PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Bruno Luiz Cardoso Tavares Antonio
NÓS SOMOS ANONYMOUS: As relações comunicacionais
entre o coletivo Anonymous e a mídia
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
SÃO PAULO
2013
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Bruno Luiz Cardoso Tavares Antonio
NÓS SOMOS ANONYMOUS: As relações comunicacionais
entre o coletivo Anonymous e a mídia
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Comunicação e Semiótica, sob a
orientação do Prof. Dr. Norval Baitello Junior
SÃO PAULO
2013
Banca Examinadora
________________________________________________
________________________________________________
________________________________________________
Dedico esse trabalho a
Tita por me ensinar
a ser quem eu sou
Agradecimentos
Primeiramente, agradeço a Deus, por me permitir ser quem sou e me rodear somente
com pessoas maravilhosas. Àqueles que já não estão mais comigo, mas que me acompanham
sempre no coração, onde serão eternos.
Ao meu orientador, professor doutor Norval Baitello Junior, por toda a paciência,
compreensão e apoio ao longo do desenvolvimento deste trabalho. Ao Centro Interdisciplinar
de Semiótica da Cultura e da Mídia (CISC), e à CAPES pelo suporte financeiro.
Agradeço a Tita, por me permitir ser seu guri e estar sempre ao meu lado em todos os
momentos, protegendo-me dos traumas que a vida pode me causar. Como é grande o meu
amor... À minha mãe, Maria Fernanda, grande exemplo de mulher, por mostrar que a vida é
dura, mas que com esforço e trabalho, toda e qualquer pedra no caminho você deve retirar.
Ao meu pai, José Carlos, pelo apoio em todas as minhas decisões, certas ou erradas.
Por tentar encher de fantasia, enfeitar as coisas que eu via e me ensinar o que é persistência e
que nunca devemos desistir de nossos sonhos.
À minha sobrinha, Ana Luiza, por sempre me dar um abraço reconfortante enquanto o
mundo desabava lá fora, e a minha irmã Fabiana.
À minha avó Elza por sempre me receber e me tratar com tanto amor e carinho.
Aos meus tios e tias, segundos pais e mães, sempre zelando por mim, tratando-me
como um filho legítimo.
Aos meus primos, grandes amigos e irmãos. Cada um de vocês serve como exemplo
em grande parte de minha formação. Um obrigado especial a José Gabriel, pelo apoio e pelo
exemplo acadêmico, e a Luiz Matheus, por ser meu irmão mais novo, com quem sempre
poderei contar.
À minha futura mulher, Giovanna, pelos momentos, sorrisos e comemorações que só
ela poderia promover, e pelo incentivo para ingressar no mestrado. Aos meus sogros Sônia e
Marcos, minha segunda família que, aos poucos, está se tornando uma só.
Aos meus amigos, próximos ou distantes, presentes ou ausentes: aprendi e ainda
aprendo muito com cada um de vocês. Àqueles com quem fiz amizade graças à imersão na
internet e aos tantos que foram úteis, mas que já se tornaram anônimos. Aos amigos da AGE
Technology, onde trabalho, por me suportarem nos momentos difíceis. Aos colegas do
mestrado, pela paciência e receptividade.
À Manhosa e ao Pingo, pela companhia nas noites de estudo. E à noite por ser minha
companheira solitária... Temos nosso próprio tempo, mas não temos tempo a perder.
RESUMO
O presente trabalho visa a analisar como se estabelecem as relações comunicacionais
entre o Coletivo Anonymous e as mídias de massa, como a televisão, rádio e os meios
impressos. O Anonymous nasceu como um pequeno grupo de usuários de internet no
imageboard 4chan que buscava diversão e, posteriormente, assumiu uma imagem mais séria
em busca da liberdade para a troca de informações, liberdade de expressão e livre utilização
da internet. Tornou-se um fenômeno midiático resultante em um coletivo de ciberativistas
com objetivos pseudo políticos, nem sempre declarados, e se popularizou após receberem os
créditos de uma série de ataques virtuais que resultaram na queda de sites governamentais,
vazamento de informações confidenciais de pessoas públicas e seqüestro de dados. O objetivo
desta pesquisa é (i) demonstrar como a mídia construiu e explorou a imagem de um coletivo
que se mobiliza através de redes sociais para organizar protestos concomitantes em diversos
lugares do mundo e (ii) explicar como a mídia se utiliza do Anonymous para seus próprios
fins, e no caso do Brasil, apropriando-se da máscara de Guy Fawkes como um símbolo de
combate à corrupção.
Palavras-chave:
ciberpoder, 4chan.
comunicação,
Anonymous,
ciberativismo,
visibilidade
midiática,
ABSTRACT
This study aims to examine how communicational relationships are established
between Anonymous collective and the mass media such as television, radio and print media.
Anonymous began as a small group of internet users seeking fun in the imageboard 4chan.
Later on, the group gained a more serious stance, chasing free exchange information, freedom
of speech and free Internet usage. It has become a media phenomenon that resulted in a
collective of cyberactivists with unclear political objectives and became popular after being
recognized for: shutting down government websites, confidential information leakage and
stolen data. The goal of this research is to (i) demonstrate how media builded and explored an
image of a collective that is mobilized through social networks to organize concomitant
protests in several parts of the world and (ii) explain how media uses Anonymous for their
own ends and, in the Brazilian case, how it has appropriated Guy Fawkes’ mask as a symbol
against corruption.
Keywords: communication, Anonymous, cyber activism, media visibility, cyberpower,
4chan.
Índice de Figuras
Figura 1: Página inicial do 4chan.
Disponível em <http://www.4chan.org/>. Acesso em abril de 2012.
Figura 2: Ativistas ocupam praças em diversos países para protestar.
Fonte: Reuters
Figura 3: Ilustração para diferenciar a Deepweb da Surface Web.
Disponível em <http://mobground.net/wp-content/uploads/2012/02/deep-web-mob.jpg>.
Acesso em fevereiro de 2013.
Figura 4: Don’t worry we’re from the Internet.
Disponível em <http://nigguraths.files.wordpress.com/2011/01/we-are-from-the-internet.jpg>.
Acesso em junho de 2012.
Figuras 5: Imagens de personagens vestidos de Green Man.
Disponível em <http://oi54.tinypic.com/124jyww.jpg>. Acesso em fevereiro de 2013.
Figuras 5: Imagens de personagens vestidos de Green Man.
Disponível em <http://farm3.static.flickr.com/2213/2334259497_c4ea2ce4c7_o.jpg>. Acesso
em fevereiro de 2013.
Figura 7: A máscara inspirada no rosto de Guy Fawkes.
Disponível em <http://www.pcactual.com/medio/2012/08/21/anonymous_618x370.jpg>.
Acesso em novembro de 2012.
Figura 8: Did You Know? Every time someone buys a Guy Fawkes mask, part of the proceeds
pay for licensing from Warners Brothers, a subsidiary Time Warner, one of the largest media
corporations in the worlds?
Imagem retirada do Facebook.
Figura 9: Capa da Revista Veja, nº 2.240.
Reprodução da Capa da Revista Veja.
Figura 10: Capa de Revista Cult, edição nº 169.
Reprodução da Capa da Revista Cult.
Figura 11: Mensagem no Twitter do usuário @surtoetensao cobrando “vergonha na cara” de
alguns “membros” do Anonymous.
Reprodução do Twitter do usuário @surtoetensao.
Figura 12: Reprodução do documentário Report On Anonymous.
Reprodução do Documentário da FOX.
Figura 13: Hackers On Steriods.
Disponível em <http://memedepot.com/uploads/500/713_1242353525711.gif>. Acesso em
fevereiro de 2013.
Figura 14: Diversos avatares do Haboo formando uma suástica.
Disponível em < http://t2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQ7fFOrJGILFuTtiiE452dmVbMjUkLBqCXqCARqPTHf4HmlVeP >. Acesso em fevereiro de 2013.
Figura 15: Trecho da conversa entre Chris Forcand e a suposta menina “serious”.
Disponível em
<http://t3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSCEHLV0xP9Ym__hFgVW1e16L4EuuqlO2Tj
aEBJbW9W6-CbDN_h>. Acesso em fevereiro de 2013.
Figura 16: Protesto na porta de uma Igreja de Cientologia nos EUA. No cartaz: “Scientology
Destroys Lives”.
Disponível em < http://americanpeacenik.com/wp-content/plugins/rssposter/cache/138f2_anonymous-church-of-scientology-hack.jpg >. Acesso em fevereiro de
2013.
Figura 17: Diversos manifestantes ocupando a porta de uma Igreja de Cientologia com a
máscara de Fawkes.
Disponível em <http://t2.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcRIy_3z4vfcwJOZ3zlQMAcLxEOURhpSpC258iWWiMF_EIgAFAg>. Acesso em fevereiro de 2013.
Figura 18: If your government shuts down the Internet, keep calm and shut down your
government.
Disponível em <http://bobbiblogger.files.wordpress.com/2012/01/internet.jpg>. Acesso em
fevereiro de 2013.
Figura 19: Página da revista Wired com manchetes e fotos com tarjas pretas simulando a
censura.
Disponível em
<http://t1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTLqQIjFVCOQNmlWhxcB1XaSpmmfOk7D8h
BwquvZLCyBM70LNFN>. Acesso em fevereiro de 2013.
Figura 20: Página inicial do Google com o logotipo encoberto e a mensagem:
“Please don’t censor the web!”
Disponível em
<http://i.i.com.com/cnwk.1d/i/tim/2012/01/18/GoogleBlackout02_610x384.jpg>. Acesso em
fevereiro de 2013.
Figura 21: Página da Wikipedia com a mensagem “Imagine a World Without Free
Knowledge”.
Disponível em <http://farm8.staticflickr.com/7014/6719165739_80ca2468c4.jpg>. Acesso em
fevereiro de 2013.
Figura 22: Imagem que ficou publicada no lugar do site MegaUpload após o bloqueio.
Disponível em <http://www.superdownloads.com.br/imagens/materias2012/02/FBI.jpg>.
Acesso em fevereiro de 2013.
Figura 23: Fórum que lista todos os sites que seriam atacados na operação #OpMegaUpload.
Disponível em <http://anonopsbrazil.blogspot.com.br/2012/01/internet-strikes-backopmegaupload.html>. Acesso em junho de 2012.
Figura 24: Através do Twitter um grupo anuncia que o site do Banco HSBC foi derrubado.
Disponível em
<http://i1.r7.com/data/files/2C95/948E/353C/BF0D/0135/3E5F/3988/657B/anonymoushsbc.j
pg. Acesso em fevereiro de 2013.
Figura 25: Manifestantes mascarados durante protesto contra eleições em Paris.
Fonte: France Presse.
Figura 26: A mesma foto de pessoas usando terno e a máscara de Fawkes sendo utilizada para
ilustrar diversas notícias.
Disponível em <http://www.tecmundo.com.br/imagens/materias/10683/44265.jpg>. Acesso
em Junho de 2012.
Figura 27: Capa da Revista Época edição nº 684.
Reprodução da capa da Revista Época.
Figura 28: A primeira página da reportagem “A Guerra Virtual Começou”.
Ilustração: Marcus "Japs" Penna.
Figuras 29: Capa da revista Imprensa sobre revoluções.
Reprodução da capa da Revista Imprensa.
Figura 30: Capa da revista Galileu sobre revoluções.
Reprodução da capa da Revista Galileu.
Figuras 31: Capa da revista Carta Capital sobre protestos organizados pela internet.
Reprodução da capa da Revista Carta Capital.
Figura 32: Figura utilizada no Facebook por usuários que “querem o fim da corrupção”
através do botão “curtir”.
Imagem retirada do Facebook.
Sumário
Introdução ................................................................................................................................. 11
1. Capítulo 1: Cultura e internet ............................................................................................ 15
1.1
Cultura e comunicação .................................................................................................. 15
1.2
A Teoria da Mídia.......................................................................................................... 18
1.3
As catástrofes de Flusser ............................................................................................... 21
1.4
A dromocracia e o glocal ............................................................................................... 22
1.5
A mídia sincronizadora.................................................................................................. 24
1.6
A gula de informação .................................................................................................... 30
1.7
O conceito de funcionário.............................................................................................. 32
1.8
Tecnologia e internet ..................................................................................................... 34
2 Capítulo 2: O que é Anonymous ....................................................................................... 41
2.1
As redes sociais e os imageboards ................................................................................ 42
2.2
O 4chan e o /b/ - Random.............................................................................................. 44
2.3
O conceito de memes ..................................................................................................... 46
2.4
Ciberativismo e o hacktivismo ...................................................................................... 49
2.5
Deepweb: a web oculta .................................................................................................. 53
2.6
O que/quem é Anonymous? ........................................................................................... 55
2.7
O poder da máscara ....................................................................................................... 60
2.8
Comunicados do Anonymous........................................................................................ 68
3 Capítulo 3: Anoymous e a Mídia ...................................................................................... 71
3.1
Primeiras trollagens....................................................................................................... 71
3.2
Primeiros ataques........................................................................................................... 75
3.3
A prisão de Chris Forcand ............................................................................................. 77
3.4
Projeto Chanology ......................................................................................................... 78
3.5
Operação Payback (Retaliação) - Wikileaks.................................................................. 82
3.6
Protesto Anti-SOPA/PIPA ............................................................................................. 84
3.7
Operação MegaUpload #opMegaUpload ...................................................................... 88
3.8
Anonymous no Brasil .................................................................................................... 91
3.9
Anonymous e os grupos hackers ................................................................................... 95
3.10 Anonymous e o ciberativismo em outras revistas ......................................................... 99
4 Considerações Finais ....................................................................................................... 102
5 Referências Bibliográficas .............................................................................................. 107
Introdução
We are Anonymous.
We are Legion.
We do not forgive.
We do not forget.
Expect us!1
O objetivo do presente trabalho é analisar como a imagem do ciberativismo, com foco
no Coletivo Anonymous, nosso objeto de pesquisa, ultrapassou as barreiras da internet e
passou a figurar comumente na mídia hegemônica. Hoje vemos todas as mídias de massa
noticiando ações atribuídas ao Anonymous em diversos países do mundo, sejam elas
mobilizações em praças públicas ou ataques virtuais.
Compreender como aquilo que nasceu como um pequeno grupo de usuários de
internet, que se organizou através da internet em busca de diversão, acabou se transformando
em um fenômeno midiático resultante em um coletivo de ciberativistas com objetivos
políticos, nem sempre declarados.
Apesar de se tratar de um assunto tecnológico, é importante ressaltar o aspecto deste
trabalho como um estudo de comunicação. O que se pretende abordar aqui é justamente:
Como se dão as relações comunicacionais existentes entre o Anonymous e a Mídia? Como
esta construiu e explora a imagem de um Coletivo de ciberativistas e como ela se utiliza do
mesmo para seus próprios fins?
Para a elaboração dessa pesquisa, foi necessária uma imersão sobre o objeto, com uma
participação efetiva em fóruns de discussão, redes sociais e mobilizações atribuídas à
Anonymous. Para uma melhor compreensão do que seria abordado, somente navegar através
da Internet não seria suficiente e tornou-se necessário um mergulho profundo nas águas
obscuras da Deepweb, que será explicado no Capítulo 2. Vestiu-se a máscara de Guy Fawkes2
para compreender toda a simbologia e valores atribuídos a ela.
1
Anonymous Credo. Tradução livre: Nós somos Anonymous. Nós somos uma legião. Nós não perdoamos. Nós
não esquecemos. Espere-nos.
2
Guy Fawke foi um revolucionário católico inglês que virou símbolo da chamada “conspiração da pólvora” e
teve sua imagem utilizada como máscara no filme V de Vingança.
11
A questão central que esta pesquisa pretende responder é: Após uma série de ataques
virtuais a governos, empresas e pessoas públicas, como uma ideia difundida nas redes sociais
ganhou notoriedade por parte da mídia hegemônica, resultando na queda de sites, vazamento
de informações confidenciais e sequestro de dados? Desta questão, desdobraram-se outras.
Será mesmo que toda a ideia é difundida nas redes sociais e somente depois que ela chega as
mídias de massa, ou o processo seria o contrário? O papel da mídia seria somente o de
amplificar as mensagens do Anonymous ou essas ideias seriam oriundas da mídia em seu
próprio favor?
As hipóteses iniciais eram de que haveria um equilíbrio comunicacional entre a mídia
de massa e o Coletivo Anonymous, de maneira que ambos se utilizam mutuamente para
atingir seus objetivos. As mídias de massa são as únicas que possuem a motivação e os
recursos necessários para criar um impacto real na sociedade. Por mais “seguidores” que o
Coletivo Anonymous possua, ele depende de mídias massificadas para atingir seus objetivos e
obter a visibilidade midiática necessária para a sua existência.
Outra hipótese levantada é a de que utilizar a máscara de Guy Fawkes, que é uma
marca apropriada pelo Coletivo Anonymous, carrega por si toda uma simbologia de anarquia
e protesto político, seja ela utilizada em uma praça pública ou no lugar de seu avatar3 nas
redes sociais. Assim, quem utiliza essa máscara passa a fazer parte do jogo, transformando-se
em um anônimo hiperexposto, saindo de suas “vidas comuns” e passando a fazer parte de um
coletivo.
Esse trabalho torna-se relevante a partir do momento em que muito se fala na mídia
sobre uma possível ciberguerra, onde todos os usuários de internet estariam envolvidos,
conscientemente ou não. Vende-se a ideia de que a Internet é a solução para todos os
problemas do homem, que ela existe para nos ajudar e não o contrário.
Meu interesse por estudar o Coletivo Anonymous nasceu da minha afinidade para
temas relacionados à tecnologia e à cultura hacker. Por hacker, entendemos aquele que faz o
uso de uma solução improvisada para solucionar um problema complexo, como define a
origem do termo. Além de minha formação em Comunicação Social, com habilitação em
Jornalismo, possuo graduação na área das Ciências Exatas, no curso de Informática.
3
Avatar é uma espécie de corpo virtual do qual os internautas se utilizam para se identificar graficamente na
Internet.
12
Este trabalho está organizada em três capítulos. O primeiro se discorrerá sobre o
referencial teórico que será utilizado para defender este estudo. Dessa forma, explicaremos de
uma maneira breve o conceito de comunicação e cultura a partir da Semiótica da Cultura. Para
abordarmos a imprensa hegemônica, será utilizada a Teoria da Mídia, proposta por Harry
Pross e muito pesquisada por Norval Baitello Junior, que defende que o corpo é a primeira
mídia do homem. Ele está presente em todas as mídias e é nele que começa e termina a
comunicação.
Vivemos hoje em uma sociedade dromocrática, proposta por Paul Virilio, regida pela
velocidade e com seu tempo sincronizado pela mídia. Com a aceleração do tempo,
característica das mídias terciárias, mais precisamente dos meios computacionais, o homem
passa cada vez a precisar de mais e mais informações, mesmo sem conseguir processá -las.
Esse é o processo de gula do conceito de Funcionário, proposto por Vilém Flusser, que
também será abordado ainda nesse capítulo.
A terceira catástrofe, que torna o homem nômade sem corpo, faz com que a casa do
homem se torne um ambiente inóspito. Por isso, de dentro de sua casa, através de seus
aparelhos, o homem passa a viver através de uma imagem de mundo criada pela mídia. É a
mídia que atribui significado e valor aos símbolos que cria, dessa forma, ela criou a imagem
de um Coletivo Anonymous para defender algumas de suas causas.
No capítulo segundo, explicaremos o que é Anonymous, como nasceu esse conceito,
no que se transformou, como é visto pela mídia e qual o papel da mídia para a sua existência.
Serão dadas as definições de tudo o que tornou o Coletivo Anonymous possível, como os
imageboards e, principalmente, o 4chan, o fórum de discussões onde nasceu.
Ainda nesse capítulo, adentraremos nos conceitos de ciberativismo e hacktivismo. O
objetivo é o de demonstrar que a Internet, enquanto tida como plataforma que permite a
comunicação, é comercial, não permitindo, portanto, qualquer tentativa de protesto dentro
dela. O ciberativismo é uma imagem do ativismo, não nos permitindo estabelecer qualquer
escala de correspondência entre eles.
A apropriação da máscara de Guy Fawkes ou sua atribuição ao Coletivo Anonymous
também será discutida para percebemos quais os valores que o Anonymous agregou a
máscara e quais foram herdados da máscara pelo Anonymous. Muitos símbolos do filme V de
Vingança foram transmitidos para o Anonymous através do uso dessa máscara.
13
No terceiro e último capítulo serão levantadas algumas ações tidas como mais
importantes associadas ao Coletivo Anonymous, como por exemplo o Projeto Chanology,
contra a Igreja de Cientologia, os protestos Anti-SOPA/PIPA, e a Operação Payback, em
apoio ao Wikileaks. Depois, focaremos em quais os tratamentos que as mesmas receberam da
mídia. Não se pretenderá listar todas as ações que foram atribuídas ao coletivo e nem todas as
coberturas midiáticas sobre o tema. Nosso objetivo aqui será o de selecionar os principais atos
para desconstruí-los e enfocar como os principais veículos de mídias de massa brasileiras e
internacional abordam o Coletivo Anonymous.
Veremos que os primeiros ataques do Coletivo foram somente por diversão, em busca
de risadas. Foi após a manifestação contra a Igreja de Cientologia que a imagem do
Anonymous mudou, transformando-se em uma imagem midiática de ciberativismo, anarquia
e busca por liberdade de expressão.
Casos como o do Wikileaks, dos protestos anti-SOPA/PIPA e o fechamento do site de
downloads Mega Upload serviram para fortalecer a imagem do Coletivo Anonymous
enquanto recebiam atenção da mídia de todo o mundo. Dessa forma, diversos grupos de
hackers foram surgindo e tendo suas imagem associadas ao Anonymous para obter atenção e
gerar visibilidade midiática.
Durante o percurso do trabalho, a imagem do objeto de pesquisa sofreu alterações e,
portanto, todas as considerações que serão feitas nessa pesquisa se darão em relação à imagem
que o Coletivo Anonymous representa na mídia até a data de entrega do trabalho. É esta
imagem que ilustraremos nas próximas páginas.
14
1. Capítulo 1: Cultura e internet
Para adentrar no presente estudo, alguns conceitos teóricos precisarão ser explorados,
sendo o principal deles a própria comunicação humana, processo que FLUSSER (2007)
classifica como artificial, por se basear em artifícios, descobertas, ferramentas e instrumentos
etc. Portanto, a comunicação é baseada em símbolos organizados em códigos, resultantes da
cultura, que não é “natural”. Isso porque a fala e a escrita do homem, diferentemente do canto
dos pássaros e da dança das abelhas, por exemplo, não são naturais, sendo construídas através
de símbolos criados pela cultura humana.
Por isso a teoria da comunicação não é uma ciência natural, mas
pertence àquelas disciplinas relacionadas com os aspectos não
naturais do homem, que já foram conhecidas como “ciências do
espírito” (Geisteswissenchaften). A denominação americana
“humanities” expressa melhor a condição dessas disciplinas. Ela
indica na verdade que o homem é um animal não natural.
(FLUSSER, 2007, 89)
1.1 Cultura e comunicação
O fato de o homem se comunicar através de artifícios nem sempre é consciente, já que
após aprender um código, o homem tende a esquecer de sua artificialidade, e passa a ser um
costume no mundo codificado em que vivemos, fazendo parte de sua cultura. Vivemos em um
mundo de símbolos e nos comunicamos através deles. Para BYSTRINA (1995), a
comunicação funciona, diferentemente de uma troca de mercadorias, como uma acumulação
de informações:
Ambos os lados dão informações que se acumulam. Não é como
uma troca de mercadorias como, por exemplo, quando alguém
oferece um bem e recebe outro em troca. Na comunicação a troca
leva à acumulação e à ampliação do entendimento de ambos os
lados. Ora a informação é corrigida, ora é confirmada, ora é
acrescida e modificada. (BYSTRINA, 1995, p. 51 e 52)
15
Em nenhum outro momento da história da humanidade, a comunicação foi tão boa e
funcionou de forma tão intensa e extensiva. Os homens nunca se comunicaram tanto,
portanto, nunca teve tanto medo do seu destino.
O homem é um animal solitário que tem como única certeza a sua
morte e sabe que morrerá da mesma maneira que nasceu: sozinho.
Portanto, qualquer hora pode ser a hora da morte. Portanto, "a
comunicação humana é um artifício cuja intenção é nos fazer
esquecer a brutal falta de sentido de uma vida condenada à morte”
(FLUSSER, 2007, 90/91)
A comunicação nasce então como um artifício cuja intenção é fazer o homem esquecer
a falta de sentido de uma vida condenada à morte.
A comunicação humana tece o véu do mundo codificado, o véu da
arte, da ciência, da filosofia e da religião, ao redor de nós, e o tece
com pontos cada vez mais apartados, para que esqueçamos nossa
própria solidão e nossa morte, e também a morte daqueles que
amamos. Em suma, o homem comunica-se com os outros; é um
“animal político”, não pelo fato de ser um animal social, mas sim
porque é um animal solitário, incapaz de viver na solidão.
(FLUSSER, 2007, 90/91)
Se por um lado a antropologia classifica a cultura como tudo o que não é natural,
trataremos por cultura as definições atribuídas pela Semiótica da Cultura como um ambiente
de produção de sentido, um sistema acumulativo de textos, amalgamado pelo tempo,
conforme proposto por BYSTRINA (1995). A cultura é construída na segunda realidade do
homem (imaginário), que é expansiva, sendo o que diferencia o homem dos outros animais.
