A NORUEGA: MAIS DO QUE UM PARCEIRO DE OCASIÃO
Jorge Moniz *
Desde que fui almoçar com um amigo que se deliciava com o frango inteiro enquanto eu estava cheio de
cólicas e não passei da água mineral, (para mais tarde verificar que as estatísticas afirmavam que naquele
almoço cada um de nós tinha comido meio frango) passei a olhar para a leitura dos números com algum receio.
Por isso e antes de vos falar hoje nesta crónica e a pedido da CIEP, sobre o que a Noruega gasta e Portugal
pode vender, sintetizo aqui os numeros de mercado da seguinte forma:
A balança comercial entre os dois países será sempre negativa para nós, enquanto Portugal não tiver nem
bacalhau, nem petróleo ou gás natural para exportar, mas isso não significa que não possamos fazer melhor. A
Noruega oferece actualmente algumas boas oportunidades no sector das OP e dos bens de equipamento e
continuará a ser em termos per capita (pouco mais de 4 milhões de consumidores), um dos melhores mercados
de vinhos para Portugal. Em estratégias de internacionalização faz sentido aos negócios de capital intensivo
aproximarem-se do pescado norueguês, quer pelo acesso à banca, quer pela maior capacidade de gerir a
produção. “Cansados da China e demais contrafacção”, alguns agentes económicos voltam a olhar para nós
como mercado de origem. Receando a inflação, a Noruega insiste na compra de serviços ao estrangeiro para
fazer face à falta de quadros em sectores chave e isso tem gerado algumas janelas de oportunidade no nosso
país, aumentando as exportações de serviços.
Termos de referência
Os portugueses gostam de olhar para a Noruega como um país de referência. Sucessivos governos com ela se
têm dito identificados, sobretudo no que se refere a tecnologias renováveis onde eo mpresariado lusitano não
deixa de ver como uma oportunidade, enquanto país rico. Afinal de contas o PIB norueguês é per capita, sete
vezes mais do que o nacional!
Só que o mercado em terras do rei Harald é muito mais do que um parceiro de ocasião. Pensa, trabalha e vai
querer interagir a médio e longo prazo, referenciando parâmetros próprios de economias de escala e exigindo
da parceria lusitana um modus operandi que não raras vezes apanha de surpresa o empreendedor português.
Depois, o norueguês está habituado “a gastar dinheiro, para ganhar dinheiro”. É uma filosofia que ainda nos faz
alguma confusão, tanto mais agora que num contexto de crise, pouco consegue o tecido empresarial português
recorrer não só à banca, como a muitas das ajudas e incentivos de outrora.
No âmbito das exportações ao nível das PMEs, um mercado relativamente pequeno e cujo número de
consumidores ainda não chegou aos 5 milhões, dir-se-ía talhado para a dimensão portuguesa, não fora um
pormenor enorme: uma densidade populacional muito baixa que faz da logística o diferencial nos preços de
mercado.
Exceptuando casos de micro-vendas em que os produtos são especificamente direccionados a este ou aquele
escoamento nas grandes cidades, grupagens, centrais de compras e postos de revenda são factores de
referência na gestão do consumo. Ou seja, a Noruega paga bem, a tempo e horas, sendo quase sempre
sinónimo de continuidade, mas há que ponderar se não se justificarão alianças entre parceiros nacionais
capazes de melhor irem ao encontro do que se solicita. E neste contexto, um veículo de preferência podem ser
as organizações sectoriais, umas já com provas dadas (como por exemplo nos vinhos), outras nem tanto (como
por exemplo ao nível da agricultura ou dos bens de equipamento).
Investimento estrangeiro
Em termos de captação de investimento e aqui salvo melhor juízo, dificilmente conseguiremos ter a atenção
dos governos noruegueses e demais associações sectoriais para políticas de investimento no nosso país que
não se esgotem na gestão cíclica do fundo EFTA - a que a Noruega se obriga, por força do Tratado do EEE - sem
um trabalho que venda a tal de “continuidade” acima referida.
O empenho depositado pelos embaixadores nacionais que têm passado pela chancelaria de Oslo - e sublinhese que com manifesto sucesso ante os meios à disposição - a esta causa de vender a imagem de Portugal a um
país que detém um dos maiores fundos soberanos do Mundo, será sempre escasso se a ele não forem
associadas nem campanhas de turismo, nem recursos em agencias de meios que realcem a boa prestação
económica que o país tem vindo a evidenciar. Sem a alteração deste chamado estado de coisas, tomo a
liberdade de afirmar que não vale a pena tentar sensibilizar os noruegueses para um outro paradigma que não
seja o actual: “Portugal é um excelente país para gastar dinheiro, mas para ganhá-lo, desconhecemos e temos
duvidas”.
