ATUALIZAÇÃO Análogos do GnRH: Bases Moleculares e Aplicações em Reprodução Assistida GnRH Analogues: Molecular Basis and Applications in Assisted Reproduction Lauriane Giselle de Abreu Alessandra Aparecida Vireque José Carlos dos Santos Omero Benedito Poli Neto Ana Carolina Japur de Sá Rosa e Silva Marcos Felipe Silva de Sá Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), USP, Ribeirão Preto, São Paulo Resumo O decapeptídeo GnRH é o iniciador central da cascata hormonal reprodutiva. É gerado em neurônios hipotalâmicos a partir de um polipeptídeo precursor por processamento enzimático e liberado de maneira pulsátil na circulação portal para estimular a biossíntese e secreção dos hormônios luteinizante (LH) e folículo-estimulante (FSH) pela hipófise. Baixas doses de GnRH aplicadas de maneira pulsátil equivalem à liberação fisiológica portal e restauram a fertilidade em diferentes condições de anovulação. Por outro lado, altas doses de GnRH causam desensibilização do gonadotrofo e inibem a liberação hipofisária com conseqüente inibição da função ovariana. Pequenas modificações na molécula original do GnRH originam substâncias conhecidas como análogos do GnRH, que podem ser agonistas ou antagonistas. Os agonistas provocam uma liberação inicial de gonadotrofinas (flare-up) seguida de desensibilização do gonadotrofo (down regulation). Já os antagonistas agem diretamente sobre o gonadotrofo, através de inibição competitiva dos receptores do GnRH. Este fenômeno de quiescência hipofisária provocada pelos análogos do GnRH tem extensivas aplicações clínicas e o conhecimento sobre a fisiologia do GnRH é importante para a apli- Femina - Junho 2006 vol 34 nº 06 cação mais racional destes análogos. Este artigo visa a descrever os mecanismos de ação destes análogos do GnRH, bem como revisar as diferentes indicações clínicas de seu uso em reprodução assistida. PALAVRAS-CHAVE: GnRH. Agonistas e antagonistas do GnRH. Infertilidade. Introdução A identidade e estrutura do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) foram primeiro descritas nos trabalhos de Schally e Guillemin (Schally et al., 1971; Amoss et al., 1971). Entre os acontecimentos marcantes, posteriores a esta descoberta, se inclui a descrição de que o GnRH é secretado em forma de pulsos na circulação portal (Knobil, 1974) e a demonstração de que essa pulsatilidade é fundamental para manter a síntese e secreção de gonadotrofinas e, portanto, a função reprodutiva (Knobil, 1980). O GnRH humano é um decapeptídeo com a seguinte seqüência de aminoácidos: Glu-His-Trp-Ser-Tyr-Gly-Leu-ArgPro-Gly. A molécula deste decapeptídeo tem forma de V, o que facilita a sua ligação ao receptor de membrana. 401 Análogos do GnRH: bases moleculares e aplicações em reprodução assistida Biossíntese e Mecanismo de Ação do GnRH A rede principal de neurônios secretores de GnRH está localizada no hipotálamo basal medial. O padrão cíclico de atividade elétrica e biossintética nos neurônios GnRHérgicos é dependente das flutuações cíclicas nos níveis circulantes de estrógenos. Uma vez liberado, o GnRH penetra diretamente os vasos do sistema porta-hipofisário e chega à hipófise anterior. Nesse local, o GnRH se liga a um receptor expresso nas células gonadotróficas hipofisárias que secretam LH e FSH. Como dito acima, a molécula do GnRH consiste de uma seqüência de 10 resíduos de aminoácidos, sendo os quatro primeiros resíduos fundamentais para a liberação do LH e FSH, conferindo especificidade ao hormônio, e altamente conservados durante o processo evolutivo. A interação do GnRH com seu receptor estimula o sistema efetor intracelular da proteína kinase C/Ca++ intracelular de maneira bifásica. A primeira fase consiste em um aumento intenso do Ca++ intracelular livre que induz a exocitose dos grânulos secretórios que contêm LH e/ou FSH. Essas ocorrências de secreção de gonadotrofinas são geralmente chamadas de pulsos de gonadotrofinas. Em longo prazo, a ligação do GnRH e a ativação da proteína kinase C provocam a expressão de genes que codificam a subunidade beta do FSH e do LH, sustentando, assim, um nível de secreção tônica (não pulsátil) das gonadotrofinas (Conn, 1995). Os níveis