A dura vida dos estagiários no setor financeiro
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27/01/2014 - 00:00
A dura vida dos estagiários no setor financeiro
Por Emma Jacobs
Durante estágio no Goldman Sachs,
um estudante, que prefere não ter o
nome citado, aprendeu muito sobre
a área bancária - e também sobre si
mesmo. "Sei que consigo aguentar
de 15 a 20 horas de trabalho por
alguns dias seguidos sem
(/sites/default/files/images/06127500____.jpg)
desmoronar", diz, embora admita
ter cochilado no banheiro uma vez ou outra.
Tal vigor "é uma capacidade útil de se ter", reflete o jovem.
A morte no verão europeu de um estagiário do Bank of America Merrill Lynch, que segundo um médico-legista pode ter
sido provocada por excesso de trabalho, levou muitos bancos, incluindo o Goldman Sachs, a pensar na ideia de tratar esses
profissionais de maneira um pouco mais cuidadosa.
Algumas instituições já anunciaram medidas para melhorar as condições de trabalho dos jovens recrutas. O Credit Suisse,
por exemplo, determinou que os funcionários juniores não devem ir ao escritório aos sábados - a menos que estejam
trabalhando em algum negócio "vivo", como costumam referir-se às transações já em fase de negociação, segundo
memorando enviado por Jim Amine, diretor global da área de investimento.
Muitos argumentam, contudo, que tais regras são impossíveis de adotar, ou contêm tantas exceções que acabam se
tornando irrelevantes na prática. Além disso, enquanto a procura por empregos na área bancária alimentar uma
competição ferrenha, o pessoal mais novo vai tentar provar seu valor driblando a política da firma.
O estudante que cochilava no banheiro, por exemplo, é cético quanto ao impacto dos memorandos para reduzir a carga de
trabalho. "As horas são longas e você não tem como escapar. Se você quer entrar no setor financeiro, não há forma de
evitar isso". Ninguém admitiria estar com dificuldade por excesso de trabalho, diz ele. "Seria uma conversa complicada".
Decidido, ele espera garantir um emprego na área quando se formar.
Hephzi Pemberton, cofundadora da empresa de consultoria Kea, que recruta novatos da área financeira para fundos hedge
e grupos de private equity, trabalhou na divisão de banco de investimento do Lehman Brothers. Para ela, há limites no
grau de mudanças que as ordens do alto escalão podem provocar na cultura de um banco, que em grande parte depende
dos gerentes das equipes.
Polly Courtney, que deixou o Merrill Lynch como uma jovem executiva, diz que a diferença entre a retórica do
departamento de recursos humanos e a prática em seu ex-empregador era cômica, de tão grande. "Você participava de
conversas em que dizia 'Aprendi a ser respeitoso com os demais'. Então, voltava a sua mesa e apunhalava um colega pelas
costas". As pessoas sempre vão driblar a política da companhia para poderem se destacar, diz. "Se você for proibido de ir
ao escritório aos sábados, então simplesmente vai trabalhar de longe".
Outra estagiária, estudante universitária, recorda de táticas que chegavam ao ridículo para esconder quando iam embora,
como alguns que saiam pela porta de trás. Ninguém dizia "oi" ou "tchau", conta. Isso apenas revelaria quantas horas de
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trabalho haviam feito. Um colega, certa vez, saiu do escritório às 21h porque não havia mais trabalho a fazer, e acredita que
esse foi o motivo por não ter conseguido um emprego permanente.
O doutor Michael Sinclair, terapeuta e autor de "Fear and Self-Loathing in the City: a guide to keeping sane in the Square
Mile" (algo como "medo e autodepreciação na City: um guia para continuar são na Square Mile", em inglês), diz que os
próprios novatos que entram no mundo das finanças colocam enorme pressão sobre seu desempenho, em vez de apenas
receber ordens dos chefes.
"Eles têm o desejo de entrar no turbilhão. A área de banco de investimento é muito atrativa. É alta adrenalina e altos
salários. Os mais jovens vão trabalhar incansavelmente para tentar impressionar". Hephzi Pemberton concorda. "As
pessoas que vão para o mundo das finanças estão dispostas a trabalhar duro. Provavelmente eram as que viravam a noite
estudando na universidade. Não eram as que ficavam sentadas tocando violão."
