PROCESSAMENTO DE POLIETILENO DE ULTRA-ALTA
MASSA MOLAR (PEUAMM) POR MOAGEM DE ALTA
ENERGIA
Melina C. Gabriel1*, Luciana B. Mendes1, Benjamim M. Carvalho1, Luís A. Pinheiro1, José D. T. Capocchi2,
Evaldo T. Kubaski2, Osvaldo M. Cintho1
1*
Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG – Ponta Grossa-PR – [email protected]
2
Universidade de São Paulo – USP – São Paulo-SP
O polietileno de ultra-alta massa molar (PEUAMM) é um polietileno de cadeia muito longa, o que lhe proporciona
características peculiares de grande interesse tecnológico, porém, dificulta muito seu processamento devido à alta
viscosidade do fundido. Muitos estudos buscam encontrar meios de facilitar seu processamento. A moagem de alta
energia vem sendo estudada recentemente para materiais poliméricos e notou-se que ocorrem mudanças físicas e
químicas no material após processado por essa técnica. Sendo assim, PEUAMM em pó foi processado em moinhos de
alta energia do tipo SPEX, attritor e planetário, variando-se tempo de moagem. As temperaturas de moagem foram
medidas. O material foi caracterizado por MEV, DSC e DRX, e foi feita a deconvolução dos difratogramas de raios x.
Assim, pôde-se observar que o material processado em moinho attritor proporcionou maior transformação da fase
ortorrômbica para monoclínica, provavelmente devido a ter apresentado a menor temperatura de moagem entre os três
tipos de moinhos e por proporcionar forças de cisalhamento durante a moagem.
Palavras-chave: Polietileno de ultra-alta massa molar, moagem de alta energia, difração de raios X, deconvolução.
High energy mechanical milling of ultra-high molecular weight polyethylene (UHMWPE)
Ultra-high molecular weight polyethylene (UHMWPE) is a polyethylene with a very long chain, which provides
excellent features, but makes the processing difficult due to high melt viscosity. Many studies intend to found out
means to make its processing easier. Recently, the high energy mechanical milling has been used for polymeric
materials and it was detected that physical and chemical changes occur during milling. In such case, powder of
UHMWPE was milled in three types of mills: SPEX, attritor e planetary, in different times of milling. The milling
temperatures were measured during processing. The polymer was characterized by SEM, DSC and XRD, and the
deconvolution of x-ray difratograms was made. Thus, it was observed that the material processed in attritor mill showed
larger phase transformation from orthorhombic to monoclinic. This is most likely due to the smaller milling temperature
of attritor mill when compared with the other two mills and the high shear force generated during milling.
Keywords: Ultra-high molecular weight polyethylene, high energy mechanical milling, x-ray diffraction,
deconvolution.
Introdução
O polietileno de ultra-alta massa molar (PEUAMM) é uma resina de polietileno linear que
possui um alto grau de polimerização. Sua massa molar elevada (de 3 a 8x106 g/mol) é
aproximadamente dez vezes maior que a do polietileno de alta densidade (PEAD) 1.
O PEUAMM possui as maiores resistências à abrasão e ao impacto do que qualquer outro
polímero. Além disso, apresenta baixo coeficiente de fricção, fornecendo-lhe característica de
autolubrificação. Seu coeficiente de fricção é significativamente mais baixo que do aço e da maioria
dos materiais plásticos. Somando-se a todas essas características, o PEUAMM não absorve
umidade, possui alta resistência química, é fisiologicamente neutro e resistente à corrosão. Sua
cristalinidade gira em torno de 45% 1.
Apesar de tantas qualidades, o PEUAMM, devido a sua massa molar muito elevada e a sua
alta viscosidade, não pode ser processado pelas técnicas convencionais (extrusão e injeção, por
exemplo). Os métodos mais comuns para sua fabricação são a extrusão RAM e a moldagem por
compressão. A fim de se estudar outro meio de processamento do PEUAMM, propõe-se no presente
trabalho a moagem de alta energia e o estudo das conseqüentes modificações estruturais no material
provocadas por esse método.
