‘TRABALHABILIDADE’ EM TEMPOS DE CRISE Mais do que pensar em empregabilidade, profissional deve planejar a carreira de modo a utilizar suas habilidades em atuações diversas. (Lucas Sampaio - Especial para O Estado) Que 2015 não vai ser um ano fácil para a economia você já deve estar cansado de ouvir. Mas você está preparado caso uma demissão o pegue de surpresa? Uma recolocação no mercado de trabalho neste ano não será fácil, e pensar em fontes alternativas de renda pode ser a sua melhor – ou única – opção. “O emprego formal não acabou, mas diminuíram relativamente as possibilidades”, afirma a diretora de transição de carreira da Stato, Lúcia Costa. “O mercado corporativo não está absorvendo a mesma quantidade de pessoas que estão saindo de seus empregos.” Foram fechadas 636 mil vagas formais de emprego em dezembro e janeiro, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). “Em uma época complicada como a que passamos, temos de olhar outras formas de trabalho e renda”, diz 0 diretor de educação da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Luiz Edmundo Rosa. “Em um momento de crise, é necessário se preparar melhor. Crise demanda aprimoramento.” Para especialistas em gestão de carreiras, este é o momento de as pessoas pensarem em “trabalhabilidade”, não em “empregabilidade”. “Antes, as pessoas trabalhavam a sua empregabilidade no ambiente corporativo, buscando estabilidade, segurança e retorno financeiro. Mas atualmente isso não é o suficiente. As pessoas têm de sair do hábito de achar que a única forma de trabalhar e obter esses objetivos é estar dentro de uma empresa, porque não necessariamente há empresas e cargos suficientes para todo mundo. E nem sempre você encontra isso dentro de uma empresa, de um emprego normal”, diz Lúcia. Ela diz que questiona muito a segurança de um emprego formal. “A segurança está em você ter controle da sua vida e da sua carreira. Não há segurança nem para o presidente da empresa nem para o funcionário no fundo da pirâmide. A segurança está no controle que você tem da sua vida e do seu trabalho.” Para o presidente executivo da Produtive, Rafael Souto, a situação fica mais fácil se a pessoa vencer a “algema” do trabalho. “Se ela não for quebrada, a pessoa pode ficar paralisada. Existe uma síndrome do holerite, de ter uma renda certa, da qual muitos não conseguem sair.” A fonte alternativa de renda pode ser um negócio próprio, mas também dar aulas e palestras, prestar consultoria especializada, se tornar um prestador de serviço ou fornecedor de mais de uma empresa. “O principal desafio é conseguir perceber que o seu conhecimento pode ser útil de outra forma, e transformá-lo em uma fonte de renda”, afirma Souto. Ele elenca benefícios da trabalhabilidade. “O primeiro é a sensação de autonomia na carreira. Não é uma sensação de facilidade, é de capacidade de gerir a carreira, de independência, porque a pessoa passa a ter mais de uma fonte de renda. Outra é a sustentação da carreira no longo prazo, porque ninguém vai ficar empregado a vida inteira.” Como qualquer mudança, trabalhabilidade exige planejamento. “Ampliar seu potencial de trabalhabilidade tem de ser planejado. Se quiser abrir um negócio, por exemplo, e não tem perfil empreendedor, corre enorme risco de queimar seu fundo de garantia e ficar sem dinheiro. Por isso, é importante o preparo”, ressalta Rosa. “A primeira coisa que precisamos fazer é reconhecer as nossas forças e fragilidades, e a forma mais pragmática de fazer isso é perguntar para as pessoas, porque é muito fácil fazermos uma autoavaliação incorreta. A segunda é ver como melhorar o perfil, trabalhar as habilidades, ver cursos.” Em caso de demissão, o executivo da ABRH recomenda calma. “Não é porque uma pessoa é desligada que precisa fazer as coisas atabalhoadas. Para muitas pessoas que perdem o emprego, a situação se torna oportunidade importante de mudança na vida. Superada a frustração e a raiva, vão à luta.” Novo rumo. Polyana Alves Bastos Giardino resolveu trocar a estabilidade como gerente de marketing em uma multinacional do setor elétrico, cargo que ocupava aos 31 anos, pela sua própria empresa de coach para jovens empreendedores. “Em 2011, passei a ser convidada por um colégio para dar palestra aos alunos, e senti que eles tinham uma necessidade grande de conversar sobre escolhas profissionais. Sabia que podia ajudá-los mais”, diz Polyana, que planejou passo a passo a mudança. “Foi uma preparação, um processo longo. Trabalhei por três anos até tomar a decisão no ano passado.” A transição envolveu contratar uma empresa para auxiliá-la, se formar em um curso de coaching, aplicar os conhecimentos adquiridos no antigo trabalho e fazer um acordo com seu empregador para mantê-lo como cliente após a saída. “A minha primeira lição foi que a parceria não se formou como imaginávamos e tive de mudar de planos, me concentrando totalmente no projeto”, conta. A ideia era ter mais estabilidade para fazer a transição, após muita conversa em casa. “Meu marido ficava preocupado de eu sair da minha função para começar do zero”, conta. Ela voluntariamente reduziu seu padrão de vida para alcançar seu objetivo. “Restrinja seu estilo de vida para usufruir depois.” Após uma breve passagem em uma faculdade de empreendedorismo em Boston, Polyana agora trabalha com alunos do oitavo ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio em um colégio no Morumbi, zona oeste de São Paulo. SAIBA A DIFERENÇA ENTRE OS CONCEITOS Entenda os conceitos Enquanto a empregabilidade é a capacidade de uma pessoa ser atrativa para várias empresas, em que o foco é se aprimorar para manter um emprego formal, a trabalhabilidade amplia esse conceito para outras fontes de renda e possibilidades de trabalho, segundo especialistas em gestão de carreiras, porque o emprego tem limitações e não deve ser encarado como única opção. “Quando uma pessoa é demitida, é bastante recomendável que ela olhe para todas as possibilidades, inclusive formas alternativas de emprego que não sejam necessariamente um emprego formal no mercado corporativo”, diz Lúcia Costa, diretora geral da Stato e especialista em transição de carreira. ”Às vezes a pessoa é demitida antes de se aposentar, por exemplo, e a melhor alternativa é ela procurar uma fonte alternativa de trabalho em vez de depender de um emprego formal.”