibridismo
cultural. Os emigrantes de primeira geração estão mais propensos a utilizarem uma
identificação cultural mais latente, porém utilizam-se em muitos momentos de um recurso
funcional ambivalente quando sentem que terão maiores vantagens em reivindicar “outra
nacionalidade”, criando assim uma determinada ambigüidade cultural.
Nesse sentido, concordo plenamente com Menezes (2003), que relata um depoimento
de uma garota de 12 anos nascida nos EUA, filha de pai brasileiro e de mãe dominicana que
diz: “I’m 50% Brazilian, 50% Dominincan and 100% American” (MENEZES, 2003, pg.
172). Isso demonstra o entrelaçamento, o hibridismo cultural – dentro de um sistema em que
ora lhes impelem inclusão e ora lhes impelem exclusão – em que vivem esses jovens e
também demonstra total aceitação com a relação transnacional que está presente no relato de
Gòmes-Peña, editor da revisa La Línea Quebrada/The Broken Line, citado mais à cima
(CANGLINI, 2000, pg. 323-324).
26
3.0 CENÁRIOS DE DIVULGAÇÃO E IMAGEM DO BRASIL
Ribeiro (1999) destaca que seu interesse volta-se para aquilo que denominou “cenários
de difusão da imagem do Brasil” e qualquer ritual que congregue a população emigrante e que
tenha um caráter de ativar as redes de solidariedade com o sentido de ampliar certa
“comunidade imaginada” dentro desse contexto das relações inter-étnicas.
Sendo assim, tal autor classifica esses “cenários” em dois grupos, são eles: o primeiro
grupo de “menor expressão” pequenos cenários; e o segundo grupo já com “maior expressão”
grandes cenários.
Dentro desses pequenos cenários podemos encontrar as festas particulares que muitos
emigrantes organizam com diversos objetivos, como, por exemplo, confraternização,
comemoração de aniversários, inserir novas pessoas às redes de oportunidades.
Mesmo sendo festas privadas e com relativamente menor número de pessoas, essas
festas têm muita importância nesse contexto pelo fato de ampliar a socialização do grupo,
difundir informações, propiciar a fala do idioma português, além de que nessas festas muito
estereótipos (“como são os americanos”, “o que eles pensam do Brasil”, “os hispânicos são
mais preguiçosos”) surgem e se fixam como verdades para esses emigrantes.
Outro cenário importante nesse contexto são os bares noturnos étnicos, muitos
deles são decorados para divulgar a imagem do Brasil, além do cardápio ter pratos típicos da
culinária brasileira, como, por exemplo, coxinhas, feijoadas aos sábados ou domingo,
churrasquinho, carne de sol, moqueca de peixe, até mesmo guaranás e cervejas nacionais, e
tudo escrito em português, também se desataca a participação de músicas e danças brasileiras
nesses espaços. Grande parte também desses bares ou restaurantes tem em seu nome as
marcas étnicas da origem de seus proprietários, como, por exemplo, “Café do Brasil” ou
“Canto do Brasil” (RIBEIRO, 1999).
Em vários desses estabelecimentos existem bailarinos e músicos profissionais que se
apresentam divulgando várias manifestações da cultura popular brasileira, como maculelê,
samba, pagode, capoeira, entre outros. Também é de chamar atenção o aspecto que vários
artistas (cantores) de maior expressão na música popular brasileira já se apresentaram em
muitos desses estabelecimentos étnicos, artistas como Jair Rodrigues, Elba Ramalho, Caetano
Veloso, Djavan, Gilberto Gil, Ivan Lins, João Bosco, Milton Nascimento, Beth Carvalho, etc.
(RIBEIRO, 1999).
Ribeiro (1999), da mesma forma como Sales (1999) chamou atenção para um
momento especial, a copa do mundo de 1994. Nessa época na região da Bay Area em São
27
Francisco concentrou um grande número de torcedores brasileiros organizando torcidas,
inclusive nos estabelecimentos étnicos.
Os músicos segundo este autor, são os artistas principais que ao desenvolverem seus
trabalhos
acabam
divulgando
a
imagem
do
Brasil
junto
à comunidade emigrante (destaca-se que esses estabelecimentos étnicos não são de “uso”
exclusivo dos emigrantes brasileiros, outros grupos emigrantes também os utilizam, como
também a comunidade estadunidense).
É importante notar que a música tem um grande papel nesse contexto, pois, existem
programas de rádio especializados de músicas nacionais brasileiras, tudo isso serve como
fator de divulgação da imagem do Brasil e divulgação e manutenção da identidade do grupo
emigrante, onde esse sofre um processo de ambigüidade que é a imigração, tem nesse
momento em que estão participando, a oportunidade de se sentirem mais próximos e o senso
de “brasileiros que vivem em São Francisco” é ampliado. (RIBEIRO, 1999).
Além da copa do mundo de 1994 ter exercido uma grande influencia nesse sentido,
outro fato relacionado ao futebol também é muito importante. Alguns grupos de emigrantes
dessa região organizam campeonatos, que além de celebrarem o pertencimento à comunidade
de emigrantes brasileiros na Bay Area tornou-se uma fonte de renda, com a criação até do
Total Soccer Institute, de San Mateo (RIBEIRO, 1999).
Mas o que realmente importante em relação a esse assunto, é o fato de que esses
momentos passaram a exercer uma grande função no sentido de convivência comunitária
entre os emigrantes, abrangendo não só os homens, mas também as mulheres, inclusive com
organização de torneios femininos, e abrangendo também as crianças, ou seja, toda a família
participa de todo o processo.
Com o crescimento desses campeonatos, o empresariado brasileiro dessa região
passou a participar também, não só em relação ao patrocínio como também em outros tipos de
ações com o objetivo de congregar ainda mais a comunidade (RIBEIRO, 1999). Sendo assim,
o futebol desempenha uma função mais do que importante, diria até crucial, no auxílio à
formação, manutenção e disseminação da imagem do Brasil e da identidade da comunidade
emigrante de São Francisco.
Nesse sentido é válido afirmar, seguindo a tese defendida por Sales (1999) que os
vínculos com o Brasil reforçam a permanência do grupo emigrante e conseqüentemente
promove uma redefinição da expectativa temporal em escala grupal. Ribeiro (1999) ao
mostrar todos esses cenários de divulgação da imagem do Brasil como sendo cruciais para o
processo de formação étnica do grupo emigrante nos EUA nos traz à tona um forte apoio para
demonstrar que sua análise coaduna com a de Sales (1999) no sentido de que esses cenários
28
forneçam justamente um grande apoio ao grupo emigrante, fazendo com que esse grupo se
sinta mais próximo ao Brasil, sendo assim, um fator decisivo no processo de redefinição das
expectativas temporais e isso traz uma mudança significativa no processo de formação étnica
desse grupo.
