O TEMPO ESCOLAR E SUAS MARCAS NO ESPAÇO DESTINADO AO ENSINO PRÉ-VOCACIONAL EM CAICÓ-RN (1945) Paula Sônia de Brito - UFRN O trabalho faz parte da dissertação de Mestrado intitulada A luta do Bispo Dom José de Medeiros Delgado por educação escolar para todos (1941-1951), desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Objetiva-se apresentar a distribuição do tempo escolar da Escola Prevocacional de Caicó, articuladamente com o tempo social da cidade de Caicó-RN, especificamente no ano de 1945, tendo como objeto de estudo – o tempo escolar na sala de aula e nas oficinas de iniciação ao trabalho da escola. O referencial da cultura escolar dará suporte teórico para descrever e analisar os componentes chaves da vida diária desse estabelecimento de ensino. Para realização desse estudo pesquisou-se em fontes documentais como o Estatuto, o Regimento, o jornal “A Folha”, impresso na oficina de tipografia da escola e em relatos orais de professores e ex-alunos. A Escola Prevocacional de Caicó, sucessora da “Escola do Pobre São José”, foi instalada pelo Bispo Dom José de Medeiros Delgado, a 18 de outubro de 1944, iniciativa conjunta da Diocese de Caicó, por meio da Casa do Pobre (substituída em 1950 pelo Departamento Diocesano de Ação Social), da Legião Brasileira de Assistência (LBA), do Serviço Estadual de Reeducação e Assistência Social (SERAS) e das Caritas. O Bispo Dom José Delgado não mediu esforços para que as crianças pobres dessa cidade tivessem uma escola popular que transmitisse saberes básicos da cultura letrada e ensinasse pela modalidade do aprender-fazendo, noções e práticas de mecânica, de marcenaria e da arte gráfica de fabricar objetos culturais como: o livro, o caderno, o jornal, dentre muitos outros. A finalidade dessa instituição de natureza vocacional era “A alfabetização gratuita das crianças de um e outro sexo em turnos diferentes e em regime exclusivo de externato, dando, entretanto, a refeição principal cada dia aos subalimentados, vestindo e calçando aos que disto necessitem por carência econômica dos pais” (ESTATUTOS DA ESCOLA PREVOCACIONAL DE CAICÓ, 1947, p. 6 ). A Escola Prevocacional de Caicó estava organizada em dois ciclos: o ensino primário e o pré-vocacional. O curso primário tinha a duração de cinco anos. Segundo a ex-aluna Maria da Luz Araújo (2004), as disciplinas escolares eram basicamente Português, Matemática, Geografia, História, Moral e Cívica, Ciência e Religião. O prévocacional estruturar-se-ia em (2) dois anos por meio da aprendizagem prática, no interior das oficinas de mecânica, marcenaria e tipografia destinadas aos meninos da 5ª série primária. Quanto ao ensino pré-vocacional para as meninas, acontecia no decorrer dos cinco anos do curso primário, através de trabalhos manuais de corte e costura, bordado à mão e à máquina, tecelagem e crochê. A Diocese de Caicó, como mantenedora da Escola, encarregava-se da aquisição de todo o material industrial necessário à aprendizagem vocacional dos meninos e meninas. A direção da Escola Prevocacional de Caicó distribuiu o tempo escolar na sala em dois turnos: o matutino e o vespertino, mas preservou a co-educação de meninos e meninas. Para Viñao Frago (1995, p. 69) no conjunto estrutural e organizativo de uma cultura escolar existem alguns componentes que são mais relevantes dos que outros, “el sentido de que son elementos organizadores que la conforman e definem [...] el espacio y el tiempo escolares”. O tempo escolar na sala de aula nessa instituição destinada às camadas populares estava organizado pelo horário do relógio, “um mecanismo de controle social da duração do tempo” (ESCALANO, 1998, p. 44). Na Escola Prevocacional de Caicó a distribuição da jornada escolar (três horas e quarenta e cinco minutos) obedecia os seguintes horários ņ turno matutino: entrada nas classes às 7h, recreio às 9h, término das aulas às 10h45min e almoço às 11h. Turno vespertino: entrada nas classes às 13h, recreio às 15h, término das aulas às 16h45min e jantar às 17h. No parecer de Viñao Frago (1995, p. 72) “el tiempo escolar como um tiempo prescrito y uniforme [...], en condicionante de y condicionado por outros tiempos sociales; um tiempo aprendido que conforma el aprendizaje del tiempo; una construcción, em suma, cultural e pedagógica”. Em 1945, a Escola Prevocacional de Caicó, consciente ou inconscientemente, abraçada aos pressupostos atinentes à distribuição do tempo escolar, em articulação com o tempo social da cidade de Caicó, vivencia e experimenta a sua própria jornada de trabalho de (8) oito horas diárias ou até mais, nas classes de aula (com mais ou menos 40 alunos) nas oficinas (20 alunos por turno) e na forma de atividades manuais, para uma aprendizagem prática, por parte dos meninos e meninas. As oficinas e os cursos femininos funcionavam nos turnos matutino e