UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS DOUTORADO EM LETRAS NEOLATINAS A hierarquização do francês oficial e das línguas regionais na França, através do imaginário do “falar bem” e do “falar mal” implantado na Revolução Francesa: a língua da liberdade reprimindo o multilinguismo por Cristiane Maria de Souza Tese de Doutorado em Letras Neolatinas, opção Língua Francesa, apresentado à Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Prof. Dr. Pierre François Georges Guisan. Rio de Janeiro Março de 2015 Souza, Cristiane Maria de A hierarquização do francês oficial e das línguas regionais na França através do imaginário do “falar bem” e do “falar mal” implantado na Revolução Francesa: a língua da liberdade reprimindo o multilinguismo / Cristiane Maria de Souza, 2015. ____ f.: il 206. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas) – Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas. Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. Orientador: Pierre François Georges Guisan. 1. Língua francesa – políticas linguísticas 2. Hierarquização 3. Sociolinguística 4. Línguas em contato – França. I. Guisan, Pierre Georges François. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras. 2 Cristiane Maria de Souza A hierarquização do francês oficial e das línguas regionais na França, através do imaginário do “falar bem” e do “falar mal” implantado na Revolução Francesa: a língua da liberdade reprimindo o multilinguismo Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos – Língua Francesa) Aprovada em _____________________________________ 2015. ______________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Pierre François Georges Guisan Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ ______________________________________________ Profa. Dra. Mayra Barbosa Guedes Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF ______________________________________________ Profa. Dra. Telma Cristina de Almeida Silva Universidade Federal Fluminense – UFF ______________________________________________ Profa. Dra. Sônia Cristina Reis Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ ______________________________________________ Prof. Dr. Luiz Carlos Balga Rodrigues Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ ______________________________________________ Prof. Dr. Andrea Giuseppe Lombardi (Suplente) Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ ______________________________________________ Profa. Dra. Maria Elisabeth Chaves Mello (Suplente) Universidade Federal Fluminense – UFF 3 À memória do meu padrasto Benedicto Figueiredo de Mello e de meu irmão Jair Eugênio de Souza. 4 Agradecimentos Agradeço por este trabalho a Deus-Oxalá e a todos os santos e orixás. A minha mãe Celeste que me deu muita força e me ensinou a buscar a realização dos meus objetivos. Ao meu padrasto Benedicto que deu todo apoio em meus estudos e nos deixou no meio do doutorado. Aos meus tios e tias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Aos meus primos também. Ao meu orientador, Pierre François Guisan, por acreditar em meu tema de pesquisa, por compreender meus objetivos e pela presença nos momentos de estudos. Obrigada pelo incentivo e pela amizade na graduação, no mestrado e no doutorado. Que os projetos futuros também sejam tão gratificantes com o mesmo orientador. Aos professores membros da Banca de Qualificação: Andrea Lombardi e Thomas Fimbow que proporcionaram reflexões sobre o meu trabalho muito produtivas e enriquecedoras. Aos professores membros da Banca Examinadora: Mayra Guedes, Telma Almeida, Sônia Reis e Luiz Carlos Balga. Obrigada pelos apontamentos e reflexões sobre o meu trabalho de pesquisa. Agradeço aos meus amigos do Pré-Vestibular da igreja de São Sebastião de Olaria, Rio de Janeiro: Mônica, Henrique, Eurídice, Wilton, Danielle e Nádia; tanto quanto aos padres Martini e Ademir que nos incentivaram bastante, mostrando que tínhamos direito e competência para estudar nas universidades públicas. Obrigada pelas palavras de motivação. Agradeço aos professores também que nos ensinaram a acreditar em nós. Aos amigos do Colégio Estadual João Alfredo: Bianca, Daniele e Rodrigo, como aos professores muito queridos. Aos amigos da Escola Municipal Padre Manuel da Nóbrega, meus amigos de infância e de sempre: Renata Bastos, Jussara, Christilie, Jean, Andréa Oliveira, Rosângela, Keila, dentre outros que sinto amizade e gratidão enormes. Aos professores e diretores dessa escola que foi um começo de vida estudantil maravilhoso. Aos amigos da Faculdade de Letras da UFRJ: André Monte, Maria Gabriela Braga, Ana Luiza Baesso, Maria Clara Carneiro, Ana Carolina Araújo, Sany Lemos Moreira, Mariana Moreeuw, Danielle Galindo, Déborah Costa, Miriam Levy e Alana Quintanilha. Às professoras da UFRJ: Christina Abreu Gomes e Consuelo Alfaro. Às amigas Vanessa Gomes Laga e Michele Sodré que me ouviam e auxiliavam com palavras e ações motivadoras. Obrigada pela amizade. Enfim, agradeço a todos que puderam incentivar-me em meus estudos e em meus aprendizados em geral. 5 Ces divers idiomes méridionaux ne sont que de purs jargons: ce sont de vraies langues, tout aussi anciennes que la plupart de nos langues modernes; tout aussi riches, tout aussi abondantes en expressions nobles et hardies, en tropes, en métaphores, qu’aucune des langues de l’Europe : les poésies immortelles de Goudelin1 en sont une preuve sans réplique2. 3 1 Pierre Goudelin (1580 – 1649), forma afrancesada de Pèire Godolin em provençal, poeta da cidade francesa de Toulouse que compôs obras em provençal. 2 Fragmento da resposta do correspondente Gautier-Sauzin ao questionário do Abade Grégoire, que se apresenta como agricultor, e que escreveu cartas para o jornal La Feuille Villageoise, (Michel de Certeau, Júlia Dominique e Jacques Revel, 1975). 3 “Estes diversos idiomas regionais são só puros jargões: são verdadeiras línguas, também antigas como a maior parte de nossas línguas modernas; também ricas, também abundantes em expressões nobres e ousadas, em tropes, em metáforas, que nenhuma língua da Europa: as poesias imortais de Goudelin são uma prova sem réplica.” Tradução nossa. 6 RESUMO SOUZA, Cristiane Maria de. A hierarquização do francês oficial e das línguas regionais na França, através do imaginário do “falar bem” e do “falar mal” implantado na Revolução Francesa: a língua da liberdade reprimindo o multilinguismo. Rio de Janeiro, 2015. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. Esta pesquisa tem por objetivo verificar a hierarquização do francês oficial e das línguas regionais na França em meio às tentativas instituídas e desenvolvidas no período da Revolução Francesa de aniquilação destas línguas desvalorizadas. Chamadas em nossos dias de línguas regionais na Comunidade Européia, são conhecidas de forma marcada (Labov, 1972) como “patoás” por uma boa parte da população francesa que as considera como elementos marginais na nação. Pretendemos averiguar, assim, a busca por uma identidade nacional francesa que possibilitou a tomada de poder da língua que se tornou oficial e a consequente marginalização das menos aceitas socialmente no solo francês. Esta marginalização fora oriunda da discriminação entre os falares encontrados no país como “falares rústicos”, “de ignorância”, “corrompidos”, “jargões”, “dialetos grosseiros”, etc. Logo, os indivíduos falantes destas línguas seculares tiveram suas formas de fala taxadas como o “falar mal” socialmente, sendo inaceitável a idéia de bilinguismo na nação que se desenvolvia como Estado Nacional. Os que dominavam o discurso revolucionário expresso através da ferramenta da língua oficial eram considerados como portadores do “falar bem”, multiplicadores da “língua da liberdade”. Deste modo, usamos como corpus de pesquisa as cartas enviadas ao político jacobino, o abade Henri Grégoire, no período de 1790 a 1794 em resposta ao seu questionário sobre a necessidade de aceitar o francês oficial como língua de todo o território francês e assim, a consequente e imaginada aniquilação das línguas regionais. Assim, através da análise crítica dos documentos citados, procuramos elementos de sentido nacionalistas e de exaltação à língua oficial, a partir das visões de nacionalismo desenvolvidas por Guellner (1989) e Anderson (1983). Do mesmo modo, avaliamos nos documentos as imagens etnocêntricas de língua padrão com escrita standard e portadora do discurso oficial revolucionário a partir do auxílio de textos de Todorov (1989) e Lévi-Strauss (2008) em comparação ao ideal marginalizatório embutido nas línguas regionais no momento histórico em questão. Palavras-chave: hierarquização/ línguas regionais / francês oficial. 7 RÉSUMÉ SOUZA, Cristiane Maria de. La hiérarchisation du français officiel et des langues régionnales en France, à partir de l’imaginaire du « bien parler » et du « mauvais parler » implanté à la Révolution Française : la langue de la liberté reprime le multilinguisme. Rio de Janeiro, 2015. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. Ce travail de recherche a pour l’objectif vérifier la hiérarchisation du français officiel et des langues régionales en France dans les essais imposées et développées pendant la période de la Révolution Française de destruction des langues dévalorisées. Nommées aujourd’hui de langues régionales dans la Communauté Européenne, elles sont connues par la plupart de la population française de façon marquée (Labov, 1972) comme « patois » qui les considèrent comme des éléments marginaux dans la nation. Nous avons l’intention de vérifier, de cette façon, la quête d’une identité nationale française qui a possibilité la prise du pouvoir de la langue qui est devenue officielle et la conséquente marginalisation des langues moins acceptées socialement au territoire français. Cette marginalisation a commencé par la discrimination entre les parleurs rencontrés dans le pays comme des « parleurs rustiques », « de l’ignorance », « corrompus », « des jargons », « des dialectes grossiers », etc. Alors, les individus parleurs de ces langues séculaires ont eu leurs manières de parler estimées comme le « mauvais parler » socialement, vue comme inacceptable l’idée de bilinguisme dans la nation qui se développait comme État National. Ceux qui dominaient le discours révolutionnaire exprimé à partir de l’outil de la langue officielle étaient considérés comme des porteurs du « bien parler », des multiplicateurs de la « langue de la liberté ». De cette manière, nous avons utilisé comme corpus de recherche les lettres envoyées au politicien jacobin, l’abbé Henri Grégoire, pendant la période de 1790 à 1794 en réponse au questionnaire à propos de la nécessité d’accepter le français officiel comme la langue de tout le territoire français et ainsi, le conséquent et imaginé anéantissement des langues régionales. Donc, à partir de l’analyse critique des documents cités, nous avons cherché des éléments de sens nationalistes et d’exaltation de la langue officielle, en nous basant aux visions de nationalisme développées par Guellner (1989) et Anderson (1983). De la même façon, nous avons évalué dans les documents les images ethnocentriques de la langue patron avec une écriture standard et porteuse du discours officiel révolutionnaire à partir de l’aide des textes de Todorov (1989) e Lévi-Strauss (2008) en comparaison à l’idéal de marginalisation donné aux langues régionales au moment historique en question. Mots-clés: hiérarchisation/ langues régionales / français oficiel. 8 ABSTRACT SOUZA, Cristiane Maria. The social hierarchy of official French and regional languages deployed in the French Revolution: the language of freedom suppresses multilingualism. Doctorate Thesis. Liberal Arts. Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. This research aims to analyze the process responsible for the hierarchical status of official French in relation to other ancient, devalued and, for some, extinguishable languages, during the French Revolution. These regional languages are still considered to be marginal languages in France and are currently known either as regional languages in the European Community, or as ‘patoás’ (Labov, 1972) by most French people. We intend to study the quest for a French national identity, which allowed the dominant variety of the language to overpower the others, becoming the official language and consequently creating the marginal status of the other varieties. The marginalization process arises out of linguistic and social discrimination against different languages in France, which were taken as examples of rustic, ignorant, corrupted, jargon-like or, even, gross dialects. The consequence of such linguistic prejudice was that speakers of these individuals secular languages had their forms of speech evaluated as inferior language, making the idea of bilingualism unacceptable, in the newly National State. Those who dominated the revolutionary discourse expressed through the official language were considered experts of that language and in charge of spreading the "language of liberty”. Our research corpus is compound of letters sent by Jacobin, the politician, to abbot Henri Grégoire, during the period between 1790-1794, in response to his questionnaire on the need of accepting official French as the only language of France, and of the consequent annihilation of regional languages. Through critical analysis of the cited documents, nationalist elements and elements of exaltation of the official language were observed in the light of Guellner (1989) and Anderson’s (1983) visions on nationalism. Similarly, the ethnocentric images of standard language with standard writing carrying the revolutionary official discourse were evaluated. Texts from Todorov (1989) and Levi-Strauss (2008) on the idealistic, stigmatizing conception embedded in regional languages in such historical moment were used. Keywords: hierarchy/ regional languages/ official French 9 Sumário: 1 – Introdução.................................................................................................................11 2 – As origens da hierarquização linguística na França: 2.1 – O mito da escrita em língua clara e perfeita, legitimadora dos movimentos revolucionários................................................................................................................20 2.2 – O ideal de língua perfeita com escrita standard contra o imaginário de línguas ágrafas, marcadas socialmente com o status de “mal faladas”, de ignorância e rústicas. .........................................................................................................................................26 2.3 – A língua oficial e nacional impôs-se sobre a religião, o rei e as línguas regionais...........................................................................................................................37 3 – A repressão linguística na Revolução: 3.1 – O jacobinismo linguístico e o ideal de “uma nação, uma língua”..........................44 3.2 – O terror linguístico: Henri Grégoire e as políticas do Terror.................................51 3.3 – O etnocentrismo jacobino vinculado ao embate do “falar bem” e do “falar mal”.64 4 – A supremacia social do imaginado “falar bem” no discurso revolucionário: 4.1 – O embate entre o discurso revolucionário e a tradição oral...................................70 4.2 – O papel da escrita estandardizada no imaginário do “falar bem”..........................74 4.3 – O oficial e o popular, o sério e o lúdico, o moldado e o espontâneo.....................80 4.4 – O desprezo pelas comunidades que imaginadamente “falam mal” intensificado pela planificação linguística na França........................................................................... 86 5 – As hierarquização territorial das línguas regionais e do francês oficial: 5.1 – Origens do ideal de territorialização linguística na França: o imaginário da “língua d’oc” e “língua d’oïl” ..................................................................................................96 5.2 – A unificação linguística revolucionária.............................................................103 5.3 – O ideal da hierarquização territorial das línguas na França através da defesa do purismo linguístico e da refutação ao considerado “contaminado” ............................111 6 – O etnocentrismo hierárquico jacobino propagado através do ideal de “falar bem” como único meio de comunicação aceito 6.1 – A pesquisa do abade Henri Grégoire e seus objetivos de imaginário de libertação populacional através da exaltação do francês oficial em escritos de lei........................118 6.2 – Respostas ao questionário: adesões e rejeições ao ideal jacobino de eliminação das línguas regionais..........................................................................................................125 6.3 – Visões do ‘falar bem’ e do ‘falar mal’ nas correspondências ao abade...............141 6.4 – Contestações aos ideais jacobinos de aniquilação das línguas regionais.............147 6.5 – Objetivo: destruir as línguas regionais, resultado: primeiro estudo sobre as mesmas. ........................................................................................................................152 7 – Conclusão. ............................................................................................................ .157 8 – Anexos. ..................................................................................................................167 9 – Bibliografia. ............................................................................................................201 10 1 – Introdução: Citoyens, les tyrans coalisés ont dit : l'ignorance fut toujours notre auxiliaire le plus puissant; maintenons l'ignorance; elle fait les fanatiques, elle multiplie les contre-révolutionnaires; faisons rétrograder les Français vers la barbarie: servons-nous des peuples mal instruits ou de ceux qui parlent un idiome différent de celui de l'instruction publique.4 Vieuzac, 1794, p.1. Quelques sociétés populaires du Midi discutent en provençal: la nécessité d'universaliser notre idiome leur fournit une nouvelle occasion de bien mériter de la patrie.5 Grégoire, 1794, p.12. (...) les hommes, ils sont déterminés par le climat et par la nature du sol. C’est donc aussi par les mêmes causes qu’il faut expliquer la diversité des langues et l’opposition de leurs caractères.6 Jean-Jacques Rousseau, 1781, p.19. A língua francesa oficial com seu status de língua nacional adquirido a partir dos movimentos revolucionários do século XVIII passou por um grande processo de divulgação em seu país, na medida em que os políticos jacobinos responsáveis pelas transformações sociais e políticas do período criaram um ambiente de reformulação de sua sociedade e de seu sistema político, e para tal, acreditavam que somente com o domínio da língua francesa oficial, que simbolicamente fora associada à imagem de liberdade adquirida pelos atos dos mesmos com o objetivo de controlar a nação que surgia, os indivíduos poderiam usufruir as imaginadas conquistas coletivas conseguidas pelos mesmos, tornando-se cidadãos portadores do discurso revolucionário. 4 “Cidadãos, os tiranos compactuados disseram: a ignorância foi sempre nossa auxiliar mais potente; mantenhamos a ignorância; ela faz os fanáticos, ela multiplica os contra-revolucionários; façamos retroagir os Franceses em direção à barbárie: sirvamos os povos mal instruídos ou aqueles que falam um idioma diferente daquele da instrução pública.” Tradução nossa. 5 “Algumas sociedades populares do Midi discutem em provençal: a necessidade de universalizar nosso idioma fornece para os mesmos uma nova ocasião de merecer bem da pátria.” Tradução nossa. 6 “Os homens, são determinados pelo clima e pela natureza do solo. Então, é também pelas mesmas causas que se torna necessário explicar a diversidade das línguas e a oposição de suas características.” Tradução nossa. 11 Porém, apesar dos ideais vistos como libertatórios da sociedade francesa vindos com as conquistas revolucionárias, a língua francesa fora imposta (politicamente e socialmente) e oprimiu o uso das diversas línguas presentes no território em questão. Este ambiente de diglossia7, ou poliglossia, melhor dizendo, em que a língua oficial fora mostrada como a única forma de fala e de escrita aceita na nação francesa, e as línguas regionais8 - basco, alsaciano, champenois, língua valona, picardo, normando, bourguinhon, potevino, franc-comptois, francoprovençal, loreno, flamengo, occitano (gascão, languedociano, provençal, auvergnat, limousino, alpino, língua corsa, catalão, dauphinois, périgourdin), saintongeais, tourangeau e galo – encaradas pelos revolucionários como ameaça a seus propósitos, na medida em que a multiplicidade de falas e culturas poderia criar um ambiente impróprio para a criação de um Estado nacional uno e indivisível, como os políticos jacobinos em seu regime chamado de Terror acreditavam. Neste sentido, a pesquisa de tese a seguir tem por objetivo investigar as causas da estigmatização das línguas regionais e da depreciação de suas realizações sociais na França revolucionária, que tiveram como meta a elevação do status da língua francesa oficial como a única forma aceita de fala e de escrita no território do país em questão; além de questionar o imaginário de que as línguas estariam somente ligadas aos territórios a que pertenceriam, não sendo vinculadas aos seus grupos falantes que as levam por qualquer lugar onde estiverem, ou seja, o ideal de língua standard seria inerente ao imaginário de centralização territorial de um povo moldado pelo viés das imagens do nacionalismo, criador dos Estados Nacionais. Acreditamos que estas motivações vieram a partir do período chamado de Terror, com o ideal jacobino de eliminar tudo o que fosse considerado contra seu discurso revolucionário vinculado ao imaginário de língua perfeita padrão que a modalidade oficial adquiriu nos séculos anteriores à Revolução. Desta forma, supomos que este objetivo aniquilatório das línguas regionais teve como consequência a hierarquização das línguas na França através do imaginário social do “falar bem” (ligado ao ideal de “falar como se escreve a língua oficial”) e do “falar mal” (imaginadamente visto pelos jacobinos e propagado na sociedade francesa como o 7 A língua francesa oficial contra as línguas regionais, vistas pelos governantes como contrárias aos ideais revolucionários, sendo imaginadas como as mesmas sem haver tomada de consciências de suas singularidades, histórias, populações falantes, etc. 8 POCHE, Bernard. Les langues minoritaires en Europe, PUG, Grenoble, 2000. 12 falar as línguas rústicas, bárbaras, selvagens, caipiras, ignorantes, dos patoás, das línguas corrompidas, jargões, línguas bárbaras, etc.) identificatório de grupos de indivíduos falantes. As línguas regionais são formas de fala em sua maioria ágrafas, ou seja, sem escrita oficial, sem normatização e sem um controle político-linguístico em gramáticas e dicionários que tentariam frear suas mudanças e dar um status politicamente aceito em sua sociedade que valoriza mais a escrita que a fala. Estas línguas são chamadas por vezes de “línguas minoritárias” por linguístas e decidimos defini-las como línguas regionais, como podemos encontrar na Carta Européia das Línguas Regionais ou Minoritárias9, tratado votado pelo Conselho da Europa10 em 1992, a fim de valorizar o patrimônio linguístico e as diversidades do continente. Entretanto, o ideal de “regionalismo” também pode ser contestado, na medida em que as línguas não são pertencentes aos territórios, mas sim aos seus falantes, que transitam por onde quiserem, levando suas falas e suas culturas por onde forem. Desta forma, para definir como trata-las neste trabalho, passamos por momentos de reflexão bastante significativos, pois já havíamos tratado as mesmas como “variantes regionais” na dissertação de mestrado que fora um estudo inicial para a feitura deste trabalho em questão, intitulada “A imposição do francês oficial sobre as variantes11 regionais no período da Revolução Francesa, a língua como símbolo de liberdade” pela faculdade de Letras da UFRJ em 2008, dissertação em que trabalhamos na pesquisa os fatores que possibilitaram a imposição da língua francesa oficial no período revolucionário e a coleta de dados que poderiam auxiliar numa futura pesquisa de doutorado, como ocorreu efetivamente. 9 http://www.direitoshumanos.usp.br/ http://www.european-council.europa.eu/home-page.aspx?lang=pt 11 Segundo Guisan (2014) “a linguística brasileira se acostumou consensualmente a adotar o termo de variedade para designar uma forma particular da língua falada por determinada comunidade. Preferimos o termo variante (...). Com efeito, a palavra variedade, a nosso ver, define geralmente uma qualidade daquilo que representa grande número de (vários) estados diferentes, cada um considerado uma variante.” Ou seja, em nossos trabalhos de mestrado em língua francesa na UFRJ, definimos as línguas regionais como variantes regionais, na medida em que as mesmas poderiam ser vistas como cada um elemento da variedade de língua oficializada, seriam os ditos “dialetos” definidos assim com a intenção de os diminuírem sua ação social em determinadas comunidades de fala possuidoras de uma modalidade de língua standard. Deste modo, para a pesquisa de doutorado em língua francesa na UFRJ, preferimos nomear as mesmas como línguas regionais, termo utilizado na Carta Européia das Línguas Regionais ou Minoritárias, assinada pelos membros da União Européia em 1992 com a finalidade de valorizar as intituladas minorias sociais em seu continente. O governo francês a assinou, porém não valoriza as línguas regionais em seu território, na medida em que as mesmas são vistas como “patoás” e de valor algum diante da soberania da língua oficial libertadora, como mostrada a partir da Revolução Francesa. 10 13 Estes dados vieram da obra de Certeau, Dominique e Revel (1975)12 que investigaram as políticas de implantação da língua francesa oficial e a tentativa de aniquilação das línguas regionais, chamadas pelos autores de patoás, forma pejorativa de tratá-las e aceita na época em que fizeram o estudo citado – mesmo que os mesmos não tivessem intenção de pejora-las, deveriam usar o termo aceito em sua época - . Os mesmos usaram os documentos dos jacobinos Barère e o abade Henri Grégoire para investigar a problemática das línguas na França, logo, os mesmos as tratavam de patoás também, no período revolucionário. A palavra patoá é encontrada com vários significados que pejoram ou somente tentam definir as línguas sem status de oficiais na França ou em outros locais, como podemos verificar na definição do dicionário Aurélio13: dialeto rural francês, geralmente utilizado por um grupo restrito; dialeto de uma língua, majoritariamente oral, falado numa região restrita, linguagem usada por determinado grupo, geralmente incompreensível para quem não pertence ao grupo; crioulo macaense de base lexical portuguesa. E para o dicionário Larousse digital em língua francesa, encontramos a seguinte definição do termo: Système linguistique essentiellement oral, utilisé sur une aire réduite et dans une communauté déterminée (généralement rurale), et perçu par ses utilisateurs comme inférieur à la langue officielle.14 Nesta definição, podemos verificar o ideal de territorialismo para definir as línguas faladas na França sem status de oficiais. Pretendemos com este trabalho, questionar esse imaginário de língua e território, na medida em que acreditamos que as línguas não pertencem aos territórios, mas a suas comunidades de fala (expressão utilizada pelo sociolinguista Calvet15, para definir as sociedades sem cultura escrita das que a possuem oficialmente ou não, a fim de desmistificar o ideal de que só é língua as formas de 12 CERTEAU, Michel de., DOMINIQUE, Julia. REVEL, Jacques. Une Politique de la Langue – La Révolution Française et les patois, NRF, Éditions Gallimard, Paris, 1975. 13 http://www.dicionariodoaurelio.com/patoa 14 Definição de patoá encontrada na página eletrônica do dicionário etimológico do Larousse, em: http://www.larousse.fr/dictionnaires/francais/patois/58677?q=patois#58318. Pode ser traduzida da seguinte forma: “Sistema linguístico essencialmente oral, utilizado sobre zona reduzida e numa comunidade determinada (geralmente rural), e considerada por seus utilizadores como inferior à língua oficial.” 15 CALVET, Louis-Jean. La tradition orale, coleção : Que sais-je ?, Presses Universitaires de France, segunda edição, Paris, 1997. 14 comunicação documentadas com o auxílio das letras representando seus sons – alfabeto latino - ou suas ideias – escrita japonesa ou chinesa -. Para o autor, as comunidades baseadas na fala para efetivar a comunicação possuem línguas ricas em léxico, em estrutura, em expressões, etc. (como quaisquer outras com status de padrão) que se identificam com suas línguas e as utilizam de forma eficaz e criativa em seu convívio em seus grupos, além de poderem levar seus falares por onde forem, enriquecendo-os com contatos com outras comunidades de fala. Ou seja, para nós, as línguas não estão ligadas aos territórios nacionais onde imaginadamente estariam fixas, mas aos seus sujeitos falantes que podem se deslocar pelo mundo todo as levando consigo. Com isto, pretendemos verificar sociolinguisticamente a problemática da hierarquização das línguas na França, através do imaginário de “falar bem” e do “falar mal” desenvolvida no período revolucionário, a partir dos postulados estudados por Labov (1972, 2006 e 2008), que procurou enquadrar os sujeitos falantes às disposições e pressões linguísticas e sociais externas aos mesmos, a fim de serem aceitos socialmente em seus grupos de fala e sobretudo, verificaremos em nossos trabalhos o ideal de fala e de língua perfeita diante das línguas consideradas de menor valor na sociedade francesa revolucionária, com o auxílio das reflexões do autor sobre o caráter marcado e não marcado no que tange as falas dos indivíduos e das definições das línguas regionais. Da mesma maneira, observaremos o ideal de nacionalismo ligado à imagem da língua Francesa oficial como representante da população de sua sociedade e o elemento que a ligaria em cidadãos franceses portadores do símbolo de língua da liberdade. Para tal estudo, utilizaremos os trabalhos desenvolvidos por Anderson (1983) e Gellner (1989), a fim de verificarmos o nacionalismo francês desenvolvido nos documentos revolucionários a fim de manifestar a língua oficial como elemento definidor de sua nação e de seu povo, justificando a campanha tida como civilizatória imposta pelos políticos jacobinos no período do Terror e seguida pelos governos seguintes. Como podemos verificar no trecho a seguir, dos estudos de Anderson, 1989. La convergence du capitalisme et de la technologie de l’imprimerie sur la diversité fatale des langues humaines a ouvert la possibilite d’une nouvelle forme de communité imaginée qui, 15 dans sa morphologie moderne, a crée les conditions de la nation moderne16. Anderson, 2002, p.34. Neste sentido, verificaremos as cartas de resposta ao questionário organizado de 1790 a 1794 pelo abade Henri Grégoire, político jacobino que fora bastante engajado na campanha linguística francesa de imposição da língua francesa oficial e na tentativa de aniquilação (termo usado pelo abade em seus escritos e documentos oficiais para a Assembléia Nacional) das línguas regionais, a fim de pesquisarmos as marcas de definições das línguas regionais como elementos de línguas imaginadas como o “falar mal”, nomeadas pelos jacobinos e a ideia de língua perfeita e libertadora, destruidora das pensadas “ignorâncias” dos camponeses falantes das línguas sem status de padrão, que poderia definir a língua francesa oficial como único meio de comunicação aceito por estes políticos para ser usado na nação uma e indivisível que surgia. No mestrado, usamos trechos de algumas cartas citadas por Certeau, Dominique e Revel (1975), além de partes de alguns documentos revolucionários desenvolvidos por jacobinos, como leis de Robespierre, relatórios de Henri Grégoire, etc. Já no doutorado, com o auxílio do trabalho de Gazier17 (1880), onde podemos encontrar um número grande de cartas de resposta ao questionário do abade – quase todas, pois o autor adverte que muitas delas podem ter sido perdidas por causa do tempo e de mudanças de local de arquivamento - e na íntegra. Verificaremos ao todo 17 cartas de correspondentes de línguas dos departamentos do sul do país e 19 respostas de responsáveis por responder ao mesmo da região norte da França. Os mesmos enfatizam suas visões sobre a empreitada jacobina e o que acham da eliminação das suas línguas regionais ou das línguas que ouve em suas localidades. Verificaremos com mais ênfase a questão de número 29 do questionário do abade, que podemos encontrar da seguinte forma: Qual seria a importância religiosa e política de destruir inteiramente este patoá?. Assim, pretendemos observar quais seriam os argumentos de adesão ao ideal jacobino para tentarmos compreender os símbolos que 16 “A convergência do capitalismo e da tecnologia da imprensa sobre a diversidade fatal das línguas humanas abriu a possibilidade de uma nova forma de comunidade imaginada que, em sua morfologia moderna, criou as condições da nação moderna.” Tradução nossa. 17 GAZIER, Albert Lettres à Grégoire sur les patois de France : 1790-1794 : documents inédits sur la langue, les moeurs et l'état dans les diverses régions de la France au début de la Révolution, Paris, 1880, reedição da editora Slatkine Reprints, Genebra, 1969. 16 perpetuaram a hierarquização das línguas no país e se havia alguma forma de resistência a esta empreitada. Podemos observar aqui a resposta de um correspondente à questão de número 9 do questionário do abade Henri Grégoire. L’importance religieuse et politique de détruire ce patois serait incalculable: en effet, quel attachement peut-on avoir à des lois qu’on ne connaît pas, et le moyen de connaître des lois écrites dans une langue qu’on ne sait pas ou qu’on néglige ?18 Resposta dos Amigos da Constituição de Maringues, (Gazier, 1880). Com este estudo, observaremos também as visões dos correspondentes de “falar bem” e de “falar mal” para tentarmos identificar as origens dos argumentos de desvalorização das línguas regionais e da exaltação da língua francesa oficial como única representante da nação francesa. Para tal estudo, utilizaremos os postulados defendidos por Todorov19 sobre o etnocentrismo a fim de tentarmos compreender o purismo linguístico pregado pelos políticos jacobinos no que tange as formas de discriminar as falas e as culturas dos utilizadores das línguas regionais como língua materna e para estudarmos o símbolo de língua oficial e línguas “menores” em relação a padrão, como se definiu socialmente pelos jacobinos, através dos estudos de Bourdieu (2001) que procurou verificar os fatores sociais de poder e de controle ligados a linguagem usada em grupos comunitários. Logo, a estratégia jacobina de desprestigiar as línguas regionais e suas comunidades de fala, além da popularização do ideal de língua perfeita portadora do discurso revolucionário fora uma forma eficaz de imposição política e afirmação das bases para a construção do Estado Nacional da nação francesa. Neste sentido, pretendemos verificar da mesma forma o ideal de monolinguismo revolucionário destruidor do multilinguismo desenvolvido a partir do regime jacobino do Terror, para evidenciarmos as tentativas destes políticos de eliminar o diverso em sua nação através da estigmatização do que não seria aceito como libertador da sua 18 “A importância religiosa e política de destruir este patoá seria incalculável: de fato, qual ligação podemos ter com estas leis que não conhecemos, e o meio de conhecer leis escritas numa língua que não conhecemos ou que negligenciamos?” Tradução nossa. 19 TODOROV, Tzvetan. Nous et les autres, La réflexion française sur la diversité humaine, Éditions du Seuil , Paris, 1989. 17 sociedade e sobretudo, do prestígio incutido no discurso revolucionário e na língua francesa oficial como modeladores de indivíduos para que os mesmos transformassem suas apresentações sociais em cidadãos falantes da língua da liberdade. Para tal, deveriam auxiliar na destruição das línguas regionais que acompanhavam suas comunidades de fala por séculos. Eliminar o diverso, para os jacobinos, representaria o controle e a afirmação de seu regime repressor. Neste sentido, verificaremos este ideal identificatório nas respostas ao abade Henri Grégoire e em seus documentos de lei que junto com o jacobino Barère, depreciavam as línguas regionais e exaltavam a língua francesa como símbolo da nação que surgia, como podemos verificar no trecho do relatório do segundo político citado. Le fédéralisme et la superstition parlent basbreton, l’émigration et la haine de la république parlent allemand, la contre-révolution parle italien et le fanatisme parle basque.20 Vieuzac, 1794, p.1. No relato acima, podemos verificar que os jacobinos procuravam eliminar tudo o que consideravam não pertencer à língua francesa oficial, defendendo estes o ideal de purismo de sua língua padrão, como se a mesma não tivesse influências de outras línguas européias, como verificaremos mais adiante em nossos trabalhos. Este ideal de purismo daria a língua oficial um status de língua perfeita que a mesma já possuía a partir dos escritos desenvolvidos por autores renascentistas e pelos escritores iluministas que motivaram o discurso revolucionário em questão. Verificaremos também o imaginário de escrita motivadora da hierarquização das línguas na França, na medida em que os revolucionários argumentavam que sem registro escrito, sem autores e sem jornais com expressões do movimento revolucionário, as línguas regionais não tinham status realmente de língua para os mesmos. Este fato nos faz estudar a importância dada ao discurso escrito em língua oficial como mais importante que o falado em língua vista como minoritária em relação ao idioma padrão. A fala em língua oficial também deveria ter o molde da escrita o que a tornaria ligada ao símbolo de língua da liberdade e os indivíduos que a dominassem, 20 “O federalismo e a superstição falam baixo bretão, a emigração e o ódio da república falam alemão, a contra revolução fala italiano e o fanatismo fala basco.” Tradução nossa. 18 seriam aceitos socialmente. Podemos verificar o fato da escrita poder controlar o imaginário de oficialidade em uma nação no estudo de Lévi-Strauss (1955) a seguir. Si l’écriture n’a pas suffi à consolider les connaissances, elle était peut-être indispensable pour affermir les dominations. Regardons plus près de nous: l’action systématique des États européens en faveur de l’instruction obligatoire, qui se développe au cours du XIXe siècle, va de pair avec l’extension du service militaire et la prolétarisation. La lutte contre l’analphabétisme se confond ainsi avec le renforcement du contrôle des citoyens par le pouvoir. Car il faut que tous sachent lire pour que ce dernier puísse dire: nul n’est censé ignorer la loi.21 Lévi-Strauss, 1955, p.21. Assim, a partir do ideal de que uma nação só poderia ter uma língua considerada como meio de comunicação e de representação social e nacional, os jacobinos criaram um ambiente de diglossia, de opressão às línguas regionais e de hierarquização das línguas do país. Mesmo que seu ideal tenha sido eliminar as mesmas a partir da imposição da língua francesa oficial e fundamentalmente, da depreciação e desvalorização das línguas não oficiais no país, o que estes políticos conseguiram foi começar um estudo sobre as línguas regionais – Henri Grégoire foi o primeiro a fazê-lo no país, como verificaremos mais adiante – e hierarquizar as línguas no país, tendo a língua francesa oficial o status de língua perfeita e clara portadora dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade desenvolvidos pelos revolucionários em questão. Verificaremos neste trabalho os símbolos sociais e linguísticos que possibilitaram a propagação deste ideal de língua libertadora, representante dos indivíduos franceses e de sua nação unida e indivisível. 21 “Se a escrita não foi suficiente para consolidar os conhecimentos, ela era talvez indispensável por solidificar as dominações. Olhemos mais perto de nós: a ação sistemática dos Estados europeus em favor da instrução obrigatória, que se desenvolve ao curso do século XIX, vai de encontro com a extensão do serviço militar e a proletarização. A luta contra o analfabetismo se confunde também com o reforço do controle dos cidadãos pelo poder. Pois é necessário que todos saibam ler para que este último possa dizer: ninguém pode alegar o desconhecimento da lei.” Tradução nossa. 19 2 – As origens da hierarquização das línguas na França: 2.1 – O mito da escrita em língua clara e perfeita, legitimadora dos movimentos revolucionários Le français, par un privilège unique, est seul resté fidèle à l'ordre direct (...) la syntaxe française est incorruptible. C'est de là que résulte cette admirable clarté, base éternelle de notre langue. Ce qui n'est pas clair n'est pas français. (...) La prononciation de la langue française porte l'empreinte de son caractère : elle est plus variée que celle des langues du Midi mais moins éclatante ; elle est plus douce que celle des langues du Nord, parce qu'elle n'articule pas toutes ses lettres. Le son de l'e muet, toujours semblable à la dernière vibration des corps sonores, lui donne une harmonie légère qui n'est qu'à elle. 22 Antoine Rivarol23, 1784, p.20. . Le temps semble être venu de dire le monde français, comme autrefois le monde romain, et la philosophie, lasse de voir les hommes toujours divisés par les intérêts divers de la politique, se réjouit maintenant de les voir, d’un bout de la terre à l’autre, se former en république sous la domination d’une même langue.24 Antoine de Rivarol, 1784, p.1. A língua francesa oficial, no século XVIII, conseguiu expandir-se e ser usada por mais grupos de intelectuais e de burgueses ligados à elite, na medida em que os mesmos introduziam-se na arte de dominar a língua oficial em suas modalidades escrita e fala moldada a mesma e assim, inseriram-se no campo das artes e na florescência de pensamentos novos na filosofia. 22 “O francês, por um privilégio único, ficou só na fidelidade a ordem direta, (...) a sintaxe francesa é incorruptível. É lá que resulta esta admirável claridade, base eterna de nossa língua. O que não é claro, não é francês. A pronúncia da língua francesa traz o empréstimo de seu caráter: ela é mais variável que aquelas línguas do Midi, porém menos brilhante; ela é mais doce que aquela das línguas do Norte, pois não articula todas as letras. O som do e mudo, sempre parecido com a última vibração dos corpos sonoros, dá-lhe uma harmonia leve que só está nela.”. 23 Antoine de Rivarol, dito Conde de Rivarol (1753-1801), foi um escritor francês que fez a apologia da língua francesa e do gênio nacional em sua obra intitulada: Discurso sobre a universalidade da língua francesa (1784). Fora jornalista também em sua vida. 24 “O tempo parece ter chegado para dizer o mundo francês, como em outros tempos o mundo romano, e a filosofia, cansado de ver os homens sempre divididos pelos interesses da política, divertir-se agora de vêlos, de uma extremidade da terra a outra, formar-se em república sob a direção da mesma língua.” 20 Deste modo, desenvolveram a arte de raciocinar como os filósofos do movimento chamado de Classicismo do século anterior, com o diferencial de poder divulgar suas reflexões com representantes do Terceiro Estado, formado por burgueses de todos os poderes econômicos, de trabalhadores em geral e de camponeses, estes dois últimos grupos não participaram da integração intelectual que o primeiro conseguiu fazer parte ao ser exposto e obter o domínio da língua oficial escrita, ficando os dois grupos menos privilegiados desta forma, sendo exortados pelos burgueses para reverem suas condições de vida e sobretudo, observarem quais seriam os motivos de estarem na situação de miséria e discriminação na sociedade em que estariam inseridos. Exemplo desses grupos são os chamados sans-culottes – revoltosos de Paris muito engajados nos movimentos revolucionários nomeados assim no período da Convenção25 por causa da sua maneira de se vestir diferenciada da forma nobre – e os representantes da cidade de Marselha, mensageiros do povo desta cidade que foram auxiliar na empreitada revolucionária em resposta aos chamados dos membros da Assembléia ou de outros indivíduos engajados em divulgar e apoiar o movimento. Estes divulgadores da doutrina revolucionária estavam propagando também as suas idéias concatenadas ao ideal de língua oficial, perfeita, clara, libertadora de seu povo, pois o que se propagava era que somente através do uso da mesma poderia haver discurso revolucionário. Ela seria responsável por unir os franceses, chamados no momento de cidadãos, a fim de lutarem juntos pela transformação política que o país necessitava. Logo, a língua oficial com sua modalidade escrita e seu falar moldado a mesma nunca tivera antes uma propagação tão significativa em várias partes do território francês, isso graças aos jornais revolucionários que mantinham informados os indivíduos de todos os eventos transformadores e de suas reações reflexivas através dos discursos e debates que estavam sendo multiplicados pela minoria que sabia falar, ler e escrever em língua standard. Os que não sabiam procuravam enquadrar-se para fazerem parte, através da tradução em língua regional por dominadores da língua oficial - os que falavam as 25 Em 21 de setembro de 1792, a monarquia foi abolida do país a partir das pressões populares vindas de várias partes do país e, sobretudo, pela autoridade da Assembléia Nacional com Robespierre, Danton e outros intelectuais bastante eloquentes que traduziam em discursos revolucionários os sentimentos e as reflexões do momento. Começava, assim, o período chamado de Convenção – Ano I da República – nomeado também de Terror pelo alto grau de atos violentos, como massacres, o uso as guilhotina para eliminar os supostos inimigos da Revolução, a eliminação da família real – com os reis sendo executados diante de seu povo – e, o medo imposto em todas as regiões do país e da Europa. 21 línguas regionais - porém, estes atos eram sumariamente atacados pelos defensores da “língua da liberdade”, na medida em que se acreditava que a mesma não poderia ser corrompida com adaptações e mesmo as leis propagadas não deveriam ser vítimas de interpretações de todas as formas, deveria sim ser aceita como libertadora de todo indivíduo francês, assim como os filósofos humanistas e suas idéias contestadoras da ordem governamental foram tomadas como legitimadoras de toda a causa revolucionária. Um dos filósofos mais expressivos cujas idéias serviram para legitimar os atos revolucionários fora François Marie Arouet, dito Voltaire (1694-1718), autor que se engajou em desenvolver seus escritos filosóficos contestadores e em escrever os preceitos desenvolvidos em obras literárias, como Tratado sobre a Tolerância (1763), Cândido (1759) e Dicionário filosófico (1764), dentre outras obras. Na última obra citada, o autor contesta com humor a autoridade dos governantes26, crenças, teorias, virtudes e defeitos humanos, sobretudo, defendeu a língua oficial francesa e seus escritos diante de uma Europa efervescente de estudos, valores nacionalistas nascendo e literaturas filosóficas sendo incorporadas ao quotidiano dos indivíduos, como podemos verificar no extrato de seu livro chamado Correspondências, tomo II, (1748), extrato este em resposta a mensagem enviada a Voltaire pelo autor italiano Deodati de Tovazzi, que escreveu sua Dissertação sobre a Excelência da língua italiana. Pensez-vous, de bonne foi, que l’oreille d’un étranger soit bien flattée, quand il lit pour la première foi, (...) e ‘1 Capitano Che ‘l gran sepolcro liberò di Cristo;. (...) Croyez-vous que tous ces o soient bien agréables à une oreille qui n’y est pas accoutumée? Comparez à cette triste uniformité, si fatigante pour un étranger; comparez à cette sécheresse ces deux vers simples de Corneille : Le destin se déclare, et nous venons d’entendre Ce qu’il a résolu du beau-père et du gendre. (La Mort de Pompée, acte I, scène 1.) 26 “Chamamos tirano ao soberano que não conhece por leis senão o próprio capricho, que se apodera dos bens dos seus súditos, e que em seguida se arrola para tomar os dos vizinhos. Não existe tal espécie de tiranos na Europa.” Extrato do seu Dicionário Filosófico em que mostra o seu humor irônico ao falar da tirania. 22 Si le peuple a formé les langues, les grands hommes les perfectionnent par les bons livres; et la première de toutes les langues est celle qui a le plus d’excellents ouvrages.27 Voltaire, 1748, p.172. Outro filósofo importante é Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), autor que tem a filosofia voltada para a busca de si mesmo, do segredo da felicidade “natural” e da compreensão entre os homens, dissertou também sobre as virtudes humanas oriundas da simplicidade e da generosidade ligadas à natureza, diante dos exageros do luxo e do desperdício egoísticos mostrados pela aristocracia. Fez obras que continham críticas aos fundamentos de uma sociedade corrupta e centrada na desigualdade extrema que discriminava seus indivíduos a partir de crenças religiosas contestadas no momento fervorosamente, como podemos verificar nos títulos escritos pelo autor: Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1758), Do contrato social (1782), Discurso sobre as ciências e as artes (1758), dentre outros em que podemos verificar a expressão de seus princípios éticos sobre a vida pública e privada. Podemos verificar nesta parte de sua obra intitulada Do contrato social ao estudar o sentido de escravidão: Puisque aucun homme n'a une autorité naturelle sur son semblable, et puisque la force ne produit aucun droit, restent donc les conventions pour base de toute autorité légitime parmi les hommes. 28 Rousseau também fez um estudo sobre a origem das línguas em sua obra intitulada Essai sur l’origine des langues (obra póstuma publicada em 1781), em que discorre sobre a necessidade de se estudar a importância da língua e de suas formas de expressão – escrita e oral -, além de tratar de assuntos como “os diversos meios de 27 “Você acha de boa fé, que a orelha de um estrangeiro seja bem tocada, quando ele lê, pela primeira vez, (...) e ‘1 Capitano / Che ‘l gran sepolcro liberò di Cristo;. (...) Você acredita que todos estes o sejam bem agradáveis a uma orelha que não está acostumada? Compare a esta triste uniformidade, tão cansativa para um estrangeiro; compare a esta secura destes dois versos simples de Corneille : Le destin se déclare, et nous venons d’entendre / Ce qu’il a résolu du beau-père et du gendre. “Si o povo formou as línguas, os granes homens as aperfeiçoaram por meio dos bons livros; e a primeira de todas as línguas é aquela que possui as mais excelentes obras.” 28 “Uma vez que homem nenhum possui uma autoridade natural sobre seu semelhante, e pois que a força não produz nenhum direito, restam pois as convenções como base de toda a autoridade legítima entre os homens.” 23 expressar nossos pensamentos”, “caracteres distintivos da primeira língua”, “da melodia”, “da harmonia”, “da prosódia moderna”, “formação das línguas meridionais e do norte”, etc. Quando o mesmo discorre sobre a escrita, nos dá as imagens que nos permitem observar o caráter soberano dado a mesma, na medida em que ela é mostrada como representante da razão humana, responsável por unificar discursos e ideais, formando assim, grupos de indivíduos com uma comunicação considerada mais fácil, pois a mesma se tornaria mais exata, mais clara e mostraria o progresso de sua sociedade representando-a. Desta maneira, o autor faz comparações entre três exemplos de apresentações de línguas com escrita e que caminham para a perfeição de suas comunicações, ao desenvolverem-se no uso de sinais escritos para representar suas falas. No primeiro exemplo, indica que “quanto mais a escrita é grosseira mais a língua é antiga”, dando exemplos de povos que representavam suas falas a través da pictografia 29, com o os Mexicanos – o autor gostaria de mencionar os povos astecas que povoaram o território que em sua época em diante era chamado de México - que possuía figuras alegóricas para representar momentos históricos, lendas, informações sobre seus povos, etc., assim como a egípcia de outros tempos, que para o autor havia a necessidade de certa dose de razão, pois as mesmas possuem um estado de língua apaixonada que serviria para registrar seus textos orais e suas ideias. O segundo é representado pelas palavras e informações escritos em caracteres convencionais, como podemos verificar no seguinte extrato de seu texto: La seconde manière est de réprésenter les mots et les propositions par des caractéres conventionnels, ce qui ne peut se faire que quand la langue est tout à fait formée et qu’un peuple entier est uni pas des Loix communes; car Il y a déjà ici Double convention. Telle est l’écriture des Chinois; c’est là véritablement peindre les sons et parler aux yeux.30 29 Forma de escrita em que os símbolos desenhados têm por objetivo representar idéias e objetivos comunicativos. Através dos ícones usados, os participantes da comunicação podem interagir, havendo assim, o emissor que busca emitir uma mensagem específica para um receptor ou vários, a fim de expressar o que precisa ser comunicado e de ser compreendido por aqueles em que o interessado tem a intenção de informar algo. 30 A segunda maneira de representar as palavras e as proposições é através de caracteres convencionais, o que só pode ser feito quando a língua é exatamente formada e somente se um povo inteiro estiver unido por Leis comuns; pois existe já aqui dupla convenção. Tal o caso do Chinês; é neste caso verdadeiramente pintados os sons e falado aos olhos. 24 Já o terceiro caso é composto por representações dos sons, como o alfabeto latino, que ao ser articulado entre suas vogais e consoantes, pode produzir inúmeras formas de compor sons, através de seus fonemas, pode-se representar a fala e formar, assim, várias palavras que concatenadas com outras (verbos, preposições, substantivos, etc.) organiza frases, destas mesmas em conjunto com outras, temos um texto. Desta forma, podemos dizer que, para Rousseau, as mensagens tornaram-se mais eficazes a partir do uso desta forma de escrita, que originalmente, deveria apenas representar os sons, atingindo seu objetivo primordial ao conseguir informar em um curto espaço de tempo, ajudando a interagir os povos comerciantes que precisavam se comunicar. Esta forma de escrita, para os países europeus e para os que a adotaram, permitia a comunicação entre indivíduos falantes de línguas diferentes, pois os mesmos se valeriam de caracteres comuns para expressarem-se. A partir do que é escrito, os sujeitos estariam mais propensos a analisar a palavra, não somente pintá-la como outros grupos com escritas icônicas faziam. Logo, pode-se, para o autor, compor o mundo filosófico no qual o mesmo estaria inserido cujo objetivo era sempre refletir os preceitos em obras filosóficas ou literárias eternizados com o auxílio da língua em sua modalidade escrita. Ainda para Rousseau, estas três formas de escrita podem ajudar povos a sentiremse nações, na medida em que seus indivíduos possuem o sentimento de serem representados com os seus discursos a partir da existência de suas histórias, suas alegorias em lendas, seus mitos, suas formas de interpretação da vida e do mundo que os cercava. Porém, a mesma não era popularizada em sua época, pois a grande maioria de seu povo não tinha acesso à escrita, que era usada para distinguir pessoas e grupos, como podemos verificar em seu texto a seguir: Ces trois maniéres d’écrire répondent assés éxactement aux trois divers états sous lesquels on peut considerer les hommes rassemblés en nations. La peinture des objets aux peuples sauvages; les signes des mots et des propositions aux peuples barbares, et l’alphabet aux peuples policés.31 31 “Estas três maneiras de escrever respondem de forma exata aos três diversos estados sob os quais podemos considerar os homens reunidos em nações. A pintura dos objetos aos povos selvagens; os símbolos das palavras e das proposições aos povos bárbaros, e o alfabeto aos povos civilizados.” 25 Desta maneira, podemos observar que os povos que se imaginam civilizados sempre procuram afirmar-se diante de outros imaginados igualmente com menos potencial lingüístico, na medida em que não possuem uma escrita oficial, clara, precisa, perfeita e capaz de auxiliar na criação dos mais variados textos filosóficos e nas mais variadas obras literárias, musicais e teatrais que eram aceitas e adotadas pela elite de seu país, assim como ajudaria a moldar a fala da mesma e a dos grupos que mantinham contato com seus representantes. Esta língua escrita, considerada privilégio também para a sua aristocracia, dependia de seus intelectuais para enriquecê-la, e desta forma, fazer com que a própria gama de pensadores que a moldavam pudesse refletir sobre vários aspectos de sua sociedade, abrindo caminho com os escritos do século XVIII para os questionamentos sociais, religiosos e sobretudo, governamentais e humanos, que fizeram uma geração grande de pessoas intelectualizadas começarem a contestar os privilégios de sua nobreza, a forma como a mesma se mantinha na detenção do poder nacional e na forma que sua sociedade se organizava, com a nobreza e os religiosos católicos no governo. Estes se distanciavam cada vez mais de seu povo através de seus modos e de sua forma de fala moldada pela escrita, possibilitando assim, a não representação do mesmo e a eventual distinção social era criada com a dicotomia “língua intelectualizada e oficial” contra as línguas regionais que não possuíam escrita standard, nem status de língua no território francês. 