roF 109 out/dez 2013 terAPêutICA orAl dA dIAbeteS tIPo 2 A diabetes tipo 2 (DM2) é uma síndroma metabólica, multiorgânica progressiva com declínio da função beta pancreática, resistência à insulina e ausência pós-prandial da supressão da secreção de glucagon.1 Na falta de controlo glicémico pela atividade física e alimentação, a DM2 requer terapêutica com antidiabéticos orais, com ou sem insulina. Revê-se a terapêutica oral, caraterizando os principais grupos de fármacos, baseando-se essencialmente na atualização de 30 de julho de 2013 da Norma de abordagem terapêutica farmacológica da diabetes tipo 2 da Direção-Geral da Saúde (DGS).2 A terapêutica da DM2, quanto aos objetivos terapêuticos e às medidas a instituir, é individualizada, apesar dos critérios gerais a seguir.2-4 Na maioria dos doentes os níveis de HbA1C devem ser inferiores a 7%, embora em jovens, na DM2 de curta duração e sempre que não haja risco de hipoglicemia grave, este valor possa ser inferior a 6,5%, havendo doentes em que, pelo risco de hipoglicemia grave e existência de doenças micro ou macrovasculares, é recomendável que a HbA1C seja inferior a 8% ou 8,5%.2-6 O esquema terapêutico inicial baseia-se nos valores de HbA1C do doente. Em geral, inicia-se monoterapia com metformina à qual são adicionados novos fármacos sempre que os objetivos terapêuticos não tenham sido atingidos.2,4,6 Para doentes com HbA1C inicial ≥ �%, a monoterapia raramente é efetiva, pelo que se recomenda iniciar terapêutica dupla ou com insulina.2 É recomendado que a terapêutica seja iniciada com metformina,2-8 cujas doses são aumentadas progressivamente até ao máximo de 2 g/dia ou à dose tolerada pelo doente, até 3 g/dia. Os intolerantes à metformina ou com contraindicação, iniciam a terapêutica com uma sulfonilureia (SU) (gliclazida ou glimepirida). Naqueles com contraindicação às SU, com hipoglicemias graves e/ou frequentes, com mais de 75 anos ou inseridos em determinados grupos sociais (ex.: vivem sozinhos), a opção é a de um inibidor das α-glucosidases (acarbose). A insulina é a recomendação inicial para doentes com HbA1C> 10% ou com glicemia de 300 mg/dL ou superior.2-4 Quando, ao fim de 3-6 meses de monoterapia, os objetivos não são atingidos, institui-se um 2º fármaco.2,3 Se a HbA1C for ≥�%, a insulina é a opção mais adequada, ou, uma SU se a HbA1C for <�%. Na impossibilidade de utilizar a SU, opta-se por um dos fármacos/grupos: nateglinida (quando há omissões frequentes de refeições), acarbose (quando há hipoglicemias frequentes ou grave e certos grupos sociais), inibidor da dipeptidilpeptidase 4 (DPP-4) ou pioglitazona (quando há resistência marcada à insulina). Se após 3-6 meses de confirmada adesão à terapêutica, a HbA1C se mantiver elevada há necessidade de um 3º fármaco que será a insulina se a HbA1C necessitar abaixamento > 1% ou antidiabético oral (ADO) se a redução requerida for < 1%.2 A escolha da terapêutica é individualizada face à necessidade de redução da HbA1C, à tolerância do doente, à ocorrência de reações adversas, particularmente ao aumento de peso e hipoglicemia, sendo ainda de considerar o custo do tratamento. A associação de ADOs exige que possuam mecanismos de ação complementares, excuindo-se a associação de fármacos do mesmo grupo.2 Os diferentes grupos de ADOs apresentam diferentes valores médios de redução da HbA1C quando utilizados em monoterapia ou associados, resumindo-se esses valores nas tabelas 1 e 2, respetivamente.2 Desconhece-se ainda a diferença absoluta dos ADOs quanto à efetividade. Da análise de 4� ensaios clínicos aleatorizados e controlados que comparavam 2 ou mais ADOs e redutores de peso, todos os ADOs de 2ª linha reduziram a HbA1C (0,6%-1,0%) mas aumentaram o peso (1,8-3,0 kg), exceto os inibidores das α-glucosidases, tendo sido raros os episódios graves de hipoglicemia.