“A cultura constitui o conjunto de textos produzidos pelo homem. Deve-se assim entender por
‘textos’ da cultura’ não apenas aquelas construções da linguagem verbal, mas também
imagens, mitos, rituais, jogos, gestos, cantos, ritmos, performances etc” (BAITELLO
JUNIOR, 1999b, p. 28).
“A cultura é uma invenção que consegue transformar o horror da morte na força
motriz da vida e que por meio do despropósito da morte constrói a expressividade da vida”
(MIKLOS, 2012, p. 63). Por isso, a segunda realidade existe para equilibrar e compensar a
primeira. Tudo o que não pode ser solucionado na primeira realidade, é superado ou
transformado pelo homem através da imagem na segunda realidade. Isso tornou a vida dos
homens possível e a cultura é esse processo imaginário. Trata-se de um sistema que diferencia
16
o homem dos demais animais, já que só os homens possuem imaginação, e nasceu do medo
do homem diante de sua única certeza: a morte.
A consciência da morte é apontada, antropologicamente por Edgar
Morin como o momento de passagem do estado de “natureza” para o
estado de homem. Esse fato, a morte, também foi observado por
Ivan Bystrina como o agente fomentador da cultura. Traduzida por
outra expressão, essa consciência da morte significa a consciência
do tempo finito subjetivo. As futuras investigações da Teoria da
Mídia sobre os fenômenos comunicativos para as Ciências da
Comunicação não podem prescindir deste enunciado formulado por
ambos autores. (PELEGRINI, 2008, p. 20)
Para sobreviver, o homem criou símbolos que poderiam transcender sua existência.
PROSS afirmou que “os símbolos vivem mais que os homens” e os homens passaram a
atribuir significado para todos os objetos através de símbolos. Graças à cultura, os objetos
passaram a possuir valores intrínsecos criados por sua história.
Os símbolos foram produzido pelo homem para sobreviver ao
homem e, ao mesmo tempo, para permitir que o homem sobreviva
sempre que for representado por eles. Possivelmente a primeira
coisa a ser representada não foi senão o seu próprio tempo.
(PEREGRINI, 2008, p. 19)
A cultura é o lado fútil do homem, porém necessário. “Entendemos por cultura todo
aquele conjunto de atividades que ultrapassa a mera finalidade de preservar a sobrevivência
material. Ela é constituída de coisas aparentemente supérfluas e inúteis” (BYSTRINA, 1995,
p.4). Coisas essas que servem para preencher o vazio e a falta de sentido que causam horror
ao homem depois da consciência da morte.
A cibercultura, muito pesquisada nos dias atuais em que a Internet se faz presente em
todas as fases e momentos de nossa vida, não pode ser tratada como um ambiente, já que não
produz sentido nem tempo. Por isso, trata-se de uma técnica, visto que não produz história.
Sabe-se que o ciberespaço é um espaço sem vínculos e sem memórias. Portanto, pela
Semiótica da Cultura, não poderia sequer ser considerado espaço e, muito menos, cultura. O
ciberespaço e tudo o que acontece “dentro dele” é efêmero.
Portanto, a cibercultura pode ser tratada como ciber hábito, já que hábitos vem e vão.
Muito recentemente, a maior parte dos usuários de internet utilizavam Orkut e acreditavam
que aquilo era tudo o que a internet tinha a lhes oferecer, existindo para sempre. Aquilo era a
17
própria internet e nada aconteceria depois. Em pouco tempo, os usuários abandonaram o
Orkut e seguiram para outras redes sociais. Hoje, o Facebook é quem comanda a cibermoda
ou o cibermodismo. Tudo o que acontece dentro da internet, por mais que pareça eterno,
acaba com a mesma velocidade com que foi construído, fruto de uma tendência midiática de
exacerbar o vazio.
O homem sabe que seu tempo de vida do homem é finito e não renovável. Por isso,
vive o mais depressa possível, uma vida fast food, tentando aproveitar o máximo cada
momento, tornando o medo da morte “a matéria prima para o poder da mídia em toda e
qualquer de suas manifestações” (BAITELLO, 2003). Dessa forma, para prosseguirmos com
nosso estudo, é essencial uma compreensão da Teoria da Mídia, proposta por PROSS, que
enriquece muito às Teorias da Comunicação.
Tal ampliação do conceito de mídia oferece um notável desafio para
os estudos da comunicação humana hoje, deslocando este campo do
saber para um novo patamar, mais complexo, exigindo a inclusão de
fatores bioetológicos tanto quanto psicoantropológicos, ao lado dos
indispensáveis componentes sociopolíticos e econômicos.
(BAITELLO, 2010, p. 63)
1.2 A Teoria da Mídia
A concepção de Teoria da Mídia teve suas bases epistemológicas elaboradas por
PROSS (1972), que propôs uma classificação de sistemas de mediação para a construção de
processos comunicacionais em uma tripla tipologia dos processos de mediação: a mediação
primária, mídia primária, ou os meios primários, os meios secundários e os meios terciários
(BAITELLO JUNIOR, 2010, p. 61). Sendo elas acumulativas, na mídia secundária, portanto,
há necessariamente a primária, e na terciária obrigatoriamente estará presente tanto a primária
quanto a secundária.
A Teoria permite um “recorte e um enfoque mais apropriado para os procesos de
comunicação em sua natureza de processos de mediação” (BAITELLO, 2010, p.104), já que
“as chamadas teorias da informação e da comunicação ignoram, por via de regra, ainda mais o
teor probabilístico e complexo de processos nos quais atores socioculturais, complexos por si
só, têm importância decisiva” (BAITELLO, 2010, p. 104).
Nas definições de PROSS (1972), o corpo se caracteriza como mídia primária, sendo
ele e suas múltiplas linguagens a primeira mídia do homem. Desde os primórdios, é através
18
do corpo que o homem se comunica consigo mesmo, com outros homens e com o mundo
através de recursos biológicos e naturais, sendo, portanto, o meio primitivo e elementar para o
convívio em sociedades. A fala, a gesticulação, a postura, as expressões faciais e corporais, os
odores, sons e movimentos, são bons exemplos da comunicação corporal.
É essa a comunicação que ocorre no flerte, na articulação e na leitura
dos gestos e da mímica facial, no movimento e deslocamento no
espaço dos estudantes, sindicalistas, movimentos populares e
pequenos produtores da agricultura que vão às ruas em passeata,
demonstrando com o próprio corpo seu descontentamento
(BAITELLO, 1999a, p. 2).
Para que a mídia primária possa ocorrer é necessário que os emissores e receptores
estejam localizados em um mesmo espaço físico e período de tempo. A fim de ampliar os
limites de sua comunicação, o homem desenvolve suportes capazes de amplificar o alcance de
seu corpo, fazendo nascer a mídia secundária. Nela, o emissor, e apenas ele, faz uso de um
suporte para transmitir sua mensagem. A escrita, a fotografia, o uso de máscaras, a pintura, a
gravura, entre tantos outros, são exemplos deste tipo de mídia.
A mídia secundária permite ao homem ultrapassar barreiras naturais do espaço tempo,
permitindo que o receptor receba a mensagem mesmo quando não há mais a presença do
emissor. Nasce o registro midiático, as mensagens têm seu alcance alavancado assim como
sua durabilidade, o que permite ao homem uma expansão de sua memória, o registro
histórico.
Evidentemente foi aí que se constituiu a primeira escrita, a escrita
dos pés e suas pegadas, muito antes que as mãos aprendessem a
desenhar sinais para marcar caminhos. Mas a escrita com a mão iria,
por sua vez, transformar uma vez mais o destino do pós-macaco que
passa a carregar a memória da vida arborícola na verticalização de
sua coluna vertebral. (BAITELLO, 2010, p. 106)
Nascem as publicações impressas, os jornais, livros, panfletos, entre outros,
permitindo que as notícias, agora gravadas no papel, além de atuarem como registros do
homem e seus costumes, pudessem atingir um número maior de receptores, ampliando a sua
comunicação, mas partindo ainda de um único emissor. Por outro lado, “o advento da escrita
incorporou o critério da elasciticade e da provisoriedade nas sociedades humanas”
19
(BYSTRINA, 1995, p. 15), já que tudo o que está escrito pode ser rasgado e ser escrito
novamente.
Na mídia terciária, além de o emissor possuir um suporte, é necessário também que o
receptor faça uso de um aparelho para receber e decodificar a mensagem. Aqui há uma
complexificação de todo o processo de mediação; os corpos não precisam mais estar presentes
para se comunicar e o tempo deixa de ser empecilho, passando a haver uma presentificação do
tempo, uma desmontagem do tempo cronológico, dando lugar ao tempo real, mediado pela
eletricidade.
Permitindo a ampliação da escala espacial e temporal, a mídia terciária acaba com a
dificuldade no transporte físico da mensagem. Exemplos são as tecnologias capazes de rede,
como o telégrafo, telefone, rádio, televisão e, mais recentemente, a internet. Não há mais
distância para a transmissão da informação em uma velocidade cada vez mais próxima de um
tempo real, fazendo com que o receptor, mesmo que esteja localizado a quilômetros de
distância, possa estar virtualmente presente em qualquer lugar do globo terrestre
simultaneamente ao emissor, emergindo aquilo que VIRILIO (2000) chama de “tempo
mundial”.
A aplicação do tempo real pelas novas tecnologias é, quer queira
quer não, a aplicação de um tempo sem relação com o tempo
histórico, isto é, o tempo mundial. O tempo real é o tempo mundial.
Ora toda a história é feita num tempo local, o tempo local da França,
o da América, o da Itália, o de Paris, ou o de qualquer outro lado. E
as capacidades de interação e de interatividade instantâneas
desembocam na possibilidade de aplicação de um tempo único, de
um tempo que por isso mesmo não se refere senão a um tempo
universal da astronomia. É um acontecimento ímpar. É um
acontecimento positivo, ao mesmo tempo que é um acontecimento
carregado de potencialidade negativas, e eu digo-o porque sou um
filho do século XX e não do século XXI. (VIRILIO, 2000, p. 13)
A terminologia “tempo real” será utilizada a fim de elucidar a velocidade quase
instantânea com que as mensagens são transmitidas, como uma figura de linguagem, sem
levar em consideração que seja impossível recriar um tempo que seja precisamente real
através de aparatos tecnológicos. Trata-se de uma figura de linguagem que visa associar a
velocidade quase que instantânea relativa a transmissão e recepção de uma determinada
informação, sem levar em conta qualquer atraso causado por aparelhos, chamado de delay ou
20
lag, ou o tempo gasto com a codificação, decodificação, processamento, envio e recebimento
da mensagem.
As mudanças no tempo e espaço ou sua ausência significaram alterações de suma
importância no processo comunicacional. O surgimento de cada novo suporte obriga o
homem a um reaprendizado na forma de se comunicar consigo, com os outros homens e com
o mundo.
A cada novo avanço tecnológico muda-se a forma de se enviar e receber
mensagens, que passam a trafegar por fios e, posteriormente, a flutuar no espaço, sendo
transmitidas de uma maneira cada vez mais instantânea, porém, em um novo contexto de
tempo real.
Para fugir à finitude humana, à mortalidade (matando o tempo antes
que este o mate), o homem contemporâneo recorre à comunicação
virtual, inaugurando um tempo virtual infinito que foge às leis da
mortalidade, satisfazendo seu instinto/pulsão de poder e de controle
do egóico. Na carne, morremos; na imagem, somos,
instantaneamente, ilusoriamente eternos.
Virtualizar o corpo foi uma forma simbólica encontrada por nosso
tempo para apaziguar o medo da morte. Só que, ao abrirmos mão da
morte, abrimos mão também da vida, já que elas são indissociáveis.
(CONTRERA, 2002, p. 54)
Para não morrer, o homem criou símbolos, até mesmo para seu corpo e protagoniza
aquilo que FLUSSER (apud BAITELLO, 2010) chamou de terceira catástrofe, onde nos
tornamos nômades sem corpos.
1.3 As catástrofes de Flusser
Segundo FLUSSER (apud BAITELLO, 2010), ao longo de sua história, o homem
vivenciou três grandes catástrofes, sendo a última ainda em curso e sem nome. A primeira
catástrofe foi chamada de hominização, quando o homem desce às savanas e passa a ser
nômade, obrigado a viver no tempo-espaço do caminhar e de sua caça. O homem desenvolveu
uma série de ferramentas de pedra para ajudá-lo a caçar e fugir dos predadores; porém, para
sobreviver, ele era obrigado a se locomover constantemente. Aqui, o homem conhece o
mundo pelo toque.
21
A segunda catástrofe aconteceu quando o homem deixou de ser nômade e passou a
constituir uma residência fixa. Aqui, o homem já não precisa mais caçar, podendo domesticar
seus animais e criar sua agricultura em casa. Com isso, o homem passou a acumular coisas e
ter posses. Nasce aqui a civilização, a vida em aldeias e a conseqüente sedentarização. O
homem passa a conhecer o mundo graças a uma mediação, através de imagens e a escrita, que
acabam substituindo o mundo do homem. Nesse momento, ocorre a mudança da História para
a pós-história.
A terceira catástrofe para FLUSSER, “em curso e ainda sem nome, é marcada pela
volta ao nomadismo, pois as casas se tornaram inabitáveis” (BAITELLO, 2010, p.52). Aqui, o
que sai de casa não é o corpo do homem, mas seu espírito, saturado pelas imagens técnicas
transmitidas pela eletricidade. Conforme BAITELLO (2010, p. 113), essa é uma nova forma
de novadismo, exercido sem os pés, é o nomadismo sem corpo.
Na terceira, sua casa fica inabitável, porque por todos os seus
buracos entra o vento da informação (com suas imagens técnicas,
transmitidas pelas tomadas de eletricidade). Este o conduz a um
nomadismo de novo tipo, no qual não é mais o corpo que viaja,
navega ou caminha, mas o seu espírito (em latim, spiritus; em grego,
pneuma; em hebraico, ruach), seu vento nômade. (BAITELLO,
2010, p. 52)
Essa terceira catástrofe que vivenciamos ocorreu diante daquilo que VIRILIO (1996)
chamou de uma sociedade Dromocrática, o modo tecnológico de organização da vida
humana, em todas as esferas, seja na pública ou na privada, no tempo de trabalho e no tempo
livre e de lazer.
1.4 A dromocracia e o glocal
A dromologia teve início com a domesticação dos animais, mais precisamente com a
utilização do cavalo como locomoção, há quase oito mil anos. Foi a primeira vez na história
cronológica que o homem pode acelerar o seu tempo e o início do fim da História e do tempo.
Dromos vem do grego Δρομος, que representa justamente a velocidade, onde “a velocidade
significa Tempo ganho, no sentido mais absoluto, já que ele se torna Tempo humano
diretamente arrancado à Morte” (VIRILIO, 1996, p. 34).
22
São quatro os territórios dromocráticos: mar, terra batida, ar e ondas elétricas. Através
do mar, o homem foi capaz de atravessar continentes e chegar a terras até então
desconhecidas. Com a terra batida, foram feitas as primeiras estradas. Através do ar, pode-se
chegar a velocidades ultra-sônicas. E, finalmente, através das ondas elétricas, o planeta tornase uma protuberância ausente. Não há mais distâncias a serem percorridas.
Emerge o tempo real, que prevalece sobre o espaço real e a geografia. Não há mais o
passado e o futuro. Essas mudanças no tempo e espaço ou sua ausência significaram
alterações de suma importância no processo comunicacional. O surgimento de cada novo
suporte tem sujeitado o homem a um reaprendizado da forma de se comunicar consigo, com
os demais homens e com o mundo. A cada novo avanço tecnológico muda-se a forma de se
enviar e receber mensagens, que passam a trafegar por fios e, posteriormente, a flutuar no
espaço, sendo transmitidas de uma maneira cada vez mais instantânea. Porém, a cada novo
avanço, o anterior “frequentemente se torna obsoleto antes mesmo de ser aproveitado; e o
produto está literalmente gasto antes de ser usado, ultrapassando assim, na “velocidade”, todo
o sistema de lucro da obsolescência industrial!” (VIRILIO, 1996, p. 57).
Ocorre hoje algo totalmente inédito, quando o software torna o hardware obsoleto.
Isso é, somos obrigados a descartar coisas para conseguirmos dar suporte às “não coisas”.
Novos programas de computador precisam de novas máquinas para poderem ser executados;
novas técnicas de imagem, necessitam de novos televisores para poderem ser vistas. O que se
vende não é mais o aparelho e sim o software, que nada mais é do que uma “não coisa”. Os
objetos carregam informações e é isso que lhes confere valor. “Softwares necessitam de mais
hardwares, e hardwares, de mais softwares. Uma tecno-lógica que, aos poucos, exclui seu
criador: o homem” (PELEGRINI, 2008, p. 27).
“Sob tais injunções, a comunicação e a velocidade acabaram por forjar uma
experiência antropológica típica” (TRIVINHO, 2007, p. 20),
como o fenômeno glocal,
neologismo de global e local evocado pela primeira vez por VIRILIO (TRIVINHO, 2007, p.
242), que “nasce na vigência da cibercultura, configuração material, simbólica e imaginária da
era pós-industrial avançada, correspondente ao predomínio internacional da matriz digital de
tecnologia, seja no âmbito do trabalho, seja no do tempo livre e do lazer” (TRIVINHO, 2001,
p. 66-67).
O fenômeno glocal permite a hibridação entre o local e o global em uma nova cultura,
onde estamos submetidos à tirania do tempo, em uma sociedade dromocrática, onde a
23
geopolítica, presente nos séculos XIX e XX, deu lugar à cronopolítica do século XXI, e o
tempo passa a ser o bem mais valioso. Podemos “estar” em vários lugares sem sairmos de
nossas casas, sendo nômades sem corpo na chamada terceira catástrofe.
Porém, ao invés de somente percebermos o lado positivo da evolução, é preciso
lembrar que “quem vai abdicando da comunicação primária (em prol das maravilhas da
comunicação virtual) vai perdendo também a capacidade semiótica, e passa a se mover num
mundo em que tudo, literalmente, não tem mais sentido.” (CONTRERA, 2002, p. 68). O
mundo deixa de ser mundo e passa a ser somente uma representação mediada de mundo.
Sendo que, quem faz essa mediação, o faz como bem entender e passa controlar quem é
mediado.
As pessoas deixam de ter um contato com o mundo, como o tinham antes da
dromocracia ou da segunda catástrofe de FLUSSER (apud BAITELLO, 2010), e passam a ter
contato com um mundo mediado que é igual para todos. “A comunicação parece ter se
desenvolvido como uma atividade capaz de transformar a experiência intraduzível da vida
individual, em uma experiência comum a todos os membros do grupo” (PELEGRINI, 2008,
p. 19). Assim, as pessoas deixam de ser pessoas.
1.5 A mídia sincronizadora
A origem do termo “mídia” vem do latim, do singular médium e do plural media, que
significam meio e meios respectivamente. No Brasil, a adoção da palavra ainda encontra certa
resistência e, portanto, faz-se o uso indiscriminado das grafias de media e mídia, assim como
o plural mídias antecedido do artigo masculino (os mídias) ou feminino (as mídias).
“Recentemente, a palavra mídia, sem s, antecedida do artigo feminino (a mídia), fixou-se mais
dominantemente” (SANTAELLA, 1992, p. 8).
Segundo PROSS, “a função primordial da mídia é a de sincronizadora de uma
sociedade” (BAITELLO, 1997, p. 104). Mídia é a imprensa hegemônica que julga o que deve
ser noticiado e qual a relevância de um determinado assunto para a sociedade ao decidir quais
os temas deverão aparecer nas primeiras páginas dos jornais, receberão mais tempo de
reportagem, quais receberão menos destaque e quais não receberão qualquer atenção.
“As mídias, entendidas em seu sentido mais amplo, compreendem
um complexo intricado de interesses, demandas e respostas, um
24
conflito permanente entre diferentes forças e as constituem
(proprietários, patrocinadores, trabalhadores, cidadãos, políticos,
militantes), além de envolverem também negociações com os
sujeitos representados e com os públicos que se destinam.”
(DOWNING, 2004, p. 9-10)
Com isso, a mídia exerce um enorme poder simbólico ao selecionar o que será ou não
importante para seu público, que vai pagar caro, com o seu tempo, para receber essa
mediação. É a mídia que cria a imagem de mundo que nós vivemos exercendo “um poder
centralizador, catalisador, de um totem pós-moderno virtual” (CONTRERA, 2002, p. 102). A
mídia é quem dá sentido e atribui valor aos símbolos e, posteriormente à todas as coisas,
podendo fazer disso o que bem entender.
Nos dias atuais, percebemos “uma mídia sempre mais preocupada com os índices de
audiência (os patrocinadores, a publicidade, é claro) do que com a qualidade da mediação
oferecida” (CONTRERA, 2002, p. 76), o que explica a crescente queda na qualidade da
programação exibida. Dessa forma, assuntos mais polêmicos e que gerem maior audiência são
tratados com maior destaque do que outros que talvez fossem mais importantes para a
sociedade.
A prática jornalística contamina-se com a abstração provocada pelos
seus suportes alimentados por números infinitesimais. Diante dos
limites de percepção espaço/temporais do homem, só os fenômenos
titânicos, (grandes ou pequenos o suficiente para prender a atenção
diante dos excessos que ocorrem simultaneamente) ocupam espaço
no cotidiano sincronizado pela mídia terciária. (PELEGRINI, 2008,
p. 24)
A violência é um assunto que figura comumente na mídia hegemônica por atrair a
atenção de um grande número de pessoas. “Nos jornais, na televisão, no cinema, em todas as
instâncias, a violência está tão presente nas situações comunicativas da mídia contemporânea
que se apresenta como uma obsessão temática” (CONTRERA, 2002, p. 89). Porém, novos
assuntos, que ainda sejam desconhecidos pela maioria da população, principalmente os
relacionados à tecnologia, também rendem um bom material, já que permitem que a mídia se
aproprie daquilo para dar a definição que bem entender.
O midiático é hoje a morada da imagem, tal qual já foi um dia o
sagrado e outro dia, o artístico. Enquanto o sagrado almejava a
transcendência, e o artístico, a imanência gerada pelo valor de
25
exposição, o midiático busca a onipresença gerada por uma
capilaridade invasiva sem par na História. Assim, são onipresentes
os apelos e as apelações da metrópole, por meio da imagem
midiática que invade todos os espaços e objetos. Desde as paredes
internas das moradias, passando pelas caixas e máquinas de
imagens, até os muros mais inexpressivos e os imponentes edifícios,
desde as roupas até os torsos, barridas, braços ou pernas dos corpos,
todos carregam anúncios, bandeiras, lemas, slogans, palavras de
ordem. Todos eles significam intenções, promessas, projetos, coisas
pertencentes à alçada do futuro. Mas, como são imagens, padecem
do mau da ausência da presença. (BAITELLO, 2010, p. 101 e 102)
A mídia tem uma capacidade maravilhosa de trabalhar com a desinformação para
gerar déficit emocional, principalmente em tudo o que é novo. Se é novo, a mídia dá o sentido
que ela decidir. Por isso seu interesse tão grande em abordar assuntos relacionados à
tecnologia, principalmente se puderem causar qualquer impacto na vida cotidiana, como no
caso de Anonymous, que será melhor explicado no próximo capítulo.
Se for feita uma análise mais criteriosa das notícias relacionadas a tecnologia que são
publicadas pelas tradicionais mídias de massa, subentende-se televisão, rádio, jornais
impressos e revistas, podemos encontrar diversos equívocos, mal entendidos e até enormes
falhas do ponto de vista técnico e científico. Com exceção de alguns poucos cadernos ou
veículos especializados e segmentados, todas as pautas relacionadas a informática e seus
derivados, principalmente a internet, acabam por faltar com precisão nas informações
enquanto estão sendo redigidas e publicadas. Termos mais específicos da linguagem técnica
são, por muitas vezes, utilizados de maneira simplificada e, por vezes, equivocada em relação
ao seu verdadeiro significado. Tomemos como exemplo o uso da palavra Hacker, que acabou
por ser banalizada de maneira errônea pela mídia e posteriormente por grande parte da
sociedade como o usuário mais experiente de computadores que invade sistemas, danifica
servidores, rouba informações particulares, ou somente atividades criminosas através de um
dispositivo tecnológico, como o furto de senhas bancárias.
Hacker é uma palavra inglesa que deriva do verbo to hack, que significa "cortar de
maneira imprecisa". Quando usado como substantivo, hack significa o uso de uma solução
improvisada para solucionar um problema complexo. Na década de 50, o termo foi bastante
utilizado para descrever as modificações feitas em relês eletrônicos de controle dos trens.
Alguns anos depois, o termo passou a ser empregado por programadores de computador que
conseguiam descobrir novos recursos em sistemas computacionais que ainda não haviam sido
cogitados. Hoje, podemos considerar o hacker como um usuário de computador que se dedica,
26
com intensidade fora do comum, a conhecer o sistema da máquina a fundo, com o objetivo de
efetuar soluções rápidas, eficientes e engenhosas para problemas complexos que aparentem
ser insolúveis.
A definição exposta acima se difere bastante do uso indiscriminado que costuma
estampar as notícias e reportagens dos veículos de imprensa, principalmente os que possuem
foco popular, como exemplo, a notícia veiculada no jornal O Estado de S. Paulo, no dia 06 de
setembro de 2007, com o título “Preso hacker que ‘criava’ dinheiro para fraudes na web” 4. Na
verdade, tratava-se de um Cracker, e não de um Hacker, isso é, uma pessoa que pratica a
quebra de sistemas de segurança de forma ilegal ou sem ética. Estima-se que esse termo tenha
sido criado em 1985, justamente para diferir os Hackers daqueles que se utilizavam de um
dispositivo tecnológico para a prática ilícita que causa danos a outros usuários ou empresas.
