Violência dentro da Escola: a Pesquisa do CNTE Alba Zaluar As mais importantes conclusões da pesquisa do CNTE são: 1) que as condições de infra-estrutura das escolas têm influência na aprendizagem e no desempenho dos/as alunos/as, mas o investimento em equipamentos não leva em consideração a realidade das escolas; 2) quando a escola discute e planeja sua própria proposta pedagógica, o rendimento dos alunos aumenta, o que condena a fragmentação dos programas e projetos e a imposição destes sobre a escola; 3) é muito importante a leitura, pelo professor, de livros, revistas e jornais de informação geral e de atualidades e de romances e revistas em quadrinhos, que permitem acesso a opiniões mais amplas, a outras dimensões do conhecimento humano e ao mundo dos alunos, o que é desprezado na política educacional vigente, voltada principalmente para os aspectos técnicos do trabalho; 4) A relação entre formação profissional e proficiência dos alunos não se limita à escolaridade do professor, mas também o tempo em que trabalha como professor e o tempo em que trabalha na escola. Quanto à violência, as conclusões são mais gerais ainda, pois limitam-se a afirmar que “a violência, manifestada tanto contra os alunos, como contra o patrimônio tem efeitos na qualidade do ensino e é mais presente nas escolas públicas do que nas particulares. Contra os alunos e professores a violência é mais presente no ensino médio do que no ensino fundamental. As medidas de segurança atuam positivamente na proficiência dos alunos e dentre elas o controle da entrada e da saída à escola e a presença do vigia apresentam mais impactos significativos na aprendizagem”. Analisando os dados comparativamente entre RJ, SP, MG e DF, estados com algumas das maiores e mais importantes regiões metropolitanas do Brasil, além de próximas ao RJ, vemos que o Rio de Janeiro se destaca entre os que melhor controlam a violência intramuros. Está sempre em melhor posição que estes estados, inclusive MG, que tem taxas de crimes violentos muito abaixo das do RJ, e o DF que, tem renda muito mais alta. O RJ também se destaca relativamente à média nacional, o que permite concluir que a escola no RJ é das menos violentas no país. Como podemos interpretar isso? Ou o RJ desenvolveu melhores instrumentos para lidar com a violência interna, como por exemplo práticas mais democráticas de respeito ao aluno, ou a violência intra muros não tem correlação com a extra muros, já que o RJ é um dos estados mais violentos da Federação. Se o primeiro caso for verdade, então a recomendação do documento da CNTE de se ter vigia (não está muito claro se seria um inspetor de disciplina ou um vigia noturno) dentro da escola, portanto controles repressivos (o que a escola do RJ não tem) não caberia. Se for o segundo, não dá para explicar a violência intra e extra muros em SP, estado violento intra e extra muros da escola. Há, portanto, casos em que a violência mais difusa e menos atrelada ao crime organizado, como demonstram os dados sobre criminalidade em SP analisados pelo NEV da USP, invade mais facilmente a escola, pois ela é parte desse social violento. É possível ainda inferir que, provavelmente, na escola não se desenvolveram métodos para lidar com a violência contra seus alunos e funcionários ou contra seus prédios. No RJ é como se a violência estivesse encapsulada na guerra de quadrilhas e nos confrontos com a polícia, sem contaminar algumas áreas, como a escola. Mas isso não é verdade para a violência familiar, outra instituição importante que foi profundamente atingida pela etos violento da virilidade guerreira, nem para a violência contra outros funcionários públicos, como médicos e engenheiros, motoristas de ambulância e de alguns funcionários de secretarias municipais. Detalhe: todos os agredidos, mortos ou ameaçados são homens e poderiam ser confundidos com X-9 ou serem usados na guerra, o que não admite a recusa. Mais uma vez, comprovamos que o problema do RJ é basicamente o tráfico de drogas ilegais e de armas que montou aqui o estado de guerra permanente em várias áreas da cidade, muitas delas densamente povoadas, como nas favelas. Outra possibilidade de interpretação: no RJ, o respeito à escola é maior e a crença na educação como meio de sair da pobreza também, o que a faria mais respeitada enquanto instituição, junto com seus funcionários. Ponto para o RJ em qualquer uma dessas duas últimas possibilidades. Por fim, é sabido que negociações com os traficantes foram feitas por diretores e funcionários da escola para garantir o respeito a elas no RJ. Quando a comparação é entre violências interpessoais dentro da escola e agressões ao patrimônio escolar, evidencia-se mais uma vez um maior respeito entre as pessoas no ambiente escolar do RJ. A proporção de crimes contra o patrimônio no RJ é sempre maior