2.2 - O ideal de língua perfeita com escrita standard contra o imaginário de línguas ágrafas, marcadas socialmente com o status de “mal faladas”, de ignorância e rústicas La culture de “masse”, qui apparut en France vers le milieu du XVIIe siècle sous la forme de l’imagerie et de la littérature de colportage, porta un coup fatal à l’ancienne vision du monde populaire. Elle vulgarisait en effet les modèles idéologiques savants auprès d’une minorité croissante de gens du tiers état. Tout en diffusant les notions de soumission et d’immobilisme social, elle contribuait efficacement à développer l’unification culturelle du pays, déjà entamée par de multiples autres moyens. Elle était en somme une production naturelle du 26 système politique et religieux centralisateur récemment intallé. Par opposition, s’effaçait lentement le monde compartimenté et divers qui avait permis la floraison, à la fin du Moyen Âge essentiellement, de la culture populaire. Cette dernière subit ainsi un irrémédiable et lent déclin, jusqu’à nos jours. Lorsqu’elle connut des résurgences, aux époques d’affaiblissement des procédures d’unification du pays, ce fut en s’adaptant à de nouvelles conditions et non pas en ressucitant un passé définitivement révolu. 32 Muchembled, 1798, p.15. O período histórico denominado de Revolução Francesa é considerado o promotor das ideias nacionalistas - como as conhecemos - pelo mundo inteiro, a partir dos movimentos burgueses e populares motivados pela Revolução Americana que fora auxiliada pelo governo francês no século XVIII33 e pelos acontecimentos desenvolvidos efetivamente pelo seu povo de 1789 em diante, construindo meios para implantar um ambiente de ampla centralização do poder governamental em seu país. Com isto, acreditava-se, como podemos verificar nos documentos escritos pelo abade Henri Grégoire (1790 a 1794) para a Assembleia Nacional, que a única forma de obter a centralização completa do poder governamental, seria quando o reino que se tornava aos poucos a nação francesa obtivesse em todo o seu território a unidade 32 “A cultura de “massa”, que apareceu na França perto do meio do século XVII sob a forma de imaginário e de literatura de divulgação, trouxe um golpe fatal à antiga visão do mundo popular. Ela vulgarizava efetivamente os modelos ideológicos conhecidos perto de uma minoria crescente do terceiro estado. Tudo isso divulgando as noções de submissão e imobilidade social, ela contribuía eficazmente para desenvolver a unificação cultural do país, já atingida de vários meios. Ela era em resumo uma produção natural do sistema político e religioso centralizador recentemente instalado. Por oposição, apagava-se lentamente o mundo compartimentado e diverso que tinha permitido a florescência, no fim da Idade Média essencialmente, da cultura popular. Esta última submetida a um irremediável e lento declínio, até os nossos dias. Quando ela conheceu ressurgimentos, nas épocas de enfraquecimento dos processos de unificação do país, isto foi adaptando-se às novas condições e não ressuscitando um passado definitivamente corrompido.”. 33 Após a Guerra dos Sete Anos entre França e Inglaterra de 1756 a 1763 por territórios colonizados na América do Norte, a vitória inglesa fez com que a repressão nas colônias ficasse mais intensa e os impostos maiores a fim de sanar os prejuízos adquiridos com o conflito. O governo francês engaja-se, com isto, no auxílio aos colonos americanos que estavam privados de suas liberdades e sendo reprimidos pela tirania inglesa, desta forma, envia tropas para lutar contra esta problemática. Em 1775, o capitão e nobre, o marquês Gilbert de La Fayette (1757 – 1834) fora enviado ao Novo Mundo onde se encontrou com general da resistência americana George Washington e o auxiliou na luta pela liberdade do que se tornaria a nação americana, com a aliança feita entre a França e os Estados Unidos. De volta à França, La Fayette – chamado também de “herói dos dois mundos” – engajou-se em participar dos debates sobre o auxílio da França no movimento de libertação americano, num salão literário formado por um grupo de intelectuais chamado de “sociedade de pensamentos”, que propôs ideias como o “Direito do Homem” e o fim das colônias. Assim, em 1789, a França passa por problemas econômicos terríveis por ter gasto tanto com essa empreitada tão grande, com seu povo passando por privações enormes e, com a nobreza tendo cada vez mais privilégios e riquezas, fez com que seu povo e os intelectuais que faziam parte da burguesia, engajaram-se nas discussões filosóficas de melhoria da sociedade americana, pudessem contestar sua própria coletividade e suas formas de governo. A Revolução Francesa veio centralizar tudo o que era conhecido como diverso até então. 27 lingüística, em que todos os indivíduos, que passavam de súditos para cidadãos franceses, pudessem compreender, falar e expressarem suas ideias na escrita em língua oficial, pois até o momento revolucionário, cada grupo de povos situados em seu território falava uma língua diferente, como se convencionou dividir imaginariamente o país em dois domínios linguísticos estipulados igualmente como distintos: Línguas de domínio Línguas de domínio Variantes do Outras línguas d’oc (sul do país): de d’oïl (ao norte): de francês de outras origens origem latina origem germânica ▪ flamengo, ▪ língua valona, ▪ o bretão, ▪ gascão, ▪ alsaciano, ▪ picardo, ▪ o basco, ▪ languedociano, ▪ ▪ provençal, variação do alemão ▪ bourguinhon, ▪ auvergnat, oficial). Occitano: loreno (uma ▪ normando, ▪ francoprovençal, ▪ limousino, ▪ franc-comtois, ▪ alpino, ▪ potevino, ▪ dauphinois, ▪ saintongeais, ▪ périgourdin. ▪ tourangeau, ▪ galo. corso ou língua ▪ champenois. corsa (italiano)34; o catalão. Observação: as línguas que estão representadas em caracteres itálicos não foram encontradas com correspondentes em língua portuguesa, até o momento. Deste modo, podemos verificar que essas línguas recebem por vezes nomenclaturas diferentes, pois passaram muito tempo sem ter um status de língua, já que não eram línguas oficiais, não possuindo assim um valor social significativo, no período da Revolução e consequentemente, no começo do século XIX com o ideal de organização e controle de tudo o que não fosse considerado oficial, realizando assim, os detentores do poder de gestão nacional, a hierarquização dos papéis das línguas faladas 34 O corso é uma forma de toscano. 28 no território francês. Como não possuíam valor social positivo na sociedade em que faziam (e fazem) parte, eram chamadas de “patoás”, ou seja, de jargões, línguas grosseiras, barbarismos ou falas da ignorância em comparação ao oficial que era vinculado ao culto e ao erudito de uma camada abastada do povo francês. Logo, observaremos as terminologias utilizadas no livro de Bernard Poche, intitulado de: Les langues minoritaires en Europe35 (2000), a fim de evidenciar como as línguas regionais de toda a Europa são compreendidas pelo autor. Apontaremos somente as línguas enquadradas pelo mesmo no território francês. Línguas celtas Línguas Línguas Línguas Outras romanas germânicas eslavas famílias - Bretão - Occitano (s), - Alsaciano, (bretões). - Catalão, - Loreno - Corso, (mosellan), - Franco- - Flamando. *Nenhuma.36 - Basco. provençal, - variedades regionais (oïl). De um lado, estas línguas regionais receberam durante e após a Revolução Francesa o status de transgressoras, na medida em que não deveriam mais fazer parte da nação centralizadora com a língua oficial perfeita, não eram vistas como separadas umas das outras, com cada uma tendo suas subjetividades, fazendo parte de grupos de povos distintos sendo consideradas línguas de uma imagem de língua marginalizada – a que não seria oficial, não importando qual, nem de onde vem, nem se faz parte de alguma cultura milenar, não era a oficial - ou mesmo não eram compreendidas como uma realidade linguística e social realmente pela grande maioria da população francesa, mesmo que as mesmas utilizassem, o ideal jacobino implantado no país coibia os seus usos e impunha o aprendizado do idioma oficial custasse o fosse. Porém, as línguas 35 “As línguas regionais na Europa”. Segundo o autor citado, este ramo de línguas não fora encontrado no território francês, ignorando que as línguas não estão com os países, mas sim com os grupos de povos que as falam e, que os mesmos podem se locomover levando as suas culturas e línguas para qualquer parte do mundo. Desmistifica-se, assim, imaginário de que haveria somente a ligação entre línguas e territórios. 36 29 regionais se mantiveram isoladas e conservadas com seus povos, mesmo desvalorizadas e marcadas como foram até então. Suas populações deveriam ter boa vontade para engajarem-se e enquadrarem-se no molde de cidadão detentor do discurso libertador revolucionário emitido através do domínio da língua oficial em sua modalidade escrita e sobretudo, na oral moldada pela codificação escrita. De outro lado, a língua oficial, centralizadora e imaginada como libertadora da nação francesa fora, como se convenciona imaginar em sua sociedade, desenvolvida e cultuada a partir do século XVI, quando filósofos e literatos tentaram elevar o status da língua francesa oral - desenvolvida na Idade Média ao norte da França e iniciada em alguns escritos durante esta época - ao mesmo patamar que o latim e o grego (Lagarde & Michard, 1970), línguas que sempre se mantiveram no imaginário europeu como línguas perfeitas e as únicas que poderiam expressar intelectualidade no continente, na medida em que tinham alfabetos e realidades escritas com um imaginário literário bastante cultuado pelos povos europeus. Porém, esta visão é totalmente mítica se considerarmos que a maioria da população não tinha acesso ao latim e ao grego, desta forma, mesmo os intelectuais mais literatos sentiam a necessidade de expressarem-se e identificarem-se em literaturas escritas na língua que falavam no dia a dia. Então, exatamente por fatores econômicos os iluministas escreviam em francês com a finalidade de vender livros, pois era mais prático, mais fluido, chegava rápido ao leitor e suas ideias eram rapidamente compreendidas e divulgadas pelos mesmos, fazendo com isto, que o mercado editorial prosperasse e a língua francesa fosse bem aceita como língua intelectualizada por grande parte da população, já que vinha tendo uma grande aprovação dentro das sociedades intelectualizadas no continente. Deste modo, havia certo gosto por escrever e ler nesta língua que tinha mais sentido de ter ocorrências literárias do que as línguas antigas não faladas por ninguém nativamente e de acesso totalmente restrito aos textos religiosos e/ou governamentais, logo a língua francesa passou gradativamente a ter um status de língua literata, sem haver por isto um ideal de nacionalismo ou patriotismo vinculado a mesma como verificaremos mais a frente em nosso trabalho de pesquisa. Com isto, ideologicamente convencionou-se acreditar que a língua francesa oficial obteve o status de língua e não mais de língua vulgar 37 ou língua romana em 37 Forma de denominação das línguas européias herdeiras do latim falado (considerado vulgar, pois era comum, usado pelos falantes das línguas romanas, o que para os literatos da Idade Média era uma forma 30 comparação ao uso das línguas já citadas como oficiais. Neste ambiente de publicação por escrito das línguas européias cujos documentos não eram publicados nem em latim, nem em grego, podemos verificar o advento da imprensa na França (Paris, 1470), que possibilitou a divulgação do francês que se oficializava – por enquanto, ainda não muito codificado, havendo assim, várias formas de escrita sendo distribuídas pelo país – e de sua realidade escrita e literária. Deste modo, convencionou-se acreditar que a partir do período denominado de Renascença, esta modalidade de língua ao ser imposta para substituir o latim e as línguas regionais em todos os atos de justiça e do estado civil através da lei chamada de “Ordonnance de Villers-Cottêrets” em agosto de 1539, sancionada pelo rei François I a fim de afirmar o que já estava bem avançado na sociedade francesa: o latim culto estava sendo substituído pelas múltiplas línguas que existiam no reino – oriundas do próprio latim vulgar, ou de outras formas de fala européias – de forma progressiva nos ambientes oficiais e em todos os outros. Como ocorreu na região do Midi, onde a escrita da administração estava sendo feita em composições locais em língua regional (o provençal) desde o século XV, porém o governo nunca deixou esta língua ser oficializada, nem ao menos poder usufruir de algum valor social em seu território, mesmo que tenha tido uma realidade escrita bastante significativa, como podemos verificar em manuscritos coletados no século XIX por intelectuais da Academia Celta, como veremos mais adiante. Entretanto, no que tange o documento citado mais acima (“Ordonnance de Villers-Cottêrets”), considerado como o propulsor para o uso e a divulgação do francês oficial em modalidade escrita, sancionado pelo rei François I (1494-1547), verificamos que a existência de informações sobre o mesmo mostra ser uma interpretação criada pelos intelectuais do século XIX, que precisavam de imagens fundadoras que pudessem representar a língua que estaria sendo imposta na escola obrigatória, laica, gratuita e civilizadora desenvolvida pelo ministro da instrução pública Jules Ferry, político que tinha ideais bastante centralizadores, oriundos dos argumentos nacionalistas propagados pelos revolucionários do século anterior ao seu. Logo, o que chega até nós sobre essa lei mostra-se ser mais um símbolo criado para supervalorizar a língua em sua modalidade escrita oficial, expondo-a como de falar não distinta, não valorizada, rústica e grosseira em relação ao latim cultuado a partir da escrita standard que possuía), como o occitano, o catalão, o português, o espanhol, o francês, o romeno, o italiano, o ladino, o sardo, o galego, etc. 31 portadora de um marco inicial oficializado e sancionado por um governante historicamente respeitado. Mas, essa imagem não representa as determinações defendidas pelo monarca em questão, pois o mesmo objetivava somente que o seu povo pudesse entender-se mutuamente (Cerquiglini, 2007), proibindo o uso do latim, que há séculos já não fazia mais parte do quotidiano da população francesa em sua grande maioria. Este decreto somente oficializou o que já estava sendo feito aos poucos com a língua usada na escrita pelos que começavam a codificá-la e com as línguas regionais, porém o rei não defendeu a imposição da língua que se tornava aos poucos oficial em território francês em detrimento da desvalorização das outras línguas faladas no país, ele somente impediu o uso do latim como língua oficial, pois o povo deveria ter acesso às suas leis e decisões. Havendo assim, a lei que incentivasse a escrita em qualquer língua materna do território francês, o que trouxe pequenas revoltas dos intelectuais que trabalhavam com o latim (Guisan, 2005) como verificamos no acontecimento em que vários juízes de Aix-en-Provence, cidade francesa ao sul do país, queriam ser ouvidos pelo rei para que o decreto fosse revogado, pois os mesmos falavam em latim – resta saber em que língua falariam com o rei -. O importante para o monarca, na realidade, era que os indivíduos que estavam alocados nos seus domínios territoriais, respeitassem suas leis e se sentissem súditos do mesmo, para que pudesse governar de forma efetiva em seu reino e que a paz interna prevalecesse, logo, o uso de uma língua que representasse seu discurso em documentos oficiais seria uma ferramenta de grande valor para a manutenção de seu poder real. Deste modo, verificaremos um exemplo dessa forma primeira de escrita em língua francesa, com o seguinte texto da lei de implantação de qualquer língua materna francesa que não fosse o latim em todo o território do país: Et pource que telles choses sont souventeffois ad-venues sur l'intelligence des motz latins contenuz esdictz arrestz, nous voulons que doresenavant tous arretz ensemble toutes autres procédeures, soyent de noz cours souveraines ou autres subalternes et inférieures, soyent de registres, enquestes, contractz, commissions, sentences, testamens et autres quelzconques actes et exploictz de justice, ou qui en dépendent, 32 soyent prononcez, enregistrez et délivrez aux parties en langage maternel françois, et non autrement. 38 Texto do documento Ordonnance de Villers-Cottêrets.39 Já em 1549, Joachim Du Bellay40, publica o seu manifesto La Deffence et Illustration de La langue Françoyse, obra em que verificamos o empenho em fabricar uma língua oficial, afirmado o ideal de dignidade e a perfeição da língua francesa diante das línguas latina e grega, que estavam a cada ano perdendo mais terreno de uso diante da sociedade européia, como podemos verificar no capítulo III da obra citada, intitulado Porque a língua francesa é tão rica quanto a grega e a latina: Donc si les Grecs et Romains, plus diligents à la culture de leurs langues que nous à celle de la nôtre, n'ont pu trouver en icelles, sinon avec grand labeur et industrie, ni grâce, ni nombre, ni finalement aucune éloquence, nous devons nous émerveiller, si notre vulgaire n'est si riche comme il pourra bien être, et de là prendre occasion de le mépriser comme chose vile, et de petit prix. 41 Neste sentido, sobretudo, a língua que começou a ser denominada como francesa se afirmava cada vez mais em contextos intelectualizados em seu continente. Com o objetivo nunca antes feito por nenhum grupo de intelectuais de difundir ensinamentos considerados mais eruditos e civilizadores para erradicar de vez de sua população o chamado “Monstro Ignorância”, ideal defendido pelos organizadores da coletânea de escritos chamada Pléiade42, através da difusão da poesia da época e dos escritos 38 “E porque estas coisas são frequentemente vindas à inteligência das palavras latinas contidas esdictz arrestz, nós queremos que a partir deste momento todos parem juntos todas as maneiras, seja dos nossos soberanos ou outros subalternos e inferiores, sejam os registros, enquetes, contratos, comissões, sentenças, testemunhos e outros quaisquer atos e explorações de justiça ou que dependam dela, sejam pronunciados, registrados e enviados às partes em linguagem maternal francesa, e não de outra forma.” 39 http://www.assemblee-nationale.fr/histoire/villers-cotterets.asp 40 Homem de guerra e escritor francês nasceu em 1522 e morreu em 1560. Foi general do rei François I, foi também amigo e colaborador de Ronsard (1524-1585) na organização da Pléiade. 41 “Então se os Gregos e os Romanos, mais diligentes à cultura de suas línguas que nós com a nossa, não puderam achar naquelas, senão com grande trabalho e indústria, nem graça, nem número, nem finalmente nenhuma eloquência, nós devemos nos maravilhar, se nossa vulgata é tão rica como ela poderá ser, e assim ter a ocasião de menosprezá-lo como coisa vil, e de pequeno valor.” 42 A Pléiade foi formada por um grupo de intelectuais franceses que criaram um movimento artístico que se caracterizava pela defesa dos valores antigos, sendo eles vinculados à Antiguidade greco-romana, com seus autores influenciando as obras, como Platão e Sócrates. Ronsard reuniu em torno de si mesmo seis autores como Jean Dorat, Antoine de Baïf, Remi Belleau, Pontus de Tyard, além dos outros já citados mais acima. Este movimento defendia que a língua francesa seria uma espécie de herdeira das línguas 33 clássicos em língua francesa escrita com o intuito de “popularizar” a mesma, como acreditavam. Porém, essa propagação de escritos mostrou-se ser prioritariamente elitista, já que o povo em sua grande maioria não sabia nem ler, nem escrever em língua alguma, pois o mesmo falava suas línguas regionais naturalmente, sem ser incomodado com a necessidade de aprender uma modalidade escrita de uma língua que não era sua. A língua francesa oficial com sua modalidade escrita não chegaria à sua população, pois a mesma vinha sendo discriminado na sociedade que continha delimitações sociais de clero, nobreza e povo, sendo sempre o último termo delimitador de indivíduos visto como parte inferior do grupo de sujeitos que faziam parte, não tendo o direito assim, de participar dos imaginados benefícios trazidos pelo acesso à escrita em língua oficial (ou em qualquer outra modalidade de língua), e tendo seus modos de fala em língua regional ou em variante da língua oficial francesa, sendo estigmatizados, marcados (Labov, 1972) como falares a serem ignorados no reino – até então, não de forma direta – por seus governantes e representantes da elite dominante, que cada vez mais conseguia afirmar uma forma de fala e de escrita distintas, tornando esta mesma elite muito distante de seus súditos. O uso desta língua estandardizada que estava sendo seguida como língua da aristocracia, ajudava na atribuição de valores sociais distintivos das classes sociais da época, de forma não intencional como podemos verificar, pois os reis franceses e sua nobreza não tinham interesse em unificar as falas de seu reino, já que o que unia seus povos era a existência do monarca, o enviado de Deus, como se imaginava. A divulgação de uma língua oficial pelo território francês não fora uma política linguística do Absolutismo, pois além de não haver a ideia de uma língua oficial francesa como conhecemos agora, os reis absolutos não tinham o interesse de preocuparem-se com a forma de fala e de escrita de seu povo, só queriam conservar o governo como era, afirmando sempre os seus poderes e intensificando os privilégios de seus nobres. Não havia um entendimento nem a vontade de entender as camadas mais baixas da sociedade, já que a nobreza somente ocupava-se em manter uma postura de superioridade, mostrando ao povo e às outras elites européias que conseguia viver e governar de forma bastante eficaz. latina e grega no que tange a sua racionalidade e perfeição de estrutura, como acreditavam e, fizeram desta idéia a representação da mesma diante de várias sociedades. 34 Com esta divisão linguística e social da sociedade francesa dos séculos XVII e XVIII, houve um impacto com a centralização desta língua intelectualizada na própria corte, na medida em que a mesma criou gradativamente uma Koiné (Labov, 1972) supra regional, que definia e segregava sua sociedade. Uma Koiné43, segundo a definição de Jean Dubois (2001) em seu Dicionário de Linguística equivale a “toda língua comum se sobrepondo a um conjunto de dialetos ou de falares numa área geográfica distinta”, ou seja, a casta social que dominava o reino da França adotou uma maneira de falar que a diferenciava e a afastava de sua população, pois esta última estaria privada de conhecer o que a mesma definia para o seu território e sua sociedade em geral e sobretudo, esta forma de fala e de escrita distintas ajudaria esta elite a se tornar cada vez mais afastada de seu povo e privilegiada no que tange os direitos de acesso aos bens materiais e culturais do país. Desta forma, com o advento gradativo do poder econômico da burguesia e sobretudo, com a vontade dos nobres de se protegerem e usufruírem de todos as vantagens que poderiam obter morando no palácio de Versailles com a família real, refugiaram-se junto ao rei a fim de sustentar seus privilégios (intelectuais, econômicos, sociais, etc.). Estes nobres não falavam a mesma língua na medida em que vinham de diferentes partes do território francês e até de diferentes grupos da Europa, por isto, deveriam adaptar-se ao falar com o nobre parisiense. Logo, começaram a utilizar a língua que vinha se estandardizando no meio da elite, vindo a aprender a escrita desenvolvida pelos intelectuais Iluministas e Renascentistas e a ler seus escritos com o objetivo de compreenderem-se. Constituindo, assim, um grupo mais homogêneo no que tange a forma de se compor na sociedade e por isso, distinto das outras camadas sociais. Essa língua oral baseada na escrita tornava-se com isto a língua da corte, neste sentido, privilegiada, seria a língua dos livros, adotada assim, com a mesma relação que sempre existiu, até então, entre a linguagem literária e o latim, havendo no momento de adoção da língua standard pela corte, uma produtividade enorme em escritos, como textos a serem proferidos, estudados e reproduzidos pelos membros da corte. Com isto, a grande maioria da população não tinha acesso a estes escritos, que se 43 Segundo o Dicionário Larousse em francês, o termo Koiné - Koinè - (2005) refere-se ao dialeto ático misturado de elementos iônicos que se tornou a língua comum de todo o mundo grego na época helenística e romana. 35 tornavam peças de teatro (como as comédias de Molière, ou as tragédias de Racine), por exemplo, pois se encontrava em estado de analfabetismo. Começada, portanto, a hierarquia das línguas faladas na França, juntamente com a classificação de seus grupos, em nobres e clero (a parte que detinha poder na hierarquia social francesa) e a população, que mantinha economicamente o regime absolutista. Neste sentido, a categorização dos indivíduos, de seus grupos e de suas falas proporcionou a elite um meio maior de domínio sobre seu povo, na medida em que mostrava ao mesmo o “respeito que deviam” a ela e por isso, teriam a obrigação de se manterem subordinados aos seus sujeitos que acreditavam ser escolhidos por Deus para estarem juntos ao enviado dos céus, no caso, o rei. Logo, os discursos desenvolvidos sobre a língua oficial foram bastante representativos e construíram uma distância social e de linguagem gigantesca entre a elite e seus súditos, reafirmando, desta forma, a ideia de língua que servia inegavelmente de marcador social (Labov, 1972), na medida em que não servia somente para a comunicação e a compreensão entre vários povos pertencentes a um reino, mas para classificar seus indivíduos socialmente. Começava a existir nestes grupos pertencentes à hierarquia social francesa a imagem do Bon Français (Bom Francês), ou seja, a representação da língua intelectualizada, prestigiada e com um ideal de perfeição bastante propagado pela Europa. Desta forma, as outras realidades de fala centenárias pertencentes aos outros aglomerados de povos no território francês, passaram a ser vistas como marginais, falares de ignorância, barbaridades, da mesma forma que eram encarados como falares rústicos e de distinção social. Poderiam, deste modo, ser retratados como representações do modo de vida das camadas sociais menos privilegiadas e com isto, faziam rir a sua elite de forma desclassificatória e discriminatória na sociedade francesa. Logo, a língua standard que estava se enquadrando a um grau imaginado de refinamento oriundo do engajamento dos intelectuais Iluministas (que não faziam parte diretamente da elite em questão, por vezes) através de sua codificação na escrita, estava servindo para distinguir grupos sociais sem que os mesmos tivessem a intenção explícita do ato, supervalorizando um grupo e discriminando os outros. A nobreza, ao mesmo tempo em que insistia em calar e manipular os grupos de menor prestígio social, explorava-os de várias formas (economicamente, culturalmente e socialmente) e tornava-os cada vez mais distantes de seu convívio e de suas realidades. As obras escritas que estavam sendo produzidas nesta passagem brusca do 36 latim escrito para o francês que vinha se standardizando não chegariam ao contato do grande público e nem seria interesse da elite que esse fato ocorresse, ou estariam polarizando seus privilégios e valorizando seu povo. O povo deveria manter-se distante dos mesmos para que a sua distinção social e econômica pudesse ser preservada. Assim, a língua que fora adotada pela nobreza do reino francês passou a ser considerada como um importante marcador do papel social de seu povo. A burguesia que cada vez ficava mais próxima da elite, pois a mantinha financeiramente conseguia gradativamente obter o direito de utilizar este veículo de comunicação que se tornava distintivo de uma classe social abastada. Deste modo, com o domínio da fala moldada a escrita padrão e da própria escrita vinculada a obras literárias e filosóficas questionadoras da sociedade em si, estes representantes da população desprestigiada foram se engajando em criar um discurso questionador da realidade de seu povo em comparação à forma de vida da elite que os oprimia através da representação religiosa de casta escolhida para ter vantagens sociais sobre as outras camadas. A burguesia com o domínio de seu discurso libertador que concebia e promovia começou a efetivar a transição do imaginário de coletividade e a substituição de vários ícones do regime Absolutista que seriam considerados causa de sofrimento para a sociedade em geral, como veremos mais adiante. 2.3 - A língua oficial e nacional impôs-se sobre a religião, o rei e as línguas regionais Le royaume de France a toujours été reconnu par un consentement unânime des peuples, pour le premier et le plus excellent royaume de la Chrétienté, tant par sa dignité et sa puissance que par l’autorité absolue de celui qui le gouverne.44 Marmont, 1857, p.320.45 44 “O reino da França sempre foi reconhecido por um consentimento unânime dos povos, para o primeiro e o mais excelente reino da Cristandade tanto por sua dignidade e seu poder que pela autoridade absoluta daquele que o governa.” Tradução nossa. 45 http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k284352 37 LANGUE46, se prend aussi quelquefois pour Nation. Ainsi en parlant des différentes Nations de l’Ordre de Malte, on disoit, La Langue de Provence, La Langue d’Auvergne, d’Arragon, etc.47 A França fora por quase mil anos um exemplo de país engajado na religiosidade oriunda do Cristianismo desenvolvido em Roma, na medida em que a partir das invasões dos povos francos (mais ou menos nos anos 400 depois de Cristo) vindos de outros territórios europeus, houve uma gradual transformação da forma de se olhar a organização do seu território e dos povos que habitavam no mesmo. A partir da sua religiosidade legitimadora da tomada de poder no território do país, além do sentimento de insegurança causado pelas constantes guerras entre povos, invasões, saques e violências em geral, o único meio aceito pela população para sentirse segura seria através dos representantes da religião que tomava o lugar do Império Romano, os francos instalados em Paris representados por Hugues Capet48, que fora o primeiro rei do que era considerada a França até então. Assim, com os soberanos reis franceses, dos capecianos (de 987 a 1328), dos valois (1328 a 1589) e dos bourbons (1589 a 1793 – com a execução pública do rei Luís XVI –) a nação francesa tinha como embasamento de seu discurso governamental os preceitos religiosos que legitimavam a soberania do rei ao ter a imagem de estar próximo de seu povo, na medida em que o mesmo dava a sensação de segurança aos seus súditos, mesmo que estes fossem subjugados pelos representantes da nobreza ao declararem-se seus “servos”. Em geral, os reis franceses não tiveram objetivo expresso de fazer com que as línguas regionais fossem eliminadas para que houvesse o uso de uma única forma de fala e de escrita em todo o país, nem tentaram acabar com as formas de expressão de seus discípulos, não eram seus objetivos, a imagem do rei enviado de Deus era o único e inquebrável – como se imaginava – elo que os unia em súditos deste símbolo de religiosidade. 46 Indicação do dicionário da Academia Francesa em sua quinta edição, 1798. “Língua, toma-se algumas vezes também por Nação. Desta forma falando das diferentes Nações da Ordem de Malta, diziam, A Língua de Provença, A Língua de Auvergne, de Aragão, etc.” Tradução nossa. 48 Foi o primeiro rei francês e o que deu origem ao senso de hereditariedade na monarquia ao escolher seu filho mais velho Robert para subir ao trono. Sua dinastia formada por 15 reis conseguiu afirmar o poder real no território do país ao mostrar sua ligação com a religiosidade católica que a colocara para governar. Fora responsável pelo começo da harmonia entre os senhores feudais ao limitar suas guerras impondo a “paz de Deus”, sendo, desta forma, um diplomata hábil e um governante que deixava livre cada parte do seu povo para utilizar as formas de fala que tivessem, havendo como língua escrita, o latim religioso. 47 38 O rei somente manteve-se distantes dos mesmos cada vez um pouco mais, de rei a rei, culminando com o absolutismo desenvolvido por Luís XIV, que mesmo com o seu poder centralizador bastante grande, não teve a intenção de tornar as línguas regionais como parte da gama de costumes aceitos na cultural francesa. Nem tinha a necessidade de engajar-se para que as línguas não oficiais fossem eliminadas ou desvalorizadas no território, pois as mesmas não representavam perigo algum para exercer o seu poder, somente motivou a criação de uma língua intelectualizada e com um registro escrito que pudesse ser usada com sua corte e com pessoas que tivessem as qualidades da nobreza, não havendo, desta forma, nenhuma vontade de educar seu povo, nem na língua oficial, nem em nenhuma outra, na medida em que não houve rei que se preocupasse com a instrução pública. Somente mostraram a vontade de que seus povos falassem uma única língua, como podemos verificar neste extrato do texto de Merlin-Kajman (2002) quando cita o projeto da Academia Francesa redigido por Nicolas Faret em 1634: La situation politique est du reste favorale, car la monarchie française se trouve en pleine expansion. Le roi n’a donc « plus rien à désirer » sinon « que le langage qu’il parle devienne celui de tous les peuples qui le redoutent ».49 Merlin-Kajman, 2002, p. 58. Porém, a educação na França foi por muitos séculos responsabilidade da própria igreja e de seus padres, na medida em que os mesmos educariam os escolhidos do povo para seguirem o caminho da religiosidade e representar o governo e a igreja em suas comunidades de fala, levando assim, as decisões, as leis e as informações oriundas do seu governo às mais variadas populações de falas distintas no território francês. Num primeiro momento, a língua latina ligada à igreja representou por muitos séculos a fala dos governantes franceses, na medida em que seria a imagem da religiosidade em seu território, ou seja, a imagem da dominação de seu povo a partir dos símbolos religiosos e da falsa ideia de satisfação e bem estar que os seus representantes esforçavam-se para os populares acreditar. 49 “A situação política é de resto favorável, pois a monarquia francesa encontra-se em plena expansão. O rei não tem mais nada a desejar então que a linguagem que ele fala torne-se aquela de todos os povos que o temem.” 39 Com isto, a partir do momento em que os reis mostraram seu apoio às formas de fala e escrita mais intelectualizada desvinculando-as do latim ao motivar estudiosos e artistas a desenvolver a escrita em língua que nomearam ser a francesa e que sua corte começou a enquadrar sua fala a esta mesma língua em molde escrito, a língua latina passou a não fazer mais sentido no uso governamental, já que sua população não compreendia a língua religiosa e sobretudo, aproximadamente um século antes de o Absolutismo entrar em voga na França, a Reforma Protestante de Martinho Lutero 50 em 1517, desenvolvia o ideal de adaptação dos textos religiosos à escrita em línguas europeias, a fim de popularizar os mesmos e torná-los objetos de estudos e reflexões, no começo, por uma parte pequena de indivíduos letrados e com o decorrer dos acontecimentos, talvez os escritos pudessem ser lidos e estudados por uma quantidade maior da população, que passou por muito tempo sem ter acesso à escrita alguma. Deste modo, a língua francesa ainda não oficializada e não possuidora de uma escrita standardizada passava aos poucos a ter mais prestígio entre seus governantes e grupos de intelectuais que já citamos neste mesmo capítulo, na medida em que fora sendo utilizada para traduzir do latim religioso os escritos da bíblia e desta forma, contestar o poder da própria Igreja em seu país através de seus organizadores. Como François Rabelais (1494 – 1553), que defendia os preceitos humanistas de contestar os poderes da mesma e acentuar a força vinda do próprio homem não mais ligado aos símbolos religiosos para tornar-se um sujeito que compreende o mundo a sua volta, a si mesmo e a sociedade em que está inserido. Assim, este autor conciliou em sua obra elementos da tradição popular e outros da cultura intelectualizada de sua época para tornar acessíveis seus escritos a maior parte da sua sociedade com títulos como: Terceiro Livre (1546) e Quarto Livre (1552) conseguiu ter popularidade e ajudar a contestar as formas governamentais ligadas à religião que tomaram o poder dos países europeus durante toda a chamada Idade Média e que continuavam em seu tempo através da figura soberana e tirânica do rei e seus representantes. Assim, a dedicação e a forma de servir extraordinárias de seus povos para com os religiosos representantes da Igreja Cristã e a seu rei, que era visto como a imagem de Deus na Terra fora sendo contestada de forma cada vez mais contundente por 50 Teólogo e reformador alemão nasceu em 1483 e morreu em 1546. Foi responsável pela mudança na orientação religiosa da Europa, já que com o seu trabalho de contestação através de suas 95 teses que mostravam as necessidades de reformulação da doutrina católica, conseguiu engajar de forma bastante expressiva muitos adeptos a suas idéias que auxiliaram o mesmo a passar para várias línguas européias até então não oficiais os escritos bíblicos para que um número maior de pessoas começasse a ter acesso aos preceitos religiosos que eram apresentados, e com isto, poderem interpretá-los. 40 intelectuais e chegando ao seu povo motivado pelo primeiro grupo citado, os acontecimentos reformadores da ordem tornaram-se mais amplos e mais eficazes no século XVIII, já que com os escritos filosóficos dos autores já citados neste trabalho, suas ideias possibilitaram a organização de grupos bastante atuantes na causa de reformulação social, como os grupos formados pelos seguidores dos escritos de Voltaire, que publicou textos inspiradores de quebra com a religiosidade como este a seguir: Que jamais lei eclesiástica alguma seja válida senão mediante sanção expressa do governo. Foi desse modo que Atenas e Roma nunca tiveram querelas religiosas. Tais litígios são patrimônio das nações bárbaras ou transformadas em bárbaras. Voltaire, 1764, p.127. Com a desvinculação cada vez maior da ideia de que para se ter um país bem formulado e organizado pelos seus governantes, com seu povo aceitando todas as decisões vindas dos mesmos, deveria ser o poder ligado à religiosidade, na medida em que se pensava que este mesmo povo estaria confortável com a imagem de país abençoado por possuir um representante de Deus na Terra e por isso, não se revoltaria com as injustiças praticadas pelo rei e seus representantes. Neste sentido, a partir da ajuda da língua oficial que com seu discurso revolucionário - visto como libertador pelo seu povo - os atos contra essa ideia de que a população deveria aceitar o estado dos elementos governamentais e sociais de seu país foram cada vez se multiplicando. Na medida em que a própria língua oficial com seu discurso questionador de tudo o que já fora pensado e feito até então proporcionava um estado de esperança em seu povo, pois com ela o mesmo poderia reverter tudo o que o impossibilitava de viver com mais igualdade de direitos. Desta forma, a língua oficial ideologicamente mostrada como detentora de poder libertador e justo, como se acreditava nos primeiros momentos revolucionários do século XVIII já que aos poucos fora manifestara o seu potencial centralizador e imperialista que se fez conhecer através da tomada do governo dos revolucionários em 1792, tornou-se mais importante que o próprio rei e seu legitimador, o direito divino, assim como também se sobrepõe a religião com preceitos escravizadores da sociedade. A ideologia revolucionária proporcionou a esta língua oficial um status de libertadora e começou a populariza-la na medida em que a tornou mais próxima dos 41 seus povos através de escritos contendo leis, convocações, notícias dos acontecimentos, dentre outras formas de divulgação da doutrina revolucionária que conseguiu mobilizar grande parte de sua sociedade a fim de angariar mais adeptos de suas ideologias e desta forma, evitar contra-revoluções – que ocorreram mesmo com toda a força que os revolucionários pudessem empregar para que o fato não ocorresse -. Mesmo que a grande maioria da população não conhecesse nenhuma modalidade escrita de língua, muito menos a cultivada pela corte e adotada pelos revolucionários, os representantes do povo que tinham acesso a ela e às línguas regionais conseguiram passar as mensagens enviadas, atualizando e por vezes tentando motivar os populares a engajarem-se nos movimentos revolucionários, o que surtiu mais efeito com os habitantes de Paris e redondezas, ou de algumas caravanas de representantes de algumas regiões que partiram para a capital a fim de auxiliar na mudança de sistema governamental. Assim, a língua da nobreza e dos filósofos passara a ser neste período histórico, a representante de povo, a que daria ao mesmo um sentido maior de vida, com mais valor de si mesmo, igualdade e liberdade, enfim um senso melhor de bem estar em sua sociedade, o que a outra forma de governo não conseguia mais fazer, já que a elite até então não pensava nas necessidades de seu povo, mas em manter-se cada vez mais detentora de poderes sobre o mesmo. Esta nobreza conseguiu destacar-se tanto de sua sociedade, de seu povo em geral, que passou aos poucos a não representar sua população, fazendo que ele próprio visse suas fraquezas como corpo governamental e buscasse outros meios de identificar-se, identificando o que proporcionaria uma vida melhor a partir dos seus atos reivindicatórios. Assim, o discurso revolucionário e sua língua standard revestida de símbolos libertadores e esperançosos proporcionou a sua população uma nova maneira de pensar o governo que precisariam ter a partir dos acontecimentos revolucionários e acima de tudo, fez com que um grupo específico começasse a tomar o poder, a burguesia. Este grupo de detentores de uma economia bastante próspera e de uma intelectualidade grande passou a apontar os erros e as injustiças de seu monarca para a sua população, motivando-a a seguir junto no ideal de mudar a sua sociedade. 42 A burguesia51, a partir de seus grupos distintos de pensadores, conseguiu tomar o poder e implantar o que acharam ser soluções imediatas para a crise que sua nação sofria. Desta forma, a língua oficial passou a ser a responsável pela tentativa de união dos vários povos que compunham a sociedade francesa e esta centralização viria a partir da tomada de poder de um grupo específico, chamado de Jacobinos, grupo de pensadores que se tornaram governantes no decorrer da Revolução e impuseram a língua da nação como único meio de tornar o país liberto de tudo o que lembrasse o Absolutismo, enquadrando-se nisto, todas as línguas regionais faladas neste território, assunto que observaremos a seguir. 51 Grupo formado por comerciantes, artesãos, costureiros, dentre outras profissões que da Idade Média ao período Renascentista conseguiu formar uma das mais fortes classes sociais já conhecidas quando foi de século em século adquirindo mais direitos diante da elite ao financiar a mesma e a sustentar a sua estadia no poder. A origem de seu nome veio da palavra burg que quer dizer “lugar forte” em língua alemã, já que estes indivíduos aglomeravam-se em burgos (castelos, fortalezas ou cidades fortificadas) a fim de protegerem-se e ter meios de sobreviver com trabalho garantido nas cidades com algum ponto governado pela Igreja e seus representantes. Este grupo conseguiu um progresso financeiro extraordinário com o desenvolvimento de suas aptidões, pelo acúmulo de seus rendimentos e posses e, sobretudo, a com o advento do Absolutismo, conseguiu estar mais próximo da elite, trabalhar para a mesma adquirindo assim mais privilégios – não tantos quanto possuíam os representantes da nobreza - como aprender a fala e a escrita em língua oficial, adotada e desenvolvida pelos membros desta elite monárquica. No século XVIII, conseguiu meios de contestar a sociedade em que estava inserido, motivando camponeses, empregados domésticos, a população em geral que vivia em estado de miséria por ser explorada pelas outras classes sociais de sua sociedade e, tomando o poder através de atos surpreendentes, como a tomada da Bastilha e outros. 43 3 – A repressão linguística na Revolução: 3.1 – O jacobinismo linguistico e o ideal de “uma nação, uma língua” Pour extirper tous les préjugés, développer toutes les vérités, tous les talents, toutes les vertus, fonder tous les citoyens dans la masse nationale, (…), il faut identité de langage.52 Grégoire, 1794, p.10. Mesmo que em sua origem os ideais defendidos pelo movimento revolucionário francês tenham suposto formas mais liberais de organização política, na realidade não ocorreram desta maneira as suas colocações em prática pelos seus representantes. Os ideais apregoados supunham uma luta pelo fim da tirania a partir do advento de uma justiça social que pudesse eliminar as desigualdades em sua sociedade, já que foram vistos como inspirados nas ideias humanistas dos filósofos dos séculos XVII e XVIII, os chamados iluministas, como Voltaire, Jean - Jaques Rousseau, Denis Diderot, Montesquieu, d’Alembert etc. Com o desenrolar dos acontecimentos revolucionários, estes ideais foram transformando-se na prática em legitimadores da tomada do poder que pertencia ao monarca (guiado pela Igreja) pelos representantes da burguesia. Com isto, o que seria um movimento vinculado ao imaginário de liberdade, igualdade e fraternidade defendido pelos seus colaboradores – como era apregoado no lema da Revolução Francesa, que sintetizava todas as propostas da mesma – desenvolveu-se para uma dinâmica de atos centralizadores ao extremo, na medida em que foram construindo uma política repressora, tirânica, violenta e discriminatória que passou a ser denominada de Terror. Repressora e discriminatória em sua totalidade esta política, pois para seus formuladores, tudo o que se mostrasse estar em desacordo com os ideais jacobinos de uniformização nacional seria considerado contrário às concepções da liberdade imaginada para todos os cidadãos franceses e considerado como inimigo da pátria em sua totalidade. Deste modo, a existência de inúmeras formas de fala diversificadas em seu território, com indivíduos usando línguas diferenciadas entre si, ignorando em sua grande maioria, o idioma oficial, além de alguns grupos de falantes franceses utilizarem 52 “Para extirpar todos os preconceitos, desenvolver todas as verdades, todos os talentos, todas as virtudes fundar todos os cidadãos na massa nacional, (…) é necessário linguagem.” 44 a língua estandardizada de forma variável com a existência de sotaques ou de vocábulos não aceitos pelos defensores da língua pura, era um exemplo de imagem que amedrontava os jacobinos, na medida em que sabiam da existência da ameaça de contra revoluções que poderiam terminam com todas as conquistas centralizadoras de implantação de um Estado uno e indivisível, como se acreditava. Estes atos políticos e centralizadores foram organizados pelo grupo distinto de revoltosos (os jacobinos) que reunidos com seu discurso motivador e com a ferramenta da língua oficial imaginada também como libertadora, conseguiram engajar grande parte da população francesa, dos mais distantes territórios de seu país, a fim de participar desta imensa empreitada ideológica e uniformizadora, que imaginadamente daria frutos para toda a sociedade, na medida em que apresentava ideais de repúdio a toda forma de divisão social e falta de liberdade de seus grupos. Porém as consequências do período chamado de Terror nos mostram que a política empregada teria por fim somente a centralização do poder nas mãos de uma camada da sociedade: a burguesia detentora do discurso oficial-revolucionário e da língua standard/nacional/padrão e sobretudo libertadora, como se imaginava. Desta maneira, observamos que a centralização política necessitava de unidade de discurso e sobretudo, de unidade de língua como acreditavam os revolucionários, já que a França possuía até o momento revolucionário 30 línguas diferentes entre si, segundo o relatório do membro da Convenção, o político montanhês e após, jacobino, o abade Henri Grégoire, que fora bastante atuante na empreitada da difusão da língua oficial e da tentativa de aniquilar as línguas regionais. Estas línguas foram assim, marginalizadas em suas realizações a partir deste período, já que passaram a representar um imaginário de retrocesso no que tange à modernização do discurso usado pela população revolucionária e eram vistas como divisoras do povo francês, na medida em que não proporcionavam, como se pensava na época, um entendimento maior e uma unidade de fala e escrita de seus falantes. Assim, estas línguas não são possuidoras de uma escrita standard e nem de um status de língua, pois eram chamadas pejorativamente de patoás – jargões grosseiros, fala da ignorância, barbarismos, atrasos sociais e vulgaridades, como são vistos até os nossos dias marcadamente na nação francesa – que compunham, para os representantes desta política centralizadora e impositiva de leis e comportamentos, um obstáculo enorme para a progressão de suas conquistas, como a tentativa de mobilizar a população para concretizar seus objetivos políticos de unidade nacional, de forçar o rei a aceitar o 45 poder político e governamental da Assembleia (no começo deste período histórico), de compor o documento Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão escrito em língua oficial e difundido em toda a França como um “evangelho da Revolução” (Bezbakh, 2003). Mesmo que a grande população não tivesse acesso aos seus escritos, este documento seria o que a engajaria na empreitada de reconstruírem-se em cidadãos franceses, possuidores de uma língua oficial imaginadamente perfeita e libertadora. Deste modo, o principal objetivo dos revolucionários com o documento era que o mesmo fosse aceito pelo corpo governamental a partir das pressões populares, que contribuíram para feitos que desestruturaram tudo o que formava a sociedade francesa até então. Podemos observar essa vitoriosa tentativa de reorganizar a sociedade francesa a partir da tomada de poder da burguesia, verificaremos o cabeçalho da declaração citada, composta pelos membros da Assembleia Nacional em 1789 e publicada em vinte e seis de agosto do mesmo ano, logo após a conquista da abolição dos privilégios em quatro de agosto e do feito simbólico mais eficiente e desestruturante até então, a tomada da Bastilha53 em quatorze de julho. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão54 veio para dar as coordenadas aos seus governantes de como centralizar o poder de forma humana, justa e igualitária, teoricamente. Les Représentants du Peuple Français, constitués en Assemblée Nationale, considérant que l'ignorance, l'oubli ou le mépris des droits de l'Homme sont les seules causes des malheurs publics et de la corruption des Gouvernements, ont résolu d'exposer, dans une Déclaration solennelle, les droits naturels, inaliénables et sacrés de l'Homme, afin que cette Déclaration, constamment présente à tous les Membres du corps social, leur rappelle sans cesse leurs droits et leurs devoirs ; afin que les actes du pouvoir législatif, et ceux du pouvoir exécutif, pouvant être à chaque instant comparés avec le but de toute institution politique, en soient plus respectés ; afin que les réclamations des citoyens, fondées 53 A Bastilha era um símbolo da repressão e da divisão social do regime Absolutista. Fora usada por séculos para proteger a entrada da Porta de Santo Antônio em Paris e, assim, proteger o rei em caso de revoltas na capital. Era uma fortaleza e onde o arsenal do país era guardado. A partir do reinado de Luís XI passou a ser usada como prisão esporadicamente, passando a ser nominada como a Prisão do Estado com o Cardial Richelieu. As prisões eram feitas sem julgamento, somente com a assinatura do rei vários indivíduos foram encarcerados nesta fortaleza, normalmente, pessoas que o mesmo considerava ameaças políticas ao seu reinado. Assim, os revoltosos do século XVIII invadiram esta prisão-arsenal dia 14 de julho de 1789 a fim de pegar munição e armas, mas acabaram tomando o local para os mesmos. 54 Página oficial do Governo Legislativo Francês: Página oficial do Governo Legislativo Francês: http://www.legifrance.gouv.fr 46 désormais sur des principes simples et incontestables, tournent toujours au maintien de la Constitution et au bonheur de tous.55 Com isto, para os revolucionários, deveria haver uma política centralizadora que impedisse as várias formas de fala existentes na França, a fim de, assim, poderem implantar efetivamente o regime coordenado pelos Jacobinos – os mais fortes em argumentos e no discurso revolucionário da Assembleia – e desta forma, entrar no período que conhecemos como Terror, momento este que com atitudes violentas e repressoras, os políticos formularam leis de implantação da língua oficial em todo o território, de forma enérgica e esperando que os cidadãos franceses pudessem de um momento para outro implantar a língua oficial em seus antigos ducados, condados56, enfim em várias partes da nação que deveriam ter outros nomes, pois estas nomenclaturas representavam as definições do antigo regime para seus aglomerados populacionais, que passaram a ser chamados de regiões e departamentos definidos pela Assembleia nesse período do Terror. Logo, não só os termos que definiam os locais teriam que ser revistos, mas também todo o vocabulário empregado no país para caracterizar tanto seu governo: Poder monarca para poder nacional, ou poder do povo. Reino para país ou, passou a ser usado o termo mais cheio de significado no momento, como se acreditava, que uniria os grupos em um único ideal patriótico de organização social, que seria o vocábulo nação. Conselheiros, duques, condes, etc., para membros da Assembleia. Como também o vocabulário que definia as pessoas que faziam parte desta nação, agora não mais seriam chamadas de súditos, vassalos, feudatários, plebeus, etc., para ter a nominação que englobava todo o ideal transformador da realidade em que se “Os representantes do Povo Francês, constituídos em Assembleia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos, resolveram expor numa Declaração solene os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que essa Declaração, constantemente presente a todos os membros do corpo social, lhes recorde incessantemente seus direitos e deveres; a fim de que os atos do poder legislativo e os do poder executivo, podendo ser comparados a todo instante com a finalidade de cada instituição política, sejam mais respeitados; a fim de que as reclamações dos cidadãos, baseadas daqui por diante em princípios simples e incontestáveis, redundem sempre na manutenção da constituição e na felicidade de todos.” 56 Território na Idade Média dominado por um conde que representava a monarquia de seu reino. 55 47 encontravam: o chamado cidadão. Indivíduo portador de direitos e deveres voltados para o bem geral de toda a sua pátria e possuidor do discurso revolucionário ligado obrigatoriamente à língua nacional, libertadora e centralizadora. Neste sentido, surgem políticos logo nos primeiros anos de novo regime implantado, os jacobinos, cujo objetivo primeiro era garantir a permanência de seus governos e fazer com que o povo francês pudesse adequar-se a essa nova forma de encarar-se e identificar-se com seu país. Com isto, durante a Revolução, os acontecimentos bastante violentos e novos na vida dos Franceses deixavam os indivíduos totalmente sem suas referências, mesmo aqueles que se engajaram em seus projetos, o que tornou mais fácil para os representantes do jacobinismo burguês tomar o poder e lutar de forma bastante efetiva pela centralização e pela uniformização linguística a partir da difusão da língua oficial standard. Podemos dizer que, partir do período revolucionário, o cidadão modelo seria aquele oriundo das camadas da sociedade que desenvolviam trabalhos intelectuais e defendiam os novos meios de organização de seu país. Este mesmo seria o patriota, o que lutaria com todo o fervor pela imagem de sua nação de liberdade. E para isto, estaria disposto a deixar todos os resquícios do antigo sistema de governo e dos seus antigos papéis sociais. Assim, para haver esta adaptação à nova sociedade, acreditava-se que deveria surgir um cidadão disposto, do mesmo modo, a aprender os códigos da Revolução e a sua língua nacional. Deste modo, propagou-se a ideologia de que este sujeito perceberia que somente através do domínio desta língua que estaria substituindo o governante (o rei unia imageticamente todos os indivíduos franceses57) teria meios de atingir os benefícios prometidos pelos revolucionários. Deveria haver, para que este propósito fosse aceito por todos na nação – objetivo centralizador jacobino – uma campanha 57 O rei seria a imagem de Deus na Terra, como podemos verificar no seguinte trecho retirado do relato escrito pelo marechal Marmont - Marechal nascido quinze anos antes da Revolução Francesa - em seu livro Mémoires (Memórias), em que observamos o grande prestígio que Luis XVI possuía nos últimos anos da monarquia: J’avais pour le Roi um sentiment difficile à définir, un sentiment de dévouement avec un caractère religieux. Le mot Roi avait alors une magie, une puissance que rien n’avait altéré. Dans les coeurs droits et purs, cet amour devenait une espèce de culte. Marmont, Mémoires du maréchal Marmont, terceira edição, 1857. Citado por GAXOTTE, Pierre. La Révolution Française, Arthème Fayard, Paris, 1928. Tradução : “Eu tinha pelo Rei um sentimento difícil a definir, um sentimento de devoção com um caráter religioso. A palavra Rei tinha então uma magia, um poder que nada tinha alterado. Nos corações corretos e puros, este amor tornava-se uma espécie de culto.” 