VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA metodologia Do ensino nas classes iniciais Rio de Janeiro / 2008 Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo Branco - UCB. Un3m Universidade Castelo Branco Metodologia do Ensino nas Classes Iniciais / Universidade Castelo Branco. – Rio de Janeiro: UCB, 2008. - 36 p.: il. ISBN 1. Ensino a Distância. 2. Título. CDD – 371.39 Universidade Castelo Branco - UCB Avenida Santa Cruz, 1.631 Rio de Janeiro - RJ 21710-250 Tel. (21) 3216-7700 Fax (21) 2401-9696 www.castelobranco.br Responsáveis Pela Produção do Material Instrucional Coordenadora de Educação a Distância Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli Coordenador do Curso de Graduação Susan Kratochwill - Pedagogia Conteudista Maria de Nazareth Machado de Barros Vasconcellos Supervisor do Centro Editorial – CEDI Joselmo Botelho Apresentação Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação, na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua. Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica. Seja bem-vindo(a)! Paulo Alcantara Gomes Reitor Orientações para o Auto-Estudo O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito. Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades complementares. As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1. Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades. Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o conteúdo de todas as Unidades Programáticas. A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 30 horas-aula, que você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso. Bons Estudos! Dicas para o Auto-Estudo 1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo. 2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções. 3 - Não deixe para estudar na última hora. 4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor. 5 - Não pule etapas. 6 - Faça todas as tarefas propostas. 7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina. 8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação. 9 - Não hesite em começar de novo. SUMÁRIO Quadro-síntese do conteúdo programático.................................................................................................. 11 Contextualização da disciplina.................................................................................................................... 12 Unidade I CONTEÚDO DO ENSINO NAS CLASSES INICIAIS DE ENSINO FUNDAMENTAL 1.1 - Conceito, valor e importância dos conteúdos no processo ensino-aprendizagem............................... 13 1.2 - Seleção e organização dos conteúdos.................................................................................................. 13 1.3 - Situações de experiência...................................................................................................................... 15 Unidade II A QUESTÃO DAS METODOLOGIAS E TÉCNICAS DE ENSINO NAS ESCOLAS DE ENSINO FUNDAMENTAL 2.1 - Metodologia expositiva – equívocos e contradições........................................................................... 18 2.2 - Métodos e técnicas de ensino – um fim em si mesmos?..................................................................... 19 2.3 - A importância da leitura e das diferentes mídias................................................................................. 20 Unidade III A PERSPECTIVA CRÍTICA DOS CONTEÚDOS, DAS METODOLOGIAS E TÉCNICAS DE ENSINO NAS ESCOLAS DE ENSINO FUNDAMENTAL 3.1- Competências básicas para o trabalho docente ................................................................................... 24 3.2 - Conteúdos, métodos e técnicas de ensino – apenas uma questão de semântica?................................ 26 Glossário...................................................................................................................................................... 30 Gabarito........................................................................................................................................................ 31 Referências bibliográficas............................................................................................................................ 33 Quadro-síntese do conteúdo programático UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS I. CONTEÚDO DO ENSINO NAS CLASSES DE • Propiciar reflexões a respeito da importância da ENSINO FUNDAMENTAL seleção de conteúdos de uma escola de Ensino Fundamental voltada para a participação produtiva no 1.1 - Conceito, valor e importância dos conteúdos no Século XXI; processo ensino-aprendizagem • Apresentar possibilidades pedagógicas antenadas 1.2 - Seleção e organização de conteúdos com a atualidade. 1.3 - Situações de experiências II. A QUESTÃO DAS METODOLOGIAS E TÉC- • Discutir as dificuldades encontradas, ao longo dos NICAS DE ENSINO NAS ESCOLAS DE ENSINO anos, nessa forma usual de metodologia de ensino; FUNDAMENTAL • Estabelecer relações entre metodologia e técnicas de ensino e o contexto sociopolítico-cultural nos dias 2.1 - Metodologia expositiva – equívocos e contra- de hoje; dições • Enfatizar a importância de leitura nas classes iniciais 2.2 - Métodos e técnicas de ensino – um fim em si do Ensino Fundamental. mesmos? 2.3 - A importância da leitura das diferentes mídias III. A PERSPECTIVA CRÍTICA DOS CONTEÚDOS, • Enfatizar a importância da interação professor-aluno DAS METODOLOGIAS E TÉCNICAS DE ENSINO no processo ensino-aprendizagem; NAS ESCOLAS DE ENSINO FUNDAMENTAL • Reconhecer a importância da instituição escola no seu compromisso com a competência técnica e sua 3.1. Competências básicas para o trabalho docente relação intrínseca com a dimensão humana e ética. 3.2. Conteúdos, metodologias e técnicas de ensino – apenas uma questão de semântica? 11 12 Contextualização da Disciplina A instituição escola e suas práticas pedagógicas sempre contribuíram para a manutenção do status quo. O ensino repetitivo e mecânico, a elitização e a seleção, com seu caráter eminentemente excludente, permeavam o cotidiano da sala de aula e todos os espaços escolares. O distanciamento professor-aluno, o monólogo, a passividade discente eram inerentes às atividades educativas. No início do Século XXI, num mundo em permanente mutação, em que os avanços tecnológicos e científicos surpreendem a sociedade pelo seu gigantismo e velocidade, em que o esgarçamento dos valores éticos e morais também surpreende a todos, cabe à instituição escola rever a sua prática, o seu fazer. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Estatuto da Criança e do Adolescente sinalizam para um novo tempo. Pesquisas realizadas ao longo dos anos comprovam que as classes populares necessitam de, urgentemente, ter acesso aos bens culturais. Entre as metas da nova educação estão a saúde do corpo, o equilíbrio entre mente e coração e o despertar e a manutenção dos valores humanos (WEIL, 2002:45). Urge, portanto, que a escola contribua para o exercício da cidadania plena, urge que se perceba o aluno como ser integral, auxiliando-o no seu aprimoramento e em todos os aspectos dessa integralidade. Que, numa perspectiva crítica, integre homem, sociedade e natureza, a fim de que seja possível o despertamento e o desenvolvimento não somente da razão, mas também do sentimento; não somente da ciência, mas também da ética. Uma escola que respeite as diferenças e os diferentes, onde cada aluno seja um ser único, singular, em que não haja portas, mas somente janelas – abertas ao conhecimento, no seu sentido mais amplo – e na qual as virtudes apresentadas por Platão, há milhares de anos, estejam presentes diariamente e se irradiem para fora de seus muros, através das janelas sempre abertas para o mundo. A Metodologia do Ensino nas Classes Iniciais do Ensino Fundamental deve, portanto, contemplar os anseios de uma sociedade que aposta na inclusão, no respeito às individualidades, numa aprendizagem para todos. UNIDADE I 13 CONTEÚDO DO ENSINO NAS CLASSES INICIAIS DE ENSINO FUNDAMENTAL 1.1- Conceito, Valor e Importância dos Conteúdos no Processo Ensino-Aprendizagem Conteúdo pedagógico pode ser definido como um conjunto de conhecimentos e saberes, selecionados das bases das ciências, que foram construídos e acumulados pela humanidade ao longo dos séculos, sendo organizados para serem ensinados. Ao discutirmos a importância dos conteúdos no processo ensino-aprendizagem, encontramos os mais diferentes posicionamentos, fruto de tendências pessoais e políticas – menos ou mais progressistas – em relação ao processo educativo. Há os