INTEGRAÇÃO ENTRE ECT E ENFOQUE EVOLUCIONISTA: UM ESTUDO DE CASO NO AGRIBUSINESS DO LEITE Autor: Daniel Carvalho de Rezende Resumo: A busca por uma nova teoria da firma, tendo em vista as inúmeras restrições presentes no “mainstream” neoclássico, está presente em alguns estudos na área organizacional no final dessa década. Esse estudo se baseia nos arcabouços teóricos da Economia de Custos de Transação (ECT) e do enfoque evolucionista (neo-schumpeteriano). Apesar da ECT não se caracterizar por um mecanismo estático, ela demanda uma maior compreensão da capacidade de inovar e das mudanças por ela geradas no âmbito organizacional, seja nas relações internas ou externas, especialmente num ambiente competitivo cada vez mais dinâmico. Dessa maneira, buscou-se combinar livremente essas duas teorias num estudo de caso no setor cooperativista do leite, revelando a importância dos ativos específicos, incerteza e aprendizado para definição de seu potencial competitivo. Espera-se que os resultados desse trabalho gerem motivação para estudos comparativos mais aprofundados no Sistema Agroindustrial do Leite, na redefinição do papel das cooperativas e especialmente para sua aplicação na análise de todo agribusiness nacional, auxiliando na elaboração de estratégias empresariais e políticas. Identificou-se, também, uma certa complemetariedade entre os dois enfoques teóricos utilizados, que merece estudos mais aprofundados na busca por uma nova teoria da firma. 1) Introdução As últimas décadas trouxeram alterações substanciais na organização dos negócios envolvendo o setor lácteo, como resposta à desregulamentação, à privatização e ao ritmo das mudanças tecnológicas em curso. A reorganização da economia mundial, caracterizada pela crescente globalização, formação de blocos econômicos e redução de barreiras nacionais ao comércio, tem colocado a questão da competitividade no centro das discussões de políticas públicas e de estratégias empresariais. Novas regras de concorrência vêm sendo estabelecidas pelos novos padrões tecnológicos vigentes, ação estratégica de empresas e governos ou pela crescente conscientização dos consumidores de que podem influenciar as decisões produtivas. A compreensão das mudanças no âmbito da firma ou setorial nesse ambiente instável demandam ferramentas teóricas flexíveis, que procurem extrair o máximo de informações sobre as trajetórias e soluções tecnológicas específicas de cada firma/setor, coordenação entre os diversos agentes e gestão das transações. Dessa maneira, não existe uma relação simples e fechada entre estratégia e desempenho, sendo condicionada por diversos fatores que moldam e definem o ambiente competitivo. O setor lácteo nacional enfrenta mudanças turbulentas, num processo de reestruturação que se assemelha aos vividos há algumas décadas em países como Argentina e EUA. Entretanto, o raciocínio simplista de muitos, que acreditam que as soluções que se aplicaram em outros países serão fatalmente as soluções para o Brasil, esbarra na complexidade e unicidade do setor lácteo brasileiro, que demanda estudos aprofundados e particularizados a fim de especificar alternativas viáveis para a estratégia de nossos governos e empresários. Esse estudo procura se posicionar dentro desse contexto, focalizando as estratégias adotadas na CAARG (Cooperativa Agrícola Alto Rio Grande Ltda), cooperativa de médio porte situada na Região Sul de Minas Gerais, notadamente com relação às estruturas de governança para minimização de custos de transação, dinâmica de inovação e de como as inovações tecnológicas alteram as condições pré-existentes e demandam novas estruturas de governança. 1 2) Mudanças estruturais no sistema agroindustrial do leite no Brasil Jank e Galan (1998), analisando a competitividade do sistema agroindustrial do leite no Brasil, descrevem um ambiente de complexas mudanças estruturais, iniciadas com fim do controle estatal sobre os preços da matéria-prima no início da década de 90. Entre as principais mudanças detonadas com a medida citada acima estão a desregulamentação gradual do mercado, abertura comercial e consolidação do Mercosul, estabilização econômica após o Plano Real e a migração interna da pecuária leiteira. A entrada de multinacionais como a Parmalat, adotando estratégias de integração horizontal (aquisições) e investindo pesado em marketing atingiu em cheio o segmento das médias indústrias e, notadamente, as cooperativas. Das nove grandes centrais de cooperativas existentes nos anos 80, somente a Paulista