Envelhecimento populacional e o mercado de trabalho para o idoso Karen Valadares Trippo1 Milena Alves Medrado2 Resumo: O presente ensaio teórico objetiva abordar os impactos do envelhecimento populacional sobre mercado de trabalho, com base em algumas publicações do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada (IPEA), em autores que discutem os aspectos do trabalho como Ricardo Antunes e em autores na área de Geriatria e Gerontologia Social. Será, portanto, realizada uma análise do contexto do idoso na atualidade brasileira, incluindo aspectos demográficos e conceitos de envelhecimento e velhice, aspectos políticos, bem como algumas teorias sociais do envelhecimento que apresentam formulações sobre o trabalho, de forma a realizar aproximações com as discussões sobre as metamorfoses do trabalho e a capacidade de absorção deste contingente populacional no mercado brasileiro, onde a área de serviços é apontada como uma das mais promissoras. Palavras-chave: Envelhecimento da População. Mercado de Trabalho. Idosos. Abstract: This theoretical paper aims to discuss the impacts of population aging on the labor market, based on some publications of the Institute of Applied Economic Research (IPEA), in which the authors discuss aspects of the labor as Ricardo Antunes and authors in the area of Social Gerontology and Geriatrics. It will therefore be an analysis of the context of the elderly in Brazilian, including demographic and concepts of aging and old age, political, and social theories of 1 Fisioterapeuta, Mestre em Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação (UNEB), Especialista em Gerontologia (UFBA), Professora Adjunta dos Cursos de Fisioterapia da UNIJORGE e da FACSAL. E-mail: [email protected]. 2 Fisioterapeuta, Mestre em engenharia e gestão do Conhecimento (UFSC), Especialista em Ergonomia Aplicada à Saúde do trabalhador (PUC-M.G), docente do Centro Universitário UNIJORGE. E-mail: [email protected]. 24 aging that present formulations on the job, in order to make approaches to the discussions on the metamorphosis of the labor and the absorption capacity of the population living in the brazilian market, where the service area is considered one of the most promising. Keywords: Aging Population. Labor Market. Elderly. O Idoso no Contexto Atual: dos Aspectos Demográficos ao Mercado de Trabalho Entre o final de século passado e início deste, o Brasil vem assistindo a um verdadeiro “boom” de idosos, saindo da situação de um país essencialmente de jovens. Segundo World Health Statistics Annuals (1997) em 1950 o Brasil ocupava o 16o lugar em população com idade igual ou superior a 60 anos, com 2,1 milhões de idosos. As projeções para o ano 2025 demonstram que o Brasil deverá possuir a 6a maior população idosa do mundo, com cerca de 32 milhões de pessoas acima de 60 anos (PAPALEO, 2000). Além disso, as projeções para o início do século XXI indicam que 82% dos idosos no Brasil residem nas cidades, o que caracteriza um fenômeno urbano com implicação no mercado de trabalho contemporâneo. Ao se analisar o crescimento demográfico nacional por grupos etários, o grupo que apresenta proporcionalmente maior crescimento é o de 60 anos e mais (CANÇADO, 1994). Somente a partir de 1960 começou a ocorrer aumento proporcionalmente maior do grupo com 60 ou mais anos, enquanto que a população jovem já se encontrava em processo de desaceleração no país. Isso devido ao Brasil passar de uma situação de alta fecundidade e alta mortalidade, para a de baixa fecundidade e cada vez mais baixa mortalidade. (VERAS et al, 1996) Além disso, a esperança de vida ao nascer, no Brasil, também vem demonstrando aumento. Em 1900 encontrava-se em torno de 33,7 anos; passou para 50,99 em 1950/55; e 66,25 em 1990/95 (CANÇADO, 1994; LEPARGNEUR, 1999). Atualmente a expectativa de vida no Brasil segundo o IBGE é de 73,17 anos, sendo de 69,4 25 anos para os homens e de 77 anos para as mulheres. Já a Bahia tem expectativa de vida de 72,2 anos, a maior do Nordeste. Todos esses dados, associados a uma expectativa de crescimento mundial de idosos no período de 1975-2025 em torno de 224% (onde a população mundial crescerá nesse período cerca de 102%) (BOECHAT, 1999), além de que em 2025 2/3 da população mundial de idosos residirão nos países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil; justifica-se a necessidade de se conhecer