séricos de gonadotrofinas são, portanto, mantidos por processo de secreção constante - secreção tônica - e por freqüentes pulsos de secreção hipofisária - secreção pulsátil -, permitindo um controle mais dinâmico dos eventos ovarianos. A meia-vida do GnRH é de 2 a 4 min e a ação hormonal limitada por vários mecanismos como degradação por proteases associadas à membrana, proteólise lisossômica ou inativação primária no hipotálamo por endopeptidases. Estrogênios como Moduladores da Secreção do GnRH Embora os mecanismos de feedback clássicos estejam bem estabelecidos, a natureza precisa da influência dos estrogênios sobre os neurônios do GnRH ainda permanece obscura. Entre os esteróides ovarianos, o 17B-estradiol (E2) é o principal modulador dos padrões de secreção dos neurônios GnRHérgicos, via mecanismos de feedback clássicos. Estes mecanismos regulatórios são mediados no hipotálamo via interneurônios ou neurônios de associação estrogênio-receptivos (Herbison, 1998). 402 Recentemente, o conceito do mecanismo transsináptico como via operante única da ação dos estrógenos na regulação da secreção do GnRH tem sido questionado, uma vez que a expressão de receptores de estradiol (RE) em neurônios GnRHérgicos, in vivo, é incerta. Estudos imunohistoquímicos têm consistentemente falhado em detectar as proteínas dos receptores de estrogênios nos neurônios GnRHérgicos de muitas espécies (Herbison, 1998) e igualmente, há pouca evidência de acúmulo de estradiol radioativo por estas células in vivo (Shivers et al., 1983). Contudo, a identificação de imunorreatividade para o receptor alfa de estradiol (ARE) (Buttler et al., 1999), RNAm do RE (Skynner et al., 1999) e sítios de ligação de estrogênios marcados com I125 em neurônios do GnRH em roedores apontam uma possível ação direta dos estrógenos em neurônios GnRHérgicos. Ensaios in vitro sugerem outros mecanismos e vias modulatórias da secreção do GnRH mediadas pelos esteróides circulantes ou neuroesteróides. Moléculas de origem astrocitária influenciam a liberação do GnRH, bem como os processos de diferenciação e crescimento dos neurônios secretores de GnRH (Zwain et al., 2002). Astrócitos do tipo I expressam receptores de esteróides, o que indica possível ação destes hormônios sobre os neurônios do GnRH, pela via astrocítica (Zwain et al., 2002). Essas células liberam uma variedade de fatores neuroativos, incluindo TGFA e TGFB, IGF-I, PGE2 e o neuroesteróide 3A-hidroxi-5A-pregnan-20-ona (allopregnane). Cada um destes fatores é capaz de estimular a liberação de GnRH e possuem receptores nos neurônios GnRHérgicos. Controle Neuroendócrino da Secreção GnRH A regulação da secreção do GnRH é complexa e consiste de ações estimulatórias e inibitórias de esteróides e neurotransmissores para modificar a secreção pulsátil intrínseca dos neurônios do GnRH. In vivo, o padrão de pulsos do GnRH varia fisiologicamente em função do status hormonal e estágio do ciclo reprodutivo. O estímulo à secreção de gonadotrofinas é dependente da liberação pulsátil do GnRH, enquanto a exposição contínua ao GnRH regula para baixo a secreção de LH e FSH (Bédécarrats & Kaiser, 2003). As freqüências exatas e quantidades de GnRH requeridas para produzir estimulação ótima dos gonadotrofos variam entre espécies, entretanto, em todas é primordial o estímulo intermitente. Observam-se diferenças qualitativas e quantitativas entre os padrões pulsáteis de secreção das Femina - Junho 2006 vol 34 nº 06 Análogos do GnRH: bases moleculares e aplicações em reprodução assistida gonadotrofinas nas diferentes fases do ciclo. Nas fases folicular e lútea inicial verifica-se um pulso a cada 1 ou 2 h, enquanto nas fases lútea média e tardia, a freqüência oscila entre 3 e 8 h. Estudos em várias espécies demonstram que o padrão de sinais de pulso do GnRH regula diferencialmente a expressão gênica das subunidades A, LHB e FSHB, atuando na transcrição e estabilidade do RNAm (Kaiser et al., 1997). Mais especificamente, pulsos de freqüências rápidas ou intermediárias estimulam a expressão dos genes A e LHB, enquanto baixas freqüências estimulam, seletivamente, o FSH (Haisenleder et al., 2002). Alterações na amplitude e freqüência