O Mercado de Trabalho no Rio de Janeiro na Última Década
João Saboia1
1) Introdução
A década de noventa foi marcada por grandes flutuações na economia brasileira. Iniciou
sob forte recessão no governo Collor, recuperando-se a partir de 1993. Em 1994, com o
Plano Real, houve aumento do fôlego da economia. Naquele ano, o crescimento econômico
atingiu quase 6%. A partir de 1996, entretanto, começou um processo de desaceleração,
dando o origem a novo período recessivo em 1998/99, quando a economia voltou à
estagnação. Finalmente, em 2000, houve nova performance favorável, com crescimento de
4,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
O mercado de trabalho seguiu a reboque os passos da economia, melhorando nos períodos
de crescimento e piorando durante a desaceleração e a recessão. O saldo da década, todavia,
foi bastante desfavorável, como será mostrado a seguir.
A análise desenvolvida neste artigo utiliza os dados da Pesquisa Mensal de Emprego
(PME) do IBGE. São apresentados os dados referentes às seis regiões metropolitanas
cobertas pela PME, destacando-se a situação da região metropolitana do Rio de Janeiro
(RMRJ) frente às demais.
Na medida em que a PME fornece um amplo conjunto de informações sobre o mercado de
trabalho, foram selecionadas algumas estatísticas que cobrem os mais variados aspectos do
mercado de trabalho urbano/metropolitano. Inicialmente, discute-se cada uma das
estatísticas escolhidas. Em seguida, os dados são transformados em indicadores, permitindo
medir o grau de desenvolvimento do mercado de trabalho em cada região ao longo da
década, o que confirma a deterioração sofrida nos últimos anos.2
1
João Saboia é professor titular do IE/UFRJ.
Para maiores detalhes sobre a metodologia utilizada neste artigo, ver Saboia, João, “Um Novo Índice para o
Mercado de Trabalho Urbano no Brasil”, Revista de Economia Contemporânea, v. 4, n. 1, janeiro/junho de
2000.
2
1
2) Desemprego
Todas as seis regiões metropolitanas (RMs) apresentaram forte crescimento do desemprego
durante a última década. O Rio de Janeiro, entretanto, iniciou e terminou com a menor taxa
de desemprego entre as RMs pesquisadas. Sua taxa média passou de 3,6% para 5,3% no
período. Em 2000, o desemprego chegava a atingir 9,8%, em Salvador, mostrando a
situação relativamente favorável da RMRJ neste aspecto.
O desemprego torna-se mais grave na medida em que atinge os chefes de família,
responsáveis pela maior parcela da renda familiar. Houve pequeno crescimento da
participação dos chefes entre os desempregados na RMRJ ao longo da década. Enquanto
29,9% de sua população desempregada era constituída por chefes de família em 1991, no
final do período analisado sua participação atingia 31,7%. Nas demais RMs, houve casos de
crescimento e de queda da importância dos chefes entre os desempregados. Em 2000, a
RMRJ encontrava-se em situação intermediária entre as demais RMs. Neste ano, os
percentuais de chefes entre os desempregados variavam entre 28,2% em Belo Horizonte e
37,0% em Recife.
Outro aspecto importante do desemprego é sua duração. Quanto mais tempo o trabalhador
permanecer desempregado, mais difícil será seu retorno ao mercado de trabalho. Neste
sentido, houve grande crescimento do desemprego de longa duração durante a década. Na
RMRJ, o percentual de desempregados com 12 meses ou mais sem trabalho quase dobrou,
passando de 13,0% em 1991 para 25,1% em 2000. Apesar disso, a situação da RMRJ era
uma das melhores em 2000, sendo superada apenas pela menor taxa verificada em São
Paulo (24,5%). Neste último ano, o percentual de desempregados há 12 meses ou mais
chegava a atingir 34,1% em Recife.
Em resumo, os dados de desemprego no país apontam claramente no sentido de piora das
condições do mercado de trabalho ao longo da última década. A RMRJ, entretanto, colocase numa situação relativamente favorável quando comparada com as demais RMs
pesquisadas pela PME.
