APRENDIZAGEM INDIVIDUAL: UM OLHAR SOBRE GESTORES ACADÊMICOS Cristiane Gomes de Carvalho Fontana Universidade Presbiteriana Mackenzie Resumo O presente estudo tem como objetivo identificar e analisar os processos de aprendizagem individual a partir de relatos de dois gestores acadêmicos de diferentes instituições de ensino superior. A análise dos dados, coletados através de entrevista semi-estruturada, foi realizada utilizando como referência a teoria da Aprendizagem Experiencial, que tem como essência a importância da experiência no processo de aprendizagem (KOLB, 1984). Além disso, a teoria da Aprendizagem Conversacional do mesmo autor, subsidiou algumas das análises apresentadas. Palavras-chave: aprendizagem individual, gestor acadêmico, aprendizagem experiencial, aprendizagem conversacional. Abstract This study aims to identify and analyze the processes of individual learning from reports of two managers from different academic institutions of higher education. The analysis of data collected through semi-structured interview was conducted using as reference the theory of Experiential Learning, which is essentially the importance of experience in the learning process (KOLB, 1984). Moreover, the theory of Learning Conversational the same author, subsidized some of the analysis presented. Key words: individual learning, academic manager, experiential learning, conversational learning. VII Convibra Administração – Congresso Virtual Brasileiro de Administração – www.convibra.com.br 1.Introdução A preocupação com o estudo da aprendizagem no campo das organizações tem crescido nos últimos anos. Na sociedade em que estamos inseridos, caracterizada por mudanças rápidas e constantes nos mais diversos aspectos, exige que aprendamos sempre. Aprender e reaprender passam a ser questões de sobrevivência. A gestão de instituições de ensino superior tem sido uma preocupação crescente dos responsáveis por estas organizações. Fatores como a política de expansão do ensino superior, que favoreceu a abertura de instituições educacionais, juntamente com o aumento de incentivos e subsídios às instituições privadas por parte do governo federal, além de projetos de inclusão social1 (GOULART E PAPA, 2009) teve como resultado instituições altamente diversificadas e caracterizadas pela complexidade. É neste contexto que a compreensão do processo de aprendizagem dos responsáveis pela gestão de cursos, chamados nestas instituições gestores acadêmicos, torna-se de extrema importância e é foco de interesse deste estudo. Destes profissionais, geralmente se espera mais do que o conhecimento do curso que gere. Envolve também a visão ampliada do contexto, além do entendimento das relações com os diversos stakeholders envolvidos – alunos, professores, coordenadores de outros cursos, corpo administrativo e direção. Aprender, neste caso, é status quo, visto a necessidade de adaptação constante à realidade apresentada. A noção de aprendizagem gerencial tem consagrado pesquisas sobre “o que” é aprendido pelo gerente e “como” este aprendizado ocorre (BURGOYNE E REYNOLDS, 1997 apud MORAES E SILVA, 2004). Ainda, muita atenção se tem dado à aprendizagem experiencial e informal que acontecem de um modo não planejado no percurso do trabalho cotidiano (MUMFORD, 1995 apud LEITE, I.C.B.V.; GODOY, A.S. e ANTONELLO, C.S., 2006), característica verificada nas entrevistas realizadas neste estudo. Isto posto, procurou-se identificar e analisar o processo de aprendizagem de gestores acadêmicos. O estudo apresenta uma análise deste processo, baseando-se no depoimento de dois gestores acadêmicos, através de entrevista semi-estruturada, à luz da Aprendizagem Experiencial e da Aprendizagem Conversacional proposta por Kolb (1984; 2002) onde aprendizagem é entendida como um processo contínuo que tem na experiência sua sustentação. 