que percebem os conteúdos assentados no binômio transmissão-incorporação, restringindo a educação a essa concepção. Apostam na seleção prévia dos conteúdos e não consideram os aspectos sociais e políticos existentes nos diferentes grupos dos quais a escola está a serviço. Há ainda os que, numa percepção diametralmente oposta, não consideram os conteúdos pedagógicos Conteúdos conceituais Conteúdos procedimentais Conteúdos atitudinais como suporte apenas ao aspecto cognitivo da educação. Ao contrário, percebem-na em seu sentido mais amplo, considerando os aspectos cognitivo, políticosocial e ético. Atualmente, na educação brasileira, os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem-se em um dos referenciais teóricos que atendem às demandas pedagógicas existentes. Neles, os conteúdos são apresentados levando-se em conta a educação em toda a sua abrangência, ou seja, reiteram a responsabilidade da escola com a formação integral do aluno, apresentando os conteúdos em três categorias específicas: conceituais, procedimentais e atitudinais. Considerando que a questão da integralidade do conhecimento, com vistas à formação integral do aluno, deve estar presente nas ações pedagógicas, podemos tomar, como exemplo dessa prática, o tema Alimentação Saudável, desenvolvido a partir das três categorias de conteúdos: Identificar a origem dos diversos tipos de alimentos; conhecer os princípios da pirâmide alimentar. Pesquisas sobre alimentos benéficos e prejudiciais à saúde; elaboração de projetos sobre alimentação saudável; confecção de material impresso a ser distribuído à comunidade escolar. As mudanças alimentares ocorridas em seu cotidiano (em casa, na escola, em outros espaços). 1.2- Seleção e Organização dos Conteúdos Alguns questionamentos e considerações, logo de início, fazem-se necessários, a fim de contextualizar questões já apresentadas anteriormente e de contribuir tanto para a compreensão da importância dos conteúdos, quanto para sua seleção e organização. Como evitar que os conteúdos desenvolvidos pela didática continuem limitando o desempenho do educador e não oferecendo oportunidades de uma abordagem mais viável para nossa realidade escolar? (RAYS, apud CANDAU, 2007: 47). (...) Como atenuar e superar os efeitos castradores que estão representados em muitas técnicas didáticas advindas desses modelos de ensino? (Ibidem). Tais indagações, pertinentes e relevantes, devem ser respondidas por nós, professores, antes mesmo de qualquer planejamento das ações pedagógicas. Antes, portanto, da organização e seleção dos conteúdos a serem apresentados aos alunos. - Qual a função social da instituição escola? - Como a escola pode auxiliar na mudança de paradigmas desastrosos, construídos pelos homens ao longo dos séculos? 14 Sabemos que é no "chão” da escola que as mudanças têm início. É por meio dos conteúdos que o professor elabora suas ações, nas quais a intencionalidade estará sempre presente, mantendo relação direta com a escola que o professor pensa, idealiza, projeta, e também com suas vivências, valores e concepção de vida. (...) A ação pedagógica não poderá ser, em hipótese alguma, entendida e praticada como se fosse uma ação neutra. Ela é uma atividade que se faz ideologizada; está marcada, em sua própria raiz, pela "coloração" do projeto histórico que se delineia no decorrer da própria ação. A ação do educador não poderá ser, então, um "quefazer” neutral, mas um "quefazer" ideologicamente definido (LUCKESI, apud CANDAU, 2007: 28). Dentro da perspectiva de Luckesi, do “quefazer ideologicamente definido”, revisitar Weil (2002) torna-se interessante, já que o autor percebe a educação como propiciadora das mudanças individuais, sociais e, conseqüentemente, ambientais, que se fazem necessárias e urgentes nos dias de hoje. Percebe escola e sociedade como um todo indissociável e considera o aluno na sua integralidade – corpo, mente e coração –, sinalizando ainda para os riscos da fragmentação ocorrida ao longo dos séculos e sempre avalizada pela instituição escola. Recuperar a unidade perdida significa reconquistar a paz. Mas, desta vez, o inimigo a derrotar não é estrangeiro. Ele mora dentro de nós. É a força que isola o homem racional de suas emoções e intuições (WEIL, 2002: 26). A mais ameaçadora de todas as fragmentações, no entanto, foi a que dividiu os homens em corpo, emoção, razão e intuição, porque ela nos impede de raciocinar com o coração e de sentir com o cérebro (Ibidem: 27). O planeta Terra pede socorro. A competição acirrada, a violência, nos seus mais diferentes matizes, o individualismo, a insensibilidade estão presentes neste mundo globalizado, apesar dos surpreendentes avanços da ciência e da tecnologia. “Acumulamos conhecimentos em quantidade. Mas, sem sabedoria para usá-los, podemos destruir-nos e ao mundo que habitamos” (Ibidem: 26). A escola, por sua vez, como instituição eminentemente crítica e transformadora, vem repensando sua prática a fim de contribuir para a melhoria da qualidade de vida do homem, da sociedade e, conseqüentemente, do Planeta. Dentro desse “quefazer ideologicamente definido”, explicitado por Weil (2002), é que escola e professores devem transitar. Outra importante contribuição para nós, educadores sintonizados com os desafios do novo milênio, é buscar a parceria de Delors, em “Os Quatro Pilares da Educação”, que reforça as concepções teórico-filosóficas de Weil (2002). Conteúdos trabalhados em sala de aula devem conter os pressupostos desse relatório, que tem a chancela da UNESCO. Vejamos pequenos trechos significativos, relativos a cada um dos quatro pilares: 1- Aprender a conhecer “(...) é essencial que cada criança, esteja onde estiver, possa ter acesso, de forma adequada, às metodologias científicas, de modo a tornar-se, para toda a vida, ‘amiga da ciência’” (DELORS, apud WEIL, 2002: 126). Os conteúdos devem valorizar o conhecimento em seu sentido crítico, intelectual, acadêmico. 2 - Aprender a fazer “(...) está mais estreitamente ligado à questão da formação profissional: como ensinar o aluno a por em prática os seus conhecimentos, e também como adaptar a educação ao trabalho quando não se pode prever qual será a sua evolução? (...) Aprender a fazer não pode, pois, continuar a ter o significado simples de preparar alguém para uma tarefa material bem determinada (...)” (Ibidem: 129). Conteúdos devem propiciar, na sala de aula, situações do mundo real. Devem valorizar o exercício da criatividade, da iniciativa, da busca pela autonomia, ou seja, devem sempre dar concretude à teoria, a fim de que o aluno se prepare para os desafios freqüentes da vida. 3 - Aprender a viver juntos, a viver com os outros "A educação tem, por missão, por um lado, transmitir conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana e, por outro, levar as pessoas a tomar consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos do planeta. (...) A educação, seja ela dada pela família, pela comunidade ou pela escola, deve, antes de mais nada, ajudá-los a descobrir a si mesmos. (...) O confronto através do diálogo e da troca de argumentos é um dos instrumentos indispensáveis à educação do século XXI" (Ibidem: 136). Conteúdos a serem trabalhados em sala de aula devem ser facilitadores da vida em sociedade, facilitadores da interação aluno-aluno, aluno-professor. As atividades pedagógicas atuais já se distanciam das aulas expositivas tradicionais, nas quais o aluno era mero espectador, receptor, e/ou ouvinte da fala e da sapiência do professor. 4 - Aprender a ser "(...) a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa – espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal, espiritualidade. Todo ser humano deve ser preparado, especialmente graças à educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida" (Ibidem: 138). A essência do fazer educativo encontra-se, possivelmente, sintetizada neste último pilar. Somente através do aprender a ser é que podemos, como professores, contribuir para a construção de um mundo mais solidário, mais justo e mais fraterno. Pertinente ainda as observações de Vasconcellos (1997), ao se referir à questão da seleção e organização de conteúdos: (...) ensinar determinado conteúdo a alguém, num certo contexto, tem a ver com o mundo todo! A começar pelo fato de que quem ensina e quem aprende são sujeitos concretos, que fazem parte da polis, trazendo, naturalmente, para a sala de aula, toda essa complexidade. (...) para que possa acontecer com sucesso (o ensino de determinado conteúdo), é preciso reconhecer e fazer sua vinculação com a totalidade. Fragmentos esparsos de conhecimento, informações desconexas, não têm qualquer sentido para o aluno, pois não o ajudam a entender a realidade. (...) Este é o drama do professor: perceber que aquilo que faz em aula tem a ver com toda a existência (sua, do aluno e da humanidade). Cada um, no lugar onde se encontra, está na luta inteira (VASCONCELLOS, 1997:56). 