Já dentro dos grandes cenários podemos encontrar a festa de comemoração da
Independência do Brasil que começou a ser feita em São Francisco desde o ano de 1992 com
a presença das mais altas autoridades brasileiras dessa região, como o cônsul, por exemplo
(RIBEIRO, 1999).
É uma grande festa, que tem uma enorme organização que envolve toda uma cidade
com o palco sendo montado em praça pública e um grande número de pessoas da comunidade
emigrante brasileira participa. Nas palavras de Ribeiro (1999), podemos entender melhor o
significado que essa festa enseja e suas interconexões:
[...] mas trata-se sobre tudo de um espetáculo cultural. Em uma clara demonstração das
interconexões entre os diversos cenários de afirmação da identidade brasileira em São
Francisco, vemos não apenas o envolvimento de artistas, músicos, capoeiristas, dançarinos de
grupos de carnaval, mas também uma ligação entre a primeira comemoração da Independência
e o sucesso do piquenique realizado durante o campeonato de futebol anteriormente
mencionado em 11 de outubro de 1992 (RIBEIRO, 1999, pg. 55).
Então, é nesse sentido que devemos entender as conexões que operam no sentido de
revitalizar o processo de formação de identidade e pertencimento a um determinado grupo, o
grupo de emigrantes residentes na Bay Area em São Francisco.
Essa comemoração com o passar dos anos adquiriu maior expressão, também pelo fato
da comunidade emigrante ter alcançado uma maior expressão numérica, no ano de 1993 e
1994 por, exemplo a própria prefeitura de São Francisco passou a organizar formalmente essa
festa e se juntou a um grupo de patrocinadores para celebrar a organização de tal festa
(RIBEIRO, 1999).
Ainda dentro desse grupo dos grandes cenários o que mais se destaca segundo
Ribeiro (1999), é aquele cenário relacionado ao carnaval que acontece em São Francisco, que
segue o calendário do carnaval exclusivamente brasileiro, tem participações de vários grupos
e escolas de samba da região local.
Essa festa de carnaval começou a ser organizada a partir do ano de 1968, por um casal
de cariocas, Marcio e Aracy da Cruz (RIBEIRO, 1999), com o objetivo de unir e congregar a
população de brasileiros residentes naquela região, já naquela época.
Com o passar do tempo, a festa foi crescendo e incorporando um maior número de
participantes, inclusive em sua organização, músicos, dançarinos e outros artistas começaram
29
a utilizar tal festa para a exposição de seus trabalhos e divulgação da cultura brasileira, sendo
que:
Da pequena festa ao grande baile, este tornou-se um cenário vital para a exposição do trabalho
de músicos, dançarinos e grupos brasileiros, como os que se apresentam no baile “A noite dos
mascarados, de 1996” (RIBEIRO, 1999, pg. 57).
Mais uma vez a análise de Ribeiro (1999) nos fornece apoio para afirmar que todos
esses cenários garantem ao grupo emigrante uma sensação de proximidade com o Brasil,
nesse caso especificamente, usando o exemplo da festa de carnaval feita na Bay Area em São
Francisco pode-se perceber uma clara proximidade com o Brasil, sendo que até o calendário
utilizado por tal festa, segue o calendário da festa de carnaval brasileira.
Nesse sentido, Sales (1999) afirma que essa proximidade traz uma reordenação da
expectativa temporal do grupo emigrante, isso quer dizer que o processo de formação étnica
desse grupo é fortemente influenciado por esse contexto, onde a permanência em solo
estadunidense se alarga, daí as redes sociais da mesma forma se ampliam e a percepção da
realidade desse grupo de emigrantes brasileiros dessa região vai aos poucos acompanhando as
mudanças que essas mesmas redes sociais sofrem. Ou seja, os vínculos com o Brasil vão
favorecer a permanência desse emigrante mos EUA.
Outro aspecto interessante é o fato de que esses bailes de carnaval são a maior fonte de
renda dessa organização (Bay Area Brazilian Club) que não têm fins lucrativos. Além de
organizar tal festa, também organiza seminários sobre a imigração, mostras de filmes
nacionais e exibições de obras de artistas plásticos brasileiros (RIBEIRO, 1999). As exibições
e amostras também garantem maior proximidade com o Brasil.
A organização do Carnaval Parade, denominação que adquiriu a festa de carnaval
nessa região, ganhou ares tão grandes que a rede de televisão KGO filiada à ABC a partir de
1994, transmitiu ao vivo em caráter nacional tal evento, que envolveu uma multidão estimada
entre 200.000 a 500.00 pessoas (RIBEIRO, 1999). Tal festa teve um grande número de
empresas multinacionais participando como patrocinadoras, perdendo assim muito do seu
caráter inicial de congregação da comunidade que a festa tinha em seus primórdios, passando
agora a buscar a amplitude que a comunidade emigrante dessa região adquiriu e com isso
transformar a comemoração do Carnaval Parade em indústria cultural (ADORNO &
HORKHEIMER, 1997).
Mas mesmo com esse caráter que adquiriu tal festa, outro ponto é de importante
atenção notar. O samba nessa região se tornou uma atividade inter-étnica, ou seja, não apenas
os brasileiros participam dos grupos de samba e das escolas de samba, mas também outros
grupos de emigrantes de nacionalidades distintas participam de tal processo. E como todo e
30
qualquer processo inter-étnico envolve conflitos, pois, há uma disputa por espaços e
apropriações que cada grupo processa, sendo assim, os brasileiros se esforçam para buscar seu
lugar nesse contexto, uma disputa realizada em uma sociedade extremamente competitiva e
segmentada como a estadunidense (RIBEIRO, 1999).
Mesmo tendo adquirido com o tempo outros significados a festa de carnaval em São
Francisco não deixa de ser um grande cenário de afirmação de identidade da comunidade
emigrante, mas agora com outros moldes, é um cenário que cada grupo busca seu espaço ao
mesmo tempo em que esse processo de formação de identidade étnica se constrói.
Nesse ponto é de extrema importância citar o fato de que a alteridade, a igualdade e o
“confronto” com o outro é crucial para o processo de formação étnica do grupo emigrante,
pois, é a partir desse “confronto” com o “outro” que se sintetiza o “nós”, ou seja, é a partir
dessa busca de espaço, essa busca de limites que surge a percepção da realidade, reordenação
dos valores de forma grupal e daí a constituição do sentimento do pertencimento a um
determinado grupo, no caso, o grupo de emigrantes brasileiros nos EUA.
