EMERGÊNCIA E SIGNIFICADO DA INTERNACIONAL SITUACIONISTA
Marcus Vinicius Costa da Conceição1; Nildo Viana2
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Bolsista PIBIC/CNPq, graduando do curso de História, UnUCSEH - UEG
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Orientador, Docente do curso de História, UnUCSEH - UEG
RESUMO
A Internacional Situacionista se constitui como um grupo de expressão artística e política na
Europa na década de 1950 e 1960. Deste modo procuramos apresentar neste trabalho as
principais teses do movimento em respeito às artes e a sociedade e como esses
posicionamentos influenciaram a dinâmica da IS. Para isso nos utilizaremos das principais
publicações do movimento, que são: a revista Internationale Situationniste e nos livros A
Sociedade do Espetáculo de Guy Debord e A arte de viver para as novas gerações de Raoul
Vaneigem.
Palavras Chave: Internacional Situacionista – Arte - Revolução
Introdução
Com a queda do Muro de Berlim reabriu-se uma nova perspectiva de contestação da
sociedade capitalista por teorias antes sufocadas pela União Soviética. E neste momento que
vemos o renascimento do anarquismo, e de correntes comunistas como o conselhismo e o
autonomismo, e neste momento que as idéias situacionistas começam a chegar ao Brasil.
A Internacional Situacionista (IS) surge em 1957 com a união de três vanguardas
artísticas européias pós-segunda guerra mundial, sendo elas: a Internacional Letrista, o
Movimento por uma Bauhaus Imaginista(MIBI - composto em sua maiorias por integrantes
do grupo Cobra) e também pelo Comitê Psicogeográfico de Londres. Essas vanguardas já
eram responsáveis por alguns estudos sobre a cidade que vão ser transplantados para a IS
principalmente na sua primeira fase (1957-1962), a qual podemos classificar como a
responsável pelas elaborações a respeito das teorias criticas sobre a sociedade tendo como
parâmetro as artes.
Contudo, porém ao mesmo tempo em que observamos a chegada das idéias
situacionistas, percebemos que está se dá em um plano contrário ao foi colocado inicialmente
pelos situacionistas. Apesar da questão artística ter sido durante a primeira fase da IS, um
ponto central, ela se torna nos anos 90 praticamente a única interpretação das teorias
situacionistas chegando ao ponto de a teoria da sociedade do espetáculo ser compreendido
apenas como uma questão crítica em relação ao aspecto midiático da sociedade
contemporânea.
Deste modo nosso objetivo é entender o processo de transição que ocorre no interior
da Internacional Situacionista, do campo artístico para o político, buscando compreender o
posterior posicionamento da IS em relação a sociedade capitalista.
Material e Métodos
Nossa metodologia se baseou na análise das teses situacionistas e na emergência
histórica desse movimento. Para a análise das teses situacionistas fizemos leituras das
principais obras do movimento como Debord (1997), Vaneigem (2002), entre outros
(Baderna, 2002; Jacques, 2003). A obra de Debord é considerada por nós como o principal
texto teórico dos situacionistas e também o que contém uma síntese das idéias desse
movimento. Para a análise da emergência histórica do situacionismo analisamos o processo
histórico dos anos 50 e 60 na Europa, sobretudo na França aonde o movimento ganhará um
maior vigor e destaque.
Resultados e Discussão
A França foi durante as primeiras décadas do século XX um importante centro de
debate cultural, com o desenvolvimento em seu território das duas principais vanguardas
artísticas do século XX (que mais tarde terão uma profunda influência na IS) : O dadaísmo e o
surrealismo. Esses movimentos se desenvolvem como as duas últimas vanguardas artísticas
realmente fortes e que tem como noção de arte, conceitos que mais tarde serão usados pelos
situacionistas em sua primeira fase: o conceito derivado dos dadaístas e dos surrealistas, da
supressão da arte enquanto algo desvinculado dos demais aspectos do cotidiano e sua
realização na vida. Os situacionistas levarão essa proposta ao extremo, sendo essa uma
questão fundamental, que ocasionará a “cisão” da IS entre 1961 e 62 e o seu deslocamento de
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uma vanguarda artística “revolucionária” para um grupo revolucionário. Além disso, serão
essas duas vanguardas que começam a esboçar no início do século as primeiras críticas ao
urbanismo como elemento de dominação e da importância deste para a revolução na vida.
(FELICIO, 2007, p.6).
Os situacionistas vão fazer uma crítica feroz às novas arquiteturas, principalmente ao
funcionalismo de Le Coubusier, o qual proclamava uma arquitetura contra a revolução,
enquanto os situacionistas entendiam, nesse período, que este era um dos principais pontos
para que a revolução acontecesse. Para os situacionistas, as novas cidades e o rumo que as
antigas tomaram após a reconstrução da Segunda Guerra Mundial estavam privilegiando
somente os valores burgueses da vida (o conforto e o automóvel) e deixando de lado os seus
aspectos lúdicos e a impossibilidade de contato social entre as pessoas.