dos pulsos do GnRH também regulam diferencialmente outros genes nos gonadotrofos, incluindo receptor de GnRH (GnRHr), folistatina e subunidades da activina (Haisenleder et al., 2002). Os gonadotrofos são capazes de distinguir as freqüências de pulsos do GnRH e ativar vias de transdução de sinal apropriadas para estimular diferentemente a expressão dos genes A, LHB e FSHB (Bédécarrats & Kaiser, 2003). Estudos indicam ainda que a freqüência de pulsos do GnRH regula o número de receptores de GnRH (GnRHr) na superfície da célula (Bédécarrats & Kaiser, 2003). Enquanto GnRH pulsátil aumenta os sítios de ligação, a estimulação contínua com GnRH durante 10 h resulta em redução (down-regulation) do número de receptores. A resposta dos gonadotrofos ao GnRH correlaciona-se, em parte, com a densidade de receptores de GnRH (GnRHr) na superfície da célula. Muitos fatores regulam a expressão do gene do GnRHr, sobretudo o próprio GnRH. Existe evidência crescente que, em adição ao GnRH, a ativina é o mais importante estimulador da expressão dos genes do GnRHr e LHB e da liberação do FSH (Norwitz et al., 2002), com influências modulatórias adicionais da inibina e folistatina (Depaolo et al., 1991). A inibina também tem ação sinérgica com o estradiol, aumentando o número de receptores de GnRH (Rispoli & Nett, 2005). Ainda existem resultados conflitantes entre estudos in vivo e in vitro quando se avalia a ação de inibina e os efeitos recíprocos da ativina e inibina sobre a regulação dos receptores de GnRH ainda não estão devidamente esclarecidos, sendo necessárias outras avaliações para definir o papel fisiológico da inibina na regulação da síntese de GnRHr. Como observado em estudos recentes, o mais importante regulador hormonal do número de receptores de GnRH talvez seja o próprio GnRH (Rispoli & Nett, 2005). Mudanças no número de receptores têm sido propostas como o principal mecanismo envolvido na regulação variável da expressão gênica Femina - Junho 2006 vol 34 nº 06 das subunidades das gonadotrofinas (Kaiser et al., 1995). Bédécarrats et al., 2003, sugerem que a regulação do gene promotor do FSHB pelo GnRH é diretamente influenciada pelo número de seus receptores e estes regulados pela freqüência de pulsos do GnRH. Os Análogos do GnRH A habilidade do GnRH pulsátil e contínuo para up e down regular, respectivamente, a síntese e a secreção das gonadotrofinas têm levado ao desenvolvimento de terapias para diversos distúrbios reprodutivos, utilizando-se GnRH nativo ou seus análogos. Os análogos do GnRH podem ser utilizados para o tratamento de várias doenças hormôniodependentes sejam elas benignas (por exemplo, leiomiomas, endometriose e puberdade precoce central), ou tumores malignos (carcinomas de mamas, ovários, endométrio e próstata). Também, o efeito inibitório sobre a secreção gonadotrófica hipofisária é útil como adjuvante na hiperestimulação ovariana controlada (HOC) utilizada nas técnicas de reprodução assistida (Kiesel et al., 2002). A substituição de um único aminoácido da cadeia polipeptídica pode alterar a afinidade e a atividade da molécula do GnRH formando um agonista, via modificação da cadeia lateral que interage com o sítio de ligação do receptor e/ou alteração da conformação estrutural do peptídeo (Huirne & Lambalk, 2001). Os agonistas do GnRH têm relativamente poucas modificações em relação ao GnRH nativo. Basicamente, são feitas modificações na glicina da posição 6 e na glicina-carboxiterminal na posição 10. A modificação na posição 6 aumenta a meia vida da molécula, pois esta é a posição de clivagem pelas peptidases, protegendo a sua degradação na circulação sanguínea. As modificações na posição 10 aumentam a afinidade pelo receptor em 100-200 vezes em relação ao GnRH nativo (Shapiro, 2003). Os antagonistas do GnRH têm múltiplas substituições, dentre elas aquelas nos aminoácidos das posições 1, 2 e 3. É esta a região da molécula que se liga ao receptor do GnRH. São estas alterações que tornam estes compostos mais antagonistas que agonistas. A substituição na posição 6 aumenta a sua vida média. As substituições nas posições 8 e 10 resultam na eliminação do problema de reações alérgicas decorrentes da liberação de histamina no local de aplicação da droga (Shapiro, 2003). 