Culto na EST (25.04.2012) 3º. Domingo da Páscoa: Lucas 24.36-48 Estimada comunidade! Pelo calendário litúrgico da Igreja estamos ainda na quadra da Páscoa. Este período se estende até o dia 17 de maio, quando vamos celebrar a Ascensão do Senhor. Como sabemos, quarenta dias separam as duas festas. Curiosamente o número quarenta se repete muitas vezes na tradição bíblica: o dilúvio, que durou quarenta dias e quarenta noites, antes que Deus firmasse um novo pacto com a humanidade; Moisés, que durante quarenta dias e quarenta noites esteve no monte antes de receber a revelação da lei de Deus; o povo de Israel, que por quarenta anos peregrinou no deserto antes de entrar na terra da promessa; Jesus, que durante quarenta dias foi tentado no deserto antes de iniciar sua pregação sobre a vinda do reino de Deus. Como vemos nesses exemplos, o número quarenta indica um período intenso de provações e sofrimentos, como preparação para algo grandioso que está por vir. Mas isso não parece combinar muito com o tempo entre Páscoa e Ascensão, não é verdade? Pois aqui o evento grandioso acaba de acontecer. Que poderia haver de mais grandioso do que o anúncio pascal de que Jesus venceu a morte e que ela perdeu o seu poder de ferir? Como entender então esses quarenta dias entre Páscoa e Ascensão? A Páscoa proclama, sim, a última palavra de Deus sobre o ser humano, palavras de vida e não de morte. Mas o evangelho é realista o suficiente para saber que isso não é coisa fácil de assimilar. Não foi simples para os discípulos e as primeiras comunidades, não é simples para nós. Se seguirmos o evangelho de Lucas, o Cristo ressuscitado já havia aparecido às mulheres, a Pedro, aos dois discípulos de Emaús, e agora, no texto que acabamos de ler, se revela a todo o grupo. Mas os discípulos continuam surpresos, atemorizados, cheios de dúvidas, como se estivessem vendo alguma assombração. Conosco não é diferente. Desde a infância ouvimos, Páscoa após Páscoa, a proclamação de que a morte foi vencida e que podemos esperar confiantemente na ressurreição. Mas isso não faz da morte uma experiência mais leve ou fácil de enfrentar. Ela continua sendo uma realidade onipresente, a crise mais profunda que o ser humano tem que enfrentar, a fonte de tantas outras angústias menores que afetam a nossa existência. Quando invade nossos lares ou nossas relações de amizade, a morte continua provocando sensações dolorosas de despedida, de perda e vazio. Quando bate à nossa porta, ela corta nossas relações, impossibilitando qualquer forma de relacionamento, qualquer possibilidade de continuar construindo nossos sonhos em conjunto ou de reparar eventuais danos que tenhamos causado ou sofrido. Enfim, a morte nos confronta com nossa fragilidade, com nossa finitude, com nossa vulnerabilidade, com nossa condição de criaturas. Quarenta dias depois da Páscoa, o Cristo ressuscitado retornará ao Pai e será glorificado à sua direita. Esse é o aspecto grandioso da Páscoa. Mas os discípulos de Jesus permanecem na terra, onde ainda experimentam o poder da morte e suas manifestações precoces. Qual o sentido das aparições do ressurreto em meio a isso? Mostrar que a morte, apesar de sua onipresença, se encontra sob um novo prefixo. Nem tudo está resolvido, é verdade! O próprio Cristo ressurreto continua com os sinais da paixão nas mãos e nos pés. O ressuscitado continua sendo o crucificado! E mesmo assim, temos, sim, coisas novas a comemorar. Em primeiro lugar, não deixa de ser um alento saber que o ressurreto que está conosco na comunidade não é um Jesus glorioso que não tem mais nada em comum com a vida da gente. É o mesmo Jesus que viveu na terra entre seu povo e que continua trazendo as marcas da sua paixão. Marcas da paixão que se prolongam no sofrimento do seu povo, na injustiça e opressão que padece. Como diz o autor da carta aos Hebreus: O Sumo-Sacerdote que temos junto a Deus não é como aqueles não são capazes de compreender as nossas fraquezas. Pelo contrário, ele foi tentado do mesmo modo que nós. Por isso podemos ter confiança e achegar-nos junto ao trono da graça: ali receberemos misericórdia e encontraremos graça sempre que precisarmos de ajuda (Hb 4.15-16). Em segundo lugar, através de suas aparições, Jesus nos mostra que a sua condição de ressurreto, que aguarda a todos nós como promessa, também quer deixar marcas no presente, através do testemunho e da vivência da comunidade. Ressurreição não é assunto apenas para a outra vida, mas para essa também. O texto menciona três maneiras de como o ressuscitado se faz presente na comunidade dos discípulos. Elas na verdade não trazem nenhuma novidade, pois repetem aspectos do ministério terreno de Jesus. Nenhuma surpresa quanto a isso, pois pela ressurreição o que Deus faz é confirmar o ministério terreno de Jesus: Ele é o meu Filho amado; dai ouvidos a Ele. O primeiro sinal é o comprometimento com a paz. Ao aproximar-se dos discípulos, confusos e atemorizados, Jesus lhes diz: Paz seja convosco. Essas palavras são um misto de dádiva e desafio: a paz que Jesus lhes concede é a paz com a qual ele os incumbe. Promover a paz significa viver a partir da paz que Jesus nos concede e ao mesmo comprometer-nos com uma convivência humana íntegra e harmoniosa, em que as pessoas tenham o necessário para viver de maneira digna e se complementem uma às outras, compartilhando seus dons e suas carências. Em segundo lugar, o texto indica que o ressuscitado se faz presente na refeição comunitária, sinal da grande partilha que a todos nos compromete. Quando estamos à mesa e compartilhamos nossa refeição nos damos conta que tudo o que temos e somos, em última instância, não depende de nós. O essencial para a nossa vida não provém de nosso trabalho, mas nos foi dado de graça. Da mesma forma o sentido da vida a gente não descobre sozinho, e sim na companhia dos irmãos e irmãs e na partilha com eles. O terceiro sinal da presença do ressuscitado é a proclamação da sua palavra. Depois da partilha do peixe assado e do favo de mel, Jesus explicou as Escrituras aos discípulos, e eles começaram a compreender. Talvez não entendiam a Escritura antes porque a interpretavam ao pé da letra. Ao pé da letra ninguém entende a Escritura. É preciso lê-la à luz do próprio Cristo, a palavra que se fez carne e habitou entre nós. É esta a palavra capaz de mover corações, mudar mentalidades e criar disposição para uma mudança de vida. Graças a Deus, não estamos sozinhos nessa empreitada. Mas isso é assunto para Pentecostes. Que Deus fortaleça nossa confiança em suas promessas, para que, nesta ou noutra vida, nos saibamos sempre entregues aos seus cuidados e à sua proteção. Amém.