GESTÃO I governança
"DEEM MENOS
PODER AOS
ACIONISTAS"
Com esse lema, a advogada americana Lynn Stout se tornou uma das
mais ferrenhas defensoras da ideia de que privilegiar o desempenho
em bolsa é uma distorção que só prejudica os resultados das empresas
ANAWIZAHERZOG
da ad.
vogada Lynn Stout, professora da Universidade
ATÉPOUCOTEMPOATRÁS,
CorneU, era restrita ao
meio acadêmico do direito americano.
Hoje, ela tem popularidade como uma
das mais aguerridas defensoras de
uma ideia que ganha cada vez mais
adeptos - a de que os acionistas não
devem ser tratados com mais respeito
do que qualquer outro público com o
qual as empresas abertas se relacionam. No livro The Shareholder Value
Myth ("O mito do valor para o acionista", numa tradução livre), lançado em
2012, ela defende que a exaltação ao
acionista e à cotação das ações na bolsa são prejudiciais aos próprios investidores. Ela também não nutre simpatia por investidores ativistas (aqueles
que tentam influenciar a gestão das
empresas nas quais investem). Lynn
virá pela primeira vez ao Brasil em outubro, a convite do Instituto Brasileiro
de Governança Corporativa. Da Universidade Cornell, ela falou a EXAME.
A NOTORIEDADE
96 I www.exame.com
A senhora é uma opositora feroz à
lógica de que o maior objetivo de
uma empresa deve ser gerar valor
para seus acionistas. Por quê?
A lógica da supremacia do acionista é
disfuncional e não beneficia os resultados da própria empresa no longo prazo.
Osúnicos beneficiados são investidores
ativistat e presidentes de empresas que
têm a remuneração atrelada ao preço
das ações. Todo o resto - investidores
de longo prazo, empregados, clientes
- é prejudicado. A prova mais concreta
"A lógica de
supremacia
do acionista
é disfuncional
e não beneficia
os resultados
no longo prazo"
disso é que o mercado de ações nos Estados Unidos não gera mais os altos retornos que costumava gerar para o investidor médio. A riqueza corporativa
está sendo capturada por uma minoria,
e não é distribuída entre todos que contribuíram para que ela fosse gerada.
E por que essa lógica se tornou
dominante no mundo todo?
Ao contrário do que a maioria das pessoas acredita, a lógica da supremacia
do valor para o acionista é recente. Durante todo o século 20, até as décadas
de 70 e 80, acreditou-se piamente que
as empresas deveriam beneficiar a sociedade como um todo - e não apenas
os acionistas. Foi nessa época que os
economistas da Universidade de Chicago começaram a disseminar a ideia
de que as empresas abertas pertenciam
aos acionistas e sua missão primordial
era torná-Ios mais ricos. Tal ideia se
mostrou muito atraente para dois grupos. Um deles são os investidores ativistas, que começavam a ganhar relevância naquela época. O outro é forma-
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do por presidentes de empresas abertas, os quais, graças a uma lei criada nos
Estados Unidos em 1993, passaram a
ter sua remuneração atrelada a uma
métrica objetiva - que acabou sendo,
a despeito de a lei não determinar, o
preço das ações. E os americanos, por
meio de seus gurus de negócios, acadêmicos e consultores, exportaram como
ninguém esse mantra mundo afora.
Se a lógica é nociva, há uma
maneira de se libertar dela?
Para as empresas, o caminho é parar
de atrelar a remuneração dos executivos ao desempenho em bolsa. Nos Estados Unidos, uma lei atrela a remuneração dos executivos a uma métrica
objetiva. Mas não está escrito que precisa ser a variação das ações. Portanto,
basta escolher outras métricas, como
as vendas ou a satisfação dos clientes.
E é possível para uma empresa aberta
não atrelar a remuneração dos altos
executivos às ações e continuar
atraindo profissionais talentosos?
Sim, mas isso exige coragem. E o principal obstáculo hoje para isso é o poder que foi dado aos acionistas ativistas e aos fundos de hedge para fazer
da vida dos conselheiros um inferno.
Se você blinda o conselho contra esses
investidores, ele toma decisões sensatas em relação à remuneração dos executivos. Nas empresas fechadas americanas, os presidentes ganham bem
menos, e essa remuneração simplesmente não está atrelada ao preço das
ações. Ou seja, há nos Estados Unidos,
atualmente, milhares !te empresas que
Lynn
Stout, professora emérita
da Universidade Comell, nos Estados
Unidos
IDADE 66. anos
............... "
NACIONALIDADE Americana
FORMAÇÃO Graduada em relações instÍtucionais
pela Universidade de Princeton e em direito
Universidade Yale, nos Estados Unidos
CARREIRA É hoje uma das mais respeitadas
especialistas em govemança c01porativa dos Estados
Unidos e uma critica à ideia de que o propósito maior
de uma empresa é maximizm- o valor para o acionista
23 de julho de 2014 I 97
IJ
GESTÃO
I
governança
encontraram maneiras de atrair executivos talentosos - e a maioria delas
está muito bem. Na verdade, o desempenhõ das empresas fechadas no país
tem sido tão bom que sua quantidade
tem crescido e a de empresas abertas
tem diminuído. De 1997 a 2008, o nÚmero de companhias listadas caiu de
8823 para 5 401.Recentemente, estava
em 4000. O universo de empresas
abertas caiu mais da metade - e uma
das razões é a tentativa de fugir das
pressões do mercado.
"Apenas uma
coisa interessa
à maioria dos
investidores
ativistas: rios
de dinheiro no
curto prazo"
Mas os investidores ativistas não
têm o papel de evitar desmandos
de executivos superpoderosos
em corporações sem dono?
Não. Quem tem contestado nos Últimos
tempos as cifras pagas aos presidentes
das empresas abertas não são eles, mas
os fundos de pensão. O que a maioria
dos ativistas sempre quer - e isso já
foi provado em muitos estudos - é embolsar rios de dinheiro, independentemente do que a empresa faça. Eles
querem dividendos vultosos, programas de recompra de ações ou que a
companhia inteira seja vendida. Eles
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I www.exame.com
costumam intimidar os executivos dizendo: "Lance um programa de recompra de ações ou vamos fazer barulho
em torno de sua remuneração". Mas
não estão preocupados em quanto a
questão da remuneração do executivo
pode influenciar o desempenho da empresa no longo prazo. Apenas uma coisa interessa à maioria dos ativistas: rios
de dinheiro no curto prazo.
Há algo de positivo na atuação deles?
Até hoje eles se provaram bons em
apenas uma coisa: elevar o preço das
ações num período curtíssimo - e isso
só beneficia a eles próprios.
Como as empresas podem se blindar
contra esse tipo de investidor?
Sempre que houver um ativista exigindo uma mudança no conselho ou na
estratégia de negócios, não tenha a
ilusão de que ali existe um interesse
genuíno em melhorar o desempenho
da companhia no longo prazo. Pode
ser um disfarce. O que geralmente está por trás é sempre o mesmo: uma
estratégia para obter dinheiro amanhã. Sabendo disso, muitas grandes
empresas nascem com uma estrutura
de governança diferenciada, que impede que os investidores ativistas interfiram na gestão. A empresa de tecnologia Google é o melhor exemplo.
Todas as ações com direito a voto estão
nas mãos dos fundadores e de altos
executivos. Isso significa\lue a empresa não se importa com os' acionistas?
Não. Sódeixa claro que o acionista não
é mais importante do que seus funcionários, consumidores ou fornecedores. E isso, em Última instância, é bom
para os investidores de longo prazo .•
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deem menos poder aos acionistas