1.3 - Situações de Experiência É possível estabelecer correlações entre os conteúdos de aprendizagem, contidos nos PCN, e os PCN Conteúdos conceituais Conteúdos procedimentais Conteúdos atitudinais → → → É possível também associar os aspectos acima às perguntas utilizadas pelo professor ao realizar seu planejamento: – Conteúdos conceituais e o Aprender a conhecer → o quê? – Conteúdos procedimentais e o Aprender a fazer → como? – Conteúdos atitudinais e o Aprender a viver juntos/ Aprender a ser → para quê? por quê? Quatro Pilares da Educação, elaborados por Jacques Delors: Os Quatro Pilares da Educação Aprender a conhecer Aprender a fazer Aprender a viver juntos/aprender a ser O professor, ao selecionar e organizar os conteúdos para suas atividades, deve, preferencialmente, contemplar todos os aspectos contidos em cada um deles, concomitantemente, já que os conteúdos se completam e se interrelacionam, respondendo, dessa maneira, às perguntas inerentes ao planejamento didático. Alguns exemplos dessa postura pedagógica que caracterizam a integralidade do conhecimento: I- Procurando Nemo (filme infantil) Conteúdos conceituais → animais vertebrados/peixes Conteúdos procedimentais → trabalho em equipe Conteúdos atitudinais → relações familiares/limites Procurando Nemo faz parte do universo infantil da atualidade; os recursos midiáticos se fazem presentes na sala de aula; o trabalho em equipe e as discussões – mediadas pelo professor – a respeito das relações familiares contribuirão para o resgate de valores há muito esquecidos na sociedade. II- Internet A interatividade na internet, embora questionada quando surgiu, tem-se mostrado cada dia mais eficaz. Blogs e sites abriram espaço a discussões cada dia mais livres e freqüentes. Mas como saber se o que está sendo veiculado é verdadeiro ou nocivo a crianças e jovens? Organize um grupo de discussão sobre o assunto. Convide especialistas e responsáveis para um debate (FASCÍCULO GIRAMUNDO, 2008: 03). 15 16 Conteúdos conceituais → Conteúdos procedimentais Conteúdos atitudinais → → A internet está presente no cotidiano do aluno. O interesse pela atividade está implícito no uso da máquina; os debates enfatizam a socialização e a troca; o tema discutido permite uma visão crítica do que é veiculado pelas diferentes mídias e traz, em si, as questões éticas relativas ao assunto. Conteúdos conceituais Conteúdos procedimentais → → Conteúdos atitudinais → III- O Processo de Alfabetização A palavra tijolo, por exemplo, se inseriria (...) numa classe de um grupo de pedreiros (...) construindo uma casa. Mas antes da devolução, em forma escrita, da palavra oral dos grupos populares, a eles, para o processo de sua apreensão e não de sua memorização mecânica, costumávamos desafiar os alfabetizandos com um conjunto de situações codificadas de cuja codificação ou “leitura” resultava a percepção crítica do que é cultura, pela compreensão da prática ou do trabalho humano, transformador do mundo (FREIRE, 2006: 21). A palavra tijolo (pedreiros) Postura dialógica professor-aluno (ênfase na oralidade) Percepção crítica do que é cultura (criticismo); “o trabalho humano, transformador do mundo” e, principalmente, a ênfase no resgate da auto-estima desses profissionais (pedreiros analfabetos) Nas três propostas de atividades, a escola e a sala de aula cumprem seu papel fundamental: a formação do cidadão pleno. Terminologias específicas do mundo da internet (blogs, sites etc.) Debate/mesa-redonda O próprio questionamento da atividade (se o que está sendo veiculado é verdadeiro ou nocivo a crianças e jovens) O processo de ensino-aprendizagem se apresenta nas suas dimensões técnicas, político-sociais e humanas, contemplando os PCN, os Quatro Pilares da Educação e as perguntas inerentes ao planejamento docente. Exercícios de Auto-avaliação 1. A partir das três categorias específicas, relativas ao conteúdo, citadas no PCN, elabore, no mínimo, duas atividades pedagógicas que contemplem a integralidade do conhecimento. 2. Responda, de acordo com suas concepções teórico-filosóficas e suas vivências, aos questionamentos apresentados no item 1.2. 3. Comente, relacionando ao fazer cotidiano do professor: “Cada um, no lugar onde se encontra, está na luta inteira” (MORIN, 2006: 14). Leitura Complementar Leia o texto abaixo. Em seguida, procure responder à questão apresentada, levando em conta os estudos de Weil e os Quatro Pilares da Educação. Professor (sobre o aluno): "a minha parte, que é ensinar, eu faço, o aluno é que não faz a parte dele: não faz lição, não traz material, chega atrasado, não está interessado, pensa que é dono da escola, é indisciplinado, não tem base, não tem educação, cheira mal, é carente." Aluno (sobre o professor): "o professor não consegue impor moral na sala, não tem pulso firme, não está interessado em que a gente aprenda, nos trata mal, só dá bronca." Professor (sobre a família): "os pais não colocam limites, não acompanham o estudo dos filhos, não vêm às reuniões, só aparecem na escola no final do ano quando o filho não conseguiu passar; não têm dinheiro para comprar material escolar, mas não dispensam um cigarrinho, uma pinga, uma viagem ou um carro novo; nos tratam como se fôssemos seus empregados." Comunidade (sobre o professor): "é mal formado, sequer domina os conteúdos, não respeita o aluno, não prepara as aulas, chega atrasado, não corrige lição, não consegue dar aula sem o livro, não atende os pais, falta muito; parece que ele se sente ameaçado pela nossa participação." “(...) afinal, de quem é a culpa? (...) Isto é muito desgastante e só provoca reações afetivas de ataque e defesa" (VASCONCELLOS, 2003:112). – Como você avalia, como professor, as colocações do texto? – Responda ao questionamento: - Afinal, de quem é a culpa? 17 18 UNIDADE II A QUESTÃO DAS METODOLOGIAS E TÉCNICAS DE ENSINO NAS ESCOLAS DE ENSINO FUNDAMENTAL 2.1 - Metodologia Expositiva – Equívocos e Contradições Aulas expositivas sempre estiveram incorporadas ao fazer cotidiano do professor. Talvez seja a prática docente mais recorrente ainda nos dias de hoje. Vasconcellos, no seu livro Construção do Conhecimento (1997), discorre sobre os equívocos provenientes das aulas eminentemente expositivas. Segundo o autor: (...) o aluno recebe tudo pronto, não problematiza, não é solicitado a fazer relação com aquilo que já conhece ou a questionar a lógica interna do que está recebendo e acaba se acomodando. A prática tradicional é caracterizada pelo ensino "blá-blá-blante", salivante, sem sentido para o educando, meramente transmissora, passiva, a-crítica, desvinculada da realidade, descontextualizada (VASCONCELLOS, 1997: 20). Sinaliza ainda as questões preocupantes do ponto de vista pedagógico e político: Poderíamos dizer que o grande problema da metodologia expositiva, do ponto de vista pedagógico, é seu alto risco de não aprendizagem, em função do baixo nível de interação sujeitoobjeto do conhecimento-realidade (o grau de probabilidade de interação significativa é muito baixo) (Ibidem: 22). Do ponto de vista político, o grande problema da metodologia expositiva é “(...) a formação do homem passivo não-crítico (...)” (Ibidem). Vasco Moretto (2002: 101) afirma que “a escola da linha dita tradicional explorou com mais ênfase a memorização, em busca do acúmulo de informações, em grande parte sem muito significado para os alunos. Quem não se lembra dos “questionários”, muito usados nos ensinos de história e geografia, enfatizando a memorização repetitiva e automática?”