Como chegar à mente do
consumidor
Especialistas explicam como funciona a neurociência ligada ao marketing: emoções
dominam lado racional na hora de decidir por um produto; outros profissionais
consideram o neuromarketing algo fora da realidade
Se no passado, a prioridade era realizar as tradicionais pesquisas para
diagnosticar as preferências do consumidor, hoje, com os avanços
tecnológicos e atenção maior às emoções, a tendência, para muitos
especialistas, é outra.
Em breve, haverá muito mais empresas alocando laboratórios de neuromarketing,
como já fazem algumas multinacionais de bens de consumo e tecnologia, para
entender o funcionamento da mente. Este entendimento vai desde as primeiras
percepções até a tomada de decisão por determinado bem ou serviço. Por outro lado,
há ainda profissionais que veem a ‘neurociência ligada ao marketing’ mais como
ficção científica do que realidade.
No livro ‘Por Dentro da Mente do Consumidor’, o autor Philip Graves desvaloriza
a importância das pesquisas, caracterizadas por ele como ‘falsa
ciência’. Primeiro, porque muitas pessoas, segundo o especialista, não fazem o que
respondem nos questionários. Depois, porque os dados refletem o retrato de um
momento, ou seja, de um determinado grupo conforme as perguntas abordadas.
“Muito tem se falado e comentado a respeito desta nova ciência, o neuromarketing.
Não diria que as pesquisas convencionais devem ser criticadas ou deixadas de lado,
porém concordo que entender o consumidor é hoje um desafio e necessidade
para qualquer empresa que queira sobreviver no mercado. Perguntar ao
consumidor o que ele deseja pode ser perigoso, mas as pesquisas servem para
indicar caminhos e minimizar erros. Acredito que as novas metodologias e técnicas
utilizadas agregam muito”, diz o publicitário Richard Vinic, coordenador dos
cursos de pós-graduação de Administração de Marketing, Gestão em Marketing
de Serviços e Gestão em Vendas e Negociação da FAAP (Fundação Armando
Alvares Penteado).
Segundo o professor, é importante não descartar modelos de pesquisa, cujo segredo
é a interpretação dos dados coletados. “Não serei taxativo a ponto de afirmar
(desqualificando) a importância das pesquisas convencionais”, diz. “Me identifico
muito com os conceitos de neuromarketing. Entendo que seja uma realidade e não
apenas uma moda. Cada vez mais teremos que ser multidisciplinares para fazer
corretas leituras sobre o comportamento do consumidor: psicologia,
antropologia e neurociência. Todas estas áreas do conhecimento darão uma
importante contribuição”, complementa.
Estudos publicados pelo autor Martin Lindstrom, em ‘A Lógica do Consumo’, indicam
que mais de 80% das compras são emocionais. Perguntar ao cliente o que ele quer
retrata o momento e nem sempre a resposta efetivamente resulta em comportamento.
“Acredito que, em breve, teremos mais empresas utilizando estas técnicas, inclusive
com a alocação de laboratórios de neuromarketing. Algumas instituições de ensino e
de pesquisa também tendem a adotar estas práticas”, afirma Richard.
Duas mentes
O consumidor lida o tempo todo com suas mentes para fazer escolhas, para tomar
decisões ou construir significados: uma que pensa (lógica) e outra que sente
(emocional). “E entre a decisão racional e a emocional, a segunda toma sempre a
dianteira, pois somos movidos por emoção. As emoções alimentam a mente
racional, que assume o papel de refletir e ajustar a frequência das emoções. Em
síntese as duas operam de maneira integrada”, explica a especialista em Criatividade
e Comportamento nas empresas, Fátima Jinnyat, professora dos programas de PósGraduação e MBA da FIA, FAAP e Unifesp.
Para exemplificar, Fátima recorda a história real de Phineas Gage, ferroviário
australiano que viveu no século 19, apresentada no livro ‘O Erro de Descartes’, do
neurocientista Antonio Damásio. Em 1848, tentando colocar explosivos com uma
barra de ferro, processo que usava rotineiramente, algo deu errado e uma explosão
fez com que a barra de ferro atravessasse a cabeça dele, ocasionando a perda de um
dos olhos.
Surpreendentemente, Phineas sobreviveu e, a não ser pela deficiência visual, estava
aparentemente normal e lúcido. Mas a personalidade do australiano foi mudando e se
era conhecido como um homem trabalhador, educado e responsável, passou a
destratar as pessoas e não avaliar as consequências de seus atos. Foi afastado do
trabalho e morreu pobre uma década depois.
“Seu caso foi estudado pelos médicos, que notaram que uma área do seu cérebro
ligada ao processamento das emoções havia sido comprometida. Este estudo foi
considerado um marco para o entendimento da influência das emoções sobre a
tomada de decisão, pois na falta delas a racionalidade fica à deriva. Associando este
conhecimento à experiência do consumo, escolhemos marcas ou produtos que, de
alguma maneira, acionam nossas melhores memórias emocionais”, explica.