e a Itambé não fecharam as portas ou sofreram mudanças em seu controle acionário. O crescimento acelerado do consumo de leite e derivados após o Plano Real promoveu diversas alterações no mercado, com aumento do consumo de produtos de maior praticidade (aumento de mais de 800% na produção de leite longa vida entre os triênios 1990/1992 e 1996/1998) e produtos mais nobres (como queijos finos e iogurtes). A disputa, entretanto, tem como elemento principal o preço dos produtos, como resposta ao maior poder de negociação dos supermercados com a onda de fusões no setor. Destaca-se, ainda, a queda do setor atacadista, consagrado tradicionalmente como um dos mais fortes na distribuição de lácteos. O tabelamento da matéria-prima leite, vigente até 1991, apresentou-se como um dos fatores mais prejudiciais no desenvolvimento do setor no Brasil, especialmente com relação à relação produtor-indústria. A relativa estabilidade foi substituída por uma negociação de preços entre setores que não estavam habituados a essa atividade, gerando instabilidade de preços, incerteza e insegurança, trocas constantes de fornecimento, punições para leite extracota, etc. Com a abertura comercial de 1994, acentuou-se o nível de competição entre as indústrias, o que demandou a procura incessante por melhorias na qualidade da matéria-prima e redução nos custos. Os pequenos produtores são o primeiro alvo na busca de otimização dos processos, iniciando-se um processo de seleção dos mesmos com o pagamento por qualidade e volume recebido e otimização da logística na coleta do leite, substituindo os latões pela coleta de leite a granel. A coleta de leite a granel é um procedimento que reduz os custos de captação da matéria-prima, elimina postos de resfriamento, aumenta a produtividade na fazenda (notadamente para produtores que podem introduzir uma segunda coleta de leite diária) e aumenta sensivelmente a qualidade do leite que chega para processamento nas indústrias. Ele consiste em recolher o produto “in natura” resfriado nas fazendas produtoras (podendo se utilizar de resfriadores comunitários) para os caminhões-tanques isotérmicos através de mangote flexível e bomba especial auto-aspirante diretamente do resfriador (tipo expansão ou água gelada) . Isso possibilita que o leite recolhido na propriedade conserve suas propriedades pelo resfriamento imediato (Sobrinho et al, 1995 ; Jank e Galan, 1998). O processo de coleta a granel no Brasil ainda está em fase embrionária, até mesmo nas grandes empresas multinacionais que foram algumas das primeiras a adotarem a nova tecnologia. A Nestlé (que iniciou o processo em julho de 1995) e a Parmalat (sistema implantado a partir de novembro de 1996) ainda não haviam atingido a marca de 30% de coleta a granel em relação ao total de leite coletado no início de 1998. Seus diretores ressaltam que vivemos ainda numa fase de transição entre as tecnologias (Nascimento, 1998). 3) O enfoque evolucionista 2 A abordagem evolucionista ou neo-schumpeteriana é uma corrente teórica que rompeu com os pressupostos da teoria econômica clássica, notadamente com a crença do equilíbrio e da racionalidade perfeita dos agentes. Entre os principais pontos da corrente neoschumpeteriana estão as considerações sobre a descontinuidade do processo de desenvolvimento, incerteza no processo decisório, entre outros. Destaca-se como o elemento mais importante dessa teoria a consideração de que a inovação tecnológica é o processo motor do desenvolvimento, que desenvolve vantagens competitivas e promove a seleção das empresas no mercado. A base para o desenvolvimento da teoria evolucionista foi dada por Schumpeter no início do século. Suas considerações sobre a dinâmica econômica e do processo de desenvolvimento e o papel-chave desempenhado pela inovação tecnológica nesse processo influenciaram toda a elaboração das teorias de cunho qualitativo nos dias atuais. A preocupação básica de Schumpeter era com as grandes inovações, ou seja, com aquelas inovações radicais que mudam todo o contexto de competitividade nos diversos setores econômicos, dando origem a novos ciclos de desenvolvimento econômico (nos dias atuais, um exemplo de grande inovação é a microeletrônica). O enfoque evolucionista se preocupa em compreender como se dá o processo de inovação dentro das empresas, sendo estas inovações de caráter incremental, ou seja, que se desenvolvem dentro de caminhos tecnológicos estabelecidos pelas grandes inovações, sendo mais endógenas aos mecanismos econômicos normais (Dosi, 1982). Nesse enfoque, a firma é considerada como um conjunto de capacitações de cunho técnico, econômico e organizacional, em oposição a visão clássica em que a firma é uma função de produção a ser maximizada. A aplicação da teoria pode ocorrer a um nível micro-analítico (firma), setorial ou focalizando as cadeias agroindustriais. O processo de inovação depende da trajetória da firma e dos conhecimentos que ela acumulou (conhecimento tácito) em sua história. Esse processo de aprendizado demanda tempo, restringindo as possibilidades de expansão. Por outro lado, entretanto, essa acumulação de conhecimentos serve como um mecanismo interno que induz ao crescimento. Diferentes arranjos organizacionais se adequam melhor ou pior aos diferentes tipos de ambientes competitivos e aos diferentes tipos de inovação. A busca da organização é pela melhor combinação possível entre as características organizacionais e capacitações já existentes e o tipo de inovação a ser implantado. (Teece, 1996). Dessa maneira, a multiplicidade de situações e soluções particulares de cada caso faz com que não se busque mais por soluções “unívocas” e “determinadas”, mas sim por soluções “abertas” e “múltiplas” (Possas, 1996). A relação entre inovação tecnológica e competitividade é estreita, na medida em que primeira é fator determinante da segunda. A competitividade é um atributo da concorrência, entendida por Possas (1996) como o “processo básico de interação das unidades econômicas (empresas, principalmente) em busca do lucro, mediante permanente esforço inovativo”. Já Farina e Zylberstajn (1994) acreditam que a competitividade está ligada ao desempenho e conduta com relação à concorrência e ao mercado no processo de disputa pelos consumidores através de fatores como preço, qualidade e inovações. Possas (1996) define os novos requisitos básicos para competitividade nos dias atuais: a) a concorrência se dá através da inovação em produtos e processos, com maior importância do domínio efetivo de tecnologia; b) as novas tecnologias demandam capacidade de aprendizado intensivo e alta capacitação do material humano, enfatizando-se seu caráter tácito e cumulativo; c) a flexibilidade passa a ser vital, tanto na capacidade organizacional e de gestão do trabalho quanto na identificação de sinergias técnicas entre empresas que permitam cooperações; d) a concorrência é global, impondo estratégias transnacionais e mecanismos de regulação dos mercados mais uniformes. 3 Esses requisitos básicos da competitividade estão baseados no paradigma tecnológico em que vivemos atualmente. Dosi (1982) foi o idealizador do conceito de paradigma tecnológico, desenvolvido por ele em analogia com os paradigmas científicos. Um paradigma tecnológico é um modelo padrão de solução de problemas, baseado em princípios selecionados e em tecnologias materiais selecionadas. Os paradigmas tecnológicos emergentes têm um alto poder para exclusão total dos antigos paradigmas. No entanto, em situações de transição é possível a coexistência de diversos paradigmas, principalmente quando os custos para eliminação dos antigos paradigmas e os investimentos e incerteza associada aos novos paradigmas são altos (Possas, 1996). A indústria de leite e derivados brasileira nos dias atuais vive uma situação que pode ser interpretada como uma transição entre paradigmas tecnológicos no que se refere à recepção de leite. O transporte de leite em latões ainda resiste na maioria dos estabelecimentos, embora todos reconheçam os ganhos em custos e qualidade da coleta de leite a granel. Entretanto, como os custos associados à eliminação do latão são altosresistência dos produtores, inviabilidade econômica para coleta de pequenos produtores e existência de lugares de difícil acesso por parte dos caminhões-tanque- e os custos da adoção da coleta de leite a granel também são altos- investimento em ativos específicos (tanques isotérmicos, resfriadores)- o processo transcorre com lentidão. Verifica-se, no entanto, que a difusão do “novo” paradigma e de suas referências e padrões tende a aumentar a velocidade de sua adoção, o que evidencia-se, por exemplo, nas soluções encontradas para incorporação dos pequenos produtores (tanques de expansão menores, tanques comunitários) e na preocupação do governo federal em definir normas de coleta e, até mesmo, impor limites para adoção total da nova tecnologia pelas indústrias. Teece (1996) define os seguintes determinantes organizacionais e mercadológicos da intensidade e direção da inovação