melhor esse processo não apenas no contexto da saúde física, mas especialmente na perspectiva do mercado de trabalho para o idoso, já que o envelhecimento populacional leva a um envelhecimento da População Economicamente Ativa (PEA). Os estudos atuais definem o envelhecimento como um processo amplo, multifatorial, multidimensional, dinâmico e progressivo, onde há modificações tanto morfológicas como funcionais, bioquímicas, psicológicas e sociais que determinam progressiva perda da capacidade de adaptação do indivíduo ao meio ambiente e ao próprio processo de envelhecer, ocasionando maior vulnerabilidade e maior incidência de processos patológicos, que termina por levá-lo à morte. (CARVALHO FILHO; ALENCAR Apud PAPALÉO, 2000, p.01) Segundo Beauvoir (1970): “O envelhecimento tem, sobretudo, uma dimensão existencial e, como todas as situações humanas, modifica a relação do homem com o tempo, com o mundo e com sua própria história, revestindo-se não só de características biopsíquicas, como também sociais e culturais”. Já a palavra velhice, segundo Pickles et al (2000), é de difícil definição. Está muitas vezes relacionada à presença de espírito e às idades cronológica (tempo de vida desde o nascimento), psicológica (relacionada às condições mentais e cognitivas do indivíduo) e biológica (referente ao ritmo das manifestações biológicas). Conforme definição da Organização Mundial de Saúde (O.M.S.), a velhice é “uma etapa da vida, nem melhor, nem pior que as demais, porém tendo seus caracteres próprios, seus sistemas 26 de valores e suas possibilidades particulares de afirmação da personalidade”. (QUEIROZ, 1999) As palavras velhice e envelhecimento, quando pensadas de maneira abstrata, são, muitas vezes, repletas de mitos, preconceitos e estereótipos que podem ser explicados reportandose às concepções históricas desses termos, apesar dessa análise ser quase sempre difícil, indefinida e às vezes contraditória. Primeiro porque, segundo Beauvoir (1970), “é impossível se escrever uma história da velhice, [...] até o séc. XIX nunca se fez referência aos velhos pobres; [...] pois a longevidade só era possível entre as classes privilegiadas[...]. Tanto a história como a literatura os ignoravam por completo”. Segundo porque as reflexões sobre esse assunto sofreram adequações aos valores de cada época e de cada cultura em particular, reservando aos idosos uma função privilegiada ou marginal. E terceiro devido às informações esparsas e deformadas pela época ou lugar, transmitidas desde os primórdios das civilizações pela mitologia, iconografia (arte de representar por meio da imagem) e literatura. Entretanto, existe a necessidade de estabelecer limites cronológicos para o início da velhice, muito mais para fins burocráticos, para constar como fator de lei. Assim, a variável cronológica é um dado determinante no conceito de velhice. Dessa forma, delimita-se o início do envelhecimento em países desenvolvidos a partir dos 65 anos e, para os países em desenvolvimento, a partir dos 60 anos, como é o caso do Brasil. No Brasil, os idosos dispõem da Lei Nº 10.741, instituída em 1º de outubro de 2003, o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com 60 anos ou mais; além da Lei nº8.842, de 4 de janeiro de 1994, homologada em 1996, a qual trata da Política Nacional do Idoso. Apesar destas leis serem consideradas como uma das mais avançadas do mundo, os direitos dos idosos carecem de maior atenção e investimentos públicos, inclusive no que se refere ao direito fundamental do trabalho. Segundo os artigos 26, 27 e 28 do Estatuto do Idoso, que tratam dos Direitos Fundamentais da Profissionalização e do Trabalho, é direito do idoso o exercício de atividade profissional, sendo proibidas a discriminação e a fixação de limite máximo de 27 idade para concursos, exceto nos casos em que a natureza do cargo exigir, onde o critério de desempate deverá ser a idade, privilegiando os mais velhos. Institui-se, ainda, que o Poder Público criará e estimulará programas de profissionalização especializada para os idosos, de forma a aproveitar suas potencialidades e habilidades para atividades regulares e remuneradas, bem como criará e estimulará programas para admissão de idosos ao trabalho em empresas privadas e para a preparação dos trabalhadores para a aposentadoria (com antecedência mínima de 1 ano). Entretanto, nem sempre estes direitos