Saude19_art06.fm Page 45 Tuesday, September 19, 2006 9:59 AM BOLIVAR SOARES, ET AL. ORIGINAL /ORIGINAL Avaliação de Agentes Químicos Indicados para Descontaminação de Hortaliças Evaluation of Chemical Agents Used for the Decontamination of Vegetables RESUMO O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito de dois agentes químicos usados para descontaminar 150 hortaliças que estavam contaminadas com parasitas intestinais. Para tanto, 50 g de cada hortaliça (alface, agrião e rúcula) foram deixadas em repouso, por 20 minutos, em uma solução de ácido acético, em outra de anti-séptico comercial, composto de hipoclorito de sódio e permanganato de potássio, e também em uma solução detergente. Essas soluções foram filtradas e o sedimento passou por exame microscópico, após 24 horas. Feita a análise, as hortaliças foram novamente lavadas em água corrente e examinadas. Os resultados mostraram que, quando se utilizou concentração de ácido acético 0,54%, houve deformidade somente para cistos de protozoários. Por outro lado, o anti-séptico comercial na concentração usualmente adotada retirou com mais facilidade as estruturas parasitárias das hortaliças, sem que apresentasse uma ação parasiticida. Conclui-se, assim, que os produtos acima referidos somente ajudam no processo de descontaminação das verduras, sendo fundamental a lavagem das hortaliças em água corrente. Palavras-chave VEGETAIS – PARASITOS – DESCONTAMINAÇÃO. BOLIVAR SOARES Mestrando em Farmácia (UFSC/SC) GENY APARECIDA CANTOS* Professora doutora do Departamento de Análises Clínicas (UFSC/SC) * Correspondências: Departamento de Análises Clínicas, CCS, UFSC, 88090-010, Florianópolis/SC [email protected] ABSTRACT This study aims to evaluate the effectiveness of two chemical agents on 150 vegetables contaminated with intestinal parasites. For the evaluation, 50 g of each sample (lettuce, watercress and rocket) were left to stand for 20 minutes immersed in one solution with acetic acid, one in a commercial anti-septic, consisting on a mixture between sodium hypochlorite and potassium permanganate and also one in a detergent solution. These solutions were filtered, and the sediment was evaluated by means of a microscope after 24 hours. Following these analyses, the vegetables were once again washed in current water and examined. The results showed that the acetic acid decreased only the number of protozoan cysts. On the other hand, the commercial anti-septic, in the concentrations usually used, removed the parasite structures of the vegetables, but didn’t have parasiticide action. It can be concluded that the above-cited products only assist the decontamination process of vegetables, but it is imperative to wash the vegetables in current water. Keywords VEGETABLES – PARASITES – DECONTAMINATION. Saúde em Revista AVALIAÇÃO DE AGENTES QUÍMICOS INDICADOS PARA DESCONTAMINAÇÃO DE HORTALIÇAS 45 Saude19_art06.fm Page 46 Tuesday, September 19, 2006 9:59 AM BOLIVAR SOARES, ET AL. INTRODUÇÃO A avaliação de enteroparasitas em hortaliças folhosas reveste-se de grande interesse para a saúde pública, pois fornece dados à vigilância sanitária sobre o estado higiênico desses produtos.1, 2 As hortaliças, particularmente as consumidas cruas, podem servir como via de transmissão de parasitas intestinais ao homem, uma vez que cistos de protozoários, ovos e larvas de helmintos podem nelas estar presentes.3 Nesse contexto, sobressai a importância de medidas preventivas capazes de levar à erradicação desses agentes contaminantes nos alimentos, já que na maioria das vezes faltam ao consumidor informações sobre a qualidade da hortaliça disponível comercialmente. Assim, é importante a adoção de medidas que propiciem uma melhoria desses produtos. Entre os procedimentos mais conhecidos ressaltam-se a lavagem doméstica e a desinfecção das hortaliças, e o uso de desinfetantes, antes