Ribeiro (1999) também atribui uma grande importância à imprensa étnica que se
desenvolve na Bay Area, em São Francisco. Segundo o autor essa imprensa contribue para a
elaboração do entendimento dessas questões étnicas citada mais a cima, além disso, também é
muito importante economicamente. Existem inúmeras edições de revista, jornais, até canais
influentes de televisão com programação específica para a camada de emigrantes hispânicas,
sendo que muitos brasileiros têm acesso a esses materiais. É notável também o grande
crescimento de jornais, revistas, rádios e canais à cabo brasileiros, segundo Ribeiro (1999)
esse mercado de imprensa, incluindo tanto a imprensa étnica brasileira como a hispânica, já
abarca uma classe média “latina” e que economicamente chega a cifra de 250.000.000.000 de
dólares anuais.
Esse fato demonstra justamente a importância da camada emigrante na constituição da
sociedade estadunidense, mais especificamente demonstra o grande crescimento do grupo
emigrante e sua importância no contexto social, cultural e econômico de tal sociedade, nesse
sentido é válido afirmar que esse fato traz uma clara evidência da formação de um grupo que
se reconhece e que tem forte influência nesse contexto. Tal grupo já se torna tão importante
economicamente, socialmente, culturalmente, e politicamente que já existem programas de
rádios, televisões, jornais influentes voltados para tal público, como também ações do
Governo Federal Brasileiro que reconhece o grupo emigrante nesse sentido.
Um ponto bastante influente em relação à importância da camada de emigrantes
brasileiros, por parte do Governo Federal Brasileiro, foi o fato de que a partir do ano de 1995
o Ministério das Relações Exteriores lançou um programa (Programa de Apoio aos
31
Brasileiros no Exterior), onde se criava um Conselho do Cidadão, estabelecia a dupla
cidadania e admitia a possibilidade do voto brasileiro no exterior (RIBEIRO, 1999).
E claro um dos principais pontos de percepção da importância do crescimento da
demanda do número de emigrantes, não poderia deixar de notar, o crescente volume de
remessas que os emigrantes mandam para sua terra natal, sendo tão importante esse fato, que
essas remessas têm um peso considerável na economia de muitas cidades, como, exemplo
Governador Valadares – MG (SIQUEIRA, 2008).
Siqueira (2008) destaca a importância das remessas para a economia de Governador
Valadares e as autoridades locais já começam a estudar ações para traçar no sentido de
prender os investimentos feitos pelos emigrantes, evitando assim que esse emigrante volte a
migrar. O CIAAT (Centro de Informação, Apoio e Amparo á Família e ao Trabalhador no
Exterior) é uma das expressões dessa preocupação.
O objetivo do CIAAT é desenvolver ações de apoio às famílias que possuem parentes
no exterior e fornecer mecanismos de inclusão social, com incentivo à entrada e permanência
no mercado de trabalho no Brasil.
Também é notável o fato da imprensa estadunidense – principalmente tendo como
base o carnaval, a praia e tantos outros cenários – ressaltar imagem do povo brasileiro como
sensuais, exibicionistas, povo quente, dentre outras denominações jocosas, e na grande
maioria das vezes isso se faz de maneira debochada. As mulheres são vistas como sensuais e
nesse caso sensuais adquire tons vulgares, em grande maioria das vezes (RIBEIRO, 1999).
32
4.0
A
CONSTRUÇÃO
DA
IDENTIDADE
NA
PERSPECTIVA
TEÓRICA
SOCIOLÓGICA
Pretendo, nesta etapa do texto, analisar a perspectiva da formação da identidade do
emigrante e suas negociações utilizando o referencial teórico de Merton (1979), para tanto se
faz necessário explicar mais detalhadamente como o conceito “ambivalência social” foi
forjado por Robert King Merton, e suas implicações nas relações entre os papeis e seus status
sociais respectivamente cabíveis e posteriormente fazer uma relação direta desse atual
conceito e suas implicações com o processo de formação de identidade do emigrante.
Inicialmente o termo “ambivalência” foi preconizado por Bleuler (Bleuler, 1910 apud
MERTON, 1979), com um olhar mais voltado para a interface psicológica do termo.
Destacando assim três tipos de ambivalências: o primeiro tipo emocional, há uma dicotomia
de sentimentos positivos como de negativos envolvidos em um mesmo objeto; o segundo tipo
voluntário, há um conflito de interesses que dificulta a decisão de como agir; e o terceiro tipo
intelectual, há uma defesa pelos homens de idéias opostas.
Mesmo antes de Bleuler forjar o termo ambivalência, Freud (Jones, 1955 apud
MERTON, 1979), já observava a dicotomia e alternância de sentimentos, como, por exemplo,
ódio e amor.
Dessa forma, pode-se levar em consideração que os fatos da ambivalência têm sido
vistos inicialmente sob à luz da psicologia, esta se preocupa em desvendar a experiência
interior e o funcionamento psíquico de sentimentos contraditórios. Logicamente ao estudar a
ambivalência psicológica, alguns termos sociológicos desse fato, são explicitados, porém, a
estrutura das relações sociais não é considerada como ponto principal de análise.
Sendo assim o conceito de “ambivalência” na sociologia vai ser construído, segundo
Merton (1979), tentando desvendar os caminhos em que esta se constitui tendo em vista a
estrutura social, mais especificamente a estrutura dos papéis e dos status sociais.
A sociologia diferentemente da psicologia vai estudar a ambivalência em sentido mais
amplo, geral, se debruçando sobre a estrutura social, onde os status e os papéis sociais
desempenhariam um componente importante para o desenvolvimento da ambivalência social,
através de expectativas, atitudes, crenças e sentimentos que segundo Merton (1979), são
normativamente incongruentes. O estudo da ambivalência em um sentido mais restrito vai se
fazer sob à luz de um único papel e um único status social, tendo da mesma forma
expectativas normativamente incongruentes.
33
Segundo Merton (1979), indivíduos que participam de um conjunto de status ou de um
único status que tenha no seu desenvolver interfaces de incompatibilidades, tenderão a
desenvolver sentimentos, crenças e atitudes ambivalentes.
A sociologia, então, vai se debruçar sobre os processos onde as estruturas sociais
provocariam, tendo como base um determinado status ou grupo de status e os papéis cabíveis
a esses status ou conjuntos de status, a ambivalência, ou seja, conjunto de crenças e atitudes
que por sua natureza normativa são paradoxalmente opostas. Nesse sentido, as pessoas que
ocupam status e papéis sociais importantes na estrutura social estão sujeitas à ambivalência
porque esta se faz intrínseca à natureza dos cargos e papéis ocupados por estas pessoas, por
isso o termo “ambivalência” deve levar em consideração a estrutura social (MERTON, 1979).