403 Análogos do GnRH: bases moleculares e aplicações em reprodução assistida Mecanismo de Ação dos Agonistas e Antagonistas do GnRH Os análogos do GnRH também ligam-se a receptores específicos de membrana nas células gonadotróficas da hipófise, como previamente descrito para o GnRH nativo. Para conseguir 80% da resposta biológica, é necessária a ocupação de apenas 5% de todos os sítios de ligação GnRH-receptores. Após a ligação ao receptor, uma internalização do complexo receptor-peptídeo leva à inativação biológica e reciclagem do receptor (Kiesel et al., 2002). Os análogos sintéticos agonistas do GnRH levam a uma liberação intensa das reservas de LH e FSH (o efeito flare-up). Quando se faz uma aplicação contínua dessas substâncias há uma dessensibilização dos gonadotrofos pela downregulation dos receptores de GnRH e desregulação da sinalização intracelular. Os antagonistas do GnRH inibem a secreção de gonadotrofinas por bloqueio competitivo dos receptores do GnRH sem downregulation dos receptores. Os antagonistas do GnRH não têm ação pós-receptor. Existem então duas diferenças clinicamente relevantes dos antagonistas em relação aos agonistas do GnRH: (1) a ausência do efeito flare-up e (2) a resposta pituitária inalterada após a suspensão da medicação (Kiesel et al., 2002). As propriedades farmacocinéticas com relação à atividade antagonista máxima são lineares seguindo doses únicas ou múltiplas. O clearance é predominantemente metabólico e hepático. Cerca de 80% destes compostos circulam na corrente sanguínea ligados a proteínas. A vida média dos antagonistas que não são de depósito varia de 5 a 30 h após a injeção subcutânea de doses clínicas e esta é aumentada após a administração de doses múltiplas (Huirne & Lambalk, 2001). As concentrações plasmáticas de LH e FSH caem, respectivamente, 70 e 30% 6 h após a administração de antagonistas de GnRH (Huirne & Lambalk, 2001). Contudo, quando se administra algum agonista do GnRH a queda do LH e do FSH pode demorar de 14-21 dias devido ao efeito inicial de flare-up (Shapiro, 2003). O tamanho e a duração da supressão das gonadotrofinas são dose-dependentes. A supressão na administração subcutânea e intramuscular é semelhante, porem a utilização da via nasal exige doses maiores dessas substâncias. A porcentagem de declínio da secreção do LH obtida com o uso dos análogos do GnRH é maior que o declínio da secreção do FSH, indicando a existência de um mecanismo adicional de controle não dependente do GnRH (Huirne & Lambalk, 2001). 404 Com relação à sua tolerância e tolerabilidade, estudos toxicológicos têm demonstrado que a terceira geração destas drogas é segura. Os efeitos adversos dos agonistas são os mesmos dos antagonistas, e são atribuídos ao hipoestrogenismo na mulher e ao hipoandrogenismo no homem. Exposição prolongada aos agonistas pode levar a perda da massa óssea após os 6 meses de uso desta medicação. Um efeito colateral comum é uma reação de rubor e dor no local da injeção da medicação que usualmente desaparece após uma hora (Huirne & Lambalk, 2001). Impacto Clínico dos Análogos do GnRH Os agonistas do GnRH, apesar de comprovado benefício em reprodução assistida, possuem limitação de seu uso em patologias hormônio-dependentes devido ao seu efeito flare-up, que provoca liberação de gonadotrofinas com estímulo das gônadas e liberação inicial de estróides. Neste sentido, os antagonistas do GnRH poderão ter ampliação de sua aplicabilidade clínica, já que apresentam mecanismo de ação diferente dos agonistas, causando um bloqueio imediato da liberação das gonadotrofinas, sem o efeito flare-up (Tabela 1) (Huirne & Lambalk, 2001; Shapiro, 2003). Apesar desta variedade de possibilidades de uso clínico e de inúmeros estudos se encontrarem em fase adiantada em diversas patologias abaixo descritas, somente os antagonistas cetrorelix e ganirelix encontram-se liberados para uso e só em reprodução assistida (Hohmann et al., 2003; Shapiro, 2003). Tabela 1 – Uso clínico possível dos antagonistas do GnRH Principais indicações clínicas do uso de análogos do GnRH Sistema Reprodutivo Feminino