que devem ser utilizados na análise da firma: 1) Poder monopolista: É evidente que o grau de competição influi na busca por inovações, constituindo, no entanto, apenas mais uma entre outras variáveis. Mesmo as firmas que possuem retornos financeiros altos precisam ir ao mercado financeiro para promoverem seus investimentos. As condições de crédito, portanto, constituem um fator importante para a decisão de inovar, notadamente quando essa inovação envolve a aquisição de ativos de alto valor e especificidade. Segundo Teece (1986), o papel dos ativos complementares é fundamental no processo de inovação, na medida em que permitem a parceria entre firmas interessadas nos resultados de um produto ou processo, ressaltando-se, entretanto, os custos de transação que podem ser gerados se não forem realizados contratos que evitem comportamentos oportunistas. 2) Hierarquia: A hierarquia presente em organizações complexas inibe sensivelmente a capacidade de inovação, pois as restrições decorrentes de processos burocráticos fazem com que os processos decisórios sejam lentos, comprometidos com uma estrutura que demanda requerimentos e aprovações em cascata. Esses fatores constituem um viés anti-inovação que diminui a possibilidade de sucesso (que está diretamente ligado à capacidade de tomar decisões com rapidez e reduzir o tempo que se leva para se agregar valor ao mercado). As cooperativas estão sujeitas a esse viés, devido à sua complexidade, número excessivo de instâncias no processo decisório e seleção dos gerentes entre os cooperados, criando lideranças cooperativas centralizadoras e permanentes. Nas cooperativas menores esses fatores negativos tendem a diminuir, tendo em vista a existência de procedimentos informais que podem acelerar o processo decisório (Zylberstajn, 1994). 3) Escopo: O escopo das atividades relativas ao produto pode influenciar de várias maneiras no desempenho inovativo das firmas. Uma das mais importantes é o fato de que firmas com diversidade de produtos e unidades de negócios podem realocar fluxos de caixa gerados em uma atividade para atividades de inovação em outras. 4 4) Integração vertical: diversos pesquisadores atribuem relação direta entre a taxa e direção das inovações e o grau de integração vertical da firma. É certo que a integração vertical facilita a adoção de inovações sistêmicas (que demandam ajustamento significante de outras partes do sistema), por facilitar o fluxo de informações e a coordenação dos planos de investimento. 5) Cultura e valores organizacionais: A cultura é a essência do componente informal da organização, identificando-se os seguintes aspectos que podem facilitar o desenvolvimento de novos produtos e processos: autonomia de tentativa e erro; direito de desafiar o status-quo; e comunicação aberta com clientes, fontes externas de tecnologia e dentro da própria firma. Se não existir um alinhamento entre a cultura e estratégia, aumenta a probabilidade de que estratégias de inovação não sejam bem-sucedidas. 6) Relacionamentos externos: as alianças estratégicas entre as firmas, sejam elas verticais (para cima ou para baixo), laterais ou horizontais, revelam-se importantes instrumentos estratégicos no desenvolvimento de inovações, demandando no entanto a especificação de padrões de comportamento, visto que existe uma interdependência mútua entre as empresas. A fim de coordenar o processo de inovação, diversos meios de governança se apresentam, sendo função da importância relativa do conjunto de fatores apresentados acima (fronteiras da empresa, estrutura formal interna, estrutura informal interna e relacionamentos externos) (Teece, 1996). A influência de fatores ambientais, relacionados principalmente as condições políticas, econômicas e legais que geram restrições ou incentivos à inovação, determinam o que Possas (1996) considera os fatores sistêmicos de competitividade: a) fatores relacionados à defesa da concorrência e do meio-ambiente, a fim de consolidar um ambiente competitivo; b) condições externas de competitividade, como infra-estrutura de transportes, energia, comunicações, etc. e c) políticas governamentais de incentivo. 