Sendo assim, a ambivalência incorporada em um sentido mais amplo, incorporada em
um conjunto de status e papéis sociais tem sido largamente estudada. Mas este termo em um
sentido mais restrito, onde um único status associado a um único papel onde houvesse o
surgimento de normativas conflitantes tem sido pouco explorado, e é por isso que esse estudo
vai se dedicar a esclarecer os caminhos que a função social e a estrutura social levariam ao
desenvolvimento ambivalente de crenças e valores em um determinado papel.
E essas
crenças e valores contrastantes se fariam não ao mesmo tempo no comportamento do
indivíduo, mas sim de forma oscilada, ora amor, ora ódio, ora distanciamento, ora compaixão,
etc.
Segundo Merton, a ambivalência sociológica significa, em um sentido mais profundo:
“[...] tendências normativas opostas na definição social de um papel.” (MERTON, 1979, pg.
27).
Por isso que, ao fazer o estudo sobre a ambivalência sociológica tem-se que considerar
os tipos de papéis e os tipos de discursos ou relatos que permitiriam a análise do fato. Sendo
assim, Merton (1979, pg. 27) apresenta três tipos de relatos que caracterizariam tal análise: a)
o pictórico; b) o sociográfico; c) e o analítico.
Sendo os relatos:
a)
os relatos pictóricos são tidos como retratos ou representações da realidade,
como, por exemplo, podem-se reconhecer alguns papéis na sociedade, como
o da dona-de-casa, de uma forma tão real ou concreta. Este relato é mais
desempenhado em termo funcional pelo historiador ou romancista;
b)
os relatos sociográficos fazem, na maioria das vezes, uma descrição, uma
classificação dos papéis e relações, tendo em vista o dia-a-dia da vida das
pessoas, sem construir abstrações sociológicas. Merton diz que o sociógrafo
pode ser entendido como um homem comum, descrevendo, por exemplo, a
34
água como um líquido incolor, inodoro, transparente e insípido, verificando
assim, as características mais evidentes do objeto em si. Sendo dessa forma,
segundo Merton (1979), a maior parte dos estudos que se dedicam a
desvendar os papéis sociais e suas atribuições estão no campo da
sociografia, porém, essa mesma sociografia significa um passo preliminar
para uma análise sociológica com um teor abstrato de peso;
c)
o terceiro tipo de relato encontrado é o analítico, típico das abstrações do
sociólogo teórico. Segundo Merton, “Do ponto de vista da sociologia
teórica, os papéis sociais são combinações de propriedades escolhidas e
compostas por componentes escolhidos.” (MERTON, 1979 pg. 30). Sendo
assim, as abstrações teóricas forjadas pelo sociólogo não condizem, ou
melhor, não levam ao imediato entendimento do papel e da estrutura social.
Ou seja, seguindo esse raciocínio, fazendo a mesma analogia com a fórmula
química da água, por exemplo, tal fórmula não representa de maneira
alguma à sua forma na natureza, a sua real forma natural. Da mesma forma,
a análise prematura parece aos leigos como uma descrição afastada da
realidade, sendo assim o sociólogo não descreve de forma fotográfica a
realidade e sim, desvenda as relações que se manifestam por trás da
“fotografia”.
Merton critica Pitirim Sorokim (SOROKIM, 1968 apud MERTON, 1979) em alguns
pontos importantes nos estudos dos papéis sociais. Sorokim (1968) anuncia que os papéis e
suas relações são compostos por várias combinações, como, por exemplo, a direção das
relações sociais, extensão, intensidade e influência. Mas o que é importante destacar, é que
segundo tal autor, determinadas relações sociais podem ser entendidas como uma síntese dos
valores dessas variáveis, que podem ser encontradas e verificáveis nas relações sociais, pelo
menos, teoricamente.
Outro ponto importante enfatizado por Sorokim (1968) é que as relações sociais são
predominantemente de um tipo ou de outro, não sendo assim, tipos puros. Nesse sentido,
segundo Merton (1979), que se apóia no conceito “ambivalência sociológica”, há uma
oscilação de sentimentos, crenças e atitudes no comportamento humano e não uma
predominância de um determinado tipo de relação como anuncia Sorokim.
Merton (1979) também critica Parsons em relação ao seu conceito “variável-padrão”
(PARSON, 1951 apud MERTON, 1979). Nesse conceito Parsons expressa que os valores
normativos da sociedade reúnem padrões na direção dos papéis sociais. Porém, Parsons
35
(1951) formula sua teoria de uma maneira que se entende que todo papel social é composto
por várias crenças, sentimentos e valores e atitudes ao mesmo tempo, como, por exemplo,
afetividade e neutralidade, difusão ou especificidade, universalismo ou particularismo, isso
pelo caráter geral que a teoria parsoniana assume. Merton então critica Parsons justamente
pelo fato desse tentar forjar uma teoria fechada, ou seja, segundo Parsons (1951) sua teoria
explica tudo o que se pode entender por ação social, nada mais que Parsons explicou haveria
de se explicar sobre o assunto. Merton (1979) mostra que Parsons falhou na sua tentativa e
que uma teoria de caráter universal como a de Parsons, na maioria das vezes cai nesse erro,
como a Émile Durkheim, por exemplo.
O mais coerente, segundo Merton, seria uma teoria de alcance médio, sendo assim,
este mostra que Parsons desconsiderou várias questões importantes para o entendimento sobre
a ação social, como, por exemplo, o desempenho normativo do papel social, como também
outras questões de cunho estrutural do papel ou conjuntos de papéis sociais, levando em
consideração a complexidade do sistema, ou o fato de que determinados ocupantes de
determinados status se distanciam do devido cumprimento de seu papel ou de seus papéis e/ou
normas, ou ainda a devida falta de entendimento do funcionamento de seu papel.
Para Merton (1979), a compreensão do conceito “papel social” deve-se fazer a partir
da noção de ambivalência sociológica, sendo papel social a organização dinâmica de normas e
contra-normas, que se revelariam de uma forma alternada no comportamento social do
indivíduo, produzindo assim, a ambivalência.
Sendo assim, Merton diverge tanto de Sorokim como de Parsons, no sentido em que
estes dois autores acreditam que as relações podem ser tidas e analisadas de uma forma geral
em seus termos predominantes, quando Sorokim adverte que as relações se dão de uma forma
ou de outra, e quando Parsons forja o conceito “variável-padrão”, tenta mostrar que as
relações também se dariam de uma forma ou de outra, mas sem considerar as especificidades
do próprio papel social, pois, sua teoria tem caráter universal. Sendo assim, Merton (1979)
avalia que as classificações de Parsons e Sorokim desconsideram a estrutura normativa em
relação à ambivalência dos papéis e status sociais.
Outro ponto bastante relevante para a análise aqui em questão é o fato que Merton
(1979) considera que o conceito de “ambivalência sociológica” é utilizado como um
instrumento funcional pelos indivíduos para lidar com as possíveis situações que surgem no
meio social para o bom desempenho funcional de seu papel.