O avanço dos últimos anos no estudo da neurociência permitiu comprovar,
entre outras questões, que a maior parte das atitudes do consumidor tem
origem na mente inconsciente. Nela, que possui capacidade ilimitada de
armazenamento, também está a memória de longo prazo.
Mas é fato que os consumidores justificam suas escolhas de modo racional. “Comprei
esta marca de leite porque estava na promoção, este sabão em pó que lava melhor
que os outros, reservei a pousada com diária mais em conta, mas, na verdade, nem
eles têm acesso aos reais motivos que os direcionam para esta ou aquela escolha.A
verdadeira motivação está guardada na mente inconsciente e somente se revela
quando estimulada”, explica Fátima.
O advento da tecnologia ajudou a entender este processo, pois hoje é possível
mapear o cérebro no momento exato em que um produto é escolhido, identificando a
área cerebral onde ocorreu o estímulo. A leitura destas informações permite
compreender a motivação real, muitas vezes irracional. De acordo com a
especialista, há alguns tipos de aparelhos que rastreiam o cérebro, como os de
Imagem por Ressonância Magnética, permitindo, por exempo, dizer onde
acontece atividade cerebral quando assistimos a um filme publicitário,
degustamos um produto, fazemos um test drive, degustamos um vinho, entre
outras situações.
“Vários exemplos de empresas que se valem do neuromarketing são citados no livro
‘A Lógica do Consumo’. Um deles é a DaimlerChrysler, que usou a ressonância
magnética na mente de alguns consumidores mostrando modelos de Mini
Coopers. Os especialistas perceberam que as pessoas, ao observarem a imagem
do automóvel, tinham ativada uma pequena região na área posterior do cérebro
que reage a feições faciais.
A leitura feita a partir desta constatação revelou que, mais do que os atributos
técnicos do modelo, o que cativou aquele público foi a associação com um rosto
adorável de uma criança. Na descrição destes consumidores, o Mini Cooper era
relacionado a ‘um Bambi sobre quatro rodas ou um Pikachu com cano de descarga’. E
parece que tinham razão. Faça um teste, procure uma imagem do Mini Cooper, de
preferência vermelho e busque o carro do Pato Donald. Em seguida, reflita sobre as
boas lembranças possíveis de serem associadas ao modelo”, recomenda Fátima.
A neurociência, segundo ela, será de grande valia, não para acelerar ou intensificar o
consumo, mas para que as empresas criem produtos mais adequados, entendendo o
que acontece na mente do consumidor. “É importante registrar a existência de
uma preocupação ética sobre a utilização das descobertas da neurociência,
considerando que já existem até armas de destruição em massa originadas por
esta ciência.”
O consumidor é o homem contemporâneo, influenciado pelos desafios desta época de
mutação, convivendo com os avanços e os retrocessos, muitas vezes sem estar
consciente deles. As pessoas, de acordo com a professora, criam seus significados
para os valores das marcas, pois misturam as mensagens com suas próprias
emoções. “Mais importante para os consumidores são os benefícios emocionais:
valores, caráter, personalidade. Eles esperam que a marca ou produto contribua para
a evolução de sua identidade.”
Ficção x realidade
Para o publicitário e jornalista João José Werzbitzki, consultor de comunicação de
marketing, master of arts/communications e responsável pelo Blog do JJ, de Curitiba,
é necessário fazer uma outra análise.
“Penso que o neuromarketing ainda é muito mais ficção científica do que
realidade. Me parece impossível enquadrar todas as pessoas de acordo com os
pensamentos de cada uma, mesmo que se analisem as reações cerebrais a cada
tipo de comando. Quem estuda o comportamento do consumidor e a opinião pública
sabe que não existem duas pessoas no mundo que pensem igual, que tenham a
mesma opinião ou percepção sobre todos os assuntos. E que não existe opinião
imutável. Assim como sabe que as opiniões são formadas tanto pelo que uma pessoa
sabe, como pelo que ela não sabe”, afirma JJ.
“Na medida em que novas informações e experiências são acrescentadas ao cérebro
ele as processa e muda ou não de opinião. Este é o nosso trabalho, com a
publicidade, por exemplo: conservar pensamentos, opiniões e percepções favoráveis,
neutralizar as desfavoráveis e conquistar as latentes ou não formadas. Assim, como
nenhuma comunicação serve para todo mundo, me parece óbvio que nenhum perfil
de comportamento neurológico serve. Mas tem rendido este assunto”, completa JJ.
Portal HSM
04/07/2011
www.jinnyat.com.br
Download

Como chegar à mente do consumidor