vespertino, visando oportunizar aos alunos que estudavam pela manhã freqüentarem as oficinas no horário da tarde e assim vice e versa. Essas medidas refletem, sem dúvida, a importância da educação prevocacional. Na oficina de mecânica, sob a orientação técnica de José Delgado Sobrinho, os alunos da manhã (7h às 11h) e da tarde (13h às 17h) tinham geralmente aulas práticas de manutenção, reparo de motores e consertos de carros (OLIVEIRA, 2004). Na oficina de marcenaria, coordenada por Eliziário Dantas de Medeiros, os alunos aprendiam, nos turnos matutino e vespertino, a lidarem com madeira, para transformá-la em carteiras, birôs, cadeiras, enfim, todo o mobiliário escolar necessário aos estabelecimentos educacionais pertencentes à Diocese de Caicó (GDS, Escolas do Pobre, Escola Popular “Darci Vargas” e ao Seminário Santo Cura d’Ars). Os alunos também confeccionavam móveis domésticos (cadeiras, mesas, camas, armários, ripas para teto), sob encomenda (OLIVEIRA, 2004). Na oficina de tipografia, gerenciada por Inácio Vale, aprendiam os estagiários, nos turnos matutino e vespertino, ensinamentos específicos e gerais compatíveis com a arte gráfica de fabricar livros, jornais, talões em geral. Em vista da complexidade dessa arte e da quantidade de trabalho requisitada pela comunidade local, a Tipografia da Escola Prevocacional de Caicó dispunha de três máquinas impressoras, uma guilhotina manual, mesas de paginação, prensas e outros artefatos indispensáveis a uma gráfica industrial. O gráfico Elísio Araújo, o terceiro gerente dessa oficina, contou-nos que “os serviços tipográficos não davam para manter a tipografia, por isso recebia ajuda financeira do Governo Federal, para que os alunos pudessem receber mensalmente uma gratificação como estímulo pelos serviços prestados” (ARAÚJO, 2004). Como orientavam-se pais e filhos costumeiramente em relação tempo/horário? Nas décadas de 1940 e de 1950, na Caicó de traços rurais, setores populares e também médios, tinham como habitus orientarem-se pelos fenômenos da natureza para deitar, acordar, almoçar, jantar e trabalhar. Os “guias” naturais seriam o nascer do sol, o cantar do galo, o pôr do sol, o mugir do gado, e em último caso, o sino da Igreja da Matriz. Havia tempos sociais distintos no tocante à família e à escola regular: a primeira, próxima do mundo rural, e a segunda, de “espírito” urbano. Como adequar aquela à essa última dominante? Acostumados a acordarem cedo, junto com os pais, e caminharem a pé até a escola, os alunos da Escola Prevocacional de Caicó aprenderiam desde logo que, toda e qualquer instituição educacional tem a sua jornada de trabalho: entrada, aula em classe, recreio e retorno para casa. Entrada, oficinas, trabalhos manuais, recreio e retorno para casa. O tempo escolar como ressalta Souza (1996, p. 18), “se expressa também como tempo disciplinar: respeitar horários e cumpri-los, cada coisa no seu tempo certo, preciso. Dessa forma a criança aprende a concepção cultural do tempo que regulamenta a vida social”. A função educativa e instrutiva da escola, distinta da instituição familiar, projetase na ordenação do espaço, na racionalização do tempo escolar, na homogeneização dos educandos, no interior do estabelecimento de ensino. A cultura educacional da Escola Prevocacional de Caicó é indissociável da sua finalidade educativa e instrutiva vocacional das crianças das camadas populares. Para o alcance social dessa finalidade, a distribuição do tempo escolar na sala de aula e nas oficinas foi pedagogicamente fundamental. Dessa forma, o tempo escolar desse estabelecimento de ensino estruturar-se-ia e inseria-se na lógica do comércio e da fábrica, calculado por uma jornada de oito horas de trabalho produtivo. Assim, o tempo escolar na sala de aula e nas oficinas da Escola Prevocacionhal de Caicó, estavam imbricados com o tempo social da cidade de Caicó. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Elísio. Relato oral sobre a Tipografia da Escola Prevocacional de Caicó. Caicó, 4 maio 2004. ESCALANO, Augustin. Arquitetura como programa: espaço-escola e currículo. In: VIÑAO FRAGO, Antonio; ESCALANO, Augustin. Currículo, espaço esubjetividade: a arquitetura como programa. São Paulo: DP&A, 1998. ESTATUTOS da Escola Prevocacional de Caicó. Diário Oficial [do] Estado do Rio Grande do Norte, Natal, RN, p. 6, 28 nov. 1947b. OLIVEIRA, Luiz de França. Relato oral sobre as oficinas da Escola Prevocacional de Caicó. Caicó, 12 abr. 2004. SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: um estudo sobre a implantação dos grupos escolares no estado de São Paulo (1890-1910). 1996. 285 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996. VIÑAO FRAGO, Antonio. História de la educación e história cultural. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 0, p. 63-82, set./out./nov./dez. 1995.