Essas novas cidades serão um entrave às experiências situacionistas sobre a cidade,
uma vez que passaram a constituir um núcleo urbano extremamente organizado não
permitindo a Deriva nesses ambientes. Os bairros proletários serão a maior demonstração
desse tipo de organização com sua homogeneização. A visão da IS sobre esses
acontecimentos fica muito claro no texto de Raoul Vaneigem, Comentários contra o
Urbanismo, em que ele chega a declarar: “Se os nazistas tivessem conhecidos os urbanistas
contemporâneos, teriam transformado os campos de concentração em conjuntos
habitacionais” (VANEIGEM in JACQUES, 1961:154), demonstrando claramente a mudança
de paradigma que estava ocorrendo no interior da IS nesse período.
Juntamente com os estudos sobre a cidade se desenvolverá também a critica da vida
cotidiana. Os situacionistas compreendem que uma revolução só será possível se está ocorrer
a partir da vida cotidiana, uma vez que está se tornou a representação máxima da sociedade
capitalista. Desta formas eles compreendem que o cotidiano ao nesta sociedade se restringe ao
consumo, à sobrevivência, não deixando o ser humano livre para se desenvolver. E neste
ponto que os estudos sobre a cidade e o cotidiano na IS se casam, uma vez que não é possível
uma revolução total, como pretendiam os situacionistas, sem que esses pontos se casassem.
A análise da vida cotidiana se situa nesse momento como uma alternativa aos estudos
economicistas realizados pelos teóricos ditos marxistas, e neste ponto que se situa Henri
Lefebvre, sociólogo e teórico marxista francês, que será um nome que estará em permanente
contato com a IS até 1961, o único intelectual com que se correspondiam. Apesar disso e do
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intenso contato e troca de teorias sobre o cotidiano e a cidade, a IS vai negar qualquer
influência do pensamento de Lefebrve nas suas teorias.
Contudo, a principal discussão que se dará dentro da IS nesse período será a respeito
do conceito de arte e de como ela deveria ser executada. Nesse momento a IS tem duas
posturas diferentes: a) a primeira representada pela facção francesa que conta com nomes
como Guy Debord e Michele Bernestein, que acreditava que a arte deveria ser abolida e
integrada a vida cotidiana como um meio de se processar a revolução através da participação
efetiva de todos os indivíduos; b) a segunda representada pelo grupo Spur e mais alguns
integrantes como Asger Jorn, que acreditavam em uma realização coletiva da arte.
A primeira pautada, sobretudo, numa visão revolucionária que via a sociedade a partir
da luta de classes e que compreendia o processo artístico como burguês e que queria a
abolição da arte, juntamente com a destruição do capitalismo. Para essa tendência, a partir da
supressão da sociedade capitalista, e a implantação da sociedade comunista, o individuo seria
livre para desenvolver todas as suas habilidades e a arte se desenvolveria livre, e não como
uma especialidade causada pela divisão social do trabalho.
A segunda, pautada numa visão mais reformista, não previa a supressão da sociedade
capitalista e dessa forma compreendia que a arte deveria continuar existindo nos paramentos
da sociedade burguesa, ou seja, no bojo da divisão social do trabalho, mas defendia que ela
fosse feita de forma coletiva e não individualizada.
Até 1960, essas duas tendências conseguem conviver em sintonia. Esse será o período
em que a IS desenvolverá uma série de exposições artísticas e de intervenções urbanas.
Destaca-se aqui uma técnica de pintura conhecida como industrial, desenvolvida por Gallizio
e Malanotte, que consistia em pintar enormes rolos de tela e depois vender os seus pedaços.
Essa técnica servia tanto como uma critica a forma mercadológica que a arte tinha tomado
com as galerias em que quadros eram vendidos a preços exorbitantes e também como uma
maneira de financiar a IS, uma vez que era preciso dinheiro para a manutenção da revista.
A partir de 1959 esses desentendimentos começam a se mostrar mais acirrados
principalmente nas conferências realizadas com todas as facções. Entre 1960-61 ocorre à
expulsão de vários artistas como Gallizio e Melanotte e a retirada de Constant e a entrada de
outros membros como Raoul Vaneigem e Attila Kotanyi. Essa reconfiguração que ocorre na
IS nesse período vai ser de fundamental importância para compreender o posterior
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posicionamento do grupo. Podemos compreender essas expulsões como uma maneira de tirar
da IS o seu caráter de vanguarda artística, já que ela se auto-intitulava e agia como tal até esse
momento. Observamos que todos os seus posteriores atos e textos seguem uma posição de
negação dessa tradição e de se afirmar como um grupo político.