do que as agressões contra professores, alunos e funcionários em todas as séries escolhidas: ensino médio, 4ª série e 8ª série. Na comparação com outros estados, o RJ apresenta percentual cerca de três vezes menor que o de SP e DF para agressões interpessoais sem gravidade no ensino médio (8,1% no RJ para 22% em SP e 22,7% no DF) e cerca de três vezes menor que o de SP para agressões com gravidade (1,8% no RJ para 5,6% em SP). Na 4ª série, as agressões sem gravidade no RJ são cerca de três vezes menor do que em MG, quatro vezes menor do que em SP e cinco vezes menor do que no DF. Na 8ª série, as agressões sem gravidade no RJ são cerca de duas vezes e meia menor do que em SP, seis vezes menor do que em MG e cinco vezes menor do que no DF. Nas agressões com gravidade, SP tem percentual 11 vezes maior que o RJ, MG, 7 vezes maior e DF cerca de 20 vezes maior que o RJ. Evidentemente, os crimes contra o patrimônio mais graves são cometidos no ensino médio (RJ: 6,9% com gravidade e 9,5% sem gravidade; SP: 4,1% e 30,4%; MG: 7,8% e 25,9% respectivamente). Já a 4ª série é a campeã nos roubos e depredações sem gravidade no RJ: 15,7% sem gravidade e 3,1% com gravidade, enquanto na 8ª série os percentuais ficam muito mais baixos: 6,9% e 3,9%. Em SP, os percentuais no ensino fundamental na 4ª série não são muito diferentes dos do RJ: 17,2% para depredações e roubos sem gravidade e 3,0% com gravidade; já na 8ª série, o quadro é três vezes mais grave para roubos e depredações sem gravidade (24,2%) e quase o dobro para os com gravidade (7,3%). Em MG, estado considerado dos mais tranqüilos no Brasil, os percentuais são muito mais elevados nas 4ª e 8ª séries, o que demonstra uma tendência crescente de criminalidade, visto que suas crianças e jovens estão mais envolvidos em práticas contra o patrimônio escolar: na 4ª série, 18,0% sem gravidade e 12,5% com gravidade, (cinco vezes maior do que no RJ!) e na 8ª série, 32,2% sem gravidade (4 vezes e meia mais alto que no RJ) e 12,9% com gravidade (cinco vezes maior do que no RJ!). Aí aparece um certo fracasso no que diz respeito ao patrimônio da escola também no RJ, visto que é de pequeno que se aprende e os pequenos delitos deveriam receber maior atenção para que não se transformem em delitos graves nas séries seguintes nessa escalada típica da carreira criminosa e do fenômeno da deriva, característico das inconsistências e buscas frenéticas de caminhos e identidades pela juventude. Mesmo assim, os outros estados estão em situação muito mais grave no ensino fundamental (4a e 8ª séries), especialmente MG (a tranqüila) e DF (o rico). SP é o que tem o problema mais grave no ensino médio, mas a conclusão do relatório resumido é a de que em todo o país a violência maior está no ensino médio, de acordo com as médias nacionais. A aposta no diálogo e na negociação é a que se apresenta hoje como alternativa para o modelo já não mais aceito da autoridade/ submissão em que os esquemas repressivos mantém a ordem a qualquer custo. Porque provocam medo e revolta, tais esquemas só fazem aumentar a escalada da violência. Apostar no diálogo significa adotar o modelo da mediação em que a palavra aberta vem a ser o meio para se falar do que faz sofrer, do que incomoda e do que fere, permitindo a cada um colocar-se no lugar do outro. A escola no RJ parece já estar nesse caminho, a julgar pelos dados comparativos da pesquisa CNTE. Mas é preciso ir mais além e mais profundamente na adoção da mediação de conflitos como o instrumento principal para o entendimento e a confiança mútua, pilares de uma relação social positiva e humana. Tabulações comparativas RJ, SP, MG e DF Fonte: pesquisa do CNTE Ensino Médio Violência contra alunos, funcionários e professores: não sim, sem gravidade com gravidade RJ: 90,1, % 8,1% 1,8% SP: 76,4% 22% 5,6% MG: 91,6% 8,4% DF: 75,3% 22,7% 2,1% Média Nac.: 82,5% 15,1% 2,4% não sim, sem gravidade com gravidade RJ: 83,6, % 9,5% 6,9% SP: 65,5% 30,4% 4,1% MG: 66,4% 25,9% 7,8% DF: 75,9% 20,3% 3,8% Média Nac.: 68,9% 23,7% 7,4% Roubos, depredações: Ensino Fundamental 4º ano Violência contra alunos, funcionários e professores: não sim, sem gravidade com gravidade RJ: 96,1, % 3,6% 0,3% SP: 84,7% 15,3% MG: 87,4% 12,5% 0,1% DF: 68,9% 19,7% 11,4% Média Nac.: 87,3% 11,6% 1,1% não sim, sem gravidade com gravidade RJ: 81,2 % 15,7% 3,1% SP: 79,9% 17,2% 3,0% MG: 69,5% 18,0% 12,5% DF: 68,6% 21,6% 9,8% Média Nac.: 76,5% 16,4% 7,1% Roubos, depredações: 8º Ano Violência contra alunos, funcionários e professores: não sim, sem gravidade com gravidade RJ: 94,7, % 4,8% 0,6% SP: 80,4% 12,5% 7,1% MG: 65,9% 29,4% 4,6% DF: 64,3% 23,8% 11,9% Média Nac.: 79,8% 16,3% 3,9% não sim, sem gravidade com gravidade RJ: 82,9 % 6,9% 3,9% SP: 68,5% 24,2% 7,3% MG: 54,8% 32,2% 12,9% DF: 59,8% 31,3% 8,9% Roubos, depredações: Média Nac.: 68,4% 22,1% 9,6%