2. Aprendizagem Experiencial e Conversacional O estudo de aprendizagem em organizações tornou-se amplamente reconhecido nos últimos anos. Contribuiu para este fato o interesse de acadêmicos de diversas disciplinas pelo tema. Por exemplo, estrategistas de negócios perceberam que a chave para o sucesso pode ser a habilidade de uma organização em aprender mais rápido, ou melhor, do que seus competidores; economistas argumentaram que as empresas aprendem fazendo, bem como por meio de processos formais de aprendizagem (EASTERBY-SMITH e ARAÚJO, 2001) e sociólogos tomaram consciência do papel central que a aprendizagem e o conhecimento organizacional podem desempenhar na dinâmica interna e política da vida organizacional (COOPEY, 1995 apud EASTERBY-SMITH e ARAÚJO, 2001). A aprendizagem se constitui em um conceito dinâmico e apresenta vários níveis de análise: indivíduos, grupos e organizações; outros estudos focam nos tipos de aprendizagem: formais e informais; entre diversos elementos que compõe o tema em questão. Os indivíduos estão, a todo o momento, agindo e observando suas experiências e com elas aprendendo. Neste sentido, muitos autores têm questionado a real eficácia dos 1 Quotas para Negros, Programa Universidade para Todos(PROUNI), entre outros. VII Convibra Administração – Congresso Virtual Brasileiro de Administração – www.convibra.com.br processos de aprendizagem formais. Observa-se o esgotamento do modelo baseado no treinamento tradicional que procura oferecer uma formação técnica, ou mesmo que se proponha a desenvolver um conjunto de atributos, na maioria das vezes, desvinculados da realidade do individuo no seu trabalho. No processo de aprender, o fazer sentido das experiências formais e informais é um ponto central, e sua aplicação tem como conseqüência o aumento de conhecimento, habilidades e comportamentos incorporados à organização (JARVIS; HOLFORD e GRIFFIN apud LEITE,I.C.B.V.; GODOY, A.S. e ANTONELLO, C.S., 2006). Kolb (1984) propõe a teoria da Aprendizagem Experiencial e enfatiza o papel central que a experiência desempenha no processo de aprendizagem. Na aprendizagem os conceitos são derivados e continuamente modificados pela experiência. Para Dewey (1938), a continuidade da experiência é central para a teoria da aprendizagem e tem como princípio que toda experiência toma algo daqueles que vieram antes e é modificada por aqueles que virão depois. O que foi aprendido com a habilidade de uma situação vivida ou de um conhecimento torna-se instrumento de compreensão e de lidar de maneira eficaz com as situações que se seguem. O modelo, descrito na figura 1, propõe a experiência como base para a observação e reflexão. Essas observações e reflexões são assimiladas e levam a formação de concepções abstratas. Assim, novas implicações para a ação podem ser deduzidas. A ênfase é na experiência concreta, do aqui-agora para validar e testar conceitos abstratos. Segundo Kolb, os eixos da aprendizagem encontram-se interligados e são indissociáveis: é necessário apreender, compreender, transformar através da reflexão e da nova ação exterior para que a experiência se transforme em aprendizagem. Na aprendizagem experiencial há inicialmente uma aquisição da informação, habilidade ou experiência. Esse estímulo externo e o repertório interno do indivíduo interagem e conduzem a aprendizagem para um outro eixo, quando há uma especialização do conhecimento. As necessidades e interesses do indivíduo servirão como base para a adaptação de informações, para que ocorra a comparação do novo e o velho, efetivando-se assim a aprendizagem. De acordo com Kolb (1984) a aprendizagem experiencial é caracterizada pelas seguintes proposições: Aprendizagem é um processo e não um resultado – processo pelo qual os conceitos são derivados e continuamente modificados pela experiência. A aprendizagem é um processo contínuo baseado em experiências. O processo de aprendizagem requer a resolução de conflitos entre modos de adaptação ao mundo dialeticamente opostos. O processo de aprendizagem experiencial implica a existência permanente de conflito e tensão na interação entre indivíduo e ambiente. A aprendizagem é um processo holístico de adaptação ao mundo. A aprendizagem envolve transações entre pessoa e ambiente. A aprendizagem é o processo de criar conhecimento. Existem duas dimensões principais no processo de aprendizagem. A primeira referese ao modo de “apreender” dialeticamente