TOSSE CRÔNICA E INFECÇÕES RESPIRATÓRIAS DE REPETIÇÃO EM PACIENTE IDOSA
Marcus Vinícius Souza Couto Moreira
Residente de pneumologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
Marcelo B. de Fuccio
Doutor em pneumologia pela Universidade Federal de São Paulo
Médico responsável pelos ambulatórios de Fibrose Cística de adultos do Hospital das Clinicas-UFMG e
do Hospital Júlia Kubitschek-FHEMIG
Relato do caso
- Feminino, de 76 anos, do lar, não fumante.
- Tosse há vários anos, acompanhada de expectoração amarelada e cefaléia frontal. História de vários
tratamentos para sinusite e infecções respiratórias, até que há quatro anos foi submetida a
etmoidomaxilectomia e esfenoidodectomia.
- Na infância tinha crises freqüentes de dispnéia, sibilos e tosse produtiva, sendo dado diagnóstico de
“bronquite asmática”.
- Portadora de HAS, em uso de hidroclorotiazida 25 mg/dia.
- História familiar: mãe e filho com quadro compatível com asma. Sem história ambiental e ocupacional
de interesse.
- Ao exame físico, eupnéica, murmúrio vesicular diminuído e estertores grossos esparsos bilaterais; sem
alteração no demais aparelhos.
- Espirometria: CVF: 2,62 L (120%), VEF1: 1,55 L (96%), e VEF1/CVF: 59 %. Saturação de oxigênio de
95% em ar ambiente
- Radiografia de tórax: focos de condensação heterogênea no terço médio e inferior do pulmão direito e
infiltrado intersticial em bases pulmonares.
- TC tórax (abaixo): bronquiectasias cilíndricas em lobo médio e segmentos basais bilateralmente.
- Pesquisa para BAAR no escarro negativa.
Questão 1) - Em casos de bronquiectasias uma etiologia é encontrada em torno de 50% dos casos.
Dentre das etiologias de bronquiectasias, qual a das abaixo é a menos provável no presente caso?
a. - Fibrose Cística
b. - Aspergilose broncopulmonar alérgica
c. - Adenopatia hilar levando a obstrução bronquica
d. - Síndrome de Mounier-Khun
Comentário:
Bronquiectasias decorrem de alterações anatômicas dos brônquios, onde há dilatação e distorção
irreversível. A patogenia depende de agressão infecciosa e depuração inadequada de secreções
brônquicas. O ciclo vicioso de infecções e inflamação resulta em lesão progressiva das vias aéreas com
extensão a áreas normais adjacentes.
Há inúmeras etiologias para bronquiectasias como pós-infecciosas; pós-agressão como aspiração gástrica;
incapacidade de defesa a infecções bacterianas como depuração ciliar prejudicada ou deficiências
imunológicas; reações imunológicas exacerbadas como Aspergilose Broncopulmonar Alérgica; causas
congênitas como seqüestro pulmonar e a síndrome de Mounier-Kuhn.
No caso acima a história e apresentação clínica é de doença crônica e difusa do parênquima pulmonar,
sendo a causa de doença localizada menos provável.
Resposta: letra C
Evolução
A paciente realizou teste do suor que mostrou cloro elevado em dois exames realizados, 64 e 61 mEq/L.
A paciente não conseguiu realizar o teste para quantificar gordura fecal por déficit cognitivo.
Durante o acompanhamento foram observados vários episódios de exacerbação infecciosa, com cultura
para escarro demonstrando presença de Moraxella Catarralis, Morganella morgani e estreptococo sp. Nas
avaliações regulares, sem associação evidente a exacerbação infecciosa, foi isolada em cultura de escarro
Pseudomonas aeruginosa (PA). Com os eventos documentados acima o diagnóstico de fibrose cística foi
firmado.
Questão 2) - Na FC, após identificação da P aeruginosa em cultura de escarro, mesmo em
estabilidade clinica, o que é preconizado atualmente?
a. - Observação clínica e manter culturas seriadas para orientar terapêutica antimicrobiana em
exacerbações futuras.
b. - Antibioticoterapia sistêmica e inalatória por tempo prolongado com objetivo de descolonização das
vias aéreas.
c. - Fibrobroncoscopia com aspirado e lavado broncoalveolar para definir se infecção por PA é do trato
respiratório inferior.
d. - Não há nenhuma conduta indicada, pois não há correlação ou relação causal entre presença de PA no
trato respiratório de pacientes com fibrose cística e prognóstico.
Discussão
Fibrose Cística (FC) é doença autossômica recessiva letal, mais comum em populações caucasianas,
menos freqüente em negros e rara em asiáticos. O gene da FC causa anormalidade na produção e função
de uma proteína chamada Reguladora de Condutância Transmembrana da Fibrose Cística (cystic fibrosis
transmembrane conductance regulator-CFTR). Em indivíduos saudáveis a CRTF age como canal do íon
cloro e como reguladora do transporte de sódio, cloro e bicarbonato. A presença desta proteína ocorre em
todo o corpo (pulmões, glândulas salivares e sudoríparas, pâncreas, fígado e trato reprodutor), o que
explica a característica multissitêmica da FC. Os órgãos mais acometidos são pulmões e trato
gastrointestinal.
Nos últimos 20 anos houve grande avanço no entendimento da genética da FC. Em 1989, houve a
identificação da seqüência do gene. Existem mais de 1000 diferentes mutações, que levam a diferentes
alterações qualitativas e quantitativas na função da CFTR e consequentemente à variação significativa da
gravidade clínica da doença. Este achado explica casos de diagnóstico tardio, como o descrito.