� boletim cim AnálISe doS Ados A metformina e as SU são os de preferir, dado que evidenciaram que ajudam os doentes a viver mais e com melhor qualidade de vida.4 Metformina – Único representante das biguanidas. A sua ação antidiabética resulta da redução da produção de glucose hepática ao diminuir a gluconeogénese, do aumento da utilização periférica de glucose e da redução da velocidade de absorção gastrointestinal da glucose. É o grupo com maior efetividade em monoterapia ou em associação e, pelo seu perfil de segurança versus os restantes ADOs tem a vantagem de não aumentar o peso, reduzir os trigliceridos e o LDL-colesterol, reduzindo ligeiramente a mortalidade por todas as causas em relação às SU e ainda, por não tAbelA 1 – reduçõeS dA HbA1C obtIdAS CoM oS dIFerenteS Ados. 2,7 AntIdIAbétICoS Acarbose Inibidores da DPP-4 Insulina Metformina Nateglinida Pioglitazona Sulfonilureias A metformina e as SU são os mais efetivos.2 redução MédIA dA HbA1C (%) 0,5 0,4-0,7 1,5 1-1,5 0,5 1 1-1,5 nível de evIdênCIA Moderada a baixa Moderada a baixa Muito elevada Elevada Moderada a baixa Elevada Elevada tAbelA 2 - reduçõeS dA HbA1C obtIdAS CoM A ASSoCIAção dA MetForMInA CoM outro Ado.2 ASSoCIAçõeS redução MédIA dA HbA1C verSuS MetForMInA (%) Metformina + SU 1 (0,75-1,25) nível de evIdênCIA Elevada Metformina + DPP-4 0,6� (0,56-0,82) Moderada Metformina + TZD 0,66 (0,45-0,86) Elevada SU – sulfonilureia; DPP-4 – inibidor da dipeptidilpeptidase 4; TZD - tiazolidinediona A maior efetividade observa-se com a metformina associada à SU.2 induzir hipoglicemia e por ser barata. Está contraindicada quando a função renal ou a perfusão tecidular estão reduzidas, na instabilidade hemodinâmica, doença hepática, abuso alcoólico, insufi ciência cardíaca (IC) e em qualquer situação que predisponha para a acidose metabólica.5 Sulfonilureias – Promovem libertação de insulina e possuem, como risco principal, a indução de hipoglicemia. Em monoterapia, este risco é considerado 4 vezes superior ao da metformina, glitazonas e inibidores da DPP-4; risco que varia com a SU, sendo superior para a glibenclamida em relação à gliclazida, glimepirida e glipizida.2 Também o risco cardiovascular difere entre as várias SU, parecendo que a gliclazida e glimepirida possuem um melhor perfil de segurança, sendo, por isso, de preferir.2 SU, em doentes que, com as doses máximas de associações de ADOs, não conseguem controlo glicémico.10 As gliptinas prolongam a atividade do GLP-1 ao inibir a DPP-4, enzima responsável pelo seu metabolismo.7 São efetivas no abaixamento da glicemia de jejum e pós-prandial em função da glicemia, não possuindo risco de hipoglicemia nem de aumento de peso. Podem ocasionar infeções do trato respiratório superior (nasofaringite) e urinário, distúrbios gastrointestinais (náuseas, vómitos e diarreia), tonturas e cefaleias, sendo preocupante a indução de pancreatite.2,7,11-13 A Agência Europeia tem vindo a estudar a relação da pancreatite com os agentes que atuam via incretina sem conclusões definitivas, pelo que recomenda a sua utilização conforme o RCM e a monitorização deste tipo de reações, com a sua notificação no âmbito da farmacovigilância.13 Os ADOs mais recentes como a pioglitazona e as gliptinas (sitagliptina, vildagliptina, saxagliptina) podem desempenhar um papel importante, sendo considerados como 2ª ou 3ª linhas;2,4 no entanto, ainda se desconhece a sua segurança a longo prazo, o efeito sobre a longevidade e a qualidade de vida dos doentes, pelo que o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) os recomenda quando a resposta metabólica é