. O que se espera da escola, nos dias de hoje, é a formação de cidadãos atuantes (críticos) sujeitos da sua própria aprendizagem, questionadores, dinâmicos e, principalmente, construtores do seu conhecimento. O francês Célestin Freinet – referencial significativo para as práticas pedagógicas atuais – já valorizava, a seu tempo, a livre expressão do aluno e a escola como produtora do conhecimento. Desnecessário reafirmar que aulas eminentemente expositivas caracterizam a escola do século passado. Desnecessário sinalizar ainda que à escola do século XXI cabe propor participação, envolvimento e, sobretudo, aulas significativas, contextualizadas à realidade e que possam ter, como reflexo, a concretização da verdadeira aprendizagem. A escola precisa estar antenada com o seu tempo e contexto, precisa ainda saber distinguir, verdadeiramente, as necessidades da sua comunidade e de que forma poderá atuar como uma instituição transformadora, capaz de trabalhar a favor da justiça social e contra as desigualdades. Encerramos com um exemplo emblemático de Vasconcellos: Certa ocasião, Dewey estava visitando uma escola e fez a seguinte pergunta a um grupo de alunos: O que vocês encontrariam se cavassem um buraco muito profundo dentro da terra? Como não recebesse resposta repetiu a pergunta, mas o que obteve foi um grande silêncio e olhares perplexos. A professora então advertiu a Dewey, dizendo que ele tinha formulado mal a pergunta. Ela então dirigiu-se às crianças e perguntou: Qual é o estado do centro da terra? Imediatamente os alunos responderam em coro: estado de fusão ígnea. Este fato mostra claramente que, para as crianças, não houve aprendizagem significativa, mas, sim, uma aquisição mecânica de uma seqüência de palavras (VASCONCELLOS, 1997: 23). É importante fazermos o seguinte questionamento: – Será que os alunos sabiam o que significava a expressão fusão ígnea? 2.2 - Métodos e Técnicas de Ensino – um Fim em Si Mesmos? Para responder ao questionamento inicial, faz-se necessário revisitar as tendências pedagógicas da prática docente que imantaram a instituição escola a partir do início do século XX. As tendências pedagógicas, presentes na maioria das escolas brasileiras, não aparecem de forma pura, mas com características particulares, muitas vezes apresentando mais de uma linha pedagógica, em consonância com as diferentes concepções teórico-filosóficas do professor e de suas vivências. As reflexões sobre a caracterização das tendências pedagógicas no Brasil deixam claras as influências dos movimentos educacionais internacionais e expressam também as especificidades da história política, social e cultural do Brasil. A prática de todo professor, mesmo de forma inconsciente, sempre pressupõe uma concepção de ensino e aprendizagem, que determina sua compreensão dos papéis de professor e aluno, da metodologia, da função social da escola e dos conteúdos a serem trabalhados. A discussão dessas questões é importante para que se expliquem os pressupostos pedagógicos que subjazem a atividade de ensino, na busca de coerência entre o que se pensa estar fazendo e o que realmente se faz. Tais práticas se constituem a partir das concepções educativas e metodologias de ensino, que permearam a formação educacional e o percurso profissional do professor, aí incluídas suas próprias experiências escolares, suas experiências de vida, as ideologias compartilhadas com seu grupo social e as tendências pedagógicas que lhe são contemporâneas (PCN, 1997: 39). É possível classificar as tendências pedagógicas em dois grandes blocos: pedagogia liberal e pedagogia progressista. Entre as liberais, estão a escola tradicional, a escola renovada – progressista e não-diretiva – e a escola tecnicista. Entre as progressistas, estão a escola libertadora, a escola libertária e a crítico-social dos conteúdos. • Pedagogia Liberal Tradicional Apresenta uma prática centrada no professor, que é o responsável pela transmissão de conteúdos, o detentor do saber, o disciplinador e responsável pela tomada de decisões. A relação professor-aluno é vertical, o aluno é um ser passivo, cabendo a ele ouvir, memorizar e reproduzir as informações recebidas. A metodologia presente nesta concepção baseia-se na aula expositiva, em que os conteúdos são apresentados numa seqüência predeterminada e fixa, que não leva em conta o contexto social vigente. Nessa prática, identifica-se também a presença maciça de exercícios repetidos de fixação. A avaliação é vista como uma forma de medir o que o aluno aprendeu. • Pedagogia Liberal Renovada Progressista Seus pressupostos valorizam o desenvolvimento do aluno, sendo, logicamente, o professor o responsável por esse desenvolvimento. Considera que o aluno só aprende a fazer, fazendo (“aprender a aprender”). Estimula a utilização de situações-problema, além de postular a auto-aprendizagem. As escolas montessorianas e os estudos de Piaget fundamentam as tendências pedagógicas da pedagogia liberal renovada progressista, que teve seu início na década de 30. • Pedagogia Liberal Renovada Não-Diretiva Aposta no desenvolvimento das aptidões individuais, considerando o professor o grande facilitador da aprendizagem. Os estudos de Carl Rogers contribuem para as novas posturas educacionais. O aluno é o centro do processo e a escola deve buscar sua auto-realização. Teve início em 1964. Percebe-se que ambas as pedagogias liberais renovadas – progressista e não-diretiva – já sinalizam para o aluno sujeito de sua aprendizagem, para a busca da autonomia e para a importância da interação professor-aluno. • Pedagogia Liberal Tecnicista Como o próprio nome diz, valoriza as questões tecnológicas no processo educativo e, de certa maneira, registra o retorno às práticas da escola tradicional, principalmente no que se refere à postura do professor, que, novamente, torna-se o transmissor do conhecimento. O aluno passa a ser visto, novamente, como um simples receptor de conteúdos prontos e acabados, que valorizam normas, princípios e leis. Os recursos pedagógicos privilegiam os materiais instrucionais, manuais, livros didáticos. O ensino é diretivo. Vale também registrar a ênfase dada às provas de múltipla escolha, desaparecendo as questões dissertativas, 19 20 em que o aluno, além de demonstrar o conhecimento adquirido, podia emitir juízo de valor e apresentar posturas críticas diante das questões apresentadas. A criticidade perde espaço, tanto no cotidiano da sala de aula, quanto na formação do professor. As Leis n.º 5540/68 e n.º 5692/71 (Diretrizes e Bases da Educação Nacional) ratificam os pressupostos da pedagogia tecnicista. Pode-se dizer que houve um retrocesso no processo educacional brasileiro. Interessante perceber que a concepção em foco teve início em 1968, quando acontecimentos políticos importantes intensificaram mudanças significativas no cenário brasileiro. • Pedagogia Progressista Libertadora Paulo Freire é o grande referencial dessa tendência. O caráter político e crítico da educação toma a cena, torna-se o protagonista da prática educativa e dos pressupostos teórico-filosóficos. A prática do diálogo professor-aluno e sua relação horizontal são valorizadas e incentivadas. O conhecimento da realidade do aluno torna-se fundamental, assim como a relação escola-mundo. Partir da vivência do aluno, na seleção e organização de conteúdos, é um dos pressupostos de destaque. A razão primeira da escola torna-se a busca pela transformação da realidade, não mais a manutenção do status quo, bastante enfatizado, principalmente nas pedagogias tradicional e tecnicista. A literatura de Paulo Freire embasa todas as discussões posteriores relativas à educação brasileira, especialmente no que se refere às classes menos favorecidas, as classes populares. • Pedagogia Progressista Libertária Investe na auto-educação e na liberdade, sem cobranças, disponibilizando o conhecimento, sem exigi-lo do aluno, que é o auto-gestor do processo ensinoaprendizagem. Aprendizagem informal, não-diretiva. Pedagogia característica dos anos 80. Fruto dos anos de repressão? • Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos No final da década de 80, as questões sociais tomam o espaço da escola. Os conteúdos necessitam de significação político-social para serem incorporados à sala de aula. A escola deve estar antenada com a comunidade escolar, respeitando e conhecendo as vivências culturais e sociais dos alunos. Pode-se afirmar que a pedadogia crítico-social dos conteúdos retoma, com vigor, os estudos e as concepções teórico-metodológicas de Paulo Freire, acrescidos de novas pesquisas e de estudos de outros educadores. Ante aos intervenientes apresentados, nas abordagens pedagógicas diferenciadas, ao longo dos anos, é possível afirmar que o processo ensino-aprendizagem vai além dos conteúdos programáticos, assim como das metodologias e técnicas de ensino, vistas ainda, por muitos, como um fim em si mesmas. Conteúdos, metodologias e técnicas se contextualizam numa concepção multidimensional, segundo expressão da Professora Vera Candau. Toda uma rede de interações e inter-relações impregnam a escola e, principalmente, a sala de aula e o trabalho do professor. Essa dimensão múltipla não permite a visão reducionista das ações pedagógicas. A objetividade e racionalidade, o estudo das ciências, aliados ao respeito às diferenças socioculturais de cada aluno, se articulam entre si e devem estar incorporados ao fazer cotidiano do professor e ao projeto pedagógico da escola. “Não dá para falar em metodologia separada de uma concepção de educação (de sociedade)” (VASCONCELLOS,1997: 34). 