Porém, é comum vermos veículos midiáticos confundindo os termos e utilizando de maneira
equivocada o conceito de hacker como um cibercriminoso.
Pelo fato de a mídia hipersimplicar as coisas, para não exigir o mínimo de reflexão e
aprendizado do seu público, transmite somente as informações superficiais sobre os
acontecimentos, o que faz com que nós tenhamos uma imagem supérflua do mundo. Perdemse muitas informações cruciais nessa mediação e deixamos de ver a complexidade do real.
A patologia moderna da mente está na hipersimplificação que não
nos deixa ver a complexidade do real. A patologia da ideia está no
idealismo, onde a ideia oculta a realidade que ela tem por missão
traduzir e assumir como a única real. A doença da teoria está no
doutrinarismo e no dogmatismo, que fecham a teoria nela mesma e a
enrijecem. A patologia da razão é a racionalização que encerra o real
num sistema de ideias coerente, mas parcial e unilateral, e que não
sabe que uma parte do real e irracionalizável, nem que a
racionalidade tem por missão dialogar com o irracionalizável.
(MORIN, 2005, p. 15)
Outro termo constantemente banalizado e utilizado de maneira errônea pelas mídias de
massa são os vírus, na tentativa de explicar outras formas de software maliciosos, como, por
exemplo, os cavalos de tróia, que são programas disseminados pela internet, camuflados de
notícia, vídeos ou fotos, com o objetivo de roubar dados do usuário, como senhas ou outros
arquivos. Para isso, os cavalos de tróia se instalam no computador da vítima e libera portas
que facilitem a invasão de hackers. Esse nome faz referência ao grande cavalo de madeira
4
Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/geral,preso-hacker-que-criava-dinheiro-para-fraudes-naweb,47746,0.htm>. Acesso em 10 de abril de 2012.
27
utilizado pelos gregos durante a Guerra de Tróia. Os vírus de computador, por sua vez,
também são softwares maliciosos que agem como um vírus biológico, infectam o sistema e
tentam se espalhar automaticamente para outros computadores e, ao contrário do cavalo de
troia, o vírus em si pode causar danos ao computador infectado, sem a necessidade de
nenhuma ação por parte de um Cracker.
A partir dessas definições, podemos ver a enorme quantidade de notícias equivocadas
que nos deparamos periodicamente, já que, na sociedade dromocrática, a verdade passa a ser
dada única e exclusivamente pela mediação do momento. Pode-se dizer que a veracidade na
difusão de mensagens deixa de existir com a instantaneidade da difusão. Com isso, aspectos
como a espetacularização e a superficialidade passam a ser elementos constitutivos
fundamentais da imagem midiática, constituindo aquilo que DEBORD (1997) chama de “A
Sociedade de Espetáculo”.
“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se
anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se
esvai na fumaça da representação” (DEBORD, 1997). O espetáculo se apresenta como a
sociedade ou parte dela. Ele não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre
indivíduos envolvidos por um conjunto de imagens. Na sociedade do espetáculo, vive-se
através da imagem. Todas as relações sociais são mediadas pela imagem, pensa-se por
imagem.
A mídia sincronizadora faz com que ela mesma seja a criadora de significados. “Esse
poder sincronizador da mídia criou as condições para o estabelecimento de novos mercados,
novas políticas, novos perfis culturais etc” (PELEGRINI, 2008, p. 39). A mídia pode criar,
atribuir valor e julgar esses valores de acordo com a vontade de seus proprietários. Com a
difusão da mídia terciária e o aumento abrupto na distribuições de informações, a mídia passa
a exercer esse seu poder de uma maneira mais forte, sem permitir que seu público alvo reflita
e perceba o que está acontecendo.
O estabelecimento da mídia terciária como principal sistema
comunicativo do século XX indicou, de uma só vez, a definitiva
quebra das barreiras espaço-temporais e o surgimento de uma
importante ruptura no conceito de cotidiano. Ele passa a ser regido
por um sistema simbólico que se consolida à medida em que se
transforma em sincronizador das sociedades ocidentais. Basta notar
a importância que os veículos de comunicação de massa tiveram na
alteração dos rumos das sociedades inteiras, contribuindo inclusive
28
com a alteração do mapa geopolítico da Europa na primeira metade
do século passado. (PERIGRINI, 2008, p.15)
Quando a mídia aborda um determinado assunto, há um interesse por detrás esse
instrumental, já que é ela quem decide o que é importante e o que merece destaque. A mídia
age como um biombo, um véu que permite que só se veja o que ela quer que seja visto e,
comumente, consuma-se um autoreferencial. Vivencia-se uma mídia esquizofrênica que só
fala sobre si.
Um assunto tido como interessante, passa a ser desdobrado em infinitas repetições
sobre o mesmo. Um desastre de comoção nacional figurará entre os destaques dos veículos
midiáticos por um período de tempo superior à sua real importância. A cada dia, a mídia é
capaz de encontrar um novo detalhe, mesmo que insignificante e pouco importante, mas que
lhe permite resgatar o tema.
Os sistemas simbólicos sempre existiram entre o homem e a
realidade. Eles estão no meio, como biombo ou como uma fenda, de
modo a permitir que a realidade seja vista de um determinado
ângulo, e então, nesses casos, a realidade é apenas um ponto de
vista. E esse ponto de vista é quase sempre de quem está no meio
(entre o homem e a realidade), ou seja, da mídia. Se ela serve como
instrumento de mediação e, portanto, ajuda o homem a sincronizar o
tempo biológico com a natureza, também é verdade que ela (a mídia)
passa a ser, muitas vezes, ela mesma, a única referência de realidade
que se possui. (PELEGRINI, 2008, p.16 e 17)
A mídia pode ser tida como um tipo de droga, como um rito, que gera previsibilidade e
acaba, dessa forma, viciando a sociedade. Para FLUSSER (2011), o ato de fotografar “pode
virar mania, o que evoca o uso de drogas. Na curva desse jogo maníaco, pode surgir um ponto
a partir do qual o homem-desprovido-de-aparelho se sente cego. Não sabe mais olhar a não
ser através do aparelho” (FLUSSER, 2011, p. 78). Mas isso não se dá somente no aparelho
fotográfico, mas em qualquer aparelho.
Um dos termos que usamos para caracterizar os dependentes químicos é “usuário”,
que também é utilizado para definir aqueles que fazem uso do aparelho computador, é um
bom exemplo do conceito de funcionário, criado por FLUSSER (2011). Se usarmos o
Facebook para analisá-lo enquanto programa, veremos um número aproximado de um bilhão
de funcionários trabalhando em prol de um software. Porém, não podemos restringir usuários
a funcionários, enquanto percebemos a existência de outras formas manifestantes do termo,
29
como telespectadores, ouvintes, leitores, ou todos os outros que vivem submersos em seus
aparelhos.
Consequência disso é que vivemos em uma sociedade que produz muito mais do que
consegue consumir, não conseguindo lidar nem mesmo com o nosso próprio lixo. No caso
desse excesso de informação, resultará na falta de sentido, naquilo que chamamos de
incomunicação. Temos uma verdadeira gula de informação e velocidade, queremos muito
mais do que nosso corpo e mente podem processar.
1.6 A gula de informação
“A gula, portanto, seria a forma de devoração excessiva, que não
apenas produz excesso de excrementos, mas que passa a devorá-los
igualmente, tal qual já faz com a natureza. Torna-nos tão
dependentes da devoração que há uma reversão do processo: são os
excrementos que devoram seus devoradores. Tal reversão já está
presente na antropofagia ritual, segundo a qual não somos nós
comedores os agente ou sujeitos de uma ação, mas, ao contrário, ao
comermos um pedaço de carne ou um pedaço de pão, estamos sendo
devorados pelos mesmos, sucumbindo à força de sua materialidade e
de sua imaterialidade, de seu sabor e de seus saberes, diante dos
quais apenas somos um elo a alimentar uma história.” (BAITELLO,
2010, p. 38 e 39)
A gula é o desejo insaciável, muito além do necessário. No caso da comida, sente gula
não quem tem fome, mas quem já está satisfeito, mas mesmo assim ainda possui esse desejo
de mais. No caso da informação, a gula se representa no fenômeno chamado “fear of missing
out”5 (FOMO), tida como a síndrome da sociedade digital. Caracterizada pela ansiedade,
indecisão, inadequação e irritação que toma conta das pessoas quando não se consideram bem
informadas, de não estarem completamente sincronizadas. A gula “não visa satisfazer as
necessidades da fome apenas, mas visa a produzir mais e mais fome, para que se justifique o
crescimento permanente e exponencial da produção.” (BAITELLO, 2010, p. 38)
Estar de fora, hoje, é associado a uma possível exclusão de um grupo, por não
poderem partilhar de um mesmo assunto. Não sincronizada, ela estará fora de seu tempo, fora
do tempo mundial.
5
Tradução livre: Medo de estar por fora.
30
Por conta de um tempo social projetado em escala global, por conta
da sincronização em tempos transfinitos e simultâneos, por conta da
velocidade e da busca incessante de um futuro que já se mostra
presente, todos os noticiários, por exemplo, exibem cotidianamente,
um mundo que não existe de fato, mas como potência simbólica.
(PELEGRINI, 2008, p. 24)
O mundo é simbólico, codificado, e regido pelo tempo. No último “Internationales
Kornhaus Seminar”, Pross declarou que talvez essa seja a principal matéria-prima da
comunicação: o tempo (BAITELLO, 2003). PROSS também afirmou que “o homem nasce
pela comunicação. Ele é o resultado de forças comunicantes. Ligação, mediação,
compreensão, transação tornam a vida individual possível” (PROSS, 1970:22 appud
BAITELLO, 2003).
Não estar sincronizado é a morte para o homem, é viver no vazio. Por isso, devora-se
toda a informação, devora-se o outro, e se tem seu corpo engolido pela imagem, no que
chamamos de iconofagia. “Flusser demonstra ser um bom aprendiz da Antropofagia,
pensando, portanto, todo o fenômeno midiático como operação devoradora, ou seja, pensando
a comunicação como processo de incorporação do outro” (BAITELLO, 2010, p. 42).
Torna-se impossível pensar em um mundo sem essa sincronização midiática, sem os
símbolos e os significados criados pela mídia, ou nada mais faria sentido. Por isso, “o
jornalista participa da sincronização diária, ele dá os significados do dia. Isso é um dos
fundamentos da nossa sociedade” (PROSS, Entrevista disponível no CISC). Daí, mais uma
vez, a importância da comunicação, da cultura e da mídia para o homem conseguir suportar
seu mártir de nascer condenado a morte.
Um exemplo empírico de sincronização pode ser observado através do monitoramento
das notícias mais lidas em um portal jornalístico, como a Globo.com, por exemplo. A maioria
das notícias mais lidas no período vespertino são as que estiveram no topo do site durante a
manhã e as notícias mais lidas da manhã são as expostas em área de destaque do site no dia
anterior. Isso se não levarmos em consideração as notícias publicitárias que obtiveram
posicionamento de destaque mediante pagamento.
Toda mídia sempre realizou processos de sincronização porque ela
se alimenta da matéria-prima de toda comunicação humana: o
tempo. Os meios de comunicação fazem isso traduzindo o tempo de
vida (finito) em tempo social (que se pretende eterno). Foram eles
que, através de sistemas simbólicos articulados como linguagens
(gestos, desenhos, fala, escrita etc.), teceram e ainda tecem a trama
31
do cotidiano tornando possível a percepção de um tempo coletivo,
esteja ele espacializado simbolicamente na sílica da parece
paleolítica ou no silício dos processadores eletrônicos.
(PELEGRINI, 2008, p. 20)
Dessa forma, o homem deixa de viver em seu mundo e passa a habitar um mundo
mediado, midiatizado. Não se precisa mais presenciar, basta viver experiências através dos
meio. Por isso, “pode-se dizer que [o sujeito] ele mesmo não está corporalmente onde está o
símbolo, mas relaciona o símbolo com sua presença e assim estará simbolicamente onde não
está.” (PROSS, 1974:47 apud BAITELLO, 2003)
Isso cria uma relação de dependência da mídia sincronizadora, e o homem paga esse
custo com o seu próprio tempo e, porque não, com sua vida. “Com o desenvolvimento de
aparatos cada vez mais poderosos de busca dos receptores, com verticais cada vez mais
eficazes em sua própria manutenção, os sistemas de comunicação passa a transferir cada vez
mais seus próprios custos para os receptores.” (BAITELLO, 2003).
É impossível negar, hoje, que haja um verticalismo na Comunicação, gerando uma
violência simbólica, onde muitos são sincronizados por poucos. “A criação e a crescente
concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos, gerando um tipo de
violência simbólica” (BAITELLO, 2003). Há uma redução no esforço do sinal para o emissor
e um aumento gradativo no “custo” do consumidor, que é dependente daquilo.
“Sabemos que algumas das coisas que nos influenciam são deliberadamente
produzidas pela mídia” (FLUSSER, 2007, p. 112). Somos aquilo que FLUSSER chama de
funcionários.
1.7 O conceito de funcionário
Para FLUSSER, não podemos julgar o homem enquanto funcionário se mantivermos
os conceitos históricos e industriais. No momento em que o valor se transferiu do objeto para
a informação, entramos na era da pós-indústria, onde o que vale é o símbolo e não o objeto
em si. Assim, adentramos também na pós-história, onde há o abandono do pensamento casual
e linear, em que nada se repete e as situações de davam ao acaso de maneira improvável.
Tendo isso claro, não podemos julgar o homem como homo faber e sim como homo
ludens, não mais fabricamos ou trabalhamos, mas sim jogamos com e contra um aparelho.
Somos seres que jogam. Com isso, tudo torna-se previsível, o que acontece já estava previsto
32
no programa. Não passa de mera repetição. Somos jogadores previsíveis e fáceis de sermos
“derrotados”.
Pensamos cada vez mais informaticamente, programaticamente, aparelhisticamente,
imageticamente, isso é, pensamos do mesmo modo pelo qual “pensam” os computadores
(FLUSSER, 2011, p. 103). O funcionário domina o aparelho, mas é dominado por ele, sendo
somente um mero personagem do programa, uma pedra de um jogo absurdo, que conhece
apenas o input e output, mas não sabe o que se passa dentro dele, dentro da “caixa-preta”. O
aparelho infantiliza e emburrece o funcionário através justamente de sua extrema
simplificação. Quanto mais simples for o aparelho, menos o homem precisará saber e
entender como operá-lo.
Aperta-se um botão e todo o trabalho será feito sem que se saiba como as coisas
acontecem, gerando um vício no funcionário, que desaprende a ver o mundo a não ser através
de seus aparelhos. Sem o aparelho, o funcionário é cego e passa a viver dentro dele, engolido
por sua gula, a ponto de dizer que funcionário e aparelho se confundem em uma única coisa.
Aparelhos propõem um jogo diferente do xadrez, que é estruturalmente simples, mas
funcionalmente complexo: é fácil aprender suas regras, mas é difícil jogá-lo bem. Portanto,
faz-se correto afirmar que quem tem aparelhos do “último modelo” joga bem e melhor, sem
nem ao menos saber o que se passa em seu interior, dentro de sua caixa-preta.
Antes dos aparelhos, os homens possuíam instrumentos, que tem concepções
totalmente diferentes. Os instrumentos são extensões do corpo do próprio homem.
“Instrumentos trabalham. Arrancam objetos da natureza e os informam. Aparelhos não
trabalham. Sua intenção não é a de “modificar o mundo”. Visam modificar a vida dos
homens” (FLUSSER, 2011, p. 41). Com os aparelhos, os homens deixam de trabalhar,
modificando somente a vida do próprio homem que passa a ser funcionário de seus aparelhos,
que fazem o trabalho do homem, emancipando-o do trabalho e liberando-o para o jogo.
Um aparelho, seja ele qual for, é um brinquedo complexo, tão complicado que não
poderá jamais ser inteiramente esclarecido. Seu jogo consiste na permutação de símbolos já
contidos em seu programa. Para funcionar, o aparelho precisa necessariamente de um
programa “rico”, pois, se fosse “pobre”, o funcionário conseguiria esgotá-lo rapidamente e o
jogo teria fim, aquilo que nos vídeo-games chama-se game over. Conhecendo somente o input
e o output, o funcionário vê o aparelho como algo simples e acaba iludido e enganado, pois,
33
enxerga somente as inúmeras potencialidades do aparelho, que na verdade é altamente
limitado.
E qual programa pode ser mais rico do que a internet, com seus infinitos subprogramas
retroalimentáveis que devoram o funcionário? Programas são sistemas que recombinam
constantemente os mesmos elementos. Como no exemplo de FLUSSER (2011), que cita as
fotografias como não-coisas que “significam conceitos programados, visando programar
magicamente comportamento de seus receptores” (FLUSSER, 2011, p. 57).
1.8 Tecnologia e internet
Tecnicamente, a Internet não é uma rede de computadores - ela é uma rede de redes.
Redes locais do mundo todo estão ligadas por fios, linhas telefônicas, cabos de fibra ótica,
enlaces de microondas e satélites em órbita. Mas os detalhes de como os dados vão de um
computador para o outro na Internet, são invisíveis para o usuário. “De origem militar, a
Internet tem objetivos militares e desempenha, no domínio da informação, o mesmo papel que
a interferência nas emissões inimigas nas guerras mundiais anteriores” (VIRILIO, 2000, p.
88)
Além da internet, é necessário, aqui, esclarecer também o que é a World Wide Web6
que, muitas vezes, confundem-se com ela, e que por todo o seu assombro tecnológico, teve
por muitos anos, a reputação de ser difícil de aprender, de usar e simplesmente pouco atraente
quando comparada às belas interfaces dos BBS’s7, serviços on-line e a maioria dos softwares
que as pessoas usam em microcomputadores. Mas a World Wide Web mudou tudo isso. A
Web tornou-se rapidamente a interface gráfica de usuário na Internet, e continua sem rival
mesmo em relação aos serviços on-line norte-americanos, em termos estéticos e de
flexibilidade.
A internet é um protocolo (Internet Protocol - IP), ou um composto de vários
protocolos, que conectam diferentes redes entre si formando uma enorme rede de
computadores. A internet pode ser compreendida de duas formas: a primeira como um
6
Tradução Livre: Grande Teia Mundial.
Bulletin Board System, que não têm tradução na Língua Portuguesa. Fazendo uma tradução literal, seria
“sistema de quadros de mensagem”, ou seja, sistemas em que um computador central, equipado com diversos
modems, serve como base para a troca de informações, entre os usuário que acessam o BBS a partir de seus
computadores pessoais, usando modems e linhas telefônicas. Numa comparação grosseira, um BBS seria um
híbrido dos atuais sistemas de correio eletrônico e newsletters, com algumas funcionalidades adicionais .
7
34
protocolo (IP), que é responsável pelo endereçamento e encaminhamento de mensagens na
forma de datagramas, estando na camada de rede do esquema OSI; a segunda forma implica
que a internet é um conjunto de protocolos do qual o IP faz parte, sendo este conjunto
responsável por toda a comunicação entre computadores por meio dessa rede WAN.
Com efeito, com a globalização em tempo real das
telecomunicações, cujo modelo selvagem é a Internet, a revolução
da informação revela-se como uma delação sistemática que provoca
um fenômeno-pânico de boatos, suspeitas, o qual está prestes a
minar as bases deontológicas da “verdade” e portanto da liberdade
de imprensa, como todos puderam testemunhar, por exemplo, na
atuação Internet no caso Clinton/Lewinsky: dúvidas sobre a
veracidade dos fatos enunciado/denunciados, manipulação
descontrolada das fontes e, portanto, da própria opinião pública, que
constituem outras tantas mostras de que a revolução da informação
real é igualmente a da desinformação virtual e, pois, da história que
está sendo escrita. (VIRILIO, 1999, p. 106)
A disseminação de boatos, suspeitas e informações infundadas e levianas é acentuada
no que foi popularmente chamado de Mídias Sociais e Redes Sociais, onde qualquer usuário
pode, na teoria, assumir o papel de produtor de informações, desde que alguém esteja disposto
a lhe dar qualquer atenção.
Mídias Sociais, ou Social Media, em inglês, é um termo criado para descrever os
novos suportes de conservação e distribuição de informações através da Internet, como blogs,
micro-blogs, redes sociais, videologs, podcasts, fóruns de discussão, ferramentas
colaborativas wiki, e toda e qualquer plataforma que permita a difusão instantânea de
mensagens e imagens através da internet. O objetivo do termo é diferi-lo da mídia tradicional,
visto que, nas mídias sociais, o conteúdo é produzido ou compartilhado de maneira
descentralizada por qualquer pessoa capacitada a operar um dispositivo de difusão capaz de
rede, como computadores, celulares, smartphones, tablets etc. Tal forma de produção também
pode ser chamada de UGC, sigla para user generated content, que, em português, significa
conteúdo gerado pelo usuário.
Já as redes sociais são sites de relacionamento, atuais líderes de audiência na Internet,
como o Facebook. Tecnologicamente, redes sociais não são redes, pois não possuem bancos
de dados que se intercomuniquem com outros bancos, a não ser com seus próprios. Tomemos
como exemplo a maior rede social atual: o Facebook. Ele possui somente bancos de dados
próprios e não se comunica com bancos de dados externos. E, esses bancos de dados
35
pertencem somente à ele, uma empresa, o que descaracteriza também o termo “social”, por
não podermos tratá-lo como uma sociedade, já que sociedade produz história e memória.
As redes sociais são o ponto alto do lado comercial da internet ao colocar seus
usuários como produtores, consumidores e mercadoria. Elas vendem para outros usuários
todo o conteúdo produzido por outros e ainda vendem seus dados a grandes empresas
anunciantes, sobrevivendo, portanto, da quebra da privacidade das pessoas.
Na internet, existe todo um discurso de que você pode fazer qualquer coisa na internet,
porém, você não pode fazer quase nada, e, principalmente, não pode fazer nada sem pagar.
Trata-se de um meio comercial, por isso, apesar de ser considerada um meio livre, a internet
está sujeita a diversos filtros de navegação ao usuário. Retirada de sites do ar e a manipulação
nos primeiros lugares de resultados das ferramentas de busca, que agem como guias para os
usuários, são apenas alguns exemplos mais claros dessa manipulação.
Para quem considera o Brasil como um país livre, assim como a internet, do mês de
julho a dezembro de 2011, o país solicitou a remoção de 128 resultados do Google, ficando
em primeiro lugar da lista de países solicitantes da remoção de resultados de pesquisa. No
semestre seguinte, de janeiro a junho de 2012, apesar do número de requisições ter aumentado
para 143, o país caiu para terceiro lugar da lista, ficando atrás dos Estados Unidos da América
e da Alemanha, repectivamente.
O que vemos nessas mídias e redes nada mais são do que ecos das mídias tidas como
tradicionais, principalmente da televisão. A internet é um replicador de algo que já existe.
Nada se cria na rede: “[...] a visão da tecnologia como detrito, dejeto ou excremento. Muito
mais ela se revela como produtora de não-coisas (Undinge) ou como passagem para as
profundezas abstratas da nulodimensão (Nulldimension).” (BAITELLO, 2010, p. 19) e toda
abstração é subtração.
“A escalada da abstração ou a escada da abstração é assim um salto no vazio, ou uma
descida para o vazio, para o nada, para o vento. Este salto não é uma imagem de ação de
devorar, mas sem dúvida uma metáfora do deixar-se engolir” (BAITELLO, 2010, p. 23). Para
engolir, para satisfazermos a nossa gula, somos engolidos pela mídia. Os homens
transformaram sua vida em binária.
O espaço físico foi transformado em um banco de dados composto
de zeros e uns. Os aparatos comunicativos eletrônicos são os novos
símbolos. Só eles têm a capacidade de perceber um mundo em
36
detrimento dos próprios sentidos humanos. Parece não fazer mais
sentido a afirmação McLuhaniana que os meios de comunicação são
extensões do homem. Esses meios estão se transformando em
extensões deles mesmos. O mundo que chega à consciência mediado
pelos sentidos não é o mesmo que é mediado pelas máquinas. Já não
cabe mais ao homem senão conviver com um mundo de realidades e
fatos que não existe para a percepção humana. Há indícios de não
haver mais sincronização possível em escala simbólica entre o
tempo da vida e o tempo social calculado pelas máquinas.
(PELEGRINI, 2008, p. 23)
Vende-se a ideia de que, com a popularização dos meios tecnológicos atuais, um
número cada vez maior de pessoas pode assumir o papel que antes era restrito a poucos
mandatários das empresas jornalísticas. Qualquer um com um mínimo de conhecimento da
ferramenta tecnológica é capaz de enviar uma mensagem na rede mundial de computadores,
estando essa mensagem disponível para um número cada vez mais crescente de usuários
conectados à internet.
O que atua aqui não parece ser o princípio da conectividade na
comunicação. Ao que nos parece, a lógica máxima da informalidade
esconde em sua sombra a verdadeira motivação – a lógica máxima
da visibilidade. A web é o meio da ilusão da visibildiade de todos
para todos. De uma visibilidade ilusória porque, preocupada demais
com a operação de mostragem de todos para todos, ignora a
saturação generalizada que faz de todos os autistas (além de
narcisistas). Todos queremos ser vistos, mas perdemos as
competências necessárias para ver algo além de imagens vazias,
estereotipadas pelas condições tecnológicas restritivas do meio.
