VIII CONVENÇÃO DAS DELEGAÇÕES AVEIRO – 12, 13 E 14 DE OUTUBRO DE 2012 DELEGAÇÃO DE GOUVEIA AUTOR: CARLOS PORTUGAL MESTER DE TANTOS DEVERES E RAROS DIREITOS TEMA: Intervenção das Delegações na Sociedade Civil na Defesa dos Direitos, Liberdades e Garantias dos Cidadãos O meu avô materno acabou a sua carreira de magistrado como juiz desembargador, impedido de chegar a conselheiro do STJ por um processo disciplinar que o Regime lhe mandou instaurar como paga da sua obstinada seriedade e independência pessoal e profissional que recusou quebrar. A história é simples e conta-se rapidamente. Mau grado as terríveis dificuldades financeiras da sua humilde condição de filho de um professor primário no interior mais pobre que a Beira tem, lá ingressou ele no curso de 1910 da Faculdade de Direito de Coimbra, tornado célebre pelos dois colegas que ali teve, António de Oliveira Salazar e Manuel Gonçalves Cerejeira, as figuras tutelares do anterior Regime Corporativoclesiástico. Anos passados, já como magistrado em Aveiro, decidiu ele condenar um padre que amiúde metia as mãos (e não só) na sacristia, à revelia quer das regras apostólicas a que devia obediência, quer das leis civis que o Estado obriga. E porque não deu guarida aos recados e bilhetes que entretanto lhe tinham enviado de Lisboa, sugerindo arranjo ou complacência, o Regime que não esquece, nem perdoa, quem se lhe não ajoelha, por interposta ordem do seminarista e Ministro da Justiça de então Manuel Rodrigues, instaurou-lhe um processo disciplinar capaz de lhe moldar o resto da carreira. E assim foi! Há uns anos a esta parte, tentei consultar o arquivo de tal processo, solicitando ao CSM a autorização competente, tendo tido o cuidado de referir que me movia o único objectivo de historiar uns escritos sobre esse meu antecessor. Nem resposta me deram. Para que conste e se saiba como o Sistema e as suas Corporações funcionam, como se escondem, como se vão perpetuando pelo silêncio. Aveiro, 12, 13 e 14 de Outubro de 2012 1 Lembrei-me desta história a propósito de dizer alguma coisa a esta VIII Convenção em Aveiro que a todos nos devia inquietar, tais os desmandos que em crescendo vêm atropelando este mester já meio desfeito. Na advocacia como na vida, ou somos ou não somos sérios, não há meias tintas, como não há meias verdades, nem meias liberdades. Neste mester de tantos deveres e raros direitos enganam-se os que pensam que podem ser sérios umas vezes, outras nem por isso, mais ou menos, quando lhes apetece ou quando lhes dá jeito. Na advocacia como na vida há os esbirros, os crápulas e os videirinhos que nem sempre se distinguem dos outros, misturados com os ricos e os pobres, os patifes e os inocentes, os eupatas e os aldrabões, os puros e os enteados, os sacristas, os escroques, os safados e os maltrapilhos, as vítimas e os filhos da sua própria natureza social e política, cada vez mais protagonistas duma história arranjista e mentirosa. O advogado que conhece e preza a dignidade, tem o dever de lidar com quer que seja e o procure sem que se misture ou tal pareça. De ser sério ainda que humilde. Por isso não deviam alguns angariar e traficar influências e benesses na órbita das seitas político-partidárias que os acoitam e aproveitam. Do mesmo modo que não deviam outros por meios esquivos e mercantilistas publicitar-se descaradamente por qualquer pretexto e a cada momento nos mais diferentes meios de comunicação audiovisuais. E por ai adiante. Porque isto de se chegar a ser verdadeiramente um advogado custa e leva muito tempo. Esta é uma profissão de tantos deveres e raros direitos e é por isso que ser advogado não devia ser para qualquer e muito menos para quem quer. CONCLUSÕES 1 - Na advocacia como na vida ou somos ou não somos sérios e enganam-se os que pensam que o podem ser umas vezes e outras não ou se e quando lhes der mais jeito. 2 – O advogado tem o dever de ser sério, ainda que humilde. 3 – A Advocacia é um mester de tantos deveres e raros direitos que não devia estar ao alcance de qualquer e muito menos de quem quer. Aveiro, 12, 13 e 14 de Outubro de 2012 2