E porque generalizar é sempre um perígo, boas referencias há, sublinhe-se, de agentes económicos que quer
da parte portuguesa investindo na Noruega (ao nível do bacalhau e das obras publicas, por exemplo) , quer de
noruegueses estabelecendo-se em Portugal (demonstrando algum interesse por Sines e pelo turismo),
contrariam em parte e com provas dadas, a minha afirmação anterior. De salientar ainda e embora não se
tratando de IDE, que a Noruega tem sabido ir a Portugal aproveitar a nossa mão de obra qualificada,
importando serviços. Ora através de parcerias, ora fruto de filiais actuando como centrais de recrutamento,
engenharia, medicina, obras publicas e marinharia são alguns dos sectores onde os noruegueses têm vindo a
intervir, estimando a nossa Câmara de Comércio que mais de três mil técnicos nacionais prestem hoje serviços
para companhias norueguesas. Tudo numa panóplia de actividades que podem ir desde a análise de resultados
médicos (análises e TBR em clínicas nacionais) até à construção - via “cloud”/ internet - das tubagens de um
qualquer navio em construção num estaleiro além fronteiras. Isto, sem esquecer as nossas PMEs de tecnologias
de informação, cujo software se impõe cada vez mais pelo Norte da Europa.
Em resumo, num país que teme a inflação e quer sobretudo crescer para fora, o saber português exportado à
distancia gera oportunidades.
E o mar aqui tão perto
Desde que me conheço que ando com os pés na água e por isso seria injusto, tanto mais que sempre dediquei
ao sector naval uma atenção maior, passar nesta crónica ao lado desse mar “de que Portugal tanto fala e a
Noruega tanto faz”.
Países de marinheiros, foi o mar quem nos juntou na EFTA e ao mar se deve a maior parte do comércio
bilateral, sendo tambem no mar que se potenciam hoje algumas das oportunidades de intercambio que temos
pela frente, plataforma continental oblige. A sustentabilidade económica que a Troika referenciou como
determinante no desenvolvimento económico português passa pelo intercâmbio entre PMEs ao nível da
inovação. Faz sentido expôr o ainda imberbe cluster português ao sector financeiro marítimo da Noruega e dar
ao profissionalismo empresarial que sobretudo pelo Norte de Portugal vai tomando forma, o crivo e apoios
institucionais sempre uteis a uma afirmação internacional.
Sem a criação de plataformas de intercâmbio entre os agentes económicos mais inovativos e por isso com
maiores probabilidades de potenciarem riqueza entre os nossos dois países, corremos o risco de em última
análise estar a defraudar as expectativas das próximas gerações.
Aliás e chegando como eu a esta idade de mais passado do que futuro, todos nós acabamos mais cedo ou mais
tarde por tecer um olhar sob os vindouros, numa como que pré- abordagem da velha maxima “se a juventude
soubesse e a velhice pudesse”. Claro que quando ouvimos dizer que um em cada três dos nossos netos viverão
nas calmas para além dos 100 anos, tudo se torna relativo, mas há hoje na Noruega mais de mil engenheiros
numa média de idade que não ultrapassará os 30 anos, a maioria ao serviço de companhias multinacionais no
setor do oil & gas e onde o saber norueguês está presente e de que maneira.
Diz quem sabe que demoramos oito anos a “socializar-nos” num novo país e a uma nova cultura. E sendo certo
que não haverá como o povo português na capacidade de se adaptar a novas situações, é contudo legítimo
pensar que uma parte significativa desses jovens, mesmo não estando em regime de trabalho precário,
acabarão por ter de regressar quando o ritmo de aceleraçäo da economia norueguesa para o sector abrandar.
Motivo pois acrescido para tentar dar maior vitalidade ao nosso setor marítimo, criando oportunidades e
incentivos para esses que o país licenciou e a quem a Noruega tem dado experiencia profissional a nível
internacional.
E se com eles regressarem um Erik Manuel ou uma Kari Maria, representando os filhos que o país está em vias
de perder nesta nova diáspora, tanto melhor. Afinal é esta a forma mais antiga que Portugal conhece de
estimular ao investimento estrangeiro.
oo0oo
*Crónica redigida por Jorge Moniz, Vice-Presidente da Câmara de Comércio Noruega Portugal, que integra a
rede de Câmaras de Comércio da CIEP
Nascido em Angola em 1963, Jorge Neves e Sousa Moniz é consul honorário de Portugal na Noruega onde está
radicado há mais de 25 anos. Empresário, detém negócios em alguns países da lusofonia e a sua formação
jurídica e em recursos humanos têm-no levado a fazer parte de vários Conselhos de Administração de
multinacionais norueguesas, particularmente no sector naval. Mas é sobretudo na qualidade de sócio
fundador e VP da Câmara de Comercio Noruega-Portugal que hoje aqui nos deixa a sua visão e perspectivas
sobre o relacionamento bilateral entre os dois países.
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