4) A ECT (Economia de Custos de Transação) A Economia de Custos de transação, ou Nova Economia das Instituições, é uma combinação interdisciplinária de direito, economia e organização na qual a economia sobressai como a mais importante. O foco de estudo básico se concentra no nível microanalítico, se preocupando basicamente com a economia nos custos de transação, ou custos de se gerenciar o sistema econômico, através da identificação, explicação e atenuação dos riscos contratuais- que podem se apresentar de várias formas. Em geral, os possíveis riscos podem ser atribuídos a um par de pressupostos comportamentais nos quais a ECT se baseia: racionalidade limitada e oportunismo (Willianson ,1996a). Custos de transação podem ser definidos como os custos de: elaboração e negociação de contratos, mensuração e fiscalização de direitos de propriedade, monitoramento do desempenho, organização de atividades e problemas de adaptação (Jank, Farina e Galan, 1999). North, citado por Willianson (1996a), considera que as instituições constituem restrições que estruturam interações políticas, sociais e econômicas, consistindo tanto de restrições informais (sanções, tabus, tradições, códigos de conduta) quanto de regras formais (constituições, leis, direitos de propriedade). Admitindo o ambiente institucional como dado, os agentes econômicos procuram alinhar as transações com estruturas de governança a fim de atingir resultados mais econômicos. A governança é um esforço para o acesso à eficácia de modos alternativos de organização. O objetivo é efetuar uma boa ordem entre os mecanismos de governança. Uma estrutura de governança é geralmente interpretada como uma estrutura organizacional nos quais se decide a integridade de uma transação ou de um conjunto de transações. Governar a transação significa incentivar o comportamento que se deseja obter e, ao mesmo, tempo, conseguir monitorá-lo. Essa governança pode ser obtida pelo sistema de preços, notadamente 5 quando o produto desejado tem baixa especificidade e é ofertado por vários produtores (Willianson ,1996a). A transação é a unidade básica de análise da ECT. Enquanto que para os neoclássicos a firma é definida como uma função de produção (uma construção tecnológica), a ECT descreve a firma como uma estrutura de governança (uma construção organizacional). Dessa maneira, as firmas e mercados podem ser considerados formas alternativas de governança. (Willianson, 1996b) A ECT não busca soluções ideais hipotéticas, acreditando que as comparações relevantes devem ser feitas com alternativas práticas, todas as quais dotadas de imperfeições. Muitos dos tópicos de interesse da ECT são comuns à teoria ortodoxa, tais como a integração vertical e lateral, organização do trabalho, regulação e desregulação, governança corporativa, e utilização de instrumentos financeiros. De maneira geral, todo problema que se pode ser visto como um problema contratual pode ser melhor avaliado segundo a ótica da ECT. (Willianson, 1996a) O problema paradigmático no qual a ECT trabalha é o da integração vertical, lidando com a decisão rotineira de fazer ou comprar dentro do mercado de produtos intermediários. Sendo assim, a ECT propõe as seguintes dimensões-chave para descrever e caracterizar as transações: 1) especificidade dos ativos; 2) incerteza; 3) frequência. Dessas três, a especificidade dos ativos é considerada a mais importante e distintiva. O investimento em ativos duráveis e especializados, que não podem ser realocados para outros usos ou usuários são considerados transações específicas. A maneira usual pela qual a literatura de teoria organizacional se refere a essa especificidade de ativos é a dependência de recursos que é criada por essa especificidade (Willianson ,1996c). A especificidade de ativos se refere ao grau pelo qual um ativo pode ser realocado para funções alternativas ou usuários alternativos sem sacrifício do valor produtivo. Esse fator se relaciona diretamente com os custos envolvidos na substituição de um ativo (“sunk costs”). Três aspectos básicos estão relacionados à especificidade de ativos: a) a especificidade de um ativo pode assumir várias formas, sendo uma delas a especificidade do ativo humano; b) a especificidade de ativos gera não somente estruturas complexas de controle ex ante, mas também estruturas complexas de governança ex post; c) o estudo da economia organizacional sob suas diversas formas- organização industrial, trabalho, desenvolvimento econômico, sistemas comparativos etc.