2.3 - A Importância da Leitura e das Diferentes Mídias Leitura: o Prazer de Aprender Um dos recursos de ensino mais significativos e que mantém relação intrínseca com o conhecimento, em todos os seus aspectos, é a leitura. Seja pelo manuseio constante do próprio livro, seja como atividade prioritária no cotidiano da sala de aula. O professor busca, de modo geral, “receitas”, “dicas pedagógicas”, “manuais” para o seu trabalho. Muitas vezes, considera que é muito difícil encontrar tais facilitadores. Na verdade, a leitura, como hábito, como atividade recorrente ao dia-a-dia do professor, possibilita a descoberta de auxiliares didáticos relevantes e significativos para o trabalho docente, principalmente para o seu planejamento diário, semanal, mensal etc. Lendo Paulo Freire, compilamos dados relevantes para iniciar o processo de alfabetização: Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro, gravetos o meu giz. Por isso é que, ao chegar à escolinha particular de Eunice Vasconcellos (...) já estava alfabetizado. Eunice continuou e aprofundou o trabalho de meus pais. Com ela, a leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais significou uma ruptura com a “leitura” do mundo. Com a leitura da palavra mundo (FREIRE, 2006:15). Aprendemos como tornar as aulas de língua portuguesa interessantes, e, principalmente, aprendemos a contextualizar as questões gramaticais: Algum tempo depois, como professor também de português, nos meus vinte anos, vivi intensamente a importância do ato de ler e de escrever (...), com alunos das primeiras séries do então chamado ginasial. A regência verbal, a sintaxe de concordância, o problema da crase, o sinclitismo pronominal, nada disso era reduzido por mim a tabletes de conhecimentos que deveriam ser engolidos pelos estudantes. Tudo isso, pelo contrário, era proposto à curiosidade dos alunos de maneira dinâmica e viva (...). Os alunos não tinham que memorizar mecanicamente a descrição do objeto, mas aprender a sua significação profunda (...). Dentro ainda do momento bastante rico de minha experiência como professor de língua portuguesa, me lembro, tão vivamente (...), das vezes em que demorava na análise de textos de Gilberto Freyre, de Lins do Rego, de Graciliano Ramos, de Jorge Amado. Textos que eu levava de casa e que ia lendo com os estudantes, sublinhando aspectos de uma sintaxe, estreitamente ligados ao bom gosto de sua linguagem (FREIRE, 2006:19). Moretto (2002) orienta o professor no que se refere à elaboração de provas, sinalizando os equívocos freqüentes neste tipo de atividade. Vale a transcrição de um de seus exemplos: “ Questão (geografia): Dê sua opinião: o que você faria para acabar com a situação da seca no Nordeste? Resposta (absurda) de um aluno: “ Nada, absolutamente nada, pois não gosto de nordestino e quero que todo mundo se lasque.” Comentário: A resposta, mesmo absurda, responde ao comando “Dê sua opinião”. Este é o tipo de questão sem parâmetros para correção, que deixa o aluno “na mão do professor”. Alguns professores podem alegar que é importante saber a opinião dos alunos sobre determinado assunto. Ótimo, nada de errado nisso. Mas se assim for, é preciso ter consciência de que qualquer resposta dada merece receber os pontos atribuídos à questão, mesmo uma resposta absurda como a colocada acima. Outra forma de perguntar: Neste mês estudamos o quanto nossos irmãos do sertão nordestino sofrem com a seca que os assola. Imagine que você fosse uma autoridade com poderes de resolver, mesmo em parte, a questão. Apresente ao menos 4 (quatro) medidas racionais e humanitárias que você tomaria para resolver o problema. Comentário: Neste caso, o enunciado introduz a idéia de cidadania na expressão nossos irmãos nordestinos. Há um parâmetro de quatro medidas (não importam quais). O aluno deverá pensar positivamente, pois as medidas deverão ser racionais e humanitárias” (MORETTO, 2002: 107). O fascículo Giramundo (Revista Nós da Escola – MultiRio - 2008) traz orientações pertinentes quanto às possibilidades diferenciadas de correções das atividades discentes. “ - Correção individual feita pelo professor: (...) o professor avalia o trabalho de cada aluno (...) o que ele consegue fazer sozinho, (...) apontar para o aluno as revisões necessárias e situá-lo em relação ao seu desempenho. - Correção coletiva feita pelo aluno com mediação do professor e dos colegas: (...) desenvolver no aluno a autonomia para a autocorreção orientada (...), socialização das respostas do grupo (...), capacitar o aluno a compará-las. - Correção feita por duplas de alunos com posterior revisão do professor: (...) troca efetiva em relação ao trabalho realizado. (...) O professor analisa também a capacidade de autocorreção das duplas e as intervenções necessárias. - Correção por amostragem feita pelo professor: (...) recurso que o professor pode utilizar em algumas tarefas, diminuindo a sobrecarga de atividades a serem corrigidas. - Correção feita por colegas monitores: O professor (...) orienta e estabelece com os alunos alguns parâmetros e procedimentos de correção. - Autocorreção: (...) procedimento de extrema importância no processo de aprendizagem do aluno. Poderá (...) elaborar um roteiro de análise e/ou um gabarito. Quatro “dicas” importantíssimas para a elaboração/ planejamento das atividades. Ao mesmo tempo em que o professor enriquece suas aulas com atividades pertinentes e necessárias, também amplia seu conhecimento.” 21 22 Nas séries iniciais do Ensino Fundamental, o investimento na leitura deve ser maciço, já que as crianças estão abertas ao novo, ao conhecimento, nas suas diferentes manifestações, sem bloqueios, preconceitos ou ojerizas. O ato do prazer de ler se constitui na atividade pedagógica mais importante no processo de aprendizagem, principalmente nas classes iniciais do Ensino Fundamental. Mídias: o Prazer de Interagir Desde os tempos mais remotos, o homem é movido pela necessidade de comunicar-se e de interagir com o outro e, conseqüentemente, com o mundo – conhecido ou desconhecido. Essa necessidade vem sendo, ao longo dos anos, responsável pela gradativa – e cada vez mais intensa, a partir do século passado – diminuição das distâncias temporais e espaciais. Surgiram, assim, a imprensa, o telégrafo, o telefone, o rádio, a televisão, o computador etc. O desejo de comunicação, que expressa, de forma inquestionável, o desejo do homem de conhecer-se, conhecer e ser reconhecido, deu e dá impulso ao despertamento de novas e originais idéias; a tecnologia torna o mundo plano; é possível, ao homem do século XXI, quebrar as mais severas barreiras de tempo e espaço. Dentro desse agigantamento de novas possibilidades, é indispensável que o homem não se apequene: a dimensão humana – o que é uno e indivisível no ser – não pode ser perdida. Estudiosos dos mais diversos saberes – da filosofia à mecânica, da antropologia à física – apontam, na atualidade, para uma forte tendência: a busca de uma cultura para a paz, em que a justiça, a igualdade e a solidariedade representem, mais que um desejo, um efetivo e real recurso de vivência e sobrevivência para a humanidade. A informação é a mais poderosa força de transformação do homem. O poder da informação, aliado aos modernos meios de comunicação de massa, tem capacidade ilimitada de transformar culturalmente o homem, a sociedade e a própria humanidade como um todo. (...) Mas antes de modificar circunstâncias, é preciso modificar o comportamento. Antes de modificar o comportamento, é preciso modificar princípios e valores de vida. Antes de modificar princípios e valores, é preciso modificar a própria filosofia de vida. A construção de uma sociedade mais harmônica e de um relacionamento mais construtivo entre os homens vai depender de uma base de princípios, valores e filosofia de vida .