(CONTREIRA, 2002, p. 84)
Para diferenciar o que é feito para internet e o que não é, criam-se novas
nomenclaturas para as mesmas coisas. Para diferenciar o jornalismo tradicional daquele feito
na Internet, ao invés de se encarar o fato de somente estar-se trabalhando sobre uma outra
plataforma com suas peculiaridades, diz-se que é webjornalismo, Jornalismo Online, entre
tantos outros termos. Um jornal na internet não é, ou não deveria, ser produzido a partir de um
novo jornalismo. Não existe, ou não deveria existir, uma forma de jornalismo específico para
o digital e sim, o jornalismo adaptado ao meio digital, composto por textos mais curtos, com a
utilização de hiperlinks, entre outras peculiaridades que a plataforma digital permite.
Na internet, a sincronização consegue ser ainda mais acentuada com os mecanismos
de busca, que exercerem um papel de guia para os usuários de internet que procuram por
determinado assunto. A ordenação dos resultados é primordial para a escolha do usuário na
37
hora de clicar. Os primeiros resultados sempre receberão uma quantidade maior de acessos
em relação aos que acabam sendo jogados para as última páginas. Raramente um usuário
passa da primeira página e, na maioria das vezes, se considera satisfeito com as informações
encontradas nos primeiros resultados exibidos pelo site de buscas, independentemente de sua
exatidão em relação às informações mostradas.
A organização por palavras-chave passa a ser o foco de todos os sites que buscam
visibilidade dentre a infinidade de informações existentes na internet. Não basta ser o melhor;
na verdade, o interesse é o de estar entre os primeiros dos grandes mecanismos de busca,
como Google e Bing.
Tudo que o homem faz já está previamente programado no aparelho por aqueles que o
produziram, seus programadores (FLUSSER, 2011). Assim, o aparelho desumaniza o homem,
tirando seu direito de escolha, autodeterminação e restringindo-o às limitações do próprio
aparelho. Não se trabalha com o aparelho, mas se brinca e joga com ele tentando esgotar todas
as suas potencialidades, portanto, a liberdade passa a ser condicionada ao aparelho, apesar
desse transmitir uma falsa sensação graças a sua infinidade finita de possibilidades. A vontade
do homem se dilui, assim como a dos objetos, dentro do programa. A vontade está no
programa e no seu programador. Portanto, podemos afirmar que aparelhos estão em função de
seus programadores, e não dos funcionários.
Funcionários dominam jogos para os quais não podem ser totalmente competentes,
não trabalham com o aparelho, brincam e jogam com ele objetivando esgotar todas as suas
potencialidades. Trata-se de um brinquedo, e não de um instrumento no sentido mais
tradicional, visto que tem como objetivo retirar o homem do trabalho e deixá-lo livre para
jogar. O aparelho obedece às decisões de seus produtores, e não de seus possuidores.
Os aparelhos foram produzidos pelo homem, portanto, revelam intenções e interesses
humanos: o propósito por trás dos aparelhos é torná-los independentes do homem. Portanto,
quem crê ser possuidor de um aparelho é, na verdade, possuído por ele. Os homens criaram os
aparelhos para servirem aos homens, porém, hoje, vê-se o inverso: homens servindo aos
aparelhos. O problema se dá no momento em que percebemos que os aparelhos não servem a
nenhum interesse humano e assim, acabam por alienar a sociedade.
Todo aparelho possui um programa, que é criado por um programador, que também é
funcionário enquanto programado por algum programa, e assim sucessivamente. Sempre
haverá um meta-aparelho programando funcionários, mesmo enquanto estiverem atuando
38
como programadores. A hierarquia dos programas está aberta para cima. Mas não pode haver
um “ultimo aparelho”, nem um “programa de todos os programas”, isso porque todo
programa exige um meta-programa.
Um programa é um sistema que recombina constantemente os mesmos elementos,
desviando o interesse dos homens do mundo objetivo para o mundo simbólico das
informações. O homem não vive apenas em um programa, mas em um conjunto de jogos
viciantes que não têm fim, um programa dentro do outro, em um ciclo ad infinitum. Tais
programas, fazem parte de um meta-programa que toma todas as decisões por parte de seus
funcionários, mesmo enquanto estiverem “trabalhando” como programadores.
Podemos considerar que o conceito de funcionário é o mesmo dos deuses monçônicos,
que davam tudo para seus “fiéis”: estar parado é estar em sintonia com a divindade, esperando
que ela seja absorvida naturalmente. O funcionário não precisa fazer nada, pois o aparelho lhe
dá tudo, o aparelho é que faz todo o seu trabalho, deixando-o livre para jogar e alimentar e
enriquecer o programa.
A máxima de que os “computadores resolvem todos os problemas que não tínhamos
antes deles” fica cada vez mais explícita levando em consideração que vivemos em função do
aparelho e este somente atende suas próprias vontades. Os homens deixaram de trabalhar para
os homens e passaram a trabalhar para os aparelhos. Viver é alimentar e ser alimentado por
aparelhos. E o resultado desse jogo Homem versus Aparelho é exatamente a criação de novos
programas. Dá-se o ciclo de vida de um programa: ser criado (nascer), tornando-se cada vez
mais rico e simples (se desenvolver), gerar novos programas (procriar) e desaparecer
(morrer). Em todo o processo, o homem é eliminado.
Conforme dito anteriormente, FLUSSER (2011) se propõe a explicar os aparelhos a
partir do funcionamento de uma máquina fotográfica. O autor afirma que todos os aparelhos
possuem o mesmo princípio utilizado em um aparelho de fotografar, onde o funcionário tem
pleno controle somente do input e do output, sem ter a mínima ideia do que acontece dentro
da “caixa-preta”, caracterizada pelo aparelho em si. A máquina fotográfica, enquanto
protótipo, é o patriarca de todos os aparelhos.
A fotografia, produto da máquina fotográfica, é uma imagem criada e distribuída
automaticamente por um aparelho no decorrer de um jogo programado, que se dá ao acaso e
que se torna uma necessidade, cuja informação simbólica, em sua superfície, programa o
receptor por um comportamento mágico, a fim de informar receptores. Logo, o homem não é
39
um fator ativo e livre, e as fotografias, na verdade, são conceitos programados pelo aparelho,
visando programar magicamente o comportamento de seus receptores.
O funcionário fotógrafo pode escolher o ângulo, a luz, o foco e efetuar diversos ajustes
relativos à fotografia: se ela será revelada em cores, em qual tipo de papel, em tintas
monocromáticas ou não, etc. São tantas as opção que tornam o funcionário incapaz de ver que
está submetido a uma série de restrições impostas pelo aparelho, tal que é uma escolha
programada. O fotógrafo não tem a liberdade de criação que possui um pintor, por exemplo,
que pode fazer o céu embaixo do mar ou em tons laranjas, por exemplo. O fotógrafo não pode
inventar novas categorias, a não ser que deixe de fotografar.
Um usuário é um funcionário, mas um funcionário não é necessariamente um usuário.
No caso do Facebook, podemos ver claramente o esforço dos programadores tentando criar
novas aplicações com o objetivo de manter seus freqüentadores ativos e participativos,
alimentando com seus dados e informações o software para que este continue existindo.
Portanto, um usuário do Facebook, devido a sua previsibilidade, é um ser hipnógeno,
“viciado” no programa, contituindo um jogo de permutação entre elementos claros e distintos,
tal como um usuário de drogas.
Na verdade, o homem joga contra o seu brinquedo. Se o funcionário estiver consciente
das causas e efeitos do funcionamento do aparelho, ele jamais funcionará. A liberdade, hoje,
no período pós-histórico e pós-industrial, é justamente jogar contra o aparelho até esgotar
todas as possibilidades de seu programa. O funcionário é um jogador previsível, alienado,
emburrecido, “domesticado”, infantilizado, que esgota um programa para entrar em outro, que
também recombina constantemente os mesmos elementos. Esse “novo” programa foi também
programado por um programador programado por um meta-programa, que sincroniza os
homens e não lhes permite perder nunca as características de funcionários, um homem
desumanizado, que perdeu as características de sujeito, desinformados, esperando a morte
com sua mente ociosa, pronta para receber novos jogos. Na internet, somos funcionários
nulodimensionais, agindo em favor de algo que nunca existiu realmente.
40
2
Capítulo 2: O que é Anonymous
Anonymous pode ser considerado, a princípio, como uma ideia ou conceito que quando
colocada em prática por uma pessoa ou um grupo de pessoas, dá origem a um coletivo social
com alguns objetivos em comum: a liberdade de expressão, de troca de informações e de livre
utilização da Internet. O Coletivo Anonymous tornou-se um fenômeno social e ganhou
notoriedade nas mídias de massa após uma série de ataques virtuais que resultaram na queda
de sites governamentais, vazamento de informações confidenciais de pessoas públicas e
sequestro de dados. Enquanto vistos como grupo, os anônimos se mobilizam através de redes
sociais para organizarem simultaneamente protestos na rede ou em praças públicas em
diversos lugares do mundo.
Causas mais específicas podem se adaptar ao cenário no qual determinado grupo de
anônimos esteja inserido, defendendo causas de âmbito mundial, local ou restritas a um
determinado grupo de pessoas. Todos podem agir em nome de Anonymous, o que torna
possível sua existência em diversos países ao redor do mundo, mesmo não havendo qualquer
relação entre eles a não ser a utilização do nome e da ideia. Através de ataques virtuais ou
protestos em praças públicas, os anônimos passaram a ganhar notoriedade dentro das mídias
de massa enquanto aproximam a realidade da ficção científica diante da existência de uma
possível ciberguerra, ou de uma bomba informática, já anunciada nos anos 50 por Albert
Einstein (VIRILIO, 1999, p. 109), “capaz de desintegrar a paz nas nações pela interatividade
da informação” (VIRILIO, 1999, p. 65). Não se trata mais de uma guerra entre países, mas
sim de um coletivo de pseudo-anônimos contra todos que tentem coibir a liberdade de
expressão.
Porém, antes de adentrarmos ao estudo propriamente dito, é necessário entender
melhor o cenário que tornou isso possível. Afinal, seria impossível imaginar a sobrevivência
de um coletivo sem qualquer hierarquia ou organização, como o Anonymous, há 10 anos, sem
a existência e a popularização de diversos aparatos tecnológicos que permitem a comunicação
em rede.
41
2.1 As redes sociais e os imageboards
A Internet enquanto tratada como uma plataforma que permite a comunicação e a
disseminação de informações é de tamanho imensurável, capaz de reunir virtualmente todos
os tipos de pessoas que podem utilizá-la para uma infinidade de objetivos. “A Internet é ao
mesmo tempo a melhor e a pior coisa do mundo. O progresso de uma comunicação sem
limites ou quase sem limites e o desastre, a colisão, mais dia menos dia, desse Titanic da
navegação virtual com um iceberg” (VIRILIO, 1999, p. 105). Ao final de 2011, a web
superou a marca de dois bilhões e 300 mil usuários ao redor do mundo, um crescimento de
528% desde o ano 20008. Isso significa que mais de 30% da população mundial dispõe de
acesso à rede mundial de computadores. A rede social Facebook, a mais utilizada no mundo,
durante o mesmo período, informou possuir 845 milhões de usuários ativos 9, o que representa
quase a metade dos usuários de Internet.
Hoje, pode-se dizer que existem mais pessoas acessando o Facebook do que havia de
habitantes no mundo há 200 anos. E essa quantidade de usuários de redes tidas como sociais
demonstra a importância das mesmas dentro daquilo que se chama de ciberespaço. Porém,
existem outros conteúdos na Internet que precisam ser melhor explorados para podermos
entender a importância do presente estudo. Talvez um dos principais deles seja os de
imageboards, também conhecidos por chan (abreviatura de channel, que significa canal em
inglês). Trata-se de um fórum de discussões que permite a utilização de uma imagem em
anexo para cada texto que seja postado. Os imageboards, em sua maioria, se diferem
principalmente das redes sociais por não exigir cadastro de seus membros. Além disso, eles
não oferecem qualquer forma de arquivamento do que é postado, tornando efêmero todo o
conteúdo vinculado. Apesar de a internet em si já ser efêmera, os imageboards tornam essa
característica mais perceptível por sua velocidade.
A simplicidade gráfica característica do design dos imageboards estabelecem certa
resistência em relação ao seu uso, que acaba por se tornar mais comum entre usuários mais
experientes e com mais domínios da tecnologia. O layout, isto é, a parte gráfica do site, não se
utiliza de muitas imagens e não se preocupa com a usabilidade, diferentemente das redes
sociais, que tentam ser o mais simples possível e intuitivas para que todos possam operá-las.
8
Disponível em: <http://www.Internetworldstats.com/stats.htm>. Acesso em 8 de abril de 2012.
Disponível em: <http://newsroom.fb.com/content/default.aspx?NewsAreaId=22>. Acesso em 8 de abril de
2012.
9
42
À primeira vista, um imageboard lembra bastante o primórdio da Internet, e até mesmo um
BBS10, portanto, usuários mais antigos não estranham tanto a sua utilização.
Por não exigir cadastro de seus membros, os imageboards são os espaços virtuais na
Internet que permitem maior exercício da liberdade de expressão. Somente assuntos realmente
ilegais, como a pornografia infantil, recebem algum tipo de repressão e são rapidamente
removidos. Todos os usuários são tratados com o nome de “anônimo”, assim, não precisam se
preocupar com represálias na hora de expor suas opiniões.
Como já vimos no capítulo anterior, a Internet é um meio que registra todos os passos
de seus usuários e torna-os facilmente rastreáveis. Portanto, mesmo que os imageboards não
exijam cadastro, as informações de todos os usuários, como o endereço de IP, estão
disponíveis para quem administra o sistema. Através do IP é possível obter uma série de
dados sobre o computador que acessou determinado conteúdo, inclusive a localização
geográfica do mesmo.
Os chans são normalmente divididos por canais temáticos e qualquer usuário pode
inserir um novo tópico de discussão. Geralmente, cada canal possui suas regras próprias para
garantir uma melhor organização, evitando que um canal sobre culinária, por exemplo, exiba
questionamentos sobre aeromodelismo. Para que haja o mínimo de ordem, alguns usuários
mais ativos e de confiança são eleitos os moderadores do tópico. Quem normalmente faz essa
seleção é o dono do imageboard, que opta por colocar amigos nessas posições de maior
responsabilidade.
A organização dos posts é feita de forma linear simples, usando a ordem cronológica.
Dessa forma, os mais recentes são colocados no topo da primeira página. Conforme um tópico
recebe uma resposta, ele retorna ao topo até um novo tópico surgir ou uma nova resposta ser
postada. Sendo assim, os tópicos menos comentados são deixados nas últimas páginas, que
são menos visitadas, deixando de existir quando o canal atinge o limite máximo de postagens.
No Brasil, dois imageboards são mais conhecidos: 55chan11 e brchan12. Porém, o
presente trabalho pretende focar-se no 4chan13, que é o imageboard com maior popularidade
fora do Japão.
10
Bulletin Board System (BBS) é um software que possibilita a conexão via telefone a uma central de
computadores para o compartilhamento de arquivos e informações. Pode ser tido como um precursor da Internet.
11
Disponível em: <http://www.55chan.org>. Acesso em 10 de abril de 2012.
12
Disponível em: <http://www.brchan.org>. Acesso em 10 de abril de 2012.
13
Disponível em: <http://www.4chan.org>. Acesso em 10 de abril de 2012.
43
2.2 O 4chan e o /b/ - Random
O 4chan foi criado em 2003 por Christopher Poole que, na época, era um jovem com
15 anos de idade, aficionado por Otaku14. O site nasceu para ser um lugar na Internet onde ele
e seus amigos virtuais pudessem compartilhar e debater sobre animes em inglês, visto que a
maioria dos imageboards eram japoneses e tinha o japonês como idioma principal. O 4chan
não possui e nem nunca possuiu qualquer estratégia de marketing, missão declarada, opção de
busca ou histórico dos arquivos mais antigos. Porém, com o passar dos anos teve um
crescimento exponencial e possui hoje algo em torno de 7 milhões de usuários,
desempenhando um papel influente na cultura da Internet (BERNSTEIN, 2011, p. 1).
Figura 1: Página inicial do 4chan.
14
Termo japonês utilizado para descrever pessoas obcecadas pela cultura japonesa, principalmente animes
(desenhos japoneses) e mangás (histórias em quadrinho nipônicas).
44
Hoje, após quase 10 anos após sua criação e ainda repleto de canais que abordem a
cultura Otaku, o 4chan possui mais de 55 canais sobre os mais variados assuntos e tornou-se
um fórum onde coisas engraçadas e interessantes são criadas, difundidas, copiadas, remixadas
etc. Nele encontra-se de tudo, desde fotos de gatos domésticos a uma enorme quantidade de
imagens pornográficas. Diversas figuras utilizadas nas redes sociais ou em outros sites
tiveram sua origem no 4chan.
Devido à não existência de histórico, tudo o que é dito no 4chan possui vida efêmera,
ao menos dentro do imageboard. Mesmo os tópicos mais comentados e populares acabam
sendo esquecidos e apagados com o surgimento de novas postagens, gerando um ciclo
perpétuo de novas informações. Isso não significa que tais assuntos deixem de existir na
Internet. Conforme dito anteriormente, muitas das postagens do 4chan acabam sendo
replicadas em outros websites e acabam por adquirir “vida” própria.
Porém, apesar de o site não possuir um “backup15”, ainda é possível recuperar todas as
atividades ocorridas dentro do fórum através de históricos de provedores, registro dos
servidores e até mesmo logs criados nas máquinas dos usuários. Portanto, a efemeridade dos
assuntos publicados no 4chan não está diretamente associada a registros de acesso. Tudo o
que é publicado no fórum deixa de ser mostrado ao usuário rapidamente, porém, isso não
significa, em hipótese alguma, que deixa de fazer parte dos registros e logs da internet.
Essa efemeridade das informações acabou por gerar uma expressão muito utilizada
dentro do 4chan, que diz: “Se você piscar, perde!”. Para evitar isso, alguns websites como o
4chan Arquive16 e a Encyclopedia Dramatica17 tentam filtrar os tópicos mais interessantes do
imageboard e arquivá-los em suas bases de dados.
Normalmente quando a mídia aborda o 4chan, na verdade está se referindo ao /b/, seu
canal com maior audiência e fluxo de informações. O /b/, também conhecido como Random
(randômico), recebe por si mais visitas que todos os demais canais do 4chan juntos. Nesse
canal, não há um tema definido e só existem duas regras: 1) You do not talk about /b/; 2) You
DO NOT talk about /b/ 18 (STRYKER, 2011, p. 12), as quais foram inspiradas no filme Clube
15
Termo em inglês que significa cópia de segurança.
Disponível em: <http://www.4chanarquive.org>. Acesso em 10 de abril de 2012.
17
Disponível em: <http://www.encyclopediadramatica.com>. Acesso em 10 de abril de 2012.
18
Tradução livre: 1) Não fale sobre o /b/; 2) NÃO FALE sobre o /b/.
16
45
da Luta19. As únicas restrições do /b/ se resumem à proibição de postagens que não obedeçam
à lei americana, país onde está localizado os seus servidores, à publicação de dados pessoais
ou à qualquer forma de publicidade.
Os usuários do /b/ se tratam por /b/astards (/b/astardos) ou então por termos
pejorativos como fag, gíria para homossexual, e nigger, termo usado para se referir aos
negros. São ofensas pesadas que, segundo Lisa Nakamura, diretora do Asian American
Studies Program e professora do Institute of Communication Research and Media and
Cinema Studies Department da Universidade de Illinois, são utilizadas justamente para chocar
e gerar raiva nas pessoas pelo caráter racista e homobófico, mas esses usuários não querem
ser responsabilizados por isso (STRIKER, 2011, p. 72 e 73). Eles beiram a linha tênue entre
quem se comporta como um preconceituoso e quem de fato têm preconceitos.
As atividades mais comuns dentro do /b/ sempre visavam provocar risos por parte dos
/b/astardos. Assim, popularizou-se o termo Lulz, uma variação de Lol, a abreviatura de
laughing out loud ou laugh out loud, que significa algo como “rindo alto” ou “rindo muito”.
Mesmo atitudes mais agressivas como retirar do ar sites do MySpace20 não passavam de
brincadeiras para os membros da comunidade que só buscavam diversão.
Dessa maneira, diversas imagens cômicas foram criadas a partir de fotos retiradas da
imprensa, de outros sites ou de redes sociais. Montagens de gatos tocando teclado ou a
colocação de legendas adulteradas em fotos fizeram do /b/ um dos maiores, se não o maior,
produtor de memes da Internet. “Quanto mais se repete a imagem, mais ela se volatiza aos
nossos olhos, mais fugaz e efêmero se torna o pesado aeroplano que toca o solo. Quanto mais
a vemos, mais ela se desmancha em “fata morgana” 21, em miragem” (BAITELLO, 2010, p.
69).
2.3 O conceito de memes
Meme, termo cunhado por Richard Dawkins no livro “O Gene Egoísta” (1976), é uma
forma de evolução cultural capaz de se propagar automaticamente, é uma unidade de
informação que se multiplica de indivíduo em indivíduo ou em locais onde a informação
19
Clube da Luta (Fight Club), 1999.
Disponível em: <http://www.myspace.com>. Acesso 10 de abril de 2012.
21
O efeito Fata Morgana significa um efeito de ilusão de ótica em alusão a Fada Morgana, uma feiticeira fic tícia
que, segundo a lenda, era capaz de mudar de aparência.
20
46
possa ser armazenada. Fruto da memética, estudo dos modelos evolutivos da transferência de
informação, um meme pode ser uma ideia, partes de ideias, ideologias, tendências, modismos,
fofocas, piadas, vídeos, melodias, imagens, textos, frases de efeito, valores estéticos e morais,
ou qualquer coisa que possa ser facilmente aprendida e compartilhada, inclusive uma religião.
Na verdade, pode ser tudo aquilo que possa ser compartilhado de uma pessoa para outra. O
meme está para a memória da mesma maneira que o gene está para a genética. Dessa forma, a
memética aplica os conceitos da evolução darwiniana às ideias. Mais especificamente,
“Mimese” provém de uma raiz grega adequada, mas quero um
monossílabo que soe um pouco como "gene". Espero que meus
amigos helenistas me perdoem se eu abreviar mimeme para meme.
Se servir como consolo, pode-se, alternativamente, pensar que a
palavra está relacionada a "memória", ou à palavra francesa même.
(DAWKINS, 1976, p. 122)
Memes são expressões da mente que se comportam como genes, um substantivo que
transmita a ideia de “uma unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de imitação”
(DAWKINS, 1976, p. 122). Mas memes têm muitos aspectos em comum com as formas de
vida biológicas. É por isso que nos referimos aos memes como “virais”, por se espalhar de
forma semelhante a um vírus. Porém, não se pode confundir os dois conceitos por se tratarem
de coisas distintas. Isso porque um meme pode ganhar versões diferentes e ter seu significado
alterado, o que não acontece com um viral. “Se um cientista ouve ou lê uma idéia boa ele a
transmite a seus colegas e alunos. Ele a menciona em seus artigos e conferências. Se a idéia
pegar, pode-se dizer que ela se propaga, si própria, espalhando-se de cérebro a cérebro”
(DAWKINS, 1976, p. 123).
Eles se espalham de pessoa a pessoa de maneira semelhante a um vírus. Muitas vezes
esse compartilhamento do meme se faz de maneira inconsciente. A pessoa simplesmente
compartilha, sem se dar conta exatamente do que está fazendo. Isso porque
[...] da mesma forma como os genes se propagam no "fundo"
pulando de corpo para corpo através dos espermatozóides ou dos
óvulos, da mesma maneira os memes propagam-se no "fundo" de
memes pulando de cérebro para cérebro por meio de um processo
que pode ser chamado, no sentido amplo, de imitação (DAWKINS,
1976, p. 123)
47
Faz-se importante deixar claro que memes não nasceram na Internet. A Internet,
portanto, não inventou os memes; somente expandiu seu alcance e aumentou a freqüência de
sua criação. “They’ve been driving the human sociocultural experience since before we
scribbled on cave walls. Memes seek to replicate themselves laterally—the ideological or
cultural equivalent of a gene, naturally arising from human interaction” (STRIKER, 2011, p.
17). Dessa forma, a Internet permite que os memes se espalhem de maneira imensamente mais
rápida em relação aos demais meios, podendo, assim, ser considerada como um ecossistema
memético.
Especificamente no uso do meme na Internet, associa-se a ideia exclusivamente a uma
foto ou vídeo, porém, é importante manter clara a ideia de que meme é um conceito,
independentemente da forma como esteja aplicado. E eles se espalham como o objetivo de
compartilhar uma ideia. Assim, quando se quer que outros aproveitem a informação já
adquirida, compartilham-se informações para solidificar e aprofundar os laços nas relações
sociais, da mesma forma como a fofoca. Portanto, a memética pode ser inclusive considerada
como um novo ramo da antropologia.
Segundo a memética, uma ideia não se espalha somente por ser uma boa idéia, mas
sim por conter bons memes, com altos níveis de virulência. O ciclo de vida de um meme é
conjunto de seu sucesso. Quanto mais pessoas compartilharem determinado meme, mais
tempo ele terá de “vida”, pois quando deixa de ser espalhado e compartilhado, o meme deixa
de existir. Como forma de arquivar memes da Internet, existem websites como o Know Your
Meme22, que serve como uma enciclopédia especializada no assunto.
Para casos de sucesso na memética na Internet, pode-se citar como exemplo os
LOLcats e Pedobear. Além desses, um meme que obteve um grande destaque dentro do 4chan
antes de ganhar vida própria, e que também nasceu no /b/ e hoje obtém visibilidade mundial, é
o Anonymous. Apesar da busca por risadas e a exposição exagerada de futilidades, o 4chan
reuniu em seu fórum um coletivo que afirma defender ideais e causas em comum e que busca
aquilo que consideram como liberdade de expressão, utilizando o ativismo cibernético, ou
ciberativismo, para chamar a atenção, gerar visibilidade midiática e, assim, atingir seus
objetivos.