são respeitados ou conhecidos, até mesmo pelos idosos. Propondo explicar o fenômeno do envelhecimento, pesquisas foram intensificadas e teorias gerontológicas foram configuradas, não existindo, na atualidade, um estudo único que explique todas nuanças do envelhecimento humano. Sob esse aspecto, têm-se as teorias biológicas, psicológicas e sociais sobre o processo de envelhecimento, as quais representam generalizações integradas da Geriatria, Psicogeriatria e da Gerontologia. Entretanto, cabe aqui citar algumas teorias sociais que se referem ao trabalho no contexto do envelhecimento: a teoria dos papéis, teoria do desengajamento, teoria da continuidade e teoria dos eventos e estresse da vida. A Teoria dos Papéis defende que a manutenção da atividade e interesse em eventos externos é um componente essencial de uma velhice saudável (como a teoria da atividade defendida desde a antiga Grécia com Platão, o qual afirmava que um bom envelhecimento era consequente da manutenção da atividade até o final da vida). Essa teoria procura descrever o comportamento de indivíduos idosos em um contexto social, ressaltando que “as pessoas se comportam de acordo com as expectativas dos outros e que tais expectativas são função tanto do processo de envelhecimento quanto da perspectiva histórica da qual provém”. (NAHEMOW; POUSADA, 1987) Além disso, certo número de papéis é definido segundo as idades ao longo de toda a vida (ciclo vital), e o envelhecimento seria a passagem de uma sucessão de papéis a outra sucessão de papéis. Assim, a pessoa adulta inadaptada é aquela que durante 28 sua juventude não assimilou adequadas funções para a velhice. A Teoria do Desengajamento (Elaine Cumming e Henry – 1960), que faz uma interpretação psicossocial do processo de envelhecimento, afirma que neste se dá três tipos inevitáveis de separação: física (declínio de energia física); psicológica (desvio de preocupação para outrem) e social (diminuição da interação social com a família, amigos, atividades, etc). Propõe que este seja um momento de afastamento social gradativo, sendo iniciado pelo próprio indivíduo ou pelo sistema (aposentadoria). Segundo os autores, a morte de um indivíduo desengajado causa menor dano ao sistema que a perda de alguém engajado. Opõem-se à teoria da atividade justificando ser um sacrifício para um indivíduo idoso manter-se ativo e participante por toda a sua vida. Chegam a afirmar que este afastamento é desejável, levando a um bem-estar psicológico na velhice. Na verdade, não se pode afirmar que o desengajamento seja moral e eticamente correto. Além disso, a ausência de trabalho pode levar o homem à depressão e esta à morte, confirmando que um baixo nível de engajamento está relacionado com um baixo nível de satisfação. Vale, porém, ressaltar a existência de uma teoria intermediária entre essas duas anteriores, a da continuidade, onde Busse (1992) considera: “A abordagem da continuidade é um tipo de posição de compromisso entre as teorias de separação e atividade. Esta sustenta que as pessoas mais velhas tendem a comportar-se em um padrão que foi estabelecido antes da velhice. Às vezes as pessoas podem separar-se e outras vezes permanecerem ativas...É também evidente que algumas pessoas idosas abandonarão um tipo de atividade apenas para substituí-la por algo que seja mais adequado à sua condição de saúde e ao seu ambiente”. A Teoria dos Eventos e Stress da Vida está relacionada à distribuição etária e influências econômicas. Explicam o status do idoso em diferentes contextos, os quais não podem ser aplicados a todas as pessoas no processo de envelhecimento: nas 29 sociedades estáticas, o idoso tem alto status, com tendência à diminuí-lo com o advento de mudanças sociais (teoria de Ogburn e Nimkoff); nas sociedades agrícolas, os idosos têm mais status e respeito que em sociedades urbanas (teoria da modernização de Cowgill e Holmes); e no processo de modernização, o status do idoso tende a desaparecer proporcionalmente ao atravessar as diferentes fases de aceleração deste processo (teoria de Gilleard e Gurkan). Nesse contexto, a aposentadoria para o idoso pode representar, além de diminuição de renda, perda de status. Todas essas teorias, então, somadas às características históricas e conceituais do processo de envelhecimento, influenciam no pensamento coletivo, criando mitos e atitudes diante da velhice, muitas