Figura 1
Taxa de desemprego (7dias)
12
(%)
10
8
1991
6
2000
4
2
0
RJ
SP
PA
BH
RE
SA
Região Metropolitana
2
Figura 2
Percentual de desempregados com 12
meses ou mais sem trabalho
40
(%)
30
1991
20
2000
10
0
RJ
SP
PA
BH
RE
SA
Região Metropolitana
Figura 3
Percentual de chefes entre os
desempregados
40
(%)
30
1991
20
2000
10
0
RJ
SP
PA
BH
RE
SA
Região Metropolitana
3
3) Rendimento
Um outro aspecto fundamental na análise do mercado de trabalho é o nível de rendimento
dos trabalhadores e as desigualdades em sua distribuição. Em geral, houve aumento do
nível de renda nas seis RMs. A única exceção é Salvador, onde verificou-se queda. Na
RMRJ, o nível médio passou de R$ 609, em 1991, para R$ 663, em 2000, com crescimento
abaixo de 10%. Em 2000, o rendimento médio da RMRJ era inferior apenas ao de São
Paulo (R$ 865) e Porto Alegre (R$ 679). O menor era encontrado em Salvador (R$ 436).3
Os diferenciais de rendimento, segundo o nível de escolaridade dos trabalhadores, cresceu
em algumas RMs e caiu em outras. No caso da RMRJ, a relação entre o nível de
rendimentos dos trabalhadores com 12 anos ou mais de estudo e com 4 anos ou menos de
estudo caiu de 4,8 para 4,3, significando uma redução das desigualdades. Em 2000, a
RMRJ colocava-se entre as RMs com as menores desigualdades de rendimentos por nível
de escolaridade. Apenas Porto Alegre (4,0) e São Paulo (4,1) apresentavam resultados mais
favoráveis. Tal relação chegava a atingir o valor 6,4 em Salvador, significando que os
trabalhadores com maior escolaridade ganhavam, em média, mais de seis vezes o recebido
pelos menos escolarizados.
Uma outra forma de se medir as desigualdades salariais é a partir da relação entre os
salários médios dos trabalhadores com carteira assinada e sem carteira assinada.
Excetuando-se o caso de São Paulo, onde esta relação manteve-se constante, nas demais a
tendência foi de redução das desigualdades salariais segundo a posse da carteira assinada.
Na RMRJ, passou de 1,16 para 1,05, significando que, em 2000, os trabalhadores com
carteira assinada ganhavam apenas 5% a mais que aqueles que não possuíam a assinatura
na carteira. Em São Paulo, este diferencial chegava a 36%.4
Verifica-se, portanto, que a RMRJ apresenta indicadores intermediários entre aqueles
encontrados nas demais RMs quando considerados os dados de nível e desigualdade dos
rendimentos do trabalho. Salvo algumas poucas exceções, a evolução durante a década
aponta na direção de melhoria dos indicadores de rendimento nas várias RMs.
3
O nível médio de renda é medido em reais de 2000.
O fato de se encontrar rendimentos maiores para o empregado sem carteira assinada do que para o
empregado com carteira em Porto Alegre e Belo Horizonte deve-se, provavelmente, à inclusão dos
funcionários públicos locais entre os empregados sem carteira.
4
4
Figura 4
Renda real média (reais de janeiro de 2000)
1000
R$
800
600
1991
400
2000
200
0
RJ
SP
PA
BH
RE
SA
Região Metropolitana
Figura 5
Relação entre a renda de ocupados com
12 anos ou mais de estudo e com até 4
anos de estudo
8
7
6
5
4
3
2
1
0
1991
2000
RJ
SP
PA
BH
RE
SA
Região Metropolitana
5
Figura 6
Relação entre a renda dos empregados
com carteira assinada e sem carteira
assinada
2,0
1,5
1991
1,0
2000
0,5
0,0
RJ
SP
PA
BH
RE
SA
Região Metropolitana
4) Formalidade, Escolaridade e Importância da Indústria
Nesta seção, são discutidos os dados representativos de três aspectos importantes do
mercado de trabalho – o grau de formalização da força de trabalho; o nível de escolaridade
dos trabalhadores; e a importância da indústria, onde se localiza boa parte dos melhores
empregos do país.