22
Disponível em: <http://knowyourmeme.com/>. Acesso em 15 de abril de 2012.
48
2.4 Ciberativismo e o hacktivismo
Um ativista é um membro por afinidade de alguma ideologia política e/ou social. Com
o advento de novas ferramentas digitais, tal tipo de manifestação teve seu nome adaptado
àquilo que chama de cibermundo, fazendo nascer, assim, os ativistas cibernéticos,
ciberativistas, ou webativistas. É importante frisar que não se pode elaborar qualquer escala
de correspondência entre o ativismo político demográfico e o ciberativismo. Isso porque, para
haver ativismo, é necessário que haja uma discussão política que se sustente, o que não pode
ocorrer dentro de um meio profundamente comercial como a Internet. Porém, mesmo assim
adotaremos o termo a fim de elucidarmos as atividades de pseudo-ativismo dentro da rede
mundial de computadores.
O ciberativismo é uma imagem do ativismo. Por ciberativistas entendem-se aqueles
que se dizem militam na internet. Que consideram a retirada de um site do ar como uma
forma de protesto. Porém, é importante elucidarmos que todo e qualquer protesto que
acontece dentro da internet é somente uma imagem de protesto. Utilizaremos essas
terminologias para elucidar os temas, da mesma maneira errônea que a mídia hegemônica o
faz.
O protesto é uma realidade (não importa o que isso possa significar).
Mas será que ele não está já dimensionado para ser transmitido? A
suposição é plausível, pois ele faria a transição de um estado a outro.
Protestos podem tanto defender a tradição quanto anunciar o que é
novo. Na melhor das hipóteses, eles iluminam durante um momento
o nosso espírito, apontando possibilidades onde antes não eram
percebidas. Se pela sua própria natureza os protestos dependem do
público, por que não dependeriam, então, do maior público possível?
(PROSS, 1997, p. 14 e 15)
Movimentos sociais só podem acontecer no demográfico e, na internet, não há
demografia; porém, com a popularização da Internet, movimentos sociais passaram a se
utilizar da rede para se articular, expressar suas ideias e poderem se manifestar de uma nova
maneira, por exemplo, através de websites criados para um determinado ato, com
informações, local de concentração, no caso de um protesto, endereço, etc. Com a
popularização daquilo que comumente é chamado de redes sociais na Internet, elas passaram
a funcionar também como trampolim para alavancar os mesmos fins. Portanto, as novas
tecnologias não somente se tornaram instrumentos importantes para a organização e
49
articulação de grupos ativistas, como também permitiram a formação de novos movimentos
sociais. Os ativistas se apropriam das vantagens das tecnologias e das técnicas oferecidas pela
Internet em prol de seus objetivos.
Porém, a internet não foi a percursora das mobilizações nas mídias terciárias. Na
verdade, esse é somente mais uma das formas que podem ser utilizadas. Por exmplo, em
Ruanda, entre 6 de abril e 4 de julho de 1994, ocorreu um massacre de mais de 500 mil
pessoas divididas entre dois grupos étnicos: os hutus, maior grupo responsável pelo
genocídio, e os tutsi, grupo minoritário. Como na época grande parte da população ruandesa
não sabia ler ou escrever, o rádio era o principal instrumento utilizado para incitar, mobilizar e
conclamar outros membros da população hutu a matarem os tutsis.
Os ativistas utilizam a Internet como meio eficaz, barato e rápido de propaganda para
difundir suas ideias. Nela, “todas as mensagens (informações) podem ser copiadas e
transmitidas para receptores imóveis” (FLUSSER, 2007, p. 153), não há perda, tudo são
cópias. Assim, esses ativistas se utilizam de redes sociais como o Twitter e Facebook e sites
de vídeo como o YouTube para se articular, mobilizar, compartilhar ideias e ideais. É através
da Internet que se difundem suas mensagens em busca de engajamento por parte dos que
simpatizem com a causa, servindo assim de espinha dorsal de protestos ao redor do mundo.
Hacktivismo foi um termo lançado pelo grupo Cult of The Dead Cow, e significa uma
mistura de “hacker” com “ativismo”, sendo considerado também uma forma de ativismo
cibernético. Esses utilizam-se de conhecimentos técnicos para a invasão de sistemas, captura
de informações sigilosas e outras atividades hackers para agir em prol de algum objetivo não
pessoal. Portanto, ao contrário de um hacker qualquer, um hacktivista não executa qualquer
ação que não seja por um objetivo concreto eles não executam uma invasão ou danificam
qualquer sistema pelo prazer de fazê-lo. “Um levante também precisa ser a favor de alguma
coisa” (BEY, 2011, p. 23). Porém, é importante lembrar que o “mantra dos hackers” diz que
“a informação deveria ser livre” (LEIGH, 2011, p. 60).
50
Figura 2: Ativistas ocupam praças em diversos países para protestar.
O ataque mais comum dos utilizados entre os hacktivistas é conhecido como DDoS
(Distributed - Denial of Service), ou Ataque de Negação de Serviço, que não visa roubar
dados, porém, tem como objetivo tornar os recursos de um sistema indisponíveis para seus
usuários. Dessa forma, sites ficam fora do ar durante um determinado período de tempo,
porém, sem causar danos a servidores ou às informações contidas no servidor. Esse tipo de
ataque consiste em exceder os limites do servidor. Ao invés do computador alvo ser invadido,
ou infectado com alguma forma de vírus, ele simplesmente recebe um número de requisições
maiores do que pode suportar. Dessa forma, ao ficar sobrecarregado, ele nega o serviço,
podendo se reinicializar ou ter um total travamento do sistema operacional. Para poder
solicitar um número grande de requisições em cima do alvo, o autor do ataque pode utilizar
até milhares de computadores, distribuindo a ação entre elas. Esses computadores, em geral,
são de uso doméstico, infectados por vírus ou softwares mal intencionados, e executam essas
requisições como zumbis, sem o conhecimento de seus proprietários.
Aqui, o modelo da contaminação viral e da irradiação (Atômica ou
cibernética) é patente: já não se trata tanto de fazer explodir uma
estrutura, mas de neutralizar a infra-estrutura do adversário, criando
em seu meio e à sua volta a pane e pânico pela coerrupção bruta de
toda atividade coerente e coordenada. (VIRILIO, 2000, p. 65)
51
Para se criar essa imagem de ciberativistas, eles são tidos como organizadores de
movimentos auto-organizados e apartidários, em sua maioria, baseados em colaboração e
compartilhamento entre seus participantes. E essa cultura participativa pode oferecer um
trampolim para o engajamento cívico. "Se antes a revolução significava uma multidão nas
ruas em defesa de uma causa única, hoje esta imagem se fragmentou: são vários pequenos
grupos que defendem várias pequenas causas. Nem por isso, elas têm menos força" (Revista
Galileu, Fevereiro de 2012, nº 247, p. 38). Porém, ainda não se pode afirmar categoricamente
o tamanho dessa força nem suas reais intenções. Será mesmo que é possível causar uma
revolução sem uma massa?
A massa não é um povo, uma sociedade; é uma multidão de
passantes. O contingente revolucionário não atinge sua forma ideal
nos locais de produção e sim na rua, quando deixa de ser, durante
algum tempo, substituto técnico da máquina e torna-se, ele próprio,
motor (máquina de assalto), isto é, produtor de velocidade.
(VIRILIO, 1996, p. 19)
O medo de uma ciberguerra, da qual ciberativistas e hacktivistas teriam papéis de
destaque, está cada vez mais presente nas mídias de massa, associando o assunto ao exercício
militar realizado na Estônia que tentou prever as consequências de um conflito cibernético. A
operação foi chamada de Locked Shields e não envolveu tanques, mísseis ou armas, mas
somente uma equipe de especialistas em Tecnologia da Informação (TI) que, de dentro do
Centro de Excelência da OTAN em Defesa Cibernética Cooperativa, criaram vírus ao estilo
“cavalo de Tróia” e outros tipos de ataques pela Internet que tentavam sequestrar e extrair
dados de nove equipes inimigas espalhadas pela Europa. “O objetivo era aprender como evitar
estes ataques em redes comerciais e militares e mostrou que a ameaça cibernética está sendo
levada a sério pela aliança militar ocidental” 23.
Porém, apesar de todo os esforços feitos pelos órgãos governamentais em busca de
controlar e neutralizar ataques virtuais, o que vemos na prática é que a guerra ainda é feita
fisicamente nos campos de batalha. Apesar dos serviços de inteligência, das informações
privilegiadas obtidas por eles, das redes de comunicação super-secretas, toda a invasão dos
Estados Unidos da América feita no Iraque, em 2003, ocorreu com a utilização de tanques de
23
Disponível em: <http://blogs.estadao.com.br/link/especialistas-temem-guerra-cibernetica-no-futuro/>. Acesso
em 20 de abril de 2012.
52
guerra, tropas armadas por terra, aviões e mísseis teleguiados. Por mais que o trabalho de
inteligência possa ter existido, a guerra propriamente dita aconteceu com armas em punhos.
Os ataques DDoS são inofensivos, mas a OTAN está ciente de que hackers são
capazes de causar blecautes em grandes áreas territoriais, e não apenas cortando o
fornecimento de energia, como também causando danos físicos aos geradores. Esse é só um
exemplo da periculosidade de uma ciberguerra, visto que tudo que envolva tecnologia, como
o controle aéreo ou ferroviário, pode ser atingido de maneira catastrófica. “Toda revolução
política é um drama, mas a revolução técnica que se anuncia é, sem dúvida, mais que um
drama, é uma tragédia do conhecimento, a confusão babeliana dos saberes individuais e
coletivos.” (VIRILIO, 1999, p. 105)
Podemos citar como exemplo Stuxnet, um vírus criado para atacar o sistema que
controlava as centrífugas de urânio na usina nuclear de Natanz, no Irã. O vírus somente
atrasou em dois anos o programa nuclear iraniano e custou aos responsáveis pelo ataque cerca
de US$ 10 milhões, um custo relativamente pequeno, se comparado aos danos nucleares que
poderiam ser causados pelos hackers por trás do ataque. Isso comprova que não é inverossímil
dizer que a próxima guerra mundial poderá acontecer dentro do cibermundo, ou simplesmente
ter início dentro dele. Afinal, “o que se revela aqui é o engodo do “fim do espaço” de um
pequeno planeta suspenso no éter eletrônico de nossos modernos meios de telecomuni cação”
(VIRILIO, 1999, p. 15).
O hacktivismo em seu sentido próprio significa utilizar programas para se comunicar
livremente através da Internet. Porém, por se tratar de um ambiente absurdamente controlado,
os hacktivistas passaram a burlar a própria internet e encontraram um “lugar” onde poderiam
se comunicar sem interceptações através de mensagens com criptografias praticamente
inquebráveis e sem deixar rastros pro onde passam. Esse “lugar” é conhecido como Deepweb.
2.5 Deepweb: a web oculta
A Deepweb, também chamada de Deepnet, Web Invisível, Undernet ou Web oculta, é
o conjunto de páginas que não estão disponíveis na Surface Web, a camada superficial da
internet, não podendo ser navegada através de browsers convencionais. Para entender melhor,
podemos fazer uma analogia à ponta de um iceberg, que é visível e representa a surfasse web;
todas as demais áreas, imersas, seriam a Deepweb e suas diversas camadas.
53
Figura 3: Ilustração para diferenciar a Deepweb da Surface Web
A Deepweb serve como uma tentativa de escapar de todo o lado comercial da Internet.
Por lá, todas as informações são criptografadas e, quanto maior a necessidade de proteção
daquela informação, maior vai ser o grau de criptografia. Muitos sites da Deepweb exibem
páginas falsas para desmotivar um usuário leigo de acessá-los, escondendo seu verdadeiro
conteúdo em camadas mais baixas que somente poderão ser acessadas com conhecimentos
avançados de criptografia ou com uma chave correta.
Por mais que a Deepweb não seja ilegal, por lá existe uma série de informações
ilegais, como a contratação de assassinos de aluguel, fotos e vídeos de pornografia infantil,
venda de drogas e armamentos, religiões satânicas, canibalismo, sacrifício de seres humanos,
mercado de órgãos e uma série infinita de conteúdos impróprios. Por isso, autoridades de todo
o mundo estão na Deepweb. Mas não só para observar os passos de quem navega por lá, mas
também para transmitir suas próprias informações criptografadas.
Não se pode entrar na Deepweb sem a utilização de programas especiais que
aumentam a garantia de anonimato por parte dos usuários e fazem com que a velocidade e a
qualidade da conexão sejam muito reduzidas. Porém, mesmo com todos os programas
necessários, para conseguir acessar, é necessário que o usuário possua conhecimento
54
específico e técnico necessário para descer as camadas. Quanto mais conhecimento possuir o
usuário, mais baixo ele conseguirá chegar na Deepweb.
Muitas páginas da Deepweb mudam de endereço constantemente para não serem
rastreadas e proteger tanto quem publica quanto quem acessa determinados conteúdos. Por
isso, não temos como estimar a quantidade de conteúdo existente neste meio. Estimativas de
um estudo feito na Universidade da Califórnia em Berkeley, em 2011, especulam que a
Deepweb possui 7.500 terabytes de informação. Em 2008, os sites que não eram encontrados
pelos mecanismos de busca, representavam de 70 a 75% do total, cerca de um tril hão de
páginas 24.
Na Deepweb o anonimato é realmente preservado, diferentemente da Internet e, por
isso, quem realmente age como um anônimo está por lá, protegido por diversos softwares de
mascaramento de IP e criptografia de auto nível. Quem quer ser Anonymous precisa preservar
o anonimato ao invés de participar ativamente de mídia sociais e assumir a autoria de ataques,
colocando em risco sua própria liberdade.
Retornando às ações que tenham sido atribuídas aos ciberativistas, algumas das que
obtiveram maiores destaques na mídia foram creditadas por único grupo, na verdade, um
coletivo chamado Anonymous, que pouco se conhece a seu respeito e quem são.
2.6 O que/quem é Anonymous?
Hoje, existem infinitas definições para o que é Anonymous, ou o que são o
Anonymous, o que pode tornar impossível uma única descrição completa e detalhada do
conceito. Porém, o que realmente se sabe é que antes de se tornar um fenômeno midiático, o
Anonymous nasceu como um meme no imageboard 4chan em 200325. O nome Anonymous
se deu pelo fato dos posts do 4chan serem assinados por usuários não identificados, portanto,
anônimos. A ideia de coletivo provavelmente tem o mesmo princípio, já que, no 4chan, todos
eram Anonymous.
O Anonymous era um pequeno grupo de usuários do 4chan que postavam
anonimamente no imageboard. A ideia de coletivo veio quando perceberam que todo o 4chan
poderia ter sido escrito por um único usuário, já que todos escreviam como Anonymous. No
24
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Deep_web>. Acesso em 01/02/2013.
Disponível em < http://www.webdig.com.br/10663/anonymous-afinal-qual-sua-origem-quem-sao-eles/ >.
Acesso em 15 de abril de 2012.
25
55
começo tudo não passava de brincadeiras como trollar 26 usuários do MySpace, ou enviar
pizzas para a casa de um neonazista, como veremos no próximo capítulo.
Somente após a mídia hegemônica passar a explorar o Anonymous como um grupo de
ciberativistas, tudo relativo à eles passou a tomar caminhos mais sérios e se tornar algo
próximo a um pseudo “Primeiro Exército da Internet”, guardadas suas devidas proporções.
Isso aconteceu após a guerra travada contra a Igreja de Cientologia e foi se intensificando com
o aumento da produção de notícias sobre o assunto, gerando uma retroalimentação. Quanto
mais a mídia alimentava Anonymous como um símbolo ou como a imagem de um grupo
ativista, mais pessoas se interessavam pelo assunto e o coletivo ia crescendo.
Anonymous é você. Anonymous é sua família, seus amigos e seus
companheiros de trabalho. Anonymous é a consciência coletiva que,
graças ao mundo digital, pode se expandir sem fronteiras.
Anonymous é a esperança de liberdade de todos os cidadãos do
mundo em sua luta contra a opressão governamental.27
É com esse slogan que se apresenta o Coletivo Anonymous enquanto que um
movimento midiáticamente construído. Para isso, a mídia tenta recuperar no Anonymous
características dadaístas em sua essência, sendo a primeira delas justamente a sua falta de
definição. “O que é DADÁ? Dadá não é nada, i.é., tudo” (BAITELLO, 1993, p. 101),
podendo ser aplicada a mesma definição para o Anonymous, que assim como o que melhor
define o Dada, “é o seu não-ter-uma-forma-definida, podendo entrar em todas, não se
permitindo aprisionar em nenhuma: a sua indefinibilidade” (BAITELLO, 1993, p. 117).
Porém, isso é feito sem a percepção de que Dadá nunca se utilizou de qualquer máscara ou foi
personagem.
26
27
Trollar é uma gíria da internet que significa algo como “pregar uma peça”.
Disponível em <http://anonopsbr.blogspot.com/2011/01/introducao.html>. Acesso em: 06 de junho de 2011.
56
Figura 4: Don’t worry we’re from the Internet 28.
Enquanto fruto midiático, podemos abordar o Anonymous como um coletivo
ciberativista pseudopolítico. A natureza anônima cibernética no qual o coletivo está inserido
torna difícil quantificar e qualificar o número de “anônimos”, porém, toda ação realizada por
indivíduos não identificados que se auto intitulam Anonymous são creditadas ao coletivo
como um todo.
A classificação de anárquico é comumente atribuída pela mídia para descrever o
Coletivo Anonymous. Mesmo que não seja possível dar uma definição precisa de
Anarquismo, pode se achar semelhanças claras entre esse conceito e o que é aplicado a
imagem do Anonymous.
O ideal designado por este termo, embora tenha sofrido notável
evolução no tempo, sempre se manifestou e manifesta como coisa
realizada e elaborada, como aspiração ou como objetivo último e
referencial, cheio de significados e de conteúdos, dentro da
perspectiva em que é analisado. (BOBBIO, 1998, p. 23)
28
Tradução livre: Não se preocupe, somos da Internet.
57
A busca pela liberdade do Coletivo Anonymous pode ser encontrada na origem do
grego anarcia de “anarquia”, que significa “sem Governo”. “Através deste vocábulo se
indicou sempre uma sociedade, livre de todo o domínio político autoritário, na qual o homem
se afirmaria apenas através da própria ação exercida livremente num contexto sócío-político
em que todos deverão ser livres” (BOBBIO, 1998, p. 23). A Internet, por si, já possui diversas
características anárquicas, pelo menos em espaços como os imageboards, que permitem o
anonimato por parte de seus freqüentadores.
Por Anarquismo se entende o movimento que atribui, ao homem
como indivíduo e à coletividade, o direito de usufruir toda a
liberdade, sem limitações de normas, de espaço e de tempo, fora dos
limites existenciais do próprio indivíduo. (BOBBIO, 1998, p. 23)
Porém, apesar de não ser o objetivo do presente trabalho um enfoque profundo nos
conceitos de liberdade de expressão, se faz necessário lembrar que a ela esbarra em conceitos
éticos, sociais, familiares, religiosos e morais. A liberdade de expressão não é absoluta e está
limitada a importantes fatores, como a integridade moral de outras pessoas ou mesmo a
segurança do coletivo. Comumente ela está associada ao bom funcionamento da democracia e
a busca da verdade, porém, não pode ser banalizada a ponto de ser confundida com a
imoralidade.
Portanto, dizer que o Coletivo busca a liberdade de expressão é uma afirmação o tanto
quanto relativa. Qual liberdade seria essa? O item IV do Artigo 5º da Constituição Federal 29
defende que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Sendo
assim, é conflitante a busca de anônimos à liberdade, visto que a liberdade de expressão é
garantida na constituição desde que não haja o anonimato.
Devido a essa teoria de pseudo não hierarquização do poder e a não definição de
Anonymous como um grupo, qualquer um pode fazer parte do Anonymous e agir em nome do
Anonymous30. Portanto, é comum encontrarmos pequenos grupos que se intitulam Anonymous
e possuem objetivos próprios, que normalmente são os objetivos para os quais foram
programados enquanto funcionários. A identificação com tais objetivos por parte dos
simpatizantes do conceito é o que define se as operações serão bem sucedidas. Causas tidas
29
Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em 15 de abril
de 2012.
30
Disponível em: <http://www.nytimes.com/2012/03/18/sunday-review/the-soul-of-the-newhacktivist.html?_r=1&ref=opinion>. Acesso em 20 de março de 2012.
58
que não causam muita empatia não obtêm sucesso por não ter apoio de uma parte significativa
dos anônimos.
A imagem do Anonymous construída pela mídia possui natureza informal e isso
colabora também para dar uma ideia de não conseguir prever ou identificar qual será o
próximo alvo do coletivo. Deixa-se vago imaginar quem está por trás das máscaras. Diz-se
que todos podem ser Anonymous, aproveitando-se da ideia de Hollywood do filme V de
Vingança, que será melhor explicado mais à frente. Porém, está clara a ideia de que as causas
que a mídia hegemônica divulga com maior frequência serão aquelas que ganharão adeptos e
conseguirão apoio de um número grande de anons, se tornando uma grande operação.
O público é um grande conjunto de pessoas que podem ser atingidas
por opiniões publicadas. Como essas pessoas são de origem variada,
elas professam valores desiguais e são dotadas de distinta
capacidade de compreensão. Considerando tal acessibilidade
diferenciada para a linguagem e para a imagem, o protesto deve
considerar uma maioria para o seu tema. Com isso, ela entra em
concorrência com outros interessados, que perseguem o mesmo
objetivo. (PROSS, 1997, p. 93)
O que se vende é que todos podem fazer parte do coletivo e se intitular Anonymous,
independentemente do grau de instrução educacional ou tecnológico. Dessa forma, deixando
clara a ideia de que nem todos os Anonymous são hackers, ou mesmo hacktivistas. Gera-se
sincronia e usuários comuns de internet passam a publicar em seu perfil imagens com dizeres
e imagens que apoiam a causa do momento.
Um vídeo do YouTube intitulado “Anonymous: Guia para Principiante” 31,
originalmente chamado de “How to Join Anonymous: A Beginners’s Guide”32, serve como um
manual de como participar do coletivo. Frases como “Anonymous não é um clube, um partido
político ou mesmo um movimento” romantizavam cada vez mais a ideia de um coletivo sem
líderes, gurus ou ideólogos, que na verdade nem sequer possui uma ideologia fixa, mas que
pode mudar o mundo.
Nós viemos de todos os lugares da sociedade: somos estudantes,
trabalhadores, empregados, desempregados; somos jovens ou
velhos, usamos roupas chiques ou farrapos, somos hedonistas,
ascetas, que buscam diversão ou ativistas. Nós viemos de todas as
31
32
Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=YWDRSDAVJJ8>. Acesso em fevereiro de 2012.
Tradução livre: Como entrar no Anonymous: Um guia para iniciantes.
59
raças, países e etinias. Somos muitos. Nós somos seus vizinhos, seus
colegas de trabalho, seu cabelereiro, seu motorista de ônibus e seus
administradores de rede. Nós somos o cara na rua com a mala e a
garota no bar que você está tentando conversar. Nós somos
Anonymous.33
Porém, para fazer parte do Anonymous é preciso pagar sua conta de luz, de telefone,
de internet, comprar um computador etc. Essa é uma ideia comercial de ativismo, onde só se
pode agir como ativista se estiver disposto a desembolsar dinheiro por isso.
2.7 O poder da máscara
Logo que se começou a falar de Anonymous, foram apresentados com a imagem do
“greenman”, um meme que representa um homem verde, vestido com um terno preto, cuja
cabeça aparecia encoberta pela frase “no picture available”34, já fazendo referência a uma
ideia de um coletivo, no caso, os usuários do 4chan. O “greenmen” também usado como
“Green Man”, ou homem verde, é um personagem que aparece normalmente em eventos
esportivos de grande porte, vestindo um traje todo verde de lycra, a fim de atrair a atenção do
público, praticamente um troller dos esportes.
Figuras 5 e 6: Imagens de personagens vestidos de Green Man
33
34
Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=YWDRSDAVJJ8>. Acesso em 30 de julho de 2012.
Tradução livre: “Sem imagem disponível”.
60
Na ação que ganhou as ruas contra a Igreja de Cientologia, que será melhor explicada
no próximo capítulo, o Coletivo Anonymous passou a utilizar a máscara de Fawkes para
esconder suas caras. Quando o coletivo tomou uma dimensão maior, passaram ser diretamente
associado à máscara. Fawkes foi um revolucionário católico inglês que virou símbolo da
chamada “conspiração da pólvora”. Ele e outros planejavam explodir o parlamento inglês e
matar o rei protestante em 5 de novembro de 1605. Porém, ao serem descobertos, Fawkes
cometeu suicídio antes de ser executado e serviu de inspiração para William Shakespeare na
tragédia de MacBeth e de outras três peças que estrearam em Londres na temporada de
1606/07.
Figura 7: A máscara inspirada no rosto de Guy Fawkes
61
Além de Shakespeare, a história de Fawkes serviu de inspiração para uma série de
romances gráficos escrita por Alan Moore chamada V de Vingança 35. Na revista em
quadrinhos, originalmente publicada entre 1982 e 1983, a história se passa na Inglaterra em
um futuro próximo, onde está em vigor um regime totalitário, e apresenta um personagem
conhecido como “V”, um carismático defensor da liberdade, que usa a máscara de Fawkes
para esconder seu rosto desfigurado.