A moagem de alta energia é uma técnica de processamento que utiliza o material em forma de
pó, permitindo a formação de materiais homogêneos a partir da mistura dos pós das substâncias
elementares. Essa técnica envolve repetições de soldagem, fratura e ressoldagem das partículas do
pó em moinho de alta energia 2. Essa técnica é largamente estudada na formação de sistemas
metálicos, mas recentemente tem sido estudada na formação de blendas poliméricas, como
mostraram Smith et al. 3,4, pois acredita-se formar radicais livres durante o processo através da cisão
das cadeias e abstenção de hidrogênios, o que auxilia a miscibilidade de polímeros inicialmente
imiscíveis.
Castricum et al.
5
investigaram possíveis mudanças físicas e químicas no polietileno glicol
após moagem de alta energia e observaram que, à medida que se aumentou o tempo de moagem,
aumentou também a porção de fase monoclínica em relação à ortorrômbica no material.
Os polietilenos em geral são semicristalinos e apresentam dois tipos principais de células
unitárias: ortorrômbica e monoclínica. A ortorrômbica é a mais comum, sendo caracterizada por um
paralelepípedo de dimensões diferentes e ângulos de 90° entre as faces 6. A monoclínica é uma fase
metaestável formada sob condições de elongação e deformação da célula ortorrômbica 7-11. Ela pode
estar presente em pequenas quantidades, em torno de 5 a 10 %, em polietilenos comerciais
9, 11
.
Temperaturas acima de 60-70°C provocam sua reversão para a forma ortorrômbica. A fase
monoclínica pode estar presente em grânulos nascentes de PEUAMM devido à expansão durante o
processo de polimerização 6.
A transformação de fase de polietilenos foi estudada por Kiho et al.
Seto et al.
10
8
e posteriormente por
, que sugeriram que a transformação de fase é um dos modos mais importantes de
deformação e que, sob certas condições, ela se sobrepõe a outros processos de deformação. Os
autores sugerem que a fase monoclínica seria produzida a partir da ortorrômbica por uma
transformação de fase envolvendo um processo sem difusão similar a maclagem em metais.
Na fase monoclínica, há três planos densamente empacotados. O mais denso é o plano (001).
A difração do plano (001) monoclínico é a mais evidente e corresponde a um espaçamento de
aproximadamente 4,55 Å
7,10,11
, que aparece como um pico em difratogramas de raios x em
Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009
aproximadamente 19,4°, considerando radiação com comprimento de onda de 0,1541 nm (CuKα)
11
.
As difrações mais evidentes da fase ortorrômbica são em aproximadamente 21,5°,
correspondendo ao plano (110) e espaçamento interplanar de 4,13 Å, e em 23,9°, correspondendo
ao plano (200) e espaçamento interplanar 3,72 Å 11.
Experimental
Moagem de alta energia
Foram usados dois tipos de PEUAMM em pó da Braskem: UTEC® 3040 e UTEC® 4040,
denominados P3 e P4 respectivamente. Na ordem, suas massas molares são 3 e 4,5 · 106 g/mol.
Primeiramente, foi realizada a moagem de alta energia da seguinte forma: i) o polímero P4 foi
processado em moinho SPEX (8000 mixer/mill, CertiPrep) com poder de moagem de 7:1 (massa do
pó de 2,98 g) por 1, 4, 8 e 16 horas; ii) o polímero P3 foi processado em moinho planetário
(Pulverisette 6, Fritsch) com velocidade de rotação de 400 rpm e poder de moagem de 20:1 (massa
do pó de 20 g) por 1, 2, 4, 8, 16 e 24 horas; iii) o polímero P4 foi processado em moinho do tipo
attritor (01HD, Union Process) com sistema de refrigeração a água, velocidade de rotação de 500
rpm e poder de moagem de 40:1 (massa de material de 50 g) por 5, 8, 10 e 15 horas. Foram medidas
as temperaturas de moagem da seguinte forma: a) SPEX: foi utilizado um termopar do tipo K
colocado na parte inferior externa do jarro de moagem e leitura foi feita a cada 1 segundo por um
multímetro digital (ET-2615, Minipa) até a estabilização da temperatura. Essa mesma técnica já foi
reportada anteriormente por Atzmon
12
e Takacs e McHenry
13
; b) planetário: sistema de medição
GTM, para o monitoramento contínuo durante o processamento, da pressão do gás e da temperatura
no interior do vaso da moagem por meio de tampa de jarro especial com transmissores embutidos
de temperatura e pressão por rádio-frequência, receptor externo com interface RS232 para conexão
ao computador; c) attritor: imediatamente após desligado o moinho, o jarro de moagem foi aberto e,
em seu interior, foi introduzido um termopar do tipo K. A leitura da temperatura foi feita por
multímetro digital (ET-2615, Minipa). Segundo Kwon et al.