relacionado com a experiência, representado pela experiência concreta de eventos em uma extremidade e a conceituação abstrata na outra. A segunda dimensão apresenta dois modos dialéticos de “transformar” a experiência, de um lado a experimentação ativa e de outro a observação reflexiva (KOLB, 1984). VII Convibra Administração – Congresso Virtual Brasileiro de Administração – www.convibra.com.br Experiência Concreta (EC) Acomodação Divergência Observação Reflexiva (OR) Experimentação Ativa (EA) Convergência Assimilação Conceituação Abstrata (CA) Figura 1 – Modelo de Aprendizagem Vivencial de Kolb Fonte: D`Amélio, M., 2007 Para o autor, novos conhecimentos, habilidades e atitudes são alcançados através da confrontação entre esses quatro modos de aprendizagem experiencial: experiência concreta (EC), observação reflexiva (OR), conceituação abstrata (CA) e experimentação ativa (EA). Ou seja, os aprendizes devem ser capazes de envolver-se plenamente, de forma aberta e sem viés em novas experiências (CE); de refletirem e observarem as suas experiências a partir de várias perspectivas (RO); ser capazes de criar conceitos que integrem suas observações em teorias (AC), e devem ser capazes de usar essas teorias para tomar decisões e resolver problemas (AE). Mostra que as duas dimensões apresentadas são orientações de aprendizagem, que é por natureza, um processo de tensão e conflito. Sugere também que a aprendizagem requer que os indivíduos resolvam estas oposições. Os aprendizes resolvem a tensão das duas dimensões opostas dialeticamente à aprendizagem, de uma forma cíclica. O ciclo começa com a experiência concreta ou imediata que é a base para as observações e reflexões. As reflexões são assimiladas em conceitos abstratos nos quais novas implicações para ação podem ser desenhadas. As implicações podem ser ativamente testadas e servem como guia para criar novas experiências (KOLB, BACKER e JENSEN 2002). Aliada a esta discussão, Kolb propõe a Aprendizagem Conversacional – processo de aprendizagem experiencial onde ocorre a conversação. Nele, os aprendizes se movem através do ciclo de experiência, reflexão, abstração e ação, construindo significado de suas VII Convibra Administração – Congresso Virtual Brasileiro de Administração – www.convibra.com.br experiências em conversações. A teoria da Aprendizagem Conversacional se baseia em cinco processos dialéticos, representados na figura 2: Dialética das dimensões do conhecimento - apreensão e compreensão Dialética do status e solidariedade - posição e ligação dinâmica que formam o mundo social das conversas Dialética entre o processo discursivo epistemológico e o processo recursivo ontológico TEORIA DA APRENDIZAGEM CONVERSACIONAL Dialética da individualidade e racionalidade - conversação como experiências de dentro para fora e de fora para dentro Dialética da prática integração da intençãoreflexão e da extensãoação Figura 2 – Processos Dialéticos da Aprendizagem Conversacional Fonte: Elaborado pela autora a partir Kolb, Backer e Jensen A dialética da apreensão e compreensão é odecentro da teoria de(2002) conhecimento duplo, onde a realidade é apreendida através do conhecimento concreto e do conhecimento abstrato. Além da aprendizagem ser baseada na inter-relação desses dois processos, a sua integração ocorre quando os aprendizes se engajam simultaneamente nos dois modos complementares de conhecimento. Outro processo dialético envolve o tempo linear que guia o processo discursivo, considerado uma manifestação epistemológica das idéias e experiências do indivíduo explicitadas em conversações, e o tempo cíclico, que guia o processo recursivo, ou seja, a manifestação subjetiva e ontológica do desejo de retornar às mesmas idéias e experiências geradas na conversação. Nesse processo as idéias e conceitos ganham novos significados pelo fato de haver, novamente, o questionamento e indagação. Há uma tensão da individualidade e racionalidade, pois na individualidade a pessoa experencia a vida como um indivíduo, e na racionalidade esse processo se dá pela experiência com o outro. Os autores chamam de “saber separado” que opera primeiramente no