(...) A ética no uso da tecnologia será uma questão de segurança nacional e internacional. E, conseqüentemente, uma das prioridades principais dos estadistas de visão (...) (NAVEIRA, 1991: 201). Nessa perspectiva, a utilização das diferentes mídias, pela escola, deve dar-se de forma atenta, com vistas a garantir a ampliação do conhecimento, o acesso à informação, a diminuição das distâncias e das diferenças, a facilitação da aprendizagem e, sobretudo, a capacidade de manter despertos no aluno a curiosidade, a criatividade, o desejo de transformação e, sobretudo, de interação – indivíduo-indivíduo, indivíduo-meio. De uns tempos para cá, comunicação e educação baseiam seus princípios no conceito de interatividade. Hoje, o conceito de interatividade está relacionado às tecnologias digitais. Mas antes do e-mail, leitores de jornais e de revistas já podiam expressar suas opiniões e dar sugestões através das sessões de cartas, como fazem até hoje. O rádio permitiu a participação do público, em tempo real, pelo telefone. O ouvinte participava (e ainda participa) ao vivo das transmissões (...) Em alguns programas de TV, também era possível (como ainda é) a participação do público (...). Cada vez mais, o diálogo entre as mídias se traduz em interatividade (FASCÍCULO GIRAMUNDO – Revista Nós da Escola – Multirio, 2008). Importante perceber que os diferentes meios de comunicação não desaparecem, nem se sobrepõem, antes, dialogam entre si e vão, gradativamente, passando por um impressionante e permanente processo de transformação, adequando-se, através da curiosidade e da criatividade humanas, às mais diversas necessidades do mundo contemporâneo. Os telejornais passaram a acrescentar características mais tecnológicas ao seu cenário, como a presença de computadores ou câmeras, e não acabam mais no “Boa-Noite” do apresentador, continuando no ciberespaço, com links para informações adicionais, chats com alguém relacionado ao tema exposto na TV(...). Alguns programas contam ainda com uma apresentadora virtual, desenvolvida no computador (Ibidem). Destacamos, do Fascículo Giramundo (Revista Nós da Escola, Multirio, 2008), algumas dicas interessantes de como proporcionar aos alunos atividades que lhes permitam apropriar-se dos diferentes recursos midiáticos para a facilitação de sua aprendizagem, tornando mais prazeroso o ato de aprender e mais interessante e eficaz o ato de ensinar: – Pesquisas: Pesquise com seus alunos materiais audiovisuais antigos e peça que comparem com os atuais. Analise linguagem, formatos e conteúdos. O que mudou? Quais são as características hoje? – Debates: Que tal aproveitar o potencial interativo da web e participar de um chat nos portais de notícias, como Folha On-Line, Globo On-Line, G-1, UOL, Terra e Ig, por exemplo. Os chats são canais de bate-papo on-line, pelos quais os usuários podem conversar entre si, em tempo real (...) esses canais são ideais para sessões de bate-papo entre os leitores e a equipe da redação (...) ou para promover debates com especialistas. – Enquetes: Outra boa idéia para trabalhar é criação de pesquisas e enquetes on-line sobre temas de interesse da comunidade escolar. Através de formulários eletrônicos em linguagem HTML ou mesmo por correio eletrônico, qualquer pessoa pode enviar a sua opinião. Depois, é só disponibilizar os resultados em gráficos e tabelas ou produzir textos sobre o tema abordado, utilizando os dados da pesquisa. – Grupos de Discussão: A interatividade na internet, embora questionada quando surgiu, tem-se mostrado cada dia mais eficaz. Blogs e sites abriram espaço a discussões cada dia mais livres e freqüentes. (...) Mas como saber se o que está sendo veiculado é verdadeiro ou nocivo a crianças e jovens? Organize um grupo de discussão sobre o assunto. Convide especialistas e responsáveis para um debate. Exercícios de Auto-avaliação 1) De acordo com suas concepções teórico-metodológicas e suas vivências: a) Como você avalia as críticas de Vasconcellos à metodologia expositiva, tão corriqueira no cotidiano do professor? b) Que aspectos positivos você ressaltaria nas diversas tendências pedagógicas apresentadas? Justifique cada um desses aspectos. 2) Comente, estabelecendo relação com o cotidiano da sala de aula: “Não dá para falar em metodologia, separada de uma concepção de educação (de sociedade)” (VASCONCELLOS, 1997: 34). Leitura Complementar Leia o texto abaixo: O Antigo e o Novo Paradigma em Educação Quadro Sinótico Métodos de Educação - Antigo paradigma: Exposição verbal, oral, complementada por livros e manuais. Método passivo. Recompensas e punições em um sistema seletivo e competitivo. O professor ensina, o aluno escuta. Escola separada da comunidade. O professor "induz" opiniões, atitudes e mudanças de comportamento. - Paradigma holístico: Pesquisa e trabalho individual e de grupo. Exposições verbais e orais pelos estudantes e pelo professor. Método ativo. Métodos audiovisuais. Exposições, excursões, visitas. O estudante é ativo, pesquisa e ensina aos outros. O professor como conselheiro, consulente, orientador. Escola integrada à comunidade. O educar é um exemplo da integração de princípios e comportamentos que ela recomenda. (WEIL, 2002: 44) a) Identifique as tendências pedagógicas constantes nos dois paradigmas – antigo e holístico. b) Selecione os aspectos positivos para a escola do novo milênio. Justifique suas escolhas. 23 24 UNIDADE III A PERSPECTIVA CRÍTICA DOS CONTEÚDOS, DAS METODOLOGIAS E TÉCNICAS DE ENSINO NAS ESCOLAS DE ENSINO FUNDAMENTAL 3.1 - Competências Básicas para o Trabalho Docente Numa sociedade em crise, em que os referenciais familiares, os valores éticos e morais encontram-se em processo de anomalia, a instituição escola assume papel de destaque, reconhecido pela própria sociedade. Neste emaranhado, o professor se torna protagonista da transformação social e de cada indivíduo. Ensinar, nos dias de hoje, constitui-se em desafio imenso, acrescido do fato de que a formação dos docentes se deu, em grande parte, no século passado. Competências e habilidades diversas estão sendo exigidas para que o professor dê conta do ato de ensinar. Ao revisitar estudiosos renomados, será possível ao professor redimensionar sua prática e seus saberes, intervindo, positivamente, no cotidiano escolar. Autores diversos sinalizam, de diferentes maneiras, o que poderíamos chamar de competências básicas para o trabalho docente, no início de um novo século. O professor que reconhece a existência das ligações e solidariedade entre as disciplinas (...) Sua prática depende da atitude que cada educador deve tomar frente ao conhecimento, (...) superando o parcelamento do saber em busca da objetividade necessária que possibilite a compreensão global da realidade, (...) possibilidade de reorganização do saber para a produção de um novo conhecimento (BARBOSA, apud FAZENDA, 2005: 65). Conceitos como interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, multidisciplinaridade estão presentes nos documentos legais, nos estudos contemporâneos sobre educação, nas metodologias de ensino. Talvez seja essa a competência mais importante, quando o professor organiza suas atividades, tomando, como referencial, os conteúdos conceituais, propostos pelos PCN, e o aprender a conhecer de Delors. O professor que problematiza as situações de aprendizagem Como fazer alguma coisa (no caso, a educação), desligada do o que fazer, conduz a um equívoco teórico/prático muito grande. Aprende-se o caminho que conduz a algum lugar, sem saber para onde ir (LUCKESI, apud CANDAU, 2007: 32). "A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática, sem a qual a teoria pode ir virando blablablá e a prática, ativismo" (FREIRE, 1996: 22). Luckesi e Freire reiteram a importância da relação intrínseca teoria-prática. O professor deve operacionalizar os pressupostos teóricos, dar concretude às questões teórico-filosóficas. Metodologias e técnicas didáticas devem estar a serviço da aprendizagem significativa. Por meio da escolha de conteúdos significativos, o aluno perceberá o conhecimento como parte integrante do seu cotidiano. O processo ensino-aprendizagem não pode ser alienante, nem alienado. Deve estar presente no dia-a-dia de crianças e jovens e ser incorporado como necessário à vida. O professor que busca a formação, através do autoconhecimento É importante que o professor se prepare: (...) filosófica, científica, técnica e afetivamente para o tipo de ação que vai exercer. Para tanto, serão necessárias não só aprendizagens cognitivas sobre os diversos campos de conhecimento que o auxiliem no desempenho do seu papel, mas – especialmente – o desenvolvimento de uma atitude, dialeticamente crítica, sobre o mundo e sua prática educacional (...). A sua constante atualização se fará pela reflexão diuturna sobre os dados de sua prática (LUCKESI, apud CANDAU, 2007: 28). Atualização, capacitação, formação em serviço são inerentes à prática docente. Para que tenham êxito, estarão, sempre, acompanhadas