Em 2006, o roteiro de Moore foi adaptado para o cinema, com algumas alterações nas
mensagem políticas para o que os cineatras acreditavam que seria mais relevante para um
público da época. Lançado com o mesmo título V de Vingança, V convoca toda a população
inglesa a se rebelar contra a tirania e a opressão do governo inglês e provoca uma espécie de
revolução para trazer liberdade e justiça ao país. O filme foi o responsável por popularizar a
máscara ao redor do mundo contemporâneo associada a essa simbologia anarquista,
revolucionária e que busca a liberdade.
“Signos pressupões sinais físicos sensorialmente perceptíveis. Damos-lhes os
significados segundos os contextos funcionais nos quais eles aparecem” (PROSS, 1997, p.
72). Dessa forma, essa máscara tão carregada de signos foi atribuída ao Coletivo Anonymous,
assim como até mesmo um pouco da história do personagem V foi adotado como a do
coletivo, gerando, assim, receita à Time Warner, empresa detendora dos direitos autorais do
filme.
Isso se torna uma incoerência muito grande e irônica: a adoção da máscara de Guy
Fawkes como marca de um coletivo que busca a liberdade. Isso porque, apesar de ela
representar, na história em quadrinhos criada por quadrinhos de Alan Moore e David Lloyd, e
posteriormente adaptada para o cinema no filme V de Vingança, uma luta contra um governo
opressor e autoritário, ela está também registrada como propriedade da Time Warner, um
grupo de mídia muito criticado por quem age em nome do coletivo. Portanto, ao utilizarem a
imagem de Fawkes para protestar, na verdade estão gerando lucro para o grupo de mídia que
tanto criticam.
35
V de Vingança (V for Vendetta), 2006.
62
Figura 8: Did You Know? Every time someone buys a Guy Fawkes mask, part of the proceeds pay for
licensing from Warners Brothers, a subsidiary Time Warner, one of the largest media corporations in
the worlds?36
A associação entre o coletivo e máscara foi tão intensa que a mesma passou a ser vista
como um símbolo do Anonymous, sem qualquer menção a Fawkes ou a V de Vingança. A
máscara por si já era capaz de exprimir os objetivos do coletivo, muito semelhantes aos do
personagem V do filme, independentemente de quais fossem. No caso do Brasil, por ser tido
como um país democrático, teoricamente livre de censura política, apesar de ser o país com o
36
Tradução livre: Você sabia? Toda vez que alguém compra uma máscara de Guy Fawkes, parte dos recursos
vão para o pagamento do licenciamento da Warners Brothers, uma subsidiária da Time Warner, uma das maiores
empresas de mídia do mundo.
63
maior número de solicitação de remoção de conteúdo enviado ao Google, o foco do
Anonymous acabou por ser definido como o combate à corrupção dos governantes.
Aproveitando-se de tal associação, a edição da revista Veja de número 2.240, de 26 de
outubro de 2011, trouxe em sua capa uma reprodução da máscara de Guy Fawkes, tendo suas
bochechas pintadas com as cores verde e amarela, em alusão à bandeira brasileira, gerando
maior identificação com o público leitor. A reportagem, que se inicia com explicações sobre a
máscara e o filme V de Vingança, afirma que, no Brasil, os manifestantes fazem uso da
imagem de Fawkes para protestar contra políticos corruptos. Porém, todo o foco da
reportagem se dá em cima de histórias ligadas à corrupção, sem qualquer detalhe sobre
manifestações ou manifestantes, muito menos, qualquer citação ao Coletivo Anonymous.
Na reportagem dos jornalistas Otávio Cabral e Laura Diniz, que fala sobre o custo da
corrupção no Brasil, percebe-se um claro objetivo da revista em associar ou se apropriar da
simbologia adotada pelo coletivo, expressa através da máscara de Guy Fawkes para abordar
assuntos políticos a partir de seu perfil editorial e analisar a corrupção por sua ótica peculiar.
Figura 9: Capa da Revista Veja, nº 2.240
64
Outra apropriação da simbologia do Coletivo Anonymous se deu por parte da Revista
Cult, em sua edição de número 169, de junho de 2012, onde a máscara de Guy Fawkes
aparece na capa em um cenário vermelho com a manchete “A Esquerda na Encruzilhada”.
Dentro da publicação, encontra-se uma série de debates sobre a existência de uma nova
esquerda, e reportagens sobre o movimento Occupy. Novamente, nenhuma citação direta ao
coletivo, somente a utilização da máscara associada diretamente à política de esquerda, como
se todo ativista fosse de esquerda.
Figura 10: Capa de Revista Cult, edição nº 169
Em relação a uma possível retaliação à revista Veja, por se apropriar da máscara que
anteriormente teria sido apropriada pelo Coletivo Anonymous, diversos usuários que agem
como anons passaram a produzir material criticando a publicação. Um vídeo foi postado no
65
YouTube com o título: “Resposta à Veja – Anonymous”37, com aproximadamente dois
minutos, onde são reaproveitadas cenas do filme V de Vingança para ilustrar um texto lido
por um programa de sintetização de áudio. No texto, tido como um comunicado oficial de
Anonymous, são feitas fortes críticas à revista, dizendo que a “Revista Veja é instr umento de
manipulação ideológico e política”. Ao final, antes da leitura do Anonymous Credo 38,
presente em todo o material feito em nome de Anonymous, o texto explica que “a mídia tenta
desvirtuar nossos ideais”.
O jornalista Luis Nassif publicou em seu blog o texto “A resposta do Anonymous à
Veja”39, originalmente publicado no site Ocupa Sampa 40 com o título “A Veja não nos
representa”41. O post faz duras críticas à revista semanal afirmando que “usa suas páginas
para atacar o Governo Federal e fazer “oposição” de Direita. Combater a corrupção como se
fosse causa e não consequência é alimentar o mal ou, para dizer o mínimo, enxugar gelo”.
Portanto, enquanto a Veja utilizava a simbologia do Anonymous e da máscara para
representar a direita, a Cult o fazia em prol da esquerda.
Com esses exemplos podemos ver claramente que a mídia se apropria da imagem do
Anonymous para expor a sua própria opinião. Portanto, mais clara nos fica a ideia de que o
coletivo seja uma criação da própria mídia para atender suas necessidades. Por isso, cada
detalhe referente a construção do imaginário em torno de Anonymous é importante e precisa
ser bastante trabalhado.
É comum a imprensa colocar o Coletivo Anonymous como algo sem liderança e nem
rosto. Porém, ao usar a máscara, acaba por gerar justamente uma identidade, como já
discutido no capítulo anterior, diferentemente do Dadaísmo onde cada um sustentava seu
perfil e agia em nome de um conjunto com a estratégia de denunciar e escandalizar, como “a
própria ação Dada, relatando uma não-ação” (BAITELLO, 1993, p. 105). Porém,
características de Dada-Berlim como plantar notícias nos jornais, são creditadas aos
Anonymous para disseminar ideias para a maior parte da sociedade. “Baader escreve notícias
37
Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=YqAiH_cUU5Y>. Acesso em 07 de julho de 2012.
O credo utilizado pelo Coletivo Anonymous é: “We Are Anonymous. We Are Legion. We Do Not Forgive.
We Do Not Forget. Expect Us”. Tradução livre: “Nós Somos Anonymous. Nós Somos Uma Legião.Nós não
Perdoamos. Nós Não Esquecemos. Espere-nos”.
39
Disponível em <http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-resposta-do-anonymous-a-veja>. Acesso em 14
de julho de 2012.
40
Disponível em <http://15osp.org/>. Acesso em 14 de julho de 2012.
41
Disponível em < http://15osp.org/2011/10/26/a-veja-nao-nos-representa/>. Acesso em 14 de julho de 2012.
38
66
de jornal (nem sempre publicadas) que relatam acontecimentos não-reais – eventos-zero”
(BAITELLO, 1993, p. 103).
A ideia de ser horizontalmente organizado é de interesse da vertical midiática. Ajudam
a criar um sentido de pertencimento e faz com que mais e mais pessoas acabam se
considerando como parte do Anonymous. Afinal, “muitos não sabem o que aconteceu, nem
têm nada a dizer diante de perguntas, mas têm pressa de estar onde está a maioria”
(SLOTERDIJK, 2002, p. 15). E a internet, com suas características colaborativas acaba por
acentuar esse sentimento, tornando-se “nossa internet!”. Cria-se identificação e se reforça a
ideia de identidade.
Por isso, organizam protestos que comumente recebem muita atenção da mídia,
porém, não podemos estabelecer qualquer ligação entre os protestos virtuais e o protesto em
si. “O sentido do protesto reside no confronto de opiniões” (PROSS, 1997, p. 71). Protestar
visa provocar mudanças e possibilitar reflexões, e o que vemos por parte das ações do
Coletivo Anonymous são atos em busca de objetivos próprios e que afetam somente no
virtual.
Pode-se protestar contra um governo, contra um regime político,
contra uma guerra, contra uma ocupação de espaço, ou a favor da
paz, a favor da reforma agrária, contra o desemprego, ou a favor de
mais emprego. O protesto pode ser feito por uma única pessoa ou
por milhões ao mesmo tempo. Pode ser o barulho ou o silêncio. Mas
sempre se protesta com a intenção de se conquistar a opinião alheia,
não pelo rompimento, pois ainda que a realização do protesto
implique temporariamente no rompimento de determinada ordem, o
que se busca de fato é a criação de vínculos com o público que
presenciará aquele protesto, pessoalmente ou por meio da grande
imprensa. (PAIERO, 2005)
Anonymous não visa conquistar a opinião alheia, mas se fazer valer de “sua” opinião,
que, na verdade é a opinião de uma pessoa, ou um pequeno grupo que diz-se agir em nome de
um coletivo. Para ser protesto é preciso possuir a intenção de comunicar algo, de tornar
pública uma opinião contrária a alto para provocar mudanças à sociedade, porém conforme
visto no capítulo anterior, tudo o que acontece na internet, é em função da própria internet e
não de seus usuários, funcionários nulodimensionais.
O que define a natureza do protesto é o formato escolhido para a comunicação, para
ampliar ao máximo a visibilidade de sua ação e chamar a atenção para o motivo do protesto,
porém, com as ações atribuídas ao Anonymous, o que se visa com a visibilidade obtida é a
67
adesão de novos usuários para o coletivo. Toda as ações do Anonymous parecem que só
visam o crescimento do próprio Anonymous.
Por isso, por mais que esses pseudo-protestos do Anonymous acabem por gerar
empatia da sociedade, percebe-se que essa empatia se dá somente por uma abstinência
moderna de um mito heroico. Daí a necessidade da mídia de caracterizá-los como o grupo que
vai mudar a forma como as coisas são hoje, adaptando o conceito ao mundo moderno, já que
poderão fazer isso sem precisar levantar de sua cadeira ou do sofá, sem violência ou qualquer
risco, de uma maneira cômoda.
2.8 Comunicados do Anonymous
Uma simples busca no site de vídeos YouTube por “comunicado Anonymous” traz
quase mil resultados 42. Desses, a maioria é feita de maneira amadora, se utilizando de cenas
do filme V de Vingança ou com pessoas escondendo o rosto com a máscara de Guy Fawkes,
sendo dubladas por programas sintetizadores de áudio. A qualidade de cada arquivo visual se
dá de acordo com o nível de expertise do usuário que produziu tal material, porém, o que
diferencia os vídeos são seus conteúdos, que costumam variar bastante e podem, até mesmo,
se contradizer em alguns casos.
Diversos “comunicados oficiais” foram feitos em forma de texto, publicado em vários
blogs, e vídeos postados no YouTube, sendo que, alguns dos vídeos eram exatamente a leitura
dos textos, já publicados em outros websites, feita por programas sintetizadores de voz. O
conteúdo dos mesmos girava em torno de defensivas do coletivo com opiniões diversas sob
diversos aspectos, e por vezes, até discrepantes. Isso acontece se levarmos em consideração
que, apesar de se tratar um coletivo, o anonimato permite que todos possam falar em nome de
Anonymous. Portanto, se todos os comunicados são feitos por quem age em nome de
Anonymous e todos possuem opiniões e objetivos próprios ou comuns em determinados
grupos, faz-se correto afirmar que todos os “comunicados oficias” do Anonymous são falsos,
ao mesmo tempo em que são verdadeiros, afinal, todos podem falar em nome de Anonymous,
com ou sem máscaras.
Dessa forma, podemos perceber que todos os comunicados são parciais e representam
somente a opinião de uma ou mais pessoas, geralmente poucas, com um determinado ponto
42
Busca efetuada no dia 20 de janeiro de 2013.
68
de vista particular e objetivando uma causa própria. Seria impossível representar a totalidade
dos que defendem a ideia do Anonymous, visto que não se sabe exatamente quantos são ou
mesmo quem são os Anons. Somente os comunicados que chegam à mídia acabam por ser
concretizados como ação, enquanto tantos outros que possuem pouca amplitude nunca saíram
do papel. Nesse ponto, percebemos claramente a importância da sincronização midiática em
cima do Anonymous.
Sabe-se que, “os meios, da maneira como funcionam hoje, transformam as imagens
em verdadeiros modelos de comportamento e fazem dos homens meros objetos” (FLUSSER,
2007, p. 519). Nesse caso, objetos mascarados que agem em prol de uma indústria midiática
com a qual se consideram contrários. Chega-se ao ponto de muitas pessoas se identificarem
como integrantes, líderes e até porta-vozes do coletivo.
Provavelmente são usuários que buscam deixar de ser anônimos e vestem a máscara
de Fawkes para obter mais seguidores em redes sociais. Alguns são capazes de uma imersão
tão grande na ideia do Anonymous que passam a viver aquilo como sua própria vida, como
viciados na mídia enquanto droga.
Não é incomum encontrarmos brigas públicas nas redes sociais entre falsos gurus de
Anonymous, como no caso do usuário de Twitter @surtoetensao, cobrando “vergonha na
cara” por parte de “membros” do Anonymous.
Figura 11: Mensagem no Twitter do usuário @surtoetensao cobrando
“vergonha na cara” de alguns “membros” do Anonymous
Esses se sentem parte do Anonymous de tal maneira que podem acabar por confundir
sua vida real com a realidade virtual: o mundo de Anonymous. “A revolução cultural hoje
consiste no fato de que nos tornamos aptos a construir universos alternativos e paralelos a este
que nos foi supostamente dado; de que, de sujeitos de um único mundo, estamos nos
convertendo em projetos de vários mundos” (FLUSSER, 2007, p. 85).
Qualquer usuário de computador com uma câmera filmadora pode vestir a máscara de
Guy Fawkes e produzir um vídeo expondo a sua opinião sobre o coletivo, tentando organizar
69
novas operações ou traçando novos alvos. Todos podem ser Anonymous. Anonymous é o
nome de todos, enquanto não representa ninguém. Porém, se afirmar como um líder ou portavoz do Coletivo Anonymous ou assumir a responsabilidade por alguma ação que tenha obtido
sucesso pode ser um caminho rápido para se tornar um usuário com maior respeito e
reconhecimento, como uma web-celebridade.
Para ingressar de maneira competitiva no mercado, é preciso sair da
invisibilidade, destacando-se da massa. Não é de estranhar que o
sonho alimentado por muitos é o de conquistar a fama a todo custo,
como se isso fosse o verdadeiro sentido da vida e a única chance de
conquistar a felicidade. (MIKLOS, 2012, p. 96)
O mais próximo de protesto que as ações de Anonymous podem se enquadrar, seria
uma imagem do protesto cotidiano, que “seria apenas um produto da indústria da mídia, que
por sua vez seria uma agência do setor publicitário” (PROSS, 1997, p.15). Dessa forma, a
mídia é capaz de gerar protesto em prol de suas causas particulares enquanto sincronizadora.
Se, ainda por cima, conseguir creditar tal protesto à um grupo já conhecido midiáticamente, a
desculpa é perfeita, ainda mais na Internet, onde nada pode ser considerado real.
Para entendermos melhor como se dá essa relação entre a mídia e as ações atribuídas
ao coletivo Anonymous, no próximo capítulo selecionaremos alguns atos que obtiveram
maior repercussão na mídia mundial e na brasileira.
70
3
Capítulo 3: Anoymous e a Mídia
Para compreendermos de uma maneira melhor como foi construída a imagem do
Coletivo Anonymous na mídia e pela mídia, algumas ações tidas como mais importantes
associadas a eles e que obtiveram maior participação serão levantadas. Nem todas as ações
serão listadas no presente trabalho e nem todas as coberturas jornalistas que foram feitas sobre
o tema. Nosso objetivo aqui é o de selecionar os principais atos para desconstruí -los e depois
enfocar melhor em como os principais veículos de mídias de massa brasileiras abordam o
Coletivo Anonymous.
3.1 Primeiras trollagens
A primeira grande aparição em papel de destaque do Coletivo Anonymous em uma
mídia de massa aconteceu no dia 26 de julho de 2007, quando a emissora de TV KTTV,
afiliada da Fox em Los Angeles, Califórnia, exibiu uma reportagem chamada “Report on
Anonymous”43, onde classificava-os como “hackers com esteroides”, “terroristas domésticos”
e, coletivamente, como uma “máquina de ódio da internet”, que “destrói a vida de pessoas
inocentes”. Segundo o vídeo, a “gangue hacker” tem como alvo preferido os usuários do site
MySpace.com, mas são capazes até de matar e explodir estádios de futebol. Criava-se então
uma nova imagem para o estereótipo padrão de jovens hackers e ao mesmo tempo, nascia a
imagem do Coletivo Anonymous. Aqueles jovens criminosos que se utilizavam da internet
para retirar dinheiro de contas bancárias e perfis de redes de relacionamento, agora estavam
demonstrando uma “evolução” para algo muito mais sério e nocivo.
43
Tradução Livre: Relatório sobre o Anonymous. Disponível em
<http://www.youtube.com/watch?v=ba84EL6wO10>. Acesso em 30 de julho de 2012.
71
Figura 12: Reprodução do documentário Report On Anonymous
Logo na abertura, o locutor do programa John Beard explica: “são hackers turbinados,
que tratam a rede como um videogame da vida real (...) assaltam e saqueiam websites,
invadem contas de Myspace, atormentam pessoas inocentes (...). E, se você reagir, tome
cuidado!” Em tom de ameaça, a reportagem mostra uma entrevista com um jovem chamado
de David, que diz ter tido sua senha do MySpace roubada por sete vezes seguidas e sua página
da rede de relacionamento trocada por fotos de pornografia homossexual. De acordo com o
jovem, isso fez com que sua namorada rompesse o relacionamento e sua vida teria se tornado
um inferno.
Além de David, o vídeo apresenta uma dona de casa que explica ter sofrido uma série
de ataques por telefone, que foi obrigada a comprar um cão de guarda para garantir a sua
segurança e de sua família. Para ilustrar o material, os editores da Fox utilizaram imagens da
mesma dona de casa fechando as cortinas de sua casa para expressar o medo com o qual ela é
obrigada a viver por causa dos hackers e imagens de uma caminhonete explodindo enquanto
ela os chama de terroristas domésticos. Antes de terminar, aparece um possível ex-integrante
72
do Anonymous de costas, vestindo boné e com voz distorcida que afirma ter sofrido ameaças
de sequestro e de morte ao tentar se desligar do grupo virtual.
Sabe-se que mídia hegemônica articula o seu discurso e apresenta o Anonymous em
seu favor, colocando muitas vezes suas próprias causas como se fossem as do coletivo.
Principalmente, a mídia usa a informação como um instrumental de consumo, para vendar
mais notícias, para vender esse assunto, nesse caso, assustando as pessoas. Dessa forma,
somente quem estiver por dentro do que está acontecendo na internet com os hackers estará
protegido. É como se todos precisassem comprar aquela notícia para entender como
funcionaria esse grupo criminoso e poder se proteger.
No mesmo dia em que essa reportagem foi ao ar, a mesma já estava disponível para
ser visualizada no YouTube. No dia seguinte, o jornalista e blogueiro da revista Wired, Ryan
Singel, publicou um texto em seu blog44 explicando que as ações que a Fox associou ao
Coletivo Anonymous mais se pareciam com brincadeiras de um jovem de 15 anos entediado e
que aquela notícia era, sem dúvidas, a brincadeira mais engraçada que alguém já retirou do
imageboard 4chan45.
Para os frequentadores do /b/, os /b/astards, aquilo era uma verdadeira consagração,
uma conquista sem precedentes: serem considerados perigosos bandidos capazes de cometer
as piores atrocidades no mundo off-line e aparecerem em um grande canal de TV. Dessa
forma, a reportagem acabou por dar forças ao imageboard e, principalmente, ao Anonymous,
que deixaram de ser algo restrito ao mundo underground de um imageboard, conhecido
somente pelos poucos participantes ativos e passou a ser algo como uma marca, transmitida
em um meio de comunicação de alcance bem mais abrangente, como é o caso da televisão.
Vemos uma hipersimplificação da mídia hegemônica ao tentar criar uma imagem de
um grupo de usuários de computador que estava disposto a agir não somente dentro da
internet. Não se procurou descobrir o que mais faziam, ou sequer entender de onde vieram. A
pauta tratou somente de sensacionalizar o estereótipo hacker e associá-lo ao de terroristas,
como se agora tudo tivesse se tornado uma única coisa. Isso não foi uma tarefa muito
complexa, já que muito pouco ou quase nada havia sido divulgado antes sobre Anonymous,
então para a mídia criar um significado seria uma das tarefas mais simples, poderiam fazer o
que bem entendessem.
44
45
Disponível em <http://www.wired.com/threatlevel//>. Acesso em 30 de julho de 2012.
Disponível em <http://www.wired.com/threatlevel/2007/07/investigative-r/>. Acesso em 30 de julho de 2012.
73
A consequência disso foi a de aguçar a curiosidade de um número maior de usuários
que gostariam de ver como tudo aquilo acontecia. O 4chan, o /b/ e assuntos relacionados à
Anonymous passam a ser mais buscados por usuários da internet, que, de certa forma,
gostariam também de obter aqueles “superpoderes” e fazer parte daquilo.
Como já era de se esperar da atitude de trolls algo como uma provocação deliberada,
os frequentadores do 4chan se utilizaram da reportagem da Fox para criar novas formas de
humor, gerando diversos memes a partir das frases ditas na reportagem, como, por exemplo,
“máquina de ódio da internet” e “hackers com esteróides”. Além disso, a van que aparece
explodindo no vídeo passou a ser adotada no 4chan como a “Caminhonete de Festas do
4chan”. O que era para ser algo negativo foi supervalorizado e ironizado.
Figura 13: Hackers On Steriods 46
46
Tradução livre: “Hackers turbinados”.
74
Como dito, a reportagem da Fox não levou em consideração as outras ações anteriores
que já haviam sido feitas na internet e receberam pouquíssimo destaque nas mídias de massa
por não chamarem tanta a atenção. Somente após a construção dessa primeira imagem para o
Coletivo Anonymous de que eram hackers perigosos, diversos ataques anteriores a redes
sociais e websites sem muita expressão passaram a ter suas organizações atribuídas ao
Coletivo Anonymous.
E foi se aproveitando de sua imagem negativa que o coletivo conseguiu entrar no talkshow de maior audiência da história da televisão dos Estados Unidos, o The Oprah Winfrey
Show. A apresentadora Oprah acabou caindo em uma trollagem feita por usuários do 4chan,
em 2008, que se identificavam como Anonymous. Eles postaram uma mensagem para a
apresentadora com um Anonymous Credo adaptado e midiaticamente impactante: “We do not
forgive. We do not forget. We have OVER 9000 penises and they are all raping children”47.
Para quem já havia frequentado o 4chan por algum tempo sabia que se tratava somente de um
meme criado a partir do desenho japonês Dragon Ball Z48, porém, para os produtores do
programa, esse seria um número capaz de causar medo aos pais que viam seus filhos passando
tempo demais na frente de seus computadores, sem saber o que faziam ao certo.
Durante o programa, Oprah leu a mensagem na íntegra, atribuindo a citação a uma
“rede conhecida de pedofilia”, que era ao mesmo tempo organizada e sistemática
(STRYKER, 2011, p. 98). Enganar uma celebridade e fazer com que ela reconhecesse a
existência do Coletivo Anonymous já era uma vitória para os usuários do 4chan, mas fazer
isso se utilizando de um meme muito conhecido no imageboard seria considerada uma vitória
épica. Em comemoração foi dito que foram feitas mais de 9 mil paródias do vídeo, apenas
sendo mais uma trollagem.
3.2 Primeiros ataques
Os primeiros ataques organizados pelos membros do 4chan intitulados como
Anonymous não passaram de uma espécie de protestos virtuais, como os que aconteceram
dentro do Habbo49, uma rede social para adolescentes popularmente conhecida como um hotel
47
Tradução livre: “Nós não esquecemos, nós não perdoamos, nos temos um grupo de mais de 9.000 pênis e eles
estão todos estuprando crianças”.
48
Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=WrA5REiOglk>. Acesso em 16 de abril de 2012.
49
Disponível em: <http://www.haboo.com/>. Acesso em 16 de abril de 2012.
75
virtual que permite que seus usuários criem personagens (avatares) para interagirem entre si.
“The Great Habbo Raid”, como foi chamada, pode ser tido como o primeiro protesto feito
pelos membros /b/astardos do 4chan em Julho de 2006 (STRIKER, 2011, p. 228). Diversos
anons entraram virtualmente no hotel Habbo utilizando personagens afro descentendes de
ternos pretos e cabelos afros gigantes50.