do consumo de verduras, tem sido relatado por alguns autores.4, 5 No Brasil, a maioria dos trabalhos avalia a contaminação das hortaliças por formas parasitárias, mas a atividade parasiticida de produtos como o ácido acético, o hipoclorito de sódio e o permanganato de potássio nas verduras e legumes tem sido muito pouco explorada.4, 5, 6, 7 Considerando-se a importância das hortaliças na transmissão das enfermidades intestinais, assim como a necessidade de medidas que propiciem uma melhoria na sua qualidade higiênico-sanitária, este trabalho avaliou qualitativa e quantitativamente o efeito de descontaminação por vinagre e desinfetante comercial, levando em conta as prescrições com que eles são normalmente empregados. MATERIAL E MÉTODOS Foram analisadas duas espécies de hortaliças naturalmente parasitadas (agrião, Nasturtium officinale [n = 50], e rúcula, Chicarium officinale [n = 50]), oriundas de um ponto de comercialização denominado Direto do Campo, na cidade de Florianópolis/SC. As amostras parasitadas de cada hortaliça foram fatiadas, homogeneizadas e divididas em três partes de 50 g, desprezando-se talos e raízes. Em seguida, mergulhou-se uma parte de cada hortaliça, durante 20 minutos, em 100 mL de uma solução detergente (0,3 mg/mL de lauril éter sulfato de sódio e 0,25 mg/mL de álcool láurico etoxila46 do). Adotou-se o mesmo processo com uma solução de vinagre, na concentração de 0,54% de ácido acético, e também com uma solução de anti-séptico nas concentrações de 0,025 mg/mL de hipoclorito de sódio e 0,002 mg/mL de permanganato de potássio. Após a manutenção das hortaliças com as respectivas soluções, realizaram-se a filtragem e a sedimentação por 24 horas. Em seguida, retirou-se 5,0 mL do sedimento, centrifugado a 1.500 rpm, durante dois minutos, desprezando-se o sobrenadante e ajustando-se o volume final do sedimento para 0,5 mL com água destilada, sendo, assim, homogeneizado. Com o auxílio de uma micropipeta graduada, pipetou-se 0,05 mL do sedimento, examinado diretamente com microscópio óptico por meio de uma lâmina corada com lugol. As mesmas amostras de hortaliças submetidas aos tratamentos com detergente, ácido acético e anti-séptico foram, respectivamente, lavadas em água corrente durante três minutos, sendo a vazão da torneira disponível no laboratório, antes da cada lavagem em água corrente, calibrada em 4,5 L/min. Posteriormente, as porções de hortaliças ficaram em contato com água destilada (200 mL), por 20 minutos, para a realização de nova filtragem, sedimentação (24 horas) e análise microscópica. Selecionaram-se 50 amostras de alfaces, variedade crespa, isentas de estruturas parasitárias, as quais foram expostas em contato em 100 mL de solução fecal contendo cistos de Giardia lamblia, ovos de Ascaris lumbricoides e larvas de Strongyloides stercoralis. O procedimento analítico foi idêntico ao descrito anteriormente. Nessas amostras, o sedimento foi analisado com lugol, azul de tripan (1:1) e eosina (2:1). Os resultados foram expressos pelo número total (NT)1 de cistos de protozoários, ovos e larvas de helmintos por 50 g de amostras. Todas as leituras foram realizadas em triplicata. Para a análise das estruturas parasitárias, utilizou-se o teste t, sendo os valores < 0,05 considerados estatisticamente significativos.8 RESULTADOS E DISCUSSÃO A qualidade sanitária das hortaliças consumidas pela população tem sido avaliada por alguns autores, sendo que o risco de contaminação delas depende, entre outros fatores, da freqüência com que os cistos de protozoários e ovos de helmintos estão presentes nesses alimentos.2, 3 Alguns estudos relatam que produtos como o ácido acético, SAÚDE REV., Piracicaba, 8(19): 45-49, 2006 Saude19_art06.fm Page 47 Tuesday, September 19, 2006 9:59 AM BOLIVAR SOARES, ET AL. o hipoclorito de sódio e o permanganato de potássio são importantes para a descontaminação