modo compreensivo, assumindo autonomia, reciprocidade, libertação de si mesmo e dúvida e de “saber conectado” que envolve as relações, empatia, uso do autoconhecimento e conexão. VII Convibra Administração – Congresso Virtual Brasileiro de Administração – www.convibra.com.br A tensão dialética do status e da solidariedade dá lugar a um espaço onde o indivíduo se engaja na conversação com respeito mútuo e entendimento um com o outro. Status refere-se a posição de um indivíduo no grupo, enquanto que a solidariedade refere-se a extensão no qual um indivíduo é ligado com outros indivíduos em uma rede. É necessário que status e solidariedade sejam balanceados para a continuidade da conversa. Assim, a Abordagem dialética da Aprendizagem Conversacional sugere que a conversação é um processo de construção de significado pelo qual o entendimento é alcançado através da interação dos opostos e contradições. Esse processo, que pode ser chamado também de lingüístico, conduz a geração de novas idéias e conceitos através da consciência da tensão e paradoxo entre dois ou mais opostos, e envolve o estabelecimento de um ponto de vista e questionamentos sobre eles a partir de outros pontos de vista. Eventualmente esse processo tenta chegar a um consenso que, em última análise, é ainda questionado a partir de outras perspectivas (KOLB, BACKER e JENSEN 2002). Aprender envolve transações entre a pessoa e o meio ambiente. A aprendizagem é um processo holístico de adaptação ao mundo. Assim, a aprendizagem experiencial é um conceito que descreve o processo central de adaptação humana ao ambiente físico e social e tem na aprendizagem conversacional a criação de significados deste processo. 3. Procedimentos Metodológicos Acredita-se que o uso da pesquisa qualitativa possibilita a gradual compreensão do fenômeno ao possibilitar contrastar, comparar, reproduzir, classificar e compreender o objeto de estudo (CRESWELL, 2007). A ênfase é nos processos e nos significados (SALE, LOHFELD E BRAZIL, 2002 apud GODOI, MELO E SILVA, 2006) e tem como objetivo a interpretação desses significados e as intenções dos atores. Dados qualitativos são representações dos atos e das expressões humanas. Portanto, não nos referimos ao diretamente observável, quantificável ou analisável mediante operações estatísticas; referimo-nos ao campo do interpretável, mediante a atribuição de um sentido (GODOI, MELLO E SILVA, 2006). A compreensão de como os indivíduos percebem seu mundo e de como são suas experiências é possibilitada pela coleta de dados feita diretamente pelo pesquisador no ambiente natural (MERRIAM, 1998 apud GODOI, MELO E SILVA, 2006). Na coleta de dados foram apresentados aos participantes os objetivos do estudo, facilitando a sua colaboração. A técnica utilizada foi a entrevista, que seguiu um roteiro semi-estruturado, realizada no ambiente de trabalho dos entrevistados, gravada e transcrita para melhor compreensão. O estudo procurou identificar e analisar os processos de aprendizagem individual a partir de relatos de dois gestores acadêmicos de diferentes instituições de ensino superior. O quadro 1 mostra o perfil dos gestores entrevistados: Entrevistados Características dos Entrevistados E1 E2 Sexo Masculino Masculino Título Mestre Doutor VII Convibra Administração – Congresso Virtual Brasileiro de Administração – www.convibra.com.br Tempo na IES2 (professor e gestor) 6 anos 9 anos Tempo de experiência como gestor acadêmico 1 ano 4 anos Tempo de experiência como gestor 7 anos 8 anos Instituição Privada ou Pública Privada Privada Porte da IES Grande – mais de Pequeno – até 100.000 alunos 2.000 alunos Vale observar que, por se tratar de um estudo qualitativo, não há uma verdade única. Assim, o estudo de aprendizagem aqui apresentado constitui uma interpretação possível da realidade. 