Brasil rural: matar e desmatar Nos últimos dias, cinco líderes rurais foram assassinados no Brasil. No Pará, mataram Herenilton Pereira dos Santos e o casal de ambientalistas Maria do Espírito Santo da Silva e José Cláudio Ribeiro da Silva, do projeto agroextrativista Praialta‐Piranheira. Os três viviam no mesmo assentamento rural, em Nova Ipixuna. José Cláudio teve uma orelha arrancada. Isso prova ter sido seu assassinato encomendado. É praxe o mandante exigir do pistoleiro a orelha da vítima como “recibo” do pagamento pelo “serviço” prestado. Em Rondônia assassinaram Adelino Ramos, presidente do Movimento Camponeses Corumbiara. E em Eldorado dos Carajás, mataram Marcos Gomes da Silva. O governo federal tomou providências para prender os mandantes e pistoleiros e convocou uma reunião ministerial de emergência para analisar a relação dos crimes com a recente aprovação, pela Câmara dos Deputados, do novo Código Florestal. A ministra Maria do Rosário, dos Direitos Humanos, repassou às autoridades do Pará denúncias da Federação de Trabalhadores da Agricultura Familiar, que relatam 17 assassinatos ocorridos no estado nos últimos anos, sem que a polícia paraense tenha aberto inquérito. “O Pará é o lugar de maior atuação dos grupos de extermínio hoje no Brasil” – declarou a ministra dos Direitos Humanos. “Há uma impunidade muito forte. E isso é incompatível com a democracia, o Estado de direito e os direitos humanos.” As quatro vítimas lideravam lutas contra a desmatamento da Amazônia, causando a ira de madeireiros e latifundiários. O projeto Praialta-Piranheira é modelo de assentamento sustentável de reforma agrária, adotado pelo Incra na Amazônia. Seu objetivo é assegurar o sustento de famílias de pequenos agricultores sem devastar a floresta. Adelino Ramos, em Rondônia, liderava o projeto de assentamento agroflorestal. Os dois projetos, segundo o Ministério do Meio Ambiente, são obstáculos ao desmatamento (que transforma a floresta em pasto) e à extração ilegal de madeira na Amazônia. O novo Código Florestal, tal como aprovado por deputados federais, deverá sofrer modificações no Senado e suas cláusulas mais nocivas serão, com certeza, vetadas pela presidente Dilma. Ao transferir para estados e municípios o controle ao desmatamento e anistiar o agronegócio de pesadas multas aplicadas a crimes de degradação ambiental, o novo Código dá sinal verde à ocupação descontrolada de terras e agrava as tensões fundiárias. Tal como aprovado na Câmara dos Deputados, o novo Código retira a referência à lei de crimes ambientais (Lei 9.605/98). No art. 130, que isenta propriedades de até quatro módulos fiscais da obrigatoriedade de manter a Reserva Legal nos limites da lei, permite o desmate direto de 69. 245.404 hectares de florestas nativas (cf. Potenciais Impactos das Alterações do Código Florestal Brasileiro na Meta Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa, Observatório do Clima, 2010). Apenas nos estados do Norte do Brasil, esse dispositivo proporcionaria desmatamento de até 71 milhões de hectares de florestas nativas (cf. Nota Técnica para a Câmara de Negociação do Código Florestal do Ministério Público Federal) Mais do que um Código Florestal, o Brasil necessita, urgente, de uma reforma agrária. É lamentável que este tema esteja ausente da pauta do Congresso Nacional. Somos uma nação de dimensões continentais, com recursos naturais inestimáveis e inigualáveis e, no entanto, convivemos com a tragédia de cerca de 4 milhões de famílias expulsas de suas terras. Um por cento dos proprietários rurais é dono de 50% do território brasileiro! A Comissão Pastoral da Terra, que acompanha os conflitos fundiários desde 1985, registra que, daquele ano até 2010, 1.580 pessoas foram assassinadas no campo. Dos assassinos, apenas 94 foram julgados e condenados: 21 mandantes e 73 executores (pistoleiros). E, dos mandantes, somente um se encontra preso, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, responsável pela morte da irmã Dorothy Stang, baleada no Pará em 2005. Atualmente a lista de ameaçados inclui 1.855 pessoas. Personagens de uma crônica das mortes anunciadas? Sim, se o governo não der um basta à nefasta estratégia amazônica de matar para desmatar. Outras mortes por assassinato ocorrerão se a presidente Dilma não tomar providências enérgicas para qualificar os assentamentos rurais, impedir o desmatamento e puni-lo com rigor, cobrar as multas aplicadas, federalizar os crimes contra os direitos humanos e, sobretudo, vetar o Código Florestal aprovado pelos deputados federais e promover a reforma agrária. Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. Fonte: Correio do Brasil – ano XI – n. 4269 Atenção : Neste segundo texto, vocês completamente diferente desta questão terão uma visão A visão anti-liberal – A farsa da reforma agrária PUBLICADO POR JOÃO MELLÃO NETO EM 16 JUL 2009 OESP – publicado em abril de 2004 “Tanta terra sem gente, tanta gente sem terra” – essa é uma das frases de efeito preferidas do messiânico Frei Beto, uma espécie de revolucionário de batina, ao se referir à famigerada reforma agrária. O frade em questão é a favor da redistribuição fundiária. Todo mundo, em princípio, também é. Nada mais odioso do que saber que enquanto os miseráveis urbanos passam fome, alguns milhões de agricultores autênticos não podem plantar alimentos porque a terra, no Brasil, está ociosa, concentrada nas mãos de alguns poucos latifundiários, que a deixam estocada, com fins especulativos. As teses de Frei Beto e da Comissão Pastoral da Terra – ligada à ala esquerda da Igreja Católica – seriam impecáveis se tudo isso fosse verdade. O problema é que não é. Primeiro: se os miseráveis urbanos passam fome isso se deve à sua baixa renda e não à falta de produção de alimentos. A agricultura brasileira está tecnologicamente habilitada e tem plenas condições de alimentar toda a nossa população e ainda exportar bilhões de dólares de excedentes. Segundo: existem de fato agricultores autênticos sem terra – são filhos de pequenos agricultores que não cabem mais nas pequenas propriedades de seus pais e, em tese, mereceriam uma oportunidade de tornarem-se eles também pequenos proprietários. Só que eles não estão entre os zangados e baderneiros militantes do MST. O movimento do Sr. Stédile se compõe, em sua imensa maioria, de pessoas de origem urbana, que não têm a menor vocação ou prática nas lides rurais. Terceiro: Os odiosos latifúndios improdutivos – terras ociosas e estocadas com fins especulativos – simplesmente não existem mais no país. Com o fim da inflação não faz mais sentido especular com terras. Em função do receio da reforma agrária, as grandes propriedades inexploradas, nas últimas duas décadas, ou foram desapropriadas, ou tornaram-se produtivas ou foram vendidas para empresários que as fazem produzir. Acabo de ler e reler o recém lançado livro “O Carma da Terra no Brasil”, do meu colega de página Xico Graziano. Eu o recomendo para todos que quiserem entender a nossa realidade rural. Ele confirma, lastreado em dados concretos e pesquisas de campo, aquilo que eu já sabia, por ouvir dizer, sobre os estarrecedores resultados da reforma agrária no nosso país. FHC realizou a maior reforma agrária democrática da história mundial nos seus dois mandatos. Distribuiu 20 milhões de hectares, assentou 600 mil famílias e gastou, por baixo, uns 20 bilhões de reais. Que bom! Dirá o leitor. Temos então mais de meio milhão de novas famílias no campo, produzindo satisfeitas e gerando alimentos baratos para as populações urbanas… Só que a realidade é bem outra. De cada 10 assentados, pelo menos 4 venderam de imediato os direitos de posse dos seus lotes e, dos 6 que sobraram, uma minoria realmente produz com as próprias mãos. Os assentados, por não entenderem nada de produção agrícola, trataram logo de arrendar os seus lotes para terceiros, que os utilizam como pastagem de gado ou produção de cana de açúcar. Se alguém duvida, que vá pessoalmente ao Pontal do Parapanema – a maior região de assentamentos em São Paulo – e constate com os seus próprios olhos. Eles nem sequer residem em seus lotes. Garantem uma renda mensal pelo aluguel das terras e moram nas cidades, onde têm empregos urbanos. É revoltante. E agora ainda vem esse tal de “abril vermelho”, invadindo terras produtivas para, como eles mesmos dizem, “infernizar” o país. Tudo o que foi dito acima é do pleno conhecimento do presidente Lula, da Comissão Pastoral da Terra e do Sr. Stédile. Só que, nesse assunto, impera o cinismo geral. Lula não pode desmascarar o MST porque durante duas décadas se valeu do movimento para alavancar o seu PT. A Igreja “progressista” continua abençoando o movimento porque, para os bispos esquerdistas, a questão agrária, agora, é o seu novo evangelho e seu principal instrumento de pregação e arregimentação de fiéis. Quanto ao Sr. Stédile, bem, ele sabe muito bem porque está levando esta farsa à frente. O MST de há muito deixou de ser um movimento agrarista para tornar-se uma milícia com fins revolucionários. E, para atingir esses fins, pouco importam os meios. Mesmo que sejam flagrantemente fora da lei. O que temos, agora, não é um movimento de trabalhadores sem terra, mas sim, pura e simplesmente, o banditismo rural. Além de que, a luta agrária se transformou num negócio muito rentável. O MST, em nome dos assentados, toma verbas do governo e as desvia em proveito próprio, quer através de projetos de agro-indústrias que não saem do papel, quer através dos “pedágios” que cobram das famílias instaladas para que estas possam ter acesso aos financiamentos públicos. O livro de Graziano apresenta, com fotos e tudo, numerosos casos de “projetos” que não deram em nada. A realidade, hoje, é esta. Não há mais terras improdutivas para desapropriar, os assentados não querem saber dos assentamentos que têm e os recursos públicos, em um país com tantos setores carentes, estão sendo escandalosamente desviados aos bilhões. Resta saber se este governo terá coragem para desmontar toda essa farsa. Para nós, contribuintes, basta!