de uma auto-avaliação. O professor, como todo profissional consciente, deve ter uma postura crítica diante do seu fazer, já que estamos, todos, sempre, em constante e ininterrupto processo de desenvolvimento e aprimoramento. A busca pelo crescimento profissional deve-se constituir num sinalizador de dificuldades e carências ou num sinalizador do aprofundamento da teoria-prática pedagógica. Em ambos os casos, ratifica-se a relação direta entre o autoconhecimento, a auto-avaliação e a busca pela formação e atualização. O professor que dialoga e conscientiza Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender (FREIRE,1996: 22). Desnecessário repetir a importância da interação professor-aluno. Diálogo pressupõe o outro. Ensinar e aprender trazem, em si, o conceito de alteridade. Freire enfatiza a troca de saberes e vivências no cotidiano escolar. Vai além: enfatiza a humildade, na medida em que respeita e reconhece o aluno como um ser humano em processo de interlocução com o professor. Valoriza o sentido de igualdade e da dignidade humana. O diálogo constante e permanente leva à conscientização, ao respeito às diferenças, ao respeito às divergências. Podemos dizer que o processo educativo se constitui numa questão ética. O professor que provoca a reflexão (...) uma das condições de pensar certo é não estarmos demasiadamente certos de nossas certezas (...) que seja tão fundamental conhecer o conhecimento existente quanto saber que estamos abertos e aptos à produção do conhecimento ainda não existente (Ibidem,1996: 28). No início de um novo século, de mudanças rápidas e inesperadas, é importante conhecer não apenas o que foi historicamente construído, mas estar permanentemente aberto a novos conhecimentos e a refletir sobre eles. Somos seres inacabados. O pensar certo de Paulo Freire remete-nos à importância da indagação diária, da reflexão constante, do pensar freqüente. Certamente, a prática da reflexão permanente deve impregnar a prática docente. O professor que desperta a curiosidade Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses “quefazeres” se encontram um no corpo do outro. Como ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constantando, intervenho, intervindo, educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (...). Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa (Ibidem, 1996: 29). A curiosidade do professor alavanca a curiosidade no aluno. As ações pedagógicas devem valorizar a pesquisa, o descobrimento, o re-descobrimento. Somente com o despertamento da curiosidade, do desejo pela descoberta é que o aluno pode realmente se tornar sujeito de sua aprendizagem. A descoberta leva à novidade, foge à rotina e à mesmice. Crianças e jovens adoram o novo, o inesperado, o surpreendente. “Provocar certas necessidades no sujeito que se deixado a si muito provavelmente não apareceriam. Despertar a sede de conhecimentos; desestabilizar" (VASCONCELLOS, 2003: 61). O professor que surpreende "Não se pode fazer educação sem ‘paixão’. Agir em educação, como um burocrata, é fazer o jogo de decisões alheias (...)" (LUCKESI apud CANDAU, 2007: 28). (...) um professor que tem a visão e o tipo de engajamento que apontamos (...) está profundamente imerso na dinâmica do amor pelos alunos, pelo conhecimento, pelo ensinar, por si, pela sociedade e pela vida (VASCONCELLOS, 2003: 62). Alunos sujeitos de sua aprendizagem possuem professores comprometidos e apaixonados. Educação se faz com exemplos. Somente professores apaixonados, comprometidos com a aprendizagem de todos os seus alunos, podem contribuir para a formação de cidadãos que, pelo exemplo, também serão apaixonados pela busca do conhecimento, pelo ato de aprender. 25 26 3.2 - Conteúdos, Métodos e Técnicas de Ensino – Apenas uma Questão de Semântica? Apesar dos avanços tecnológicos e científicos, apesar das críticas severas a respeito de diversas posturas pedagógicas, a instituição escola ainda traz, em si, concepções de autoritarismo, discriminação, preconceito e exclusão. Segundo Morin (2006), a organização disciplinar surgiu no Século XIX, com o avanço das pesquisas científicas, e a divisão por disciplinas – a especialização – foi importante por conta das inúmeras descobertas, dadas através de estudos específicos aprofundados. Historicamente, a questão da obediência às normas disciplinares, o rigor pedagógico, a submissão do aluno às determinações superiores impregnavam o espaço escolar. Algumas expressões do universo educacional comprovam tais afirmações. Morin (2006), entretanto, aponta para o "perigo de hiperespecialização do pesquisador” e um risco de "coisificação" do objeto estudado, do qual se pode esquecer que é destacado ou construído. Tomemos, de início, como referenciais, dois vocábulos muito presentes no cotidiano educacional – DISCIPLINA e REPROVAÇÃO – e busquemos seu significado. Primeiramente, a palavra disciplina. Etimologicamente, disciplina constituía-se em "um pequeno chicote utilizado no autoflagelamento e permitia, portanto, a autocrítica (...)" (MORIN, 2006: 106). A autocrítica era realizada através do autoflagelamento, da autopunição. O castigo era necessário por conta dos erros ou falhas cometidos. O chicote e a palmatória eram importantes para que os defeitos fossem corrigidos e os culpados, punidos. No dicionário Aurélio (século XXI ) disciplina significa "regime de ordem imposta ou livremente consentida. Ordem que convém ao funcionamento regular duma organização (militar, escolar etc.). Relações de subordinação do aluno ao mestre ou ao instrutor (...) Submissão a um regulamento." Como nós, professores, utilizamos a palavra disciplina nos dias de hoje? Qual a sua conotação? Interessante notar a presença de duas organizações, no momento da conceituação da palavra disciplina: militar e escolar. A reflexão a respeito do uso do vocábulo é, portanto, uma exigência pedagógica. Impossível "passar ao largo". No que se refere à matriz curricular (anteriormente denominada grade curricular), a palavra disciplina também merece destaque. O objeto da disciplina será percebido, então, como uma coisa auto-suficiente; as ligações e solidariedades desse objeto com outros objetos estudados por outras disciplinas serão negligenciadas, assim como as ligações e solidariedades com o universo do qual ele faz parte. A fronteira disciplinar, sua linguagem e seus conceitos próprios vão isolar a disciplina em relação às outras e em relação aos problemas que se sobrepõem às disciplinas. A mentalidade hiperdisciplinar vai tornar-se uma mentalidade de proprietário que proíbe qualquer incursão estranha em sua parcela de saber (MORIN, 2006: 106). Quanto ao outro vocábulo bastante utilizado – palavra reprovação –, novamente visitemos o professor Aurélio: "Reprovação: condenação, crítica, censura (...) desprezo, desconsideração, desdém." Resgatar o significado das palavras disciplina e reprovação torna-se bastante pertinente, já que ratifica as concepções rígidas, fechadas e herméticas da escola tradicional. No contexto educacional contemporâneo, já há indícios de conotações positivas que vão tomando a cena. Ao invés de disciplina, interdisciplina(ridade) e transdisciplina(ridade), vocábulos que apresentam prefixos latinos que significam, respectivamente, “reciprocidade, intercâmbio” e “movimento para além de”, sinalizadores do sentido de flexibilidade, troca, abertura, ampliação. Não mais conceitos fechados em si mesmos. A questão do erro, por exemplo, já se apresenta de maneira diferenciada – objeto de estudo de inúmeros pesquisadores e de acordo com as novas concepções educacionais. O modo como escutamos o aluno pode contribuir para que ele potencialize sua expressão ou se cale; corrigir uma resposta errada pode ajudar o aluno a aprender o que ainda não sabia, mas, também, pode paralisar seu movimento em direção a novos conhecimentos. Como avaliar aquela criança que avançou muito mas não atingiu os objetivos propostos para a série? Aprova-se ou reprova-se aquele menino que, no final do ano deu um estalo, aprendeu muitas coisas, mas ainda não está no nível do resto da turma? (ESTEBAN, 2002: 58). Recentemente, a mídia, na cidade do Rio de Janeiro, enfatizou a questão da aprovação automática e a implantação dos Ciclos de Formação nas escolas públicas da prefeitura. Os desafios da Educação estão postos. Os estudos científicos comprovam que toda criança é capaz de aprender. O Brasil, praticamente, já universalizou o ensino fundamental. No entanto, os índices de evasão e repetência ainda são assustadores. Como resolver essa equação? Como