4. Resultados Um dos objetivos deste estudo foi caracterizar o gestor acadêmico, pois além de gestores, atuam como professores, consultores, e são profissionais oriundos de diversas áreas. Os entrevistados já traziam a experiência de gestão de outros ambientes profissionais. Este fator foi identificado como facilitador no processo de aprendizagem, exemplificado no depoimento abaixo: ...eu acabei trabalhando na indústria na coordenação de um trabalho pedagógico ...eu acho que me ajudou sim...Principalmente a mobilização de pessoas. Porque na época, eu coordenava todas as escolas da região...Então administrava interesses e expectativas... Agora você se posicionar em uma situação de gestor, organizador, de coordenador, traz algumas vivências que você pode carregar para outras situações. (E2) Todavia, as características do ambiente educacional mostraram-se, segundo as observações dos entrevistados, muito diferentes das empresas tradicionais. Todos enfatizaram essas diferenças percebidas nas IES em relação as empresas em que já estiveram inseridos: É bem diferente. A loja quer resultado, o comércio quer vendas. Então, seu eu tiver dando resultado, eles não questionam muito como está sendo feito. Na coordenação não. Eles querem o resultado e o “como”. (E1) A diferença é grande, porque os objetivos são outros. O público é outro...A gente tinha que colocar pra funcionar um projeto que uma empresa patrocinava e tinha que funcionar.(E2) Nos relatos dos gestores, situações de conflito, imediatismo, incerteza, problemas relacionados a cultura organizacional, entre outras questões foram apresentados, revelandose ora fatores dificultadores, ora impulsionadores para a busca de desenvolvimento de novas competências: Eu teria que ficar na unidade dois dias, segunda-feira e quinta-feira, ou segunda-feira e sexta-feira. Era dois dias, quatro horas cada dia. Só que eu vou segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado, 2 Instituição de Ensino Superior VII Convibra Administração – Congresso Virtual Brasileiro de Administração – www.convibra.com.br eu vou todos os dias que solicitam. Porque os problemas vão surgindo e tem que fazer, tem que dar conta.(E1) Essa diretora comentou que estava indo para uma viagem, no meio da Castelo Branco, o reitor ligou para ela e falou: “-Olha, eu preciso falar com você.” Ela: “-Eu estou na Castelo Branco, o que aconteceu?” Ele: “-Pode dar meia volta e vir para cá.” Ela teve que voltar e vir. E para reclamar de problemas de lá... A cultura é: Errou, pagou. A cultura lá a pessoa não tem permissão para errar.(E1) Se você tem maturidade para entender que você é limitado naquilo, isso te incomoda... recentemente apareceu uma coisa para eu fazer... “-Olha, eu nunca fiz isso. Não tem nada a ver com a minha área de atuação”. “-Não, mas precisa fazer”, “-Está bom. A gente faz.”... vamos juntando as coisas, vamos acertando, cortando as arestas e sai. Mas isso incomoda, porque a gente sabe que está errado, a gente sabe que têm falhas. E, o pior: a gente não percebe as falhas como deveria perceber, porque não tem condições de perceber. (E2) Verificou-se nos relatos os pressupostos da teoria da aprendizagem vivencial (KOLB, 1984). Os entrevistados envolvem-se plenamente e de forma aberta a novas experiências (EC). Ambos eram professores quando experienciaram a coordenação de um curso, um dos entrevistados menciona: ...eu já peguei muita encrenca que não tinha nada a ver com a minha disciplina, com o curso que eu dou aula, para tentar melhorar, porque eu percebi o problema. Eu chegava na diretoria da unidade, passava algumas idéias, propostas, me chamavam e eu ia sábado para discutir. E era reunião sem remuneração, sem uma convocação oficial, era por perceber um problema e tentar...Eu acho que isso conta bastante. (E1) Nas entrevistas, a reflexão e observação de suas experiências, utilizando-se de várias perspectivas, acontecem (OR). Observações dos gestores com quem trabalham, além de modelos do passado – antigos coordenadores – são algumas das formas pelos quais a aprendizagem acontece e é aplicada às ações do dia-a-dia. Nota-se também as experiências passadas, fundamentando decisões: ...eu tive um professor e acho que foi ele que me abriu a mente para um dia sonhar em ser professor...Ele foi coordenador do meu curso também. O que eu via nele como pessoa, via como coordenador e professor. Você via que a política era do envolvimento...do se engajar. Até por isso que, desde a