benéfica (<0,5% na HbA1C aos 6 meses com a pioglitazona e gliptinas).4 boletim cim Inibidores das alfa-glucosidases – A acarbose reduz a velocidade de degradação dos polissacarídeos retardando a absorção da glucose reduzindo a hiperglicemia pós-prandial. Quando associada a uma SU, a ocorrência de hipoglicemia obriga ao tratamento com glucose e não com sacarose, dado que esta ocasionaria uma recuperação lenta. Flatulência e indisposição gastrointestinal são as principais reações adversas, que obrigam a um aumento progressivo das doses e à redução da ingestão de hidratos de carbono para minimização destes problemas.2 Glinidas – A única disponível em Portugal é a nateglinida, secretagogo de curta duração de ação, com mecanismo semelhante às SU e com risco inferior de hipoglicemia. Sendo metabolizada a nível hepático, deve haver precaução na sua utilização na insuficiência hepática, sendo contraindicada se esta for grave. Apesar do custo superior ao das SU, apresenta vantagem em doentes com omissões frequentes de refeições que necessitem de um secretagogo.2 Glitazonas – São sensibilizadores à insulina por ativarem o fator de transcrição nuclear, o gama recetor ativado pelo proliferador de peroxissoma (PPARγ) que se expressa essencialmente no tecido adiposo, músculo e fígado. A ativação dos PPARγ melhora a resposta à insulina. A pioglitazona é a única glitazona comercializada na Europa, devido ao risco de precipitação/agravamento de insuficiência cardíaca (IC) e cancro da bexiga, situações em estudo.7 Está contraindicada em doentes com IC, obrigando à monitorização do aumento de peso e ocorrência de edema ou sintomas de IC, devendo ser suspensa caso ocorram.4 Também está contraindicada em doentes com cancro de bexiga e com hematúria desconhecida, pelo que doentes com fatores de risco para este cancro devem ser avaliados antes e durante o tratamento, bem como os idosos.4 Os doentes a tomar pioglitazona devem ser avaliados a cada 3-6 meses, quanto à resposta da HbA1c e reações adversas, devendo ser suspensa na ausência de resposta adequada.4 Agentes que atuam via incretina, orais e injectáveis – Os inibidores da DPP-4 (gliptinas) e os análogos do glucagon-like péptido (GLP-1) libertam insulina através de hormonas gastrointestinais, as incretinas, produzidas após a ingestão de alimentos.7 O exenatido, para injeção subcutânea, administrada 60 minutos antes da refeição da manhã e da noite, é análogo do GLP-1 para administração em terapêutica dupla ou tripla com metformina ou FuturAS AbordAGenS Estão em estudo fármacos com novos mecanismos de ação, cujas efetividade e segurança não se encontram definidas, mas que podem vir a mostrar-se vantajosos. Destacam-se os que têm como alvo a disfunção das células alfa e beta pancreáticas, ou locais independentes da ação da insulina (inibidores do cotransportador glucose-sódio e os que possuem alvos hepáticos), os que aumentam o efeito da insulina, os que atuam na síndroma metabólica (antagonistas do GIP, inibidores da 11β-hidroxiesteroide desidrogenase 1 e moduladores dos PPAR) e ainda, fármacos com mecanismos desconhecidos (agonistas dos recetores D2 da dopamina e sequestradores de ácidos biliares).8 Maria Augusta Soares Professora Auxiliar da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa referências bibliográficas 1. Cornell S. Differentiating among incretin therapies: a multiple-target approach to type 2 diabetes. �� Clin Pharm ��er.. 2012;37:510�24. 2. DGS. Abordagem terapêutica farmacológica na diabetes mellitus tipo 2. In: Saúde Q, editor.: DGS; 2013. p. 18. 3. ADA. Standards of Medical Care in Diabetes 2013. Diabetes Care. 2013;36(Supl 1): S11-S66. 4. NICE. 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