48 civilizatória que mobilizasse toda a pátria, com a bandeira imaginadamente libertadora da adoção da língua oficial. A campanha civilizadora começa com o período chamado de Terror, período em que os governantes tinham o objetivo de impor seus planos a fim de comandar a sociedade inteira e deste modo, evitar as contra-revoluções oriundas de comunidades que se expressavam através das línguas regionais e possuíam culturas muito bem identificadas aos seus indivíduos. Então, com a imagem de sujeito livre e com direitos iguais aos seus compatriotas, muitos bem enquadrados aos projetos revolucionários, e com uma vida mais intelectualizada e racional, os governantes escreviam as leis linguísticas de imposição do francês oficial e de refutação do uso das línguas regionais para escrever documentos de qualquer tipo ou para realizar reuniões públicas em qualquer parte da França (LODGE, 1993). Nós podemos observar este fato no decreto do 8 pluviôse na II (27 de janeiro de 1794), artigo 6, sancionado pelos jacobinos na Convenção que fala sobre as práticas políticas do aprendizado do francês: Art. 6 – Les sociétés populaires sont invitées à propager l’établissement des clubs pour la traduction vocale des décrets et des lois de la République, et à multiplier les moyens de faire connaître la langue française dans les campagnes les plus reculées.58 Este artigo mencionado acima fora sancionado logo após a intervenção do membro da Assembleia que lutava junto a Henri Grégoire pela instrução pública, chamado Barère59, deputado que escreveu muitos documentos para o Comitê de Salvação Pública, órgão que pretendia cuidar do bem estar de suas populações através de leis que possibilitassem a chegada dos direitos assegurados pela nação a todas as camadas da sociedade. Logo, este decreto mostra que as sociedades populares tinham um papel muito importante na empreitada jacobina de divulgação e imposição da língua oficial a fim de auxiliar na centralização política e governamental do país, também na campanha civilizatória dos mesmos. Podemos verificar também o mesmo objetivo de educar seus povos em língua oficial com a ajuda das camadas populares que se engajariam nas suas 58 “As sociedades populares são convidadas a propagar a instauração dos clubes para a tradução vocal dos decretos e das leis da República, e a multiplicar os meios de fazer conhecer a língua francesa nos campos mais distantes.” Tradução nossa. 59 Barère de Vieuzac (1755-1841), deputado dos Estados Gerais em 1789 e da Convenção. Fora também membro assíduo do Comitê de Salvação Pública. 49 causas linguísticas e transformar-se-iam em um novo povo, seria um povo nacionalista, cidadão, letrado e detentor da língua nacional e de seu discurso libertador e democrático, como imaginaram em seus decretos: Section III. – Du premier degré d’instruction. 1º La convention nationale charge son Comité d’Instruction de lui présenter les livres élémentaires des connaissances absolument nécessaires pour former les citoyens et déclare que les premiers de ces livres sont les Droits de l’Homme, la Constitution, le tableau des actions héroïques ou vertueuses. 2º Les citoyens et citoyennes qui se borneront à enseigner à lire, à écrire, et les premières règles de l’arithmétique, seront tenus de se conformer, dans leurs enseignements, aux livres élémentaires adoptés et publiés à cet effet par la représentation nationale.60 Decreto Bouquier do dia 29 frimaire ano II (19 de dezembro de 1793) primeiro documento revolucionário relativo à organização geral da instrução pública.61 Desta forma, podemos observar que o argumento da instrução pública vinculada à eliminação das línguas regionais para que se ocorresse a imposição da língua oficial em todo o território, viera junto com o período do Terror, o que tornou o objetivo de instruir seu povo e divulgar junto ao mesmo a língua oficial um ideal violento, intimidador, discriminatório de tudo o que era considerado contra a Revolução e seus representantes, logo esse período necessitou dos clubes para que suas ideias centralizadoras e civilizatórias fossem debatidas, decididas, redigidas e sancionadas em documentos de lei que foram propagados por todo o território francês, mesmo que a grande maioria de seus cidadãos não falasse a língua da liberdade, a ideologia da época era de que os indivíduos teriam a obrigação de procurar enquadrar-se com o novo meio de comunicação e de vida que estavam sendo impostos pelo novo regime. Assim, a partir dos ideais revolucionários que buscaram legitimidade nos escritos dos filósofos iluministas, temos uma problemática governamental, social e política 60 Seção III. – Sobre o primeiro nível de instrução. 1º A convenção nacional encarrega seu Comitê de Instrução de apresentar-lhe os livros de níveis elementares dos conhecimentos absolutamente necessários para formar os cidadãos e declara que os primeiros destes livros são os Direitos do Homem, a Constituição, o quadro das ações heróicas ou virtuosas. 2º Os cidadãos e cidadãs que se limitarão a ensinar a ler, a escrever, e as primeiras regras da aritmética, serão obrigados a se conformar, em seus ensinos, aos livros elementares adotados e publicados neste efeito pela representação nacional. 61 Projeto de decreto fora citado a partir do livro L’Enseignement français de la Révolution à nos jours, t.2, pp.22-23 et p.26, por Laporte & Balibar (1974). (O ensino francês da Revolução aos nossos dias – 1974) 50 bastante presente no movimento, na medida em que o mesmo pregava a liberdade de direitos de seus cidadãos, pregava a centralização e a eliminação de tudo aquilo que fosse considerado fora dos padrões jacobinos de encarar o mundo. Desta forma, o período denominado de Terror trouxe para o país, no que tange o mosaico linguístico apresentado pela França neste período e até os nossos dias, um imaginário de que as outras línguas faladas no território deveriam ser desprezadas, discriminadas e até mesmo aniquiladas para que a língua oficial pudesse ser utilizada da forma como os jacobinos sempre esperaram que a mesma fosse utilizada. Desta forma, verificaremos como os jacobinos introduziram este ideal na nação francesa e como os mesmos se formaram e se desenvolveram durante o período. 3.2 – O jacobinismo e o terror linguístico: Henri Grégoire e as políticas do Terror Plaçon la Terreur à l’ordre du jour.62 Vieuzac, 1794, p.3. Le fédéralisme et la superstition parlent bas-breton, l’émigration et la haine de la république parlent allemand, la contre-révolution parle italien et le fanatisme parle basque.63 Vieuzac, 1794, p.1. O período do Terror fora bastante simbólico no que tange a feitura, o desenvolvimento e a imposição dos ideais jacobinos na França, pois fora um momento único na história deste país em que todos os processos de reorganização estrutural e social desta sociedade desenvolveram-se de forma brusca e impactante com a finalidade de acabar com tudo o que representasse o que era o país com o sistema de governo anterior. 62 “Coloquemos o Terror na tarefa do dia.” Tradução nossa. “O federalismo e a superstição falam baixo bretão, a emigração e o ódio da república falam alemão, a contra revolução fala italiano e o fanatismo fala basco.” Tradução nossa. 63 51 Logo, os revolucionários, guiados pelos coordenadores de seus grupos, divididos em clubes, disputaram entre si em forma de discursos e debates em língua oficial, patriótica, nacional e vista simbolicamente como libertadora de seus indivíduos, na Assembleia Nacional e na Convenção assuntos primordiais que conseguiram implantar e modificar tudo o que estava sendo contestado até então. Porém, os mesmos, com ideologias radicais e repressoras, conseguiram implantar um regime de medo e de perseguições que compuseram este período. Desta forma, podemos caracterizar o período do Terror, que vai dos acontecimentos sangrentos do ano de 1789, com a tomada da Bastilha e o tiroteio do Campo de Março em 14 e 17 de julho, passando pela declaração de guerra à Áustria e à Prússia (30 de abril de 1792), a declaração de que a pátria estaria ameaçada (11 de julho) e o massacre de setembro do mesmo ano, além do uso frequente da guilhotina para executar os julgados como “contrários à Revolução e/ou infiéis à pátria” durante esse grande período que durou até 28 de julho de 1794, quando Maximilien de Robespierre (1758 – 1794), deputado montanhês bastante radical e intransigente que liderou esse período mandando executar um grande número de pessoas – como os girondinos - e motivando massacres e fuzilarias em nome da liberdade e da justiça, era chamado de “o incorruptível” pelo fato de não ceder nunca em suas empreitadas, fora executado na guilhotina como o tirano deste momento sangrento na história francesa. Robespierre deu o tom do Terror e é a partir deste mesmo tom que temos a caça a tudo o que é visto como ameaçador aos intuitos do “incorruptível”, como as línguas regionais que eram vistas pelo mesmo como contrárias aos intuitos de liberdade previstos nos códigos desenvolvidos pelos revoltosos, como a centralização para tornar a nação unida e indivisível ou a centralização de discursos para que todos pudessem participar do movimento revolucionário e não ir contra o mesmo, reafirmando-o. Quem fosse contra estes objetivos dos revolucionários liderados pela força imperativa e autoritária de Robespierre, corria o risco de perder sua vida de forma brutal diante de sua sociedade, o que servia para os revoltosos como uma defesa aos seus propósitos, pois as mortes na guilhotina simbolizavam a não tolerância a nada que fosse contra a liberdade que acreditavam ter conquistado. Desta forma, podemos afirmar que estes revoltosos que pertenciam a grupos diferenciados organizaram-se no que chamaram de clubes, sociedades de reflexão política que reuniram burgueses e liberais a fim de discutirem e trocarem ideias revolucionárias. Desta forma, foram sincronizando os discursos e unindo-se pelos 52 mesmos objetivos de reforma pública, governamental e sobretudo, de tomada do governo, ao que o movimento fora sendo levado com o decorrer dos acontecimentos. Estes grupos eram divididos, segundo Pierre Bezbakh (2003), da seguinte forma: Girondinos: Grupo de deputados formados durante a Revolução. Mantinham-se à esquerda na Legislativa (1791 - 1792) e à direita na Convenção (1792 - 1793). Foram fortemente combatidos pelos Montanheses e foram também vítimas dos motins parisienses em 31 de maio, 2 de junho e 31 de outubro de 1793 em que vários foram massacrados pelos mesmos. Montanheses: Grupo de revolucionários constituído por Robespierre, SaintJust, Couthon, Carnot, etc. que ficavam na Convenção sobre os bancos mais elevados de setembro de 1792 a julho de 1794. Favoráveis ao Terror de 1793, eles organizaram a ditadura da Saúde Pública em que deputados votavam e impunham leis para erradicar tudo o que se pensava ser contrário aos movimentos revolucionários. Como podemos ver nos documentos propostos pelo abade Henri Grégoire (1750 – 1831), um de seus membros mais ativos, em que verificamos o ideal de eliminar as línguas regionais, chamadas pelo mesmo de “patoás” de forma pejorativa, em detrimento da imposição da língua oficial francesa. Sans-culottes: nome dado a partir de 1792 ao povo revolucionário, sobretudo o parisiense, que reclamava a República depois, incentivaram o Terror, sendo bastante atuantes nos motins, invasões e mesmo na tomada da Bastilha. Estes homens se distinguiam pelas suas vestimentas, que continham calças – ao contrário dos nobres que usavam as chamadas culottes -. Feuillants: Clube que reunia moderados e monarquistas constitucionais, situando-se no antigo convento dos Feuillants em 1791 e 1792. Termidorianos: Grupo constituído de deputados montanheses e de deputados moderados (“la Plaine”) e que é responsável pela derrocada de Robespierre em julho de 1794, dirigindo a Convenção de julho de 1794 a outubro de 1795. 53 Jacobinos: Clube formado pela parte mais humilde da burguesia e defendia a maior participação do popular no governo. Mantinha suas sessões no antigo convento dos jacobinos durante a Revolução. Moderados no começo, em 1971, após a fuga do rei e o tiroteio do Campo de Março, dividiram-se. Os mais moderados formaram o clube dos Feuillants, os outros ficaram no clube e adotaram posições republicanas intransigentes e torna-se, no período da Convenção, o instrumento direto dos Montanheses, liderados por Robespierre, como já mencionamos mais acima. Assim, percebemos que com a ideologia de instaurar os ideais de liberdade, fraternidade e de igualdade em sua nação, o revoltosos burgueses tinham realmente a finalidade de tomar o poder e acabar com sua exploração, não se preocupando realmente com as formas de vida diferentes que existiam no país, com seus povos sendo tiranizados pelos próprios imaginados libertadores, que se mostraram tão tiranos quanto os pertencentes à outra elite que perdera o poder. Com isto, com o pretexto de libertar seu povo da tirania das ordens arbitrárias concebidas pelo rei e de sua exploração pelo mesmo juntamente com a nobreza e o clero, que para manter seus privilégios, mantinham o povo num estado de miséria dentro de um país muito rico e próspero, tanto economicamente quanto culturalmente, estes revoltosos impuseram suas formas de governar com absoluta tirania e intolerância com seus povos, que pretendiam tornar um, haveria agora somente a imagem do cidadão francês, detentor do discurso revolucionário na língua da liberdade, como os representantes do poder queriam e impuseram esse ideal para que fosse obrigatoriamente aceito por todos. Percebeu-se, então, que povo francês mantinha diferenças bastante significativas entre si caracterizadas em cada região do país de forma bastante marcada, tendo cada uma delas uma língua (ou algumas) que representavam a sua comunidade de fala. Este fato para os revolucionários que impunham suas formas de conceber a sociedade que faziam parte era visto como um atraso da nação francesa, já que acreditavam ser o francês oficial a língua que os libertaria de todo o descaso, tirania e maus tratos oriundos do antigo regime e de seus governantes. Desta forma, com leis de implantação desta língua oficial, agora, não mais pertencente de forma privilegiada à elite que perdera o poder, mas à sua população, aos 54 cidadãos franceses e com isto, Robespierre, sanciona leis que obrigam o uso da mesma em todo o território, influenciado pelos discursos autoritários de necessidade da divulgação e popularização da língua nacional e a eliminação das línguas regionais, com os membros da Convenção, o abade Henri Grégoire (1750 -1831) e o político e advogado Bertrand Barère de Vieuzac (1755 – 1841), como podemos verificar no documento de lei a seguir, datado de 2 Thermidor (20 julho de 1794): Article 1 : À compter du jour de la publication de la présente loi, nul acte public ne pourra, dans quelque partie que ce soit du territoire de la République, être écrit qu'en langue française. Article 2 : Après le mois qui suivra la publication de la présente loi, il ne pourra être enregistré aucun acte, même sous seing privé, s'il n'est écrit en langue française. Article 3 : Tout fonctionnaire ou officier public, tout agent du Gouvernement qui, à dater du jour de la publication de la présente loi, dressera, écrira ou souscrira, dans l'exercice de ses fonctions, des procès-verbaux, jugements, contrats ou autres actes généralement quelconques conçus en idiomes ou langues autres que la française, sera traduit devant le tribunal de police correctionnelle de sa résidence, condamné à six mois d'emprisonnement, et destitué. Article 4 : La même peine aura lieu contre tout receveur du droit d'enregistrement qui, après le mois de la publication de la présente loi, enregistrera des actes, même sous seing privé, écrits en idiomes ou langues autres que le français. 64 Os políticos jacobinos começaram a tentativa de implantar a língua francesa oficial para representar a nação e seus discursos revolucionários revestidos da ideologia libertadora. Um deles fora o abade Henri Grégoire, que atuou como divulgador e impulsionou os outros membros da Assembleia a lutarem pela imposição da língua oficial a partir de seus discursos e relatórios enviados, como o relatório chamado: Sur la 64 “Artigo 1 - A contar do dia da publicação da presente lei, qualquer ato público só poderá, em qualquer parte que seja do território da República, ser escrito em língua francesa. Artigo 2 - Após o mês da publicação da presente lei, não poderá ser registrado nenhum ato, mesmo com assinatura privada, se ele não for escrito em língua francesa. Artigo 3 - Todo funcionário público, todo agente do Governo que, a datar do dia da publicação da presente lei, endereçará, escreverá ou subscreverá, no exercício de suas funções, processos-verbais, julgamentos, contratos ou outros atos quaisquer concebidos em idiomas ou outras línguas que a francesa, será traduzido diante do tribunal de polícia correcional de sua residência, condenado a seis meses de prisão, e destituído. Artigo 4 - A mesma pena ocorrerá contra todo receptor do direito de ensinar que, após o mês da publicação da presente lei, só registrará seus atos, mesmo sob assinatura privada, escritos em idiomas ou outras línguas em francês.” 55 nécessité et les moyens d’anéantir les patois et d’universaliser l’usage de la langue française65 em que prega a necessidade de afirmar a nação através de sua língua nacional e a consequente (e necessária, como acreditavam) eliminação dos falares regionais. Ideais centralizadores e majoritariamente jacobinos, na medida em que deixa claro em seu documento a intolerância com o que seria diverso em sua nação, como a imaginada ameaça de haver várias línguas e vários discursos em seu território, assim como haver várias formas de cultura também era visto como prejudicial à tomada de poder efetivamente centralizadora como os jacobinos tanto defenderam e conseguiram implantar. Podemos verificar esse ideal centralizador que fora vitorioso no país neste extrato do livro desenvolvido pelo historiador, A. Gazier: Lorsque la Révolution Française voulut donner à notre patrie l’unité qui fait aujourd’hui sa force, un des plus grands obstacles qu’elle rencontra fut la diversité presque infinie des idiomes et des patois parlés alors par les Français. Le conventionnel Grégoire, dans un rapport justement célèbre, assurait, en 1794, que six millions de ses compatriotes ignoraient absolument la langue nationale, et que six autres millions, pour le moins, étaient incapables de soutenir une conversation suivie.66 GAZIER, 1880, p. 5. Logo, o abade Henri Grégoire, como representante das políticas jacobinas e autor de documentos que auxiliaram na empreitada de implantação da língua oficial, via como estratégia fundamental para a aceitação dos indivíduos franceses ao ideal de que uma nação estaria prioritariamente ligada a uma língua standard em um território bem delimitado e protegido pelos seus cidadãos, a aniquilação das línguas regionais do país. A aniquilação das línguas regionais imaginada passaria a ser feita, como acreditavam os jacobinos representados pelo abade Henri Grégoire, por Robespierre, dentre outros membros da Assembleia - onde estes políticos mostravam-se mais fortes em argumentos e atos que os outros membros - a partir da feitura, e da difusão de documentos de lei sancionados por estes políticos citados, este seria o marco inicial desta empreitada. 65 “Sobre a necessidade de eliminar os patoás e de universalizar o uso da língua francesa.” Tradução nossa. 66 “Quando a Revolução Francesa quis dar a nossa pátria a unidade que faz hoje sua força, um dos maiores obstáculos que ela encontrou foi a diversidade quase infinita dos idiomas e dos patoás falados então pelos Franceses. O membro da Convenção Grégoire, num relatório justamente famoso, asseguraria, em 1794, que seis milhões de compatriotas ignoravam absolutamente a língua nacional, e que seis milhões, para o menos, eram incapazes de manter uma conversação seguida.” 56 Com isto, as leis de imposição da língua oficial traziam em si características repressoras no que tange ao uso das línguas regionais, na medida em que se mostravam opressivas e truculentas, que fizeram muitos indivíduos das comunidades de fala das mesmas expressar, por vezes, suas revoltas ao compreenderem a necessidade de adaptarem-se ao novo regime ao terem que eliminar suas formas de fala para adotarem o discurso revolucionário acompanhado da língua oficial que se tornava cada vez mais obrigatória. O ideal impositivo da língua oficial e do consequente banimento de suas formas de expressão – culturas e sobretudo, suas línguas – que fora imaginado, fez com que os seus falantes percebessem a necessidade de se reformular como indivíduos adotando aos poucos a língua oficial para pertencer a esta nação que surgia, como podemos verificar na resposta do correspondente da região de Languedoc. Il y a vingt ans que personne ne parlait ici français; aujourd’hui, non-seulement les citoyens aisés s’expriment dans La langue nationale, mais même um assez grand nombre d’individus parmi le peuple, si on excepte les campagnes éloignées des Villes. Le patois se compose de jour en jour de mots français; on remarque que La Révolution y en fait passer un grand nombre. 67 Gazier, 1880, p.21. Podemos, assim, refletir sobre a ideia jacobina centralizadora de que uma nação estaria ligada somente a uma língua, a um povo idêntico em ideais e compromissos, direitos e formas de vida, como a grande propulsora do ideal nacionalista que se propagou por várias partes do mundo, modificando a concepção de agrupamentos sociais para o imaginário de construírem Estados-Nações, que em suas realidades, mostram-se impossíveis de serem definidos se pensarmos na gama distinta de variedades de povos fazendo parte dos mesmos em todo o nosso planeta. Desta forma, podemos citar Gelner (1989) quando fala dos propósitos e das definições dos EstadosNações, como podemos verificar no trecho a seguir: 67 “Há vinte anos que ninguém falava francês aqui; hoje, não somente os cidadãos abastados se exprimem na língua nacional, mas mesmo um número bastante grande de indivíduos entre o povo, se tirarmos os interiores mais distantes das cidades. O patoá se compõe dia a dia de palavras francesas ; notamos que a Revolução introduziu no patoá um grande número delas.” Tradução nossa. 57 Aujourd’hui, c’est la présence, et non l’absence de l’État qui est inéluctable. Pour paraphaser Hegel, autrefois personne n’avait d’État, puis certains en eurent un, et, finalement, tous en ont.68 Gelner, 1989, p. 14. O autor acima citado falava do imaginário de Estado-Nação desenvolvido com os jacobinos, pois os mesmos construíram o ideal de nação que fora adotado por vários países a partir do período da Revolução Francesa, passando a França a ser considerada o exemplo maior de país centralizador no mundo, na medida em que em outras terras também governantes começaram a adotar, de alguma forma, seu modelo de nação. Este fato pode ser observado no nosso próprio país, pois o ideal de que a unidade do Brasil é oriunda do uso da língua portuguesa em todo o território fora inspirado nos ideais jacobinos, ela nos une (como é imaginado na França), nos identifica e faz com que possamos nos familiarizar da mesma forma com nossos companheiros de território, e sobretudo, nos difere dos outros habitantes e representantes de outras terras, como acredita-se. Ou seja: a língua oficial é considerada a nossa bandeira, a nossa representação, o que nos une e o que nos diferencia dos demais povos. Neste sentido, no caso francês, os jacobinos cobravam dos seus compatriotas um maior engajamento no que diz respeito à divulgação e a aceitação de sua língua oficial, a fim de “melhorar” a comunicação entre seus cidadãos, já que se imaginava que para haver uma maior aceitação de suas leis, deveria existir somente uma língua centralizadora para, consequentemente, existir somente um discurso regularizador de sua sociedade, no caso, o jacobino. Com isto, o abade Henri Grégoire, munido de poder jacobino que possuía, escreveu relatórios para o Comitê de Salvação Pública sobre a “necessidade de implantar e difundir o francês oficial e destruir os ‘patoás’”, como podemos verificar em um extrato de seu documento oficial enviado à Assembleia em 1790, em que o abade compara a problemática francesa com o mito da torre de Babel: On peut assurer sans exagérations qu'au moins six millions de Français, surtout dans les campagnes, ignorent la langue nationale; qu'un nombre égal est à peu près incapable de soutenir une conversation suivie; qu'en dernier résultat, le nombre de ceux qui la parlent purement 68 “Hoje, é a presença, e não a ausência do Estado que é inevitável. Para parafrasear Hegel, em outros tempos ninguém tinha um Estado, em seguida alguns tiveram um, e, finalmente, todos tem.” 58 n'exède pas trois million; et probablement le nombre de ceux qui l'écrivent correctement est encore moindre. Ainsi, avec trente patois différents, nous sommes encore, pour le langage à la tour de Babel, tandis que pour la liberté nous formons l'avant-garde des nations.69 GREGOIRE, 1790, p.38. Assim, fora responsável pelo começo da caça às línguas regionais e a sua tentativa de eliminação do país, fazendo que as mesmas passassem a ser desvalorizadas e discriminadas em seu território, na medida em que compôs uma enquete de 43 perguntas sobre o uso dos chamados “patoás” e a necessidade de que a nação precisaria destruí-los para ser forte e respeitável e a fez ser respondida por representantes de todas as regiões e comunidades de fala das línguas regionais na França. O abade e outros membros da Convenção acreditavam que a sabedoria dos cidadãos viria com a boa vontade de aprenderem o idioma nacional e engajarem-se na empreitada de usá-lo a partir de seu discurso revolucionário e imaginadamente, libertador. Veremos, desta forma, as perguntas do abade em seu questionário que fora distribuído pelo território francês de 1790 a 1794: O questionário do abade Henri Grégoire: 1 – O uso da língua é universal em sua região. Fala-se um ou muitos patoás? 2 – Este patoá tem uma origem antiga e conhecida? 3 – Há muitos termos radicais, muitos termos compostos? 4 – Encontram-se palavras derivadas do celta, do grego, do latim, e em geral das línguas antigas e modernas? 5 – Há uma afinidade marcada com o francês, com o dialeto das regiões vizinhas, com de certos lugares distantes, onde os emigrantes, os colonos de sua região, foram antigamente estabelecer-se? 69 “Pode-se assegurar sem exageros que ao menos seis milhões de franceses, sobretudo nas províncias, ignoram a língua nacional; que em um número igual são quase incapazes de manter uma conversação seguida; que em último resultado, o número destes que a falam puramente não excede três milhões; e provavelmente o número daqueles que a escrevem corretamente é ainda menor. Assim, com trinta patoás diferentes, nós estamos ainda, no que tange à linguagem a torre de Babel, enquanto que para a liberdade nós formamos a vanguarda das nações.” 59 6 – Em que se distancia do idioma nacional? Não seria pelos nomes das plantas, das doenças, os termos das artes e trabalhos, dos instrumentos de arado, das diversas espécies de grãos do comércio e do direito costumeiro? Gostaríamos de ter esta nomenclatura. 7 – Acham-se frequentemente muitas palavras para designar a mesma coisa? 8 – Em quais gêneros de coisas, de ocupações, de paixões, este patoá é mais abundante? 9 – Há muitas palavras para expressar as nuances das ideias e os assuntos intelectuais? 10 – Há muitos termos contrários ao pudor? O que devemos relacionar relativamente à pureza ou à corrupção dos modos? 11 – Há muitos juramentos e expressões particulares aos grandes movimentos de cólera? 12 – Acham-se neste patoá termos, locuções muito enérgicas, e mesmo que faltam ao idioma francês? 13 – As finais são mais comumente vogais ou consoantes? 14 – Qual é a característica da pronúncia? Ela é gutural, sibilante, doce, pouco ou fortemente acentuada? 15 – A escrita deste patoá possui traços, caracteres outros que o francês? 16 – Este patoá varia muito de vilarejo a vilarejo? 17 – Falam-no nas cidades? 18 – Qual é extensão territorial onde ele é utilizado? 19 – Os camponeses sabem igualmente se pronunciar em francês? 20 – Reza-se em patoá? Este uso cessou? 21 – Há gramáticas e dicionários deste dialeto? 22 – Acham-se inscrições em patoás nas igrejas, nos cemitérios, nas praças públicas, etc.? 23 – Vocês possuem obras em patoás, impressas ou manuscritas, antigas ou modernas, como direito costumeiro, atos públicos, crônicas, rezas, sermões, livros ascéticos, cânticos, canções, almanaques, poesias, traduções, etc.? 24 – Qual é o mérito destas diversas obras? 25 – Seria possível de encontrá-las facilmente? 26 – Vocês possuem muitos provérbios em patoás particulares a sua região? 27 – Qual é a influência respectiva dos patoás sobre os modos, e estes sobre o vosso dialeto? 60 28 – Observa-se que ele se aproxima insensivelmente do idioma francês, que certas palavras desaparecem e desde quando? 29 – Qual seria a importância religiosa e política de destruir inteiramente este patoá ? 30 – Quais seriam os meios? 31 – Nas escolas do campo, o ensino se faz em francês? Os livros são uniformes? 32 – Cada vilarejo é provido de mestres e de mestras de escola? 33 – Outra arte de ler, de descrever, de numerar e o catecismo, ensina-se outra coisa nas escolas? 34 – Elas são assiduamente supervisadas por Vossas Santidades os Curas e Vicários? 35 – Eles possuem livros sortidos para emprestar em suas paróquias? 36 – As pessoas do campo têm o gosto pela leitura? 37 – Quais espécies de livros acham-se mais comumente entre elas? 38 – Elas possuem muitos preconceitos, e em que gênero? 39 – A partir de uma vintena de anos, elas estão mais esclarecidas? Seus modos estão mais depravados? 40 – Quais são as causas e quais seriam os remédios para estes males? 41 – Quais efeitos morais produzem na revolução atual? 42 – Encontra-se dentre elas patriotismo, ou somente os efeitos que inspiram o interesse pessoal? 43 – Os eclesiásticos e os nobres não sofrem injúrias grosseiras, ultrajes dos camponeses e despotismos dos prefeitos e dos municípios? Obteve como resposta, várias cartas de adesão ao seu movimento, como podemos observar no extrato da réplica do correspondente de Bordeaux, Pierre Bernadaux (Gazier, 1880, p.154) : Il n’y aurait, je pense, aucune importance à détruire le gascon dans nos cantons ; mais les moyens m’en paraissent introuvables et, d’ailleurs, peu utiles. Le bas peuple des villes, les habitants des campagnes, corrompront toujours la langue et en feront un jargon, comme cela se voit en Angleterre, en Allemagne et à Paris70. 71 70 Esta declaração do correspondente de Bordeaux mostra que havia o imaginário de que a cidade de Paris seria um local distinto das outras regiões francesas, na medida em que se mantinha isolada culturalmente e socialmente das outras localidades havia muitos séculos. 61 E respostas explicativas ou de repúdio e resistência aos ideais pregados por Henri Grégoire, como nos textos de Gautier-Sauzin, um agricultor que escreveu cartas para o jornal La Feuille Villageoise: Ces divers idiomes méridionaux ne sont que de purs jargons: ce sont de vraies langues, tout aussi anciennes que la plupart de nos langues modernes ; tout aussi riches, tout aussi abondantes en expressions nobles et hardies, en tropes, en métaphores, qu’aucune des langues de l’Europe : les poésies immortelles de Goudelin72 en sont une preuve sans réplique. 73 Gazier, 1880, p.98. Ou, como a do correspondente da Alsácia que mostrou total desaprovação às ideias encontradas no questionário do abade: On a fait une seconde objection: on a demandé : Les Districts sont-ils Allemands ou Français ? J’y réponds par une autre question : Les filles et les femmes qui portent des Tresses et des Schneppenhaubens, sont-elles moins citoyennes ? sontelles moins attachés à la Constitution que celles qui sont coiffées à la française ? je demanderai : sont-ce les écrivains français ou allemands qui ont appris au peuple Alsacien à aimer la nouvelle Constitution ? 74 Gazier, 1880, p.227. Assim, verificamos que com as respostas ao questionário, na época da Revolução foram contadas 30 línguas regionais diferentes entre si no país. Desta forma, segundo o abade Henri Grégoire em seus escritos documentados para a Assembleia jacobina, esta grande diversidade de línguas em uma única nação, não seria útil para os 71 “Não teria, penso eu, nenhuma importância em destruir o gascão em nossas regiões; mas os meios me parecem impossíveis de se encontrar e, aliás, pouco úteis. O baixo povo das cidades, os habitantes das províncias, corromperão sempre a língua e farão dela um jargão, como vê-se na Inglaterra, na Alemanha e em Paris.” 72 Pierre Goudelin (1580 – 1649), poeta que compôs obras em provençal. 73 “Estes diversos idiomas regionais são só puros jargões: são verdadeiras línguas, também antigas como a maior parte de nossas línguas modernas; também ricas, também abundantes em expressões nobres e ousadas, em tropes, em metáforas, que nenhuma língua da Europa: as poesias imortais de Godelin são uma prova sem réplica.” Tradução nossa. 74 “Fizemos uma segunda objeção: perguntamos: Os distritos são alemães ou franceses? Respondi através de uma questão: As moças e as mulheres que usam tranças e Schneppenhaubens são menos cidadãs? São menos ligadas a Constituição que aquelas que são penteadas da forma francesa? Perguntaria: são os escritores franceses ou alemães que ensinaram ao povo alsaciano a amar a constituição?” Tradução nossa. 62 ideais revolucionários, pois isto impediria o discurso libertador de se propagar por todo o território francês e desta forma, ser aceito por sua população. Assim, para o abade, seria necessário haver uma campanha civilizatória no território francês e esta começaria com a eliminação das línguas regionais. Logo, este fato é um exemplo do começo dos conflitos linguísticos no país e da hierarquização da língua oficial sobre as línguas regionais, na medida em que a língua francesa standard conseguiu ser imposta e aceita pelos cidadãos franceses como a representante de seu governo e para os políticos franceses ela deveria ser vista como motivadora do ideal de nação desenvolvido pelos mesmos. Desta forma, fora a ferramenta elementar para a propagação do sentimento nacional que deveria ser enraizado na população, como se acreditava no período. Assim, os jacobinos engajaram-se em enfatizar nos documentos organizados pelos mesmos e através de suas reuniões públicas a necessidade de eliminar as línguas regionais para que pudessem ser compreendidos e tornar a nação coerente em discurso e em objetivos comuns, como se acreditava. Esta modalidade oficial de língua, que traria liberdade e adaptação ao novo regime social que se instalava no país, possuía em si um imaginário de língua perfeita, desenvolvida por cerca de dois séculos antes da Revolução Francesa com os intelectuais iluministas e escritores de obras literárias que moldaram, desenvolveram, construíram um ideal de língua que se elitizou a partir da adoção da mesma pela nobreza e por intelectuais burgueses. Com esta valorização e aceitação social vinculada a um ideal de língua perfeita construído por intelectuais, a língua oficial fora usada pelos jacobinos a fim de unificar a nação e deste modo, poderiam usar os argumentos de que o idioma standard seria o mais adequado e o que desenvolveria a nação francesa. A hierarquização da língua oficial sobre as línguas regionais passaria por esta valorização da modalidade standard e na propagada falta de necessidade e atraso social que motivaram a marginalização das línguas regionais dentro do território francês, como veremos no capítulo a seguir. 63 3.3 – O etnocentrismo jacobino vinculado ao embate do “falar bem” e do “falar mal” C’est surtout l’ignorance de l’idiome national qui tient tant d’individus à une grande distance de la vérité: cependant, si vous ne les mettez em communication directe avec les hommes et les livres, leurs erreurs, accumulées, enracinées depuis des siècles, seront indestructibles.75 Grégoire, 1790, p.11. Os movimentos revolucionários franceses do final do século XVIII tinham em si ideais centralizadores de seu poder governamental em sua nação, politicamente e socialmente dizendo, na medida em que os seus representantes políticos formularam leis limitadoras do que seria nacional e excludentes no que tange todos os modos de vida, ideais e formas de expressão que não estivessem de acordo com os seus moldes de cidadania, de idealismo nacional e de sentimento patriótico libertador, como imaginado pelos mesmos. Deste modo, podemos verificar um caráter bastante etnocêntrico nas ações políticas jacobinas, na medida em que encaravam o ideal nacionalista francês como a única solução para os problemas sociais do país e sobretudo, mostravam que este nacionalismo apregoado deveria pertencer a uma população que se submetesse aos seus meios de vida e de estereótipos de cidadania e que todas as formas de organização social que fossem distintas ao que estaria sendo imposto por estes políticos revolucionários, seriam identificadas como expressões de ignorâncias, de corrupção dos indivíduos ou de barbarismos e selvagerias no que tange seus falares, por exemplo. O ideal etnocêntrico jacobino pode ser comparado à definição de etnocentrismo desenvolvida por Tzevetan Todorov em seu livro intitulado Nós e os Outros – a reflexão francesa sobre a diversidade humana (1989), já que mostra a problemática das crenças de superioridade de um grupo de indivíduos sobre os outros que não pertencem aos mesmos regimes de crenças, não possuem bens culturais em comum, nem mesmo na forma de fala não se identificam, na medida em que por não possuírem um status de 75 (...) É sobretudo a ignorância do idioma nacional que põe tantos indivíduos a uma tão grande distância da verdade; entretanto, si você não os coloca em comunicação direta com os homens e os livros, seus erros, acumulados, enraizados depois de séculos, serão indestrutíveis. 64 línguas com escrita standard e com literatura reconhecida, eram rotulados de falares estúpidos, ou supersticiosos, como veremos mais adiante. A partir de uma das definições de Todorov de etnocentrismo poderemos verificar a prática discriminatória jacobina ao que diz respeito aos costumes, crenças, valores e línguas desenvolvidas pelos povos das várias regiões francesas. L’ethnocentrieme est pour ainsi dire la caricature naturelle de l’universalisme: celui-ci, dans son aspiration à l’universel, part bien d’un particulier, qu’il s’emploie ensuite à généraliser; et ce particulier doit forcément lui être familier, c’est-à-dire, em pratique, se trouver dans as culture. La seule différence – mais elle est évidemment décisive – est que l’ethnocentrisme suit la pente du moindre effort, et procede de manière non critique: il croit que ses valeurs sont les valeurs, et cela lui suffit; il ne cherche jamais véritablement à le prouver.76 TODOROV, 1989, p. 27. Este objetivo de ajustamento social e político na nação francesa aos moldes revolucionários de cidadania precisou de símbolos populares que mobilizassem uma grande parte da comunidade francesa e como já observamos, a ideologia do uso da língua nacional, libertadora e perfeita no que tange a organização de argumentos revolucionários, seria a bandeira ideal para a mobilização nacional e a aceitação de tudo o que representasse esse novo período de organização do país. Logo, os indivíduos franceses precisariam engajar-se na empreitada do aprendizado da língua oficial e na conseqüente transformação dos mesmos socialmente em cidadãos franceses, portadores e propagadores do discurso revolucionário e centralizador do Estado em que viviam. Porém, para que este objetivo reformulador da sociedade francesa pudesse ser aceito pela sua população, a estratégia jacobina fora a de organizar imagens de supremacia da língua oficial sobre a realidade linguística milenar de múltiplos falares e visões que os vários grupos instalados no território francês possuíam. 76 “O etnocentrismo é por assim dizer a caricatura natural do universalismo: este, na sua aspiração ao universal, parte de um particular, que se emprega em seguida a generalizar; e este particular deve forçosamente ser-lhe familiar, isto quer dizer, em prática, encontrar-se na cultura. A única diferença – mas ela é evidentemente decisiva – é que o etnocentrismo segue a inclinação do mínimo esforço, e procede de maneira não crítica: ele crê que os seus valores são os valores, e isto basta para ele, não procura jamais verdadeiramente prová-lo.”. Tradução nossa. 65 Este método de menosprezar e depreciar o que era visto como um atraso na sociedade revolucionária francesa, ou como um resquício da desigualdade gerada pelo Antigo Regime, fizera com que se propagassem visões de desprestígio das línguas regionais por todo o território, na medida em que com a sua eventual desvalorização, acreditava-se ser natural a aceitação da língua francesa oficial e a eliminação dos falares regionais, como podemos verificar na carta de resposta do corpo jacobino chefiado por Robespierre ao relatório redigido pelo abade Henri Grégoire ao Comitê de Salvação Pública (Sobre a necessidade de aniquilar os patoás e de universalizar o uso da língua francesa): Comité de Salut public Bureau de l’éxecution des lois Numéro 1349. Numéro 72 Égalité, Liberté À Paris, le 28 prairial, l’an second de La République une et indivisible. Les représentants du peuple, composant le Comité de salut public, à l’agent national près la commune de .... Citoyens, la Convention nationale a senti l’importance d’une loi pour l’enseignement de la langue française aux citoyens des divers pays ou l’on parle des idiomes différents. Dans une République une et indivisible, la langue doit être une. C’est un fédéralism que la variété des dialects: elle fut un des ressorts de la tyranie ; il faut le briser entièrement : la malveillance s’en servirait avec avantage. Le décret du 8 Pluviôse ordonne, en conséquence, le prompt établissement d’un instituteur de langue française dans chaque commune de campagne des départements où les habitants sont dans l’habitude de s’exprimer dans une langue étrangère. Cet instituteur doit, chaque jour, enseigner la langue française et la Déclaration des droits de l’homme à tous les jeunes citoyens des deux sexes ; et, chaque décadi, faire au peuple des lois de la République, en les traduisant vocalement. Mais, en le chargeant de ces fonctions importantes, la loi ne le dispense pas de remplir celles d’instituteur des écoles primaires. (...) Salut et fraternité. Les membres composant le Comité de Salut public, Signé : Robespierre, Billaud-Varenne, Lindet, C.A.Pieur, Carnot, Barère, Couthon, Collot d’Herbois.77 77 “Comitê de Salvação pública Escritório de execução das leis Número 1349. 66 Neste documento escrito pelo Comitê de Salvação Pública, pudemos perceber o imaginário jacobino de superioridade da língua oficial sobre as diferentes formas de fala utilizadas no território francês. Essa hierarquização linguística fora ideologicamente imposta em todas as regiões do país, com o objetivo de centralizar a nação e unificar seus discursos e seus povos. O tratamento que os políticos jacobinos davam às línguas regionais mostrava todo o ideal de soberania e de etnocentrismo vinculado à língua standard desenvolvida pelos filósofos iluministas em outros momentos históricos. As outras formas de fala deveriam ser aniquiladas pelo simples fato de não pertencerem à nação francesa, como podemos verificar também no extrato do documento citado acima: O decreto do 8 Pluvioso ordena, em consequência, o pronto estabelecimento de um instrutor de língua francesa em cada comuna do campo dos departamentos onde os habitantes estão no hábito de se expressarem numa língua estrangeira. Desta forma, podemos verificar que para os representantes do governo jacobino, todas as formas de fala que foram desenvolvidas por vezes em feudos franceses na Número 72 Igualdade, Liberdade Paris, 28 pradial (28 de maio), segundo ano da República una e indivisível. Os representantes do povo, compondo o Comitê de salvação pública, ao agente nacional da comuna de .... Cidadãos, a Convenção nacional sentiu a importância de une lei para o ensino da língua francesa aos cidadãos das diversas regiões onde se fala idiomas diferentes. Em uma República una e indivisível, a língua deve ser uma. É um federalismo a variedade dos dialetos: ela foi um dos motores da tirania ; é necessário quebra-lo inteiramente : a malevolência se servirá disso prontamente. O decreto do 8 Pluvioso ordena, em consequência, o pronto estabelecimento de um instrutor de língua francesa em cada comuna do campo dos departamentos onde os habitantes estão no hábito de se expressarem numa língua estrangeira. Este instrutor deve, a cada dia, ensinar a língua francesa e a Declaração dos direitos do homem a todos os jovens cidadãos dos dois sexos ; e, a cada dia dez, fazer para o povo leis da República, traduzindo-as oralmente. Mas, engajando-o destas funções importantes, a lei não o dispensa de preencher aquelas do instrutor das escolas primárias. (...) Saudações e fraternidade. Os membros componentes do Comitê de Salvação pública, Assinado : Robespierre, Billaud-Varenne, Lindet, C.A.Pieur, Carnot, Barère, Couthon, Collot d’Herbois” 67 Idade Média (como o Provençal ou o Languedociano, dentre outros falares), ou os que vieram com povos de outras regiões européias (como o Bretão ou o Normando, etc.) e se instalaram em territórios franceses por séculos antes dos movimentos revolucionários, não poderiam mais existir como realidade oficial da nação francesa, na medida em que eram vistas como estrangeiras, como barreiras que impediam o progresso do discurso revolucionário. Porém, como podemos verificar em nossos dias, mesmo com todos os esforços jacobinos, não houve uma forma efetiva de pôr em prática esta empreitada lingüística, havendo somente o abade Henri Grégoire e o político Barère como propulsores do projeto linguístico-civilizatório no país. Suas ideias hierarquizadoras das línguas em território francês auxiliaram nos estudos das mesmas, como veremos mais adiante. Assim, podemos observar esta tentativa de depreciar as línguas regionais em território francês em detrimento da supremacia da língua oficial revolucionária da seguinte forma dicotômica: Língua oficial Língua da razão Língua de Estado Língua padrão Língua documentada Língua com escrita padrão Língua nacional Língua da liberdade, das luzes Língua revolucionária Língua da civilidade Língua regional Falar da emoção Forma de fala familiar Falar a ser ignorado e eliminado Língua de tradição oral Língua com alguma escrita não oficializada (ou nenhuma escrita) Falar local78 Falar da ignorância, da estupidez Falar de modos ultrapassados Falar da rudeza, da grosseria As dicotomias que podemos observar no ideal etnocêntrico jacobino de eliminação das línguas regionais e implantação da língua oficial formam o embate social e linguístico vivido pelo povo francês, em que podemos verificar nas visões das línguas regionais como possuidoras de um caráter marcado (Labov, 1972) socialmente, havendo nelas papéis sociais desclassificatórios de suas comunidades de fala, na medida em que seus falantes eram vistos como rústicos ao usarem suas falas centenárias. 78 Percepção de que o conceito de língua estaria ligado ao território onde são encontrados os seus falantes. As línguas seriam territoriais e não pertencentes aos seus grupos de fala, que podem migrar para qualquer local do mundo e levar suas formas de fala. 68 Com isto, as representações sociais que desvalorizavam e marcavam as línguas regionais francesas como inadequadas aos novos elementos identitários da nação que se definia bruscamente, formam o tom da corrida civilizatória de sua população. Civilizar seria para os políticos como o abade Henri Grégoire e o jurista Barère introduzir o discurso revolucionário em todos os meios de aglomeração de pessoas possíveis, com as mesmas transformando-se em propagadoras e defensoras dos ideais da Revolução, na medida em que dominariam a língua libertadora e igualitária. Para os mesmos, isto só se tornaria realidade se houvesse boa vontade dos indivíduos em deixar seus falares “rústicos”, “ultrapassados” e “empobrecidos”. Assim, surgiram nos anos de tentativa de implantação da língua oficial e na idealizada eliminação das línguas regionais, grupos não organizados entre si defensores de seus falares locais (como os bretões, os bascos e os alsacianos), na medida em que achavam que não feriria a existência da nação francesa suas formas de fala e culturas centenárias, além de não quererem eliminar seus modos de vida para transformarem-se em um ideal de indivíduo submisso aos projetos de enquadramento social jacobino e outros que pensavam como o abade Henri Grégoire ao achar ser necessário dar fim aos chamados pejorativamente patoás, pois os mesmos não faziam mais parte do país esclarecido, igualitário e liberal que estava surgindo, como se acreditava. Para tal empreitada linguística, havia a necessidade de valorizar as formas de fala mais rebuscadas e ligadas a essa língua libertadora e inclusiva na sociedade revolucionária. Esta mesma língua standard em suas modalidades oral e escrita era ovacionada por parte da população, na medida em que o discurso revolucionário era difundido pelo território e mostrava um novo caminho social para o país. O culto ao “falar bem” começou a se intensificar e se popularizar, como veremos a seguir. 69 4 – A supremacia social do imaginado “falar bem” no discurso revolucionário: 4.1 – O embate entre a tradição oral e o discurso revolucionário Celui qui a besoin de recourir à un autre pour écrire ou même lire une lettre, pour faire le calcul de sa dépense ou de son impôt, pour connoître l’étendue de son champ ou le partager, pour savoir ce que la loi lui permet ou lui défend ; celui qui ne parle point sa langue de manière à pouvoir exprimer ses idées, qui n’écrit pas de manière à être lu sans dégoût ; celui-là est nécessairement dans une dépendance individuelle, dans une dépendance qui rend nul ou dangereux pour lui l’exercice des droits de citoyen.79 Condorcet, 1792, p.30. O discurso revolucionário, em sua totalidade, oriundo das leituras e das reflexões em grupos sociais intelectualizados, fora desenvolvido e propagado por indivíduos com acesso aos textos filosóficos dos séculos XVII e XVIII (como já verificamos neste trabalho de tese) e aos manifestos escritos que difundiam os ideais revolucionários. Os seus representantes acreditavam que possuíam o direito de impor seus discursos e seus modos de vida vinculados ao ideal revolucionário de enquadramento nacional em todos os grupos que não estivessem expostos aos seus textos, aos seus projetos de leis e suas exposições orais e escritas de suas falas revolucionárias deveriam criar nestas comunidades a motivação necessária para lutarem junto com os detentores desta alocução libertatória, como se acreditava. Sendo assim, este discurso revolucionário, intelectualizado e expresso por sujeitos letrados em sua grande maioria, seria enquadrado como contrário aos elementos vinculados à tradição oral em território francês. Esta tradição oral que trazia em si os discursos históricos, os costumes, as condutas, as lendas, a cultura de povos sem escrita estandardizada e sobretudo, suas formas de fala que se desenvolviam com seus povos na 79 “Aquele que tem necessidade de recorrer à outra pessoa para escrever ou mesmo ler uma carta, para fazer cálculo de sua despesa ou seu imposto, para conhecer a extensão de seu campo ou separar, para saber o que a lei permite ao mesmo ou o interdita, aquele que não fala sua língua de maneira a poder expressar suas ideias, que não escreve de maneira a ser lido sem aversão; aquele está necessariamente numa dependência individual, numa dependência que o torna nulo ou perigoso para ele próprio o exercício dos direitos de cidadão.” Tradução nossa. 70 medida em que variavam naturalmente de grupos de determinada localidade para outros estabelecidos em territórios distintos, ou seja, de comunidades para comunidades. E internamente, encontravam-se variações nessas comunidades de fala em suas realidades orais, como é inato em grupos de indivíduos que mesmo possuindo escritas oficiais para seus falares, como no caso do francês oficial que possuía variações nas formas nobres e burguesas na época revolucionária, de modo que a forma de fala do segundo grupo citado neste parágrafo para o fonema que representava a realidade fonética do som [wa], encontrado em palavras francesas como bonsoir [bɔswar] ou mesmo em bourgeois [burʒwa], recebiam uma carga sonora diferenciada entre os nobres que as pronunciavam desta maneira [bɔsoir] e [burʒoir] (Guisan, 2005). Formas pelas quais se distinguiam a elite com seu falar imaginariamente ilustre e os burgueses, que impuseram suas formas de oralidade eliminando as maneiras nobres de realização sonora no discurso revolucionário. Desta forma, podemos observar que as formas de fala tornam-se dinâmicas e acompanham as mudanças de suas sociedades, ou seja, estes sujeitos aglomerados socialmente por um sentimento identitário que os une e os diferencia imaginadamente dos outros grupos são aptos a adequarem-se em todos os seus momentos naturalmente às mudanças temporais – falares do período chamado de Idade Média, da Renascença, etc. - e físicas – falares do território de nomeação oc ou oïl (que estudaremos mais a frente em nossos trabalhos), falares do grupo de fala Provençal, Basco, Catalão, o Corso, o Alsaciano, o Loreno, o Flamando, etc. – que se enquadram na categoria das comunidades de tradição oral de suas formas de comunicação. Logo, estes discursos contêm variações internas bastante significativas, na medida em que não possuem a força limitadora da oficialidade de suas línguas regionais, seja na escrita ou na fala moldada pela mesma escrita que a enquadra e a reduz ao domínio do standard ou do padrão. Estes discursos orais eram transmitidos de geração para geração e com o advento dos ideais centralizadores revolucionários, foram vistos como atraso para a implantação dos interesses nacionais, na medida em que como se acreditava, poderiam deixar um número enorme da população fora da nova forma de concepção social e política do país. Acreditava-se que o uso de outras línguas poderia impedir o progresso nacional que a unidade de discurso oriunda do emprego da língua oficial, porém, nem essa crença posta em prática através de suas leis impositivas conseguiram eliminar o que tradicionalmente 71 acompanha várias comunidades de fala por séculos. Com isto, suas tradições orais mantiveram-se presentes em suas vidas, mas de forma marginalizada em detrimento da padronização linguística que o país estabeleceu para ornar-se uma nação. Com isto, observaremos este ideal de tradição da oralidade na França a partir dos estudos desenvolvidos por Calvet (1984), na medida em que o autor, ao estudar as falas seculares de populações do continente africano, da Ásia ou da América Latina depara-se com a desvalorização destas tradições de comunidades seculares, que passam seus falares e suas histórias faladas de geração a geração, mantendo, mas que diante das comunidades que se enquadram nos moldes de civilizadas – com escritas e línguas estandardizadas, possuidoras de um Estado-nação consolidado e acima de tudo, poderes políticos e sociais sobre outros grupos reprimidos. Podemos observar a definição do sociolinguista citado sobre as sociedades de tradição oral em comparação às de tradição escrita: Les sociétés de tradition orale : (...) l’absence de tradition écrite ne signifie nullement absence de tradition graphique : dans bien des sociétés de tradition orale il existe une picturalité vivace, dans les décorations de poteries et de calebasses, le tissage, les tatouages et les scarifications, etc., mais si sa fonction n’est pas, comme celle de l’alphabet, de noter la parole, elle participe cependant à maintenir la mémoire sociale. 80 CALVET, 1997, p. 14. Deste modo, as comunidades de fala das línguas regionais na França, conservavam suas formas de oralidade em canções, lendas, anedotas, jogos, etc., de forma espontânea como todos os meios culturais não padronizados o são. Porém, com a obrigatoriedade de aprender um novo idioma e enquadrarem-se no molde de cidadão que estaria sendo imposto pelos governantes, suas espontaneidades passaram a ser discriminadas, na medida em que as leis de proibição de seus usos foram se propagando pelo país. 80 “As sociedades de tradição oral: (...) a ausência de tradição escrita não significa de modo algum ausência de tradição gráfica: em muitas sociedades de tradição oral existe uma picturalidade vivaz, nas decorações de potes e cabaças, o tecido, as tatuagens e as escarificações, etc., mas se sua função não é como aquela do alfabeto, de anotar a fala, ela participa, entretanto na manutenção da memória social.” Tradução nossa. 