graduação, eu tive oportunidade de estar...sempre na coordenação, falando e apontando melhorias. (E1) Vamos dizer que a fundamentação e a vivência dentro do meio... me deu alguns conhecimentos para que eu lidasse com uma situação diferente, uma forma de organizar um novo modo de olhar. (E2) A aprendizagem acontece por meio de reflexão. É, mesmo porque a minha formação como gestor, formação teórica, acadêmica, é nenhuma... fui coordenador de um projeto com um perfil muito específico. Então, qual a minha formação em gestor? Nenhuma. (E2) Para nenhum entrevistado houve aprendizagem formal no local de trabalho. Evidenciou-se a criação de modelos integrando as suas observações em teorias (CA) para então utilizá-las para a tomada de decisão e a resolução de problemas (EA): VII Convibra Administração – Congresso Virtual Brasileiro de Administração – www.convibra.com.br Não houve aprendizagem formal. Então, eu penso que a aprendizagem deve se processar em duas bases principais. A primeira é você observar uma situação, analisar aquela situação com as ferramentas que você tem naquele momento. Mas perceber que aquelas ferramentas não são suficientes para resolver todo o problema. Então, aí, passa para um segundo momento, que é a fundamentação teórica. Você tem que buscar subsídios teóricos ou mesmo pessoas que têm um conhecimento maior que o seu para te ajudar a dar essa fundamentação. E, aí, as coisas se retroalimentam. Quer dizer, você busca uma nova fundamentação, volta para repensar aquilo que você estava fazendo. Então, quando você volta para lá, surgem outros problemas que exigem nova fundamentação. Então, é esse processo de conhecimento. (E2) Ele fala com a visão de quem conhece o assunto e vai transmitir isso, como se estivesse transmitindo para alguém que também conhece. Ele tem dificuldade de se colocar no lugar do aluno...Uma instituição que ajudou muito...que me fazia o tempo inteiro me sentir sentado no banco da aula e no papel, no lugar do aluno...Eu quero primeiro me enxergar como aluno e depois como professor...Eu tento trazer esse exemplo para os professores. (E1) O processo dialético da Aprendizagem Conversacional, chamado também de Lingüístico, foi observado nos relatos subseqüentes. Ele conduz a geração de novas idéias e conceitos através da consciência da tensão e paradoxo entre dois ou mais opostos e envolve o estabelecimento de um ponto de vista e questionamentos sobre ele a partir de outros pontos de vista, o que podemos observar a seguir: ... ela é como se fosse um staff. Da diretoria passa por ela e dela chega até a gente. Desde que eu entrei...ela está lá, então entramos praticamente juntos.. Ela vai mostrando o caminho das pedras. Então: “-Olha, isso aqui você não pode, aqui não pode, esse aqui...” Até o jeito de falar tem que tomar cuidado... Não (se espelha nela), porque eu tenho uma visão de educação...eu filosofo um pouquinho...Porque eu vejo uma parte dela, até é o perfil que a instituição quer... que segue aquele modelo: “-A regra é essa. Vamos fazer, não questiona e fica quieto.” E eu queria ir mais, queria ir além. Eu queria fazer coisas que ninguém fez.(E1) A individualidade e racionalidade, um dos processos dialéticos da Aprendizagem Conversacional (BAKER; JENSEN e KOLB, 2002), foram encontradas nas entrevistas. A primeira, individualidade, foi verificada provavelmente pela natureza do trabalho – conhecimentos muito específicos, também pelas características das instituições estudadas – poucos encontros formais para discussões sobre o trabalho (específico), e por último, pouco conhecimento da área específica dos entrevistados por coordenadores de outros cursos para interações e trocas. Os autores chamam individualidade de “saber separado”, que opera primeiramente no modo compreensivo, assumindo autonomia e reciprocidade, libertação de si mesmo e dúvida. A racionalidade, também chamada de “saber conectado” foi identificada, porém em menor grau. Elementos como relações - nos relatos onde outros coordenadores contribuíram para o entendimento do ambiente e do trabalho (questões mais gerais), a empatia – colocar-se no lugar do professor, além do