Merton também vai fazer uma discussão sobre as profissões, ou seja, as profissões são,
na sociedade industrial moderna, alvo de ambivalência sociológica, sendo disparados contra
as profissões tanto sentimentos positivos como negativos.
36
Nesse sentido, distinguem-se três tipos ou três graus de ambivalência que podem
ocorrer em relação às profissões: o primeiro grau é o profilático, aqui se tenta invalidar toda e
qualquer dificuldade antes que se agrave; o segundo grau é o preparatório, aqui se deseja
antecipar certos tipos de problemas ou possibilidades; e o terceiro tipo é o medicinal ou
terapêutico, aqui se tenta a resolução dos problemas antes que se tornem visíveis. Também se
deve levar em consideração as fontes negativas, pois, pode-se perceber que aparecem com
certa freqüência nos estudos sobre o assunto.
Dessa forma, examina-se as fontes hostis em relação às profissões que se fazem dentro
da estrutura normativa da relação profissional, entre o próprio profissional e seu cliente.
Sendo que o desempenho da profissão, pelo profissional, visando satisfazer as necessidades e
exigências de seu cliente podem provocar sentimentos de desconfiança, ressentimento, não só
por parte do cliente, mas até mesmo na sociedade de uma forma geral.
Levando em consideração mais especificamente o caso do grupo de emigrantes no
EUA (Boston) (SALES, 1999) os brasileiros são bem vistos na região, segundo a sua fama de
bons trabalhadores, mas também se sabe do fato de haver um grande preconceito em relação a
esse mesmo grupo de emigrantes trabalhadores nos EUA. Já segundo Martes (2003), há um
grande preconceito em relação à classificação étnica existente nos EUA, principalmente em
relação ao grupo de emigrantes.
Para Martes (2003), há uma grande fragilidade para demarcar as fronteiras dos
conteúdos étnicos existentes naquele país, sendo classificada em um único item
(hispanic/latino) uma grande gama de emigrantes bastantes diferentes, nesse sentido são
desconsideradas as suas especificidades, culturais e étnicas. Martes (2003) deixa claro fato de
que a nomenclatura “hispanic” e “latino” nos EUA, são intercambiáveis, porém, os brasileiros
não se sentem “hispanic” e em muitos casos a negação desse termo demonstra a afirmação do
termo “latino”, mas tendo o sentido do termo “latino” brasileiro.
Dessa forma se percebe um grande preconceito de um lado, segundo a sociedade
estadunidense não há diferenças entre emigrantes advindos de regiões diferentes (Espanha e
América Latina), desconsideram-se assim aspectos culturais e étnicos cruciais para o processo
de formação e identificação étnica desse emigrante. Já segundo Sales (1999) há uma
identificação positiva por parte não só das autoridades estadunidenses como da própria
sociedade estadunidense em Boston em relação ao grupo de emigrantes. Nesse sentido,
levando em consideração os termos do conceito “ambivalência sociológica” na perspectiva de
Merton (1979), há uma clara relação ambivalente no seio da sociedade estadunidense em
relação ao processo de formação étnica do emigrante.
37
Apesar de serem duas coisas diferentes, dois processos distintos, a identidade do
brasileiro e a visão dos estadunidenses sobre os brasileiros, são ao mesmo tempo processos
interligados, ao passo que a ideologia da sociedade estadunidense vai agir de forma decisiva
no processo de formação da identidade do emigrante, sendo assim processos que na análise
não dá para dissociá-los.
De outro lado também, Martes (2003) descreve que 7% dos entrevistados de sua
pesquisa utilizam a classificação “hispanic” sem o menor constrangimento quando percebem
que terão vantagens. Nesse sentido ser “hispanic” tem outra significação e demonstra que os
emigrantes agem assim por perceberem que terão alguma vantagem ou benefício perante à
sociedade estadunidense, fazem um cálculo de custo-benefício (MARTES, 2003).
Sendo identificada um novo processo ambivalente, para esse pequeno percentual de
emigrantes, ou seja, quando convier ao emigrante ser “hispanic” devido às vantagens que este
supõe obter, o fará sem a ver maiores problemas, mas quando houver uma situação em que ser
classificado como “hispanic” evidenciará o preconceito ou negatividade, esse emigrante
negará esse termo e se encaixará na classificação “latino”, ou qualquer outra que melhor lhe
convier na situação em questão. Martes (2003) também chama atenção para esse fato
evidenciando a questão de que quando o emigrante passa assimilar a cultura estadunidense,
nesse sentido o termo “hispanic” deixa de ser uma “camisa de força” e passa a se tornar numa
“vantagem competitiva” (MARTES, 2003).
A própria autora Martes (2003) explica tal fato justificando essa escolha pelos
emigrantes sendo que esses agem a partir da assimilação da cultura ou da classificação racial
estadunidense, mesmo sendo um número não muito expressivo chama atenção pelo fato de
que geralmente os dois termos “latino” e “hispanic”, são na visão da maioria dos emigrantes,
excludentes por evidenciarem o preconceito ou o etnocentrismo existente no seio da
sociedade estadunidense.
Nesse sentido, nota-se que seguindo ainda a análise proposta por Robert King Merton
(1979), para esse pequeno número levantado por Martes (2003), há a utilização pelos
emigrantes dessa “fluida” identidade, como um recurso funcional que estes mesmos
emigrantes lançam mão, com o objetivo de melhor se adaptar em relação às necessidades que
surgem em suas relações sociais no dia-a-dia. Evidencia-se nesse sentido, a meu ver, não uma
identidade “fluida”, mas realmente a utilização desse processo com um sentido funcional –
onde o próprio Merton (1979) evidenciou em seu estudo sobre ambivalência sociológica –
entendendo funcional, como um recurso que o emigrante utiliza para tirar maior proveito em
relação aos problemas que lhes são pertinentes.
38
É exatamente nesse ponto que se nota em relação ao grupo de emigrantes brasileiros
nos EUA, principalmente aqueles recém chegados de primeira geração, um dos maiores
fatores geradores de ambivalência. Já que segundo Merton (1979), na relação profissionalcliente um recurso utilizado que é essencial para diminuir os atritos e consequentemente as
fontes ambivalentes é uma comunicação bem estruturada entre as partes envolvidas. Nesse
sentido, esses emigrantes de primeira geração principalmente, não detêm na grande maioria
das vezes, o domínio do idioma inglês, sendo assim, o processo de comunicação se torna
extremamente limitado e as fontes de desconfiança e consequentemente o processo de
ambivalência se intensifica.