Figura 14: Diversos avatares do Haboo formando uma suástica. Fonte: Reprodução do site habbo.com
Dentro da rede social, os /b/astardos interromperam conversas e lotaram de spam as
salas de bate-papo, causando irritação dos demais utilizadores. Além disso, fecharam as
piscinas do hotel e formaram uma grande suástica com seus avateres em sinal de protesto
contra o racismo. Em resposta, os administradores do Habbo baniram todos os usuários que
utilizavam avatares correspondentes aos usados no ataque.
50
Disponível em <http://ohInternet.com/The_Great_Habbo_Raid_of_July_2006>. Acesso em 16 de abril de
2012.
76
A ação foi um tanto quanto infeliz e nos faz pensar que quem organiza ou participa
dessa forma de protesto, ignora toda a história que aconteceu anteriormente. Utiliza-se do
símbolo máximo do nazismo para criticar o racismo não faz qualquer sentido, porém, é capaz
de chamar a atenção e gerar bom conteúdo para a mídia. Assim, mesmo que em pequenas
notas, o Habbo figurou nas mídias de massa graças a essa ação.
Em dezembro do mesmo ano, usuários que se auto-intitulavam Anonymous retiraram
do ar o website de Hal Turner, que se dizia ser o líder da supremacia branca e apresentador de
um programa de rádio. Tais ataques renderam a Turner uma conta de milhares de dólares do
consumo de Internet referente a seu site51. Além disso, informações pessoais de Turner, tais
como sua ficha criminal, endereço e contatos foram distribuídos na internet (STRIKER, 2011,
p. 232). Porém, quem obteve maior sucesso com essa ação, sem dúvida, foi o provedor de
internet de Turner.
3.3 A prisão de Chris Forcand
Em 2007, o norte americano Chris Forcand, de 53 anos, foi condenado por seduzir
uma criança de 13 anos de idade. “Jessica”, como era chamada a menina, era na verdade, um
colaborador anônimo em busca de pedófilos e, graças a sua ação, a prisão de Forcand foi
possível. Graças a denúncias de um grupo de usuários que se auto-intitulava “cibervigilantes”52 e Anonymous ao monitoramento que faziam em busca de pessoas com interesse
sexual em crianças 53. Esses vigilantes se passavam por crianças, nesse caso com o nickname
de “serious”, para receber “propostas sexuais” e identificar pedófilos. O caso de Chris
Forcand obteve destaque por ter sido o primeiro caso em que um predador sexual da Internet
fora detido como resultado da ação de um grupo de “ciberativistas”, por mais que o termo
ainda não fosse aplicado na época.
No caso da internet, a proposta de um grupo em agir como ciber-vigilantes para
colaborar ou para tomar o papel da polícia local, lembra bastante os grupos de vizinhos que se
unem para proteger seu bairro e fornecer informações à polícia sobre criminosos que tentam
atacar as redondezas.
51
Disponível em: <http://theplanisnow.blogspot.com.br/2011/07/anonymous.html>. Acesso em 16 de abril de
2012.
52
Disponível em: <http://cnews.canoe.ca/CNEWS/Crime/2007/12/07/4712680-sun.html>. Acesso em 16 de
abril de 2012.
53
Disponível em: < http://ohInternet.com/Chris_Forcand>. Acesso em 16 de abril de 2012.
77
Figura 15: Trecho da conversa entre Chris Forcand e a suposta menina “serious”
Usuários do 4chan estão acostumados a lidar a todo o momento com a pedofilia, que
apesar de ser crime e sempre ter recebido uma grande atenção das autoridades de da mídia
também no mundo virtual, frequentemente figura entre as figuras postadas no imageboard.
No caso do 4chan e de outros fóruns, os moderadores removem qualquer tipo de pornografia
infantil o mais rápido possível e, quando encontram algum material dessa natureza, informam
o endereço de IP do proprietário para as autoridades.
3.4 Projeto Chanology
No início do ano de 2008 aconteceu a primeira grande operação onde o Anonymous
obteve a atenção da mídia norte-americana e mundial. No dia 14 de janeiro, um vídeo de nove
minutos e meio que exibe uma entrevista com Tom Cruise rindo e falando sobre a doutrina da
Igreja de Cientologia vazou na internet tendo sido publicado no YouTube. Alegando violação
de direitos autorais, a gravação foi rapidamente removida do site a pedido da igreja, atitude
considerada como violação da liberdade de expressão por parte de um grupo de usuários de
internet.
78
Figura 16: Protesto na porta de uma Igreja de Cientologia nos EUA.
No cartaz: “Scientology Destroys Lives”54.
A retirada desse vídeo foi tida como censura à internet dentro do 4chan, iniciou-se um
jogo entre Anonymous e a igreja. Por um lado, Anonymous tentava publicar o vídeo na maior
quantidade de sites possíveis, enquanto a igreja os removia com uma velocidade
impressionante. Além disso, os freqüentadores do 4chan se organizaram no /b/ para enviar
uma enorme quantidade de retaliações fora da internet, como: envio de faxes em branco para
as igrejas, diversos pedidos de pizza em nome da igreja sendo entregues nas suas sedes e uma
quantidade de trotes suficientes para deixar todas as linhas da Cientologia ocupadas.
Para finalizar, publicaram um tutorial de como derrubar um website através de ataques
de DDoS na página do 4chan e, no dia combinado, todos iniciaram os ataques até
conseguirem deixar a página inacessível. Para um pequeno grupo de usuários de internet que
nunca haviam sequer se conhecido pessoalmente, promover essa ação de suas próprias
cadeiras foi uma vitória épica.
54
Tradução livre: Cientologia destrói vidas.
79
Foi exatamente nesse momento que tudo o que era conhecido como Anonymous
mudou radicalmente. Com essas ações, o assuntou acabou por ser noticiado em diversos
veículos midiáticos e tomou proporções maiores do que se previa. Exatamente sete dias
depois do ato de remoção do vídeo original do YouTube, em 21 de janeiro, um novo vídeo foi
publicado com o título “Message to Scientology”55, assinado somente como “Anonymous”. O
vídeo possuía um discurso narrado por uma voz gerada virtualmente:
Hello, leaders of Scientology. We are Anonymous. Over the years,
we have been watching you. Your campaigns of misinformation;
your suppression of dissent; your litigious nature, all of these things
have caught our eye. With the leakage of your latest propaganda
video into mainstream circulation, the extent of your malign
influence over those who have come to trust you as leaders, has been
made clear to us. Anonymous has therefore decided that your
organization should be destroyed. For the good of your followers,
for the good of mankind—and for our own enjoyment—we shall
proceed to expel you from the Internet and systematically dismantle
the Church of Scientology in its present form. We recognize you as a
serious opponent, and we are prepared for a long, long campaign.
You will not prevail forever against the angry masses of the body
politic. Your methods, hypocrisy, and the artlessness of your
organization have sounded its death knell. You have nowhere to hide
because we are everywhere. We cannot die; we are forever. We’re
getting bigger every day—and solely by the force of our ideas,
malicious and hostile as they often are. If you want another name for
your opponent, then call us Legion, for we are many.
Knowledge is free. We are Anonymous. We are Legion. We do not
forgive. We do not forget. Expect us. (STRIKER, 2011, p. 242 e
243)56
55
Tradução livre: Mensagem para a Cientologia.
Tradução livre: Olá, líderes da Cientologia. Nós somos anónimos. Ao longo dos anos, temos observado você s.
Suas campanhas de desinformação; sua repressão da dissidência; sua natureza litigiosa, todas essas coisas
chamaram nossa atenção. Com o vazamento de seu vídeo mais recente de propaganda em circulação popular, a
extensão de sua influência maligna sobre os que confiam em você como líderes, ficou clara para nós.
Anonymous decidiu que sua organização deve ser destruída. Para o bem de seus seguidores, para o bem da
humanidade e para o nosso próprio prazer, vamos expulsar vocês da Internet e sistematicamente desmantelar a
Igreja da Cientologia na sua forma atual. Nós reconhecemos você como um adversário sério, e estamos
preparados para uma campanha longa, longa. Vocês não vão prevalecer para sempre contra as massas furiosas do
corpo político. Seus métodos, hipocrisia e ingenuidade da sua organização soaram como a sua sentença de morte.
Vocês não têm onde se esconder, porque estamos em todos os lugares. Nós não podemos morrer, somos eternos.
Estamos ficando maior a cada dia e unicamente pela força de nossas ideias, maliciosas e hostis, como muitas
vezes elas são. Se vocês quiserem um outro nome para o seu oponente, pode nos chamar de Legião, porque
somos muitos.
O conhecimento é livre. Nós somos anónimos. Nós somos legião. Nós não perdoamos. Nós não nos esquecemos.
Esperam de nós.
56
80
A imagem de “hackers com esteróides” já não fazia mais sentido para descrever o
Anonymous, que passou a figurar na mídia como um grupo pseudo político de usuários de
internet que se mobilizou em busca de uma causa mais nobre e poética como a liberdade de
expressão. Com isso, um número maior de pessoas passou a se engajar com a causa, querendo
fazer parte de tudo aquilo.
Quando optaram por usar a máscara de Fawkes para esconder seus rostos no protesto
que ganhou as ruas, facilitaram muito o papel da mídia em associá-los ao enredo do filme V
de Vingança. Anonymous agora possuía objetivos, era anárquico; qualquer um poderia se
tornar parte do coletivo e ir às ruas protestar por um mundo melhor e livre de qualquer forma
de censura.
Diante de toda a cobertura feita pela imprensa, principalmente da TV, o evento se
tornou global e protestos internacionais fora dos centros de Cientologia foram realizados no
dia 15 de março atraindo milhares de pessoas em todo o mundo para protestar contra as
práticas da igreja. Cidades como Boston, Dallas, Chicago, Los Angeles, Londres, Paris,
Vancouver, Toronto, Berlim e Dublin tiveram protestos simultâneos que resultaram em uma
participação estimada entre 7 e 8 mil pessoas 57.
Figura 17: Diversos manifestantes ocupando a porta de uma Igreja
de Cientologia com a máscara de Fawkes.
57
Disponível em <http://www.news.com.au/technology/second-round-of-anonymous-v-scientology/storye6frfro0-1111115818537>. Acesso em 16 de abril de 2012.
81
Defender que não havia a presença clara de um líder fazia com que mais manifestantes
mascarados distribuíram panfletos e exibissem placas na porta das seitas tornando aquela a
sua causa. A classificação como não hierárquico, independentemente de ser ou não realmente
organizado, forneceu aos Anonymous uma maior facilidade de engajamento. Os americanos,
e não só eles, estavam cansados de cumprir ordens de seus superiores, sejam chefes,
familiares ou quem quer que seja. Poder fazer parte de algo que não havia líderes era a
oportunidade de vestir a camisa de uma ideia muito vendida pela mídia hegemônica: a
liberdade. Nas manifestações, fizeram discursos, recrutaram novos membros e obtiveram
destaque na imprensa; concedendo entrevistas e sendo noticiados, em suma, atuaram em uma
experiência digna de um filme de Hollywood. Ao final dos protestos, os manifestantes
cantaram a música de Rick Astley, chamada Never Gonna Give You Up, de 1987, um dos
memes mais famosos do 4chan.
Esta ação foi um marco para o Coletivo Anonymous que passou a assumir uma nova
imagem midiática, levando o coletivo às manchetes de jornais e revistas de todo o mundo,
atribuindo um caráter pseudopolítico, nunca declarado oficialmente, às suas operações. Agora
a imagem do Anonymous já era conhecida globalmente e com isso, um número maior de
causas foi defendido em nome do Coletivo. Casos como a denúncia de tortura de animais
também foram combatidos por anons, como o do garoto de 14 anos de Oklahoma que postou
dois vídeos no YouTube, em fevereiro de 2009, torturando um gato. Seguidores da ideologia
anônima identificaram o garoto, conseguiram seu endereço e informaram à polícia local
(STRIKER, 2011, p. 251).
3.5 Operação Payback (Retaliação) - Wikileaks
Wikileaks é uma organização transnacional sem fins lucrativos, criada por Julian
Assange, que publica em sua página na Internet documentos, fotos, vídeos e informações
confidenciais oriundas de governos ou empresas obtidas de maneira vazada. O Wikileaks foi
o responsável pela publicação de diversos documentos confidenciais do governo dos Estados
Unidos que foram responsáveis por uma forte repercussão mundial 58.
58
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikileaks>. Acesso em 30 de abril de 2012.
82
Em abril de 2010 o site de Assange publicou um vídeo chamado Collateral Murder,
feito em 2007, que mostra o ataque de um helicóptero norte americano atirando em 12
pessoas no Iraque, dentre as quais havia dois jornalistas da agência de notícias Reuters. O
vídeo foi repercutido pela grande mídia e, assim como outros documentos vazados pelo site,
como um manual de instruções para tratamento de prisioneiros na prisão militar de
Guantánamo, em Cuba, acabaram por mudar a opinião pública a respeito da imagem do
exército americano.
No mesmo ano, no mês de julho, o Wikileaks vazou uma grande quantidade de
documentos secretos do exército dos Estados Unidos que reportavam a morte de milhares de
civis na guerra do Afeganistão em decorrência da ação de militares, além de outros crimes de
guerra que foram cometidos por tropas de diversas nacionalidades, em especial pelas forças
estadunidenses, durante a ocupação militar do país. No final do ano, telegramas confidenciais
enviados pelas embaixadas dos Estados Unidos ao governo do país também se tornaram
públicos através do site. Tais vazamentos tornaram a existência do Wikileaks um tanto quanto
desconfortável para o governo norte americano, que acabou por tentar retirar o site do ar.
Porém, devido à enorme quantidade de espelhamentos do Wikileaks em diversos servidores ao
redor do mundo, tornou-se difícil remover tais informações da Internet com simplicidade.
A forma encontrada pelo governo foi a de cortar o financiamento do Wikileaks e, em
dezembro de 2010, as empresas Amazon, Paypal, Bank of America, PostFinance, MasterCard
e Visa decidiram bloquear as transferências financeiras de doações feitas ao site (STRIKER,
2011, p. 255 e 256), cedendo à pressão do governo dos Estados Unidos. Em sinal de apoio ao
Wikileaks, usuários de internet que se intitulam Anonymous retiraram do ar o site da Master
Card e Visa no dia 8 de dezembro de 2010.
Assange foi tido por muitos como o “Robin Hood” do mundo moderno, que utiliza
técnicas criminosas como o “roubo” e vazamento de informações confidenciais para exercer a
transparência. Colocamos a palavra roubo entre aspas pelo fato de que podemos tratar como
roubo a cópia da informações, já que são imateriais.
Visto sob a ótica do protesto, o roubo merece um duplo interesse. O
interesse maior deve centrar-se na opinião corrente acerca do ladrão.
Ela é uniforme há vários séculos: os proprietários e os representantes
da respectiva ordem não fazem boa idéia dos ladrões. Os pobres e os
descontentes vêem os ladrões com certa compaixão, que expressa
aprovação ou rejeição no caso individual, mas quase sempre
reconhece o feito do roubo. (PROSS, 1997, p. 156)
83
Para os que se identificam com a causa, Julian Assange é um herói, enquanto que, para
o governo norte americano e seus aliados, Assange não passa de um criminoso que deveria
estar preso. Como questiona LEIGH: (2011, p. 16 e 23) “Messias da informação ou
ciberterrorista? Defensor da liberdade ou sociopata? Protetor da moral ou narcisista iludido?”.
Para o coletivo Anonymous, Assange era alguém muito próximo, pois havia emergido
também de uma cultura hacker.
Assim como Assange, outras formas de “roubo” e divulgação de informações, tratadas
agora como pirataria e quebra de patentes de direitos autorais, também receberam destaque na
mídia e passaram a ser combatidas com maior fervor, com a criação de leis mais severas que
oferecem maior controle ao governo sobre informações trafegadas na internet.
3.6 Protesto Anti-SOPA/PIPA
A Stop Online Piracy Act 59 (SOPA), de autoria de Lamar Smith e de um grupo
bipartidário com doze participantes, é um projeto de lei da Câmara dos Deputados dos
Estados Unidos que visa combater a pirataria na Internet60. O projeto amplia os meios legais
para que detentores de direitos autorais possam combater o tráfico online de propriedade
protegida e de artigos falsificados. E a Preventing Real Online Threats to Economic
Creativity and Theft of Intellectual Property Act of 2011 (PIPA), também conhecida como
Senate Bill 968 ou S. 968, é uma lei proposta para combater sites relacionados à pirataria,
principalmente os que se encontram hospedados fora dos Estados Unidos. O objetivo de
ambas é bem parecido e se focam na proteção de grandes empresas em relação aos direitos
autorais cabíveis a elas.
O problema é que tais projetos dão direitos ao governo americano para exercer de uma
maneira mais clara um controle mais severo à Internet. A estratégia é semelhante à utilizada
em países em regime de ditadura como a Síria e a China, alterando o funcionamento interno
da rede e exercendo um controle quase que total sobre o que se trafega. Dessa forma, a SOPA
e a PIPA podem servir como brecha para o governo americano introduzir uma série de abusos
e censuras.
59
60
Tradução livre: Lei de Combate à Pirataria Online.
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Stop_Online_Piracy_Act>. Acesso em 30 de abril de 2012.
84
Figura 18: If your governmente shuts down the Internet, keep calm and shut down you r government61.
A SOPA modifica toda a estrutura da Internet e sua relação com a lei 62, dando poder
total para gravadoras e detentoras de direitos autorais de remover qualquer página da Internet
hospedada fora dos Estados Unidos somente pela suspeita de quebra da “propriedade
intelectual americana”, podendo até mesmo obrigar empresas financeiras a cortarem o
fornecimento de recursos a sites ou empresas que sejam considerados como suspeitos de
infringir direitos autorais. Em reportagem, a revista Caros Amigos, afirma que “o SOPA é
uma afirmação do poder geopolítico dos EUA sobre a Internet” 63.
61
Tradução livre: Se o seu governo cortar a Internet, fique calmo e desligue o seu governo.
Disponível em <http://carosamigos.terra.com.br/index2/index.php/noticias/2426-sopa-e-pipa-o-imperiocontra-ataca>. Acesso em 1 de maio de 2012.
63
Ibdem.
62
85
O anúncio dos dois projetos de lei causou diversos protestos ao redor do mundo. No
dia 18 de janeiro de 2011 algumas das maiores páginas da Internet como Wikipedia, Google,
Mozilla e Wordpress, e algumas revistas e jornais, como a Wired, removeram seus sites do ar,
ou parte do conteúdo, como forma de protesto. O movimento ficou conhecido como “blackout
do dia 18/01”.
Figura 19: Página da revista Wired com manchetes e fotos com tarjas pretas simulando a censura.
86
Figura 20: Página inicial do Google com o logotipo encoberto e a mensagem:
“Please don’t censor the web!”64
Figura 21: Página da Wikipedia com a mensagem “Imagine a World Without Free Knowledge”65
64
65
Tradução livre: Por favor, não censure a web!
Tradução livre: Imagine um Mundo Sem Conhecimento Grátis.
87
O próprio autor da SOPA suspendeu o projeto em 20 de janeiro de 2012, mas, um dia
antes, a retirada do ar do principal site de compartilhamento de arquivos deu início àquilo que
se chamou de o início da Guerra do Copyright, que teve como vítima diversos sites de
compartilhamento de arquivos. Dentre os casos mais conhecidos, destaca-se o do
MegaUpload.
3.7 Operação MegaUpload #opMegaUpload
MegaUpload foi um serviço de hospedagem de arquivos que era responsável por
quase 4% de todo o tráfego da Internet, oferecido em 18 idiomas: alemão, árabe, chinês
(tradicional e simplificado), coreano, dinamarquês, espanhol, finlandês, francês, holandês,
inglês, italiano, japonês, polonês, português, russo, sueco, turco e vietnamita.
O serviço permitia que qualquer usuário pudesse enviar gratuitamente arquivos como
músicas, filmes, vídeos, arquivos de texto, entre outros, de maneira anônima. Depois do
upload, o usuário recebia uma URL exclusiva que permitia o download do arquivo por
terceiros. Se o arquivo não recebesse nenhum download em 21 dias, seria expirado
automaticamente.
No dia 19 de janeiro de 2012, o site MegaUpload foi bloqueado pelo FBI por violação
de direitos autorais e lavagem de dinheiro. Seu fundador e sete funcionários do site foram
presos e indiciados por violações de leis relacionadas à pirataria. A escolha por esse site, e
não por outros que ofereciam o mesmo serviço, como o HulkShare, MediaFire, YouSendIt ou
4shared, se deve ao fato de o MegaUpload ser globalmente o maior de todos, chegando à
marca de 50 milhões de visitantes diários 66.
66
Disponível em: <http://www.gizmodo.com.br/conteudo/por-que-fecharam-o-megaupload-e-por-que-agora/>.
Acesso em 30 de abril de 2012.
88
Figura 22: Imagem que ficou publicada no lugar do site MegaUpload após o bloqueio.
Logo após o bloqueio, diversos usuários se organizaram através do Twitter, Facebook
e outras redes sociais para o que seria, segundo eles próprios, “o maior ataque da história da
Internet”. Um ato de vingança contra todos aqueles que estivessem direta ou indiretamente
ligados à restrição ao MegaUpload. Desta forma, um grupo de usuários agindo em nome do
Coletivo elaborou uma extensa lista com sites que deveriam ser retirados do ar como forma de
apoio ao MegaUpload. Todas as ações deveriam ser assinadas como Anonymous para que o
coletivo fizesse efeito.
Dessa forma, nesse ataque, foram utilizados 27 mil computadores zumbis 67 para retirar
do ar diversos sites do governo dos EUA, do FBI, Departamento de Segurança, Universal
Music, entre outros. Todos os que estivem direta ou indiretamente ligados ao fechamento do
MegaUpload sofreriam retaliações por parte do Anonymous.
67
Disponível em <http://www.trezentos.blog.br/?p=6661>. Acesso em 30 de abril de 2012.
89
Figura 23: Fórum que lista todos os sites que seriam atacados na operação #OpMegaUpload
Outra forma de protesto utilizada foi feita no dia 23 de janeiro de 2012, quando um
grupo de hackers agindo como Anonymous disponibilizou para download gratuito de maneira
ilegal grande parte do acervo da Sony, com a discografia completa de diversos artistas e
alguns filmes da gravadora. Se o problema com o MegaUpload era justamente a questão da
pirataria, eles seriam atacados através da liberação ilegal de seus acervos.
O governo brasileiro, apesar de não ter nenhuma relação direta com o MegaUpload,
FBI ou órgãos de justiça norte-americanos, também sofreu represálias na #opMegaUpload.
90
Pelo menos uma centena de websites do Distrito Federal foram retirados do ar de acordo com
um documento assinado como Anonymous68. O objetivo foi mostrar apoio a um conflito
maior, que envolvia os usuários de Internet como o povo de um único país.
Por medo de sofrerem processos semelhantes aos que sofreu o MegaUpload, diversos
outros sites de compartilhamento de arquivo acabaram por fechar suas portas, ou alterar e
restringir os serviços prestados. Por exemplo, o Fileserve parou de compartilhar arquivos,
excluiu diversos arquivos, cancelou contas e agora permite que cada usuário somente possa
baixar arquivos que ele mesmo tenha enviado. O site Uploaded.to bloqueou todas as contas
quer pertencessem à usuários dos Estados Unidos. Outros sites como o Filesonic
simplesmente fecharam as portas 69.
3.8 Anonymous no Brasil
No Brasil, a #OpWeeksPayment, ou Operação Semana de Pagamento, com objetivos e
alvos nacionais, foi a ação atribuída ao Anonymous que mais recebeu destaque da mídia.
Dessa forma, durante a semana de pagamento de salário das principais empresas brasileiras,
cada um dos cinco principais bancos do país ficariam fora do ar durante um dia. Itaú,
Bradesco, Banco do Brasil e HBSC foram os alvos atacados com sucesso. O portal do Banco
Central, a autoridade monetária do país, chegou a apresentar instabilidade, mas resistiu aos
ataques, assim como os bancos Santander e Caixa Econômica Federal 70.
68
Disponível em: <http://pastebin.com/cujqqtcn>. Acesso em 30 de abril de 2012.
Disponível em: <http://lifehacker.com/5878480/the-state-of-filesharing-websites>. Acesso em 30 de abril de
2012.
70
Disponível em: <http://anonymousbrasil.com/opweekspayment-sexta-feira-anonymous-atacam-diversosbancos/>. Acesso em 30 de abril de 2012.
69
91
Figura 24: Através do Twitter um grupo anuncia que o site do Banco HSBC foi derrubado
Nenhum centavo ou informação sigilosa, como dados bancários ou senhas, foi
roubado. O objetivo da operação era causar transtorno para quem precisasse acessar o Internet
banking para executar operações bancárias através da Internet. Os bancos evitaram se
pronunciar e afirmaram que “sistemas 100% seguros são aqueles fora da tomada”71. Esse
episódio alertou grande parte dos utilizadores dos serviços de banco via Internet para a
fragilidade dos sistemas tidos como seguros e para a possibilidade de pequenos grupos, ou até
mesmo um único usuário, serem capaz de fazer um enorme estrago mesmo em uma grande
empresa.
Essa foi a primeira grande operação totalmente organizada e executada em nome de
Anonymous brasileiros e graças a ela diversos websites e contas em redes sociais foram
criados como sendo grupos Anonymous, como, por exemplo, o Anonymous Brasil72,
71
Disponível em: <http://tecnologia.terra.com.br/noticias/0,,OI5588632-EI12884,00Com+ataques+Anonymous+quer+atencao+pelo+amor+ou+pela+dor.html>. Acesso em 30 de abril de 2012.