72 Para os sujeitos revoltosos, tudo o que fosse contra seus objetivos de centralização nacional e política, seria contra propriamente ao movimento revolucionário, na medida em que se não houvesse grande adesão aos seus projetos e redefinições do contexto social do país, acreditavam que poderia haver contra-revoluções fortíssimas de grupos portadores de sentimentos identificatórios diferenciados. Estas contra-revoluções imaginadas poderiam vir dos falantes de outras realidades de línguas e de culturas distintas instalados no território francês, que possivelmente, poderiam atrapalhar os ideais nacionalistas inovadores e construtores do Estado-Nação centralizado que se implantava, se os revoltosos não agissem de forma concreta ao espalhar e popularizar as conquistas sociais obtidas. A população deveria possuir – imaginadamente – um sentimento de segurança efetiva de estarem incluídos nas mudanças sociais oriundas da Revolução Francesa, já que poderiam não se sentir identificados com os novos formatos de aparência e de comportamento a fim de serem considerados cidadãos franceses portadores e difusores do discurso revolucionário. Nesse sentido, as falas distintas e tradicionais empregadas por uma grande maioria da população chamadas pejorativamente de “patoás” seriam vistas como bloqueios aos novos ideais revolucionários, na medida em que, para os representantes do novo sistema de governo, não possibilitavam uma maior circulação dos discursos revolucionários, além de uma maior aceitação às leis votadas e aceitas pela Assembleia Nacional Constituinte – com os representantes jacobinos formulando os caminhos para uma nova composição de grupo social, todos unidos por um ideal comum: o de ajudar na criação de um país centralizado e igualitário em sua concretização das leis criadas pelos mesmos -, também de não permitirem, como se imaginava no período, uma melhor adequação dos indivíduos franceses ao que se esperava dos mesmos: deveriam ser esclarecidos para terem acesso às novas leis, possuir o domínio do discurso revolucionário a fim de divulga-lo e aceita-lo. Para isto, os membros jacobinos como o abade Henri Grégoire e Condorcet acreditavam que deveria haver uma eliminação de todas as formas distintas de fala, as de caráter marcado – termo utilizado por Labov (1972) para enquadrar as formas de fala não aceitas em uma determinada sociedade, na medida em que sua população possui uma forma padrão e normatizada a ser seguida a fim de existir um imaginado enquadramento social -, pois as mesmas não estariam contribuindo, como era acreditado pelos revolucionários, para o desenvolvimento da nação francesa portadora do discurso centralizador e da língua perfeita e libertadora que todos os cidadãos franceses deveriam 73 ter domínio para estarem representando todas as conquistas adquiridas com os movimentos desenvolvidos pela Revolução. Com isto, acreditava-se não haver mais lugar para as línguas regionais na nação Francesa, pois o ideal de “falar bem” estaria ligado supostamente ao discurso da Revolução, vinculado, obviamente à imaginada e imposta língua nacional com seus símbolos de novo formatos social de indivíduos. O “falar bem” oriundo do domínio desta modalidade de língua estaria discriminando e afastando grupos não possuidores desta forma de fala dos que a possuíam – o que os tornava aceitos socialmente no mundo do trabalho, da política, nos meios coletivos em geral –, na medida em que os rotulavam de “falantes de jargões grosseiros”, de “patoás” – termo pejorativo e classificatório de falar marginalizado – ou “remanescentes do federalismo da monarquia”. “Falar mal” seria enquadrar-se num ambiente imaginário e social de desacordo com a comunidade nacional que o sujeito estaria inserido, não seria representado pelos movimentos populares de mudança social e política do país, já que os indivíduos falantes destas modalidades de comunicação não poderiam pronunciar-se oficialmente em suas línguas maternas para fazerem parte dos discursos revolucionários. Assim, verificamos que a diglossia na França que surgiu nos movimentos revolucionários popularizou o ideal de fala perfeita vinda do imaginário Iluminista e adotado pela sua corte, na medida em que se tornou fala revolucionária e permitiu a contestação do status quo desenvolvido havia séculos. Este ideal de “falar bem” do discurso revolucionário possui em si uma ligação direta com a escrita estandardizada da sua língua padrão, como observaremos mais adiante. 4.2 – O papel da escrita estandardizada no imaginário do “falar bem” Jean Molino81 a rappelé que la notion de tradition orale venait de l’athmosphère 81 Autor citado por Louis-Jean Calvet (1997), em seu livro La tradition orale (A tradição oral). Cita este autor em seu trabalho intitulado: Qu’est-ce que la tradition orale? (O que é a tradição oral?), que fora 74 intellectuelle du romantisme européen du début du XIXe siècle, et cette origine, avec l’opposition qu’elle suppose entre l’art populaire et l’art raffiné, explique peut-être ce mépris latent pour les sociétés sans écriture.82 CALVET, 1997, p.32. Os ideais que motivaram as imagens de língua perfeita representante de uma nação livre e centralizada de forma igualitária foram bastante difundidos nos discursos revolucionários, tanto em sua forma escrita como na sua forma oral moldada pela mesma escrita padronizada, como no discurso influenciado pelos documentos oficiais, propagandas engajadas nos movimentos ou pela imprensa revolucionária, responsáveis pela popularização dos objetivos governamentais e sociais do grupo revoltoso. Deste modo, na citação de Calvet (1997) acima, podemos verificar que essas convicções sobre a língua padrão oficializada em todo o território francês, através dos decretos emitidos e divulgados pelos revolucionários, foram aceitas como ferramentas fundamentais na tentativa de construção de Estados Nações centralizados no mundo inteiro, ou mesmo no questionamento dos sistemas governamentais opressores da época, como vimos na Inconfidência Mineira que ocorreu em 1789 em nosso país, ou na Inconfidência Carioca83 em 1794, movimentos cujo objetivo era o de ideologicamente libertar o Brasil da colonização portuguesa, mostrando que os ideais revolucionários de questionamentos políticos e ações efetivas de modificação do sistema social foram propagados ideologicamente em sociedades distintas, sobretudo em países europeus que procuraram enquadrarem-se na ordem burguesa de gestão de seus países, nos séculos seguintes à Revolução. Essas influências revolucionárias tornaram-se estimulantes para as transformações mundiais que culminaram nas ideologias nacionalistas do começo do século XIX em apresentado em comunicação no Colóquio: “La pratique de l’anthropologie aujourd’hui” (A prática da antropologia hoje), Sèvres, 1981. 82 “Jean Molino lembrou que a noção de tradição oral vem da atmosfera intelectual do romantismo europeu do começo do século XIX, e esta origem, com a oposição que ela supõe entre a arte popular e a arte refinada, explica este desprezo latente pelas sociedades sem escrita.” 83 Movimento mais literário que atuante em manifestações ou lutas sociais propriamente ditas, pois seus representantes eram intelectuais que se uniam a fim de discutir e desenvolver em nosso país as ideias revolucionárias originadas na França do século XVIII. Fora reprimida pelo governo colonial português a fim de não proporcionar à população brasileira outra forma de começar movimentos contestadores de seu poder e, assim, conseguir obter modificações sociais como as obtidas pelos franceses revolucionários inspirados pelos intelectuais iluministas. Vemos ai mais uma vez o poder da escrita na divulgação de ideais contestadores e nas suas formulações. 75 diante quando as nações buscaram centralizarem-se como a Francesa, seja administrativamente, seja economicamente, seja linguisticamente, etc. Estes ideais nacionalistas vinculados ao padrão de desenvolvimento de um discurso libertador oriundo de uma língua imaginadamente perfeita foram propagados primeiramente no século XVIII durante a Revolução a partir dos textos impressos em jornais e panfletos que proliferaram de forma surpreendente durante o período revolucionário. A língua oficial francesa divulgada nestes jornais seria vista simbolicamente como chave para a libertação de seu povo e para isto, a mesma população deveria deixar suas formas de vida, costumes, história e suas línguas centenárias para enquadrarem-se nos moldes dos cidadãos revolucionários portadores e divulgadores de seu discurso libertador, como era imaginado. Para tal empreitada, a escrita deveria ser popularizada, ou seja, tornar-se acessível e conhecida por todos os cidadãos franceses que a difundiriam da mesma forma que a respeitariam como representante de suas falas. Logo, os jornais revolucionários colocaram o discurso questionador oriundo das reflexões de seus representantes a partir de suas leituras filosóficas mais próximas de sua população, porém a mesma necessitava estar disposta a adaptar-se ao ideal do “falar bem” ao utilizar a língua padrão, na medida em que a mesma em sua grande totalidade não possuía letramento, além de serem portadores de modalidades de línguas orais seculares que os definiam como grupos sociais e os representavam. Mas, o ideal revolucionário de transformações na sociedade francesa exigia destas mesmas comunidades de fala das línguas regionais uma adequação aos novos moldes de discurso – vinculado ao imaginado meio libertador e integratório do controle do “falar bem” moldado através do domínio da escrita padrão – e de língua oficial para, desta forma, poderem compreender, cooperar e divulgar o discurso revolucionário, assim, as mídias impressas poderiam atingir sua população de todas as regiões do país. Desta forma, no que tange a aparição do ideal de “falar bem” através da língua padrão moldada pela escrita standard divulgada nas mídias impressas, podemos verificar a proliferação de jornais que se popularizavam em várias partes do território, como: O Amigo dos cidadãos – L'Ami des citoyens, que tinha como responsável JeanLambert Tallien (1767 – 1820); O amigo das leis - L'Ami des lois, cujo diretor era François-Martin Poultier (1753 – 1826) ; O amigo do povo - L'Ami du peuple, em que o polêmico Jean-Paul Marat (1743 – 1793) objetivava denunciar os privilégios da elite e as injustiças contra a população, defendendo reformas sociais a fim de auxiliar e valorizar as camadas tidas como inferiores até então em seu país; dentre outros jornais 76 que possibilitaram o começo da popularização da escrita em língua oficial, mesmo que a grande maioria das comunidades de fala das línguas regionais não tivessem acesso aos mesmos pois eram iletradas, possuíam somente a fala em língua regional para se comunicarem. Estes jornais e muitos outros conseguiram motivar uma grande parte da população para que a mesma pudesse tentar ao menos conhecer o discurso revolucionário em língua oficial. O grande problema a ser enfrentando pelos revolucionários seria alfabetizar toda a sua sociedade e para isto, acreditavam que o meio mais eficaz de difusão e aceitação do discurso revolucionário seria a aniquilação de suas línguas regionais e a consequente imposição do idioma oficial, para assim haver uniformidade de ideais, além de homogeneidade de argumentações, e acima de tudo, haver cooperação com a nova forma de gestão pública. Este fato de haver um engajamento cada vez maior de indivíduos motivados ao jornalismo, aproveitando-se da imprensa livre que o momento revolucionário proporcionou cooperou para a divulgação do ideal de “falar bem” vinculado ao pronunciar discursos na forma como se escreve, ou seja, moldar os enunciados orais pela forma minuciosa e elaborada racionalmente da modalidade escrita da língua padrão. Para verificar esta ideologia de representação das falas delineadas e imageticamente perfeitas dos indivíduos intelectualmente conhecedores do discurso revolucionário, além dos mesmos serem socialmente aceitos como portadores deste discurso por serem letrados, observaremos o texto de Meschonnic (1997) sobre a língua da conversação: (...) Un fait de société. La société des salons depuis le début du XVIIe siècle. La préface des 1835 au dictionnaire de l’Académie, plus empirique, disait qu’il y a des temps où « les conversations ressemblent aux écrits; et les écrits ne sont souvent que des conversations. La fin du dixhuitième siècle tendait vers ce niveau des esprits. Nous nous en sommes encore plus rapprochés : c’est la civilisation.84 » MESCHONNIC, 1987, p.150. 84 “(...) Um fato de sociedade. A sociedade dos salões desde o começo do século XVII. O prefácio de 1835 do dicionário da Academia, mais empírico, dizia que há tempos em que ‘as conversações assemelham-se aos escritos; e os escritos são frequentemente conversações. O fim do século dezoito tinha tendência por este nível de raciocínios. Nós estamos mais próximos dele: é a civilização. ’” Tradução nossa. 77 A representação dos indivíduos portadores do discurso revolucionário, dominadores da ferramenta essencial para esta característica que é chamada de francês oficial e perfeitamente adaptados ao status de cidadãos da nação francesa que surgia, foram considerados civilizados, na medida em que imaginadamente ao serem comparados aos sujeitos das comunidades das línguas regionais, que não eram familiarizados com a forma escrita de comunicação, nem com a língua oficial de seu país, eram socialmente aceitos nos moldes de membro do Estado Francês que surgia. Logo, não havia espaço social para multiplicidade de modos de vida, nem de variedades de formas de fala, mesmo que estas línguas regionais fossem plenas de riquezas culturais, com cantigas, lendas, histórias de seus povos, imaginários de mundos, anedotas, trovas, piadas, jogos, expressões de representações de si mesmos, etc. Seus sujeitos falantes deveriam obrigatoriamente abandonar todas as suas maneiras de vida e seus capitais culturais85 (Bourdieu, 2001) para assumir uma outra identidade imposta: a de cidadãos franceses, pois o nacionalismo que estaria se desenvolvendo com os movimentos revolucionários, requeria modelos de indivíduos padronizados nos moldes do imaginário de pessoas defensoras de sua nação, aceitando e propagando o discurso revolucionário através do domínio da língua oficial e nacional, não importando se para isto deveriam tentar aniquilar o que fazia parte dos seus arcabouços de valores culturais, intelectuais e identificatórios que possuíam. Este ideal de indivíduos dominadores do discurso revolucionário passaria por um empecilho muito significativo: o de que não seria algo imediato alfabetizar toda a população francesa e, além disso, nem todos os grupos estariam dispostos a abandonar o que os definiam para seguir um ideal de sociedade mostrada como libertadora. Os ideais sobre sua cultura e sobre si mesmos eram marcados em sua sociedade, e com os movimentos revolucionários, as comunidades de fala das línguas regionais foram enquadrados como cidadãos a serem civilizados com o imaginário de desembaraçar os mesmos das garras da tirania da “ignorância” ao qual foram submetidos por tantos séculos na antiga forma de gerir a sociedade com a monarquia. 85 Segundo o cientista social Pierre Bourdieu, as sociedades são divididas em classes distintas pelos seus capitais econômicos – quanto possuem de valores econômicos acumulados por suas famílias no decorrer do tempo e quanto podem possuir mais deles – e capitais culturais – o que seus grupos familiares trouxeram de acesso intelectual, artístico e cultural para seus convívios e que seus descendentes podem utilizar para manterem-se no topo ou na base do quadro social do qual fazem parte –. Estes capitais são o que hierarquizam e classificam os membros e os grupos de uma sociedade, que ao distinguir seus membros sociais, os definem e os separam, proporcionando, desta forma, desigualdades em acessos e valores destes mesmos capitais. 78 O “falar bem” moldado pela escrita padrão deveria ser popularizado, na medida em que as leis deveriam ser aceitas e cumpridas em todo o território e também para evitar contra-revoluções, como os revoltosos acreditavam, pois tinham receio de haver ameaças às suas formas de poder. A língua oficial seria mais um meio de oprimir as comunidades que não a compreendessem. Logo, a proliferação de mídias escritas como observamos mais acima com os jornais pôde criar um ambiente de motivação no que tange o aprendizado da língua oficial nas comunidades que utilizavam as línguas regionais como forma de comunicação espontaneamente. Deste modo, havia também propagandas de mobilização popular com motivos revolucionários que chamavam a atenção do povo através dos seus símbolos populares e mostrados aos indivíduos com os lemas e símbolos revolucionários que incitavam nas comunidades o imaginário de solução para todos os problemas sociais que os sujeitos franceses passavam. Estes símbolos compunham o discurso revolucionário juntamente com as suas palavras de ordem, como: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, as cores revolucionárias que formaram a bandeira do Estado Democrático Francês, os sansculottes representados para tornar mais popular o movimento, as mulheres atuantes nas manifestações, o chapéu revolucionário, a desmistificação do poder e do prestígio da realeza e do rei, dentre outros símbolos que possibilitavam a exortação de seu povo para seguirem as novas formas de gestão social através das ideologias burguesas, o conhecimento do discurso revolucionário e a aceitação da língua oficial. Assim, com a propagação de textos desenvolvidos pelos revolucionários a fim de efetivar suas imaginadas conquistas sociais, o francês oficial conseguiu chegar de forma efetiva a comunidades que nunca antes tiveram acesso ao seu formato escrito, nem a sua modalidade oral modelada pela escrita padrão mostrada pelos representantes dos movimentos, mesmo que os mesmos não tivessem conhecimento direto do que estavam sendo informados através dos jornais, propagandas e periódicos que se multiplicaram na época. Estes sujeitos estavam a partir destes eventos impelidos a começarem um movimento de adequação ao uso do ideal de língua oficial que estava sendo mostrado através do discurso revolucionário. A hierarquização do “falar bem” conseguiu através dessa multiplicação de mídias impressas em língua padrão, a popularização do discurso oficial, mas ao mesmo tempo, conseguiu discriminar de forma negativa o uso das línguas regionais e todos os valores culturais que as mesmas conseguiram coletar de forma espontânea durante séculos. 79 4.3 – O oficial e o popular, o sério e o lúdico, o moldado e o espontâneo La « langue populaire » est surtout caractérisée par son vocabulaire. Ce vocabulaire est très varié. Molière, qui fit ses études au collège de Clermont, se montre, quand il s'agit de mots « populaires », très réservé. Il s'est bien gardé d'employer le mot de «mazille»; Richelet (1680) marque le mot d'une croix (de mauvais augure) et précise : « Ce mot signifie de l'argent, mais il est bas et ne s'écrit guère, même dans le style le plus comique ».86 Charles, 1957, p. 238. Et comme le jurisconsulte87 Capito pour lui complaire eût dit que ce mot était bon latin, et que bien qu’il ne le fût qu’il le deviendrait s’il plaisait à César, alors se levant un certain grammairien, non non, dit-il, César, tu as bien la puissance de donner droit de bourgeoisie et lettres de naturalité aux hommes, mais tu ne saurais naturaliser un mot.88 Merlin-Kajlan, 2002, p.121. Na construção do pensamento humano que se compreende como civilizado, vemos claramente as representações de classificação do que seria sério, oficial, padrão, aceito, paradigmático, normal, modelo, base, etc. como elementos de aceitação numa sociedade em que seus grupos dividem-se em detentores do poder de ditar estas 86 “A ‘língua popular’ é sobretudo caracterizada pelo seu vocabulário. Este vocabulário é muito variado. Molière, que fez seus estudos no colégio de Clermont, mostra-se, quando se trata de palavras ‘populares’, muito reservado. Ele preservou-se de empregar a palavra de ‘mazille’; Richelet (1680) marca a palavra com uma cruz (de mau agouro) e indica: ‘Esta palavra significa dinheiro, mas ela é baixa e não deve ser escrita, mesmo num estilo mais cômico’.” Tradução nossa. Mazila trata-se de uma região francesa situada no departamento de Saône-et-Loire. Onde se pode encontrar variantes regionais da seguinte denominação: o burguinhom, o franco-contoá, a língua do jura e o romando. Mas, logicamente, as línguas e suas variantes estão vivas com os grupos, não pertencem ao território propriamente dizendo, ou seja, seus falantes e os utilizadores de outras formas de comunicação podem atravessar este local e praticar suas línguas entre si. 87 Jurisconsulto é o indivíduo conhecedor das leis e cuja profissão é dar pareceres sobre assuntos jurídicos. Na anedota acima podemos verificar que o jurisconsulto chamado Capito foi responsável por um desvio das leis que defende somente para assegurar a força da palavra do imperador romano. O que nos mostra que o considerado aceito em língua oficial passa por critérios arbitrários, ou seja, seguem a direção dos desejos inerentes aos sujeitos detentores de algum poder de mando e de prestígio socialmente admitidos por algum (ou alguns) grupos de pessoas que se identificam entre si e com estes mesmos governantes. 88 “E como o jurisconsulto Capito para lhe agradar tinha dito que esta palavra era do bom latim, e que embora ela não o seja, ela tornar-se-ia se a César agradasse, então se levanta um certo gramático, não, disse ele, César, tu sabes bem o poder de dar direito de cidadania e letras de naturalidade aos homens, mas não saberia naturalizar uma palavra.” Tradução nossa. 80 normas representativas e em coletividades que são coagidas a aceitar estes meios de organização social, deixando suas formas de viver em comunidades, de fazer suas festas, de falar suas línguas, de construir suas artes e histórias para serem feitas de maneira marginalizada, ou seja, suas criatividades e espontaneidades são tolhidas ao serem julgadas como de menor valor social em comparação ao que é visto como oficial. Vemos também a construção socialmente do que seria marginal, popular, não aceito, desvalorizado, jocoso, grosseiro, de caráter marcado (Labov, 1972) ou até mesmo, cômico e lúdico89, na medida em que nestes mesmos grupos de indivíduos que se consideram mais civilizados em comparação com os outros de menor força social ao serem submetidos pelos primeiros, há a construção de um ambiente coletivo de imposição do que seria adotado pelos seus grupos e a consequente perseguição de tudo o que poderia trazer marcar identificatórias diferenciadas em seus indivíduos. Estas marcas diferenciadas poderiam ser vistas como representações que os distinguiriam neste âmbito social, o que para os revolucionários tornaria todo tipo de centralização governamental algo inatingível, pois para tal empreitada unificadora de sua nação, haveria a necessidade de incluir os sujeitos nos ideais de características e fatores culturais formulados como aceitos. Logo, o que seria nacional, unificador e representatório dos mesmos, deveria ser encarado com seriedade no que tange sua aceitação imposta e para tal, tudo o que fosse visto como fora deste ideal seria considerado como transgressor, ou mesmo seus indivíduos seriam considerados como defensores da antiga forma de governo e de sua incapacidade em gerir com a imaginada igualdade exigida pelos revoltosos todas as partes de seu território. Estas representações sociais sobre o falar da população foram desenvolvidas ao longo de séculos, porém, não havia um nível discriminatório tão elevado quanto o encontrado no período da Revolução Francesa e nos séculos seguintes, pois as línguas regionais ou os falares dos serviçais eram considerados cômicos ou lúdicos, mas não era alvo de marginalizações e tentativas de eliminação, já que os mesmos auxiliavam na distinção de seus sujeitos e na hierarquização de seu povo. 89 O termo “lúdico” originar-se-ia da palavra latina ludibrium – traduzida em francês por une farse (uma farsa) e em português como algo ridículo, zombaria, brincadeira de mau gosto, ou originária do verbo ludibriar - e/ou de ludus – jogo, brinquedo -. 81 Com isto, desde a criação da ideia de coletividade francesa como podemos verificar em obras literárias90, ou anedotas e histórias jocosas em que os personagens que representavam a população – os chamados paysans (agricultores, habitantes e trabalhadores do campo, ou pode ser traduzido com o uso pejorativo, como caipira, roceiro, etc.), os bourgeois (burgueses, que foram bastante discriminados durante os períodos intitulados de Idade Média e Renascença por sua proximidade com a elite e não possuir os mesmos modos de vida, além dos privilégios), além dos empregados, servos e prestadores de serviços dos castelos e/ou das moradias dos privilegiados -. Formas de denominações usadas para que a elite pudesse distinguir-se de seu povo impondo-se e sentindo-se superior, tanto por ocupar uma parte privilegiada da hierarquia social, como por sua forma de fala ser considerada requintada em comparação as maneiras populares de realização linguística: de um lado, estavam as variantes da língua oficial e de outro estavam as línguas regionais, que com o adjetivo de “patoás” (patois) foram mais marcadas em sua sociedade. Desta forma, podemos verificar as representações do que era considerado popular, como observaremos a seguir no artigo de Bruneau (1957). L'adjectif « populaire » s'applique aussi à des « productions » d'un caractère tout différent. Dès le moyen âge, dans certaines oeuvres littéraires, l'auteur introduit des personnages dont le parler est tout à fait différent de celui de l'auteur : qu'il me suffise de citer les oeuvres théâtrales d'Adam de la Halle, le Jeu de la Veuillée et le Jeu de Robin et Marion. — En particulier, les 90 Autores como Jean-Baptiste Poquelin, o chamado Molière (1622-1673), dramaturgo e ator oficial da corte do rei Luís XIV foram bastante representativos no que tange a propagação do imaginário de língua regional como elemento cômico no teatro. Em suas peças, personagens que representavam sujeitos da população (serviçais, burgueses, camponeses, etc.) expressavam-se com termos de caráter marcado (Labov, 1972) da língua oficial, ou mesmo com suas variantes regionais, que eram utilizadas com o objetivo de fazer rir a platéia de nobres. Porém os falares populares não eram mostrados como ridículos ou marginalizados como foram enquadrados a partir do período revolucionário, os personagens que possuíam estas formas de fala eram representados como portadores da razão para os protagonistas, como podemos verificar na figura de Nicole, serviçal do burguês que queria se tornar um fidalgo na peça intitulada Le Bourgeois Gentilhomme (1670). Também fazia rir com os falares dos representantes da elite, que se expressavam de maneira bastante marcada também, na medida em que encaravam os seus falares como pomposos ou distintos dos expressados pelos populares deste momento histórico, como podemos observar na obra chamada Les Précieuses Ridicules (1659), em que observamos o elemento cômico nas falas das personagens principais. Desta forma, podemos verificar também que suas peças de teatro foram inspiradas na Commedia Dell’arte italiana em que os atores mascarados improvisavam as comédias que eram fundamentalmente ingênuas no que tange seus assuntos tratados, ou seja, tentavam retratar com humor a vida cotidiana do século XVI em diante. 82 oeuvres de Plaute, étudiées dans les universités, offraient des modèles bien caractéristiques.91 Charles, 1957, p. 249. Logo, estas representações das falas regionais foram perpetuadas de forma extrema no período revolucionário, em que verificamos o ideal de liberdade envolto por um esquema bastante simbólico de representatividades ditas populares e dentro destas visões, podemos observar que a língua oficial – percebida e imposta como a transformadora de seus indivíduos falantes, na medida em que poderia enquadra-los em um imaginário de seriedade, de aceitação e de cidadania no que tange seu enquadramento em sua sociedade – tornou-se efígie da Revolução ao ser evidenciada como modelo de fala e de escrita próprias dos sujeitos libertos dos padrões de compreensão de mundo até então conhecidos. Os mesmos deveriam desta forma abandonar todas as formas de visão de mundo que possuíam e suas maneiras de interpreta-lo através de suas falas em línguas regionais, consideradas mais ainda no momento revolucionário como lúdicas, cômicas, dentre outras formas de pejora-las a fim de eliminar suas atuações consideradas inadequadas de suas comunidades de fala na nação que surgia com sua nova elite. A nova elite que surgia incorporou a ridicularização das línguas regionais na medida em que para tornar suas falas, seus discursos e seu poder de mando superior, não poderia haver múltiplas vozes e interpretações para seus atos. A população poderia e deveria ter voz socialmente, mas em língua oficial, padronizada e com o entendimento de seu discurso revolucionário. Logo, a adoção da continuidade na violência exercida contra as comunidades de fala das línguas regionais fora acentuada pelos revoltosos e consequentemente, governantes. Como veremos na citação adiante, o que era considerado popular continuava a ser representado da seguinte forma no Dicionário da Academia Francesa do ano de 1798: (...) la cinquième édition du Dictionnaire de l'Académie (1798) ne modifie guère la rédaction traditionnelle de l'article populaire : « Qui est du peuple, qui concerne le peuple, qui 91 “O adjetivo “popular” aplica-se também as “produções » de uma maneira bem diferente. Desde a Idade Média, em certas obras literárias, o autor introduzir uns personagens cujo falar é notadamente diferente daquele do autor: basta-me citar as obras teatrais de Adam de la Halle, o Jeu de la Veuillée e o Jeu de Robin et Marion – Em particular, as obras de Plauto, estudadas nas universidades, ofereciam modelos em característicos.” Tradução nossa. 83 appartient au peuple. Emeute populaire. Erreur populaire. Façon de parler populaire. Préjugés populaires. Expression populaire, etc. »92 Charles, 1957, p. 201. Desta forma, o considerado adaptável socialmente à nação francesa no que diz respeito aos fenômenos linguísticos a partir do momento revolucionário fora pela representação da unidade social, ou seja, na centralização de seu governo e de suas maneiras de definir os indivíduos como cidadãos portadores imaginadamente do discurso revolucionário e de suas leis – o que os definiriam como representantes da seriedade dos novos meios de encarar a população como atuante no país que fazia parte e ao mesmo tempo, distanciá-la-ia das visões de mundo que a distinguiam diante de tantas outras formas de representatividade encontradas em seu continente -. As línguas regionais deveriam representar para seus falantes, algo ultrapassado, não valoroso, não significativo, não respeitável, enfim tudo o que poderia taxá-las de lúdicas, jocosas, ignorantes, grosseiras, etc. Estas visões que tornaram a representatividade destas línguas regionais foram desenvolvidas e impostas aos cidadãos franceses e com isto, mesmo os falantes das mesmas passaram a acreditar nesta visão, aceitando a marginalização de suas línguas a partir da Revolução. A visão desta verdade criada pelos discursos e as leis revolucionárias fora acatada de alguma forma, e seus indivíduos falantes das línguas regionais passaram a encarar suas formas de fala de outra forma. Como podemos verificar nos estudos de Schopenhauer (2011), o mundo como representação do que se acredita torna-se a verdade dos seus visionários: Nenhuma verdade é portanto mais certa, mais absoluta, mais evidente que esta: tudo o que existe, existe para o pensamento, isto é, o universo inteiro apenas é objeto em relação a um sujeito, percepção apenas, em relação a um espírito que percebe. Em uma palavra, é pura representação. Esta regra aplica-se naturalmente a todo o presente, a todo passado e a todo futuro, àquilo que está longe, tal como àquilo que está perto de nós, visto que ela é verdadeira para o próprio tempo e o próprio espaço, graças aos quais as representações particulares se 92 “(...) a quinta edição do Dicionário da Academia (1798) não modifica a redação tradicional do artigo popular: “Quem é do povo, o que vem do povo, quem faz parte do povo. Manifestação popular. Erro popular. Maneira de falar popular. Preconceitos populares. Expressão popular, etc.” Tradução nossa. 84 distinguem umas das outras. Tudo o que o mundo encerra ou pode encerrar está nesta dependência necessária perante o sujeito, e apenas existe para o sujeito. O mundo é portanto representação. Schopenhauer, 2011, p. 27. O lúdico (ideia do que se faz rir, ou seja, de piada, do ridículo) e o popular são formas espontâneas de interagir socialmente com o mundo que cerca os indivíduos e desta maneira, as línguas regionais na França são naturalmente formas de fala surgidas dos convívios de comunidades seculares que tiveram seus falares modificados com o tempo e com as experiências adquiridas por seus povos. O que é a ordem natural de qualquer forma de comunicação humana, com suas variações de tempo e de contatos sociais, pois não há coexistência humana de grupos de sujeitos sem mudança linguística e sem proliferação de formas de fala que se distinguem ou se completam. Suas imagens para os indivíduos são formadas socialmente e no caso destas abstrações pejorativas das línguas regionais, foram impostas de maneira eficaz através de argumentos simbólicos de indução ao imaginário de atraso, não seriedade e adesão ao que salvaria a sua população dos problemas sociais que enfrentava. Com isto, o ideal de seriedade das formas de pensar o francês oficial e as línguas regionais do país fora primordial na desvalorização das mesmas e na exaltação da língua padrão que continha o falar moldado do discurso revolucionário e carregava os símbolos de salvação imaginada de seu povo. Este falar moldado opunha-se das maneiras espontâneas e instintivas das expressões em línguas regionais, em que seus indivíduos utilizavam naturalmente suas falas, comunicando suas mensagens e sendo compreendidos de maneira eficaz por seus companheiros de comunidade, porém, o que era natural e espontâneo era visto como não civilizado, ou seja, a espontaneidade e as maneiras simples e eficazes de comunicação não seriam mais aceitas socialmente, sendo observadas e enquadradas como marginais. Isto se deu na medida em que o discurso revolucionário foi se sobrepondo e oprimindo toda e qualquer outra realidade de fala existente no território francês, enquadrando as línguas regionais tornaram-se realidades linguísticas representativas socialmente de dialetos “mal falados”, pois além de não possuírem modalidade escrita oficializada, não possuíam o status social de língua propriamente ditas como a oficial 85 tinha, logo, o “falar bem” estaria somente vinculado aos discursos adaptados aos textos em língua oficial popularizados pelos revolucionários. Assim, não haveria lugar social para suas realizações publicamente sem serem julgadas como formas de fala ridículas, jocosas ou não sérias, ou seja, os falantes das línguas regionais sofreram opressões e discriminações a partir do ideal revolucionário de aniquilação de suas formas de entendimento e expressões naturais e espontâneas, culturalmente riquíssimas e representativas de seus povos. O ideal de nação unificada com uma língua padrão oficial que identificaria seus indivíduos e evitaria imaginadamente às incompreensões e as possíveis revoltas de seus povos. Enfim, as línguas regionais deveriam ser desvalorizadas na sociedade francesa, pois somente assim, o francês oficial poderia impor-se e eliminar as mesmas. 4.4 – O desprezo pelas comunidades que “falam mal” intensificado pela planificação linguística na França Il serait difficile d’indiquer le temps auquel le patois a pris une certaine consistence ; mais il paraît que cet idiome fut fixé de très-bonne heure, puisque nous avons des actes datés de 1200, dont le jargon diffère peu de celui qu’on parle de nos jours. Cependant l’affinité du patois avec l’espagnol, l’italien et le français, montre assez qu’il s’est formé comme ces idiomes du grec, du latin et du celtique, lorsque, après l’invasion des Visigoths, ces langues, déjà corrompues, se fondirent avec le jargon de ces nouveaux maître93. 94 Gazier, 1880, p.38. 93 Resposta ao questionário do abade Henri Grégoire pelo correspondente da região de Languedoc (1790) em suas observações preliminares sobre o idioma falado pela comunidade local, o chamado occitano. 94 “Seria difícil de indicar o tempo no qual o patoá tomou certa consistência; mas parece que este idioma foi fixado num momento adequado, já que nós temos atos datados de 1200, cujo jargão difere-se um pouco daquele que se fala hoje em dia. Entretanto, a afinidade do patoá com o espanhol, o italiano e o francês, mostra bastante que ele fora formado como estes idiomas do grego, do latim, e do celta quando depois da invasão dos Visigodos, estas línguas já corrompidas fundiram-se com o jargão destes novos mestres.” Tradução nossa. 86 As línguas regionais na França, modalidades de línguas ágrafas95, passaram a ser perseguidas pelos governantes franceses a partir do período revolucionário e por isto, tornaram-se sem representação social oficialmente, na medida em que foram desvalorizadas e postas hierarquicamente abaixo da língua oficial no que tange sua representatividade de sua nação e de seus indivíduos. Esta imagem depreciativa das mesmas fora criada para exaltar ainda mais a língua francesa oficial neste país, a partir da subestimação e depreciação das diversas outras formas de fala e fora causada pela escolha política de seus governantes por uma única língua oficial em seu território com sua fala e escrita padronizadas, a fim de imaginadamente unificar os discursos, as formas de expressão, unir os povos em um só ideal de nação e sobretudo, para que as leis fossem aceitas e difundidas em todo o território. Para tal meta, os políticos revolucionários acreditaram ser necessário destruir as outras línguas existentes no território e impondo a língua oficial, poderiam controlar melhor todas as populações que se enquadravam nos moldes de cidadãs francesas. A opressão pelas línguas regionais tornou-se primordial para que o ideal de liberdade social pudesse ser imposto, com isto, as mesmas passaram a ser vistas como desprezíveis na sociedade francesa, na medida em que poderiam idealizadamente impedir o propósito da onda civilizatória propagada pela Revolução Francesa, além de possuírem estereótipos socialmente de desvalorização diante de qualquer outra forma de fala elitizada (se pensarmos em outras línguas oficiais na Europa). Logo a marginalização das línguas regionais auxiliou na implantação do objetivo político da planificação linguística no país durante os séculos seguintes ao movimento revolucionário. A marginalização destas línguas seculares faladas tiveram a partir da Revolução Francesa suas existências ameaçadas, na medida em que para sua sociedade, o falar em línguas regionais fora considerado marginal e seus usos, vistos como fora do esperado para um cidadão francês, já que a população deveria seguir o caminho da onda “civilizatória” revolucionária que traria a liberdade imposta pelos seus representantes. Desta forma, elas foram postas em cheque mais ainda a partir deste período, pois se tornaram uma marca de ignorância em relação ao idioma oficial possuidor de um status 95 Línguas sem escrita estandardizada e sem padrões de uso escrito que limitariam talvez suas realizações em diversas variantes, na medida em que a escrita oficial de uma língua a coloca como um molde para as falas e para suas comunicações escritas de seus indivíduos. 87 de língua perfeita e com o molde edificador de sua escrita legitimada pelos autores da Renascença e do movimento filosófico que gerou os ideais revolucionários. Sendo assim, as mesmas línguas regionais vistas como “atrasadas” ou “corrompidas” passaram a ser desprezadas e atacadas politicamente e coletivamente em sua sociedade, na medida em que se mantiveram imaginadamente como ameaça às políticas de planificação linguistica no país. Mesmo suas comunidades de fala passaram a aceitar (involuntariamente em sua grande maioria) essa marginalização de suas línguas, na medida em que perceberam a necessidade de manterem-se do lado dos revolucionários. Elas passaram momentos de extrema instabilidade, com movimentos pró e contra revolucionários em suas regiões, com isto, foram mantendo suas formas de fala naturalmente mesmo sofrendo com toda a repressão ditatorial vinda do regime do Terror. Seus governantes somente lançaram os alicerces para a empreitada da tentativa de aniquilação das línguas regionais, já que não havia projetos efetivos de ensino do francês oficial para os cidadãos das múltiplas comunidades de fala que existiam no país. Logo, os indivíduos falantes das línguas passaram a tentar compreender o que era oficial mantendo suas maneiras de comunicação, mesmo que as mesmas representassem a visão de atraso político e social oriundo dos ideais desenvolvidos pelos políticos revolucionários. Com isto, durante a Revolução, os acontecimentos bastante violentos e novos na vida dos Franceses deixavam os indivíduos inseguros quanto às suas referências, sejam políticas, sociais e sobretudo, lingüísticas, pois deveriam agora engajarem-se no aprendizado da língua oficial que com sua planificação, a fim de enquadrarem-se rapidamente às muitas mudanças sociais desenvolvidas no período (e após o mesmo) com seu ideal de eliminação das formas de fala socialmente não aceitas sendo considerado intrínseco em seu país e eliminar suas línguas, expressões, anedotas, lendas, contos, etc. que eram prioritariamente de base oral. Suas comunidades mantiveram as línguas regionais, pois por mais que fossem desprezadas, não havia um planejamento governamental durante o período revolucionário efetivo para que o ensino da língua oficial fosse realmente popularizado. Os indivíduos não dominantes do francês oficial foram adequando-se ao discurso revolucionário e aceitando-o aos poucos, já que a repressão fora bastante forte e havia o perigo de serem julgados de irem contra os movimentos revolucionários. 88 Desta forma, as línguas regionais passaram por um processo de hierarquização social em que estariam subjugadas pela língua francesa oficial e seus falantes adequaram-se ao uso de suas falas centenárias em ambiente familiar e burocraticamente, adaptaram-se ao exercício da língua padrão, na medida em que muitos de seus indivíduos perceberam a necessidade de adaptação e apoiaram publicamente – mesmo que não aceitassem a marginalização de suas línguas – o ideal jacobino de eliminação de tudo o que fosse ameaçador em seu período mais forte de opressão, a fim de manterem-se vivos e assegurarem as existências de suas comunidades e famílias. Desta forma, percebemos em relatos dos indivíduos da época da imposição linguística revolucionária da língua oficial, que o desprezo pelas línguas regionais fora aceito por seus indivíduos, como podemos verificar na resposta ao questionário do abade Henri Grégoire, pelo correspondente da região de Languedoc em 1790 em suas observações preliminares sobre o idioma falado pela comunidade local. La différence essentielle qui existe entre le patois et le français vient de la prononciation ; l’e muet, qui se retrouve si souvent dans la langue nationale96, est inconnu dans notre dialecte ; aussi nos campagnards ontils beaucoup de peine à le prononcer pur ; ils mettent presque toujours à la place l’e miouvert ou l’u faible. 97 GAZIER, 1880, p.30. Podemos observar neste relato, que o ideal de língua pura (com suas pronunciações, vocabulário, frases e expressões moldadas pela escrita standard, sem – imaginadamente - influências de outras línguas, sejam elas oficiais ou não) e de língua nacional (a língua como unificadora de seus indivíduos, a que proporcionaria a aceitação da forma de governo desenvolvida pelos jacobinos e sobretudo, aquela que civilizaria seus sujeitos, transformando-os em cidadãos portadores do discurso revolucionário e da língua da liberdade ou em patriotas da nação unificada que se formava) está presente no imaginário do indivíduo correspondente do abade Henri 96 Grifos nossos. “A diferença essencial que existe entre o patoá e o francês vem da pronúncia; o e mudo, que é encontrado frequentemente na língua nacional, é desconhecido em nosso dialeto; da mesma forma que nossos camponeses têm muita dificuldade em pronunciá-lo puro; eles colocam quase sempre no lugar do e semiaberto o u fraco.” Tradução nossa. 97 89 Grégoire e representa o discurso revolucionário no que tange à imposição da língua francesa oficial e na tentativa de aniquilação das línguas regionais, na medida em que mostra a intolerância pelo que não é oficial – oriundo de projetos políticos e imposto aos indivíduos -, pelo que não é defendido pelos movimentos revolucionários. A planificação linguística no país poderia contar com representantes em comunidades de fala das línguas regionais, sendo os mesmos em sua grande maioria, padres, instrutores dos filhos das pequenas elites regionais, representantes políticos revolucionários, estudiosos ou mesmo comerciantes que foram tentando repassar aos cidadãos as decisões e as leis oriundas dos grupos revolucionários. Para os mesmos, a planificação linguística seria uma estratégia que traria a imaginada liberdade propagada pelos discursos revolucionários e a eliminação das línguas regionais presentes em suas comunidades não era tão importante para os mesmos, pois não interessava para a maioria a forma como a população falasse, mas que aceitassem as novas normas vindas dos representantes do governo. Porém, as imagens negativas e depreciativas sobre as línguas regionais foram propagando-se através das leis de planificação linguística, com decretos e projetos ideológicos escolares que explicitavam a necessidade de controle jacobino a partir da implantação de um ensino elementar gratuito e obrigatório, livre e comandado pelo Estado (Balibar e Laporte, 1974). Embora os revolucionários não tenham conseguido implantar estes projetos de escola jacobina no período revolucionário, seus ideais de escola nacional, gratuita e portadora do discurso revolucionário em língua oficial causou uma propaganda de vulgarização e banalização das línguas regionais, que passaram a obter status de falares a serem eliminados através da adesão ao movimento revolucionário e consequentemente, ao objetivo de que a nação teria como representante idiomática a língua oficial portadora dos ideais libertadores e simbolicamente o modelo de fala e escrita que todo cidadão francês seria obrigado a possuir. Desta maneira, o ideal jacobino de nação unificada e unitária não permitiria a existência de inúmeras formas de comportamentos lingüísticos diante de seus discursos, decretos e leis, já que o país estaria centralizando-se, seria necessário eliminar o que remetesse ao passado político de seu país. Verificaremos no relato de Brunot – citado por Balibar e Laporte, 1974 – a perseguição e o desprezo pelas línguas regionais, na medida em que seus falantes poderiam trair a nação francesa se não fossem portadores da língua da liberdade e divulgadores do discurso revolucionário. 90 Quand on se “féderait”, non seulement pour célébrer la nation, mais pour l’affirmer, le français s’imposait. Seul il donnait son sens à la cérémonie. Se servir d’une autre langue eût été, non seulement un manque de convenance à l’égard des délégués venus des autres départements, mais une manière d’infidélité à la Patrie, un reniement devant l’autel. (...)Je ne prétends pas que les dialectes ou idiomes n’aient eu aucune place dans ces journées, loin de là. (...)Néanmoins il n’est pas excessif de soutenir que d’abord le français gagnait à ces fêtes sa concécration officielle de langue nationale, et qu’ensuite elles faisaient apparaître l’évidente nécessité de compléter par l’unité du parler la communion des sentiments.98 A partir deste ideal de língua representando a nação e com a burguesia parisiense tomando o poder e constituindo novos meios de organização governamental e social, temos agora a necessidade de uniformizar o idioma para que as leis do momento fossem impostas em todo o território. Desta maneira, implantar também uma estratégia de prevenção contra os projetos de contra-revoluções, que poderiam vir por parte dos indivíduos habitantes das comunidades falantes das línguas regionais. Pois, sem a possibilidade de inclusão social destes indivíduos na corrente de cidadania oriunda do sentimento de nação francesa que fora desenvolvido na época, não seria possível haver uma elite realmente forte e bem apoiada como soberana em todo o país. Assim, com o período da Convenção (1792 -1795), institui-se a Primeira República, formada pela burguesia de negócios e a intelectual - composta por advogados, médicos, escritores, etc. -, que governou sempre voltada para a implantação e a aceitação do regime republicano. Para isto, contou com assembléias e comitês cujo objetivo era o de discutir e votar os novos rumos da sociedade francesa. Nestes eventos, votou-se a execução do rei para o dia 21 de janeiro de 1773 e deste modo, começara o período denominado de “Terror”, onde se observou a total intolerância pelo que poderia ser considerado como oposto aos preceitos pregados na Revolução. Logo, nesta busca por eliminar tudo o que estaria contra os ideais revolucionários, vemos dar início uma grande campanha civilizatória por todo o território francês. 98 “Quando ‘federaliza-se’, não somente para celebrar a nação, mas para afirma-la, o francês impunha-se. Sozinho ele dava sentido a cerimônia. Servir-se de uma outra língua teria sido, não somente uma falta de conveniência diante dos representantes vindos de outros departamentos, mas uma maneira de infidelidade à Pátria, uma traição diante do altar. (...) Não pretendo que os dialetos ou idiomas não tenham nenhum lugar nestas jornadas, longe disso. (...) Entretanto, ele não é excessivo de afirmar que primeiro o francês ganhava nestas festas sua consagração oficial de língua nacional, e que após elas faziam aparecer a evidente necessidade de completar para a unidade do falar a comunicação dos sentimentos.” Tradução nossa. 91 Campanha esta que trazia em si todos os estereótipos do cidadão liberto e totalmente identificado com os novos rumos da nação e com a própria. E ideologicamente, o imaginário de cidadão francês do período era o sujeito capaz de dominar o idioma da Revolução, para assim, respeitar, divulgar e defender as leis do novo regime. Neste ambiente de intolerância pelo que seria considerado como diferente e com uma atitude de uniformização da língua do país, temos um representante do governo, o abade Henri Grégoire, que participou das reuniões governamentais assiduamente, pois era um deputado da parte dos Montanheses99 e foi responsável por vários manifestos e documentos a favor da difusão da língua francesa padrão por todo o território. Assim, com uma pesquisa dirigida aos representantes de cada região falante de “patoás”, observamos sua tentativa de depreciar estes falares. Na pesquisa, a maior parte de suas perguntas era vinculada à representação dessas línguas regionais, com a estratégia de questionar se elas possuíam registros. Se não, seriam enquadradas nos moldes de ilegitimidade, da falta de ligação com a nova realidade de seu povo. Sua atitude era de enfatizar o caráter pejorativo da própria denominação “patoás”, que no senso comum traduzia a imagem de articulação bárbara, de indivíduos marginais que usavam um falar “incorreto” e “incompreensivo”. Com estas imagens, o abade formulou questões sobre os registros em línguas regionais. Primeiro, estas se referiam à existência de dicionários e gramáticas, o que mostra a necessidade de valorização pelas normas. Se o uso não é institucionalizado através da escrita, ele seria obra de uma atitude marginalizada, e acima de tudo, grosseiro na visão dos defensores do francês Standard. Em seguida, verificou que pela expressão não escrita, havia o uso de canções e cantigas populares, que contrariando o que se pensava, havia o registro impresso em algumas regiões, como nos Altos Pirineus e em Gascogne. Mesmo assim, com o objetivo ideológico de eliminar estes falares através da depreciação do sentimento identificatório de seus próprios falantes, o abade estabeleceu em seu questionário100 uma estratégia de valorizar a língua nacional e mostrar que as línguas regionais eram resquícios do Antigo Regime. Desta maneira, em questões como 99 Deputados que receberam esta denominação, pois se sentavam sobre os bancos mais altos da arquibancada da sala de reunião. Opunham-se aos deputados Girondinos, que foram eliminados pelos primeiros, já que todos os indivíduos que eram considerados como opositores da Revolução tornavam-se inimigos em potencial da própria. No período, até mesmo alguns representantes da Montanha, foram guilhotinados por seus companheiros por serem considerados contra os ideais de revolucionários. 100 Questionário composto por 43 questões e direcionado aos representantes de cada comunidade de fala. Estes seriam os novos governantes, como abades, padres, ou deputados e chefes regionais, que o ajudaram nesta pesquisa durante os quatro anos em que fora desenvolvida. 92 a de número 15, que diz: A escrita deste “patoá” tem traços, outros caracteres que o francês?, ou como a de número 24, que pergunta qual é o mérito das obras escritas em “patois”, observamos o seu caráter de acentuar a diglossia, na medida em que estaria fazendo uma comparação de uma língua estandardizada com os falares que nunca tiveram prestígio na sociedade francesa101. Logo, com esta sobreposição de falares através do argumento dos registros da fala regional, temos um grande meio de tornar pejorativo todo o discurso oral sem documentação e acima de tudo, sem regulamentação. O que para os defensores da planificação lingüística seria fato importantíssimo para eliminar as línguas regionais, chamadas pelos mesmos de “patoás”. Em um relato do abade Henri Grégoire, o representante mais significativo da planificação linguística na França – em nossa forma de ver - e o maior defensor da imposição da língua francesa oficial e a consequente destruição do que definia como elementos a serem aniquilados de sua sociedade, podemos observar a visão positiva do político revolucionário no que tange a propagação do uso da língua nacional em várias comunidades de fala, como podemos verificar a seguir. En général, dans nos bataillons, on parle français, et cette masse de républicains qui en aura contracté l’usage le répandra dans ses foyers.102 Grégoire, 1794, p. 20. Porém, apesar de todo o esforço do abade Henri Grégoire e seus representantes, mesmo no período da Convenção ou dos momentos seguintes fora muito difícil fazer com que os indivíduos deixassem de ter o sentimento de familiaridade com os seus falares, já que a identificação com estes era muito forte, além de não haver até o momento uma outra forma de comunicação que não fosse suas línguas regionais e sobretudo, o fato de não existir iniciativas efetivas sobre o ensino da língua oficial aos indivíduos da população em todas os departamentos do país. 101 Esta, seria uma visão altamente etnocêntrica sobre os falares dos outros indivíduos que também eram considerados franceses, já que o seu julgamento teria a própria experiência como referencial. 102 “Em geral, nos batalhões, fala-se francês, e esta massa de republicanos que a terá adquirido o uso retomará em seus lares.” Tradução nossa. 93 Pelo fato de fazem parte da identidade cultural de cada localidade, houve reações contrárias à sua aniquilação – termo usado pelos revolucionários no que tange a eliminação das línguas regionais na nação francesa – e desta maneira, como a escola seria o local apropriado para a difusão do francês standard e da imagem de cidadão francês que os revolucionários gostariam que se propagasse por todo o território, os governantes incentivaram a criação de uma escola voltada para essa reformulação dos sujeitos e imposição desta modalidade de língua. Entretanto, somente no período da Terceira República podemos verificar que a planificação linguística objetivada pelos políticos jacobinos teve uma eficaz efetivação com a reforma do ensino implantada pelo ministro Jules Ferry103, fundador da escola primária gratuita, laica104 e obrigatória, que podemos verificar a real imposição do francês oficial em todo país, na medida em que há neste momento uma grande difusão do patriotismo na França. Isto, a partir da propagação dos símbolos nacionais criados na Revolução e desenvolvidos com os períodos históricos seguintes. O discurso jacobino de destruição das línguas regionais fora mais forte que a própria concretização do objetivo revolucionário de divulgar a língua francesa oficial impondo-a em todo o território, na medida em que as mesmas foram atacadas de forma drástica no período revolucionário sendo enquadradas em imagens de desvalorização e de afirmação de troca para o idioma oficial. Desta forma, a censura às línguas regionais fora propagada pelo país inteiro e adotada como meio de confirmação dos ideais revolucionários, na medida em que os seus objetivos seriam somente atingidos através da desvalorização de tudo o que era conhecido anteriormente. As línguas regionais deveriam sofrer investidas políticas e sociais para submeterem-se à língua oficial e hierarquicamente ficarem abaixo da língua nacional. Portanto, com este quadro de diglossia acentuado com os ideais centralizadores da Revolução Francesa, podemos observar que a planificação linguística imaginada no período marcou as línguas regionais de forma bastante prejudicial para as mesmas, já que sua sobrevivência dependia dos esforços de seus sujeitos falantes, que as mantiveram em ambientes familiares e adotaram a língua oficial para transformarem-se em cidadãos franceses, após a onda civilizatória revolucionária. 103 Ministro da Instrução Pública (1879 - 1883) e presidente do Conselho. Fora prefeito de Paris. É conhecido como pai fundador da escola primária, laica e gratuita na França. Representou a efetivação do ideal revolucionário de escola e de ensino em língua oficial. 104 Anteriormente, o poder de ensinar era de total responsabilidade da Igreja. 