Não exatamente nesse sentido, Sales (1999) ao entrevistar um emigrante (com o nome
fictício Márcio) analisa a formação do estereótipo presente nos EUA sobre o brasileiro ser
considerado um povo trabalhador acima da média, e nessa entrevista Márcio relata:
O fato de a gente não falar a língua aqui, de início, é que leva a isso. Você aceita qualquer
coisa. Depois que o brasileiro aprende a falar um pouco de inglês a situação já muda um pouco.
No início o empregador americano percebe isso e ‘torra’ ele. No restaurante, por exemplo, ele é
humilhado e não sabendo a língua não tem como revidar, está rindo o tempo todo... (SALES,
1999, pg. 38).
Nesse ponto da análise não me prenderei ao processo de estereotipagem, tal processo
realmente tem um grande impacto na formação da identidade de um povo principalmente em
relação ao grupo emigrante que já está dentro de um processo maior que já demonstra certa
fragilidade sócio-psíquica.
Mas aqui nesse ponto prenderei a minha análise justamente no sentido em que fica
evidenciado no depoimento a cima, ou seja, os atritos provocados, os abalos na relação entre o
trabalhador emigrante e seu patrão, provocado assim, por falta de um sistema mais amplo de
comunicação, independente nesse ponto se há a formação de um processo de estereotipagem.
E esse ponto de fragilidade vai influenciar junto com os outros processos, nas relações em que
permeiam a vida do emigrante e conseqüentemente na formação étnica deste mesmo.
As fontes estruturais dizem respeito de uma forma mais direta a aspectos normativos
que vão influir e delinear tanto o comportamento do profissional, como também, o do cliente,
Merton (1979) especifica quatro tipos de fontes, sendo elas:
a) o atributo da continuidade: aqui nesse ponto, subtende-se que a relação
entre profissional-cliente demande certa continuidade, segundo as normas e
valores prescritos pela sociedade, porém, esse comportamento contrasta
com as normas do mercado que ditam que quando há uma oferta melhor ou
mais satisfatória, seria mais vantajoso ao cliente mudar de profissional.
Mas o que verdadeiramente importa é que presumidamente o cliente
39
mantém uma certa regularidade na relação com o profissional, pois, essa
continuidade é necessária, sendo que, é a partir dela que o profissional terá
um melhor conhecimento sobre o cliente, dando-lhe um melhor
atendimento individualizado. Sendo assim, essa norma da continuidade
gera ambivalência, pois, pode-se tornar uma pressão para que o cliente não
mude de profissional, quando a relação já não o seja mais satisfatória;
b) o atributo da autoridade profissional: o fato de se atribuir ao profissional
um certo grau de autoridade devido à sua competência também é um
elemento gerador de ambivalência. Sendo assim, por mais legítima que seja
a autoridade, esta gera, devido ao seu status e cumprimento de seu papel,
sentimentos ambivalentes, aos que estão ao seu redor, como, por exemplo,
respeito, amor e admiração, e de medo, aversão e até mesmo desdém. Outro
fator, é que ao desempenhar sua atividade a autoridade pode frustrar seu
cliente, impondo novas formas de se comportar e agir. Outro ponto nesse
sentido também gerador de ambivalência é o fato de que muitas vezes o
cliente tem que dá informações pessoais importantes à autoridade
profissional, e segundo Merton (1979) mais uma vez deixa claro, que uma
comunicação adequada diminuiria os riscos de gerar tal ambivalência;
c) viver da profissão: o profissional, nesse ponto, de maneira alguma pode
subordinar os interesses do cliente em detrimento dos seus, pois, seria
contra as normas estipuladas pela sociedade. Mas, mesmo assim, Merton
(1979) detecta uma ambivalência nesse ponto, ou seja, o profissional deve
agir de acordo a norma estipulada pela sociedade, resolvendo ou ajudando a
resolver os problemas do cliente, mas também há um outro lado, que é a
dependência do cliente aos cuidados profissionais que lhe garante seu meio
de vida. Esse é um outro motivo que faz com que o cliente desconfie das
ações promovidas pelo profissional;
d) avaliações discrepantes do desempenho do papel: Merton (1979) deixa
claro que a estrutura social se diferencia ou é composta pelos status sociais,
papéis e estratos sociais, sendo que cada uma dessas partes possuem
valores e interesses congruentes, como também, incongruentes. Isso quer
dizer que as pessoas que ocupam os cargos (papéis) distintos na estrutura
social são impelidas a fazerem avaliações diferentes das mesmas
experiências e situações do meio social. Por exemplo, as pessoas mais
leigas julgam o trabalho do profissional geralmente pelo resultado obtido,
40
se tem êxito ou não. Os próprios profissionais fazem uma avaliação
levando em consideração a situação em si, o que foi conseguido e se
realmente de fato poderia ter se conseguido mais naquela situação. E
segundo Merton, essa disparidade entre a qualidade do desempenho e o
resultado efetivo se faz em todos os âmbitos de atividades especializadas
(MERTON, 1979, pg. 42).
Aqui nesse ponto o sistema de comunicação desempenhado pela sociedade vai exercer
profunda influência. Ou seja, as experiências hostis e frustrantes sofridas pelo cliente se fazem
conhecidas pela sociedade de forma geral, e ajuda a formar uma determinada visão “negativa”
sobre determinado meio profissional. Isso quer dizer que os clientes têm uma vida social
ampla, disseminando assim suas idéias e experiências às pessoas que estão ao seu redor. Isso
quer dizer, segundo Merton (1979) que a estrutura de conjunto de status e papéis sociais são
interdependentes.
Neste ponto há um processo de ambivalência negativa em relação aos emigrantes, no
sentido de em algum momento ocorrer determinado atrito em uma relação específica entre
empregado e empregador, sendo que o ciclo de relações dos empregadores (nativos
estadunidenses) é amplamente maior que o ciclo de relações dos emigrantes, estas
experiências podem se tornar visíveis na sociedade estadunidense e esse emigrante pode
sofrer as conseqüências negativas desse fato.
Outra análise também bastante interessante faz Ribeiro (1999), este autor analisa a
comunidade emigrante em São Francisco – EUA, que têm uma composição bastante
diversificada em relação à gênero, classe social, status, origem regional (segundo o autor a
maioria vem do Estado de Goiás).
Nesse sentido uma questão bastante interessante abordada por este autor é o fato de
que as trocas internas e externas de experiências que o grupo emigrante fomenta, utilizando os
já referidos estereótipos anteriormente, cria uma grande fonte daquilo que ele denominou ser
ambivalência cultural e identitária (Ribeiro, 1999).
Para demonstrar tal questão, mais uma vez recorrerei à análise de Sales (1999) sobre o
processo de estereotipagem, fazendo uma relação com o conceito de Merton (1979)
“ambivalência sociológica”.