Síndrome da hiperestimulação ovariana Síndrome dos ovários policísticos Endometriose Leiomioma Câncer ovariano Câncer endometrial Câncer de mama Sistema Reprodutivo Masculino Hipertrofia prostática benigna Câncer de próstata Contracepção masculina Ginecologia Infanto-puberal Puberdade precoce Outros Adenoma hipofisário Proteção gonadal durante radiação ou quimioterapia Femina - Junho 2006 vol 34 nº 06 Análogos do GnRH: bases moleculares e aplicações em reprodução assistida Análogos do GnRH e Reprodução Assistida Os agonistas do GnRH apresentam uso consagrado em reprodução assistida e seus benefícios bem fundamentados na literatura. Seu emprego desde a década de 1980 tem sido preconizado com objetivo de prevenir a ovulação precoce através da supressão da liberação das gonadotrofinas endógenas e, por conseqüência, do pico de LH pré-ovulatório em ciclos de estimulação ovariana controlada. Desta forma, leva à redução no cancelamento dos ciclos, aumento do número de oócitos captados e, por fim, eleva sensivelmente as taxas de gravidez (Dodson, 1990). Os agonistas mais utilizados são o leuprolide, a buserelina e a triptorelina. O uso é diário pela via subcutânea (leuprolide 1 mg/dia, triptorelina 0,1 mg/dia) ou nasal (buserelina 0,9 mg/dia no protocolo longo e 0,45 mg/dia no curto). Existem, basicamente, 2 protocolos para uso dos agonistas do GnRH em reprodução assistida: 1) protocolo longo, mais utilizado, consiste na aplicação do agonista desde a fase lútea do ciclo prévio ao ciclo de estimulação com gonadotrofinas; e 2) protocolo curto, em que o agonista é iniciado no 1º dia do ciclo de indução ovariana juntamente com as gonadotrofinas (Figura 2). O protocolo longo apresenta melhores resultados com maior número de folículos estimulados, oócitos captados, embriões formados e melhores taxas de implantação e gestação (Salat-Baroux et al., 1988). O protocolo curto apresenta vantagens quanto custo do procedimento, pois utiliza menor quantidade de gonadotrofinas e pode ser indicado àquelas mulheres más respondedoras, pois se aproveita o efeito flare-up para obtenção de maior recrutamento folicular. Além disso, os agonistas do GnRH também vêm sendo utilizados como “promovedores” de pico de LH pré-ovulatório no lugar do hCG: Fauser et al., 2002, observaram que o pico do LH após o uso do agonista (valor médio 118,5 UI/mL) ocorre após cerca de 4 h da sua administração, e com uso do hCG (valor médio de 240 UI/mL) é após 24 h da sua administração. Não houve diferenças na taxa de fertilização entre as duas drogas estudadas (Fauser et al., 2002). O esquema utilizado do antagonista do GnRH nos ciclos de hiperestimulação ovariana controlada primeiramente ocorreu de maneira fixa no sexto dia do ciclo, e recentemente vem sendo mudado de acordo com o tamanho folicular, sendo aplicado quando o folículo atinge o diâmetro de 14 mm (Shapiro, 2003). As vantagens do antagonista do GnRH em relação ao agonista do GnRH em reprodução assistida incluem: tratamento mais curto com menor quantidade de antagonista e também de gonadotrofina usados na estimulação ovariana (Zikopoulos et al., 2005), maior aceitação pela paciente, rápida reversibilidade, ausência de efeito flare-up e de efeitos de privação estrogênica (Shapiro, 2003; Griesinger et al., 2005b). pGIu LOCAL DE SUBSTITUIÇÃO POR ANÁLOGOS ANTAGONISTAS His { LOCAL DE ATIVAÇÃO DA ADENILCICLASE Longo Trp Ser Curto Tyr Gly LOCAL DE DEGRADAÇÃO Leu LOCAL DE SUBSTITUIÇÃO POR ANÁLOGOS AGONISTAS Arg Pro Gly-NH2 Fas e lú tea ( ± ciclo p dia 21) révio CARBONO NITROGÊNIO HIDROGÊNIO OXIGÊNIO LOCAL DE SUBSTITUIÇÃO POR ANÁLOGOS Figura 1 – Molécula original de GnRH e locais de substituição de agonistas e antagonistas Femina - Junho 2006 vol 34 nº 06 Antagonista Dia 1 do Folí culo clic lo > ou = 14 hCG mm Figura 2 – Esquemas de uso de análogos do GnRH em ciclos de hiperestimulação ovariana controlada para reprodução assistida. Os agonistas estão representados conforme protocolo longo (iniciado na fase lútea do ciclo prévio) e curto (no primeiro dia do ciclo) e o antagonista utilizado conforme tamanho do folículo (> ou = 14 mm diâmetro) 405 Análogos do GnRH: bases moleculares e aplicações em reprodução