de verduras e legumes.4, 5, 6, 7 Já o presente estudo permitiu estimar, simultaneamente, a descontaminação de hortaliças (rúcula, alface e agrião), adotando uma solução detergente, um anti-séptico comercial (0,025 mg/ mL de hipoclorito de sódio e 0,002 mg/mL de permanganato de potássio) e uma solução de vinagre (concentração de ácido acético 0,54%). Foram determinados o NT de cistos de protozoários, ovos e larvas de helmintos (estruturas parasitárias) em 50 g de cada hortaliça (n = 150) e a distribuição dos parasitas nas referidas amostras. E avaliado o NT de estruturas parasitárias resultante da lavagem das hortaliças, depois de mantidas nas respectivas soluções. As tabelas 1 e 2 mostram que, quando as hortaliças foram mantidas por 20 minutos no antiséptico comercial, seguindo a recomendação do fabricante, houve maior retirada de estruturas parasitárias delas, em comparação com a solução de detergente, de forma que se observou um aumento na contagem do número total de estruturas parasitárias (tab. 1), em decorrência de uma maior freqüência dos cistos de protozoários (tab. 2) nas amostras analisadas. Massara et al.9 comentam que os ovos de Ascaris lumbricoides possuem grande capacidade de aderência a superfícies e, por isso, não são retirados com facilidade por lavagens. Assim, é possível que substâncias como permanganato de potássio e hipoclorito de sódio removam mais facilmente os cistos de protozoários, constituindo produtos importantes no controle da transmissão de enteroparasitas. Em relação ao vinagre, o efeito das soluções de descontaminação do ácido acético tem sido bastante discutível. Sherman e Hash4 afirmaram que o vinagre e outros temperos usados em cozinha representam um grande benefício à saúde, pois descontaminam alimentos parasitados e pa- tógenos antes de serem ingeridos, reduzindo, dessa maneira, a infecção. Sayad et al10 demonstraram que a prevenção da fasciolíase humana depende da limpeza das folhas das saladas, nas quais habita a metacercária. Esses autores concluíram que o vinagre comercial (0,54% de ácido acético) retirava toda a metacercária, após uma exposição de 10 minutos, classificando-o, assim, como um importante parasiticida, também letal a outros parasitas em vegetais. Ao empregar detergentes e desinfetantes, em várias concentrações, de uso comum em domicílios, Massara et al,9 notaram que, em todas as diluições e tempos testados, esses materiais não produziam o desejado efeito ovicida total para o A. lumbricoides. Verificaram também que tanto o hipoclorito de sódio quanto o meio acético não interferiam na evolução desses ovos. Os resultados dessas pesquisas mostraram ainda que, com a solução de ácido acético a 0,54%, houve uma diminuição de estruturas parasitárias, em virtude da inviabilidade dos cistos de protozoários, sendo que o vinagre não inviabilizou ovos e larvas de helmintos (tab. 2). Outro fato importante a ser ressaltado é a importância da lavagem das verduras em água corrente, após o uso de produtos químicos ou não.10, 7 Neste estudo, percebeu-se significativa descontaminação parasitária das hortaliças como resultado da lavagem das verduras em água corrente, após o uso de solução detergente (tab. 1 e 2). Por outro lado, houve retirada quase total dos parasitas das hortaliças, quando essas foram lavadas em água corrente, depois de incubadas em vinagre e/ou anti-séptico comercial. Esses dados reforçam a importância do processo de lavagem na eliminação de estruturas parasitárias e também a necessidade de reavaliar os procedimentos de descontaminação das hortaliças, particularmente aquelas consumidas in natura. Este trabalho mostrou ainda a viabilidade de cistos de protozoários, ovos e larvas de helmintos Tabela 1. Análises parasitológicas de amostras de hortaliças,* mantidas por 20 minutos em diferentes soluções e lavadas em água corrente Amostras Agrião Rúcula