Sendo assim, Sales (1999) demonstra que no seio da sociedade estadunidense já existe
um grande estereótipo do povo brasileiro como sendo muito trabalhador, que foi sintetizado a
partir das próprias características do fluxo migratório brasileiro, onde esse emigrante teve que
se situar em serviços de menores remunerações do setor secundário (SALES, 1999).
41
Outra característica importante desse processo de auto-imagem do trabalhador
brasileiro faz jus ao fato de que essa imagem do povo trabalhador ser geralmente relacionada
com o fato desse mesmo povo brasileiro ser “bem visto” em relação à alguns tipos de
serviços, como por exemplo o de faxina e asilos. (SALES, 1999).
Esse fato se baseia em um estereótipo que já faz parte da identidade, da constituição
do povo brasileiro, sendo entendido como alegre, comunicativo, esforçado, que segundo Sales
(1999) migrou (“carga cultural”) junto com o próprio emigrante.
E na constituição de todo esse processo, onde o emigrante brasileiro que se autoidentifica como trabalhador, comunicativo, alegre (SALES, 1999), entra um novo aspecto,
buscando desenvolver um processo de “ambivalência sociológica” (MERTON, 1979) dentro
de um outro processo de estereotipagem, classifica a comunidade hispânica como preguiçosa
e ineficiente. E esse processo de ambivalência pode ser entendido como uma ambivalência
voltada de uma “classe” para outra, nesse caso mais específico seria voltada de um grupo
étnico para outro.
Nesse sentido, a maioria da população emigrante brasileira rechaça a denominação
“hispanic” e se vale de uma gama de estereótipos também já pré-existentes na sociedade
estadunidense para se auto-afirmarem e se auto-identificarem.
Fazendo uma análise clara sobre esse processo de estereotipagem dentro do conceito
de ambivalência sociológica proposto por Merton (1979), percebe-se aí uma dicotomia de
sentimentos, ou melhor, uma alternância de opiniões, um processo de ambivalência
sociológica, não em relação a profissões (papeis e status), mas de forma análoga, em relação
de uma categoria ou grupo étnico a outro.
Ou seja, o grupo de emigrantes brasileiros se valendo de estereótipos já pré-existentes
na sociedade estadunidense e também se valendo de estereótipos já incrustados em sua autoimagem dirige, de forma negativa para se diferenciar do grupo de emigrantes hispânicos, um
processo de ambivalência, pois há uma caracterização estereotipada desse grupo, por parte
dos emigrantes brasileiros, como sendo preguiçosos, entre outras coisas, nesse sentido, esse
processo de ambivalência pode ser entendido como um artifício funcional para melhor se
adaptar e procurar melhores espaços dentro da sociedade estadunidense.
42
CONCLUSÃO
Deve-se levar em consideração um fato extremamente importante em relação ao
processo de redefinição da expectativa temporal que sofreu o emigrante, como essencial
dentro de sua formação étnica, pois, a partir dessa redefinição é que surgem novos projetos de
vida, uma nova identidade, em escala grupal. Há uma clara evidência desse processo, já que
há um movimento por parte da camada emigrante brasileira nos EUA, de uma maior
estruturação, que passa pela via da legalização, através de pagamentos de impostos,
investimentos na área imobiliária nos EUA (pelo menos antes dessa atual crise¹), diminuição
das remessas em dólares para o Brasil, estruturação familiar, inclusive com o planejamento de
nascimentos de filhos em solo estadunidense.
Os laços com o Brasil não são cortados, algumas vezes essas redes sofrem impactos,
mas não deixam de existir, e sim há um nascimento, ou melhor, há uma redefinição desses
laços. Ocorre o surgimento de novos vínculos nos EUA que são intensificados a partir da
própria ligação do emigrante brasileiro com a sua terra natal, através do processo de
transnacionalidade, quando esse se sente cada vez mais próximo de casa, da reconstrução de
traços da sua cultura local, mesmo que espacialmente distante.
Nesse sentido vários fatores vão fortalecer e reforçar a identidade do emigrante
brasileiro nos EUA, como, por exemplo, a culinária, a música, a dança, estabelecimentos
étnicos, a imprensa étnica, a preservação da língua, dentre outros.
A imprensa étnica tem forte influência no processo de etnização dos emigrantes
brasileiros, pois, através dela esses emigrantes podem acompanhar as notícias de sua terra
natal. Sabem notícias do Brasil e também são divulgadas notícias de sucessos de emigrantes
brasileiros nos EUA, e muitas notícias de uma sempre evidente crise no Brasil, fatos esses que
estimulam o processo de alargamento da expectativa temporal.
Outro ponto de importante influência no processo de formação étnica do emigrante
brasileiro é a igreja que tem seu papel bastante definido. Independente do credo, as igrejas
agem no sentido de congregar fieis e promovem ajuda, tanto material como psicológica, ali
naquele ambiente as pessoas convivem com outras pessoas que têm geralmente os mesmos
¹ A crise no mercado hipotecário dos EUA é uma decorrência da crise imobiliária pela qual passa o país, e deu
origem, por sua vez, a uma crise mais ampla, no mercado de crédito de modo geral. O principal segmento
afetado, que deu origem ao atual estado de coisas, foi o de hipotecas chamadas de "subprime", que embutem um
risco maior de inadimplência (NO BRASIL, 2009).
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problemas, compartilhando assim as mesmas angústias e dessa forma o convívio é
intensificado e o sentimento de pertencimento à um determinado grupo é cada vez mais
reavivado, no caso, o pertencimento ao grupo de emigrantes brasileiros nos EUA.
Em relação aos emigrantes de segunda geração, filhos dos emigrantes de primeira
geração, deve-se considerar algumas diferenças nesse processo.
Muitos filhos dos emigrantes de primeira geração, já nasceram em solo estadunidense,
nesse sentido são cidadãos americanos, mas suas situações também não são tão estáveis já que
a maioria de seus pais é ilegal e suas guardas pertencem à esses.
Mesmo assim, há uma grande diferença no processo de formação étnica dessa camada
de emigrantes, muitos desses emigrantes já carregam nomes típicos da cultura estadunidense,
e falam o inglês fluente sem o sotaque. Esses emigrantes, já que são cidadãos estadunidenses,
podem desfrutar do sistema educacional, de saúde e todos os direitos de um cidadão.
Esse fato não quer dizer que esses emigrantes de segunda geração não enfrentarão
nenhum problema. No sistema educacional sofrem um grande desrespeito e geralmente são
matriculados em séries inferiores com a alegação de que não acompanharam o nível de ensino
regular, os professores partem de um sistema de ensino onde a flexibilização deve sempre
acontecer por parte do aluno.