Thomas Cuvelier, ex-executivo que agora recruta jovens para a área, concorda. "Na prática, nada impede novatos e
estagiários de trabalhar em casa. É uma regra muito difícil de aplicar". Em sua opinião, os bancos vêm se empenhando
genuinamente para coibir excessos e mudar a cultura de muitas horas de trabalho, mas não têm controle completo sobre a
carga horária dos funcionários. "Os clientes são exigentes e imprevisíveis. Suas demandas muitas vezes são de última hora.
Mas é por isso que o trabalho é bem pago - porque é duro".
Para Kilian Wawoe, que trabalhou no ABN Amro e agora é consultor de recursos humanos em bancos, determinar que
alguém não deve trabalhar nos sábados é como dizer às pessoas em um bar que devem beber menos. "Em outras palavras,
há uma cultura e há regras. Se essas regras não refletem a cultura, são inúteis". Enquanto os gerentes continuarem
trabalhando nos fins de semana, eles vão recrutar, promover e recompensar pessoas que fizerem o mesmo, acrescenta.
Enquanto isso, é da natureza do setor "esperar o inesperado", diz uma jovem executiva de banco de investimento que
trabalhou em duas das principais firmas da área. Ela destaca que alguns gerentes vão driblar as regras que permitem o
trabalho de novatos nos fins de semana apenas em casos especiais. "Um chefe vai dizer que se trata de algo urgente, sem
que realmente seja. De qualquer forma, é difícil dizer quando algo é."
A concorrência entre os estagiários é incrivelmente acirrada, diz um estudante que atuou em um banco "butique". "No
final, apenas uma parte dos estagiários é efetivada. Assim, você vai tentar ser o primeiro a chegar e o último a sair". Os
estagiários, diz, vão quebrar as regras, pois querem impressionar.
Além disso, um número cada vez maior de estudantes estrangeiros vem aumentando a pressão: "Quando entram no
estágio, eles fazem de tudo para conseguir um emprego definitivo na City. Isso dá a eles a oportunidade de tirar seus vistos
e viver em Londres. Estamos concorrendo contra estudantes dos Estados Unidos, China e Índia. É muito, muito
competitivo."
Poucos novatos consideram uma boa ideia tentar amolecer os estágios. Polly Metcalfe, assessora do serviço de carreiras da
Universidade de Oxford, destaca que os estudantes já entram na área de banco de investimento com os olhos bem abertos.
"Eles têm uma ideia bem realista da cultura e do ambiente que vão encontrar nesse locais e, provavelmente, levaram isso
em conta antes de se candidatar a um estágio."
Nas palavras de um novato, que não quis ser identificado: "As pessoas que entram no setor financeiro não querem ser
tratadas com suavidade. Gosto quando me pressiono para chegar a meus limites". No inquérito sobre a morte de Moritz
Erhardt, o estagiário do Bank of America, seu superior Jürgen Schröder disse que o estudante alemão de 21 anos, assim
como os estagiários em geral, tinha de trabalhar por várias horas sem descanso. "Isso é definido de acordo com os projetos
e os prazos que temos. Se você trabalha em um negócio 'vivo', o tempo de entrega precisa ser cumprido", disse Schröder,
no inquérito.
Ele também disse, contudo, que alguns estagiários simplesmente gostavam de ficar até tarde porque eram "homens muito
competitivos, que algumas vezes se gabavam das longas horas de trabalho". Schröder não acha que isso tenha sempre sido
motivado por necessidade, mas possivelmente por pressão entre os próprios colegas. Muitos ressaltam que outros setores
têm as mesmas condições extenuantes de trabalho, mas não atraem a mesma atenção da sociedade. "Advogados e
consultores trabalham as mesmas horas, se não mais", diz Cuvelier.
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Um consultor da área financeira diz estar surpreso com o furor, e que a polêmica coloca o setor em uma posição
complicada. "As pessoas adoram atacar os executivos de bancos. O público fica furioso quando eles ganham muito dinheiro
e também fica furioso quando eles trabalham muito para isso."
>> Leia mais: Drogas e solidão alimentam jovens profissionais do mercado financeiro (http://www.valor.com.br
/carreira/3407742/drogas-e-solidao-alimentam-jovens-profissionais-do-mercado-financeiro)
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