94 Neste sentido, a criação de um indivíduo ideal moldado através dos estereótipos de cidadania do período revolucionário, contribuiu para a divulgação e a aceitação de uma língua considerada desde então como nacional. Esta unificação como sujeitos pertencentes a um único sentimento de nação, pôde colaborar de certo modo para esta imposição, porém, os sentimentos de identificação com suas culturas milenares – no caso dos bretões e bascos – ou seculares – como os falantes das seguintes línguas: catalão, provençal, lionês, etc. - ainda foram muito fortes e percebe-se até os nossos dias a co-existência das mesmas e a língua nacional, hierarquicamente dominante. Neste sentido, surgem políticos logo nos primeiros anos de novo regime implantado cujo objetivo primeiro era garantir a permanência de seus governos e fazer com que o povo francês pudesse adequar-se a essa nova forma de encarar-se e identificar-se com seu país. Governantes como o abade Henri Grégoire (1750- 1831), que como membro da Convenção, fora um dos pioneiros no que tange a tentativa de unificar lingüisticamente o território francês, em detrimento da aniquilação dos falares regionais. Criou, assim como outros políticos da época também, relatórios para a Convenção e pesquisas que puderam fazer tentativas de mapear linguisticamente a França a fim de atuar com mais eficácia na eliminação das línguas regionais, como pretendiam os revolucionários. Assim, podemos verificar que este contexto de diglossia e caça as línguas regionais criado pelos jacobinos desenvolveu na sociedade francesa e em seus governantes a imaginada tentativa de mapear as suas regiões com a evidência de grupos falantes das línguas marginalizadas, a fim de compreender melhor suas realizações sabendo onde encontrar cada uma. Porém, veremos mais adiante que este ideal de territorialização das línguas – sejam elas oficiais ou não – não condiz com a realidade das comunidades de línguas, que podem tanto usar em suas línguas regionais termos de outros falares, quanto deslocarem-se com suas formas de fala por outros locais do mundo, levando consigo suas culturas e suas línguas, naturalmente. 95 5 – As hierarquização territorial das línguas regionais e do francês oficial: 5.1 – Origens do ideal de territorialização linguística na França: o imaginário da “língua d’oc” e “língua d’oïl” Dante l’invoque déjà d’une certaine manière, ce « génie » dont il sera question ici, ce génie qui est considéré comme le propre, le coeur, l’essence même d’une langue individuelle. Ainsi, par exemple, parmi les trois langues romanes distinguées par Dante, la « lingua oïl », le français, serait particulièrement appropriée à la prose « propter sui faciliorem ac delectabiliorem vulgaritatem », à cause de son caractère « vulgaire » plus facile et plus délectable (Dante, 1304). À la recherche du « vulgaire illustre » qui devrait être la langue littéraire de l’Italie, il examine les qualités de tous les vulgaires italiens et leur droit de jouer ce rôle auguste.105 TRABANT, 2000, p. 112. A língua latina em sua modalidade vulgar, falada por representantes dos povos que se identificavam com a imagem de indivíduos romanos no período denominado de Antiguidade, que se costuma dividir cronologicamente na forma tradicional periodizando aproximadamente do ano 4000 a.C. até o ano 476 d.C. com o fim do Império Romano do Ocidente (Bezbakh, 2003) e após este grande momento de trocas de experiências entre povos distintos, verificamos a sua herança identificatória no período chamado de Idade Média, em que coletividades de sujeitos portadores da religião Cristã – sucessora do poder social deixado pelos romanos e de sua língua em modalidades vulgar e erudita – utilizavam a língua latina em sua particularidade considerada vulgar em variedades que foram desenvolvendo-se ao longo dos séculos, originando múltiplas formas de fala no continente Europeu. Diferenciada da outra modalidade de idioma, o latim culto, possuidora de uma escrita padrão com escritos literários e religiosos que incutiam na mesma um status de língua modelo e representante das falas oficiais, de um status de língua erudita, além de 105 “Dante já invoca de uma certa maneira, este ‘gênio’ cujo assunto será tratado aqui, este gênio é considerado como próprio, o coração, a essência mesmo de uma língua individual. Com isto, por exemplo, entre as três línguas romanas distintas por Dante, a ‘língua oïl’, o francês, seria particularmente apropriado à prosa ‘propter sui faciliorem ac delectabiliorem vulgaritatem’, por causa de seu gênio ‘vulgar’ mais fácil e delicioso (Dante, 1304). A procura do ‘vulgar ilustre’ que deveria ser a língua literária da Itália, ele examina as qualidades de todos os vulgares italianos e seu direito de representar este papel augusto.” Tradução nossa. 96 ser dona da categoria de representante de inúmeras populações distintas, através dos discursos governamentais romanos e posteriormente, dos enunciados religiosos desenvolvido pelo Cristianismo, passou dos períodos denominados de Antiguidade ao da Idade Média recebendo transformações significativas através de séculos dos povos que a adotaram, na medida em que os governos foram aderindo ao poder popular que possuía a Igreja sobre os grupos falantes europeus. Podemos perceber que com a formação da língua francesa oficial e da grande maioria das línguas encontradas na França, como o Provençal, o Catalão, a chamada Língua d’Oc106, dentre outras formas de fala representantes de povos diferenciados e ligados entre si pelo ideal de cidadão francês – após a Revolução, já que antes o que ligava e representava estes múltiplos povos, era o rei e sua imagem de modelo da religiosidade cristã no território do país – passaram por esta influência social e desenvolveram-se durante séculos por meio de trocas de experiências comunicativas e de intercâmbios de populações diversas que representavam o povo francês. O tempo fora (e ainda é) fator bastante significativo no que tange as modificações fonéticas, lexicais, gramaticais e sociais destas línguas vindas da língua que representava os povos considerados e admitidos como romanos na Antiguidade. Para muitos estudiosos da língua latina (ou línguas românicas, como podemos encontrar em estudos lingüísticos variados) e de suas ‘herdeiras’, como o francês, o romeno, o português, o espanhol, o italiano, o catalão, o galego, etc., mesmo que tivessem influências de múltiplos povos e suas falas, como o francês – recebe influências germânicas, como veremos mais a frente –, o português e o espanhol – línguas que recebem influências mouras na medida em que alguns representantes destes povos oriundos do norte da África instalaram-se na Península Ibérica por séculos e interagiram com comunidades cristãs locais -, etc., as línguas representavam os territórios nos quais eram encontradas, na medida em que as mobilidades de seus povos não eram reconhecidas e sobretudo, as línguas eram vistas como propriedades dos locais em que se julgavam fazer parte, desconsiderando que as mesmas seriam formas de fala adotadas por falantes que se consideravam da comunidade catalã, provençal, portuguesa, galega, etc. ou de seus descendentes que as tinham naturalmente como suas línguas maternas. 106 Oc é derivado do termo afirmativo latino hoc, que fora disseminado com as invasões de grupos romanos sob as ordens de seus imperadores por várias localidades da Europa, tendo suas comunidades de fala adaptado suas realizações comunicativas a partir desse contato impositivo tanto social, quanto político, vindos com as dominações de seus povos. 97 Comumente, desta forma, podemos verificar a política de classificação territorial das línguas sempre utilizada a fim de categorizar as mesmas e tentar compreender suas existências e seus status sociais dentro de uma coletividade. Um dos precursores desta forma de estudo linguístico fora o escritor, poeta, político e linguista fiorentino, já que é considerado o pai da língua italiana (vemos aqui o ideal de que as línguas devem possuir família, ao serem estudadas suas origens, objetivando sempre a imagem de que existiriam formas de falas “puras”, sem levar em conta as inúmeras influências recebidas pelas mesmas de populações distintas), Dante Alighieri (1265 - 1321) 107, na medida em que escreveu a obra De vulgari eloquentia108 (provavelmente escrito entre 1303 e 1304) a fim de organizar territorialmente a população falante do latim vulgar109. Neste tratado linguístico e político do “falar bem” em língua vulgar, o autor procurou demonstrar a territorialização das três línguas hierarquicamente situadas logo abaixo do latim culto, que representava o poder das elites ligadas ao cristianismo, em uma escala de aceitação social, já que muitos intelectuais começavam a usar a língua culta somente na escrita e na fala, usavam as suas línguas maternas oriundas do latim vulgar. Esta territorialização das línguas vulgares mais representativas para Dante seria importante, na medida em que como representante do momento histórico em que a terra era o bem mais importante para uma comunidade e seus governantes, pôde utilizar o imaginário do espaço físico europeu ocupado por populações distintas para enquadrar suas formas de fala a partir de seu ideal de localidade linguística, com suas comunidades de fala fixas em seus locais de origem. 107 Dante Alighieri fora um dos políticos, intelectuais, poetas e grande atuante na política linguística do latim vulgar, já que em sua atuação literária, desenvolveu obras em língua Fiorentina, língua românica desenvolvida em sua cidade natal, Florença, e atuou como um dos primeiros definidores da divisão linguística territorial da língua latina. Fora o precursor da classificação de Língua d’Oc e Língua d’Oïl na França. 108 Obra escrita por Dante Alighieri em 1303 com o objetivo de conceber uma língua unificada, que pudesse ser defendida por vários estudiosos de comunidades de fala distintas em língua vulgar latina. O tratado seria composto por dois livros, mas o segundo fora interrompido pelo autor, que o escreveu em latim vulgar, fazendo uma mistura de línguas não oficiais em sua obra. Seria uma ode ao vernáculo, ao genuíno falar da população, à expressão em língua materna. O primeiro livro é dividido em dezenove capítulos e tratava da definição do chamado pelo mesmo de “vulgar ilustre” – utilizado pelos ‘melhores’ das sociedades falantes das línguas vulgares - e o segundo, tratava da prática das línguas vulgares ilustres em vários campos, como a retórica, a celebração da virtude, etc., porém, este livro fora inacabado, possuindo quatorze capítulos. 109 Na sua totalidade, em seus estudos sobre as línguas nas obras citadas em meio a um ambiente medieval, Dante Alighieri tinha intenções literárias sobre a concepção de um dialeto ilustre e nobre, que pudesse ser utilizado para a escrita de obras em literatura da elite de sua comunidade intelectual. A sua questão é mais política (religiosa) que linguística. Porém, encontramos sua definição de “língua d’oc” e “língua d’oil” nos estudos linguísticos franceses como a origem dos mesmsos no país. 98 Em sua divisão territorial linguística, procurou dividir o latim vulgar em línguas d’oc (sul da França), d’oïl (norte do mesmo país) e si (encontrada na parte da Europa que hoje conhecemos como Itália, pois não havia a ideia de país italiano na época), (Bezbakh, 2003). Esta forma de caracterizar as línguas veio através da oralização da afirmativa “Sim” nestes três falares diferenciados. Estas três categorias de línguas são vistas pelo autor como mais nobres e ricas em espontaneidade que o latim culto que prioriza mais a gramática que a própria expressão – prioridade para a forma –, logo, a língua materna para o autor fiorentino deveria ser mais valorizada que a língua adquirida de forma não natural110 e dentre a maioria das populações não tinha acesso à modalidade culta da língua utilizada pelos poderes monárquicos e religiosos, pois os povos considerados latinos não tinham acesso ao erudito e com o passar dos séculos, suas falas e formas de entendimento foram distanciando-se cada vez mais do intelectualizado latim utilizado pelos governantes e suas elites dominantes. Deste modo, podemos verificar que a divisão linguística e territorial da França em língua d’oc e língua d’oïl fora desenvolvida numa época em que o território de um reino e suas fronteiras poderiam definir o ideal das línguas a serem faladas, pois suas populações instalavam-se nele e ficavam por gerações e gerações vivendo de forma campestre, sem acesso aos livros, documentos e leis escritas em língua culta e representante do governo em questão. Porém, esta língua oficial não era língua materna de nenhuma população considerada latina, por isso que poderia representar a todos sem haver conflitos de identidade populacional, na medida em que as populações aceitavam não conhecer a língua oficial, mas saber que ela atingia a todos sem priorizar a fala de nenhuma comunidade, todas estariam em harmonia linguística, mesmo que não tivessem acesso aos escritos oficiais. Logo, Dante fizera uma divisão das línguas vulgares que considerava mais significativas no que diz respeito aos falares ágrafos – sem escritas oficiais, pejorativamente vistos como o que não deveria ser escrito, pois não possuem escrita formal – e sem valor intelectualizado socialmente, até o momento. O autor fiorentino ajudou, desta forma, ao começo de uma tentativa de valorização dos falares considerados minoritários na época. Minoritários não no sentido de haver poucos 110 Segundo a dissertação de mestrado de Cosimo Bartolini Vivai, intitulada: Uma leitura de Vulgari Eloquentia de Dante Alighieri apresentada a USP em 2009, para o Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Italiana, do Departamento de Letras Modernas, o conceito de “natural” fora a base de trabalho em que Dante fundamentou os conceitos de valorização e de difusão do considerado ‘vulgar’, que seria a língua materna, adquirida no ambiente familiar e afirmada pelo uso nas comunidades de fala. 99 falantes, como se considera muitas vezes, mas como línguas de menor valor diante de uma outra oficial e dominante. Neste sentido, podemos observar a definição de Dante da divisão territorial linguística do latim no seguinte trecho de sua obra De vulgari eloquentia (1303): (...) car certains pour affirmer disent oc, d’autres oïl, autres si. (...) Parmi ces peuples (espagnols, français, italiens), ceux qui parlent en langue d’oc tiennent la région occidentale du midi de l’Europe à partir des frontières génoises. (...) Quant à ceux qui parlent la langue d’oïl, ils sont en quelques manières septentrion, eu égard à ceux-là. 111 Dante, 2011, p.155. Neste trecho da obra de Dante traduzida em francês no ano de 2011, podemos perceber que o autor percebia em seu tempo a pluralidade de povos existentes na Europa e dentro das definições de populações européias – ainda não tão ‘nacionalistas’ como após e durante o período revolucionário – como espanhóis, franceses, italianos, o autor evidencia a multiplicidade de culturas encontradas em territórios vinculados aos reinos da Espanha, da França e da Itália, além de evidenciar as variações dos falares oriundos do latim popular, mesmo que tenha dividido em três grandes ramos de línguas. O autor não quis afirmar uma superioridade destas línguas diferenciadas pelas formas de se dizer “sim”, mas destacar a importância dos falares naturais e maternos que estavam em pleno desenvolvimento no que tange seus usos e suas realidades culturais destacadas em anedotas, canções entoadas por menestréis (trovadores) cantando por vários cantões do continente os feitos heróicos de seus cavaleiros e de suas damas, jogos lúdicos, expressões populares que proliferavam de forma criativa e sem empecilhos vindos das elites. O clero, grupo religioso e político que exercia o poder sobre as populações, não considerava perigoso haver tantas formas de fala, pois o que unia as suas comunidades seria a presença de um rei (enviado imaginariamente por forças divinas) e uma religiosidade que dava às mesmas um sentido maior de existência ideal. 111 “(...) pois alguns para afirmar dizem oc, outros oïl, outros si. (...) Dentre estes povos (espanhóis, franceses, italianos), aqueles que falam em língua d’oc possuem la região ocidental do midi da Europa à partir das fronteiras genovesas. (...) Quanto a aqueles que falam a língua d’oïl, eles são em qualquer maneira setentrionais, no que diz respeito aos mesmos.” Tradução nossa. 100 Dante, com este sentido religioso bastante presente na época, utilizou na sua obra citada a tentativa de definição de uma língua primordial da humanidade. Ela seria a língua de Adão, personagem bíblico considerado o primeiro homem do planeta, e após, a do Cristo, que a partir de Babel112 fora dividida em três línguas de base: a grega, a germânica e a meridional (dividida em língua d’oc, d’oïl e a do si, e dentre estes três grandes ramos, o autor considera nomear quatorze dialetos parecidos ou diferenciados entre si). Desta maneira, podemos citar o extrato de sua obra que trata do tema das diversidades das línguas existentes na Europa, no capítulo que chama de Primeira língua: em que língua falou Deus? La diversité des langues est sortie de l’édification de la tour après le déluge. Avant que l’orgueil de la tour ne divise la société humaine en divers sons signifiants, il y avait pour toutes les nations une seule langue, qui s’appelait l’hébreu, que les Patriarches et les Prophètes utilisèrent non seulement dans leurs sermons, mais aussi dans les Ecritures sacrées. Au début cependant il y avant autant de peuples que de langes, ensuite plus de peuples que de langues, parce que à partir d’une langue plusieurs peuples sortirent. (...) Mais quelle est la langue avec laquelle a parlé Dieu au commencement du monde, quand il a dit : Fiat lux, il est difficile de le savoir. Il n’y avait en effet pas encore de langues. (...)113 Dante, 2011, p.151. Deste modo, podemos observar com a citação acima que Dante não teve a intenção de priorizar uma forma de fala mostrada como superior a outras, e no decorrer de seu estudo sobre as línguas vulgares na Europa, afirmou que a gramática antinatural encontrada na língua latina culta e elitizada não fazia mais sentido diante das realidades linguísticas encontradas até o momento no continente europeu. 112 Segundo a Bíblia, representante da religião cristã, no capítulo da Gênesis (XI, 9), Babel seria uma torre que os herdeiros de Noé – personagem bíblico – construíram para alcançar o céu. Este tema, que simbolicamente representa o orgulho da humanidade, faz referência à mitologia grega e, pode ser considerado uma forma de explicação popular para a diversidade de populações e de línguas presentes no mundo. 113 “A diversidade das línguas saiu da edificação da torre depois do dilúvio. Antes o orgulho da torre dividisse a sociedade humana em diversos sons significativos, havia para todas as nações uma só língua, que se chamava o hebreu, que os Patriarcas e profetas utilizaram não somente em seus sermões, mas também em seus Escritos sagrados. No começo, entretanto havia tantos povos quanto línguas, em seguida mais povos que línguas, pois a partir de uma língua vários povos foram criados. (...) Mas qual é a língua com a qual falou Deus no começo do mundo, quando ele disse: Fiat lux,é difícil de saber. Não havia de fato línguas ainda. (...)” Tradução nossa. 101 A partir de sua demarcação das línguas vulgares latinas, sobretudo, com a sua definição de língua d’oc e língua d’oïl na França, temos a primeira tentativa de valorizar as línguas regionais no território, mesmo que a definição territorial desenvolvida pelo autor no momento medieval possa ser contestada, já que acreditamos que as línguas não pertencem aos territórios, não estão fixas neles, elas estão sendo desenvolvidas de forma ilimitada por suas comunidades e as mesmas podem deslocar-se levando consigo seus falares e suas culturas para qualquer local onde estiverem, modificando seus falares através dos tempos e das influências de outras formas de fala e de culturas trazidas por populações diversas que poderiam comunicar-se. Assim, podemos observar que a territorialização das línguas, com fronteiras entre povos e suas comunidades de fala distintas, tendo sua origem na divisão linguística com extensões locais específicas desenvolvida por Dante, proporcionou bases para que governos futuros pudessem tentar enquadrar suas populações a partir do critério das formas de fala. No caso francês, a supremacia e o prestígio da variante da língua d’oïl, manipulada e desenvolvida pelos Iluministas, fora primordial para a empreitada jacobina, na medida em que seus políticos e os jornalistas partidários dos movimentos revolucionários incutiram na língua oficial os ideais de liberdade e mudança social que ideologicamente traria aos cidadãos franceses um bem estar jamais visto. Logo, o domínio do discurso revolucionário e da língua oficial pela população francesa foi visto como meio primordial na unificação linguística, social e sobretudo, política imaginada pelos representantes do regime jacobino, defensores da língua nacional e da eliminação das múltiplas línguas existentes no território, tanto enquadradas como d’oc ou d’oïl. 102 5.2 – A unificação linguística revolucionária La Révolution a d’emblée été confrontée au problème linguistique dès lors que, fondant un ordre politique et social nouveau, elle entendait susciter l’adhésion populaire. Les résistences que rencontraient les autorités pour appliquer les nouveaux décrets ne pouvaient venir que de l’ ‘ignorance’ ou des ‘préjugés’. 114 CERTEAU, DOMINIQUE, REVEL, 1975, p. 41. A nação francesa, a partir do período denominado de revolucionário pelos historiadores, fora imaginada territorialmente e administrativamente pelos jacobinos e sua Assembléia Constituinte, como a responsável por trazer união entre os inúmeros povos pertencentes ao território francês. Estes políticos ao tomarem o poder e criarem um ambiente de reestruturação do que antes era reino para a construção da nação como conhecemos agora, foram responsáveis pelas tentativas de unificação destas populações distintas. Estas populações (basca, catalã, bretona, etc.) possuíam múltiplas formas de cultura, de visões de mundo e sobretudo, de línguas, que durante séculos desenvolveram-se naturalmente com seus povos, na medida em que não havia antes do período revolucionário uma obrigatoriedade do uso da língua oficial para os mesmos. Não importando qual fosse o modelo de língua oficializada, seja o latim erudito ou outra forma de fala, qualquer língua oriunda do latim vulgar ou de outras ramificações linguísticas encontradas no território compreendido como francês. Porém, com a Revolução, estas comunidades de fala foram obrigadas a adaptarem-se ao modelo de fala e de escrita impostos pelo novo governo em questão. Deste modo, podemos observar a tentativa jacobina de eliminação dos diferenciais culturais e linguísticos da nação francesa, a partir de 29 de setembro de 1789, com o Comitê da Constituição dividindo a nação em 81 espaços distintos chamados de Departamentos. Esta divisão fora retomada do projeto do geógrafo Robert de Hesseln (1731-1780), que em 1780 fizera a divisão territorial em quadrados de igual tamanho a 114 “A Revolução como insígnia fora confrontada ao problema linguístico uma vez que, fundando uma outra política e social novo, ela escutava suscitar a adesão popular. As resistências que encontravam as autoridades para aplicar os novos decretos só podiam vir da ‘ignorância’ ou dos ‘preconceitos’.” Tradução nossa. 103 fim de organizar administrativamente os cantões do reino da França. Podemos verificar com esta divisão, como na época não era prioritário saber quais eram os povos distintos instalados nas regiões do país, pouco importava suas línguas, suas culturas, suas formas de deslocarem-se pelas terras européias. Logo, o mapa seguido pelos jacobinos para dividir administrativamente o país primeiramente seria este a seguir retirado do site do Ministério da Cultura Francês (Histoire par l’image115): Já no ano de 1790, com a pressão exercida diante do rei, que não possuía tantos poderes governamentais mais como tinha antes da tomada de poder dos revoltosos, os políticos jacobinos codificaram um projeto de lei constituído na Assembléia Nacional Constituinte116, sancionado simbolicamente pelo rei, que de forma igualmente simbólica 115 http://www.histoire-image.org/site/etude_comp/etude_comp_detail.php?i=280 116 A Assembléia Nacional Constituinte fora constituída em 9 de julho de 1789, momento em que deputados do Terceiro Estado (Tiers État) declararam-se como criadores e representantes da mesma. Aproveitaram-se do medo, da incerteza política e social, da crise econômica e da falta de soluções eficazes vindas do rei para tomar o poder e começar a implantar suas medidas governamentais no reino. 104 deveria ser citado, pois ainda unia e representava imageticamente as populações do território francês, nomeando e dividindo as antigas províncias do reino da França, que eram umas ricas, outras pobres, em 83 Departamentos (Bezbakh, 2003) distintos. Os Departamentos seriam divisões territoriais e administrativas do país que estava se formando com as propostas políticas unificadoras e imaginadamente libertadoras desenvolvidas pelos políticos jacobinos. Cada uma desta divisão administrativa seria governada por um político nomeado pelos representantes da Assembléia Nacional situada em Paris. No ideal jacobino de unificação do país e criação de um ambiente nacional diante de seus cidadãos, esta divisão fora base para múltiplas tentativas de implantação do projeto linguístico da imposição da língua nacional e da tentativa de aniquilação das línguas existentes no território. Deste modo, podemos observar neste mapa a divisão de 1790117: Esta divisão territorial em Departamentos seria um dos primeiros passos para os jacobinos criarem um ambiente de unificação política, social e sobretudo, linguística, como acreditavam ser necessário para instituírem a nação francesa portadora do ideal de liberdade que tanto apregoavam. Estes passos rumo à tentativa de unificação 117 http://ecolemalrauxpasteur.free.fr/ 105 administrativa no país foram baseados nas representações de controle territorial da população. Podemos verificar uma das formas de divisão linguística do território francês a partir destes seguintes mapas118. Vários mapas são formulados na França objetivando a organização visual do território em divisões linguísticas dos idiomas falados no país, porém, esta forma de retratar e organizar as regiões em suas formas de fala não condiz com a realidade da 118 http://histoiresdefamille.voila.net/langues_regionales.html 106 natureza humana, que é não fixa a um só local e, sobretudo, permite mudanças em seus falares co influências de outras línguas, ou mesmo com modificações de tempo de suas maneiras de expressões. Como podemos observar a seguir com a tentativa de territorializar as línguas na França119. 119 http://www.france-pittoresque.com/ 107 Outro exemplo de mapa120 com a tentativa de delimitar onde começa o uso de uma língua e onde termina a prática de outra, demarcação com serventia somente para fins visuais, já que é impossível dizer que não há influências de uma forma de fala sobre a outra. A opressão jacobina desenvolvida através de seus políticos com ideais de eliminação de tudo o que seria contra a implantação da imaginada Nação Francesa 120 http://www.francefacile.net/francia/la_lingua_francese.htm´ 108 poderia ser mais eficaz com a imagem de controle territorial criada com este decreto (Artigo II do Decreto sancionado pela Assembléia Nacional, em janeiro de 1790, aprovado pelo Rei Luís XVI)121, como podemos ver mais adiante: Chaque Département sera divisé en Districts, dont le nombre, qui ne pourra être ni au-dessous de trois, ni au-dessus de neuf, sera réglé par l’Assemblée Nationale, suivant le besoin et la convenance du Département, après avoir entendu les Députés des Provinces.122 Os deputados jacobinos, detentores do poder e das influências governamentais exigidas para a construção do país unificado que estavam tentando implantar, imaginavam que com o novo controle territorial da nação, poderiam eliminar as diferenças sociais, culturais e linguísticas impondo o uso da língua francesa oficial, representante dos cidadãos desta nação imaginadamente livre e democrática, onde as diferenças deveriam ser eliminadas e formas de padronizações sociais e linguísticas deveriam ser respeitadas pela população deste país. Logo, a territorialização de seus domínios e reorganização administrativa deveria formar uma massa unida e indivisível de população portadora de objetivos, de uma única língua e de um discurso exclusivo que pudessem representar a mesma, sem tolerância para o que fosse diferenciado desta fórmula de unificação de um país, como acreditavam os políticos jacobinos a partir de suas empreitadas unificadoras, na medida em que acreditavam na união dos povos da nação liberta pela Revolução, através do controle dos mesmos em seus territórios, que se tornaram locais de neutralização de tudo o que pudesse distinguir indivíduos. Eles deveriam representar a nação e a sua cultura: a da liberdade conseguida no ambiente revolucionário, que deveria ser mostrada como intrínseca a todos os sujeitos e o que fosse diferenciador poderia trazer problemas no que acreditavam ser a igualdade revolucionária. Como podemos verificar no trabalho de Bauman (2005), o critério do nacional para definir os indivíduos em população unificada e igualitária torna-se eliminador de 121 Livro com os decretos sancionados pela Assembléia Nacional, intitulado: Collection Génerale des Décrets rendus par l’Assemblée Nationale, Paris, 1790, encontrado na página da internet do Google Livres, como podemos verificar no seguinte endereço: http://books.google.com.br/books?id=K2X7S9G4eRsC&dq=&pg=PA10&redir_esc=y#v=onepage 122 “Cada departamento será dividido em Distritos, cujo número, que não poderá ser nem abaixo de três, nem acima de nove, será regulamentado pela Assembléia Nacional, seguindo a necessidade e a conveniência do Departamento, depois de ter escutado os Deputados das Províncias.” Tradução nossa. 109 tudo o que pudesse ser contra este projeto unificador, que poderia trazer distinções, como acreditavam, o que consequentemente poderia desfazer o projeto jacobino de controle do país e de seus povos – que se tornariam um só, com uma forma de fala moldada pela escrita oficial e revolucionária -. Desta forma, observaremos o estudo de Bauman sobre a noção de cultural imposto mostrado como parte da natureza de sua população, a fim de ser aceito e difundido. Para se tornar nacional, a cultura tinha primeiro de negar que fosse um projeto: precisava disfarçar-se de natureza. BAUMAN, 2005, p.14. Desta forma, para tal empreitada de unificação nacional, os defensores da administração sobre o domínio do território através do controle jacobino em Departamentos, tentaram propagar seu projeto de liberdade e de molde de indivíduo cidadão para todos os povos que faziam parte do país. Porém, esta empreitada jacobina não conseguiu de uma hora para a outra ter sua expansão feita no território por completo, pois estes políticos conseguiram no máximo dividir a França em regiões distintas para obter o seu controle: em departamentos e distritos, baseados em fatores geográficos, não pelas culturas de suas comunidades. A territorialização das línguas veio junto com a reorganização de suas regiões, havendo com isto a ideia de que as línguas deveriam ser atacadas em seus territórios distintos, definindo, desta forma, a hierarquização das línguas na França através da limitação territorial oriunda do controle jacobino e de sua marginalização de tudo o que fosse visto como contrário aos propósitos revolucionários e aos seus ideais de liberdade. Assim, a língua francesa oficial, vista como perfeita e portadora do discurso revolucionário deveria ser aceita e utilizada por sua população para que a mesma pudesse identificar-se com as imaginadas melhorias vindas da tomada de poder pelos jacobinos. O território definido, administrado e conhecido pelos mesmos deveria possuir uma única língua, acreditada como “pura” e legitimamente formada para representar a nação francesa liberta das influências estrangeiras. O que veremos mais adiante em nosso trabalho. 110 5.3 – O ideal da hierarquização territorial das línguas na França através da defesa do purismo linguístico e da refutação ao considerado “contaminado” Et pourtant, comme il faut bien communiquer, les soldats, les commerçants, les voyageurs et les amoureux ont de tout temps secoué les barrières linguistiques, simplifié les grammaires trop compliquées, déformé les sons trop ardus, bref, tout mélangé de telle sorte qu’il n’existe aucune langue pure et qu’il n’en a jamais existé.123 Malherbe, 1945, p.209. A língua francesa padrão oficialmente imposta pelos políticos jacobinos durante a Revolução Francesa, portadora dos símbolos revolucionários e sobretudo, criadora imaginadamente de um espaço de liberdade de pensamento coletivo – moldado pelos ideais desenvolvidos e forçados a grande população pelos políticos já citados –, de crítica ao social e de reorganização política e comunitária no país, teve sua imagem associada ao projeto prioritário jacobino para a de identificação nacional, na medida em que ela seria vista como única forma aceita de fala e de escrita do povo francês, ou seja, a língua francesa pertence aos franceses (indivíduos que nacionalmente são identificados como parte integrante do país em questão, representantes do mesmo e portadores do discurso revolucionário juntamente com a vontade de dominar a língua que representaria a liberdade para a população que a tivesse como língua oficial). Logo, os propósitos nacionalistas destes políticos pretendiam criar de forma imediata e eficaz no território da nação francesa um ambiente de aceitação e de propagação de suas leis, e sobretudo, proporcionar à sua população uma imaginada liberdade ao expressarem-se em língua vista como pura e perfeita, expressão dos sentimentos nacionais de seu povo e criadora de um país utopicamente igualitário, na medida em que criaria nos seus sujeitos nacionalmente intitulados de franceses uma visão de que a língua é vinculada ao seu território. Desta forma, se o povo francês seria moldado ao acatar dos ideais nacionalistas de igualdade social e de civilização de todos os indivíduos considerados pertencentes ao 123 “E, entretanto, como é necessário comunicar, os soldados, os comerciantes, os viajantes e os apaixonados têm em qualquer momento abalado as barreiras linguísticas, simplificado as gramáticas exageradamente complicadas, deformado os sons rígidos, em resumo, toda a mistura de tal modo que não existe nenhuma língua pura e que não existira jamais uma.” Tradução nossa. 111 território do país, ele deveria aceitar que neste local, nesta nação bem definida e unitária, deveria haver uma forma de comunicação, e ela seria pura e perfeitamente clara a fim de haver um único discurso e uma única maneira de representar a fala destes cidadãos iguais em direitos e em formas de expressão, como os jacobinos incutiram na cultura francesa. Com o ideal de controle sobre o território e sobre os cidadãos – que seriam vistos como uma gama só de sujeitos, sem particularidades que os diferenciassem, como costumes, hábitos e falas distintas, oriundas de culturas por vezes milenares presentes na extensão de terra que chamamos administrativamente de solo francês – a empreitada de eliminação das formas de fala poderia ser mais eficaz, como acreditavam os jacobinos, na medida em que seus cidadãos acreditariam que aceitando o uso da língua de imagem perfeita que estaria sendo imposta, poderiam desfrutar de todos os benefícios conquistados pela Revolução. Porém, para tal aceitação, deveriam ajudar na eliminação de tudo o que poderia fazer com que os mesmos se sentissem diferenciados. Com isto, a língua francesa oficial e seu discurso com imagem de libertador passou a ser hierarquicamente a proprietária politicamente de todo o território francês, através das leis desenvolvidas pelos jacobinos e impostas para todas as comunidades de falas distintas presentes na nação. Mesmo que as mesmas possuíssem suas formas de comunicação já bastante eficazes e que representavam as suas histórias e suas culturas, estas formas de fala deveriam estar abaixo da acreditada língua perfeita, pois seus falantes deveriam submeter-se aos discursos em língua oficial e esconder suas vozes em bretão, catalão, provençal, etc. para serem aceitos na sociedade em questão. Desta maneira, podemos verificar no decreto assinado pela Convenção nacional e desenvolvido pelo abade Henri Grégoire, o ideal de propagação e popularização da língua oficial através da instalação de uma educação pública que pudesse colocar o povo contrololado e moldá-lo para que pudesse eliminar suas diferenças em suas falas. Aprendendo a escrita em língua oficial, suas falas deveriam ser esquecidas, ou mesmo rebaixadas a níveis de marginalização hierarquicamente impostas socialmente pelos jacobinos. 112 Décret La Convention nationale, après avoir entendu le rapport de son comité d’instruction publique, décrète : Le comité d’Instruction publique présentera un rapport sur les moyens d’exécution pour une nouvelle grammaire et un vocabulaire nouveau de la langue française. Il présentera des vues sur les changements qui en faciliteront l’étude et lui donneront le caractère qui convient à la langue de la liberté. La Convention décrète que le rapport sera envoyé aux autorités constituées, aux sociétés populaires et à toutes les communes de la République. 124 Grégoire, 1794, p.19. Desta forma, podemos verificar que com as leis impositivas da língua francesa oficial, no período chamado historicamente de Terror durante a Revolução Francesa, as populações sofreram opressões linguísticas para que pudessem aceitar a hierarquia linguística criada pelos jacobinos. A importância social exigida para a mesma fazia que as línguas que não possuíam escrita standard nem uma forma considerada padrão, fossem vistas como impuras diante da língua oficial que continha a imagem de língua pura e territorialmente, teria maior eficácia ao ser usada pela população francesa em todos os departamentos divididos pelos jacobinos. Ela deveria ser a prioridade máxima para haver uma comunicação vinculada ao discurso revolucionário, só assim os falares e os escritos no país seriam vistos como legítimos, o restante seria encarado como falares contaminados por outros, talvez vindos de outras nações diferenciadas, infiltrados no território francês, como se acreditava e divulgava-se nos discursos dos revolucionários. Ou seja, a considerada pureza da língua francesa oficial deveria criar um ambiente mais claro e livre dos vícios linguísticos trazidos com seus povos durante séculos. Porém, podemos observar em todas as línguas do mundo e em todos os momentos de nossa humanidade que não há língua sem influência de várias formas distintas de fala, na medida em que existe sempre o intercâmbio de mensagens, a troca de informações e o comércio, que fazem as populações interagirem umas com as outras e estas precisam encontrar formas de compreenderem-se. 124 “Decreto. A Convenção nacional, depois de ter ouvido o relatório de seu comitê de instrução pública, decreta: O comitê de Instrução pública apresentará um relatório sobre os meios de execução para uma nova gramática e um vocabulário novo da língua francesa. Apresentará visões sobre as mudanças que facilitação seu estudo e dar-lhe-ão o caráter da língua da liberdade. A Convenção decreta que o relatório será enviado às autoridades constituídas, às sociedades populares e a todas as comunas da República.” Tradução nossa. 113 O ideal revolucionário de nacionalismo, de pureza linguística introduzida em todo o território e sobretudo, de modelo limitado e definido socialmente de sujeito francês (o cidadão defensor das ideias revolucionárias utilizador da língua da liberdade) incutiu nas sociedades européias – e espalhou-se pelo mundo - o imaginário de pureza administrativa vinda da tentativa de organização e do controle prioritário sobre os territórios e a criação de estereótipos de suas populações, que deveriam utilizar o que os políticos jacobinos – no caso francês – consideravam como próprio e puro para a mesma. Mas, no que tange a imagem da língua francesa oficial, o imaginário de pureza dentro de uma linha territorial bem definida e controlada socialmente pelos políticos jacobinos – e pelos outros administradores do país que seguiram seus passos com decisões políticas impositivas e opressoras de suas populações – não é realmente eficaz se observarmos a língua oficial com mais afinco, sem a utopia de que seria algo imutável, não influenciável e sobretudo, puro em sua essência e em sua realização vinculada ao movimento revolucionário. O francês oficial é vinculado sempre como língua herdeira do latim, como o português, o espanhol, o italiano, o romeno, o catalão, o provençal, o occitano, etc.125. Essa afirmação pode ser contestada na medida em que a língua francesa oficial é o resultado de influências e trocas linguísticas de inúmeras formas de fala, como as outras variedades latinas já citadas e a uma modalidade de língua alemã, trazida pelo povo franco, povo que chegou a chamada Île de France (Ilha de França), região onde podemos verificar o centro de toda administração política do país durante séculos e até nossos dias, em 481 depois de Cristo (Bezbakh, 2003) e trouxe consigo suas formas de fala e suas experiências linguísticas oriundas do convívio com outros povos germânicos durante a Antiguidade. Um traço linguístico bastante esclarecedor desta influência e que nos mostra uma origem possível para a língua francesa oficial, é o traço fonético característico da língua alemã também, o som [y] encontrado em inúmeras palavras francesas, como em salut [saly], em révolution [revɔlysjɔ], ou mesmo em production [prɔdyksjɔ]126. Palavras que podem nos evidenciar as influências germânicas e latinas sendo misturadas na 125 As três últimas línguas podem ser desprestigiadas em solo francês, mas continuam sendo vistas como oriundas da língua latina instalada no local desde o período chamado de Antiguidade. 126 Podem ser traduzidos estes temos em francês oficial por “oi”, “revolução” e “produção” em língua portuguesa. 114 formação de uma língua – que pode e dará origem a muitas outras formas de línguas, que terão seus desenvolvimentos naturalmente criados por seus falantes, sem que os mesmos forcem qualquer mudança de maneira forjada -. Este mesmo som vocálico encontrado na língua francesa pode ser encontrado em inúmeras palavras que fazem parte do alemão oficial, como podemos verificar nos seguintes termos: das büro, die küche e die tür. Traduzidos em língua portuguesa encontramos os mesmos da formas a seguir: o escritório, a cozinha e a porta. Logo, observamos que todas as tentativas de isolamento linguístico e de pureza de sons, vocábulos, etc. são contra todas as interações humanas, que representam nossas reais naturezas, a de contatos com grupos distintos e trocas de informações, experiências, e sobretudo, de deslocamentos coletivos e de trocas comerciais. Podemos encontrar outros traços linguísticos existentes na língua francesa oficial com outras origens de línguas, com ou sem status de oficiais nas sociedades que representam. Como observamos se abrirmos qualquer dicionário da mesma, localizaremos palavras oriundas do provençal: pâtisson, nome masculino que pode ser traduzido por abóbora em português; do grego: pathétique, adjetivo encontrado como pathêtikos em sua língua original e patético em português; do inglês: patchouli, nome masculino que nomeia uma planta originária da China utilizada na feitura de inúmeros perfumes no mundo todo, dentre outras palavras. Com isto, podemos perceber que somente na abertura de uma página do dicionário Larousse Francês/Francês (2013), verificamos inúmeras influências de múltiplas línguas e de culturas diversificadas na língua padrão francesa. Neste sentido, observamos que não existe na prática uma língua pura no que tange a sua realidade comunicacional, em que seus indivíduos falantes estão o tempo todo mudando seus léxicos, suas fonéticas, sua classe gramatical, enfim, as estruturas de seus falares, seja de forma sutil ou de forma mais marcada socialmente falando. O que há é a criação de um mito de língua oficial pura e territorialmente adequada aos sujeitos nacionalmente intitulados de franceses habitantes de uma superfície de terra administrativamente controlada por um grupo de sujeitos, em que observamos claramente as intenções políticas dos mesmos, na medida em que precisam criar um ambiente utópico de perfeição e de moldes de indivíduos socialmente aceitos falantes da forma oficial da língua padrão, fim de acentuarem seus controles sobre todos os povos instalados neste mesmo território. 115 As línguas não pertencem ao solo onde os grupos de fala se localizam, mas aos próprios grupos que podem se deslocar por qualquer parte do mundo levando seus falares e suas tradições que passam por alterações de tempo e de influências de seus indivíduos com outros conjuntos de sujeitos, portadores de experiências linguísticas distintas dos primeiros, ou seja, não há maneira de controlar estas forças da natureza humana, de interação, de adaptação e de mudança. Desta forma, podemos afirmar que não há língua pura, única, perfeita e pertencente a um território característico de uma determinada nacionalidade, como politicamente se tenta mostrar através de decretos e em relatos de defensores do ideal de pureza linguística que cada vez mais cai por terra. Com isto, podemos afirmar que para os franceses, a língua é território, nação e indivíduos cidadãos socialmente adequados aos paradigmas de imaginadas libertação e igualdade criados a partir das ideologias defendidas a partir do período revolucionário. Ideal diferente da visão alemã, que vê as outras formas de fala da sua língua como algo natural, intrínseco aos grupos pertencentes ao seu país e até saudável para sua população, ou seja, suas variantes e mesmo outras línguas distintas em seu país são parte integrante de sua cultura e de sua história. Assim, verificamos que o ideal de língua padrão, perfeita, representante única de sua nação e de seus cidadãos defendido pelos jacobinos e perpetuado durante séculos no país em questão pode ser contestado, na medida em que encontramos influências de outras formas de fala inseridas historicamente nas línguas definidas social e politicamente como perfeitas e puras diante das outras línguas presentes em seu território, de mudanças linguísticas decorrentes da evolução temporal de seus grupos falantes e sobretudo do fluxo migratório executado por comunidades de fala que entram, estabelecem-se e interagem com os outros povos presentes no território delimitado administrativamente em nação. Logo, podemos afirmar que as línguas estão em plena mudança social e temporal com seus povos e não são fixas nos territórios onde os mesmos se estabelecem temporariamente. Com isto, verificaremos a tentativa jacobina de delimitar e controlar linguisticamente o território a partir da constatação das múltiplas línguas presentes no país e na sua investida contra as mesmas através do ideal de língua oficial libertadora encontrada nos documentos emitidos pelo abade Henri Grégoire para a feitura de sua pesquisa e analisar as respostas a mesma a fim de investigar o imaginário de hierarquização linguística e de classificação do que seria o “falar bem” e o “falar mal” 116 desenvolvidas no período revolucionário e perpetuadas através dos séculos seguintes, tendo como consequência a marginalização e a opressão do multilinguismo encontrado ainda hoje no país. 117 6 – O etnocentrismo hierárquico jacobino propagado através do ideal de “falar bem” como único meio de comunicação aceito: 6.1 – A pesquisa do abade Henri Grégoire e seus objetivos de imaginário de libertação populacional através da exaltação do francês oficial em escritos de lei Notre langue et nos coeurs doivent être à l'unisson. (...) Quelques moyens moraux, et qui ne sont pas l'objet d'une loi, peuvent encore accélérer la destruction des patois.127 Grégoire, 1794, p.10. A empreitada jacobina de dominação ideológica em todo o território francês e o controle total sobre seus povos distintos fora colocada em prática no período que estes políticos tomaram o controle da nação e implantaram seu regime de perseguição a tudo o que fosse contrário aos seus objetivos transformadores de sua sociedade. Com esta campanha transformadora da política e do social de seu agrupamento de indivíduos, os seus membros foram responsáveis por uma grande mudança ideológica e social em sua conquistada nação francesa, na medida em que conseguiram forçar a troca de representações nacionais – monarquia por democracia, reino por nação livre e igualitária, súditos por cidadãos portadores do discurso revolucionário e da língua da liberdade – que forjaram o país que conhecemos até nossos dias e sobretudo, influenciaram inúmeros grupos de políticos de outros países que colocaram em prática o mesmo modelo de nação indivisível e igualitária, ou seja: que deveria eliminar tudo o que pudesse fazer da mesma diversa em ideais e representações, não controlada e desunida, como puderam imaginar e pôr em prática os jacobinos na Revolução. Em seus documentos de lei conseguiram mostrar que todos os seus esforços de influência política foram possibilitados pela aclamação popular em sua grande maioria, já que havia grupos defensores do regime monarquista e de todas as maneiras consideradas descartadas de formulação social, porém a grande parte da população que era favorável aos preceitos revolucionários tivera que se submeter a inúmeros 127 “Nossa língua e nossos corações devem estar em uníssono”. (...) “Alguns meios morais, e que não são objeto de uma lei, podem ainda acelerar a destruição dos patoás.” Tradução nossa. 118 constrangimentos a fim de conseguir enquadrar-se nos moldes de cidadania idealizados e pregados pelos membros da Convenção. Como já verificamos, um destes membros mais ativos na empreitada da afirmação da língua francesa como oficial em todo o território através de seu uso, aceitação e consequentemente como imaginava, da destruição das línguas centenárias das populações francesas, com suas ideologias de libertação social e de total tentativa de esclarecimento jacobino e transformação dos sujeitos, fora o abade Henri Grégoire. Henri Grégoire fora responsável por um estudo significativo no que tange o multilinguismo francês, mesmo que seu objetivo primordial tenha sido o de exaltar a língua francesa oficial em seus documentos de lei escritos para a Convenção e a eliminação das línguas regionais a partir da aceitação e do domínio do idioma que traria liberdade para todos os indivíduos que a dominassem, como fora ideologicamente difundido pelo abade e por outros políticos jacobinos, como o político Barère de Viuzac (1755-1841), que escreveu projetos e petições para a defesa da língua oficial e a destruição dos chamados “patoás” pelo mesmo e pelos membros da Convenção, como podemos verificar nos seguintes escritos do deputado em questão que veremos adiante. Citoyens, la langue d'un peuple libre doit être une et la même pour tous.128 (...) (...) Il faut populariser la langue, il faut détruire cette aristocratie de langage qui semble établir une nation polie au milieu d’une nation barbare. Nous avons révolutionné le gouvernement, les lois, les usages, les mœurs, les costumes, le commerce et la pensée même; révolutionnons donc aussi la langue, qui est leur instrument journalier.129 Vieuzac, 1794, p.5. Neste ambiente de mapeamento e reconhecimento das populações e seus costumes para o controle do que teria caráter marcado (Labov, 1974) linguisticamente dentro da 128 “Cidadãos, a língua de um povo livre deve ser uma e a mesma para todos.” Tradução nossa. “É necessário popularizar a língua, é necessário destruir a aristocracia de linguagem que parece estabelecer uma nação polida em meio a uma nação bárbara. Nós revolucionamos o governo, as leis, os usos, os modos, os costumes, o comércio e o pensamento mesmo; revolucionemos então a língua também, que é seu instrumento jornalístico.” Tradução nossa. 129 119 sociedade francesa, observamos a tentativa de delimitar onde eram faladas as línguas regionais a partir do questionário escrito pelo político e abade Henri Grégoire, que em suas 43 questões sobre os modos, costumes e as formas de fala consideradas impróprias para a nação livre e igualitária que surgia tentou verificar o quanto era ignorado o idioma nacional que estaria sendo imposto, quais seriam as maneiras de eliminar as línguas regionais, além de observar quais eram os costumes e formas de fala que se poderia identificar no território, a fim de procurar meios de enviar instrutores para introduzir a língua oficial em todas as partes do país. Podemos verificar o seu questionário sobre os modos e as formas de falas das populações francesas em francês oficial a seguir. A tradução de suas questões encontrase na página 44 deste trabalho de tese. 1 – L’usage de la langue française est-il universel dans votre contrée. Y parle-t-on un ou plusieurs patois ? 2 – Ce patois a-t-il une origine ancienne et connue ? 3 – A-t-il beaucoup de termes radicaux, beaucoup de termes composés ? 4 – Y trouve-t-on des mots dérivés du celtique, du grec, du latin, et en général des langues anciennes et modernes ? 5 – A-t-il une affinité marquée avec le français, avec le dialecte des contrées voisines, avec celui de certains lieux éloignés, où des émigrants, des colons de votre contrée, sont allés anciennement s’établir ? 6 – En quoi s’éloigne-t-il le plus de l’idiome national ? n’est-ce pas spécialement pour les noms des plantes, des maladies, les termes des arts et métiers, des instruments aratoires, des diverses espèces de grains, du commerce et du droit coutumier ? On désirerait avoir cette nomenclature. 7 – Y trouve-t-on fréquemment plusieurs mots pour désigner la même chose ? 8 – Pour quels genres de chose, d’occupations, de passions, ce patois est-il plus abondant ? 9 – A-t-il beaucoup de mots pour exprimer les nuances des idées et les objets intellectuels ? 10 – A-t-il beaucoup de termes contraires à la pudeur ? Ce que l’on doit en inférer relativement à la pureté ou à la corruption des moeurs ? 11 – A-t-il beaucoup de jurements et d’expressions particulières aux grands mouvements de colère ? 120 12 – Trouve-t-on dans ce patois des termes, des locutions très-énergiques, et même qui manquent à l’idiome français 13 – Les finales sont-elles plus communément voyelles que consonnes ? 14 – Quel est le caractère de la prononciation ? Est-elle gutturale, sifflante, douce, peu ou fortement accentué ? 15 – L’écriture de ce patois a-t-elle des traits, des caractères autres que le français ? 16 – Ce patois varie-t-il beaucoup de village à village ? 17 – Le parle-t-on dans les villes ? 18 – Quelle est l’étendue territoriale où il est usité ? 19 – Les campagnards savent-ils également s’énoncer en français ? 20 – Prêchait-on jadis en patois ? Cet usage a-t-il cessé ? 21 – A-t-on des grammaires et des dictionnaires de ce dialecte ? 22 – Trouve-t-on des inscriptions patoises dans les églises, les cimetières, les places publiques, etc. ? 23 – Avez-vous des ouvrages en patois, imprimés ou manuscrits, anciens ou modernes, comme droit coutumier, actes publics, chroniques, prières, sermons, livres ascétiques, cantiques, chansons, almanachs, poésie, traductions, etc. ? 24 – Quel est le mérite de ces divers ouvrages ? 25 – Serait-il possible de se les procurer facilement ? 26 – Avez-vous beaucoup de proverbes patois particuliers à votre contrée ? 27 – Quelle est l’influence respective du patois sur les moeurs, et de celles-ci sur votre dialecte ? 28 – Remarque-t-on qu’il se rapproche insensiblement de l’idiome français, que certains mots disparaissent, et depuis quand ? 29 – Quelle serait l’importance religieuse et politique de détruire entièrement ce patois ? 30 – Quels en seraient les moyens ? 31 – Dans les écoles de campagne, l’enseignement se fait-il en français ? les livres sontils uniformes ? 32 – Chaque village est-il pourvu de maîtres et de maîtresses d’école ? 33 – Outre l’art de lire, décrire, de chiffrer et le catéchisme, enseigne-t-on autre chose dans ces écoles ? 34 – Sont-elles assidûment surveillées par MM. les Curés et Vicaires ? 35 – Ont-ils un assortiment de livres pour prêter à leurs paroissiens ? 36 – Les gens de la campagne ont-ils le goût de la lecture ? 121 37 – Quelles espèces de livres trouve-t-on plus communément chez eux ? 38 – Ont-ils beaucoup de préjugés, et dans quel genre ? 39 – Depuis une vingtaine d’années, sont-ils plus éclairés ? leurs moeurs sont-elles plus dépravées ? leurs principes religieux ne sont-ils pas affaiblis ? 40 – Quelles sont les causes et quels seraient les remèdes à ces maux ? 41 – Quels effets moraux produit chez la révolution actuelle ? 42 – Trouve-t-on chez eux du patriotisme, ou seulement les affections qu’inspire l’intérêt personnel ? 