14
, quando o moinho é desligado, há
redistribuição do calor entre o jarro e os meios de moagem, mas o calor total acumulado se mantém
o mesmo durante aproximadamente 30 segundos.
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Caracterizações
Foram feitas as seguintes caracterizações das amostras: 1) MEV, microscopia eletrônica de
varredura (SSX-500, Shimadzu) por elétrons secundários; 2) DSC, calorimetria exploratória
diferencial (DSC-60, Shimadzu) com taxa de aquecimento de 10°/min da temperatura ambiente
(Tamb) até 200°C, permanecendo por 5 minutos nessa temperatura e, posteriormente, resfriamento a
5°C/min até Tamb, e 3) DRX, difração de raios X (XRD-6000, Shimadzu) usando radiação de CuKα
e varredura de 1°/min em modo contínuo. A deconvolução dos picos dos difratogramas foi realizada
por software utilizando-se função gaussiana.
Resultados e Discussão
Figura 1 – Micrografia do polímero P4 sem moagem.
Figura 2 – Micrografia do polímero P3 processado por 8 horas em
moinho planetário.
Figura 3 – Micrografia do polímero P4 processado por 8 horas em
moinho SPEX.
Figura 4 – Micrografia do polímero P4 processado por 8 horas em
moinho attritor.
A Figura 1 representa a micrografia de MEV para o PEUAMM P4 sem moagem. São
observadas partículas arredondadas, com aspecto de pequenos aglomerados. As Figuras 2, 3 e 4
mostram as micrografias do PEUAMM processado em moinho planetário, SPEX e attritor,
respectivamente. Essas micrografias são referentes a moagens realizadas durante 8 horas. As
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partículas de PEUAMM após moagem apresentam formato achatado, com a aparência de pequenas
lâminas. Isso se deve aos choques sucessivos das amostras com os meios de moagem. Nota-se que a
amostra processada em moinho SPEX (Figura 3) apresenta bordas mais “quebradas” e a amostra
processada em moinho planetário (Figura 2) parece ser a que menos sofreu modificações
morfológicas provocadas pela moagem. Esses resultados estão de acordo com Suryanarayana 2, que
mostra que o moinho SPEX é o mais energético, enquanto o planetário é considerado o de menor
energia.
A Figura 5 mostra os difratogramas de raios x do PEUAMM P4 que não sofreu processo de
moagem e do material processado em moinho planetário, SPEX e attritor por 8 horas. Observa-se
que, no material não processado, o difratograma apresenta dois picos mais evidentes (em
aproximadamente 21,5 e 24°) relacionados à fase ortorrômbica. A moagem no attritor, no entanto,
proporcionou o aparecimento de um terceiro pico muito evidente, em aproximadamente 19,5°,
referente à fase monoclínica. Para a amostra processada em moinho SPEX não houve evidência tão
clara do pico monoclínico e para a amostra processada no moinho planetário há pequena formação
dessa fase, como mostra o pequeno pico no difratograma.
Intensidade
P4 sem moagem
Planetário 8h
SPEX 8h
Attritor 8h
15
18
21
24
27
30
Ângulo (2θ)
Figura 5 – Difratograma de raios x para o PEUAMM: P4 sem moagem e material processado em moinhos planetário, SPEX e attritor por 8 horas.
Após feita a análise de DSC, foi possível a determinação da porcentagem de fase cristalina
(consequentemente, de fase amorfa) pela comparação do calor de fusão da amostra com o calor de
fusão do polietileno completamente cristalino (considerado 69 cal/g
6
). Esses valores são
apresentados na tabela 1, que mostra também os valores de calor de fusão calculados por DSC e as
porcentagens de cada fase por deconvolução dos difratogramas de raios x.
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Tabela 1 – Dados do polímero P4 sem moagem e do material processado por moagem de alta energia em moinhos planetário, SPEX e attritor.