uso do autoconhecimento – citações sobre o seu perfil e a contribuição deste para o papel que exercem também surgiram nos relatos. Todos os pressupostos mencionados por Kolb na teoria da Aprendizagem Experiencial foram identificados nos relatos dos gestores acadêmicos. Pode-se inferir que os VII Convibra Administração – Congresso Virtual Brasileiro de Administração – www.convibra.com.br participantes privilegiam a observação e também a reflexão, sendo um elemento muito citado pelos entrevistados. Alguns elementos foram trazidos para a discussão da Aprendizagem Conversacional mostrando a dialética entre individualidade e racionalidade. 5. Conclusão O papel do gestor acadêmico em instituições de ensino superior possui características muito específicas; lida com profissionais das mais diversas áreas de formação e, conseqüentemente, com os mais variados perfis. A partir do contato com docentes, discentes, coordenadores de outros cursos, corpo administrativo e direção, e de uma maneira mais ampla, a própria sociedade, há necessidade que desenvolva rapidamente mecanismos para adaptar-se e aprender a cada nova situação. As relações que ocorrem no contexto das universidades apresentam características que a diferem de outras organizações: seu objeto de trabalho é o conhecimento. Pessoas integram as universidades respaldadas por diversos tipos de saberes que, via de regra, costumam preconizar a independência de idéias e ideais e a autonomia em suas decisões (KANAN E ZANELLI, 2003). O trabalho desses gestores é caracterizado por diversos fatores, entre eles, a incerteza, o fato de ser muito instável, a administração constante de conflitos, além da importância da percepção e adequação à cultura das instituições a que pertencem o que corrobora os relatos trazidos pelos entrevistados. Kanan e Zanelli (2003), apresentam dados de pesquisas realizadas entre 1997 e 2003 (PIAZZA, 1997; SILVA, 2002; SILVA E MORAES, 2002; SILVA, MORAES E MARTINS, 2003; MARRA E MELO, 2003) que buscaram levantar especificidades desta função, realizadas em quatro universidades, sendo três públicas e uma particular. Através dos resultados apresentados, é possível considerar que a função do coordenador de curso é decisiva à qualidade dos cursos de graduação. As conclusões dos pesquisadores possibilitam o entendimento de que, no exercício da função, enfrentam condições adversas de várias ordens e que há fatores que fazem com que suas atividades pouco assumam um caráter estável, previsível, adequado, conciliatório ou planejado. Pelo contrário, é possível depreender que boa parte do tempo dedicado à coordenação vivenciam situações ambíguas, contraditórias, pouco claras, imediatistas e estressoras. No presente estudo, se procurou compreender que todos estes desafios os levam a experimentar novos comportamentos e que experienciam também as variações nas oportunidades de desenvolvimento. Outra questão revelada neste estudo é o comportamento de aprendizagem como fruto das características do indivíduo: Então, eu acho que isso tem um pouco, também... mas é um pouco da pessoa. Do perfil da pessoa. De ter essa busca. Tem a ver com a formação... mas tem a ver com o ser também: o que se busca, o que se quer profissionalmente. (E2) Todos os pressupostos mencionados por Kolb na teoria da Aprendizagem Experiencial, que subsidiou as discussões deste estudo, foram identificados nos relatos dos gestores acadêmicos de ensino superior. VII Convibra Administração – Congresso Virtual Brasileiro de Administração – www.convibra.com.br Referências BAKER, A. C., JENSEN, P. J., KOLB, D. Conversational Learning. Londres: Quorum Books, 2002. CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. D`AMELIO, M. Aprendizagem de Competências Gerenciais: Um estudo com gestores de diferentes formações. 2007. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo. EASTERBY-SMITH, M.; BURGOYNE, J.; ARAUJO, L. (Org.) Aprendizagem Organizacional e Organização de Aprendizagem: desenvolvimento na teoria e na prática. São Paulo: Atlas, 2001. GODOI, C. K.; MELLO, R. B.; SILVA, A. B (organizadores). 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