Colonização das vias aéreas de pacientes portadores de fibrose cística pela PA é associado a pior
prognóstico. A mortalidade é maior quanto mais precoce a colonização das vias aéreas pela PA. Baseado
nestes dados Taccetti et al selecionaram pacientes sem isolamento de PA previamente no escarro, e no
momento do primeiro isolamento de PA administraram ciprofloxacina oral associado a colistina inalatória
por 3 semanas. Se a cultura de escarro permanecia positiva para PA, o tratamento era mantido por três
meses. Em 81% dos pacientes tratados desta forma houve erradicação da PA e menor queda da função
pulmonar, menor número de exacerbações e menor uso total de antibióticos com menor custo total do
tratamento em comparação com o grupo que não foi submetido a esta tentativa de descolonização.
Resposta: B
Questão 3) - A respeito da terapêutica de manutenção da FC, qual das alternativas abaixo é
incorreta?
a. - Uso de mucoliticos, em particular Alfa-Dornase deve ser iniciada para todos pacientes com doença
pulmonar moderada a grave.
b. - Alfa-dornase deve ser considerada para casos leves e até para assintomáticos respiratórios
c. - Uso de antibiótico inalatório cronicamente, particularmente a tobramicina inalatória, deve ser
prescrita para os pacientes com colonização crônica das vias aéreas por PA com doença pulmonar
moderada a grave.
d. - Em casos graves o uso crônico de corticoide sistêmico está indicado
e. - Antibióticos sistêmicos, quando indicados, devem ser geralmente utilizados em doses plenas.
Discussão:
Em 2007 Flume et al publicaram diretrizes para tratamento crônico de manutenção em FC. A terapêutica
da FC se baseia na gravidade da doença, definida pelo VEF1, sendo considerado leve (70-89% previsto),
moderado (40-69%) e grave (menor que 40%). O comitê definiu as diversas terapêuticas pelo grau de
evidencia, e força de recomendação:
Grau de evidência:
- Boa: Estudos bem conduzidos e desenhados, população representativa, que avalia diretamente efeitos na
saúde;
- Adequada: avalia efeitos na saúde, mas limitação pelo número ou qualidade ou consistência;
- Pobre: incapaz de avaliar efeitos na saúde devido número, falhas no delineamento, condução, etc
Força de recomendação:
- A: Forte recomendação
- B: Benefícios maiores que malefícios
- C: Sem recomendação pró ou contra (uso caso a caso sem generalizar)
- D: Recomendação contra
- I: Sem evidencia para qualquer recomendação
A Alfa-Dornase foi desenvolvida para degradar o DNA livre que se acumula na mucosa dos pacientes
com FC, promovendo a depuração das secreções das vias aéreas através da melhora de suas propriedades
viscoelásticas. Na maioria dos estudos realizados com pacientes moderados a grave, a Alfa-Dornase
mostrou melhora significativa do VEF1, variando emtre 11.2-15.4%, comparado com placebo em
tratamento por 6-14 dias. Em longo prazo (24 semanas) também houve benefício (5.8% comparado com
placebo, segundo Fuchs e colaboradores). A qualidade da evidência é boa com recomendação “A” para
uso da medicação em pacientes acima de seis anos, melhorando a função pulmonar e reduzindo
exacerbações com poucos efeitos adversos. Em casos leves e assintomáticos, o uso crônico de AlfaDornase também apresenta benefícios com recomendação “B”.
O patógeno das vias aéreas mais frequentemente isolado do escarro em pacientes com FC é a PA. A
colonização crônica está associada a um rápido declínio da função pulmonar, sendo assim antibióticos
inalados tem sido uma opção na erradicação inicial da infecção e na supressão da forma crônica. Em
casos moderados a grave, três estudos demonstraram que a tobramicina inalatória melhora de 7,.8 a 12% a
função pulmonar. Ramsey et al evidenciaram redução de 26% na hospitalização e de 36% no uso de
antibióticos endovenosos em pacientes que utilizaram a medicação inalatória comparados com placebo. O
uso de tobramicina inalatória em pacientes com cultura demonstrando presença de pseudomonas é
recomendado em casos moderados a graves com recomendação “A”, assim como os assintomáticos e
leves com recomendação “B”. Outros antibióticos inalatórios possuem evidência insuficiente para seu uso
crônico na FC, o que não contra-indica seu uso, recomendação “I”.
A terapia com macrolídeos, na FC, tem como objetivo proporcionar efeitos antiinflamatórios e
antimicrobianos. As exacerbações pulmonares em pacientes infectados cronicamente com PA foram
reduzidas com o uso de azitromicina 250mg ou 500mg três vezes por semana ou 250 mg diariamente. A
terapêutica é bem tolerada, mas pode ocorrer náuseas e diarréia (recomendação “B”).
A presença de S. aureus também é comum no exame de escarro em crianças, mas o uso de medicação
profilática de rotina não é recomendado, pois pode aumentar o risco de infecção por pseudomonas.
O uso crônico de corticóide sistêmico levou a discreta melhora da função pulmonar, mas o número de
efeitos colaterais, como alteração do crescimento, alteração no metabolismo da glicemia, catarata e
aumento da infecção por PA, foi inaceitável. A recomendação final é “D”. Em adultos esse benefício
também não foi comprovado, podendo provocar complicações como osteoporose e o diabetes mellitus.
Resposta : letra C
Bibliografia
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