vezes preconceituosos, altamente aceitos pela sociedade, até mesmo pelos próprios idosos, nas diversas áreas, inclusive do trabalho. Nas sociedades pré-industriais, por exemplo, os camponeses e artesãos viviam e trabalhavam em seus domicílios, confundindo tarefas laborais com domésticas. Ao se tornarem inteiramente incapazes, mantinham-se no seio da família. Entre os artesãos, a capacidade e a qualidade do trabalho crescia com a experiência e avançar da idade. Magalhães (1978) afirma que, nas sociedades tradicionais, a importância dada à figura patriarcal era uma forma de manter o mito de uma velhice reverenciada de uma maneira geral. Já nas sociedades modernas urbano-industriais a família patriarcal é substituída pela família nuclear e o trabalhador tem sua atividade produtiva muitas vezes longe do seu domicílio, afastando sua atividade produtiva da família. Por isso, o desengajamento do mundo do trabalho e a perda da capacidade produtiva é um marco significativo na vida de qualquer cidadão, podendo significar uma futuro incógnito. Dessa forma, a velhice na sociedade moderna é cada vez mais marginalizada, o que pode repercutir numa fase da vida com raros projetos pessoais e com um declínio importante da participação e convívio social, os quais podem ser intensificados pelas mutações no campo do trabalho que não foram gerados pelo envelhecimento da população, mas pelos próprios interesses do capital. 30 De acordo Pedrão (2010) o sistema de produção baseado no trabalho assalariado foi sendo substituído por uma combinação de novos modos de divisão do trabalho a partir da segunda metade do século XX, associada à precarização dos contratos e das qualificações, ou seja, as conformações no mundo do trabalho foram sofrendo adaptações. Tal fato gera impactos sobre toda a classe de trabalhadores, inclusive dos idosos, já que promove redução das opções no mercado de trabalho com consequente favorecimento da favelização e emigração forçada, principalmente dos jovens (PEDRÃO, 2010). Essa alteração na capacidade de absorção dos trabalhadores não deixa de ser uma forma de ação do capital, impondo “novas formas de subordinação dos trabalhadores pela necessidade de emprego”. Tal fato leva a “[...] uma situação em que a informalidade localmente percebida é parte de um sistema de exploração que combina condições locais com formas regionais e internacionais”. (PEDRÃO, 2010) Com relação às atividades informais o mais comum é serem encontradas pessoas com mais idade, tanto aquelas que nunca foram formalmente empregadas em virtude de sua qualificação educacional, quanto aquelas que já estão aposentadas. Na agricultura, espaço de economia primária, as pessoas envelhecem trabalhando, independente do gênero. Fora o setor agrícola, um dos que mais absorve o idoso aposentado, outra área que merece destaque e atenção é o comércio por conta própria, ou setor de serviços, onde a presença o idoso vem apresentando crescimento, principalmente ao se considerar o fenômeno da urbanização. (D´ALENCAR; CAMPOS, 2006) Entretanto, o fenômeno da urbanização, os avanços científicos e a dinâmica/velocidade das informações também podem impactar negativamente na absorção dos idosos no mercado de trabalho brasileiro, incluindo o setor de serviços. Isso porque a atualidade brasileira é caracterizada por contrastes científicosociais, tanto no que se refere à acessibilidade aos avanços tecnológicos quanto ao manuseio e utilização dos instrumentais/ equipamentos, notadamente pela população idosa. Para Pavarini; Neri Apud Duarte; Diogo (2000): 31 “Preconceitos científicos com relação à velhice e ao idoso são evidenciados pela aceitação e a difusão da idéia de que a velhice é uma fase que comporta, apenas e necessariamente, perdas, doenças, degeneração e dependência. A negação da velhice e a crença irrestrita no poder da ciência e da técnica em prolongar ou restaurar a juventude são outros exemplos que pertencem à mesma classe. Embora de modo algum possam ser apontados como os únicos determinantes dos conceitos e práticas sociais em relação aos idosos, os preconceitos científicos podem contribuir para a instauração de políticas discriminatórias no âmbito do trabalho, da educação e dos serviços de saúde”. Pode-se concluir, então, que durante séculos as discussões sobre os fenômenos do envelhecimento e velhice criaram divergências tanto científicas como