- se torna a matéria-prima para construção da ECT. Willianson (1996c) identifica seis categorias relacionadas com a especificidade de ativos: 1) especificidade de local ; 2) especificidade de ativo física; 3) especialidade de ativo humano; 4) ativos dedicados, que são investimentos numa planta com o propósito de atender a um cliente específico; 5) o capital investido na marca; 6) especificidade temporal (perecibilidade). Cada forma distinta de governança (mercado, híbrida ou hierarquia) precisa se basear em diferentes formas contratuais. O contrato clássico se relaciona com o caso em que a identidade das partes não é relevante. Tais transações conferem grande importância aos preços de transação (restrições do mercado). O contrato neoclássico se aplica a contratos nos quais as partes envolvidas nas transações possuem autonomia mas são bilateralmente dependentes de uma maneira não-trivial. As formas de contrato híbridas geralmente se baseiam em contratos neoclássicos, mediados por mecanismos elásticos de regulação. A hierarquia, por sua vez, se caracteriza por ser ainda mais elástica e adaptativa, por se caracterizar como um mecanismo endógeno à firma (Willianson, 1996d). Apesar da ECT dar conta de alguns tópicos importantes, tais como os relacionados com o conhecimento tácito e os limites da imitação, demandam-se outros instrumentais teóricos para se lidar com a complexidade de tópicos que surgem quando se exige uma alta 6 capacidade de resposta à mudanças, ou seja, quando os eventos ocorrem rapidamente e o aprender fazendo (learn by doing) é essencial, ao invés de se preocupar somente com o equilíbrio contratual. A necessidade de se distinguir entre o fornecimento contínuo e o temporário não significa, contudo, que os princípios da ECT não se apliquem para ambos. (Willianson, 1996d) A ECT constitui um aspecto da Nova Ciência da Organização. Se a firma é uma estrutura de governança, então a fronteira da firma deve ser vista com relação à capacidade da firma (comparada com o mercado) em promover funções organizacionais eficientes. Dessa maneira, uma Teoria Organizacional da Firma precisa estar conjugada com uma Teoria Tecnológica da Firma (Willianson ,1996b). Farina e Zylberstajn (1994) destacam que a abordagem moderna da Organização Industrial não é estranha ou inconsistente com a ECT. Pelo contrário, os custos de transação foram largamente incorporados pela vertente da Organização Industrial. Além disso, ambas as teorias podem ser utilizadas de maneira complementar, na medida em que as estratégias competitivas podem influenciar a especificidade dos ativos, e, consequentemente, os custos de transação. Os autores ressaltam também que a busca por vantagens competitivas decorrentes do poder momentâneo de monopólio detonam ações que podem alterar os custos das transações. Verifica-se que quando o padrão de concorrência está baseado em contínua mudança técnica e segmentação de mercado, aumenta-se a especificidade dos ativos, e geram-se, portanto, custos irrecuperáveis. Isso acontece porque novos produtos, métodos e processos, assim como a garantia de atributos especiais de produtos para segmentos específicos do mercado, demandam uma difusão de mudanças ao longo de uma cadeia de etapas tecnológicas tecnicamente separáveis, ou seja, o estabelecimento de uma coordenação complexa, onde o cumprimento de cada etapa pode comprometer o resultado de toda cadeia produtiva. Dessa maneira, os custos de transação tornam-se elevados, face à exposição ao comportamento oportunista, derivada de uma relação de barganha de preços entre clientes e fornecedores (Farina e Zylberstajn, 1994). 5) Caracterização das transações, estrutura interna e ambiente competitivo onde atua a CAARG A CAARG foi fundada em 1953 no município de Lavras, região Sul de Minas Gerais. Ela é uma cooperativa singular que intermedia a venda de leite resfriado para a CCL-Paulista, além de atuar com uma linha de produtos próprios comercializados através de sua marca Ipê. Sua filosofia atual se baseia na busca por uma maior autonomia, aumentando a linha de produtos próprios, buscando parcerias com outras cooperativas de pequeno e médio porte e promovendo inovações em seu processo de produtivo que permitam manter ou aumentar sua capacidade competitiva. 