assistida Além disso, o uso de antagonista de GnRH seria uma boa opção nos casos de pacientes más respondedoras à indução ovariana (D’Amato et al., 2004; Mohamed et al., 2005), podendo, inclusive, ser usado junto ao citrato de clomifeno na estimulação ovariana com gonadotrofina, apresentando resultados favoráveis no que diz respeito à melhora do número de oócitos captados, menores taxas de cancelamento de ciclo, melhores níveis de estradiol e melhora das taxas de implantação e gestação quando em comparação ao protocolo longo (D’Amato et al., 2004). Também no caso de pacientes hiper-respondedoras (síndrome do ovário policístico), o uso dos antagonitas do GnRH reduz a possibilidade de síndrome de hiperestimulação ovariana e a taxa de cancelamento de ciclos (Merviel et al., 2005; Ragni et al., 2005). Diante de tantas vantagens, parece desejável adotar o antagonista do GnRH como rotina nos ciclos de hiperestimulação ovariana controlada em reprodução assistida, contudo, a Cochrane Review (Al-Inany & Aboulghar, 2005), que avaliou 5 estudos comparando o uso de antagonistas no GnRH com esquema de dia fixo e os agonistas do GnRH no protocolo longo, observou uma taxa de gestação reduzida no caso dos antagonistas, menor número de oócitos captados, menor número de embriões obtidos, menor nível de estradiol sérico no dia de aplicação do HCG. O uso do antagonista de acordo com o tamanho folicular (cetrorelix iniciado quando > 14 mm) também mostra redução do número de folículos recrutados e de níveis de estradiol sérico (Ragni et al., 2005; Griesinger et al., 2005b). Outro esquema analisado por metanálise foi o uso do flare-up do agonista do GnRH ao invés do HCG com o intuito de completar a maturação oocitária naquelas mulheres em que a indução ovariana foi realizada com antagonista do GnRH; e verificou-se uma redução na taxa de gestação e aumento de aborto no primeiro trimestre de gestação neste novo esquema (Griesinger et al., 2005a). Portanto, não existem evidências consistentes de que o antagonista utilizado nos esquemas de dia fixo ou de acordo com o tamanho folicular, ou ainda combinado com o agonista do GnRH aproveitando o seu flare-up em substituição ao hCG; seja superior ao agonista do GnRH em protocolo longo de hiperestimulação ovariana controlada. Talvez, com a melhora da curva de aprendizado nos centros de reprodução assistida ou do uso do antagonista em casos selecionados (más respondedoras e aquelas mulheres com risco aumentado de síndrome de hiperestímulo ovariano), possa ocorrer mudança neste contexto (Shapiro, 2003; D’Amato et al., 2004; Ragni et al., 2005). 406 Abstract GnRH decapeptide is the central initiator of the reproductive hormonal cascade. It is generated in hypothalamic neurons starting from a precursory polypeptide through enzymatic process and then released of pulsate mode in the portal circulation to stimulate the biosynthesis and secretion of the luteinizing-hormone (LH) and follicle-stimulating hormone (FSH) by pituitary. GnRH low doses applied by pulsate way are equal to the portal physiologic liberation and restore the fertility in different anovulation conditions. On the other hand, GnRH high doses cause desensitization of the gonadotroph and inhibit the pituitary liberation with consequent inhibition of the ovarian function. Small modifications in the original molecule of GnRH originate known substances denominated GnRH analogues that can be agonists or antagonists. The agonists provoke an initial liberation of gonadotropins (flare up) following by desensitization of the gonadotroph (down regulation). Otherwise, the antagonists act directly on the gonadotroph, through competitive inhibition of the GnRH receptors This phenomenon of pituitary quiescency provoked by the GnRH analogues has extensive clinical applications and the knowledge on the physiology of GnRH is essential for the most rational application of them. This article seeks to describe the mechanisms of action of these GnRH analogues, as well as to revise the different clinical indications of its use in Assisted Reproduction. KEYWORDS: GnRH. GnRH agonists and antagonists. 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