A variável mais adequada da PME para se medir a importância do mercado formal de
trabalho é o percentual de empregados com carteira assinada. Neste aspecto, o mercado de
trabalho metropolitano andou para trás. Nas seis RMs, houve forte redução do percentual
de empregados com carteira assinada. Na RMRJ, caiu de 50,1% para 40,9%. Em 2000, o
percentual encontrado na RMRJ superava apenas aquele de Recife (39,2%). Um dado que
confirma a redução do grau de formalidade é o fato de São Paulo ter, em 2000, um
percentual de trabalhadores com carteira assinada (45,0%) inferior ao menor encontrado
entre as seis RMs, em 1991 (46,1%, em Recife).
No caso do nível de escolaridade dos trabalhadores, os dados são relativamente favoráveis.
Embora a escolaridade média dos trabalhadores ainda permaneça baixa, quando comparada
com o padrão internacional, houve nítida tendência de crescimento. Ao se considerar o
percentual de trabalhadores com 12 anos ou mais de estudo, por exemplo, verifica-se que,
excetuando-se Salvador, houve aumento nas demais RMs. Na RMRJ, passou de 15,6% para
20,2% da força de trabalho. Neste último ano, apenas São Paulo superava o percentual
encontrado na RMRJ, atingindo 21,0%.
Entre outras características, a indústria é conhecida pela capacidade de gerar bons
empregos. Geralmente, com carteira assinada e, muitas vezes, bem remunerados quando
comparados com a maioria dos empregos do comércio, serviços e agricultura. No interior
6
da indústria, apenas a construção civil é famosa pela precariedade e alta rotatividade de
seus empregos. Ao se considerar o percentual de empregos gerados pela indústria
(exclusive construção civil) nota-se uma forte redução em todas as RMs. No caso da
RMRJ, sua participação passou de 17,3% para 11,9%. Em 2000, apenas Salvador (9,8%)
possuía um percentual inferior ao encontrado na RMRJ. Este dado confirma a pequena
importância da indústria na RMRJ.
Portanto, dos três aspectos relativos às formas de inserção dos trabalhadores no mercado de
trabalho considerados nesta seção, apenas o nível de escolaridade apresentou melhora na
década, tanto na RMRJ quanto nas demais RMs.
(%)
Figura 7
Percentual de ocupados com carteira
assinada
70
60
50
40
30
20
10
0
1991
2000
RJ
SP
PA
BH
RE
SA
Região Metropolitana
Figura 8
Percentual de ocupados com 12 anos ou
mais de estudo
25
(%)
20
15
1991
10
2000
5
0
RJ
SP
PA
BH
RE
SA
Região Metropolitana
7
(%)
Figura 9
Percentual de ocupados na indústria
(exceto construção civil)
35
30
25
20
15
10
5
0
1991
2000
RJ
SP
PA
BH
RE
SA
Região Metropolitana
5) Evolução do Mercado de Trabalho na RMRJ na Última Década
Os dados apresentados nas três seções acima foram transformados em indicadores
utilizando a mesma metodologia desenvolvida pelo Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) das Nações Unidas. Trata-se, simplesmente, de se transformar os dados originais da
PME em indicadores que variam entre 0 (zero) e 1 (um), de tal forma que quanto mais
próximo do valor zero, pior será a situação representada, e quanto mais próximo de um,
melhor será a situação.
Inicialmente, são construídos três indicadores-síntese – de desemprego; de rendimento; e de
inserção no mercado de trabalho (formalidade/escolaridade/indústria). Cada um deles
utiliza as três estatísticas correspondentes já apresentadas. Em seguida, é construído um
indicador-síntese global para o mercado de trabalho, obtido a partir da média dos três
indicadores-síntese anteriores.
Os gráficos 1 a 3 apresentam os indicadores-síntese nas três dimensões utilizadas nas seis
RMs no período 1991/2000. O gráfico 4 ilustra o indicador-síntese global.
O indicador-síntese de desemprego seguiu de perto o ciclo econômico da última década,
piorando durante a recessão do início dos anos noventa, melhorando durante a recuperação,
voltando a piorar na segunda metade da década, tendendo à estabilização no final do
período (em alguns casos, melhorou em 2000). Todas as seis RMs tiveram seu índicesíntese de desemprego reduzido ao longo da década. No caso da RMRJ, caiu de 0,882, em
1991, para 0,595, em 2000. Neste último ano, o índice-síntese de desemprego da RMRJ era,
com destaque, o melhor entre as seis RMs cobertas pela PME.