históricas, sociais, políticas, biopsicossociais, culturais e, atualmente, da mídia, meios de comunicação e na vida laboral destes indivíduos, permitindo ordenar diferentes formas de concepção sobre esses temas. Segundo Marcelo Antônio Salgado, em sua conferência sobre “Políticas Sociais na Perspectiva da Sociedade Civil” (1995), a velhice é um tempo de “vazio social, pois são poucos os espaços nas comunidades que oportunizam uma existência socialmente produtiva para os velhos”. Isso porque existe uma atitude diante do velho engendrada na cultura em que este está inserido, a qual tende a isolar o indivíduo idoso, afastando-o não só do trabalho, mas também da vida social. Mas a questão da inatividade atribuída à aposentadoria é um mito, já que esse tempo pode ser utilizado para outras atividades, tanto remuneradas como voluntárias. Mito também pode ser atribuído ao fato de atribuírem improdutividade á pessoa idosa, bem como total incapacidade de adaptação ao novo ou considerar o idoso um peso para a sociedade. No que refere ao mercado de trabalho brasileiro para o idoso, evidencia-se, nas publicações do IPEA, que os aposentados muitos vezes retornam ao mesmo, ou até, em alguns casos, permanecem exercendo suas atividades laborais após a aposentadoria, ou ingressam no setor de serviços e de trabalho por conta-própria 32 (CAMARANO, 2004). Isso porque a perda do status social que a aposentadoria traz vem acompanhada de uma perda do poder aquisitivo e padrão de vida anteriormente mantido. Assim, a despeito da universalização da seguridade social, mesmo com a aposentadoria, há a necessidade de complementação da renda para os idosos. Dessa maneira, trabalhar, para o idoso aposentado, pode significar além de uma renda mais elevada, autonomia física e mental e maior integração social, fato que se aproxima à teoria social da atividade e da continuidade anteriormente descritas. Para Antunes (2003): “Se, entretanto, inicialmente deu-se uma forte absorção pelo setor de serviços daqueles/as que se desempregavam do mundo industrial, é necessário acrescentar que as mutações organizacionais, tecnológicas e de gestão também afetaram o mundo do trabalho nos serviços, que cada vez mais se submete à racionalidade do capital e à lógica dos mercados”. Merece destaque, atualmente, com a crise do desemprego, o chamado desemprego estrutural (ANTUNES, 1999), onde há, paralelamente à exclusão de jovens, a exclusão de indivíduos em torno dos 40 anos de idade, considerados “velhos” pelo capital, o que torna difícil a inserção destes novamente no mercado de trabalho, de maneira que acabam por fazer parte do trabalho informal, dos desempregados e dos trabalhos voluntários (ANTUNES, 2003). Vale ressaltar que, em virtude disto, algumas famílias com idosos aposentados, têm nestes os recursos financeiros para manterem sua sobrevivência, muitas vezes até limitando os gerontes do uso de suas aposentadorias. Em contrapartida, de acordo Camarano (2004) é incontestável a inserção dos idosos na população em idade ativa (PIA), fato que, associado aos aspectos demográficos, com o crescimento da população idosa brasileira, resulta no crescimento da participação dos trabalhadores com idade igual ou superior a 60 anos na força de trabalho no Brasil e de forma heterogênea, o que difere de algumas publicações internacionais que apontam para um decréscimo dos níveis da atividade econômica dos idosos nestes 33 países. Com este crescimento da população idosa brasileira, Attali Apud Lepargneur (1998) prevê que “cada um poderá trabalhar mais tempo e valorizar sua experiência enquanto a quantidade de trabalho disponível para a humanidade será mais reduzida” o que levará a um adiamento da idade da aposentadoria, ao invés de sua antecipação. Entretanto, à medida que os trabalhadores envelhecem, as melhores chances de permanecer ativos pertencem aos mais bem qualificados, aos de melhor escolaridade e, sobretudo, aos que não estão envolvidos em atividades manuais, além de também serem identificados diferenciais significativos entre a atividade dos idosos nos meios urbano e rural. (CAMARANO, 2004) Segundo dados do IPEA, em aproximadamente duas décadas, as projeções são que a proporção de homens idosos na PEA masculina estará perto de 10% e a de mulheres idosas em torno de 6%. Assim, em termos de perspectivas de necessidades de geração de empregos, o grupo dos