A escola é o meio mais abrangente onde o processo de formação étnica do emigrante
de segunda geração é formado, ali são lhes passados todos os valores da sociedade
estadunidense de uma forma bastante intensa, onde a exaltação desses valores tem um lugar
preponderante nessa educação.
Porém, há outro lado, o convívio desse emigrante de segunda geração nas igrejas, com
os pais, a preservação da língua portuguesa, nas creches traz uma noção e formação do
processo étnico brasileiro, que se confronta com a educação estadunidense recebida nas
escolas, formando assim nesse emigrante um emaranhado de culturas onde o hibridismo está
presente.
Além das igrejas como cenário de divulgação da imagem do Brasil que servem como
ambientes onde o processo de formação étnico do emigrante é ativado e pertencimento a
determinado grupo é intensificado, existem outros cenários como festas privadas onde o
convívio entre emigrantes também é intensificado e ali parâmetros culturais brasileiros são
reproduzidos.
Os estabelecimentos comerciais étnicos, como, por exemplo, bares, restaurantes,
também são outras fontes onde esse convívio é intensificado, representações culturais
brasileira são exaltadas através da música, culinária, folclore e tudo isso serve como
instrumento de pertencimento e aproximação cultural por parte do emigrante ao Brasil, e ao
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mesmo tempo serve para fazer com que esse emigrante seja estimulado a intensificar o
processo de redefinição de expectativa temporal. Nesse sentido os vínculos com o Brasil estão
cada vez mais reforçando a permanência dos emigrantes no país hospedeiro.
Outro grande cenário que desempenha crucial importância nesse sentido é a celebração
de carnaval que acontece em São Francisco, seguindo até a data do carnaval brasileiro. Nesse
carnaval há até escolas de samba, tanto de brasileiros, como de outras nacionalidades,
dançarinos e músicos, mas o que de fato é importante salientar é a questão que essas festas
são na realidade uma oportunidade desses artistas se expressarem, mostrarem suas artes, sua
cultura, nesse sentido, é um momento de mais uma vez proximidade com o Brasil, sendo
entendido como um contexto de afirmação da identidade brasileira.
Nesse sentido onde há o convívio entre emigrantes brasileiros e de outras
nacionalidades nesses cenários, como também em todo o processo que envolve a imigração é
de profunda importância deixar claro que a igualdade e a alteridade é fundamental nesse
processo onde o “confronto” com “outro” para assim sintetizar o “nós”, pois, é a partir dessa
busca de limites, desse confronto que surge os novos valores, uma nova identidade.
Mais especificamente sobre o processo de identidade sobre a perspectiva teórica
sociológica, pode-se concluir o fato de que a identidade do emigrante muitas vezes é
entendida como um fluxo variável sujeitos à negociações, a partir do conceito de
ambivalência sociológica de Merton (1979), utilizando assim de maneira funcional tal
contexto dependendo de cada situação em que este viva.
Martes (2003) identifica, em seu estudo, um pequeno grupo de brasileiros que utiliza
de maneira funcional sua identidade étnica na sociedade estadunidense. Ora se identificam
como “latino” ora como “hispanic”. Essa atitude pode ser analisada na perspectiva mertoniana
de “ambivalência”. O conceito de ambivalência social, sob a ótica do processo de
identificação étnica de forma funcional, ou seja, quando lhes melhor convier dentro de cada
situação, se afiliam à essa ou aquela nomenclatura identitária, já que almejam em suas
análises alcançar certas vantagens competitivas. Mesmo sendo um percentual pequeno tal
autora afirma que é importante tal explicação já que a maioria dos emigrantes rejeita a
identificação “hispanic” devido o preconceito, a rotulação negativa que tem tal camada de
emigrante, processo esse denominado como de “estereotipação” que também exerce
influência nesse contexto.
Outro fato influente aonde o processo de ambivalência vai se fazer evidente nesse
contexto, gira em torno principalmente dos emigrantes de primeira geração, já que a maioria
destes não dominam o idioma inglês, sendo entendido o processo de comunicação crucial para
diminuir as fontes ambivalentes, sendo intensificado assim de forma negativa tal processo de
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ambivalência que sofre este emigrante e os impactos no processo de definição identitária
nesse sentido são evidentes.
Mais especificamente sobre as influências do processo de estereotipação no
processo de formação identitária, pode-se concluir que o grupo emigrante brasileiro se vale
tanto dos estereótipos já incrustados em sua “carga cultural” como dos estereótipos préexistentes no seio da sociedade estadunidense para buscar sua auto-definição e auto-afirmação
enquanto grupo.
Nesse sentido o grupo de emigrantes brasileiros se auto identifica como altamente
trabalhadores, esforçados e classificam de forma estereotipada (sendo classificada tal camada
de emigrantes, geralmente de preguiçosos, mal trabalhadores) uma outra camada de
emigrantes, a hispânica, distanciando-se desta de forma ambivalente, buscando assim na
oposição se auto afirmar enquanto grupo.
Sendo identificado aí um processo de ambivalência, que utiliza os moldes de forma
análoga “papéis sociais” e “status sociais” que é direcionado geralmente a uma profissão ou
grupo de profissão, mas no caso aqui em questão é direcionado a um outro ou grupo de
emigrantes, no caso a comunidade hispânica nos EUA.
Depois de toda essa explanação, pode-se afirmar que, o processo de formação
identitária do emigrante valadarense nos EUA torna-se multifacetado, híbrido, ou seja, uma
teia, um emaranhado de valores e sentimentos que procuram buscar sua auto-identificação,
que aos poucos vai tomando suas próprias formas, dentro da sociedade estadunidense.
Já é possível em muitos casos se falar de uma comunidade brasileira situada em
determinado local dentro da sociedade estadunidense, isso demonstra que essa comunidade
brasileira tem grande influência dentro da própria sociedade estadunidense e já é grande o
suficiente para buscar meios que lhes garantam sua identificação étnico-cultural.
Sendo pontual em relação ao processo de estereotipagem pode-se afirmar de forma
mais contundente que este processo participa de forma decisiva na formação identitária do
grupo emigrante brasileiro nos EUA, no sentido que este se vale do processo de
estereotipagem para buscar sua diferenciação perante a sociedade estadunidense e outros
grupos étnicos que participam de todo o processo.
Também em relação a esse processo de estereotipagem pode-se afirmar o fato de haver
uma certa similaridade entre os estereótipos existentes na sociedade brasileira e os
estereótipos existentes entre a camada brasileira de emigrantes nos EUA, já que segundo
Sales (1999) parte da carga cultural migra junto com o próprio emigrante. Nesse sentido,
também pode-se concluir que mais uma vez o processo de transnacionalização étnica está
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cada vez mais presente e influente nas relações que procuram garantir a auto-idetificação ao
grupo emigrante de brasileiros nos EUA.
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