43 – Les ecclésiastiques et les ci-devant nobles ne sont-ils pas en butte aux injures grossières, aux outrages des paysans et au despotisme des maires et des municipalités ? Neste sentido, podemos observar que com sua pesquisa, o abade procurou auxiliar seus companheiros de Convenção a fim de encontrar uma forma política e social de gerir os territórios com populações distintas, para que as mesmas fossem ligadas por uma força representativa governamental e linguística com o objetivo ideológico de promover a paz, a aceitação das normas definidas pelos jacobinos e sobretudo, que as mesmas comunidades de fala pudessem ter relações cooperativas para o bem estar nacional, seja na parte econômica, seja no nível da proteção de seus bens territoriais. Porém, todos os costumes centenários - ou milenares, no caso das línguas basca ou da bretã – como os encontrados nas culturas das comunidades falantes das línguas regionais, não eram consideradas bens nacionais, mas elementos retrógrados na medida em que eram mostradas pelas campanhas jacobinas de destruição das mesmas como resquícios da ignorância trazida com o Antigo Regime e seus representantes que estavam sendo aniquilados publicamente a fim de servir de exemplo para os indivíduos que fossem contra os seus intuitos revolucionários, além de mostrar que o que existia como sociedade francesa estava sendo destruída para a implantação de uma nova forma de organiza-la. Logo, as línguas regionais, vista como “patoás” pejorativamente pelos que dominavam o discurso revolucionário a partir do conhecimento e do uso da língua francesa oficial, seriam empecilhos aos objetivos jacobinos de unificação e discurso uno em língua oficial (Gazier, 1880). O bilinguismo e o multilinguismo eram vistos como atraso social, político e econônimo no país, já que, na visão jacobina de organização social, a diversidade de formas de fala, não possuidoras de escrita oficializada, nem de um status de línguas, seriam representações da imaginada desunião que poderia 122 proporcionar as diversas maneiras de fala dentro de um único reino, como eram mostradas as mesmas pelos políticos em questão, a fim de proporcionar a aceitação da língua francesa oficial e as suas consequentes eliminações. Neste sentido, podemos verificar que a perspectiva de uma nação multilingue era associada a um certo atraso social pelos jacobinos, na medida em que essa compreensão de que uma Babel poderia retardar os objetivos dos mesmos tão cultuados na Convenção e postos em prática de forma efetiva no período chamado de Terror, como podemos verificar a seguir na declaração do abade Henri Grégoire em seu relatório para a mesma. Ainsi, avec trente patois différents, nous sommes encore, pour le langage à la tour de Babel , tandis que pour la liberté nous formons l'avant-garde des nations.130 Grégoire, 1794, p.8. Com o seu questionário, o abade Henri Grégoire conseguiu em quatro anos obter inúmeras respostas de aceitação ao seu objetivo de destruir as falas que representavam a expressão da ignorância, segundo os discursos jacobinos, e outras de repúdio a campanha de eliminação das suas formas de fala e de suas identidades já bem definidas pela natural aglomeração de indivíduos que se relacionavam socialmente formando povos com experiências e reconhecimentos de si próprios e de sua população. Logo, a sua campanha civilizatória de padronização de indivíduos – os mesmos deveriam ser o modelo de portador do discurso revolucionário por todo o território francês, com o uso da língua da liberdade que os afastaria de todas as ignorâncias, barbarismos e selvagerias imaginadas pelos jacobinos, pois com o uso da língua oficial, todas as mentes e todas as falas tornar-se-iam mais claras e ideologicamente libertas das amarras desenvolvidas durante séculos – e de uniformização de discursos e ideais pode ser visto em seu questionário que, segundo nos estudos propostos por Certeau, Julia e Revel (1974), o abade em seu questionário explora os seguintes temas: Nas questões 29 e 30, temos o objetivo principal de sua pesquisa, que seria engajar 130 “Assim, com trinta patoás diferentes, nós estamos ainda como a Torre de Babel, enquanto que para a liberdade nós formamos a vanguarda das nações.” Tradução nossa. 123 indivíduos na empreitada de aniquilação das variantes regionais e aceitação da língua francesa oficial, a partir da inferiorização social e política das mesmas diante da imaginada língua da liberdade; Na de número 41, observamos a conjuntura política, na medida em que tenta pôr em evidência os efeitos da Revolução; Na de número 42 vemos uma questão de incentivo a uma provável adesão ao patriotismo; Vemos na questão 43 o interesse do abade com situação dos eclesiásticos e nobres nas províncias francesas, já que os mesmos deveriam aceitar as mudanças obtidas pela Revolução, ou seriam punidos pelo regime do Terror, do qual o abade fazia parte; Na questão de número 1, podemos observar a preocupação do abade com o uso da língua oficial no território nacional francês, da mesma forma que a utilização e o número de variantes regionais faladas em cada província; Nas questões 17 e 18, observamos a curiosidade do abade no que tange os papéis destas variantes regionais para seus povos falantes, pois estes poderiam ser mudados se fossem identificados; Nas questões 7, 8, 9, 10, 11, 13 e 14, verificamos a pesquisa sobre a realização lexicológica e fonética das línguas regionais; Nas questões 5 e 12, encontramos a investigação sobre o papel das línguas regionais diante da língua oficial, o que possibilitou ao abade a tentativa de depreciação das mesmas em meio a seus falantes; Nas questões 9, 10, 38, 40 e 41, o abade indaga sobre os modos e costumes sociais de seus grupos de falantes, Nas questões 29 e 30, verificamos o ideal de destruição de seus papéis sociais, para consequentemente, como acreditavam os jacobinos e o abade Henri Grégoire, sobretudo, o extermínio das mesmas, para nossos trabalhos de pesquisa, as perguntas mais importantes a se verificar as respostas dos correspondentes; Nas questões 19 e 20, vemos a importância dada pelo abade ao uso da língua francesa oficial; E nas questões de números 21, 22, 23, 24 e 25, podemos observar a importância de se destacar a inexistência de escritas oficiais em línguas regionais, com o questionamento sobre as obras literárias, ou inscrições registradas nas mesmas e a existência provável de gramáticas ou dicionários, a fim de mostra-las hierarquicamente 124 abaixo da língua oficial, na medida em que o argumento de que os escritos na forma padrão de língua aceita politicamente dariam um status de idioma nacional ao único aceito pelos jacobinos. Assim, podemos observar que o objetivo do abade de menosprezar as línguas regionais ao difundir seu questionário por todas as comunidades de fala das mesmas ou mesmo de variantes da língua francesa oficial, como havia nas regiões com mais contato com a capital do país -, conseguiu ter bastante adesão ao que verificamos nas respostas ao questionário, pois os correspondentes em sua grande maioria, mostravamse dispostos a ajudar o ideal jacobino de unificação ao destruir o que seria diverso em sua nação. Ou seja, a hierarquização das línguas faladas no território francês tornara-se efetivamente criada na França do período do Terror, como verificaremos mais adiante neste trabalho de tese. 6.2 – Respostas ao questionário: adesões e rejeições ao ideal jacobino de eliminação das línguas regionais Ce qu’il y a de plus pressant dans le moment, c’est que la langue nationale s’introduise dans nos campagnes; ce maudit idiome particulier à nos villageois est leur fléau et le tombeau de l’instruction sous quelque autre forme qu’elle se montre.131 Balibar e Laporte, 1974, p.85132. O abade Henri Grégoire em seu questionário incutiu a ideologia jacobina de controlar o que seria politicamente encarado como comum a sua população - no caso da 131 “O que há de mais urgente no momento, é a língua nacional introduzir-se nos campos; este maldito idioma particular de nossos camponeses é seu flagelo e o túmulo de instruções sob qualquer outra forma que ela se mostre.” Tradução nossa. 132 Relato de um administrador do distrito de Sauveterre-d’Aveyron, na região dos Pirineus, em 5 de janeiro de 1792, citado por Brunot e mencionado por Balibar e Laporte (1974). 125 imagem da língua francesa oficial apresentada aos correspondentes - e a doutrina do poder de autorização vindo somente destes políticos que em suas visões, possuíam a autoridade sobre todos os povos que faziam parte da nação que se formara a partir da tomada dos mesmos ao poder. Neste sentido, os representantes do governo possuíam a autoridade de cobrar a eliminação das línguas regionais do país e a adoção da língua oficial pelos grupos de populações falantes das mesmas, que se tornariam civilizadamente aceitos ao anularem seus modos de vida para aceitarem ser o modelo de cidadão nacionalmente reconhecido como francês. A autoridade de decidir quais seriam os componentes deste modelo de sujeito cidadão falante da língua oficial e do discurso revolucionário, vistos como responsáveis pelos ganhos sociais adquiridos com a Revolução, veio dos jacobinos, que impuseram seus modos de conceber o que seria social durante o período revolucionário e os mesmos foram aceitos e propagados por todo o território do país (e mesmo em outros países que tiveram suas influências para a formação de seu ideal de centralidade governamental). Podemos observar que fora criada a necessidade de sua autorização do que seria aceito como língua na sociedade francesa que se reformulava. O abade Henri Grégoire, como representante da Convenção jacobina dirigiu-se aos cidadãos franceses com seu questionário, como o porta-voz do governo objetivando conseguir uma grande aceitação ao ideal de haver uma nação, uma língua que estes políticos pensavam ser necessário para que existisse paz entre seus cidadãos e compreensão do que eles impunham. Esta cadeia de poder obtido pelos jacobinos fez com que o abade sentisse que seria o porta-voz da empreitada linguística do regime que representava, havia em suas palavras a autorização do governo que tomara o poder. Isto permitiu que o mesmo fosse respondido por inúmeros correspondentes ao seu questionário em muitas partes do território francês. A autoridade de quem fala ou escreve documentos de lei é sempre levada em consideração, na medida em que o mesmo representa a oficialidade de um grupo de indivíduos, como podemos observar no trabalho de Bourdieu (2001) a seguir. Le pouvoir des paroles n’est autre chose que le pouvoir délégué du porte-parole, et ses paroles – c’est-à-dire, indissociablement, la matière de son discours et sa manière de 126 parler – sont tout au plus un témoignage et un témoignage parmi d’autres de la garantie de délégation dont il est investi.133 Bourdieu, 2001, p.47. Para tal observação do fato da hierarquização das línguas na França e o ataque ao multilinguismo desencadeado pelo ideal jacobino do “falar bem” vinculado a língua oficial e ao discurso revolucionário e do “falar mal” associado às línguas regionais que deveriam ser conhecidas para serem eliminadas, como acreditava o abade Henri Grégoire, Barrère e outros políticos jacobinos, analisaremos as respostas134 ao questionário do abade, publicadas por Albert Gazier (1880), com reedição da editora Slatkine Reprints135, Genebra, 1969 e com o auxílio dos estudos de Michel de Certeau, Júlia Dominique e Jacques Revel (1975) sobre a política da língua francesa, através da procura por estigmatizações (caráter marcado, desenvolvido por Labov, 1972) das línguas regionais apresentadas pelos correspondentes e o imaginário do francês, língua oficial, como falar perfeito e claro perpetuado com a Revolução, a fim de verificar o quanto o ideal de “falar bem” e de “falar mal” pôde hierarquizar as línguas na França. Línguas mostradas pelos autores como pertencendo aos departamentos do sul da França Nº 1 Correspondente Região coberta pela resposta Data Posicionamento Primeira resposta ao questionário de Henri Grégoire. O correspondente envia uma carta a favor do ideal jacobino de divulgação da língua oficial, porém, não é totalmente em prol da 133 “O poder das palavras não é outra coisa que o poder delegado ao porta-voz, e suas palavras – quer dizer, indissociavelmente, a matéria de seu discurso e sua maneira de falar – são no máximo um testemunho e um testemunho entre outros da garantia de delegação conferida a ele.” Tradução nossa. 134 Os autores mostram que em suas obras conseguiram coletar a grande maioria das cartas de resposta ao abade, mas acentuam que algumas delas podem ter sido perdidas durante a passagem do tempo, transferência de local, etc. 135 Editora especializada em reimpressão de textos raros, situada em Genebra, na Suíça. Atende pelo seguinte site: http://www.slatkine.com/fr/nouveautes/editions-slatkine. 127 Auguste Rigaud 2 3 Sociedade dos Amigos da Constituição de Carcassonne François Chabot, professor e guardião dos Capuchinhos de Rodez. Montpellier Languedoc Departamento de Aveyron (antiga Alta Languedoc) 28/01/1791 Sem data. 4e 8/09/1790 eliminação da língua regional que se encontrava com os indivíduos de sua província. Não nomeia esta língua, chama-a de “linguagem patoá” e mostra a distinção social das pessoas que utilizam a mesma e a língua oficial, indicando a soberania da última e a forma lúdica da primeira ao enviar fábulas em língua regional. O correspondente chama a língua regional de jargão e o identifica como linguagem corrompida do italiano, do espanhol e do francês. Defende a eliminação da língua regional afirmando que o povo seria mais civil, doce e menos livre em seus propósitos. Chama a língua regional falada em sua região de língua vulgar, patoá grosseiro. Mostra-se a favor da imposição da língua oficial a população que representa, na medida em que acredita que uma língua comum multiplicaria as relações comerciais de província a província. Porém, acredita que a língua regional é importante para a população e que o ensino poderia ser nas duas línguas, pois não vê nenhum perigo em um governo democrático a existência da multiplicidade de falas e cultos. Envia um estudo em língua regional com um dicionário francês/aveyronnais. As respostas deste correspondente são curtas e ele mostra-se contra a 128 4 5 6 Anônimo Languedoc Sem data. Amigos da Constituição d’Auch Departamento do Gers (Armagnac) Sem data Anônimo Departamento do Gers (Gascogne) Sem data. Amigos da Departamento eliminação da língua regional que defende como elemento natural de sua região, como o Sol, o frescor das noites, o gênero dos alimentos, a qualidade das águas e o próprio homem (sic). Acredita que não há importância política e religiosa de destrui-la. O mesmo define-a como influenciada pelo espanhol, o aragonês e o catalão (principalmente). Encaram a fala em língua regional como dura, pesada, grosseira, como se o indivíduo estivesse nervoso ao fala-la. Define-a como a língua francesa ainda bruta. Defende a destruição da mesma pois a vê como indigna de ser usada para rezar, logo, indigna de Deus. Compara o francês oficial sendo mais polido que a língua regional (gascão), na medida em que a mesma é vista como pesada, com sotaque acentuado, e utilizado de boca cheia (sic). Envia exemplos de provérbios e um poema em gascão. Não se posiciona sobre a tentativa de eliminação da língua regional em sua região. Define a língua regional como tendo a mesma origem que o italiano e o espanhol, com derivações do celta e com algumas palavras em árabe136. Os mais cultos da sua região falam francês, como diz o correspondente. Cita um 136 O que nos mostra que não há meios de delimitar onde começa uma língua, onde termina outra, pois todas possuem influências, trocas, empréstimos, etc. Não há língua pura, nem nunca houve em parte alguma do mundo. 129 7 8 9 10 Constituição d’Agen do Lot-etGaronne 27/02/1791 Páraco Grégoire Região de Valence d’Agen 27/02/1791 Pierre Bernadau, advogado Distrito de Bordeaux (Gironde) 4/09/1790 Mont-de-Marsan Sem data. Sociedade dos Amigos da Constituição de Mont-de-Marsan autor literário de sua região, Goudoulin (1580-1649) de Toulouse. Não se posiciona sobre a tentativa de eliminação da língua regional em sua região. Somente aborda o fato da necessidade da instrução pública em língua oficial. Envia uma música em gascão. Carta bem curta onde mostra que a língua falada em sua região é corrompida de origem italiana, espanhola e francesa. Envia carta de resposta com o Direito do Homem e do Cidadão em gascão e em francês. Acredita que a língua regional – tratada como jargão – seria substituída pelo francês oficial naturalmente, já que constata a aproximação do gascão com a mesma de tempos em tempos. Não vê problema na destruição da língua regional. Fala igualmente do gascão mostrando que o mesmo é um francês alterado, corrompido e misturado. Logo após em sua carta, define a língua regional como uma mistura corrompida de latim, francês, espanhol e italiano. Envia um conjunto de termos em gascão. Defende a destruição da língua regional, pois assim o ensino da escrita e da leitura em língua oficial seria mais eficaz e as ideias morais dos indivíduos seriam civilizadas. Declara que a língua francesa tem uso em todo o 130 11 12 Amigos da Constituição de Périgueux Périgueux 28/11/1790. Dithurbide País Basco Maio de 1794. território citado, mas indica que é somente falada pela população abastada das cidades e que o povo “menor” fala somente o périgourdin (sic). Define esse idioma como a antiga língua d’oc modificada pela grosseria (sic) e pela miséria (sic) dos habitantes. Acredita que com a aniquilação das línguas regionais e a implantação de um só idioma a população não seria mais enganada pelos governantes. Qualifica o povo basco como livre e que o abade Henri Grégoire traria justiça para o mesmo ao possibilitar o acesso a língua oficial, na medida em que acreditava que seria uma população isolada por causa de sua língua regional. Defende a tradução em língua basca dos discursos revolucionários para que os indivíduos comecem a compreender a Revolução e acredita na aceitação da língua francesa oficial pelos mesmos para que os mesmos enquadrem-se nos escritos revolucionários através do aprendizado leitura e da escrita em língua oficial. Caracteriza a língua regional como corrompida e uma mistura disforme de línguas vizinhas, tanto antigas quanto modernas (sic). Gazier indica que muitas partes da resposta deste grupo foram perdidas, com sátiras, canções de natal, 131 13 14 Amigos da Constituição de Maringues Puy-de-Dome, departamento da região de Auvergne Sociedade dos Amigos da Departamento de Haute- Sem data. 06/11/1790 etc. Nas folhas que sobraram, os correspondentes explicam a origem do nome da região e citam a passagem de Vercingétorix137 contada em canções com seus feitos heróicos. Diz que a língua francesa oficial não é quase utilizada na região, pois a língua regional é bastante falada. Define-a como bem variável de localidade a localidade e chama-a de mistura corrompida de muitas palavras francesas com um idioma sem nenhuma relação com o latim, nem com o celta, nem com o grego, nem com nenhuma outra língua regional falada pelas vizinhanças da região. Porém, indica que em geral todos compreendem o francês oficial. Acredita que por haver muitas línguas regionais na região e nas próximas e as mesmas possuírem termos compostos, radicais específicos construções regulares, etc. seria mais difícil extirpa-las (sic). Defende o uso de uma só língua em uma única nação, mostrando que o francês oficial atingira com a Revolução a sua perfeição e que ele baniria tudo o que seria contrário a pureza e a claridade de 137 Personagem histórico da cultura francesa. Era chefe de uma tribo de gauleses na região de Auvergne entre 72 e 46 antes de Cristo, segundo a Enciclopédia Larousse Online. É considerado como o “fundador da identidade nacional francesa”, na medida em que é mostrado como o responsável pela resistência gaulesa ao invasor romano (Bezbakh, 2003). Esta crença torna sua imagem mítica e as populações do local fizeram várias odes de exaltação a este símbolo regional que se tornou a origem do nacionalismo no país. Na resposta ao abade, os Amigos da Constituição de Maringues, explicam a origem do nome de uma parte de rua região: Limagne, que quer dizer lis magna, em homenagem aos grandes combates que ocorreram no território entre os gauleses do capitão – como é chamado pelos correspondentes – e os romanos Gazier (1880). 132 15 16 17 Constituição de Limoges Vienne Colaud de la Salcette Dauphiné138 18/2/1792. Claude –François Achard, representante da Biblioteca Nacional de Marseille. Da cidade de Marseille Em 1792. Senard De Toulouse 01/09/1790 estilo. Mas, acredita que um decreto que desaprova a língua regional seria contrário a liberdade e seria contrário ao seu objetivo. Declara que o uso da língua francesa é universal em sua região e que existe uma língua regional bem variável coexistindo com a oficial. Responde que não haveria importância em destruir a língua regional em seu território, na medida em que a mesma era tão falada quanto à língua oficial, podendo ser eliminada sem prejudicar a sociedade que fazia parte. Envio de uma obra escrita pelo mesmo em língua francesa padrão, sobre a língua provençal, apresentado ao Comité de Instrução Pública, contendo explicações sobre a sintaxe, a fonética, a classe gramatical das palavras, etc e poesias em provençal (de autores famosos como Goudoulin ou de autores desconhecidos). Recusa a responder, pois indica os escritos de M. le Chevalier de Méja, autor de textos sobre Toulouse, seus costumes e sua língua. 138 Antiga província situada ao sudoeste da França que hoje é chamada de departamento do Rhône, cuja capital é Grenoble. 133 Línguas mostradas pelos autores como pertencendo aos departamentos do norte da França Nº 1 Correspondente Região coberta pela resposta Lorain Fils Departamento do Jura, distrito de Saint-Claude Data 14/09/1970 139 . 2 Joly, advogado e juiz da região Departamento do Jura, distrito de Saint-Claude 7/9/1790. 3 Rochejean Salins, Tournon (Ardèche), Beaucmarchais e Sully, na Sem data. Posicionamento Voluntário na resposta ao questionário de Henri Grégoire, pois declara ter conhecimento do mesmo do número 370 do jornal Patriote français (Patriota Francês). Diz não saber muito da língua grosseira (sic) de seus pais e que a língua francesa oficial é muito usada em sua região, porém responde a todas as questões tentando mostrar que o uso da língua padrão substituiria a ignorância, a simplicidade e a grosseria da população trazidas pela língua regional, chamada de patoá. O correspondente não domina muito o francês oficial, logo responde a maioria das questões em franc-comtois misturado com a língua francesa padrão. Constata a existência de um patoá (sic) influenciado pelo espanhol e com traços do alemão. Verifica que a população fala também um mau francês. Diz que a língua regional de Sully é um velho francês corrompido. Declara que a língua regional do norte de sua região e o francês 139 O autor data sua carta com a indicação acima e complementa com a seguinte frase: “L’na 2 de l’ère de la Liberté française” (“Ano dois da era da Liberdade francesa.”). Tradução nossa. 134 região de Franche-Comté. 4 Anônima 5 Padre d’Arnayle-Duc 6 Abade Bernadet, presbítero de Mazille 7 Oberlin Mâconnais, Dombes e Bresse, distritos da região de Saône-et-Loire. Bourgogne 13/08/1791. Sem data. Diocèse de 28/12/1790. Mâcon, perto de Cluny, distritoda região de Saône-etLoire Alsácia 28/08/1790. são mais grosseiros e menos francês (sic), mostrando que a língua nacional, como chama a língua padrão progredia sensivelmente no território. Acredita que a destruição da língua regional favoreceria a igualdade revolucionária unindo a população em nacionalidade francesa. A língua francesa só é usada pelas pessoas abastadas das cidades e as pessoas do campo entendem-na, mas não a falam. Acredita que a destruição da língua regional daria como consequência a politização dos indivíduos e a identificação dos mesmos com as cidades. Escreve que se fala francês em sua região, acrescentando que o mesmo seria o bom francês. Não respondeu a questão 29, sobre a destruição das línguas regionais, alegando não haver possibilidades de desenvolver uma resposta. Acredita que o francês oficial é falado em toda a região. Não responde a todas as questões do questionário, mostrando que a população não gosta de leitura e não se interessa pela instrução de suas crianças, já que não possuem professores. Envio de um estudo sobre a língua regional da região: Essai sur le patois lorrain (Oberlin, 1775). Envio de uma segunda carta com uma explicação sobre 135 8 Oberlin (segunda carta) Alsácia 9 Padre Aubry Bellevaux, comuna da região de Rhône-Alpes 10 11 Padre Aubry Padre Aubry 13/11/1790. Sem data. Ducado de Bouillon, atualmente território da Bélgica. Sem data. Bourgogne Sem data. as línguas regionais da região, que seriam corrompidas e alteradas o tempo todo. Sugestiona ao abade o encontro dos correspondentes a fim de fazerem um estudo sobre as línguas do país. Não se mostra a favor da destruição da língua regional de sua região. Diz que a língua valona é comum a todos os habitantes da região e dos Países Baixos. Chama-a de língua natural e de francês antigo. Mostra que a mesma é uma mistura de línguas ao receber influências do francês, do espanhol, do alemão, do italiano, do flamando, do holandês e do inglês. Diz que a língua regional é escrita por mais de quinhentos anos com os caracteres franceses, antes usavam letras rúnicas. Acredita que por causa da simplicidade de sua população, a língua valona não poderia ser destruída, pois é usada pela população naturalmente, com energia e abreviação (sic), fazendo da comunicação rápida e eficaz. Mostra que não há necessidade de destruir algo que faz parte da região já que a mesma aceita a Revolução. Envio de um dicionário da língua valona (valão), disposto em francês oficial/ valão e valão/ francês oficial. Envio de um livro de verbos com várias conjugações em língua 136 12 Eclesiástico Hennebert Picardia 28/11/1790. 13 Eclesiástico Hennebert Picardia 28/11/1790. 14 Eclesiástico Hennebert Picardia 28/11/1790. 15 Poupart, padre de Sancerre Antiga província de Berry, Centro 9/11/1790. Poitou Sem data. 16 Pressac, padre e procurador da comuna de Saint-Gaudant valona. Responde que a língua francesa é usada universalmente em sua região, exceto em Artois flamanda, que utiliza o flamando. Acredita que a língua dos camponeses tenha se desrustificado com o tempo e as novas experiências com a Revolução. Sobre a destruição da língua regional, o flamando, como um meio de melhorar as comunicações na região. Envio de um guia em língua picarda com nomenclaturas (sic) da língua regional para o francês. Envio de duas canções em língua picarda. Declara encontrar alguns patoás em sua paróquia, havendo camponeses que só erram em gramática francesa, como aqueles do entorno de Paris. Declara que o povo fala a língua de Rabelais, o Sancerrois, e que seria muito importante a destruição das línguas regionais da França, já que como François I140 havia ordenado que houvesse somente uma língua oficial. Carta bastante curta. O correspondente declara haver canções, anedotas, etc, em língua regional e apresenta-se como incapaz de responder a todas as questões, sobretudo, a que pergunta sobre a destruição da fala local questionada 140 Vemos aqui o mito sobre a origem da hierarquização e da imposição da língua francesa oficial em todo o território, em que observamos que não houve da parte do rei François I a ordenação de que a língua oficial seria a francesa, mais qualquer uma que fosse do reino francês, como vimos no capítulo 2.2, na página 17 deste trabalho. 137 17 Pressac Poitou Sem data. 18 Pierre Riou, lavrador Côte-du-Nord (Côtesd’Armor) e Finistère. Sem data. por Henri Grégoire. Declara que o uso da língua francesa oficial é comum em sua região e que não há nenhuma língua regional. Anuncia que o povo do campo fala um francês alterado, corrompido, que não se diferencia de vilarejo a vilarejo. Acha que com a destruição da mesma a política ganharia, mas a religião perderia. Afirma que havia ensino de francês em sua região, porém em francês ruim, pois havia mistura de termos em língua regional. Responde a todas as questões com muito zelo, segundo Gazier (Gazier,1880), mas com bastante dificuldade de usar a língua francesa padrão. Afirma que o uso da língua francesa oficial é muito raro, pois o seu povo fala somente o bretão. Define esta língua como de origem antiga, celta e que a população afrancesa algumas palavras em bretão como consequência da ignorância do mesmo (sic). Faz um relato histórico da chegada da língua e de seu povo na França, mostrando que visitou a Inglaterra e pôde constatar familiaridades nas línguas do país visitado e a sua. Declara que há variação no bretão da França de paróquia em paróquia e que perde o sotaque à medida que se aproxima de um outro condado. Mostra-se neutro a destruição do bretão e diz que o próprio 138 19 Lequinino (?)141 Morbihan, Côte-du-Nord (Côtesd’Armor) e Finistère. Sem data. abade Henri Grégoire pode julgar qual seria a importância de destruir a língua de seu povo. Com um discurso bastante esclarecedor, consegue descrever sua região, seu povo e sua língua de forma bastante esclarecedora. O correspondente declara que se fala somente o bretão nas regiões citadas. E que o mesmo aproxima-se sensivelmente do francês. Afirma que o bretão tem papel de manter os povos camponeses no isolamento, na ignorância e na desconfiança pelos cidadãos da cidade. Acredita que com a destruição do bretão o povo adquiriria uma existência mais política, religiosa e estariam mais próximos da verdade. 141 O próprio Gazier coloca em dúvida essa referência em seu livro de coletânea de respostas ao questionário do abade Grégoire. 139 Logo, podemos com estas avaliações obtivemos os seguintes resultados: Línguas mostradas pelos autores como pertencendo aos departamentos do sul da França 17 respostas catalogadas: 15 a favor da destruição das línguas regionais e duas contra. Adjetivos usados para definir as línguas regionais em “falar mal”: jargão, falar corrompido, língua vulgar, dura e bruta, patoá grosseiro, indigna para ser falada ou escrita, uma mistura de falares, etc. Adjetivos usados para definir a língua oficial em “falar bem”: doce, polida, civilizada, libertadora, etc. Defesa das línguas regionais: língua natural como o Sol, a natureza do solo, como seu povo; recusa a responder (correspondente de Toulouse que enviou escritos de M. le Chevalier de Méja, autor de textos sobre Toulouse) Línguas mostradas pelos autores como pertencendo aos departamentos do norte da França 19 respostas catalogadas: 6 a favor da destruição das línguas regionais, 3 contra e 10 respostas neutras. Adjetivos usados para definir as línguas regionais em “falar mal”: língua grosseira, simples, rústica, sem gramática, etc. Adjetivos usados para definir a língua oficial em “falar bem”: língua nacional, boa, com literatura. Defesa das línguas regionais: língua natural, francês antigo, parte do povo, de origem antiga, etc. Neutros: envio de poemas e documentos em língua regional. 140 Com estes quadros contendo a grande maioria das cartas de resposta ao questionário do abade Henri Grégoire, organizadas por Gazier em 1880 e trabalhadas por Certeau, Dominique e Revel em 1975, podemos verificar que grande número de correspondentes procurou enquadrar-se ao ideal jacobino de estigmatizar as línguas regionais, mostrando as mesmas como corrompidas, de ignorantes, antigas, grosseiras, rústicas, duras, primitivas, caipiras, dentre outras formas de pejorar estas línguas para desvalorizá-las diante de suas próprias populações, e assim, fazer com que as mesmas fossem controladas da forma jacobina de política repressora. Para tala, a língua francesa padrão deveria ser bem aceita e mostrada como libertadora de seus povos, tornando os mesmos um, sem diferenciação, com passados culturais e línguas a serem apagadas, aniquiladas, como o abade sempre afirma em seus documentos de lei, valorizando a língua oficial e criando um clima de hierarquização linguística nunca antes visto, onde se pode verificar representantes da população aceitando este ideal e outros contestando, como veremos a seguir. 6.3 – Visões do ‘falar bem’ e do ‘falar mal’ nas correspondências ao abade Henri Grégoire. On parle français, et bon français142, dans toutes les villes. On y est plus puristes qu’à Paris, où l’on dit : ‘Je voudrais bien que vous aillez (sic) à...’ ; au lieu qu’en Bourgogne on dit : ‘Je voudrais bien que vous allassiez’. Mais, dans les campagnes, le paysan parle un patois particulier, qui varie d’un lieu à l’autre, quand il y a quelque distance. On citera que le patois de Dijon diffère de celui de Bresse, qui à son tour diffère de celui de Châlon, de la Bresse et du Morvan. Mais c’est toujours le même patois, et l’on peut dire qu’il n’y a radicalement qu’un seul patois.143 142 Ênfase nossa. “Falamos francês, e bom francês, em todas as cidades. Somos mais puristas que em Paris, onde se diz: ‘Je voudrais bien que vous aillez (sic)à...’, enquanto na Borgonha, diz-se: ‘Je voudrais bien que vous allassiez’. Mas, nos campos, o camponês fala um patoá particular, que varia de um local para outro, quando há alguma distância. Citaremos que o patoá de Dijon diferencia-se do de Bresse, que por sua vez diferencia-se do de Châlon, de Bresse e do Morvan. Mas é sempre o mesmo patoá, e podemos dizer que há somente um patoá.” Tradução nossa. 143 141 Gazier, 1880, p. 109144. O abade Henri Grégoire, com o objetivo de depreciar e estigmatizar as línguas regionais para que as mesmas fossem eliminadas da sociedade francesa com a ajuda de seus próprios falantes, que no imaginário do político em questão, sentiriam a necessidade de enquadrarem-se nos moldes de pessoas portadoras, multiplicadoras e defensoras do discurso revolucionário através do domínio da língua da liberdade, a que representaria a nação francesa. Os indivíduos jacobinos, com o ideal de cidadania e de liberdade nacional controladas pelos mesmos, contribuíram para que este objetivo linguístico fosse posto em prática, a partir de decretos e ajudando o abade em sua empreitada de aniquilação das línguas regionais. Como observamos mais acima, os correspondentes em suas respostas, na grande maioria delas, portaram-se como representantes do abade em seu ideal de pejorar as línguas regionais, na medida em que as viam como atraso, rusticidade e ignorância que pertenciam ao passado do país, não deveriam mais fazer parte da imagem de nação igualitária, sem multiplicidades que os políticos revolucionários almejavam impor para todos os grupos de povos ocupantes do território francês. Desta maneira, os correspondentes, os indivíduos falantes das línguas regionais e os representantes do governo nas regiões francesas tiveram que se enquadrar a esses ideais de uma nação indivisível, uma língua nacional e de que a mesma seria clara, perfeita, livre de incompreensões e de multiplicidades. Seria, pois uma língua pura, perfeita, sem imperfeições de modo algum, na medida em que trazia a seus falantes a clareza de ser aceito socialmente e, acima de tudo, a crença de que seria civilizadamente um cidadão do país democrático e uno que surgia, como pregavam os jacobinos. Veremos na citação a seguir do deputado Barère o ideal jacobino de que todo o tipo de fala ou comportamento fora dos padrões estabelecidos pelos mesmos seria sumariamente mal visto na sociedade francesa, o que trouxe bastante incômodo social no que diz respeito a tudo o que fosse diverso em agrupamentos de sujeitos, como suas formas de fala, consideradas impróprias, de ignorância e sem status de línguas. 144 Resposta a questão 1 da enquete do abade Henri Grégoire pelo correspondente de Bourgogne, chamado Arnay-le-Duc, 142 (...) écrasons donc l'ignorance, établissons des instituteurs de langue française dans les campagnes!145 Vieuzac, 1794, p.5. Neste sentido, inúmeros falantes das línguas regionais e os da língua oficial foram com o decorrer do tempo incorporando estas imagens de que as falas não oficiais seriam marginalizadas em sua sociedade, criadas no período do Terror revolucionário e a crença de que elas deveriam ser eliminadas, como o abade pensava, fora aceita, mas nunca fora alcançada, já que os falantes das línguas regionais foram tornando-se bilingues, guardando suas falas centenárias para o uso no convívio familiar e para serem aceitos socialmente, foram adaptando-se a língua oficial. Primeiro, foram compreendendo a mesma mais que a falavam, pois como vemos nos postulados desenvolvidos pelo sociolinguista William Labov, que procurou enquadrar os comportamentos dos sujeitos como não sendo autônomos com relação à atitude linguística de suas comunidades de fala, tendo que se habituarem aos condicionamentos externos (Labov, 1972), estes indivíduos foram adaptando-se às necessidades linguísticas de seu país e de seus agrupamentos sociais, mantendo vivas e em mutação as suas formas de fala em seu ambiente familiar. Estes condicionamentos viriam a partir das próprias imagens que a língua oficial proporcionaria aos sujeitos falantes das línguas regionais, a de que seriam libertos das privações sociais as quais eram submetidos no outro regime. Para os jacobinos, os sujeitos deveriam ter e ser de uma forma só, a forma considerada igualitária pregada pelos mesmos. A língua oficial seria responsável por esta empreitada e esta conquista, pois traria aos indivíduos desta nação a igualdade de direitos tanto desejada pela sociedade francesa. A nação necessitaria de igualdade de discurso e este viria com igualdade de língua, como acreditavam os políticos revolucionários. Logo, a oficialidade da língua francesa seria imaginadamente um avanço para os indivíduos e um instrumento importante para a democracia criada pelos políticos jacobinos, como veremos na citação seguinte146. 145 “(...) esmaguemos então a ignorância, estabeleçamos instrutores de língua francesa nos campos!” Tradução nossa. 146 Vaublanc, prefeito do departamento de Moselle, situado na região da Lorena, em 1794, citado por Ferdinand Brunot (1860-1938) em seu livro História da Língua Francesa (1900) e aludido por Balibar e Laporte (1974). 143 Si le français a été élévé au rang de langue nationale, il n’en faut faire honneur à aucune tradition, à aucun parti, à aucun corps, à aucun homme : la nation révolutionnaire a trouvé cette idée dans ses entrailles.147 Balibar e Laporte, 1974, p.57. Desta forma, podemos observar que com a incorporação de uma língua oficial, considerada como pura, completa, perfeita e representante da nação francesa, os franceses foram aceitando o ideal de monolinguismo pregado pelos revolucionários, na medida em que os mesmos mostraram que os indivíduos desta nação não precisariam de nenhum outro código de fala e de escrita, pois o que tinham a impor seria completo e socialmente aceito como “bem falado”. Os que falavam em língua regional, para serem ouvidos, ou seja, para terem o direito de falar e terem suas falas compreendidas, teriam que expressar seus discursos em língua padrão em ambientes oficiais, ou seriam vistos como sujeitos não civilizados, de fala “mal falada” e de menor importância social diante de uma fala em língua oficial. Logo, o imaginário de “falar bem” e de “falar mal” estaria propagando-se na Revolução, a partir do ideal de cidadão portador do discurso revolucionário libertador de sua sociedade com o uso da língua oficial, como podemos verificar no relato dos correspondentes do abade Henri Grégoire, no trecho a seguir. Podemos verificar no mesmo o imaginário de língua pura e oficial ligada ao reconhecimento social entre indivíduos considerados da mesma nação, ou seja, esta forma de fala e de escrita padrão seria a responsável pela identificação de sujeitos de um mesmo país. Il est bien à désirer que chaque nation ait la sienne (sa langue), que cette langue soit la même dans toutes les parties de son territoire, afin que deux hommes d’une même nation puissent se reconnaître et s’entendre au premier abord.148 147 “Si o francês fosse elevado ao nível de língua nacional, não é necessário honrar nenhuma tradição, nenhum partido, nenhum corpo, nenhum homem: a nação revolucionária encontrou esta ideia nas suas entranhas.” Tradução nossa. 148 “É bem desejável que cada nação tenha a sua (sua língua), que esta língua seja a mesma em todas as partes de seu território, a fim de que dois homens de uma mesma nação possam reconhecer-se e entenderse na primeira abordagem.” Tradução nossa. 144 Gazier, 1880, p.182149. O ideal de fala e de escritas perfeitas ligado ao socialmente aceito influenciou as respostas ao questionário do abade Henri Grégoire, tendo um correspondente nomeando os falares em língua regional de sua província como agradável, delicado quando se referia à forma de expressão das pessoas socialmente aceitas como civilizadas em sua localidade, ou seja, as de maior status hierarquicamente falando em seu grupo de falantes, e visto como falar grosseiro nas falas dos indivíduos sem acesso a educação formal e das mulheres comerciantes, como imaginado pelo representante de Montpellier. Veremos a seguir em seu relato este ideal de aparência perfeita e imperfeita em uma forma de comunicação específica. Notre patois, énergiquement grossier150 dans la bouche des hommes sans éducation et des femmes de la halle, est agréable et même délicat dans la bouche des dames, qui le parlent beaucoup.151 Gazier, 1880, p. 44152. Neste sentido, o falar aceito socialmente como próprio aos ouvidos dos cidadãos esclarecidos pelo discurso revolucionário em língua oficial, deveria ser unicamente na forma que os mesmos acreditavam ser adequada à nação que surgia. As outras formas de fala das comunidades das línguas regionais deveriam ser destruídas, pois não se adequariam ao movimento de civilidade creditado ao período revolucionário, como acreditavam os políticos jacobinos e seus representantes nas outras regiões francesas. Com isto, podemos afirmar que o ideal de territorialização da língua francesa padrão na nação revolucionária liberta das multiplicidades creditadas ao modo de governo anterior, fez com que as falas em língua regional fossem enquadradas neste grupo de elementos a serem destruídos da sociedade francesa, na medida em que as mesmas estariam impedindo o esclarecimento dos cidadãos que começavam a ter direitos e deveres nesta nação que surgia. 149 Trecho de uma carta de resposta ao abade Henri Grégoire, da Sociedade dos Amigos da Constituição de Limoges, em novembro de 1790. 150 Termos colocados em evidência por nós, a fim de enfatizar as imagens de fala aceita: “falar bem” e de fala estigmatizada, ou o “falar mal” evidenciadas nas respostas ao abade em seu questionário. 151 “Nosso patoá, energicamente grosseiro na boca dos homens sem educação e das mulheres do mercado, é agradável e mesmo delicado na boca das damas, que o falam muito.” Tradução nossa. 152 Resposta do correspondente de Montpellier em 28 de janeiro de 1791, ao questionário do abade Henri Grégoire. 145 Neste sentido, os correspondentes mostraram que a língua francesa oficial seria aceita pelos grupos falantes unicamente das línguas regionais, pois esta seria a única forma de serem aceitos na sociedade nova que surgia a partir das conquistas revolucionárias. Para tal, alguns deram sugestões de implantação da língua oficial para o abade Henri Grégoire, que como representante da política em voga, poderia fazer algo pelos mesmos. Como veremos a seguir no relato do correspondente da região de Poitou, chamado de Pressac. Les moyens consisteraient à ouvrir des chemins vicinaux et de communication de village à village, de bourg à bourg, de ville à ville; de placer dans chaque paroisse un maître d’école instruit, qui fût de bonnes moeurs, qui sût bien le français et ne parlât que cette langue.153 Gazier, 1880, p.206154. Para o correspondente acima, em seu relato, só haveria um meio de instruir os indivíduos em língua oficial, que seria com a ajuda de mestres que falassem somente a mesma e que ignorassem a língua regional da localidade em que trabalharia. A instrução seria primordial nesta empreitada de difundir o discurso revolucionário e a língua oficial, mas este ideal não fora alcançado de imediato e os indivíduos continuaram a comunicar-se em língua regional, mas sabendo que precisavam compreender a língua oficial em decretos, leis, jornais, etc. A escrita seria a propulsora na apresentação da língua oficial aos indivíduos falantes de outras línguas na França e ajudaria a destruir o uso das línguas regionais, como acreditavam os jacobinos. Assim, podemos verificar que a adesão ao ideal de aniquilar as línguas regionais na França obteve muita adesão, já que os indivíduos tinham a necessidade de enquadraremse a sociedade que estava surgindo, ou poderiam ter consequências sociais desastrosas, já que os políticos jacobinos praticavam punições severas aos que não aceitassem suas leis e poderiam perder suas vidas ou serem perseguidos socialmente e politicamente por representantes do governo, ou mesmo por seu grupo social. 153 “Os meios consistiriam em abrir caminhos vizinhos e de comunicação de vilarejo a vilarejo, de burgo a burgo, de cidade a cidade; de colocar em cada paróquia um mestre de escola instruído, que tenha de bons modos, que saiba bem o francês e fale somente essa língua.” Tradução nossa. 154 Resposta do correspondente da região do Baixo Poitou ao questionário do abade Henri Grégoire. 146 Com isto, aceitar este projeto linguístico seria mais adequado aos grupos de fala, porém, alguns dos correspondentes mostraram-se opositores da ideia do abade em destruir suas línguas regionais, evidenciando em suas respostas que seria pouco provável que o político e seus propósitos jacobinos de eliminação do multilinguismo destruiriam de um dia para as outras formas de fala centenárias e representativas de inúmeras comunidades distintas que habitavam o território do país, como veremos mais adiante em relatos contestatórios ao questionário e ao objetivo de Henri Grégoire. 6.4 – Contestações aos ideais jacobinos de aniquilação das línguas regionais Pour le détruire, il faudrait détruire le soleil, la fraîcheur des nuits, le genre d’aliments, la qualité des eaux, l’homme tout entier.155 Gazier, 1880, p.231156. Como já observamos em nossos trabalhos de pesquisa, apesar de todas as tentativas jacobinas de destruição das línguas regionais através de projetos de leis, questionário para saber o quanto a língua oficial seria aceita e conhecida nas regiões francesas e como seria para as comunidades de fala das línguas regionais a destruição de suas formas de fala centenárias e sua reestruturação como indivíduos socialmente enquadrados nos moldes de cidadania civilizada construída pelos jacobinos, seus falantes continuaram a utiliza-las em ambiente familiar, mantendo as mesmas vivas e acompanhando suas gerações até os dias de hoje. Porém, as línguas regionais adquiriram um status pejorativo e marginalizado em sua sociedade, na medida em que as campanhas civilizatórias jacobinas não aceitaram a existência de outras formas de fala no território francês. O estigma de língua caipira, rústica, bárbara e ignorante foi quase cristalizado na sociedade francesa no que diz respeito às mesmas, que precisaram enfrentar ataques políticos até conseguirem manter155 “Para destruí-lo, seria necessário destruir o sol, o frescor das noites, o gênero dos alimentos, a qualidade das águas, o homem inteiro.” Tradução nossa. 156 Resposta da Sociedade dos Amigos da Constituição de Perpignan ao questionário desenvolvido pelo abade Henri Grégoire sobre a necessidade de eliminar as línguas regionais em solo francês. 147 se, hierarquicamente abaixo da língua francesa oficial em importância cultural, linguística, social, política e sobretudo intelectual, pois as mesmas foram rebaixadas à selvagens diante de sua coletividade que teve a ousadia de continuar naturalmente utilizando as mesmas, mesmo sofrendo todo tipo de marcações pejorativas em seus grupos de fala. Alguns correspondentes do abade Henri Grégoire mostraram que o seu ideal de destruição das línguas regionais seria muito difícil de ser cumprido, na medida em que existia (e ainda existe) uma identificação enorme com as mesmas nestas comunidades de fala. Elas seriam parte histórica, cultural e social de seus povos e não seria tão fácil fazer com que os mesmos se desvinculassem delas. Neste sentido, podemos verificar essa identificação linguística e cultural na resposta do seguinte correspondente. Monsieur, je crois que pour le coup la langue flamande puisse balancer en énergie la langue française.157 Certeau, Dominique e Revel, 1975, p. 143158. Desta forma, podemos verificar que para este representante de uma língua regional, há um valor estimável em sua forma de fala. Existiu sentimento de identificação para a maioria dos falantes em língua regional, logo, podemos afirmar que fora com esse sentimento de conservação de suas histórias, suas culturas e suas práticas sociais que mantiveram naturalmente suas formas línguas vivas e em companhia de seus povos, mesmo com toda a repressão exercida pelos jacobinos e perpetuada nos séculos seguintes. Esta ideia de repressão linguística a toda forma de fala que não fosse a oficial fora contestada por um correspondente do questionário estudado, na medida em que declara ser ilógico haver um decreto reprimindo a língua regional pregada pelos políticos autores do documento de lei, como podemos observar adiante. Ainsi, il nous paraît qu’un décret qui la proscrirait serait contraire à la liberté et manquerait son but159. 157 “Senhor, acho que por um golpe a língua flamanda poderia balançar com energia a língua francesa.” Tradução nossa. 158 Resposta do correspondente da região dos Frandres Marítimos, precisamente na localidade de Bergues, chamado Abade Andriès, carta não encontrada integralmente, mas citada por Certeau, Dominique e Revel (1975). 148 Gazier, 1880, p.267160. Outro correspondente tenta mostrar ao abade que o bilinguismo seria bastante válido para haver compreensão na província que faz parte e isso não afetaria a empreitada jacobina de universalizar a língua oficial, popularizando-a e divulgando seu discurso revolucionário através dela, sem precisar anular as experiências culturais e sociais adquiridas pelos grupos de fala das línguas regionais, permitindo aos mesmos manterem suas línguas, culturas e suas visões de mundo seriam expandidas com o aprendizado da língua oficial que se popularizaria. Il faudrait, en autre, charger les prêtres des villes et des campagnes de faire leurs instructions en patois et en français, afin d’accoutumer le peuple à entendre les mêmes vérités dans les deux langues; dans deux ou trois ans, ils pourraient faire leurs prônes simplement en français, et ils seraient entendus de tout le monde.161 Gazier, 1880, p.73162 A identificação com as línguas regionais pelos seus grupos é uma das causas da manutenção das mesmas, na medida em que mesmo sofrendo repressões, ataques políticos vindos de inúmeros projetos de lei e sobretudo, tendo que suportar a desvalorização social na sociedade a qual estariam inseridos, estes continuaram a conservar seus falares em seus ambientes privados. Utilizaram as duas funções que as línguas possuem a fim de mante-las naturalmente, pois não houve esforço, campanha, manifestações, etc. para que as mesmas fossem respeitadas pelo governo. As funções de uma língua (Baylon, 1996) utilizadas são: primeiro, a função comunicativa, que nos indica a necessidade de interlocução entre indivíduos para haver 159 “Assim, parece-nos que um decreto que a reprima seria contrário a liberdade e não levaria em conta seu objetivo.” Tradução nossa. 160 Resposta do correspondente Sociedade dos Amigos da Constituição de Limoges sobre a imposição da língua francesa oficial e a repressão a língua oficial de sua região. 161 “Seria necessário, em outra, encarregar os padres das cidades e dos campos a fazer suas instruções em patoá e em francês, a fim de acostumar o povo a escutar as mesmas verdades nas duas línguas; em dois ou em três anos, eles poderiam fazer seus louvores simplesmente em francês, e eles seriam entendidos de todo o mundo.” Tradução nossa. 162 Resposta a questão de número 29 do questionário do abade Henri Grégoire pelo correspondente Chabot, da região de Aveyron. 149 um convívio com interações de múltiplos tipos entre os mesmos, logo, as línguas regionais comportam-se eficazmente como meios de comunicação dentro da comunidade de fala que as empregam, havendo sempre emissores e receptores aptos a agir de forma mútua em suas maneiras de fala, mesmo que as mesmas não tenham escrita, há sempre interação entre os indivíduos e compreensão das mensagens emitidas; segundo, a função identitária, que faz indivíduos sentirem-se parte de um grupo maior e que juntos formam uma comunidade com comunhão, história, interatividade, experiências em comum e uma língua que os representa e os faz unidos em discurso e forma de organizar o pensamento a fim de comunicar-se entre si. Todo esse panorama identificatório e interativo verificado nas funções de uma língua faz com que sujeitos respeitem-se e defendam-se como grupo social, desta forma, muitos protegeram suas línguas e a mantiveram naturalmente em uso, já que a função comunicativa com as mesmas era eficiente. Identidade linguística é um fator de conservação das mesmas. Podemos verificar este fato no trecho de resposta do correspondente a seguir163, que mesmo acreditando na necessidade de divulgação e aprendizado da língua oficial, acreditava que a língua de sua região unia seus indivíduos, chamados de amigos e de irmãos pelo mesmo. Le patois rapproche les hommes, les unis, c’est la langue de frères et d’amis. Le peuple néanmoins entend parler français sans avoir beaucoup voyagé, mais il se méfie de celui qui lui parle toujours français quand il s’agit de ses affaires. (...) ainsi la destruction du patois sera longtemps impossible et ne peut pas s’opérer que graduellement, en rendant le français plus commun, plus populaire.164 Gazier, 1880, p.227.165 Em outros documentos sobre a imposição da língua francesa oficial da época, podemos verificar sujeitos que se mostraram contra a eliminação de seus falares, como observamos no discurso de um representante da língua alsaciana em sua região166. 163 Abade Fonvielhe, correspondente da região de Périgord. “O patoá aproxima os homens, os une, é a língua de irmãos e de amigos. O povo entretanto ouve falar francês sem ter viajado muito, mas desconfia daquele que lhe fala em francês quando se trata de seus negócios. (...) Assim a destruição do patoá será impossível por muito tempo e não pode operar-se gradualmente, tornando o francês mais comum, mais popular.” Tradução nossa. 165 Segundo Certeau, Dominique e Revel (1975), esta resposta não foi encontrada por inteira na coletânea de Gazier (1880), por isso não analisada em nossos trabalhos nos quadros das posições diante da eliminação das línguas regionais dos correspondentes. 164 150 Le motif pardonnable de cette domination absolue de la langue française se trouve peut-être dans le système fondé sur la nécessité de l’uniformité du langage aussi bizarre que l’est le système qui croit cette uniformité nécessaire en fait de religion.167 (...). On a fait une seconde objection: on a demandé: Les Districts sont-ils Allemands ou Français? J’y réponds par une autre question: Les filles et les femmes qui portent des Tresses et des Schneppenhaubens168, sont-elles moins citoyennes? sont-elles moins attachés à la Constitution que celles qui sont sont coiffées à la française? je demanderai: sont-ce les écrivains français ou allemands qui ont appris au peuple Alsacien à aimer la nouvelle Constitution? 169 Certeau, Dominique e Revel, 1975, p. 261.170 Assim, mesmo com a maioria das respostas estudadas neste trabalho sendo de aceitação ao ideal jacobino de destruição das línguas regionais, ou mesmo que não fossem de total concordância com o mesmo, tentando mostrar ao abade como a língua regional seria rica com poemas, anedotas, léxicos de interação com o ambiente em que suas populações viviam, ou mesmo a realidade fonética e gramatical das mesmas, podemos observar que houve uma certa tentativa de manutenção destes falares. A maioria dos correspondentes mostrou que seria obrigatório enquadrar as populações nas novas formas sociais de encarar a nação que surgia e para tal objetivo, estas deveriam falar e escrever em língua oficial. Logo, apoiando ou não este propósito repressor das línguas regionais, os correspondentes e o abade Henri Grégoire ajudaram as mesmas ao fazer o primeiro estudo sobre suas realidades linguísticas, sociais e políticas na nação Francesa. 166 Trecho do discurso de André Ulric para a reunião alemã dos Amigos da Constituição de Strasbourg, em 6 de julho de 1790, texto retirado de Certeau, Dominique e Revel (1975). 167 “O motivo perdoável desta dominação absoluta da língua francesa encontra-se talvez no sistema fundado na necessidade de uniformizar a linguagem como tão bizarro é o sistema que crê nesta uniformidade necessária em termos de religião.” Tradução nossa. 168 Tipo de penteado que as mulheres da Alsácia e de distritos alemães usavam na época Revolucionária. Pode ser verificado no anexo 8 deste trabalho de tese. 169 “Fizemos uma segunda objeção: perguntamos: Os distritos são alemães ou franceses? Respondi através de uma questão: As moças e as mulheres que usam tranças e Schneppenhaubens são menos cidadãs? são menos ligadas à Constituição que aquelas que são penteadas da forma francesa? Perguntaria: são os escritores franceses ou alemães que ensinaram ao povo alsaciano a amar a constituição?” Tradução nossa. 170 A resposta deste grupo ao questionário do abade Grégoire não fora localizada por Gazier (1880) em sua coletânea. O documento que usamos fora citado por Certeau, Dominique e Revel (1975) em sua obra sobre a política linguística francesa durante a Revolução. 