72
Disponível em <http://anonymousbrasil.com/>. Acesso em 30 de abril de 2012.
92
Anonymous BH73, Anonymous SP74, Fórum Anonymous BR75, etc. Além disso, as mídias de
massa passaram a publicar mais notícias, artigos e reportagens sobre quem possivelmente
estaria por trás das máscaras.
Como um ciclo vicioso, quanto mais se fala de Anonymous, mais pessoas passam a
seguir e se identificar com a causa, gerando novas operações, manifestações e movimentos.
Agora todos poderiam protestar contra seus objetivos e atribuir a ação a um coletivo,
isentando-se de qualquer culpa individual. Novos ataques e novos protestos acabam por
abarrotar as páginas de jornais e revistas, as telas dos telejornais e rádios, saindo em definitivo
do ambiente restritivo da Internet.
Porém, ao citar Anonymous a mídia se utiliza sempre das mesmas imagens,
principalmente a das máscaras. Não importa onde seja a mobilização popular com uso da
máscara de Fawkes: as imagens utilizadas são fruto de bancos de imagens e nem sempre são
daquela determinada mobilização. Sempre que se fala em protesto organizado pela i nternet,
ou qualquer coisa associada à Anonymous, a imagem de pessoas nas ruas utilizando a
máscara de Fawkes ressurge.
O jornalismo, em busca constante pela imagem inusitada e com a
facilidade do acesso a bancos de imagens das agências
internacionais de notícias, repercute os protestos visualmente mais
atraentes. Se por um lado isso permite a uma sociedade
(consumidora de mídia) conhecer um pouco mais outra sociedade (a
produtora do protesto), nem sempre os códigos particulares àquela
comunidade são transparentes, e quanto não são, nem sempre há
uma preocupação da grande imprensa em decodifica-los. (PAIERO,
2005)
Para demonstrar isso, vejamos a imagem da France Presse de manifestantes que
usaram máscaras durante protesto contra eleições em Paris, utilizada para ilustrar duas
reportagens da UOL: “Manifestantes protestam contra "fantasia" das eleições na França” 76 e
também em outra intitulada “Anonymous reescreve cartilha hacktivista ao desafiar estrutura
de poder. Além do UOL, uma infinidade de websites também se utilizaram dessa mesma
imagem para ilustrar os mais variados assuntos referentes à Anonymous ou ao ciberativismo.
73
Disponível em <http://anonymousbh.tk/>. Acesso em 30 de abril de 2012.
Disponível em <http://anonymoussp.tk/>. Acesso em 30 de abril de 2012.
75
Disponível em <http://anonymousbr.umforum.net/>. Acesso em 30 de abril de 2012.
76
Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1079595-manifestantes-protestam-contra-fantasia-daseleicoes-na-franca.shtml>. Acesso em 10 de julho de 2012.
74
93
Figura 25: Manifestantes mascarados durante protesto contra eleições em Paris
Um outro exemplo foi retirado do portal de tecnologia “TecMundo”, onde uma mesma
imagem de um grupo de grupo de pessoas na rua com a máscara de Fawkes foi utilizado para
ilustrar notícias referentes à movimentos na Espanha (“Polícia Espanhola detem hackers do
Anonymous após ataque a Sony” 77), no México (“Cartel mexicano contrata hackers para
combater Anonymous”78), nos Estados Unidos (“Integrandes do ANonymous são presos pelo
FBI”79) e até mesmo no Brasil (“Anonymous divulga protestos par ao 7 de Setembro” 80).
77
Disponível em < http://www.tecmundo.com.br/10683-policia-espanhola-detem-hackers-do-anonymous-aposataque-a-sony.htm>. Acesso em 30 de março de 2013.
78
Disponível em <http://www.tecmundo.com.br/ataque-hacker/15080-cartel-mexicano-contrata-hackers-paracombater-anonymous.htm>. Acesso em 30 de março de 2013.
79
Disponível em < http://www.tecmundo.com.br/11730-integrantes-do-anonymous-sao-presos-pelo-fbi.htm>.
Acesso em 30 de março de 2013.
80
Disponível em <http://www.tecmundo.com.br/12497-anonymous-divulga-protestos-para-o-7-desetembro.htm>. Acesso em 30 de março de 2013.
94
Figura 26: A mesma foto de pessoas usando terno e a máscara de Fawkes sendo utilizada
para ilustrar diversas notícias.
3.9 Anonymous e os grupos hackers
Outra operação creditada ao coletivo e que obteve grande visibilidade midiática foi a
Operação AntiSec, contração de Anti Security (Anti-Segurança), como foi batizada, que visou
o ataque simultâneo a diversos sites governamentais em diferentes países. Sua execução foi
feita por um pequeno grupo de hackers, que já agiam em nome de Anonymous, chamado
LulzSec. Seu desenho era de um boneco do jogo Banco Imobiliário, com um monóculo e um
cigarro.
LulzSec foi um pequeno um grupo de hackers que se reuniu exclusivamente para
promover ataques mais agressivos a empresas e governos na internet. “Lulz” é uma variante
da sigla LOL, “laughing out loud”, algo como “rindo bem alto”; portanto, LulzSec seria algo
como “rindo bem alto da segurança”. O LulzSec foi o responsável por invadir o website do
Senado Americano e retirar do ar temporariamente o site público da Central Intelligence
Agency (CIA), a central de inteligência do governo norte-americano. Durante a mesma
operação, o Citibank, o segundo maior banco do país, teve 1% da base de dados de seus
clientes roubada por um grupo de cibercriminosos ainda não identificados 81. Isso foi mais do
81
Disponível em < http://tecnologia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2011/06/09/citigroup-diz-que-hackersacessaram-dados-de-milhares-de-clientes-norte-americanos.jhtm>. Acesso em 06 de julho de 2011.
95
que suficiente para toda a imprensa internacional saturar o tema e elaborar uma série
inesgotável de notícias sobre a operação. Jornais impressos, televisivos, radiofônicos e,
principalmente, digitais, estamparam nas suas manchetes que o caos virtual que estava se
formando e trazendo uma série de consequências ao “mundo real”.
Em diversos países do mundo foram nascendo “derivações” regionais de subgrupos
que passaram a agir agora em nome de LulzSec. No Brasil, um grupo que se intitulava como a
filial brasileira do Lulz, realizou uma operação que representou o maior ataque hacker da
história em volume de acessos feito a sites do governo, de acordo com o Serpro, Serviço de
Processamento de Dados 82. Sites como o da Presidência da República 83, Portal Brasil 84 e
Receita Federal 85, ficaram fora do ar por mais de uma hora no dia 22 de junho de 2011.
Segundo investigações da polícia brasileira, a maioria dos ataques veio de servidores
localizados na Itália, o que demonstra a união entre os usuários de internet de todo o mundo
para criar um ataque mundial em tempo real, graças, em grande parte, à grandes redes de
computadores zumbis espalhados pelo globo. No dia seguinte, uma nova série de ataques foi
feita ao site da Petrobrás 86 e do Ministério dos Esportes 87. Além disso, foram divulgadas
informações particulares da presidente Dilma Roussef e de Gilberto Kassab, prefeito de São
Paulo, completando a operação.
No dia 24 de junho, um grupo hacker denominado Fail Shell foi o responsável por
retirar do ar o site do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No lugar da
página inicial foi colocado um grande olho com a bandeira do Brasil e a seguinte mensagem:
“Entendam tais ataques como forma de protesto de um grupo nacionalista que deseja fazer do
Brasil um país melhor. Tenha orgulho de ser brasileiro, ame o país, só assim poderemos
evoluir!”88.
Durante todo o mês de junho, diversos ataques simultâneos foram feitos a governos de
todo o mundo. Foram ações tomadas em um tempo mundial, “TEMPO MUDIAL em que a
simultaneidade das ações logo supera seu caráter sucessório” (VIRILIO, 1999, p. 20). Sob a
luz de um “FALSO DIA produzido pela iluminação das telecomunicações, [onde] levanta-se
82
Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/poder/933841-ataque-a-sites-do-governo-foi-o-maior-jaregistrado-diz-serpro.shtml >. Acesso em 06 de julho de 2011.
83
Endereço eletrônico: http://www.presidencia.gov.br/. Acesso em 06 de julho de 2011.
84
Endereço eletrônico: http://www.brasil.gov.br/. Acesso em 06 de julho de 2011.
85
Endereço eletrônico: http://www.receita.fazenda.gov.br/. Acesso em 06 de julho de 2011.
86
Endereço eletrônico: http://www.petrobras.com.br/. Acesso em 06 de julho de 2011.
87
Endereço eletrônico: http://www.esporte.gov.br/. Acesso em 06 de julho de 2011.
88
Disponível em < http://tecnologia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2011/06/24/ibge-reconhece-acao-dehackers-e-tira-pagina-do-ar-para-manutencao.jhtm >. Acesso em 06 de julho de 2011.
96
um sol artificial, uma iluminação de emergência” (VIRILIO, 1999, p. 20). Não havia fuso
horário, os ataques simplesmente aconteciam através da rede mundial de computadores.
“Aqui, a expressão “tempo real” já não faz mais sentido para a humanidade, mas apenas para
as máquinas, hoje capazes de operar com tempos infinitamente grandes (quando dos cálculos
astronômicos)
e
infinitamente
pequenos
(quando
dos
processadores
eletrônicos)”
(PELEGRINI, 2008, p. 17).
Assim como no Brasil, em diversos outros países grupos se organizaram para agir
“localmente,” como a Inglaterra, Turquia, Vietnã, Malásia, Zimbábue, Itália, entre tantos
outros, que tiveram sites governamentais sob ataque durante todo aquele mês. Órgãos
internacionais, como FMI e a OTAN, também foram vítimas de ataques. O poder de fogo
demonstrado pelos grupos derivados de Anonymous e seus seguidores foi tamanho que a
própria Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) classificou em um de seus
relatórios89 o Anonymous como um grupo terrorista de extremo perigo para a sociedade.
Nesses “protestos”, diversos grupos de hackers agiam ou somente levavam crédito
pelas ações, que sempre se diziam em prol de Anonymous. Vários grupos hackers associaram
sua imagem a de Anonymous pelo fato de já estar em alta nos jornais e revistas, tornando
mais fácil obter atenção. Quando não o fazia, a própria imprensa era a responsável por essa
associação. Como no caso da Revista Época, que documentou toda a operação AntiSec,
número 684, de 27 de junho de 2011, com o título: “A guerra virtual começou”.
Na reportagem, a revista coloca o LulzSec como uma “estrela emergente no universo
hacker” (Revista Época, nº 684, p. 94), que deixou de existir exatamente 50 dias após o início
de suas ações, mesmo obtendo grande repercussão internacional. Enquanto em alta, diversas
ramificações do Lulz passaram a surgir em diversos países, como no caso do Brasil, com o
LulzSec Brasil. Porém, mesmo com seu fim, as ramificações permaneceram agindo, deixando
em dúvida a real ligação entre os subgrupos e o seu original. Todos queriam levar os créditos
pelas ações bem sucedidas.
89
Disponível em <http://www.nato-pa.int/default.asp?SHORTCUT=2443>. Acesso em 06 de julho de 2011.
97
Figuras 27 e 28: Capa da revista Época edição nº 684 e a primeira página
da reportagem “A Guerra Virtual Começou”
Apesar de a revista fazer apenas uma pequena referência sobre Anonymous,
considerando-o um grupo hacker que mais se destacam nos ataques acontecidos na época, o
fato do LulzSec agir de acordo com a ideologia do Anonymous acaba por associar o coletivo
à reportagem. Além disso, explica-se que, “apesar do evidente teor adolescente nas
manifestações, eles trazem um ingrediente novo para o universo hacker – a motivação
política”90.
Em agosto de 2011, a revista brasileira especializada em informática de maior
circulação, a Info Exame, publicou na capa de sua 306ª edição a máscara símbolo do Coletivo
Anonymous. No total, a publicação dedicou 20 páginas do seu conteúdo ao assunto na
tentativa de explicar uma possível guerra digital sem precedentes, onde “no intervalo de
pouco mais de dois meses, dezenas de sites de governos tiveram dados sigilosos roubados ou
foram tirados do ar pela ação de grupos hackers que se proclamam contra a corrupção e pela
liberdade da informação” 91. Diversas fotos produzidas em estúdio com pessoas utilizando a
máscara de Guy Fawkes foram utilizadas para ilustrar a matéria. Nelas, aparecem homens e
mulheres, de várias idades e etnias, utilizando os mais variados estilos de roupa, inclusive
90
91
Revista Época, edição nº 684, p. 96
Revista Info Exame, edição nº 306, p. 54
98
uma senhora aparentemente vestindo roupa de dormir, escondendo o rosto atrás da máscara,
na tentativa de demonstrar que todos poderiam ser Anonymous.
A reportagem diz que uma das primeiras aparições públicas do Anonymous foi em
2008, “quando o grupo resolveu implicar com os adeptos da Cientologia”. Mas, ainda de
acordo com a revista, as intenções do coletivo “não passavam de trollagem”, “internautas que
se ocupam de provocar e estimular o confronto apenas para ver o circo pegar fogo” 92. O foco
maior da revista se deu no fato de como o usuário comum, perfil padrão dos leitores da
publicação, poderia se defender mediante a existência dessa guerra. Afinal, “na guerra digital,
os hackers assumem os computadores de usuários da internet para ganhar poder de fogo. As
máquinas são comandadas à distância”93. Inclusive, foi publicada uma lista de dicas sobre
como o usuário de computadores poderia se proteger para não se tornar uma vítima do
cibercrime, sendo apresentados números para causar pânico entre os leitores, como o fato de
que 80% dos computadores pessoais no Brasil já terem sido vítimas de algum tipo de ameaça.
Além disso, o material tenta causar medo entre os leitores, quando diz que “com vírus,
cavalos de tróia, vermes, programas espiões e tantas outras denominações, seu computador
está em permanente perigo” 94, e mostra o lado comercial cibercriminalidade, uma atividade
milionária e profissional.
3.10
Anonymous e o ciberativismo em outras revistas
A revista Imprensa, focada em assuntos relacionados ao Jornalismo e a Comunicação,
abordou na capa de sua edição de março de 2011, sobre o fato das mídias estarem sendo
redirecionadas para o uso coletivo, criativo, político e cidadão 95. A publicação demonstra o
caso do Egito, onde o governo bloqueou o Twitter e o Facebook, cortou o sinal de TV e,
posteriormente, a internet, a fim de desmobilizar os protestos que estavam acontecendo nas
praças da cidade de Cairo. Porém, de nada adiantou, visto que as antenas parabólicas, muito
comuns por lá, permaneciam funcionando. “Povo e mídia, uni-vos”96, diz a reportagem que dá
exemplos de casos em que a repercussão da imprensa teve grande efeito popular, da Guerra
92
Ibidem, p.57.
Ibidem, p. 54
94
Ibidem, p. 59.
95
Revista Imprensa, edição nº 265, p. 66.
96
Ibidem, p. 66.
93
99
do Vietnã, nos Estados Unidos dos anos 60, passando pelo Impeachment do presidente Collor,
no Brasil em 1992, fechando com a Revolução de Jasmim, na Tunísia em 2011.
A revista Galileu, edição de número 247, de fevereiro de 2012, também aborda
assuntos relacionados ao ciberativismo com a capa “Faça sua revolução” e inclusive fornece
um “Guia Rápido da Persuasão”, dizendo como conseguir seguidores para uma causa
particular. A revista Carta Capital em sua edição de número 652, de 29 de junho de 2011,
também abordou o assunto trazendo em sua capa, a hashtag97 escrita “#protesto”. Dessa
forma, vemos claramente o interesse da imprensa hegemônica no assunto e na apropriação do
assunto sendo abordado de acordo com a linha editorial e a proposta da revista.
Figuras 29 e 30: Capa das revistas Imprensa e Galileu sobre revoluções
97
Hashtag é um termo oriundo do Twitter que designam o assunto que está sendo discutindo. Trata-se de
palavras-chave antecedidas pelo símbolo “#”.
100
Figura 31: Capa da revista Carta Capital sobre protestos organizados pela internet.
Por isso, independentemente da linha editorial da publicação, praticamente todos os
principais veículos de mídia do país e do mundo estavam falando, ou já haviam citado,
mesmo que indiretamente, o Coletivo Anonymous, afinal, a imagem e a simbologia já haviam
sido criadas. O ciberativismo estava em alta e a grande mídia se aproveitava para lucrar e
transmitir o seu discurso através de tudo aquilo que estava acontecendo. Por exemplo, a
revista Caros Amigos, que possui uma linha editorial de ser contrária ao capitalismo, afirma
que o Anonymous está justamente hackeando o Capitalismo. Ela se aproveita dos símbolos
associados ao coletivo para dizer em sua reportagem que “o Hacktivismo, como é chamado o
ativismo político através dos computadores, como o do Anonymous, é a resposta virtual às
tentativas de controle e vigilância e às barbáries promovidas pelo capital” ( Revista Caros
Amigos, nº 184, p. 39).
101
4
Considerações Finais
“Algumas coisas são eternas e imutáveis
por algum tempo.” (BYSTRINA)
A velocidade e a aceleração do tempo é uma das principais característica da mídia
terciária e foi atenuada no que se chamou de cibercultura. O cibermodismo lança tendências
que passam a ser eternas durante um curto período de tempo. Tudo na internet é eterno e
imutável por um tempo, um tempo que, muitas vezes, não nos damos conta de que acabou
antes mesmo de começar. Presentificamos o futuro, e vivemos nessa imagem de futuro
ultrapassado.
O Coletivo Anonymous foi algo que começou como uma ideia de um pequeno grupo
de usuários de internet, dentro do imageboard 4chan, que foi apropriado pela mídia. O que
começou como algo em busca de diversão, acabou se transformou na imagem de um enorme
coletivo ciberativista de cunho político.
Percebemos que, com o fato de a mídia ter tomado o Coletivo para si, atribuiu uma
série de características do filme V de Vingança, transmitindo uma nova experiência midiática
para quem quisesse fazer parte daquele coletivo. As pessoas iriam para as ruas protestar não
contra alguma coisa, mas para experimentar atuar como um personagem de um filme de
Hollywood.
Dessa forma, pudemos perceber o ciberativismo como, além de uma mera imagem do
ativismo, um discurso midiático, uma fantasia. A sincronização executada pela mídia gera,
acima de tudo, previsibilidiade. E toda previsibilidade gera controle. Tudo o que foi chamado
de protesto feito dentro da internet, ou ciberprotestos, não passam de meras imagens de
protesto que vão desaparecer antes de piscarmos e se, na pior das hipóteses, causarem
conseqüências indesejáveis ao mundo real, podem ser controlados apenas com o apertar de
um botão.
Por isso, não se pode tratar como ativista todos aqueles que mudam seus avatares ou
compartilham fotos relacionadas a protesto pelo simples fato de fazê-lo. No Facebook é
comum vermos uma infinidade de usuários postando mensagens de protesto em meio a
102
imagens de gatos ou outros assuntos banais, porém, nenhum deles levantará de sua cadeira
para levar o assunto a diante. Sob hipótese alguma isso pode ser considerado como protesto.
Trocar a foto do perfil de alguma rede social por uma máscara de Fawkes, ou postar
fotos com mensagens de protesto, pode até trazer um sentimento de dever cumprido, do “fiz
minha parte”; ao usuário, porém, não significa absolutamente nada, muito menos qualquer
envolvimento com causas ativistas.
Figura 32: Figura utilizada no Facebook por usuários que “querem o fim da corrupção” através do botão “curtir”
Clicar no botão curtir não é um protesto e não modificará em nada a realidade. O
único botão que realmente faz a diferença é aquele capaz de cortar a energia elétrica de uma
sociedade. Basta desligar um botão para que tudo se apague. Não existe nada mais fácil no
mundo do que destruir a internet.
Além disso, apesar de a internet parecer uma técnica que permite uma comunicação
mais livre, ela também acaba trazendo também um maior controle. É muito mais simples
controlar uma manifestação, independentemente de qual seja ela, através da internet do que
em uma praça pública.
103
Dessa forma, nos atentamos para o fato de que a forma como o Anonymous é
noticiado mais parece uma sedação social, uma possibilidade de controle. Essa imagem
midiática construída para o Anonymous que vemos hoje, mais se parece com uma
materialização do filme V de Vingança, sem os efeitos especiais de Hollywood. Fazer parte
de Anonymous torna o usuário de internet como ator do filme e lhe permite achar que toda e
qualquer ação que cometa na internet vai acabar modificando a realidade, o que não acontece.
“A construção midiática da realidade, a partir das quais cresce o entendimento, por
exemplo, de que só o global pode representar o local, só o futuro antecipado pode representar
o presente e só o virtual é realidade” (PELEGRINI, 2008, p. 25). Tudo o que vivemos é
mediado, por isso, a verdade torna-se relativa e a realidade subjetiva.
Dizem-se livres, mas todo e qualquer usuário da Internet está sob forte censura,
principalmente do ponto de vista comercial. A internet é panóptica. Tudo o que é feito dentro
da rede mundial de computadores deixa registro, não existe qualquer forma de anonimato. Por
isso, não se pode encarar a internet como a solução de todos os problemas já que ela somente
soluciona os problemas que ela mesma trouxe a sociedade.
Isso tornou-se mais claro no dia 26 de novembro de 2012 quando a ferramenta de
busca Google ficou fora do ar e instável por algumas horas. Os usuários de internet se
perderam em sua navegação cotidiana já que não podiam procurar no Google as respostas
daquilo que estava acontecendo com o próprio Google. Hoje, os mecanismos de busca,
principalmente o Google, funcionam como uma espécie de deus: é onipresente e parece
possuir, dentro de si, “todo o conhecimento da humanidade”. “A internet e sua feição
dromocrática se fazem por meio de incorporação da onipotência do poder dromocrático”
(MIKLOS, 2012, p. 79).
Google é a coisa provada científicamente mais próxima da
onisciência, ao indexar 9,5 bilhões de documentos on line; Google é
onipresente, você consegue acessar de qualquer lugar; Google
responde às suas dúvidas; Google é imortal. Não é orgânico, seu
algoritmo pode sobreviver por séculos, apenas mudando de
servidores; Google é infinito. Pode crescer infinitamente, apenas
ligando mais computadores a ele; Google lembra-se de tudo e de
todos. Suas opiniões expressadas na internet, pode vir parar dentro
do Google e serem lembradas para sempre; Google é benevolente.
Faz parte da filosofia da empresa fazer dinheiro sem praticar atos
danosos; O nome “Google” é mais procurado pela humanidade que
os termos “Deus”, “Jesus”, “Buda”, “Alah”, “Criatianismo”,
104
“Islamismo”, “Judaísmo”, juntos; É abudante as evidências que
Google existe.98 (Apud MIKLOS, 2012, p. 86).
Apesar de ser tão grande, a força de mobilização da internet ainda é muito pequena se
comparada com a da televisão. As mobilizações somente ocorrem em grande escala quando
disseminada através de dispositivos do século XX, pré-internet. São infinitas as manifestações
que se organizam na internet para tomar as ruas e milhares de pessoas confirmam presença
através das redes sociais. Porém, quando chega o dia da mobilização, o que realmente aparece
não passam de dezenas, sendo que, desses, uma grande parte são curiosos.
O Coletivo Anonymous não é anônimo, já que toda a tentativa que se vê no grupo é a
de se criar justamente uma identidade. Quando todos passam a utilizar a máscara de Guy
Fawkes para fazer parte do grupo, deixam de lado sua identidade e passam a vestir uma nova
personalidade no lugar de sua própria. Anonimato é justamente o oposto, quando cada um
mantém a sua identidade e todos assumem uma mesma postura.
Notícias de que os Anonymous são contra a mídia são tão contraditórias quando a
adoção da máscara de Fawkes como símbolo. Em primeiro lugar porque não faz sentido um
grupo criticar a liberdade de expressão e também criticar um grupo de mídia, sendo o mesmo
que tentar estabelecer uma censura. Depois, utilizar a máscara do filme V de Vingança, que já
deixou de ser do Guy Fawkes, envolve pagar créditos de direitos autorais à Time Warner.
Até o presente momento constatamos que aconteceu com a
cibercultura o mesmo que ocorreu com a modernidade: a promessa
de liberdade submeteu-se à onipotência do capital. Dessa maneira, a
promessa da cidadania democrática que exige que os cidadãos
estejam informados para que possam opinar e intervir politicamente
transformou-se em mercadoria subordinada aos interesses do grande
capital presente na mídia. (MIKLOS, 2012, p. 106)
Ratificando, o Anonymous, como é midiatizado hoje, é uma imagem meticulosamente
construída pela mídia. E essa imagem ainda continua sendo desenvolvida e readaptada de
acordo com as necessidades midiáticas. Publicações de cunho político de esquerda, colocam
Anonymous como um grupo contra o capitalismo, tal que o discurso midiático sempre
utilizar-se-á dessa imagem do ciberativismo contra seus próprios demônios.
Porém, nada pode ser comparado à ciberguerra citada por VIRILIO (2000). Vende-se
uma guerra que não existe, pelo menos não da maneira como é exposto pela mídia
98
Disponível em: <http://www.blog.ljunior.com/o-google-e-Deus/>. Acesso em 20 de fevereiro de 2009.
105
hegemônica. O que VIRILIO (2000) chamou de ciberguerra não tem qualquer relação com o
que é associado ao Coletivo Anonymous pelas mídias de massa. A real guerra está na
Deepweb, nas camadas mais baixas, onde poucos tem acesso, e que somente se tornará
pública quando estiver na iminência de eclodir.
106
5
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