Alface*** Total n 50 50 50 200 Sd NT 4.370 3.170 2.360 9.990 As NT 7.3201 5.6201 3.9601 16.9001 Aa NT 7201 6201 5201 1.8601 Sd** NT 4301 1701 1101 7101 % 90,2 94,6 96,6 93,8 As** NT 501 101 01 601 % 98,9 99,7 100 99,5 Aa** NT 301 101 201 201 % 99,3 99,7 99,2 99,4 Onde * representa 50 g de cada hortaliça; Sd = solução detergente; As = solução de anti-séptico; Aa = solução de ácido acético; % = percentagem de descontaminação das hortaliças; NT = número total de ovos, cistos e larvas por 50 g de amostra; ** representa a lavagem em água corrente após o uso das respectivas soluções; *** significa 50 alfaces experimentalmente parasitadas com material fecal;1 teste t (p < 0,05). Saúde em Revista AVALIAÇÃO DE AGENTES QUÍMICOS INDICADOS PARA DESCONTAMINAÇÃO DE HORTALIÇAS 47 Saude19_art06.fm Page 48 Tuesday, September 19, 2006 9:59 AM BOLIVAR SOARES, ET AL. turas deformadas incorporavam o corante. Esses dados confirmam a ação parasiticida parcial do ácido acético apenas nos cistos de protozoários. Concluiu-se que os tratamentos com soluções de hipoclorito de sódio/permanganato de potássio e ácido acético ajudam no processo de descontaminação parasitária das hortaliças. Contudo, é de fundamental importância lavá-las corretamente em água corrente, de maneira a eliminar por completo todas as possíveis estruturas parasitárias nelas presentes. por meio dos corantes azul de tripan (1:1) e eosina (2:1), após o uso das soluções detergente, antiséptico, ácido acético e procedimento analítico (tab. 3). Não houve incorporação de nenhum dos dois corantes nos ovos e nas larvas de helmintos, podendo-se visualizar o nítido movimento dessas últimas. Quanto aos cistos de protozoários (Entamoeba coli, Entamoeba histolytica/Entamoeba dispar, Giardia spp, Endolimax nana e Blastocystis hominis), foi possível notar que somente as estru- Tabela 2. Freqüência de descontaminação de amostras de hortaliças (n = 100),* após incubadas em diferentes soluções e lavadas em água corrente. PROTOZOÁRIOS Entamoeba coli Blastocystis hominis Giardia spp Endolimax nana Entamoeba hartmanni Entameba histolytica/Entamoeba dispar Sd 57 14 12 10 7 5 As 98 24 20 17 12 9 Aa 10 2 2 2 1 1 Sd** 16 0 3 2 1 1 As** 2 0 0 0 0 0 Aa** 3 0 0 0 0 0 HELMINTOS Ancilostomídeos 10 10 10 0 0 0 Ascaris lumbricoides 6 6 5 0 0 0 Trichostrongylus sp 4 3 3 0 0 0 Strongyloides stercoralis 3 3 3 0 0 0 Toxocara canis 3 3 3 0 0 0 Hymenolepis ana 2 1 1 0 0 0 Enterobius vermicularis 1 1 0 0 0 0 Onde * representa 50 g de cada hortaliça; Sd = solução detergente; As = solução de anti-séptico; Aa = solução de ácido acético; F = freqüência de descontaminação das hortaliças; ** significa lavagem em água corrente, após uso das respectivas soluções. Tabela 3. Freqüência de descontaminação de amostras de hortaliças (n = 100),* após incubadas em diferentes soluções e lavadas em água corrente. PROTOZOÁRIOS E. coli E. nana Giardia spp B. hominis E. histolytica/E.dispar Sd 15 9 6 3 1 As 15 9 6 3 1 Aa 12 7 4 2 1 Sd** 0 1 1 0 0 As** 0 0 0 0 0 Aa** 0 0 0 0 0 HELMINTOS Ancilostomídeos 5 5 5 0 0 0 A. lumbricoides 5 5 5 0 0 0 S. stercoralis 5 5 5 0 0 0 E. vermicularis 1 1 1 0 0 0 Onde * representa 50 g de cada hortaliça; Sd = solução detergente; As = solução de anti-séptico; Aa = solução de ácido acético; F = freqüência de descontaminação das hortaliças; ** significa lavagem em água corrente, após uso das respectivas soluções. 48 SAÚDE REV., Piracicaba, 8(19): 45-49, 2006 Saude19_art06.fm Page 49 Tuesday, September 19, 2006 9:59 AM BOLIVAR SOARES, ET AL. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Oliveira CAF, Germano PML. Estudo da ocorrência de enteroparasitas em hortaliças comercializadas na região metropolitana de São Paulo/SP, Brasil: I- pesquisa de helmintos. Rev Saúde Pública SP 1992;26:283-89. 2. Carvalho JB, Nascimento ER, Ribeiro VR. 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