ensinar tudo a todos, conforme Comenius, no século XVII, já preconizava na sua Didática Magna? É nesta linha de pensamento, buscando avanços significativos, que os quatro pilares da educação estão contidos: aprender a conhecer, mas também aprender a fazer, a viver junto, a SER. As ciências humanas se ocupam do homem, mas este é, não apenas, um ser físico e cultural, como também um ser biológico, e as ciências humanas, de certa maneira, devem ter raízes nas ciências biológicas, que devem ter raízes nas ciências físicas – nenhuma dessas ciências, evidentemente, é redutível uma à outra. Entretanto, as ciências físicas não constituem o último e principal pilar sobre o qual são edificados todos os outros; essas ciências físicas, por mais fundamentais que sejam, também são ciências humanas, no sentido em que surgem em uma história humana e em uma sociedade humana (MORIN, 2006:113). "A história humana e em uma sociedade humana" tem que estar presente, compulsoriamente, no universo educacional. A escola do século XXI precisa, urgentemente, sair do "chicote" disciplinar, no seu sentido mais amplo, para a concepção macro do exercício democrático, da inclusão, da escola para todos, da aprendizagem de todos e, principalmente, para o conhecimento, em todos os seus matizes. Nunca é demais revisitar Sócrates e Platão: Uma sociedade só pode alçar vôo através do desenvolvimento harmônico de duas asas: uma, a ciência, e a outra, a virtude (SÓCRATES, apud NAVEIRA, 1989: 201). A menos que os filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos, não haverá alívio para os males que assolam o gênero humano e os Estados (PLATÃO, apud NAVEIRA,1989: 201). É nesse contexto que a escola deve estar inserida, buscando, permanentemente, a competência técnica – de alunos e professores – sempre em simbiose com a dimensão humana, buscando a ciência e a virtude de Sócrates, os reis e os filósofos de Platão. Somente dessa maneira, a instituição escola estará cumprindo a sua função primeira: contribuir para a melhoria da qualidade de vida do ser humano, da humanidade. Exercícios de Auto-avaliação 1) Estabeleça relações entre os quatro pilares da educação e as competências básicas do trabalho docente. Justifique cada uma das relações encontradas por você. 2) Muitos professores consideram pieguismo a utilização de palavras como paixão, amor, afeto, prazer, no universo pedagógico. Como você avalia a questão? 3) Comente, de acordo com os estudos apresentados neste instrucional: “O mais importante, na construção do Homem, não é instruí-lo – haverá algum interesse em fazer dele um livro que caminha?” (CHALITA, 2001: 65). Leitura Complementar Após a leitura do texto a seguir, comente de que modo os conteúdos, metodologias e técnicas de ensino adotados pela escola podem estar relacionados com o êxito ou o fracasso das relações entre família e escola. A escola, em nossa sociedade, além da função básica de transmissora de conhecimento e cultura, representa um dos agentes principais de integração social, constituindo, depois da família (e em alguns casos até substituindo a família) o fator determinante e determinador do processo de socialização dos alunos. Para crianças ou jovens com deficiências, que têm maior dificuldade em estabelecer um círculo de amigos em ambientes nãoformais como a rua, clube, praia, ou outros, a escola, sem dúvida, é o campo primário de inserção social. Nas 27 28 palavras de uma jovem com deficiência mental: - “Amigos só tenho aqui na escola. Da escola pra lá eu não tenho mais ninguém” (GLAT, 2003: 104). Essa situação foi também identificada pelos pais, como pode ser visto no depoimento seguinte. Uma coisa que a gente deixa ele mais na escola é como meio de socialização... que a única amizade que ele faz é na escola. Nem aqui no prédio ele não conseguiu. Tem vários meninos da idade dele, mas não conseguiu esse relacionamento (dislexia, 15 anos) (GLAT, 2003: 83). 29 Se você: 1) 2) 3) 4) concluiu o estudo deste guia; participou dos encontros; fez contato com seu tutor; realizou as atividades previstas; Então, você está preparado para as avaliações. Parabéns! 30 Glossário Comenius (1592-1670): o criador da Didática Moderna e um dos maiores educadores do Século XVII. Concebeu uma teoria humanista e espiritualista da formação do homem, que resultou em propostas pedagógicas hoje consagradas ou tidas como muito avançadas. Didática Magna: escrita por Comenius (1592-1670): é considerado o primeiro tratado sistemático de pedagogia, de didática e até de sociologia. Pode ser sintetizada como a “arte universal de ensinar tudo a todos”, apresentando as características fundamentais da instituição escolar moderna. Escolas Montessorianas: são aquelas que utilizam a pedagogia da médica e pedagoga italiana Maria Montessori (1870-1952), cujo método, difundido em todo o mundo, consiste em harmonizar a interação de forças corporais e espirituais, corpo, inteligência e vontade. Busca a educação da vontade e da atenção, dando, às crianças, liberdade de escolher o material a ser utilizado, além de proporcionar a cooperação entre elas. Grade Curricular: é a relação das disciplinas que compõem cada uma das séries/anos de um determinado curso. Interdisciplinaridade: reconhece que os conteúdos se intercomunicam e, conseqüentemente, modificam-se, permitindo um conhecimento unificado, não mais fragmentado. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): “questiona a visão fragmentada (disciplinar) da realidade sobre a qual a escola, tal como é conhecida, historicamente se constituiu. Refere-se, portanto, a uma relação entre disciplinas”. Recupera a noção de unicidade do conhecimento humano, vendo o homem como um ser integral, no qual se conjugam aspectos biológicos, psicológicos, e sociais. Multidisciplinaridade: ocorre quando um tema é abordado por diversas disciplinas, sem que haja uma relação direta entre elas. As abordagens dão-se, especificamente, por cada disciplina, que não estão interligadas. Polis: palavra grega que significa cidade, entendida como comunidade organizada, formada pelos cidadãos nela nascidos, livres e iguais e que exercem, nessa Cidade-Estado (Grécia Antiga), a civilidade. Status Quo: expressão latina (in statu quo ante) que designa o estado atual das coisas, seja em que momento for. É usada para definir o estado das coisas ou situações. Pode aparecer utilizada das seguintes formas; “manter o status quo”, “defender o status quo” ou “mudar o status quo”. Gabarito Considerações iniciais Os exercícios, em sua maioria, possuem uma parte conceitual, de cunho particular. No entanto, existem aspectos básicos em cada um deles que não podem deixar de ser sinalizados. Esses aspectos, logicamente, estão contidos no gabarito. Unidade I Exercícios de Auto-avaliação 1. Referencial para a resposta: exemplo contido no item 1.1. 2. Responda somente após leitura de todas as unidades contidas no instrucional. 3. Enfoque principal: compromisso e paixão. Leitura complementar Teça considerações especiais a respeito de cada uma das falas apresentadas. Unidade II Exercícios de Auto-avaliação 1. a) Enfoques principais: – aluno como sujeito de sua aprendizagem; – a postura crítica e a importância da autonomia. b) Enfoques principais: – situações-problema - pedagogia liberal renovada progressista; – aluno como centro do processo educativo - pedagogia liberal renovada não-diretiva; – caráter político e crítico no processo de ensino-aprendizagem - pedagogia progressista libertadora; – caráter político-social - pedagogia crítico-social dos conteúdos. 2. Enfoque principal: correlação escola-mundo. Leitura Complementar Enfoques principais: – escola tradicional - paradigma antigo, com implicações na pedagogia tecnicista; – paradigma holístico - demais tendências pedagógicas. 31 32 Unidade Iii Exercícios de Auto-avaliação Enfoques principais: 1. (...) ligações e solidariedade – aprender a conhecer; (...) problematiza as situações de aprendizagem – aprender a fazer; (...) formação, através do autoconhecimento – aprender a ser; (...) dialoga e conscientiza – aprender a viver junto e aprender a ser; (...) que surpreende – aprender a ser. 2. Respostas pessoais. 3. Enfoque principal: Onde entra a dimensão humana? Leitura Complementar Enfatizar a relação família-escola. Referências Bibliográficas BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DE DESPORTO, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 1997. CANDAU, Vera Maria. A Didática em questão. Rio de Janeiro: Vozes, 2007. CHALITA, Gabriel. 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