ΔHf (cal/g)
48
41
48
39
47
34
47
35
35
33
33
43
35
43
38
Moagem
P4 Sem moagem
SPEX P4 – 1h
SPEX P4 – 4h
SPEX P4 – 8h
SPEX P4 – 16h
Planetário P3 – 1h
Planetário P3 – 2h
Planetário P3 – 4h
Planetário P3 – 8h
Planetário P3 – 16h
Planetário P3 – 24h
Attritor P4 – 5h
Attritor P4 – 8h
Attritor P4 – 10h
Attritor P4 – 15h
% AMC
30
41
30
43
32
51
32
49
49
52
52
38
49
38
45
%AMD
30
40
30
43
32
52
33
50
49
50
52
38
47
38
44
% MC
0
6
9
1
6
0
5
3
4
1
3
26
19
26
23
%OR
70
54
61
56
62
48
62
47
47
49
45
36
34
36
33
ΔHf: calor de fusão; %AMC: porcentagem de fase amorfa por DSC; %AMD: porcentagem de fase amorfa por deconvolução; %MC: porcentagem de
fase monoclínica; %OR: porcentagem de fase ortorrômbica.
A separação dos picos pôde ser realizada sabendo-se a localização dos picos cristalinos no
difratograma e a proporção de fase amorfa do material, para se determinar o halo amorfo. Dessa
forma, tem-se essa representação na Figura 6, que corresponde ao material processado em moinho
attritor por 8 horas. Observam-se três picos característicos do polietileno, referentes às fases
monoclínica e ortorrômbica, e o halo amorfo. A proporção de cada fase, mostrada na Tabela 1, foi
calculada pela proporção de área dos picos referentes a uma mesma fase em relação à área total do
difratograma.
14000
Difratograma original
Soma dos picos
Pico monoclínico
Halo amorfo
Pico ortorrômbico
Pico ortorrômbico
12000
Intensidade
10000
8000
6000
4000
2000
0
15
18
21
24
27
30
Ângulo (2θ)
Figura 6 – Deconvolução do difratograma de raios x do material processado em moinho attritor por 8 horas.
Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009
Como pode ser observado na Tabela 1, a moagem em moinho attritor proporcionou
transformação de fase muito maior do que as moagens em SPEX e planetário, para todos os tempos
de moagem. Isso pode ser explicado pelo resultado de medida de temperatura de processamento. O
moinho attritor é refrigerado por água, enquanto os outros moinhos foram utilizados sem nenhum
sistema de refrigeração. Assim, a temperatura total alcançada na moagem com o attritor resultou
menor, chegando a 42 °C. Para moinhos SPEX e planetário foram alcançados 51 e 58,5 °C,
respectivamente. Todas as medidas de temperatura são indiretas, uma vez que a temperatura no
momento do impacto dos meios de moagem (duração de microssegundos) é muito mais alta
Segundo Tacaks e McHenry
13
15
.
, a temperatura final atingida é realmente maior em moinho
planetário do que em SPEX, devido a colisões mais oblíquas e fricção. A presença do pó dentro do
jarro de moagem diminui a energia dissipada, uma vez que muda as condições de elasticidade das
colisões e o movimento dos meios de moagem
13,16
. O pó polimérico também amortece o impacto
entre os meios de moagem. Sendo assim, a maior quantidade de pó e de meios de moagem e o
sistema de resfriamento proporcionaram menor temperatura total, que, juntamente com a força de
cisalhamento gerada, induziram à maior transformação de fase no polietileno de ultra-alta massa
molar após processamento no moinho attritor.
Conclusões
A moagem de alta energia provocou no polietileno de ultra-alta massa molar mudanças
morfológicas que variaram conforme o tipo de moinho. As partículas do pó, que anteriormente
possuíam formato mais arredondado, tornaram-se achatadas após moagem. Além disso, o processo
proporcionou o aparecimento de um pico nos difratogramas de raios x em aproximadamente 19,5 °
(para radiação de CuKα) para algumas condições. Esse pico é referente à fase cristalina
monoclínica, que aparece no polietileno após aplicação de uma força externa, como estiramento,
pressão ou cisalhamento, que promove a transformação a partir da fase ortorrômbica. A maior
transformação de fase ocorreu para o polímero processado em moinho attritor, provavelmente
devido a movimentos dos meios de moagem que geram forças de cisalhamento mais intensas e à
menor temperatura total atingida no processo, quando comparado aos moinhos SPEX e planetário.
Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009
Agradecimentos
Agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), à Fundação Araucária, à Universidade de Ponta Grossa (UEPG) e à Universidade de São
Paulo (USP).
Referências Bibliográficas
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