151 6.5 – Objetivo: destruir as línguas regionais, resultado: primeiro estudo sobre as mesmas La Révolution n’a pas réussi sur ce point, parce que les hommes n’abandonnent pas ainsi la langue de leurs aïeux ; mais nous lui171 devons en partie les beaux résultats auxquels en est parvenu, surtout depuis la création des chemins de fer : les patois n’ont pas disparu, et les nombreux admirateurs de Goudouli et de Mistral s’en félicitent; mais du moins tous les Français ententent aujourd’hui la langue française.172 Gazier, 1880, p.6. O abade Henri Grégoire conseguiu com seu questionário e com seus documentos de lei escritos, debatidos e defendidos na Assembléia Nacional engajar grande parte da população francesa para a problemática linguística que se instalara a partir do período revolucionário, pois fez com que os mesmos, seus representantes começassem a repensar os papéis das línguas faladas em seu território, havendo a criada necessidade de propagar a língua oficial como parte primordial na inclusão de seu povo nas conquistas revolucionárias, que funcionou como princípio repressor das línguas consideradas fora do novo sistema social que se instalara. Estas línguas faladas na nação francesa passaram a ser vistas durante e após a Revolução como marginais, grosseiras, inadequadas aos cidadãos libertos das diversas formas de fala desenvolvidas no antigo sistema governamental, e sobretudo, como formas de fala menores diante da importância que tinha a língua oficial, considerada como único meio de comunicação e de representação social de seus indivíduos nacionalmente aceitos como franceses. Porém, com o estudo do abade Henri Grégoire, passaram a ser estudadas, revistas, organizadas, catalogadas e mantidas pelos seus falantes naturalmente diante de toda repressão social e política vinda dos defensores da língua oficial libertadora. Desta forma, o abade Henri Grégoire representante das políticas jacobinas fora responsável pelo primeiro estudo sobre as línguas regionais, mesmo que seu objetivo 171 Ao abade Grégoire. “A Revolução não conseguiu neste ponto, pois os homens não abandonaram deste modo a língua de seus antepassados; mas nós devemos a ele (Grégoire) em parte os belos resultados aos quais chegamos, sobretudo a partir da criação dos caminhos de ferro: os patoás não desapareceram, e os numerosos admiradores de Goudoulin e de Mistral se felicitam disto; mas ao menos todos os Franceses escutam hoje a língua francesa.” Tradução nossa. 172 152 maior tenha sido destrui-las para que ocorresse a efetiva soberania da língua francesa oficial, com seu questionário de 43 perguntas sobre os desvalorizados “patoás” e os modos e hábitos do campo, pôde fazer com que as populações pudessem pensar suas próprias formas de fala, que eram vistas de forma natural como instrumento de comunicação e a partir do ideal revolucionário de delimitação territorial (impossível, como já observamos), conhecimento, controle e aniquilação das mesmas, podemos constatar que seus falantes as protegeram naturalmente, preservando a si mesmos e seus modos de vida, sem nenhuma pretensão de reagir às opressões políticas vindas dos governos e as repressões sociais vindas dos que recriminavam o multilinguismo e valorizavam o monolinguismo em língua oficial. Mesmo ao aceitarem a imposição do francês oficial (de boa vontade ou de maneira forçada), foram mantendo seus falares e seus modos. Para a grande maioria dos correspondentes, não seria um problema aceitar a língua oficial, pois ela abriria as portas das novas conquistas para a população, mas a manutenção das línguas regionais seria algo a ser tratado com total atenção para outros deles, já que elas faziam (e fazem) parte da cultura múltipla que há no território francês, e não seriam imutáveis, havendo variações de grupos para grupos, como podemos verificar no relato do representante da Bretanha a seguir. L’on y parle uniquement le breton, qui diffère beaucoup dans l’un et l’autre évêché. Cette langue est d’origine ancienne et tient du celtique ; elle a une affinité marqueée avec le français, en ce que l’ignorance a conduit le peuple à franciser quantité de mots et de termes dont la connaisance semble leur être parvenue des villes, les plus instruits ne pouvant donner aucune lumière sur les termes imparfaits dans leur langue.173 Gazier, 1880, p.68. Com isto, percebe-se que o ideal de menosprezar as línguas regionais também fora alcançado, na medida em que elas eram tratadas como corrompidas, imperfeitas, bárbaras, impuras, rústicas, etc. nos relatos dos correspondentes. Começava a desvalorização extrema aos falares centenários de diversas populações a fim de manter a 173 “Falamos unicamente o bretão, que se diferencia muito dentro de um e de outra paróquia. Esta língua é de origem antiga e vem do celta; ela tem uma afinidade marcada com o francês, no que a ignorância tem conduzido o povo a francisar uma quantidade de palavras e de termos cujo conhecimento parece alcançar as cidades, os mais instruídos não podem dar nenhuma luz sobre os termos imperfeitos de sua língua.” 153 soberania da língua oficial. O abade Henri Grégoire conseguiu em parte cumprir suas propostas, porém, iniciou um estudo bastante enriquecedor sobre as mesmas e sobretudo, fez uma coleta de obras em línguas regionais nunca antes feita, como podemos verificar no quadro174 de Certeau, Dominique e Revel (1975) 175 a seguir. Coletânea dos itens enviados pelos correspondentes representantes das línguas regionais: 1 – Inscrições: gravuras sobre pedra, bronze, etc. 2 – Cartas: atos manuscritos antigos, etc. 3 – Canções e cantigas (poesias tradicionais e populares). 4 – Obras de autores (uma literatura ligada a uma cultura ou a um nome próprio – mesmo sendo desconhecido). 5 – Traduções de textos estrangeiros (obras de eclesiásticos, com intuito pedagógico). Estas informações destes cinco setores estão representadas da seguinte maneira: - Nada (nenhum documento conhecido). OOOO - Oral (expressões não escritas). &&&&& - Escrito gravado ou manuscrito. ****** - Impresso. ######## - O branco significa a ausência de resposta. Lugares Bibliografia Dicionário Gramática 1.Bordeaux Fontes Inscrições Cartas OOOOO ****** Canções e cantigas ######## Obras OOOOO ****** ######## ****** &&&&& OOOO ****** ######## ###### ######## ###### ######## OOOO Traduções ###### 2.Périgueux 3.Périgord 4.Périgord 5.Gascogne 6.Gers (Auch) 7.Gers (Auch) ******** Nenhum Nenhuma OOOOO OOOO ######### 174 Quadro desenvolvido por Certeau, Dominique e Revel (1975) a fim de ilustrar a coletânea dos itens enviados pelos correspondentes ao abade Henri Grégoire. Adaptamos os gráficos usados para enfatizar os diferentes tipos de documentos enviados. 175 Os autores trabalharam por vezes com correspondentes que Gazier (1880) não conseguiu catalogar em sua obra estudada mais acima, porém, estes em seus trabalhos não mostraram as cartas por completo, havendo somente extratos e eventuais relatos sobre. 154 8.Hautes- ******** ######## ###### ######## Pyrénées ******** ######## ###### ######## && ###### ######### ### ###### ######### && ###### ### ###### 11.Valence &&&&& ###### d’Agen &&&&& ###### &&&&& ###### ******** ****** ###### 9.Lot-et-Garonne 10.Nérac Nenhum Nenhum Nenhuma Nenhuma ******** OOOOO ****** 12.Aveyron Um Nenhuma ****** 13.Perpignan Vários Várias ******** 14.Cascassonne Nenhum Nenhuma OOOOO ****** ######## 16.Provence Vários Várias OOOOO ****** ######## 17.Drôme Nenhum Nenhuma 18.Lyon Nenhum Nenhuma OOOOO ****** &&&&& ********* ######## 15.Montpellier ######## OOOO OOOOOO 19.Ain 20.Maconnais 21.Bourgogne OOOOO Vários ###### 22.Mâcon 23.Bresse Nenhum Nenhuma OOOOO ******** 24.Saint-Claude Nenhum Nenhuma &&&&& 25.Saint-Claude Nenhum Nenhuma &&&&& OOOO OOOOOO OOOOOO 26.Franche-Comté 27.Alsace 28.Lorraine OOOOO ######## 29.Lorraine OOOOO ######## OOOOO OOOOO OOOO 30.Bouillon Um 31.Bouillon Vários 32.Flandre- Vários Uma Maritime ******** ****** ######## ###### ******** ****** ######## ###### ######### ******** ****** ######## ###### ######### ****** 33.Nord 34.Artois Vários Uma ******** Vários Várias ******** ###### 35.Soissons 36.Léon. Tréguier ****** ****** ### 37.Morbihan etc. Vários Várias Vários Várias OOOOO ******** ****** 38.Saint-Calais 39.Poitou 40.Bas-Poitou ######## OOOOO ######## ###### 155 41.Haute-Vienne Vários 42.Limagne Nenhum Nenhuma ******** ******** OOOOO ******** ****** ********* 43.Berri Assim, através dos relatos obtidos pelos correspondentes nas cartas encontradas no livro de Gazier (1880, com reimpressão em 1969) e nos estudos feitos por Certeau, Dominique e Revel (1975), podemos verificar que houve um grande engajamento para discutir a problemática linguística da nação que se reinventava, na medida em que passou a ser urgente o aprendizado da língua oficial para que os indivíduos fossem aceitos como cidadãos franceses podendo compreender as leis e os documentos oficiais enviados pelo novo governo, imaginadamente igualitário. Porém, estes mesmos políticos que pregavam a liberdade começaram a censurar a população que falava diversas línguas distintas, logo, o imaginário de “falar bem” ligado a língua francesa oficial e o de “falar mal” vinculado às línguas regionais vistas como elementos a serem destruídos, foram responsáveis pela estigmatização e perseguição coletiva das multiplicidades linguísticas no país, rebaixando-as a quase valor social nenhum diante da língua que representaria a nação francesa. Neste sentido, a hierarquização linguística se fez no país com o ideal de oficialidade desvalorizando diversidades comunicacionais e identitárias ricas em história, em cultura e em realizações literárias e musicais. Porém, o ideal de aniquilação das mesmas não fora atingido, pelo contrário, elas passaram a ser cada vez mais estudadas com inúmeros intuitos na sociedade francesa e o precursor deste estudo fora o abade Henri Grégoire e sua vontade de conhecer para destruir (o que realmente não aconteceu). 156 7 – Conclusão Défense de cracher par terre et de parler Breton.176 Lodge, 1993, p.159. Le peuple qui s’écrit se détermine par ce qu’il exclut.177 Certeau, Dominique, Revel, 1975, p.76. A partir do imaginário de purismo e de perfeição linguística incutidos politicamente e socialmente na língua oficial francesa através de séculos (mais expressivamente nos séculos XVII e XVIII), observamos a sua imagem de língua completa, imutável, clara, autêntica, bela, pura, dentre outras qualificações que a distingue de outras formas de fala e identifica seu povo como pertencente à nação francesa. A língua oficial, vista como o modelo de fala perfeita moldada pela sua escrita desenvolvida pelos autores classicistas e pelos filósofos iluministas, obteve o status de língua nacional através da sua realização na feitura do discurso revolucionário, falado e escrito pelos responsáveis pela transformação social e política do século XVIII. Com este status de língua “bem falada” ao expressar as ideias revolucionárias e ajudar na imposição das mesmas por várias partes do território do país, mesmo não sendo falada pela grande maioria do seu povo, fora vista como língua libertadora pelos seus defensores jacobinos, na medida em que proporcionaria a toda sua população o acesso às novas leis e evitaria contra revoluções de grupos que não se identificassem com a nova forma de país que surgia como acreditavam os políticos jacobinos defensores do ideal de que em uma nação uma e indivisível como a francesa revolucionária só seria possível haver uma língua que correspondesse à imagem de portadora das vozes dos seus cidadãos. Neste sentido, para os detentores do poder revolucionário não haveria mais lugar, socialmente e politicamente falando, para as línguas regionais no território francês, já que o período do terror criado pelos jacobinos fora responsável por ideais unificatórios da nação que não aceitaria ser múltipla em formas de fala. Logo, as línguas regionais que já possuíam um status estigmatizado de línguas menores diante da língua falada e 176 177 “Proibido cuspir no chão e falar bretão.” Tradução nossa. “O povo que se escreve determina-se por aquilo que exclui.” Tradução nossa. 157 escrita pelos indivíduos da elite francesa, eram chamadas de “patoás” e as línguas dos povos menores socialmente diante do grupo dominante, habitantes do território francês, deveriam para os políticos revolucionários ser eliminadas a fim de haver somente uma forma de fala e de escrita que traduzisse os ideais novos de reformulação social e política do país. Esta imagem de uma nação, uma língua oficial portadora de da liberdade conseguida pelos revolucionários, não aceitaria outras formas de fala, pois ela seria a ferramenta de ligação de seus inúmeros povos, que com a onda civilizatória criada imageticamente pela Revolução, fez com que a sociedade francesa tivesse vergonha de suas línguas regionais, centenárias e identificatórias de múltiplos grupos instalados neste território. Para os revolucionários e seus representantes nas comunidades de fala das línguas regionais, elas deveriam ser aniquiladas, como defendia o abade Henri Grégoire, para que a população fosse uma e se comportasse como modelo de cidadania em que todos concordariam com os propósitos jacobinos e evitariam que seu poder fosse ameaçado, como podemos verificar no relato a seguir, retirado de uma carta de resposta ao questionário do abade em questão. L’ignorance du peuple est peut-être plus propre à favoriser une contre-révolution que toute la rage des despotes étrangers et des aristocrates de tous les rangs.178 Gazier, 1880, p.49179. Deste modo, atacar as línguas regionais e transforma-las em inimigas da nação francesa, seria a forma usada pelos políticos jacobinos para dissocia-las de seus povos e fazer com que os mesmos defendessem o discurso revolucionário e multiplicassem o mesmo por todos os cantões do país. Para tal, com o questionário do abade Henri Grégoire e com as leis emitidas por jacobinos no período do Terror, fizeram que as línguas regionais fossem estigmatizadas com a imagem de “falar mal”, na medida em que não possuíam escrita oficializada, não representariam o cidadão francês revolucionário e sobretudo, representariam a ignorância do povo submisso ao rei e ao 178 “A ignorância do povo é talvez mais propícia a favorecer uma contra-revolução que toda a raiva dos déspotas estrangeiros e aristocratas de todas as classificações.” Tradução nossa. 179 Resposta do correspondente de Aveyron ao questionário do abade Henri Grégoire, François Chabot. 158 seu regime já vencido, como podemos observar no documento de Barère, ao fazer um resumo dos resultados obtidos pelo questionário do abade Henri Grégoire. Parmi les idiomes anciens, welches180, gascons, celtiques, wisigoths, phocéens181 ou orientaux, qui forment quelques nuances dans les communications des divers citoyens et des pays formant le territoire de la République, nous avons observé (et les rapports des représentants se réunissent sur ce point avec ceux des divers agents envoyés dans les départements) que l'idiome appelé bas-breton, l'idiome basque, les langues allemande et italienne ont perpétué le règne du fanatisme et de la superstition, assuré la domination des prêtres, des nobles et des praticiens, empêché la révolution de pénétrer dans neuf départements importants, et peuvent favoriser les ennemis de la France.182 Vieuzac, 1794, p.7. O ideal de delimitar onde as línguas regionais eram faladas e quais seriam suas formas de eliminação, fora desenvolvido pelos jacobinos a fim de controlar o território por completo e assim, poder impor a língua francesa oficial como único meio aceito politicamente e socialmente no país, com o objetivo de criar um ambiente centralizado e controlado pelos mesmos. Para tal objetivo, as campanhas de estigmatização das línguas regionais como rústicas, ignorantes, caipiras, mal faladas, dialetos caipiras, línguas corrompidas ao receberem influências de outras (como observamos nas respostas de inúmeros correspondentes ao questionário do abade Henri Grégoire), etc., dentre outras formas de pejorar as suas realidades linguísticas para mante-las abaixo do idioma considerado nacional, o que traria unidade política, igualdade entre os indivíduos e liberdade para os mesmos, como imaginavam os jacobinos. A hierarquização das línguas no território francês não fora objetivo dos jacobinos ao desvalorizarem as línguas regionais e imporem a língua oficial como única forma 180 Termo usado para designar a língua falada na Alsácia, o alsaciano. Segundo o dicionário Larousse eletrônico, significa um vocábulo de desprezo utilizado pelos alemães para pejorar tudo aquilo que é linguisticamente estrangeiro. Como podemos verificar na seguinte página: http://www.larousse.fr/dictionnaires/francais/velche/81302?q=welches#80351 181 Línguas oriundas do contato com os povos vindos da região de Focéia, na Grécia antiga. 182 “Entre os idiomas antigos, welches, gascões, celtas, visigodos, foceanos ou orientais, que formam quaisquer nuances nas comunicações dos diversos cidadãos e dos países formam o território da República, nós observamos (e os relatórios dos representantes reuniram-se no ponto com aqueles diversos agentes enviados aos departamentos) que o idioma chamado baixo-bretão, o idioma basco, as línguas alemã e italiana perpetuaram-se no reino do fanatismo e da superstição, assegurado pela dominação dos padres, dos nobres e dos patrícios, impedindo a revolução de penetrar nos nove departamentos importantes, e podem favorecer os inimigos da França.” Tradução nossa. 159 válida de entendimento entre seus cidadãos, pois pretendiam aniquilar as línguas regionais e afirmar a língua francesa oficial como única forma de comunicação no país, porém, naturalmente as mesmas foram se mantendo por seus falantes, mesmo que sofressem inúmeras perseguições sociais e políticas, passaram a ser estudadas (o primeiro estudo veio com o questionário do abade Henri Grégoire, como já vimos acima) e vistas como também patrimônio a ser conservado em museus, como podemos observar no período napoleônico, com o advento do ideal de folclore desenvolvido na Europa do século XIX. Este fato prova que elas eram vistas como elementos do passado francês, pois seriam parte do reino criado pelos reis absolutos onde a multiplicidade de falas proliferava, o que para os jacobinos era um dos principais motivos de desigualdades sociais em sua sociedade, na medida em que a população não estaria preparada para saber dos mandos dos detentores do poder, que falavam uma língua distinta e um privilégio dos mesmos. Com isto, popularizar a língua oficial seria para os jacobinos unificar a sociedade francesa e criar um ambiente com uma única forma de fala e de escrita, neste sentido, as línguas regionais não deveriam existir mais como parte da sociedade francesa liberta das formas governamentais baseadas em distinções de nascimento. Esta padronização dos discursos para haver um ambiente mais controlado fez com que os imaginários de língua oficial libertadora desenvolvidos pelos jacobinos e seus ideias de monolinguismo na França fossem propagados pelos séculos seguintes no país, na medida em que sua população passou a desvalorizar as línguas regionais, porém, levou um bom tempo para que a língua oficial fosse falada e escrita por seu povo. Sem projetos educacionais efetivos de ensino da língua francesa oficial, inicialmente, o ideal jacobino de popularizar a língua oficial fora adotado no século seguinte a Revolução, com a escola laica, gratuita e obrigatória de Jules Ferry (1832-1893), deputado republicano que criou um ambiente propício para a empreitada jacobina de impor a língua oficial. Sua escola não aceitava que os alunos falassem suas línguas regionais, podendo os mesmos serem punidos por tal ato, com palmatória ou outras repressões, como observamos em Hagège (1996).183 183 HAGÈGE, Claude. Le Français – Histoire d’un combat, Le Livre de Poche, Biblio - essais, Paris, 1996. 160 Desta forma, podemos verificar que o combate jacobino ao multilinguismo fora adotado pela sociedade francesa, fazendo com que hierarquicamente a língua considerada perfeita, a língua francesa oficial fosse vista mais que perfeita, como a representante da nação francesa e a única forma de comunicação de seus cidadãos. Porém, vimos que as línguas regionais foram resistindo à marginalização e à desvalorização social impostas pelos governos que se baseiam sempre nas políticas lingüísticas jacobinas e conseguiram manterem-se vivas e em evolução temporal com seus povos. O que não vemos associado à língua oficial, que nos ideais adquiridos com o discurso revolucionário, ela seria pura, clara e libertadora. Esta imagem de língua pura não condiz com a realidade linguística de qualquer língua, seja oficial ou não, pois estas estão sujeitas às mudanças temporais, de influências de comunidades de fala e de escrita distintas, e de adaptação das mesmas às transformações políticas e sociais de seus grupos de fala. O purismo linguístico é uma utopia que vários grupos de indivíduos basearam-se para formar imagens de suas nações, a francesa fora uma delas. Com a escrita standard ligada aos escritos iluministas como base de sua língua, acreditava-se que não haveria mais mudanças em sua forma de fala e de sua redação, porém, observamos que mesmo a língua oficial transforma-se com o tempo, não havendo meios de parar esta evolução, como podemos verificar na frase do educador e linguista brasileiro Ernesto Carneiro Ribeiro, que defendeu os “brasileirismos” na língua portuguesa falada no Brasil. O purismo exagerado, intransigente, é impossível perante o estudo histórico das línguas. Carneiro Ribeiro, 1956, p.60. Neste sentido, as línguas regionais como formas naturais de fala foram mantidas durante séculos e a língua oficial só fora aceita e utilizada pelos seus falantes em todo o território francês a partir da Primeira Guerra (1914 a 1918) já que seus cidadãos tiveram que lutar em conjunto por seu país, as trincheiras foram locais de aprendizado inicial da língua padrão de muitos franceses. E a Segunda Guerra (1939 a 1945) fora responsável pela identificação mais acentuada de seus indivíduos com a nação francesa e consequentemente, com a língua francesa oficial pelos falantes das línguas regionais. 161 O nacionalismo ligado a língua francesa oficial trouxe um imaginário de que não haveria outra forma de fala que pudesse representar os cidadãos franceses e as diversidades de culturas e línguas presentes no país deveriam ser ignoradas, pois não representavam totalmente a nação desenvolvida pelos jacobinos. Porém, observamos a manutenção de suas línguas e culturas pelos seus indivíduos e hoje em dia, acreditamos que as mesmas estão sendo valorizadas com seus falantes através da busca pelo reconhecimento das múltiplas formas de cultura existentes na Europa. Em países como a Espanha, o catalão é considerado como língua oficial junto com o espanhol; na Itália, as línguas regionais são vistas como parte fundamental da cultura italiana e seus falantes podem expressar-se em ambientes oficiais em suas formas de fala sem sofrerem repressões; já na França, não há ainda um bom olhar dos governos para as línguas regionais, na medida em que para os mesmos, elas representam a dissipação do ideal jacobino de união entre os povos habitantes do território francês. O combate francês às diversidades de fala em seu território perpetuou-se com o tempo e fora exemplo para inúmeros países, como o Brasil, que vincula seu país a língua portuguesa que fala e escreve oficialmente. Dentro da própria França, temos visões marginais de seus outros modos de fala até os nossos dias, com seus falantes sendo repreendidos em ambientes oficiais se não usarem somente a língua francesa oficial. O ideal de “falar bem” e de “falar mal” jacobino reprime ainda hoje as línguas regionais que são ainda vistas como elementos a serem ignorados da nação francesa, na medida em que os indivíduos não precisam delas, pois possuem a língua da liberdade, a língua perfeita, logo, o bilinguismo de suas formas de fala juntamente com a língua oficial não seria aceito tão cedo. Porém, as populações das línguas regionais francesas, baseando-se na Carta Européia das Línguas Regionais ou Minoritárias184, escrita pelo Conselho da Europa em Estrasburgo em 1992, começaram a cobrar do governo o cumprimento deste documento na nação francesa, já que nos outros países europeus as línguas regionais tiveram seus status modificados politicamente na medida em que suas línguas passaram a ser vistas como riqueza cultural de suas nações, como podemos verificar no preâmbulo da Carta Européia a seguir. 184 http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-n%C3%A3o-Inseridos-nasDelibera%C3%A7%C3%B5es-da-ONU/carta-europeia-das-linguas-regionais-e-minoritarias-1992.html 162 Estrasburgo, 2.X.1992 PREÂMBULO Os Estados membros do Conselho da Europa, signatários da presente Carta, Considerando que a finalidade do Conselho da Europa é a de alcançar uma união mais estreita entre os seus membros a fim de salvaguardar e de promover os ideais e os princípios que são seu patrimônio comum; Considerando que a proteção das línguas regionais ou minoritárias históricas da Europa, algumas das quais correm o risco, ao longo do tempo, de desaparecer, contribui para manter e desenvolver as tradições e a riqueza culturais da Europa; Considerando que o direito de utilizar uma língua regional ou minoritária na vida privada e pública constitui um direito imprescritível, em conformidade com os princípios contidos no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, e de acordo com o espírito da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais do Conselho da Europa; Tendo em conta o trabalho realizado no âmbito da CSCE, e em particular a Ata Final de Helsínquia de 1975 e o Documento da reunião de Copenhaga de 1990; Salientando o valor do interculturalismo e do multilinguismo, e considerando que a proteção e o incentivo às línguas regionais ou minoritárias não deveriam fazer-se em detrimento das línguas oficiais e da necessidade de aprende-las; Conscientes do fato de que a proteção e a promoção das línguas regionais ou minoritárias nos diferentes países e regiões da Europa representam uma contribuição importante para a construção de uma Europa baseada nos princípios da democracia e da diversidade cultural, no âmbito da soberania nacional e da integridade territorial; Tendo em conta as condições específicas e as tradições históricas próprias de cada região dos países da Europa. Desta forma, na França, o ideal jacobino de monolinguismo nacional com a marginalização e a desvalorização das línguas regionais faladas em seu território 163 continua sendo uma barreira social e política para que as comunidades de fala das línguas regionais tenham suas culturas e suas formas de fala respeitadas como todas as outras no continente. Comunidades como a da Alsácia que utiliza o alsaciano até nossos dias para comunicar em seus grupos, lutam para ter suas línguas respeitadas e que a sua manutenção seja garantida sem repressão governamental, como podemos verificar na propaganda da região citada. Neste sentido, podemos observar que os ideais jacobinos continuam sendo a base para o tratamento das línguas regionais na França. O objetivo de destruir as mesmas nunca fora atingido, porém, elas tornaram-se mal vistas socialmente, com seus falantes não podendo manifestar-se coletivamente em suas formas de fala, contando as histórias de seus povos, suas lendas, suas trovas, suas músicas, seus autores cultuados – como os de língua provençal, Goudelin (1580 – 1649) e Fréderic Mistral (1830-1914) –, suas poesias, dentre outras formas de expressões culturais censuradas pelas repressões políticas e sociais com base no jacobinismo linguístico desenvolvido na Revolução Francesa e perpetuado na nação francesa como base para todos os tratamentos de diversidades culturais e linguísticas. O ideal monolinguista jacobino é visto ainda como único meio de se manter a união dos povos dentro de uma nação delimitada territorialmente e com um governo centralizador. Anular as diversidades no imaginário de cidadão de um país e cassar o multilinguismo a fim de enfatizar uma única forma de comunicação que representasse seus indivíduos (nacionalmente aceitos como tais) passou a ser a base das políticas linguísticas francesas, não havendo espaço para que os sujeitos pudessem compreender- 164 se como bilingues: portadores da língua francesa oficial – língua da pátria – e falantes de suas línguas regionais – línguas maternas – . Com o tempo, estas visões limitadoras de línguas maternas e da pátria poderiam não ser tão importantes e naturalmente, os indivíduos tornar-se-iam bilingues, sem a necessidade de impor nenhuma forma de fala e de escrita, muito menos a emergência da repressão as línguas regionais desenvolvida pelos jacobinos. O bilinguismo e o multilinguismo tornam-se naturais em sociedades que compreendem as valorizações das diversidades atuais. Acreditamos que o ideal de “falar bem” está sendo substituído pelo objetivo primordial na comunicação humana, que é ser compreendido e compreender as mensagens emitidas por companheiros de sociedade, com o começo de uma certa tolerância ao que é visto como marcado (Labov, 1972) nas falas dos envolvidos em diálogos escritos ou falados, como percebemos hoje em dia na internet nas inúmeras formas de comunicação adquiridas com o desenvolvimento tecnológico. Esperamos que partimos para o defendido por Santo Agostinho em sua obra A Cidade de Deus, como veremos a seguir. Mieux vaut les reproches l’incompréhension du peuple.185 des grammairiens que Agostinho, 2004, p.168. Desta forma, podemos afirmar que mesmo com a hierarquização do que seria oficial e do que seria marginalizado na sociedade francesa no que tange a situação linguística do país, a problemática pode ser discutida em nossos dias, para que se possa tentar compreender, como começou, de quais ideais surgiu, como conseguiu instalar-se na França e espalhar-se por quase todo o mundo e sobretudo, para onde vai esse ideal hierarquizador das línguas presentes em uma nação, na medida em que as pressões pelas revalorizações das línguas faladas em vários países, incluindo a França, fazem com que os governos e as sociedades repensem seus atos para com os falantes das mesmas, ao repensar seus valores sociais e identificatórios. Mesmo que as leis linguísticas implantadas pelos governantes franceses ainda sigam os ideais jacobinos de repressão e de estigmatização das línguas regionais em detrimento da exaltação da língua francesa oficial, e neste sentido, sejam contrárias à 185 “Mais vale as reprovações dos gramáticos que a incompreensão do povo.” Tradução nossa. 165 valorização das línguas regionais na nação francesa, elas vêm se valorizando cada vez mais a partir dos seus falantes, que não estão fixos em um território limitado por políticas repressoras e controladoras, como se convencionou afirmar. Os grupos de falantes deslocam-se por qualquer parte do mundo e levam suas culturas e línguas, divulgando-as, interagindo com indivíduos de outras nações e enriquecendo suas falas, mesmo que para alguns elas sejam “mal faladas” se comparadas à representatividade de “fala bonita” vinculada à língua padrão como único meio aceito de fala e escrita em uma nação. Assim, o ideal jacobino de uma língua oficial repressora de outras formas de fala poderá ser repensado pelos seus políticos e por sua sociedade atualmente e em momentos futuros, para assim, poder criar um ambiente de respeito e valorização das multiplicidades linguísticas existentes no país da língua da liberdade e que sobretudo, a tentativa de compreensão das falas e das escritas alheias seja mais valorizada do que o esforço por criar discursos de erudição vazia e incompreensível – o ideal de “falar bem” – em qualquer forma de comunicação humana. 166 8 – Anexos: Anexo 1: Representação de uma cidadã do povo, mostrada como exemplo de revolucionária ao defender os objetivos dos líderes do Terror. A imagem tem a seguinte descrição: “Françoises devenues libres186” e sua definição nos arquivos do site da Biblioteca Nacional Francesa187 é a de “Liberté ou la mort188”, o que nos indica a forte adesão aos movimentos revolucionários por camadas oprimidas e efetivamente a adoção do discurso da Revolução e da língua da liberdade. 186 “Francesas tornadas livres” (tradução nossa). A representação das mulheres na Revolução fora bastante significativa na medida em que nas manifestações, enfrentamentos e tomada de iniciativas as mesmas se prontificaram a atuar pela eliminação do sistema monárquico de governo e na consequente transformação social. 187 http//frda.stanford.edu/fr 188 “Liberdade ou a morte” (tradução nossa). 167 Anexo 2: Extrato do jornal revolucionário L’Ami du Citoyen189, jornal este que (como muitos outros presentes na época) ajudou na tentativa de popularizar a língua oficial ligada ao ideal de escrita completa e de língua perfeita que ajudaria seus indivíduos a “falar bem”. 189 Exemplo de jornal obtido através do site http://gallica.bnf.fr/ da Biblioteca Nacional da França. 168 Anexo 3: Exemplo de propaganda revolucionária com escritos em língua oficial e símbolos populares que incitavam a participação das comunidades nos movimentos contestadores. Gravura de autoria de Paul-André Basset190 realizada em 1796. O texto possui mensagens bastante significativas no que tange a divulgação dos ideais revolucionários impositivos de sua centralização: “Unité Indivisibilité de la République/ Liberté, Égalité, Fraternité ou la Mort191”. Neste sentido, podemos verificar que não seria aceito na época haver múltiplas línguas faladas no território, pois os revolucionários acreditavam que este fato fomentaria ideais de divisão da pátria que se formava, logo, a hierarquização das línguas no país fora marca de opressão e de etnocentrismo. 190 Editor e comerciante de panfletos, propagandas e estampas durante o período revolucionário. “Unidade Indivisibilidade da República/ Liberdade, Igualdade, Fraternidade ou a Morte” (tradução nossa). Arquivo retirado do site da Biblioteca Nacional da França: http://gallica.bnf.fr/. 191 169 Anexo 4: No capítulo 5, vimos as tentativas administrativas de reorganização territorial da nação francesa, assim como a implantação de um projeto de conhecimento de cada Departamento e de suas formas de fala, a fim de poder melhor gerir os mesmos, como se acreditava. Desta forma, podemos verificar o projeto de lei desenvolvido em janeiro de 1790, pela Assembléia Constituinte e assinado pelo rei, que ainda fazia parte do governo, porém de forma a acatar as decisões dos novos políticos em questão, os jacobinos. 170ric://170ric.havel.free.fr/structures/Structures-administratives.htm 170 Anexo 5: Tentativa de normalizar e registrar uma língua regional, o languedociano, em um dicionário desenvolvido no século XIX. http://books.google.fr/books 171 Anexo 6 : Carta enviada por um correspondente do abade Henri Grégoire escrita em língua regional de Périgueux. Périgueux, le 28 novembre 1790. Franc Patoy (sic) de Campagne Moussur et respectable potrioto, Votro letro nous-o sacro bien fay plazey per so curiousita per notre Perigourdy, et las feyscû de botrey paubrey peyson ; si sobia coumo nous von nous deypeychâ per vous countentâ toleu que pouren, peyqué vous troboillâ per lou bé de lo paubro gen ; n’oven mourgiou chausy quatre bou comissarys qué seymojoron per tou ounté pouron trouba quauquoré de bravé à votro fontesio. Marmo quo ne vay pas coumo lou ven, et fau dau ten per zou deygnarjà ; oquelas fougnossorias ne se troben pas coumo las peyras o beu chomy ; mas en otenden oquelo perito letro pouro v’entresseignâ un pau quauquoré de notre parlâ, qu’ey fron, et que to potau qu’eu ey, o, vontre gio ! dau termey qu’un porisien, to fi que sio, s’y pecorio que loû virâ en boun froncey ; poudé creyré par moun armo que nous n’eytargnoren ré per vous fâ veyré que nous soun votreys omis de bour cor. Moussur, Et votrey counpotriotâ, Chambon, président; Bardet, sécretaire. P.S. – Si vous ne pouvez pas bien lire ni comprendre cette traduction, MM. Fournier la Charmie et Paulhiac192, nos chers concitoyens et députés à l’Assemblée nationale, se feront un plaisir de vous l’expliquer.193 Dauriac, commissaire. 192 Advogados. “P.S. – Se você não puder ler bem nem compreender esta tradução, Senhor Fournier la Charmie et Paulhiac nossos queridos concidadãos e deputados na Assembléia nacional, farão o favor de explicar ao senhor.” Tradução nossa. 193 172 Anexo 7: O relatório de Bertrand Barère de Vieuzac, que como o abade Henri Grégoire, lutou pela difusão da língua francesa oficial e a aniquilação (sic) das línguas regionais, nomeadas pelos mesmos de “patoás” (barbarismos, falares grosseiros, ignorâncias, falas grotescas, etc.). CONVENTION NATIONALE RAPPORT Rapport du Comité de salut public sur les idiomes Par Bertrand Barère de Vieuzac Le 8 pluviôse an II (27 janvier 1794) Citoyens, les tyrans coalisés ont dit : l'ignorance fut toujours notre auxiliaire le plus puissant; maintenons l'ignorance; elle fait les fanatiques, elle multiplie les contrerévolutionnaires; faisons rétrograder les Français vers la barbarie: servons-nous des peuples mal instruits ou de ceux qui parlent un idiome différent de celui de l'instruction publique. Le comité a entendu ce complot de l'ignorance et du despotisme. Je viens appeler aujourd'hui votre attention sur la plus belle langue de l'Europe, celle qui, la première, a consacré franchement les droits de l'homme et du citoyen, celle qui est chargée de transmettre au monde les plus sublimes pensées de la liberté et les plus grandes spéculations de la politique. Longtemps elle fut esclave, elle flatta les rois, corrompit les cours et asservit les peuples; longtemps elle fut déshonorée dans les écoles, et mensongère dans les livres de l'éducation publique; astucieuse dans les tribunaux, fanatique dans les temples, barbare dans les diplômes, amollie par les poètes, corruptrice sur les théâtres, elle semblait attendre ou plutôt désirer une plus belle destinée. Épurée enfin, et adoucie par quelques auteurs dramatiques, ennoblie et brillante dans les discours de quelques orateurs, elle venait de reprendre de l'énergie, de la raison 173 et de la liberté sous la plume de quelques philosophes que la persécution avait honorés avant la Révolution de 1789. Mais elle paraissait encore n'appartenir qu'à certaines classes de la société; elle avait pris la teinte des distinctions nobiliaires; et le courtisan, non content d'être distingué par ses vices et ses dépravations, cherchait encore à se distinguer dans le même pays par un autre langage. On eût dit qu'il y avait plusieurs nations dans une seule. Cela devait exister dans un gouvernement monarchique, où l'on faisait ses preuves pour entrer dans une maison d'éducation, dans un pays où il fallait un certain ramage pour être de ce qu'on appelaitla bonne compagnie, et où il fallait siffler la langue d'une manière particulière pour être un homme comme il faut. Ces puériles distinctions ont disparu avec les grimaces des courtisans ridicules et les hochets d'une cour perverse. L'orgueil même de l'accent plus ou moins pur ou sonore n'existe plus, depuis que des citoyens rassemblés de toutes les parties de la République ont exprimé dans les assemblées nationales leurs vœux pour la liberté et leurs pensées pour la législation commune. Auparavant, c'étaient des esclaves brillants de diverses nuances; ils se disputaient la primauté de mode et de langage. Les hommes libres se ressemblent tous; et l'accent vigoureux de la liberté et de l'égalité est le même, soit qu'il sorte de la bouche d'un habitant des Alpes ou des Vosges, des Pyrénées ou du Cantal, du Mont-Blanc ou du Mont-Terrible, soit qu'il devienne l'expression des hommes dans des contrées centrales, dans des contrées maritimes ou sur les frontières. Quatre points du territoire de la République méritent seuls de fixer l'attention du législateur révolutionnaire sous le rapport des idiomes qui paraissent les plus contraires à la propagation de l'esprit public et présentent des obstacles à la connaissance des lois de la République et à leur exécution. Parmi les idiomes anciens, welches, gascons, celtiques, wisigoths, phocéens ou orientaux, qui forment quelques nuances dans les communications des divers citoyens et des pays formant le territoire de la République, nous avons observé (et les rapports des représentants se réunissent sur ce point avec ceux des divers agents envoyés dans les départements) que l'idiome appelé bas-breton, l'idiome basque, les langues allemande et italienne ont perpétué le règne du fanatisme et de la superstition, assuré la domination des prêtres, des nobles et des praticiens, empêché la révolution de pénétrer dans neuf départements importants, et peuvent favoriser les ennemis de la France. Je commence par le bas-breton. Il est parlé exclusivement dans la presque totalité des départements du Morbihan, du Finistère, des Côtes-du-Nord, d'Îlle-et-Vilaine, et 174 dans une grande partie de la Loire-Inférieure. Là l'ignorance perpétue le joug imposé par les prêtres et les nobles; là les citoyens naissent et meurent dans l'erreur: ils ignorent s'il existe encore des lois nouvelles. Les habitants des campagnes n'entendent que le bas-breton; c'est avec cet instrument barbare de leurs pensées superstitieuses que les prêtres et les intrigants les tiennent sous leur empire, dirigent leurs consciences et empêchent les citoyens de connaître les lois et d'aimer la République. Vos travaux leur sont inconnus, vos efforts pour leur affranchissement sont ignorés. L'éducation publique ne peut s'y établir, la régénération nationale y est impossible. C'est un fédéralisme indestructible que celui qui est fondé sur le défaut de communication des pensées; et si les divers départements, seulement dans les campagnes, parlaient divers idiomes, de tels fédéralistes ne pourraient être corrigés qu'avec des instituteurs et des maîtres d'école dans plusieurs années seulement. Les conséquences de cet idiome, trop longtemps perpétué et trop généralement parlé dans les cinq départements de l'Ouest, sont si sensibles que les paysans (au rapport de gens qui y ont été envoyés) confondent le mot loi et celui de religion, à un tel point que, lorsque les fonctionnaires publics leur parlent des lois de la République et des décrets de la Convention, ils s'écrient dans leur langage vulgaire: Est-ce qu'on veut nous faire sans cesse changer de religion ? Quel machiavélisme dans les prêtres d'avoir fait confondre la loi et la religion dans la pensée de ces bons habitants des campagnes! Jugez, par ce trait particulier, s'il est instant de s'occuper de cet objet. Vous avez ôté à ces fanatiques égarés les saints par le calendrier de la République; ôtez-leur l'empire des prêtres par l'enseignement de la langue française. Dans les départements du Haut et du Bas-Rhin, qui a donc appelé, de concert avec les traîtres, le Prussien et l'Autrichien sur nos frontières envahies ? l'habitant des campagnes qui parle la même langue que nos ennemis, et qui se croit ainsi bien plus leur frère et leur concitoyen que le frère et le concitoyen des Français qui lui parlent une autre langue et ont d'autres habitudes. Le pouvoir de l'identité du langage a été si grand qu'à la retraite des Allemands plus de vingt mille hommes des campagnes du Bas-Rhin sont émigrés. L'empire du langage et l'intelligence qui régnait entre nos ennemis d'Allemagne et nos concitoyens du département du Bas-Rhin est si incontestable qu'ils n'ont pas été arrêtés dans leur émigration par tout ce que les hommes ont de plus cher, le sol qui les a vus naître, les 175 dieux pénates et les terres qu'ils avaient fertilisées. La différence des conditions, l'orgueil, ont produit la première émigration qui a donné à la France des milliards ; la différence du langage, le défaut d'éducation, l'ignorance ont produit la seconde émigration qui laisse presque tout un département sans cultivateurs. C'est ainsi que la contre-révolution s'est établie sur quelques frontières en se réfugiant dans les idiomes celtiques ou barbares que nous aurions dû faire disparaître. Vers une autre extrémité de la République est un peuple neuf, quoique antique, un peuple pasteur et navigateur, qui ne fut jamais ni esclave ni maître, que César ne put vaincre au milieu de sa course triomphante dans les Gaules, que l'Espagne ne put atteindre au milieu de ses révolutions, et que le despotisme de nos despotes ne put soumettre au joug des intendants: je veux parler du peuple basque. Il occupe l'extrémité dés Pyrénées-Occidentales qui se jette dans l'Océan. Une langue sonore et imagée est regardée comme le sceau de leur origine et l'héritage transmis par leurs ancêtres. Mais ils ont des prêtres, et les prêtres se servent de leur idiome pour les fanatiser ; mais ils ignorent la langue française et la langue des lois de la République. Il faut donc qu'ils l'apprennent, car, malgré la différence du langage et malgré leurs prêtres, ils sont dévoués à la République qu'ils ont déjà défendue avec valeur le long de la Bidassoa et sur nos escadres. Un autre département mérite d'attirer vos regards: c'est le département de Corse. Amis ardents de la liberté, quand un perfide Paoli et des administrateurs fédéralistes ligués avec des prêtres ne les égarent pas, les Corses sont des citoyens français; mais, depuis quatre ans de révolution, ils ignorent nos lois, ils ne connaissent pas les événements et les crises de notre liberté. Trop voisins de l'Italie, que pouvaient-ils en recevoir ? des prêtres, des indulgences, des Adresses séditieuses, des mouvements fanatiques. Pascal Paoli, Anglais par reconnaissance, dissimulé par habitude, faible par son âge, Italien par principe, sacerdotal par besoin, se sert puissamment de la langue italienne pour pervertir l'esprit public, pour égarer le peuple, pour grossir son parti; il se sert surtout de l'ignorance des habitants de Corse, qui ne soupçonnent pas même l'existence des lois françaises, parce qu'elles sont dans une langue qu’ils n’entendent pas. Il est vrai qu'on traduit depuis quelques mois notre législation en italien; mais ne vaut-il pas mieux y établir des instituteurs de notre langue que des traducteurs d'une langue étrangère? Citoyens, c'est ainsi que naquit la Vendée; son berceau fut l'ignorance des lois; son accroissement fut dans les moyens employés pour empêcher la révolution d'y pénétrer, 176 et alors les dieux de l'ignorance, les prêtres réfractaires, les nobles conspirateurs, les praticiens avides et les administrateurs faibles ou complices ouvrirent une plaie hideuse dans le sein de la France: écrasons donc l'ignorance, établissons des instituteurs de langue française dans les campagnes! Depuis trois ans les assemblées nationales parlent et discutent sur l'éducation publique; depuis longtemps le besoin des écoles primaires se fait sentir; ce sont des subsistances morales de première nécessité que les campagnes vous demandent; mais peut-être sommes-nous encore trop académiques et trop loin du peuple pour lui donner les institutions les plus adaptées à ses plus pressants besoins. Les lois de l'éducation préparent à être artisan, artiste, savant, littérateur, législateur et fonctionnaire public; mais les premières lois de l'éducation doivent préparer à être citoyens; or, pour être citoyen, il faut obéir aux lois, et, pour leur obéir, il faut les connaître. Vous devez donc au peuple l'éducation première qui le met à portée d'entendre la voix du législateur. Quelle contradiction présentent à tous les esprits les départements du Haut et du Bas-Rhin, ceux du Morbihan, du Finistère, d'Ille-et-Vilaine, de la Loire-Inférieure, des Côtes-du-Nord, des Basses-Pyrénées et de la Corse? Le législateur parle une langue que ceux qui doivent exécuter et obéir n'entendent pas. Les anciens ne connurent jamais des contrastes aussi frappants et aussi dangereux. Il faut populariser la langue, il faut détruire cette aristocratie de langage qui semble établir une nation polie au milieu d’une nation barbare. Nous avons révolutionné le gouvernement, les lois, les usages, les mœurs, les costumes, le commerce et la pensée même ; révolutionnons donc aussi la langue, qui est leur instrument journalier. Vous avez décrété l'envoi des lois à toutes les communes de la République ; mais ce bienfait est perdu pour celles des départements que j'ai déjà indiqués. Les lumières portées à grands frais aux extrémités de la France s'éteignent en y arrivant, puisque les lois n’y sont pas entendues. Le fédéralisme et la superstition parlent bas-breton; l'émigration et la haine de la République parlent allemand ; la contre-révolution parle l'italien, et le fanatisme parle le basque. Cassons ces instruments de dommage et d'erreur. Le comité a pensé qu'il devait vous proposer, comme mesure urgente et révolutionnaire, de donner à chaque commune de campagne des départements désignés un instituteur de langue française, chargé d'enseigner aux jeunes personnes des deux sexes, et de lire, chaque décade, à tous les autres citoyens de la commune, les lois, les décrets et les instructions envoyés de la Convention. Ce sera à ces instituteurs de 177 traduire vocalement ces lois pour une intelligence plus facile dans les premiers temps. Rome instruisait la jeunesse en lui apprenant à lire dans la loi des douze tables. La France apprendra à une partie des citoyens la langue française dans le livre de la Déclaration des Droits. Ce n'est pas qu'il n'existe d'autres idiomes plus ou moins grossiers dans d'autres départements ; mais ils ne sont pas exclusifs, mais ils n'ont pas empêché de connaître la langue nationale. Si elle n'est pas également bien parlée partout, elle est du moins facilement entendue. Les clubs, les Sociétés patriotiques, sont des écoles primaires pour la langue et pour la liberté; elles suffiront pour la faire connaître dans les départements où il reste encore trop de vestiges de ces patois, de ces jargons maintenus par l'habitude et propagés par une éducation négligée ou nulle. Le législateur doit voir d'en haut, et ne doit ainsi apercevoir que les nuances très prononcées, que les différences énormes; il ne doit des instituteurs de langue qu'au pays, qui, habitué exclusivement à un idiome, est pour ainsi dire isolé et séparé de la grande famille. Ces instituteurs n'appartiendront à aucune fonction de culte quelconque; point de sacerdoce dans l'enseignement public; de bons patriotes, des hommes éclairés, voilà les premières qualités nécessaires pour se mêler d'éducation. Les Sociétés populaires indiqueront des candidats: c'est de leur sein, c'est des villes que doivent sortir ces instituteurs; c'est par les représentants du peuple, envoyés pour établir le gouvernement révolutionnaire, qu'ils seront choisis. Leur traitement sera payé par le trésor public. La République doit l'instruction élémentaire à tous les citoyens ; leur traitement n'éveillera pas la cupidité; il doit satisfaire aux besoins d'un homme dans les campagnes; il sera de 100 frs par mois. L'assiduité prouvée par des autorités constituées sera la caution de la République dans le paiement qu'elle fera à ces instituteurs, qui vont remplir une mission plus importante qu'elle ne paraît d'abord. Ils vont créer des hommes à la liberté, attacher des citoyens à la patrie, et préparer l'exécution des lois en les faisant connaître. Cette proposition du comité aura peut-être une apparence frivole aux yeux des hommes ordinaires, mais je parle à des législateurs populaires, chargés de présider à la plus belle des révolutions que la politique et l'esprit humain aient encore éprouvées. Si je parlais à un despote, il me blâmerait; dans la monarchie même chaque maison, chaque commune, chaque province, était en quelque sorte un empire séparé de moeurs, d'usages, de lois, de coutumes et de langage. Le despote avait besoin d'isoler les peuples, de séparer les pays, de diviser les intérêts, d'empêcher les communications, 178 d'arrêter la simultanéité des pensées et l'identité des mouvements. Le despotisme maintenait la variété des idiomes: une monarchie doit ressembler à la tour de Babel; il n'y a qu'une langue universelle pour le tyran: celle de la force pour avoir l'obéissance, et celle des impôts pour avoir de l'argent. Dans la démocratie, au contraire, la surveillance du gouvernement est confiée à chaque citoyen; pour le surveiller il faut le connaître, il faut surtout en connaître la langue. Les lois d'une République supposent une attention singulière de tous les citoyens les uns sur les autres, et une surveillance constante sur l'observation des lois et sur la conduite des fonctionnaires publics. Peut-on se la promettre dans la confusion des langues, dans la négligence de la première éducation du peuple, dans l'ignorance des citoyens? D'ailleurs, combien de dépenses n'avons-nous pas faites pour la traduction des lois des deux premières assemblées nationales dans les divers idiomes parlés en France! Comme si c'était à nous à maintenir ces jargons barbares et ces idiomes grossiers qui ne peuvent plus servir que les fanatiques et les contre-révolutionnaires! Laisser les citoyens dans l'ignorance de la langue nationale, c'est trahir la patrie; c'est laisser le torrent des lumières empoisonné ou obstrué dans son cours; c'est méconnaître les bienfaits de l'imprimerie, car chaque imprimeur est un instituteur public de langue et de législation. Laisserez-vous sans fruit sur quelque partie du territoire, cette belle invention qui multiplie les pensées et propage les lumières, qui reproduit les lois et les décrets, et les étend dans huit jours sur toute la surface de la République ; une invention qui rend la Convention nationale présente à toutes les communes, et qui seule peut assurer les lumières, l'éducation, l'esprit public et le gouvernement démocratique d'une grande nation? Citoyens, la langue d'un peuple libre doit être une et la même pour tous. Dès que les hommes pensent, dès qu'ils peuvent coaliser leurs pensées, l'empire des prêtres, des despotes et des intrigants touche à sa ruine. Donnons donc aux citoyens l'instrument de la pensée publique, l'agent le plus sûr de la révolution, le même langage. Eh quoi! tandis que les peuples étrangers apprennent sur tout le globe la langue française; tandis que nos papiers publics circulent dans toutes les régions; tandis que le Journal Universel et le Journal des Hommes Libres sont lus chez toutes les nations d'un pôle à l'autre, on dirait qu'il existe en France six cent mille Français qui ignorent 179 absolument la langue de leur nation et qui ne connaissent ni les lois, ni la révolution qui se font au milieu d'eux! Ayons l'orgueil que doit donner la prééminence de la langue française depuis qu'elle est républicaine, et remplissons un devoir. Laissons la langue italienne consacrée aux délices de l'harmonie et aux expressions d'une poésie molle et corruptrice. Laissons la langue allemande, peu faite pour des peuples libres jusqu'à ce que le gouvernement féodal et militaire, dont elle est le plus digne organe, soit anéanti. Laissons la langue espagnole pour son inquisition et ses universités jusqu'à ce qu'elle exprime l'expulsion des Bourbons qui ont détrôné les peuples de toutes les Espagnes. Quant à la langue anglaise, qui fut grande et libre le jour qu'elle s'enrichit de ces mots, la majesté du peuple, elle n'est plus que l'idiome d'un gouvernement tyrannique et exécrable, de la banque et des lettres-de-change. Nos ennemis avaient fait de la langue française la langue des cours; ils l'avaient avilie. C'est à nous d'en faire la langue des peuples, et elle sera honorée. Il n'appartient qu'à une langue qui a prêté ses accents à la liberté et à l'égalité; à une langue qui a une tribune législative et deux mille tribunes populaires, qui a de grandes enceintes pour agiter de vastes assemblées, et des théâtres pour célébrer le patriotisme; il n'appartient qu'à la langue française qui depuis quatre ans se fait lire par tous les peuples, qui décrit à toute l'Europe la valeur de quatorze armées, qui sert d'instrument à la gloire de la reprise de Toulon, de Landau, du Fort Vauban et à l'anéantissement des armées royales; il n'appartient qu'à elle de devenir la langue universelle. Mais cette ambition est celle du génie de la liberté; il la remplira. Pour nous, nous devons à nos concitoyens, nous devons à l'affermissement de la République de faire parler sur tout son territoire la langue dans laquelle est écrite la Déclaration des droits de l'Homme. Voici le projet : La Convention nationale, après avoir entendu le rapport de son comité de salut public, décrète : Art. I. Il sera établi dans dix jours, à compter du jour de la publication du présent décret, un instituteur de langue française dans chaque commune de campagne des 180 départements du Morbihan, du Finistère, des Côtes-du-Nord et dans la partie de la Loire-Inférieure dont les habitants parlent l'idiome appelé bas-breton. Art. II. Il sera procédé à la même nomination d'un instituteur de la langue française dans chaque commune des campagnes des départements du Haut et Bas-Rhin, dans le département de la Corse, dans la partie du département de la Moselle, du département du Nord, du Mont-Terrible, des Alpes maritimes, et de la partie des Basses-Pyrénées dont les habitants parlent un idiome étranger. Art. III. Il ne pourra être choisi un instituteur parmi les ministres d'un culte quelconque, ni parmi ceux qui auront appartenu à des castes ci-devant privilégiées ; ils seront nommés par les représentants du peuple, sur l'indication faîte par les sociétés populaires. Art. IV. Les instituteurs seront tenus d'enseigner tous les jours la langue française et la Déclaration des Droits de l'Homme à tous les jeunes citoyens des deux sexes que les pères, mères et tuteurs seront tenus d'envoyer dans les écoles publiques ; les jours de décade ils donneront lecture au peuple et traduiront vocalement les lois de la république en préférant celles relatives à l'agriculture et aux droits des citoyens. Art. V. Les instituteurs recevront du trésor public un traitement de 1500 livres par an, payables à la fin de chaque mois, à la caisse du district, sur le certificat de résidence donné par les municipalités, d'assiduité et de zèle à leurs fonctions donné par l'agent national près chaque commune. Les sociétés populaires sont invitées à propager l'établissement des clubs pour la traduction vocale des décrets et des lois de la république, et à multiplier les moyens de faire connaître la langue française dans les campagnes les plus reculées. Le Comité de salut public est chargé de prendre à ce sujet toutes les mesures qu'il croira nécessaires. 