É nesse momento em que fará sentir também na IS a influência do marxismo. Este é
apresentado através de Lefebvre e orientará o desenvolvimento dos temas do grupo até a sua
dissolução em 1972. Podemos ver isso através de um manifesto do grupo publicado na sua
revista em 1966:
“O movimento situacionista não pode de maneira alguma ser qualificado
como anarquista e menos ainda como pós-surrealista. As posições desenvolvidas
aqui são notadamente marxistas: na verdade, as únicas posições realmente marxistas
de que temos conhecimento.” (INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 2002; 20).
A sua ligação se dá a um marxismo não-ortodoxo, negando as influências do
leninismo e se ligando a outras como as do jovem Marx dos Manuscritos Econômicos e
Filosóficos, de György Lukács de História e Consciência de Classe e de Karl Korsch de
Marxismo e Filosofia, tradição denominada de esquerdismo por ser uma “fracção do
movimento revolucionário que oferece, ou quer oferecer, uma alternativa radical ao
marxismo-leninismo como teoria do movimento operário e da sua revolução” (GOMBIN,
1972; 20 e 21).
É preciso salientar a questão do Espetáculo, essencial para compreender a segunda
fase da IS. O conceito surge praticamente junto com o movimento e apesar de não ter ponto
central no primeiro período, a partir 1962 este será a sua principal teorização. Apesar disso
não encontramos na obra situacionista uma definição para o que venha a ser o espetáculo,
apenas algumas de suas características, deste modo podemos defini-lo pela degradação da
vida cotidiana, a partir do momento em que se soma a produção alienada, o consumo –
também alienado – e a mercadoria passou a valer não pelo seu conteúdo, mas pela sua
representação.
A partir de 1962, a IS abandona os seus estudos sobre a arquitetura e urbanismo e
começa a se envolver em discussões de caráter político revolucionário, como a questão da
organização e do estudo do capitalismo naquele período. E neste período também que eles
passam a realizar a crítica da União Soviética caracterizando-a como uma sociedade de
Capitalismo de Estado e tornam-se herdeiros dos comunistas de conselhos, crendo que o
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verdadeiro embrião revolucionário seriam os conselhos operários. Debord na tese 179 do seu
livro A Sociedade do Espetáculo deixa claro esse novo posicionamento do grupo:
“A idéia mais revolucionaria a respeito do urbanismo não é uma idéia
urbanística, tecnológica ou estética. É a decisão de reconstruir integralmente o
território de acordo com as necessidades do poder dos conselhos de trabalhadores,
da ditadura do anti-estatal do proletariado, de diálogo executório. E o poder dos
conselhos que só pode ser efetivo ao transformar a totalidade das condições
existentes, não poderá adotar uma tarefa menor se quiser ser reconhecido e
reconhecer a si mesmo em seu mundo” (DEBORD, 2006; 118).
É interessante observarmos a tentativa de negação de toda a antiga tradição da IS com
respeito ao estudo da cidade e aos seus projetos artísticos. Isso ocorre com o intuito de tentar
apagar o passado de uma vanguarda artística que o movimento declarava ser:
“O urbanismo não existe: não passa de uma ‘ideologia’, no sentido definido
por Marx. A arquitetura existe realmente tanto quanto a Coca-Cola: é uma produção
envolta em ideologia, mas real, satisfazendo falsamente uma necessidade forjada; ao
passo que o urbanismo é compatível ao alarido publicitário em torno da Coca-Cola,
pura ideologia espetacular. O capitalismo moderno, organizado de modo a reduzir
toda a vida social a espetáculo, é incapaz de oferecer um espetáculo que não seja o
de nossa própria alienação. O seu sonho de urbanismo é sua obra-prima.”
(KOTÁNYI e VANEIGEM IN JACQUES, 1961, p. 139).
Conclusão
Dessa maneira podemos compreender que a passagem da Internacional de uma fase
artística para uma política, não se deu por predomínio de uma facção por outra, como previa
nossa hipótese inicial, mas sim foi pautada por várias determinações: o período histórico que é
propício ao desenvolvimento de um pensamento heterodoxo, que rompa com os padrões
entendidos como marxistas no período, a aproximação de Henri Lefebvre do grupo e a
“apresentação” do marxismo ao grupo, a entrada de novos integrantes e a própria evolução
política de determinados membros do coletivo.Assim a constituição política do grupo se
estrutura, passando este a se considerar como um novo elemento de combate a sociedade
capitalista instituída.
Referências Bibliográficas
DEBORD, Guy. A sociedade do Espetáculo. Comentários sobre a sociedade do
espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.
FELÍCIO, Erahsto (org.) Internacional Situacionista: deriva, psicogeografia e urbanismo
unitário. Porto Alegre: Deriva, 2006.
GOBIM, Richard. As origens do esquerdismo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1972.
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INTERNACIONAL SITUACIONISTA. Situacionista: teoria e prática da revolução. São
Paulo: Conrad, 2002.
JACQUES, Paola B (org.). Apologia da deriva: escritos situacionistas sobre a cidade. Rio
de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
VANEIGEM, Raoul. A arte de viver para as novas gerações. São Paulo: Conrad, 2002.
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