indivíduos idosos será importante a pressionar o mercado de trabalho, com um incremento de aproximadamente 300 mil idosos somados cada ano à PEA de 60 anos e mais. Do total de idosos ativos atualmente, 49% estão alocados no setor serviços, pelo fato da maior parte da população idosa residir em ambiente urbano, sendo que, com relação ao caráter da ocupação, maior parte destes idosos trabalha por conta própria, com características mais empreendedoras. Já as atividades agrícolas, vêm em segundo lugar, representando 39% da atividade dos idosos. (CAMARANO, 2004) Diante destes dados e com base no contexto atual de saúde, onde é crescente o número de indivíduos que envelhecem de forma eugérica (envelhecimento normal e bem sucedido, senescência), pode-se supor que será cada vez maior a quantidade de idosos que se aposentam e continuam no mercado de trabalho, principalmente em atividades que envolvem gestões mais participativas e não apenas a realização de tarefas. De maneira análoga, ter um trabalho, expressão genuinamente humana, mesmo que informal, oportuniza aos indivíduos melhores condições de saúde e qualidade de vida, já que o trabalho apresenta um papel regulador na organização da vida humana. 34 Apesar dos estudos apontarem para a importância de se manter ativo após a aposentadoria, há de se considerar que apesar do idoso já ter vivenciado a exploração no mundo do trabalho, continua vivenciando os reflexos da desigualdade social que gera mais desigualdades. Segundo Vargas (1994) “o homem aposentado contemporâneo sofre a contradição entre o avanço da ciência médica, que lhe proporciona maior longevidade, e o desequilíbrio sócio-econômico que muitas vezes a aposentadoria lhe acarreta”. Considerações Finais Estar velho, apesar de para alguns corresponder um acúmulo de experiências, pode significar que aquele profissional está apegado a atitudes e tecnologias ultrapassadas, podendo ser discriminado e desacreditado no local de trabalho, levando-o a perder seu lugar para os mais jovens aos quais se atribui mais viço, ideias mais avançadas e mais atuais. Entretanto, as novas concepções de “aposentadoria ativa”, “corpo e mente saudáveis” e a grande expansão de participação social da população idosa abrirão espaço para atitudes mais positivas frente ao envelhecimento nos círculos familiares, sociais e, principalmente, profissionais, possibilitando novas perspectivas para o mercado de trabalho para este contingente populacional, principalmente em virtude do crescimento do número de indivíduos acima dos 60 anos. Entretanto, é importante considerar o mecanismo de exploração já vivenciado por estes idosos no decorrer de toda sua vida laboral e a influência impactante das transformações do mundo do trabalho para o idoso. Em certa medida, ainda se mantém o sistema de exploração, com precárias condições de trabalho, violência e discriminação social, associada aos baixos recursos da aposentadoria na velhice para muitos desprivilegiados. Observada a tendência de crescimento da oferta de trabalhadores idosos apontada pelo IPEA, associada à possibilidade de cada vez mais ampliação da idade mínima para a aposentadoria e de mudanças no sistema previdenciário, é imperioso planejar cuidadosamente políticas específicas para esse segmento de potenciais trabalhadores, com a necessidade de um novo 35 paradigma de gestão social. Contudo, o sucesso no desenho dessas políticas depende, em grande medida, de se fazer valer o Estatuto do Idoso, bem como as demais leis que vigoram em favor deste, e do conhecimento prévio das especificidades da atividade do idoso o que, neste caso, se configura uma lacuna timidamente preenchida e para a qual é atribuída pouca visibilidade. Vale ressaltar, inclusive, que vários segmentos do setor empresarial ainda desconhecem o efetivo significado do processo de envelhecimento populacional e as mais diversas oportunidades de desenvolvimento que daí decorrem, fazendo com que ainda seja bastante tímida a oferta de bens e serviços direcionados para o grupo populacional com 60 anos ou mais de idade. Por outro lado, importa também considerar as oportunidades de trabalho para esta população, principalmente no setor de serviços, o qual apresenta capacidade de absorção deste contingente populacional no mercado de trabalho brasileiro. Referências ANTUNES, Ricardo. 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