8
Diferentemente do anterior, o indicador-síntese de rendimento melhorou em todas as RMs,
exceto em São Paulo, onde não houve avanço no período. A década foi marcada pela
redução do indicador até 1992, forte recuperação a partir de 1993, atingindo o valor
máximo em torno de 1997, caindo um pouco na maior parte da RMs no final da década. Na
RMRJ, subiu de 0,608, em 1991, para 0,706, em 2000. Neste último ano, o Rio de Janeiro
perdia apenas para São Paulo (0,802) e Porto Alegre (0,764).
O indicador-síntese de inserção no mercado de trabalho (formalidade/escolaridade/
indústria) piorou na primeira metade da década, apresentando tendência à estabilização na
segunda metade dos anos noventa. Da mesma forma que no caso do indicador de
desemprego, houve piora em todas as seis RMs. Na RMRJ, passou de 0,551 para 0,351,
ficando bem abaixo de Porto Alegre e São Paulo e um pouco abaixo do encontrado em Belo
Horizonte.
Finalmente, o indicador-síntese global do mercado de trabalho, que representa a média dos
anteriores, mostra uma inequívoca tendência à piora ao longo da última década. Em geral,
caiu até 1992, recuperou-se em seguida, voltando a cair a partir de 1996/97, e mostrando
sinais de recuperação apenas no ano 2000. Na RMRJ, passou de 0,681, em 1991, para
0,551, em 2000. O Rio de Janeiro coloca-se em terceiro lugar, abaixo de São Paulo e Porto
Alegre, mas acima de Belo Horizonte. Recife e Salvador, possuem indicadores bem
inferiores às capitais do Sul/Sudeste.
Gráfico 1: Indicador- síntese de desemprego por
região metropolitana - 1991/2000
1,000
0,900
0,800
0,700
0,600
0,500
0,400
0,300
0,200
0,100
0,000
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
RJ
SP
PA
BH
RE
SA
9
Gráfico 2: Indicador-síntese de renda por região
metropolitana - 1991/2000
1,000
0,900
0,800
0,700
0,600
0,500
0,400
0,300
0,200
0,100
0,000
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
RJ
SP
PA
BH
RE
SA
Gráfico 3: Indicador-síntese de inserção por região
metropolitana - 1991/2000
1,000
0,900
0,800
0,700
0,600
0,500
0,400
0,300
0,200
0,100
0,000
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
RJ
SP
PA
BH
RE
SA
10
Gráfico 4: Indicador-síntese global do mercado de
trabalho por região metropolitana - 1991/2000
1,000
0,900
0,800
0,700
0,600
0,500
0,400
0,300
0,200
0,100
0,000
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
RJ
SP
PA
BH
RE
SA
6) Conclusão
A partir de um amplo conjunto de dados levantados da PME do IBGE, pode-se concluir que
houve nítida piora no mercado de trabalho metropolitano do país na última década. A
RMRJ não fugiu a regra. Sua principal vantagem é possuir indicadores de desemprego mais
favoráveis que as demais RMs. Em compensação, é superada por São Paulo e Porto Alegre
nos indicadores de rendimento e também por Belo Horizonte nos indicadores de inserção
no mercado de trabalho.
O resultado acima é especialmente preocupante pelo fato de estarem sendo comparados
1991 - um ano considerado “ruim”, em meio a uma forte recessão – com 2000 – um ano
indiscutivelmente “bom”, quando a economia cresceu 4,5%.
Ao serem considerados todos os dados utilizados, a RMRJ faz parte do grupo de RMs do
Sul/Sudeste, onde os indicadores são sistematicamente mais favoráveis que os encontrados
nas duas RMs do Nordeste, ocupando a terceira posição, abaixo de São Paulo e Porto
Alegre, mas acima de Belo Horizonte.
Desde 1997, o indicador global do mercado de trabalho, apresentado neste artigo, vem
piorando na RMRJ. No ano passado, apenas o mercado de trabalho da RMRJ não foi
beneficiado pela recuperação da economia brasileira, mantendo o perfil de piora na maioria
dos indicadores. Tendo em vista as dificuldades da economia brasileira em 2001, a
recuperação do mercado de trabalho obtida em 2000 nas demais RMs poderá ser revertida,
ao mesmo tempo em que o mercado de trabalho da RMRJ, provavelmente, permanecerá em
sua trajetória de queda.
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