181 Anexo 8: O relatório do abade Henri Grégoire para a Convenção Nacional194. CONVENTION NATIONALE RAPPORT Sur la nécessité et les moyens d'anéantir les patois, et d'universaliser l'usage de la langue française. PAR GREGOIRE Séance du 16 prairial, l'an deuxième de la République une et indivisible ; Suivi du Décret de la Convention Nationale Et envoyés aux autorités constituées, aux sociétés populaires, et à toutes les communes de la République. La langue Française a conquis l'estime de l'Europe, et depuis un siècle elle y est classique : mon but n'est pas d'assigner les causes qui ont assuré cette prérogative. Il y a dix ans qu'au fond de l'Allemagne (à Berlin) on discuta savamment cette question, qui, suivant l'expression d'un écrivain, eut flatté l'orgueil de Rome empressée à la consacrer dans son histoire comme une de ses belles époques. On connaît les tentatives de la politique romaine pour universaliser sa langue: elle défendait d'en employer d'autre pour haranguer les ambassadeurs étrangers, pour négocier avec eux; et malgré ses efforts, elle n'obtint qu'imparfaitement ce qu'un assentiment libre accorde à la langue française. On sait qu'en 1774 elle servit à rédiger le traité entre les Turcs et les Russes. Depuis la paix 194 Retirado do site da Assembléia Nacional Francesa: http://www.assemblee-nationale.fr/histoire/AbbeGregoire1794.asp 182 de Nimégue elle a été prostituée, pour ainsi dire, aux intrigues des cabinets d'Europe. Dans la marche claire et méthodique, la pensée se découle facilement ; c'est ce qui lui donne un caractère de raison, de probité, que les fourbes eux-mêmes trouvent plus propre à les garantir des ruses diplomatiques. Si notre idiome a reçu un tel accueil des tyrans et des cours, à qui la France monarchique donnait des théâtres, des pompons, des modes et des manières, quel accueil ne doit-il pas se promettre de la part des peuples, à qui la France républicaine révèle leurs droits en leur ouvrant la porte de la liberté ? Mais cet idiome, admis dans les transactions politiques, usité dans plusieurs villes d'Allemagne, d'Italie, des Pays-Bas, dans une partie du pays de Liège, du Luxembourg, de la Suisse, même dans le Canada et sue les bords du Mississipi, par quelle fatalité estil encore ignoré d'une très grande partie des Français ? A travers toutes les révolutions, le celtique qui fut le premier idiome de l' Europe, s'est maintenu dans une contrée de la France et dans quelques cantons des îles britanniques. On fait que les Gallois, les Cornoualliens et les Bas-Bretons s'entendent: cette langue indigène éprouva des modifications successives. Les Phocéens fondèrent, il y a vingt-quatre siècles, de brillantes colonies sur les bords de la méditerranée; et dans une chanson des environs de Marseille, on trouvé récemment des fragments grecs d'une ode de Pindare sur les vendanges. Les Catharginois franchirent les Pyrénées, et Plybe nous dit que beaucoup de Gaulois apprirent le punique pour converser avec les soldats d'Annibal. Du joug des Romains, la Gaule passa sous la domination des Francs. Les Alains, les Goths, les Arabes et les Anglais, après y avoir pénétré tour-à-tour, en furent chassés ; et notre langue, ainsi que les divers dialectes usités en France, portent encore les empreintes du passage ou du séjour de ces divers peuples. La féodalité qui vint ensuite morceler ce beau pays, y conserva soigneusement cette disparité idiome comme un moyen de reconnaître, de ressaisir les serfs fugitifs et de river leurs chaînes. Actuellement encore l'étendue territoriale où certains patois sont usités, est déterminée par les limites de l'ancienne domination féodale. C'est ce qui explique la presque identité des patois de Douillon et de Nancy, qui sont à 40 lieues de distances, et qui furent jadis soumis aux mêmes tyrans, tandis que le dialecte de Metz, situé à quelques lieus de Nancy, en diffère beaucoup, parce que pendant plusieurs siècles le pays Messin, organisé dans une forme presque républicaine, fut en guerre continuelle avec la Lorraine. 183 Il n'y a qu'environ quinze départements de l'intérieur où la langue française soit exclusivement parlée. Encore y éprouve-t-elle des altérations sensibles, soit dans la prononciation, soit par l'emploi de termes impropres et surannés, surtout vers Sancerre, où l'on retrouve une partie des expressions de Rabelais, Amyot et Montaigne. Nous n'avons plus de provinces, et nous avons encore environ trente patois qui en rappellent les noms. Peut-être n'est-il pas inutile d'en faire l'énumération : Le bas-breton, le normand, le picard, le rouchi ou wallon, le flamand, le champenois, le messin, le lorrain, le franccomtois, le bourguignon, le bressan, le lyonnais, le dauphinois, l'auvergnat, le poitevin, le limousin, le picard, le provençal, le languedocien, le velayen, le catalan, le béarnois, le basque, le rouergat et le gascon; ce dernier seul est parlé sur une surface de 60 lieus en tout sens. Au nombre des patois, on doit placer encore l'italien de la Corse, des AlpesMaritimes, et l'Allemand des Hauts et Bas-Rhin, parce que ces deux idiomes y sont très dégénérés. Enfin, les Nègres de nos colonies, dont vous avez fait des hommes, ont une espèce d'idiome pauvre comme celui des Hottentais, comme la langue franque, qui, dans tous les verbes, ne connaît guère que l'infinitif. Plusieurs de ces dialectes, à la vérité, sont génériquement les mêmes; ils ont un fonds de physionomie ressemblante et seulement quelques traits métis tellement nuancés, que des villages voisins, que les divers faubourgs, d'une même commune, telles que Salins et Commune-Affranchie, offrent des variantes. Cette disparité s'est conservée d'une manière plus tranchante dans des villages situés sur les bords opposés d'une rivière, où à défaut de pont, les communications étaient autrefois plus rare. Le passage de Strasbourg à Brest est actuellement plus facile que ne l'étaient jadis certaines courses de vingt lieues ; et l'on cite encore vers St Claude, dans le département du Jura, des testaments faits (est-il dit), à la veille d'un grand voyage, car il s'agissait d'aller à Besançon, qui était la capitale de la province. On peut assurer sans exagérations qu'au moins six millions de Français, surtout dans les campagnes, ignorent la langue nationale ; qu'un nombre égal est à peu près incapable de soutenir une conversation suivie ; qu'en dernier résultat, le nombre de ceux qui la parlent purement n'exède pas trois million ; et probablement le nombre de ceux qui l'écrivent correctement est encore moindre. Ainsi, avec trente patois différents, nous 184 sommes encore, pour le langage à la tour de Babel , tandis que pour la liberté nous formons l'avant-garde des nations. Quoiqu'il y ait possibilité de diminuer le nombre des idiomes reçus en Europe, l'état politique du globe bannit l'espérance de ramener les peuples à une langue commune. Cette conception, formée par quelques écrivains est également hardie et chimérique. Une langue universelle est dans son genre ce que la pierre philosophale est en chimie. Mais au moins on peut uniformer le langage d'une grande nation, de manière que tous les citoyens qui la composent, puissent sans obstacles se communiquer leurs pensées. Cette entreprise, qui ne fut pleinement exécutée chez aucun peuple, est digne du peuple français, qui centralise toutes les branches de l'organisation sociale, et qui doit être jaloux de consacrer au plutôt, dans une République une et indivisible, l'usage unique et invariable de la la langue de la liberté. Sur le rapport de son comité de salut public , la Convention nationale, le 8 pluviôse, qu'il serait établi des instituteurs pour enseigner notre langue dans les départements où elle est moins connue. Cette mesure, très salutaire, mais qui ne s'étend pas à tous ceux où l'on parle patois, doit être secondée par le zèle des citoyens. La voix douce de la persuasion peut accélérer l'époque où ces idiomes féodaux auront disparu. Un des moyens les plus efficaces peu-être pour électriser les citoyens, c'est leur prouver que la connaissance et l'usage de la langue nationale importent à la conservation de la liberté. Aux vrais républicains, il suffit de montrer le bien; on est dispenser de le leur commander. Les deux sciences les plus utiles et les plus négligées sont la culture de l'homme et celle de la terre : personne n'a mieux senti le prix de l'une et de l'autre que nos frères les américains, chez qui tout le monde sait lire, écrire et parler la langue nationale. L'homme sauvage n'est, pour ainsi dire, qu'ébauché : en Europe, l'homme civilisé est pire; il est dégradé. La résurrection de la France s'est opéré d'une manière imposante; elle se soutient avec majesté: mais le retour d'un peuple à la liberté ne peut en consolider l'existence que par les mœurs et les lumières. Avouons qu'il nous reste beaucoup à faire à cet égard. Tous les membres du souverain sont admissibles à toutes les places; il est à désirer que tous puissent successivement les remplir ; et retourner à leurs professions agricoles ou mécaniques. Cet états de choses nous présentes l'alternative suivantes: Si ces places sont occupées par des hommes incapables de s'énoncer, d'écrire correctement dans la langue nationale, les droits des citoyens seront-ils bien garantis par des actes dont la rédaction 185 présentera l'impropriété des termes, l'imprécision des idées, en un mot, tous les symptômes de l'ignorance? Si au contraire cette ignorance exclut des places, bientôt renaîtra cette aristocratie qui jadis employait le patois pour montrer son affabilité protectrice à ceux qu'on appelait insolemment les petites gens. Bientôt la société sera réinfectée de gens comme il faut; la liberté des suffrages sera restreinte, les cabales seront plus faciles à nouer, plus difficiles à rompre; et , par le fait, entre deux classes séparées s'établira une sorte d'hiérarchie. Ainsi l'ignorance de la langue compromettrait le bonheur social, ou détruiront l'égalité. Le peuple doit connaître les lois pour les sanctionner et leur obéir ; et telle était l'ignorance de quelques communes dans les premières époques de la révolution, que confondant toutes les notions, associant de idées incohérentes et absurdes, elles s'étaient persuadé que le mot décret signifiait un décret de prise de corps ; qu'en conséquence devait intervenir un décret pour tuer tous les ci-devant privilégiés ; et l'on m'écrivait à ce sujet une anecdote qui serait plaisante, si elle n'était déplorable. Dans une commune les citoyens disaient: « Ce serait pourtant bien dur de tuer M. Geffry ; mais au moins il ne faudrait pas le faire souffrir ». Dans cette anecdote, à travers l'enveloppe de l'ignorance, on voit percer le sentiment naïf d'hommes qui d'avance calculent les moyens de concilier l'humanité avec l'obéissance. Proposerez-vous de suppléer à cette ignorance par des traductions? alors vous multipliez les dépenses: en compliquant les rouages politiques, vous en ralentissez le mouvement. Ajoutons que la majeure partie des dialectes vulgaires résistent à la traduction, ou n'en promettent que d'infidèles. Si dans notre langue la partie politique est à peine créer, que peut-elle être dans des idiomes dont les uns abondent à la vérité en expressions sentimentales, pour peindre les douces effusions du cœur, mais sont absolument dénués de termes relatifs à la politique; les autres sont des jargons lourds et grossiers, sans syntaxes déterminée, parce que la langue est toujours la mesure du génie d'un peuple: les mots ne croissent qu'avec la progression des idées et des besoins. Leibnitz avait raison: les mots sont les lettres de change de l'entendement; si donc il acquiert de nouvelles idées, il lui faut des termes nouveaux; sans quoi l'équilibre serait rompu. Plutôt que d'abandonner cette fabrication aux caprices de l'ignorance, il vaut mieux certainement lui donner votre langue; d'ailleurs, l'homme des campagnes, peu accoutumé à généraliser ses idées, manquera toujours de termes abstraits; et cette inévitable pauvreté du langage qui resserre l'esprit; mutilera vos adresses et vos décrets, si même elle ne les rend intraduisibles. 186 Cette disparité des dialectes a souvent contrarié les opérations de vos commissaires dans les départements. Ceux qui se trouvaient aux Pyrénées-Orientales en octobre 1792 vous écrivaient que, chez les Basques; peuple doux et braves, un grand nombre était accessible au fanatisme, parce que l'idiome est un obstacle à la propagation des lumières. La même chose est arrivée dans d'autres départements, où les scélérats fondaient sur l'ignorance de notre langue, le succès de leurs machinations contrerévolutionnaires. C'est surtout vers nos frontières que les dialectes, communs aux peuples des limites opposées, établissent avec nos ennemies des relations dangereuses, tandis que dans l'étendue de la République tant de jargons sont autant de barrières qui gênent les mouvements du commerce, et atténuent les relations sociales. Par l'influence respectives des mœurs sur le langage, du langage sur les mœurs; ils empêchent l'amalgame politique, et d'un seul peuple en font trente. Cette observation acquiert un grand poids, si l'on considère que, faute de s'entendre, tant d'hommes se font égorgés, et que souvent les querelles sanguinaires des nations, comme les querelles ridicules des scolastiques, n'ont été que de véritables logomachies. Il faut donc que l'unité de langue entre les enfants de la même famille éteigne les restes des préventions résultantes des anciennes divisions provinciales, et resserre les liens d'amitié qui doivent unir des frères. Des considérations d'un autre genre viennent à l'appui de nos raisonnements. Toutes les erreurs se tiennent comme toutes les vérités: les préjugés les plus absurdes peuvent entraîner les conséquences les plus funestes. Dans quelques cantons, ces préjugés sont affaiblis; mais dans la plupart des campagnes ils exercent encore leur empire. Un enfant ne tombe pas en convulsion, la contagion ne frappe pas une étable, sans faire naître l'idée qu'on a jeté un sort: c'est le terme. Si dans le voisinage il est quelque fripon connu sous le nom de devin, la crédulité va lui porter son argent, et le soupçons personnels font éclater des vengeances. Il suffirait de remonter a très peu d'années, pour trouver des assassinats commis sous prétexte de maléfice. Les erreurs antiques ne font-elles donc que changer de formes en parcourant les siècles? Que du temps de Virgile on ait supposer aux magiciennes de Thessalie la puissance d'obscurcir le soleil et de jeter la lune dans un puits; que dix-huit siècles après on ait cru pouvoir évoquer le diable; je ne vois là que des inepties diversement modifiées. En veut-on un exemple plus frappant ? Le génie noir chez les Celtes; plus noir que la poix, dit l'Edda; l'éphiall Grecs, les lémures des Romains, les incubes du moyen-âge, 187 le sotre vers Lunéville, le drac dans le ci-devant Languedoc, le chaouce-bieille dans quelques coins de la ci-devant Gascogne, font depuis 40 siècles le texte de mille contes puérils, pour expliquer ce que les médecins nomment le cochemar. Les Romains croyaient qu'il était dangereux de se marier au mois de mai; cette idée s'est perpétuée chez les Juifs; Astruc l'a retrouvée dans le ci-devant Languedoc. Actuellement encore les cultivateurs, pour la plupart, sont insaturés de toutes les idées superstitieuses que des auteurs anciens, estimables d'ailleurs, comme Aristote, Elien, Pline et Columelle, ont consignées dans leurs écrits: tel est un prétendu secret pour faire périr les insectes, qui des Grecs est passé aux Romains, et que nos faiseurs de maisons rustiques ont répété. C'est surtout l'ignorance de l'idiome national qui tient tant d'individus à une grande distance de la vérité: cependant si vous ne les mettez en communication directe avec les hommes et les livres, leurs erreurs accumulées, enracinées depuis des siècles, seront indestructibles. Pour perfectionner l'agriculture et toutes les branches de l'économie rurale, si arriérées chez nous, la connaissance de la langue nationale est également indispensable. Rozier observe que, d'un village à l'autre, les cultivateurs ne s'entendent pas ; après cela, dit-il, comment les auteurs qui traitent de la vigne prétendent-ils qu'on les entendra ? Pour fortifier son observation, j'ajoute que, dans quelques contrées méridionales de la France, le même cep de vigne a trente noms différents. Il en est de même de l'art nautique, de l'extraction des minéraux, des instruments ruraux, des maladies, des grains, et spécialement des plantes. Sur ce dernier article, la nomenclature varie non seulement dans des localités très voisines, mais encore dans des époques très rapprochés. Le botaniste Villars, qui en donne plusieurs preuves, cite Sollier, qui, plus que personne, ayant fait des recherches,dans les villages, sur les dénominations vulgaires des végétaux, n'en a trouvé qu'une centaine bien nommés. Il en résulte que les livres les plus usuels sont souvent inintelligibles pour les citoyens des campagnes.Il faut donc en révolutionnant les arts, uniformer leur idiome technique; il faut que les connaissances disséminées éclairent toute la surface du territoire français, semblables à ces réverbères qui, sagement distribués dans toutes les parties d'une cité, y répartissent la lumière. Un poète a dit : Peut-être qu'un Lycurgue, un Cicéron sauvage, Est chantre de paroisse ou maire de village. 188 Les développements du génie attesteront cette vérité et prouveront que, surtout, parmi les hommes de la nature se trouvent les grands hommes. Les relations des voyageurs étrangers insistent sur le désagrément qu ils éprouvaient de ne pouvoir recueillir des renseignements dans les parties de la France où le peuple ne parle pas français. Ils nous comparent malignement aux Islandais, qui, au milieu des frimas d'une région sauvage, connaissent tous l'histoire de leur pays, afin de nous donner le désavantage du parallèle. Un Anglais, dans un écrit qui décèle souvent la jalousie, s'égaie sur le compte d'un marchand qui lui demandait si , en Angleterre, il y avait des arbres et des rivières et à qui il persuada que, d'ici à la Chine, il y avait environ 200 lieues. Les Français, si redoutables aux Anglais par leurs baïonnettes, doivent leur prouver encore qu'ils ont sur eux la supériorité du génie, comme celle de la loyauté: il leur suffit de vouloir. Quelques objections m'ont été faites sur l'utilité du plan que je propose. Je vais les discuter. Pensez-vous m'a-t-on dit, que les Français méridionaux se résoudront facilement à quitter un langage qu'ils chérissent par habitude et par sentiment? Leurs dialectes, appropriés au génie d'un peuple qui pense vivement et s'exprime de même, ont une syntaxe où l'on rencontre moins d'anomalie que dans notre langue. Par leurs richesses et leurs prosodies éclatantes ils rivalisent avec la douceur de l'italien et la gravité de l'espagnol; et probablement, au lieu de la langue des trouvères, nous parlerions celle des troubadours, si Paris, le centre du Gouvernement, avait été situé sur la rive gauche de la Loire. Ceux qui nous font cette objection ne prétendent pas sans doute que d'Astros et Goudouli soutiendront le parallèle avec Pascal Fénelon et Jean-Jacques. L'Europe a prononcé sur cette langue, qui, tour à tour embellie par la main des grâces, insinue dans les cœurs les charmes de la vertu, ou qui, faisant retentir les accents fiers de la liberté, porte l'effroi dans le repaire des tyrans. Ne faisons point à nos frères du Midi l'injure de penser qu'ils repousseront une idée utile à la patrie. Ils ont abjuré et combattu 18 fédéralisme politique; ils combattront avec la même énergie celui des idiomes. Notre langue et nos cœurs doivent être à l'unisson. Cependant la connaissance des dialectes peut jeter du jour sur quelques monuments du moyen âge. L'histoire et les langues se prêtent un secours mutuel pour juger les habitudes ou le génie d'un peuple vertueux ou corrompu, commerçant, navigateur ou agricole. La filiation des termes conduit à celle des idées; par la comparaison des mots radicaux, des usages, des formules 189 philosophiques ou proverbes, qui sont les fruits de l'expérience, on remonte à l'origine des nations. L'histoire étymologique des langues, dit le célèbre Sulzer, serait la meilleure histoire des progrès de l'esprit humain. Les recherches de Peloutier, Bochart, Gebelin, Bochat, Lebrigand, etc., ont déjà révélé‚ des faits assez étonnants pour éveiller la curiosité et se promettre de grands résultats. Les rapports de l'allemand au persan, du suédois à l'hébreu, de la langue basque à celle du Malabar, de celle-ci à celle des Bohémiens errants, de celle du pays de Vaud à l'irlandais, la presque identité de l'irlandais, qui a l'alphabet de Cadmus, composé de dix-sept lettres, avec le punique; son analogie avec l'ancien celtique, qui, conservé traditionnellement dans le nord de l'Ecosse, nous a transmis les chefs-d'oeuvre d'Ossian; les rapports démontés entre les langues de l'ancien et du nouveau Monde, en établissant l'affinité des peuples par celle des idiomes, prouveront d'une manière irréfragable l'unité de la famille humaine et de son langage, et, par la réunion d'un petit nombre d'éléments connus, rapprocheront les langues, en faciliteront l'étude et en diminueront le nombre. Ainsi la philosophie, qui promène son flambeau dans toute la sphère des connaissances humaines, ne croira pas indigne d'elle de descendre à l'examen des patois, et, dans ce moment favorable pour révolutionner notre langue, elle leur dérobera peutêtre des expressions enflammées, des tours naïfs qui nous manquent. Elle puisera surtout dans le provençal, qui est encore rempli d'hellénismes, et que les Anglais même, mais surtout les Italiens, ont mis si souvent à contribution. Presque tous les idiomes ont des ouvrages qui jouissent d'une certaine réputation. Déjà la Commission des arts, dans son instruction, a recommandé de recueillir ces monuments imprimés ou manuscrits; il faut chercher des perles jusque dans le fumier d'Ennius. Une objection, plus grave en apparence, contre la destruction des dialectes rustiques, est la crainte de voir les mœurs s'altérer dans les campagnes. On cite spécialement le Haut-Pont, qui, à la porte de Saint-Omer, présente une colonie laborieuse de trois mille individus, distingués par leurs habits courts à la manière des Gaulois, par leurs usages, leur idiome, et surtout par cette probité patriarcale et cette simplicité du premier âge. Comme rien ne peut compenser la perte des mœurs, il n'y a pas à balancer pour le choix entre le vice éclairé et l'innocence vertueuse. L'objection eût été insoluble sous le règne du despotisme. Dans une monarchie, le scandale des palais insulte à la misère des 190 cabanes, et, comme il y a des gens qui ont trop, nécessairement d'autres ont trop peu. Le luxe et l'orgueil de tyranneaux, prêtres, nobles, financiers et autres, enlevaient une foule d'individus à l'agriculture et aux arts. De là cette multitude de femmes de chambre, de valets de chambre, de laquais, qui reportaient ensuite dans leurs hameaux des manières moins gauches, un langage moins rustre, mais une dépravation contagieuse qui gangrenait les villages. De tous les individus qui, après avoir habité les villes, retournaient sous le toit paternel, il n'y avait guère de bons que les vieux soldats. Le régime républicain a opéré la suppression de toutes les castes parasites, le rapprochement des fortunes, le nivellement des conditions. Dans la crainte d'une dégénération morale, des familles nombreuses, d'estimables campagnards, avaient pour maxime de n'épouser que dans leur parenté. Cet isolement, n'aura plus lieu, parce qu'il n'y a plus en France qu'une seule famille. Ainsi la forme nouvelle de notre gouvernement et l'austérité de nos principes repoussent toute parité entre l'ancien et le nouvel état de choses. La population refluera dans les campagnes, et les grandes communes ne seront plus des foyers putrides d'où sans cesse la fainéantise et l'opulence exhalaient le crime. C'est là surtout que les ressorts moraux doivent avoir plus d'élasticité. Des mœurs! sans elles point de République, et sans République point de mœurs. Tout ce qu'on vient de dire appelle la conclusion, que pour extirper tous les préjugés, développer toutes les vérités, tous les talents, toutes les vertus, fondre tous les citoyens dans la masse nationale. simplifier le mécanisme et faciliter le jeu de la machine politique, il faut identité de langage. Le temps amènera sans doute d'autres réformes nécessaires dans le costume, les manières et les usages. Je ne citerai que celui d'ôter le chapeau pour saluer, qui devrait être remplacé par une forme moins gênante et plus expressive. En avouant l'utilité d'anéantir les patois, quelques personnes en contestent la possibilité; elles se fondent sur la ténacité du peuple dans ses usages. On m'allègue les Morlaques, qui ne mangeaient pas de veau il y a quatorze siècles et qui sont restés fidèles à cette abstinence; les Grecs, chez qui, selon Guys, se conserve avec éclat la danse décrite, il y a trois mille ans, par Homère dans son bouclier d'Achille. On cite Tournefort, au rapport duquel les Juifs de Prusse en Natolie, descendants de ceux qui depuis longtemps avaient été chassés d'Espagne, parlaient espagnol comme à Madrid. 191 On cite les protestants réfugiés a la révocation de l'Edit de Nantes, dont la postérité a tellement, conservé l'idiome local, que, dans la Hessc et le Brandebourg on retrouve les patois Gascon et, picard. Je crois avoir établi que l'unité de l'idiome est une partie intégrante delà Révolution, et, dès lors plus on m'opposera de difilcultés, plus on me prouvera la nécessité d'opposer des moyens pour les combattre. Dût-on n'obtenir qu'un demi-succès, mieux vaudrait, encore faire un peu de bien que de n'en point faire. Mais répondre par des faits; c'est répondre péremptoirement, et tous ceux qui ont médité sur la manière dont les langues naissent, vieillissent et meurent, regarderont la réussite comme infaillible. Il y a un siècle qu'à Dieuse un homme fut exclus d'une place publique parce qu'il ignorait l'allemand, et cette langue est déjà repoussée à la grande distance au delà de cette commune. Il y a cinquante ans que, dans sa Bibtiothèque des auteurs de Bourgogne, Papillon disait, en parlant des noëls de la Monnoie : Ils conserveront le souvenir d'un idiome qui commence à se perdre comme la plupart des autres patois de la France. Papon a remarqué la même chose dans la ci-devant Provence. L'usage de prêcher en patois s'était conservé dans quelques contrées. Mais cet usage diminuait sensiblement; il s'était même éteint dans quelques communes, comme à Limoges. Il y a une vingtaine d'années qu'à Périgueux il était encore honteux de francimander, c'est-àdire de parler français. L'opinion a tellement changé, que bientôt, sans doute, il sera honteux de s'énoncer autrement. Partout ces dialectes se dégrossissent, se rapprochent de la langue nationale ; cette vérité‚ résulte des renseignements que m'ont adressés beaucoup de sociétés populaires. Déjà la révolution a fait passer un certain nombre de mots français dans tous les départements, où ils sont presque universellement connus, et la nouvelle distribution du territoire a établi de nouveaux rapports qui contribuent a propager la langue nationale. La suppression de la dîme, de la féodalité‚ du droit coutumier, l'établissement du nouveau système des poids et mesures, entraînent l'anéantissement d'une multitude de termes qui n'étaient que d'un usage local. Le style gothique de la chicane a presque entièrement disparu, et sans doute le Code civil en secouera les derniers lambeaux. En général, dans nos bataillons on parle français, et cette masse de républicains qui en aura contracté l'usage le répandra dans ses foyers. Par l'effet de la révolution, beaucoup de ci-devant citadins iront cultiver leurs terres. Il y aura plus d'aisance dans les campagnes; on ouvrira des canaux et des routes; on prendra, pour la première fois, 192 des mesures efficaces pour améliorer les chemins vicinaux; les fêtes nationales, en continuant à détruire les tripots, les jeux de hasard, qui ont désolé tant de familles, donneront au peuple des plaisirs dignes de lui : l'action combinée de ces opérations diverses doit tourner au profit de la langue française. Quelques moyens moraux, et qui ne sont pas l'objet d'une loi, peuvent encore accélérer la destruction des patois. Le 14 janvier 1790, l'Assemblée constituante ordonna de traduire ses décrets en dialectes vulgaires. Le tyran n'eut garde de faire une chose qu'il croyait utile à la liberté. Au commencement de sa session, la Convention nationale s'occupa du même objet. Cependant j'observerai que, si cette traduction est utile, il est un terme où cette mesure doit cesser, car ce serait prolonger l'existence des dialectes que nous voulons proscrire, et, s'il faut encore en faire usage, que ce soit pour exhorter le peuple à les abandonner. Associez à vos travaux ce petit nombre d'écrivains qui rehaussent leurs talents par leur républicanisme. Répandez avec profusion, dans les campagnes surtout, non de gros livres (communément ils épouvantent le goût et la raison), mais une foule d'opuscules patriotiques, qui contiendront des notions simples et lumineuses, que puisse saisir l'homme à conception lente et dont les idées sont obtuses; qu'il y ait de ces opuscules sur tous les objets relatifs à la politique et aux arts, dont j'ai déjà observé qu'il fallait uniformer la nomenclature. C'est la partie la plus négligée de notre langue : car, malgré les réclamations de Leibnitz, là ci-devant Académie française, a l'imitation de celle della Crusca, ne jugea pas à propos d'embrasser cet objet dans la confection de son dictionnaire, qui en a toujours fait désirer un autre. Je voudrais des opuscules sur la météorologie, qui est d'une application immédiate à l'agriculture. Elle est d'autant plus nécessaire, que jusqu'ici le campagnard, gouverné par les sottises astrologiques, n'ose encore faucher son pré sans la permission de l'almanach. J'en voudrais même sur la physique élémentaire. Ce moyen est propre à flétrir une foule de préjugés; et, puisque inévitablement l'homme des campagnes se formera une idée sur la configuration de la terre, pourquoi, dit quelqu'un, ne pas lui donner la véritable ? Répétons-le : toutes les erreurs se donnent la main, comme toutes les vérités. De bons journaux sont une mesure d'autant plus efficace, que chacun les lit; et l'on voit avec intérêt les marchandes à la halle, les ouvriers dans les ateliers, se cotiser pour les acheter, et de concert faire la tâche de celui qui lit. Les journalistes (qui devraient donner plus à la partie morale) exercent une sorte de magistrature d'opinion propre à seconder nos vues, en les reproduisant sous les yeux des 193 lecteurs : leur zèle à cet égard nous donnera la mesure de leur patriotisme. Parmi les formes variées des ouvrages que nous proposons, celle du dialogue peut être avantageusement employée. On sait combien elle a contribué au succès des Magasins des enfants, des adolescents, etc. Surtout qu'on n'oublie pas d'y mêler de l'historique. Les anecdotes sont le véhicule du principe, et sans cela il s'échappera. L'importance de cette observation sera sentie par tous ceux qui connaissent le régime des campagnes. Outre l'avantage de fixer les idées dans l'esprit d'un homme peu cultivé, par là, vous mettez en jeu son amour-propre en lui donnant un moyen d'alimenter la conversation; sinon quelque plat orateur s'en empare, pour répéter tous les contes puérils de la bibliothèque bleue, des commères et du sabat, et l'on ose d'autant moins le contredire, que c'est presque toujours un vieillard qui assure avoir ouï, vu et touché. Le fruit des lectures utiles en donnera le goût, et bientôt seront vouées au mépris ces brochures souillées de lubricité ou d'imprécations convulsives qui exaltent les passions au lieu d'éclairer la raison; et même ces ouvrages prétendus moraux dont actuellement on nous inonde, qui sont inspirés par l'amour du bien, mais à la rédaction desquels n'ont présidé ni le goût, ni la philosophie. Au risque d'essuyer des sarcasmes, dont il vaut mieux être l'objet que l'auteur, ne craignons pas de dire que les chansons, les poésies lyriques importent également à la propagation de la langue et du patriotisme : ce moyen est d'autant plus efficace, que la construction symétrique des vers favorise la mémoire; elle y place le mot et la chose. Il était bien pénétré de cette vérité‚ ce peuple harmonieux, pour ainsi dire, chez qui la musique était un ressort entre les mains de la politique. Chrysippe ne crut pas se ravaler en faisant des chansons pour les nourrices. Platon leur ordonne d'en enseigner aux enfants. La Grèce en avait pour toutes les grandes époques de la vie et des saisons, pour la naissance, les noces, les funérailles, la moisson, les vendanges; surtout elle en avait pour célébrer la liberté. La chanson d'Harmodius et d'Aristogiton, qu'Athénée nous a conservée, était chez eux ce qu'est parmi nous l'air des Marseillais; et pourquoi le Comité d'instruction publique ne ferait-il pas, dans ce genre, un triage avoue par le goût et le patriotisme ? Des chansons historiques et instructives, qui ont la marche sentimentale de la romance, ont pour les citoyens des campagnes un charme particulier. N'est-ce pas là l'unique mérite de cette strophe mal agencée, qui fait fondre en larmes les nègres de l'île 194 de Saint-Vincent ? C'est une romance qui faisait pleurer les bons Morlaques, quoique le voyageur Fortis, avec une âme sensible, n'en fût pas affecté. C'est là ce qui fit le succès de Geneviève de Brabant, et qui assurera celui d'une pièce attendrissante de Berquin. Avez-vous entendu les échos de la Suisse répéter, dans les montagnes, les airs dans lesquels Lavater célèbre les fondateurs de la liberté helvétique? Voyez si l'enthousiasme qu'inspirent ces chants républicains n'est pas bien supérieur aux tons langoureux des barcaroles de Venise, lorsqu'ils répètent les octaves galantes du Tasse. Substituons donc des couplets riants et décents à ces stances impures ou ridicules, dont un vrai citoyen doit craindre de souiller sa bouche; que, sous le chaume et dans les champs, les paisibles agriculteurs adoucissent leurs travaux en faisant retentir les accents de la joie, de la vertu et du patriotisme. La carrière est ouverte aux talents; espérons que les poètes nous feront oublier les torts des gens de lettres dans la révolution. Ceci conduit naturellement à parler des spectacles. La probité, la vertu, sont à l'ordre du jour, et cet ordre du jour doit être éternel. Le théâtre ne s'en doute pas, puisqu'on y voit encore, dit-on, tour à tour préconiser les mœurs et les insulter : il y a peu qu'on a donné le Cocher supposé, par Hauteroche. Poursuivons l'immoralité sur la scène, de plus, chassons-en le jargon, par lequel on établit encore entre les citoyens égaux une sorte de démarcation. Sous un despote, Dufresny, Dancourt, etc., pouvaient impunément amener sur le théâtre des acteurs qui en parlant un demi patois, excitaient le rire ou la pitié : toutes les convenances doivent actuellement proscrire ce ton. Vainement m'objecterez-vous que Plaute introduit dans ses pièces des hommes qui articulaient le latin barbare des campagnes d'Ausonie; que les Italiens, et récemment encore Goldoni, produisent sur la scène leur marchand vénitien, et le patois bergamasque de Brighella, etc. Ce qu'on nous cite pour un exemple à imiter n'est q'un abus à réformer. Je voudrais que toutes les municipalités admissent, dans leurs discussions l'usage exclusif de la langue nationale; je voudrais qu'une police sage fît rectifier cette foule d'enseignes qui outragent la grammaire et fournissent aux étrangers l'occasion d'aiguiser l'épigramme; je voudrais qu'un plan systématique répudiât les dénominations absurdes des places, rues, quais et autres lieux publics. J'ai présenté‚ des vues à cet égard. Quelques sociétés populaires du Midi discutent en provençal: la nécessité d'universaliser notre idiome leur fournit une nouvelle occasion de bien mériter de la patrie. Eh! pourquoi la Convention nationale ne ferait-elle pas aux citoyens l'invitation 195 civique de renoncer à ces dialectes et de s'énoncer constamment en français? La plupart des législateurs anciens et modernes ont eu le tort de ne considérer le mariage que sous le point de vue de la reproduction de l'espèce. Après avoir fait la première faute de confondre la nubilité avec la puberté, qui ne sont des époques identiques que chez l'homme de la nature, oublierons-nous que, lorsque les individus veulent s'épouser, ils doivent garantir à la patrie qu'ils ont les qualités morales pour remplir tous les devoirs de citoyens, tous les devoirs de la paternité? Dans certains cantons de la Suisse, celui qui veut se marier doit préalablement justifier qu'il a son habit militaire, son fusil et son sabre. En consacrant chez nous cet usage, pourquoi les futurs époux ne seraient-ils pas soumis à prouver qu'ils savent lire, écrire et parler la langue nationale ? Je conçois qu'il est facile de ridiculiser ces vues : il est moins facile de démontrer qu'elles sont déraisonnables. Pour jouir du droit de cité, les Romains n'étaient-ils pas obligés de faire preuve qu'ils savaient lire et nager ? Encourageons tout ce qui peut être avantageux à la patrie ; que dès ce moment l'idiome de la liberté soit à l'ordre du jour, et que le zèle des citoyens proscrive à jamais les jargons, qui sont les derniers vestiges de la féodalité détruite. Celui qui, connaissant à demi notre langue, ne la parlait que quand il était ivre ou en colère, sentira qu'on peut en concilier l'habitude avec celle de la sobriété et de 1a douceur. Quelques locutions bâtardes, quelques idiotismes, prolongeront encore leur existence dans le canton où ils étaient connus. Malgré les efforts de Desgrouais, les Gasconismes corrigés sont encore à corriger. Les citoyens de Saintes iront encore voir leur borderie; ceux de Blois; leur closerie, et ceux de Paris, leur métairie. Vers Bordeaux, on défrichera des landes ; vers Nimes, des garrigues.Mais enfin les vraies dénominations prévaudront même parmi les ci-devant Basques et Bretons, à qui le gouvernement aura prodigué ses moyens, et, sans pouvoir assigner l'époque fixe à laquelle ces idiomes auront entièrement disparu, on peut augurer qu'elle est prochaine. Les accents feront une plus longue résistance, et probablement les peuples voisins des Pyrénées changeront encore, pendant quelque temps, les e muets en é fermés, le b en v, les f en h. A la Convention nationale, on retrouve les inflexions et les accents de toute la France. Les finales traînantes des uns, les consonnes gutturales ou nasales des autres, ou même des nuances presque imperceptibles, décèlent presque toujours le département de celui qui parle. L'organisation, nous dit-on, y contribue. Quelques peuples ont une inflexibilité d'organe qui se refuse à l'articulation de certaines lettres; tels sont les Chinois, qui ne 196 peuvent prononcer la dentale r; les Hurons qui, au rapport de La Hontan, n'ont pas de labiale, etc. Cependant si la prononciation est communément plus douce dans les plaines, plus fortement accentuée dans les montagnes ; si la langue est plus paresseuse dans le Nord et plus souple dans le Midi; si, généralement parlant, les Vitriats et les Marseillais grasseyent, quoique situés à des latitudes un peu différentes‚rentes, c'est plutôt à l'habitude qu'à la nature qu'il faut en demander la raison; ainsi n'exagérons pas l'influence du climat. Telle langue est articulée de la même manière dans des contrées très-distantes, tandis que dans le même pays la même langue est diversement prononcée. L'accent n'est donc pas plus irréformable que les mots. Je finirai ce discours en présentant l'esquisse d'un projet vaste et dont l'exécution est digne de vous : c'est celui de révolutionner notre langue. J'explique ma pensée : Les mots étant les liens de la société et les dépositaires de toutes nos connaissances, il s'ensuit que l'imperfection des langues est une grande source d'erreurs. Condillac voulait qu'on ne pût faire un raisonnement faux sans faire un solécisme, et réciproquement : c'est peut-être exiger trop. Il serait impossible de ramener une langue au plan de la nature et de l'affranchir entièrement des caprices de l'usage. Le sort de toutes les langues est d'éprouver des modifications; il n'est pas jusqu'aux lingères qui n'aient influé sur la nôtre, et supprimé l'aspiration de l'h dans les toiles d'Hollande. Quand un peuple s'instruit, nécessairement sa langue s'enrichit, parce que l'augmentation des connaissances établit des alliances nouvelles entre les paroles et les pensées et nécessite des termes nouveaux. Vouloir condamner une langue à l'invariabilité sous ce rapport, ce serait condamner le génie national à devenir stationnaire; et si, comme on l'a remarqué depuis Homère jusqu'à Plutarque, c'est-à-dire pendant mille ans, la langue grecque n a pas changé, c'est que le peuple qui la parlait a fait très-peu de progrès durant ce laps de siècles. Mais ne pourrait-on pas au moins donner un caractère plus prononcé, une consistance plus décidée à notre syntaxe, à notre prosodie; faire à notre idiome les améliorations dont il est susceptible, et, sans en altérer le fonds, l'enrichir, le simplifier, en faciliter l'étude aux nationaux et aux autres peuples. Perfectionner une langue, dit Michaelis, c'est augmenter le fonds de sagesse d'une nation. Sylvius, Duclos et quelques autres, ont fait d'inutiles effortas pour assujettir la langue écrite à la langue parlée; et ceux qui proposent encore aujourd'hui d'écrire comme on prononce seraient bien embarrassés d'expliquer leur pensée, d'en faire l'application, puisque les rapports de l'écriture à la parole étant purement conventionnels, la connaissance de l'une ne donnera jamais celle de l'autre; toutefois il est possible d'opérer sur l'orthographe des rectifications utiles. 197 Quiconque a lu Vaugelas, Bouhours, Ménage, Hardouin, Olivet et quelques autres, a pu se convaincre que notre est remplie d'équivoques et d'incertitudes. Il serait également utile et facile de les fixer. La richesse d'un idiome n'est pas d'avoir des synonymes; s'il y en avait dans notre langue, ce serait sans doute monarchie et crime, ce seraient république et vertu. Qu'importe que l'Arabe ait trois cents mots pour exprimer toutes les pensées, tous les sentiments et leurs nuances. Jamais sans doute le nombre des expressions n'atteindra celui des affections et des idées: c'est un malheur inévitable auquel sont condamnés toutes les langues, cependant on peut atténuer cette privation. La plupart des idiomes, même ceux du Nord, y compris le russe qui est fils de l'esclavon, ont beaucoup d'imitatifs, d'augmentatifs, de diminutifs et de péjoratifs. Notre langue est une des plus indigentes à cet égard ; son génie paraît y répugner: cependant sans encourir le ridicule qu'on répandit avec raison sur le boursouflage scientifique de Bais, Ronsar et Jodelet, on peut se promettre quelques heureuses acquisitions ; déjà Pougens a fait une ample moisson de privatifs, dont la majeure partie sera probablement admise. Dans le dictionnaire de Nicod, imprimé en 1606, sous le Z il n'y avait que six mots ; dans celui de la ci-devant académie française, édition de 1718, il y en avait douze ; sous la syllabe Be, Nicod n'avait que 45 termes ; celui de l'académie, même édition, en avait 217, preuve évidente que dans cet intervalle l'esprit humain a fait des progrès, puisque ce sont des inventions nouvelles qui déterminent la création des mots ; et cependant Barbasan, la Ravalière et tous ceux qui ont suivi les révolutions de la langue française, déplorent la perte de beaucoup d'expressions énergiques et d'inversions hardies exilées par le caprice, qui n'ont pas été remplacées et qu'il serait important de faire revivre. Pour compléter nos familles de mots, il est encore d'autres moyens : le premier serait d'emprunter des idiomes étrangers les termes qui nous manquent et de les adapter au nôtre, sans toutefois se livrer aux excès d'un néologisme ridicule. Les Anglais ont usé de la plus grande liberté à cet égard, et de tous les mots qu'ils ont adoptés, il n'en est pas sans doute de mieux naturalisé chez eux que celui de perfidiousness. Le second moyen, c'est de faire disparaître toutes les anomalies résultantes soit des verbes réguliers et défectifs, soit des exceptions aux règles générales. A l'institution des sourds-muets, les enfants qui apprennent la langue française ne peuvent concevoir cette bizarrerie, qui contredit la marche de la nature dont ils sont les élèves; et c'est sous sa 198 dictée qu'ils donnent à chaque mot décliné, conjugué ou construit, toutes les modifications qui, suivant l'analogie des choses, doivent en dériver. « Il y a dans notre langue, disait un royaliste, une hiérarchie de style, parce que les mots sont classés comme les sujets dans une monarchie. » Cet aveu est un trait de lumière pour quiconque réfléchit. En appliquant l'inégalité des styles à celle des conditions, on peut tirer des conséquences qui prouvent l'importance de mon projet dans une démocratie. Celui qui n'aurait pas senti cette vérité, serait-il digne d'être législateur d'un peuple libre? Oui, la gloire de la nation et le maintien de ses principes commandent une réforme. On disait de Quinault qu'il avait désossé notre langue par tout ce que la galanterie a de plus efféminé et tout ce que l'adulation a de plus abject. J'ai déjà fait observer que la langue française avait la timidité de l'esclavage quand la corruption des courtisans lui imposait des lois: c'était le jargon des coteries et des passions les plus viles. L'exagération du discours plaçait toujours au delà ou en deçà la vérité. Au lieu d'être peinés ou réjouis, on ne voyait que des gens désespérés ou enchantés; bientôt il ne serait plus resté rien de laid ni de beau dans la nature : on n'aurait trouvé que de l'exécrable ou du divin. Il est temps que le style mensonger, que les formules serviles disparaissent, et que la langue ait partout ce caractère de véracité et de fierté laconique qui est l'apanage des républicains. Un tyran de Rome voulut autrefois introduire un mot nouveau; il échoua, parce que la législation des langues fut toujours démocratique. C'est précisément cette vérité qui vous garantit le succès. Prouvez à l'univers qu'au milieu des orages politiques, tenant d'une main sûre le gouvernail de l'Etat, rien de ce qui intéresse la gloire de la nation ne vous est étranger. Si la Convention nationale accueille les vues que je lui soumets au nom du Comité d'instruction publique, encouragés par son suffrage, nous ferons une invitation aux citoyens qui ont approfondi la théorie des langues pour concourir à perfectionner la nôtre et une invitation à tous les citoyens pour universaliser son usage. La nation entièrement rajeunie par vos soins, triomphera de tous les obstacles et rien ne ralentira le cours d'une révolution qui doit améliorer le sort de l'espèce humaine. Décret 199 La Convention nationale, après avoir entendu le rapport de son comité d’instruction publique, décrète : Le comité d’Instruction publique présentera un rapport sur les moyens d’exécution pour une nouvelle grammaire et un vocabulaire nouveau de la langue française. Il présentera des vues sur les changements qui en faciliteront l’étude et lui donneront le caractère qui convient à la langue de la liberté. La Convention décrète que le rapport sera envoyé aux autorités constituées, aux sociétés populaires et à toutes les communes de la République. 200 9 - Bibliografia: ANDERSON, Benedict. Imagined Communities: Reflections on Origin and Spread of Nationalism, Londres, 1983. ___________, Benedict. L’imaginaire national, Réfléxions sur l’origine et l’essor du nationalisme, Paris, 2002. AGOSTINHO, santo. A cidade de Deus, Editora Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2004. AUROUX Sylvain (org.). Histoire des idées linguistiques, tome 1; la naissance des métalangage em Orient et em Occident. Liège : Mardaga, 2000. BALIBAR Étienne, WALLERSTEIN Immanuel. Race, nation, classe ; les identités ambiguës. Paris : La Découverte, 2007. BALIBAR & LAPORTE, Renée & Dominique, Le Français National, politique et pratique de la langue nationale sous la Révolution, Hachette Litérature, Paris, 1974. BAYLON, Christian. Sociolinguistique – Société, langue et discours, Nathan – Université, Segunda edição, Montpellier, 1996. BAUMAN, Zygmunt. Identidade, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2005. BERENBLUM Andrea. A invenção da palavra oficial; identidade, língua nacional e escola em tempos de globalização. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. BEZBAKH, Pierre. Petit Larousse de l`histoire de France. Des origines à nos jours, . Larousse/Vuef, Paris, mars 2003. BOURDIEU, Pierre. Langage et pouvoir symbolique, Éditions Fayard, Paris, 2001. BURKE & PORTER, Peter e Roy. História Social da Linguagem. São Paulo, Editora . UNESP, 1997. CALVET, Louis-Jean. La guerre des langues et les politiques linguistiques. Deuxième édition. Paris: Hachette Littératures, segunda edição, 1999. ________, Louis-Jean. Essais de Linguistique - La Langue est-elle une invention des . linguistes, Plon, Paris, 2004. ________, Louis-Jean. La tradition orale, coleção : Que sais-je ?, Presses Universitaires de France, segunda edição, Paris, 1997. ________, Louis-Jean. Histoire de l’écriture, Hachette Littératures, Paris, 1996. CARNEIRO RIBEIRO, Ernesto. Serões Gramaticais, sexta edição, Livraria Catilina, Salvador, 1956, versão original de 1890. CERQUIGLINI, Bernard. Une langue orpheline, Les Éditions de Minuit, Paris, 2007. _____________, Bernard. Les Langues de France, PUF, Paris, 1970. 201 CERTEAU, Michel de., DOMINIQUE, Julia. REVEL, Jacques. Une Politique de la Langue – La Révolution Française et les patois, NRF, Éditions Gallimard, Paris, 1975. _________, Michel de., DOMINIQUE, Julia. REVEL, Jacques. Une ethnographie de la langue: l’enquête de Grégoire sur les patois. In: Annales. Économies, Sociétés, Civilisations, 30e année, N.1, 1975, pp.3-41. CHARTIER Roger. Les Origines culturelles de la Révolution française, Éditions du Seuil, Paris, 1990. CHOMSKY, Noam. Le langage et la pensée, petite bibliothèque payot, Paris, 1980. CONDORCET, Rapport et projet de décret sur l’organisation générale de l’unstruction publique, Ordre de la Convention Nationale, Paris, 1792. CUNHA, Celso. Língua, Nação e Alienação, Coleção Logos, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1981. DUBOIS, Jean. Dictionnaire de Linguistique, Larousse, Paris, 2001. DANTE, Alighieri. De l’éloquance en vulgaire, Collection Essais, Fayard, Paris, edição de abril de 2011. DUPIN, E. L`hystérie identitaire. Paris : Le cherche midi, 2004. ECO, Humberto. A busca da língua perfeita. Bauru: Edusc, 2001. ELIAS, Norbert. A sociedade de corte, tradução: Pedro Süsseking, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2001. FERREIRA, Olavo Leonel. História do Brasil, Editora Ática, São Paulo, 1978. FOUCAULT, Michel. Les mots et les choses, Éditions Gallimard, Paris, 1975. ___________, Michel. Surveiller et punir, Éditions Gallimard, Paris, 1975. GAXOTTE, Pierre. La Révolution Française, Arthème Fayard, Paris, 1928. GAZIER, Albert Lettres à Grégoire sur les patois de France : 1790-1794 : documents inédits sur la langue, les moeurs et l'état dans les diverses régions de la France au début de la Révolution, Paris, 1880, reedição da editora Slatkine Reprints, Genebra, 1969. GELLNER, Ernest. Nations et Nationalisme, Éditions Payot para edição em língua francesa, Paris, 1989. GUISAN, Pierre. Escrever, ler, falar: entre ilusões e solilóquios. Dos suportes às implicações. Terceira Imagem: Revista da Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ, edição 13, Rio de Janeiro, 2005. 202 HAGÈGE, Claude. Le Français – Histoire d’un combat, Le Livre de Poche, Biblio essais, Paris, 1996. HERMET, Guy. Histoire des nations et du nationalisme en Europe, Seuil, PARIS, 1996. HOBSBAWN, Guy. Nations et nationalisme depuis 1780, Programme, mythe, réalité . Gallimard, 1992. HUMBOLDT, Wilhelm von. Sur le caractère national des langues et autres écrits sur le langage, Éditions du Seuil, Traduzido por Denis Thouard, Paris, 2000. LABOV, Willian. Sociolinguistic Patterns, Philadelphia, University of Pennsylvania . Press, 1972. _______, Willian. Padrões sociolinguísticos, Editora Parábola, São Paulo, 2008. _______, Willian. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística, Editora Parábola, São Paulo, 2006. LAGARD, André & MICHARD, Laurent. Collection Littéraire –XVI, XVII et XVIII siècles, Bordas, Paris, 1970. LAROUSSE, Le petit. Dictionnaire de Français, Editora Larousse, Paris, 2005. LEBESQUE, Morvan. Comment peut-on être Breton ? Essai sur la démocratie française ; Le Seuil, coll. L'Histoire immédiate, 1970. LEVI-STRAUSS, Race et histoire. Folio essais, Denoël, Reedição de 1952, Paris, 1987. ______________, Tristes Tropiques, Plon, Paris, 1955. LODGE, R. Anthony. Le français - Histoire d’un dialecte devenu langue, traduzido do inglês por Cyril Veken, Fayard, Paris, 1993. MALHERBE, Michel. Les Langues de l’Humanité, une encyclopédie des 3000 langues parlées dans le monde, Robert Laffont, Paris, 1945. MERLIN-KAJMAN, Hélène. La langue est-elle fasciste?, Éditions du Seuil, Paris, 2002. MESCHONNIC, Henri. De La Langue Française - Essai sur une clarté obscure. . Pluriel, Hachette Littératures, Paris, 1987. MUCHEMBLED, Culture populaire et culture des élites dans la France Moderne (Séculos XV e XVIII), Champs Flammarion, Paris, 1978. OLENDER, Les langues du paradis, Seuil, Paris, 2002. 203 OLIVEIRA, Gilvan Müller. Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, Ipol/ ALB/ Mercado Letras, Campinas, 2003. OLSON, R. David. The World on Paper: The Conceptual and Cognitive Implications of Writing and Reading. Paperback: 1996. PICOCHE & MARCHELLO-NIZIA, Jacqueline et Christiane. Histoire de la . Langue Française. Nathan Université, Paris, 1994. POCHE, Bernard. Les langues minoritaires en Europe, PUG, Grenoble, 2000. RÉMI-GIRAUD Sylvianne, RÉTAT Pierre (org.). Les Mots de la Nation. Lyon : Presses Universitaires de Lyon, 1996. RENAN Ernest. Qu’est-ce qu’une nation ? Paris : Mille et Une Nuits, 1997 (1869). REYNAUD-PALIGOT, Carole. De l’identité nationale – Science, race et politique en Europe et aux États-Unis. XIXe – XXe siècle. Presses Universitaires de France, Paris, 2011. RIVAROL, Antoine. Discours de l’universalité de la langue française, Barrière des Sergens, Paris, 1784. ROBINSON, W. P. Linguagem e comportamento social, Editora Cultrix, Campinas, 1972. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Essai sur l’origine des langues, Édition Critique, A. G. Nizet - Paris, 1999. SAINT-ROBERT, Marie-Josée de. La politique de la langue française. PUF, Paris, 2000. SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação, Contraponto, São Paulo, 2011. SERGENT Bernard. Les Indo-Européens; Histoire, langues, mythes. Paris : Payot, 2005 (1995). SINGY Pascal. L´image du français en Suisse Romande. Paris : L’Harmattan, 1996. THIESSE, Anne-Marie. La création des identités nationales, Éditions du Seuil, 1999. TODOROV, Tzvetan. Nous et les autres, La réflexion française sur la diversité humaine, Éditions du Seuil , Paris, 1989. TRABANT, Jürgen. Et le génie des langues ?, Presses Universitaires de Vincennes, Saint-Dénis, 2000. YAGUELLO, Marina. Catalogue des idées reçus sur la langue, Éditions du Seuil, Paris, 1988. VERMES & BOUTET, G. et J. France, pays multilangue. Pratiques des langues en 204 France. Tomes 1 et 2. Logiques Sociales L`Harmattan, Paris, 1987. VERRIÈRE. Jacques. Genèse de la nation française, Champs Flammarion, Paris, 2000. VIEUZAC, Barère. Relatório ao Comité de Salvação Pública sobre os idiomas, 1794. Manuscrito encontrado no site da Biblioteca nacional Francesa na página: http://gallica.bnf.fr/ VIVAI, Cosimo Bartolini, Uma leitura de Vulgari Eloquentia de Dante Alighieri, dissertação de Mestrado apresentada a Universidade do Estado de São Paulo (USP – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, 2009. VOLTAIRE, Correspondance, Segundo tomo, carta 4432, Bibliothèque de La Pléiade, NRF, Paris, 1748, reedição de 1978. __________, Dicionário Filosófico, Martin Claret, São Paulo, reedição de 2002. Fontes da internet: http://gallica.bnf.fr/ http://www.france-pittoresque.com/ http://www.assemblee-nationale.fr/histoire/Abbe-Gregoire1794.asp http://www.legifrance.gouv.fr http://www.garae.fr/spip.php?article227 http://frda.stanford.edu/fr/catalog http://www.alsacedabord.org/ http://www.treccani.it/enciclopedia/de-vulgari-eloquentia_(Enciclopedia-Dantesca)/ http://www.etymologie-occitane.fr/ http://web.ics.purdue.edu/~smith132/French_Philosophy/Sp90/sousL.pdf http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/caief_05715865_1957_num_9_1_2111 http://www.larousse.fr/encyclopedie/divers/langue_doc/74299 http://www.booston.fr/2014/08/dante-de-l-eloquence-en-langue-vulgaire-livrepremier.html http://www.cyclopaedia.de. ABBÉE DE SAUVAGES, Dictionnaire languedocien-françois, Nîmes, 1785.http://books.google.fr/books?id=FC9dAAAAMAAJ&printsec=frontcover&hl=fr &sourcs=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f Bruneau Charles. Langue populaire. In: Cahiers de l'Association internationale des études francaises, 1957, N°9. pp. 238-249. http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/caief_05715865_1957_num_9_1_2111 Julia Dominique, de Certeau Michel, Revel Jacques. Une ethnographie de la langue : l'enquête de Grégoire sur les patois. In: 205 Annales. Économies, Sociétés, Civilisations. 30e année, N. 1, 1975. pp. 3-41. doi : 10.3406/ahess.1975.293586 http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/ahess_03952649_1975_num_30_1_293586 file:///C:/Documents%20and%20Settings/Cristiane/Meus%20documentos/Downloads/C OSIMO_BARTOLINI_S_V.pdf http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-n%C3%A3o-Inseridos-nasDelibera%C3%A7%C3%B5es-da-ONU/carta-europeia-das-linguas-regionais-eminoritarias-1992.html Carta Européia das Línguas Regionais ou Minoritárias (1992): http://www.coe.int/t/dg4/education/minlang/textcharter/Charter/Charter_pt.pdf 206