5.1) Transações produtor-cooperativa A recepção de leite atual da CAARG é de aproximadamente 77000 litros/dia, provenientes de 378 produtores (dados de Fevereiro/1999). Verifica-se uma estrutura de governança baseada em relações informais, sem existência de contratos de fornecimento. Comportamentos oportunistas de ambas as partes são frequentes, sendo os mais comuns: a) Por parte dos produtores: troca frequente de fornecimento entre os laticínios, fundamentadas exclusivamente na variável preço; fornecimento para duas empresas, sendo a proporção definida pelos preços relativos (a permanência na CAARG, mesmo enviando-se pequenas quantidades, é estratégica na medida 7 em que permite benefícios, tais como planos de saúde e preços diferenciados na compra de ração); buscando economizar energia elétrica, muitos desligam os resfriadores à noite ou os mantém funcionando acima da temperatura desejável, prejudicando a qualidade do leite; b) Por parte da CAARG: criação de mecanismos de punição através de preços reduzidos pagos pelo leite excesso (que excede a cota formada na entressafra) no período da safra. As estruturas de governança na coordenação dessa gama de comportamentos oportunistas são ineficientes e de caráter puramente informal. Dessa maneira, a incerteza associada gera custos para ambas as partes da transação, especialmente com relação ao planejamento das atividades. Grandes mudanças ocorreram com o início da coleta a granel em 1995, atingindo atualmente uma porcentagem de 78% de todo o leite recebido, promovendo a redução do número de linhas de 49 em 1996 para 24 em 1999 e reduções de até 50% no valor do frete ao produtor. Na Tabela 1, observa-se a atual estrutura de recebimento de leite na CAARG. TABELA 1 – Recepção de leite na CAARG em Fevereiro/1999 Coleta em latões Parâmetros Coleta a granel Número de linhas 9 15 Total de produtores 170 208 Quilometragem média 87,5 120,9 Das linhas (Km) Total de leite captado no mês (L) 480.050 1.697.511 Média diária de fornecimento de 100 291 leite por produtor (L/dia) Frete médio ao produtor (R$) 7 a 13 % 4 a 17% * Fonte: CAARG (elaborada pelo autor). * o valor de 17% ocorreu por problemas de redução de produção na linha, sendo totalmente discrepante da média geral) Os dados acima evidenciam a eficiência do processo de coleta a granel frente à coleta em latões, por impor maior racionalização da atividade. No entanto, o valor discrepante de 17% verificado em uma linha no mês de Fevereiro/1999 mostra que a sub-utilização de caminhões-tanque gera custos ainda mais altos que os da coleta tradicional. Esse fator evidencia a importância da coordenação entre os agentes (produtores, carreteiros e funcionários da cooperativa) para redução efetiva de custos, e será analisada com mais detalhes adiante. O principal fator apontado como motivador do início da adoção de coleta a granel foi a tentativa de seguir as empresas líderes que já iniciavam o processo, a fim de que os concorrentes não pudessem gozar de vantagem competitiva. Independente disso, era consenso geral o fato de que o novo processo traria imensas vantagens em termos de redução de custos e aumento da qualidade (ainda que esse fator não fosse de fácil apropriação e visualização por parte do consumidor). A primeira linha foi montada em caráter experimental, englobando produtores de grande porte que já possuíam resfriadores de leite do tipo tanque de expansão. A escolha dos grandes produtores, além dos reduzidos custos envolvidos, foi apontada como uma decisão que visava garantir a presença ativa desses produtores no processo, dada à sua importância estratégica para a implantação da nova tecnologia (poder político, custos mais baixos). A montagem das linhas tinha como parâmetro otimizador básico a relação entre o volume de leite a ser captado e a quilometragem da linha, esbarrando em fatores diversos como condições de estradas e resistência de alguns produtores à mudanças. Os principais ativos envolvidos no processo de coleta a granel são os tanques isotérmicos de transporte, tanques de estocagem e resfriadores para os produtores. Além 8 disso, foi construída uma plataforma específica para recepção do leite a granel. A decisão com relação à aquisição de tanques de transporte ou parceria com carreteiros que tinham intenção de adquirí-los foi mista, com predominância para a primeira opção. Atualmente, o número total de tanques é de nove, sendo três deles terceirizados. A colocação do tanque no caminhão aumenta a especificidade desse ativo, na medida em que não permite ao carreteiro utilizá-lo em outras atividades (“bicos”). Dessa maneira, decidiu-se por conceder duas linhas para cada carreteiro, que passaram a trabalhar em dois períodos (manhã e tarde). Os mecanismos de governança utilizados nos casos em que o tanque é do carreteiro se mostraram falhos, pois os contratos de garantia de serviços só foram criados depois que as linhas já operavam, gerando grande resistência para assinatura dos mesmos por parte dos carreteiros. Esse viés se mostrou um foco importante de custos de transação, dado a especificidade do ativo e sua complemetariedade, permitindo comportamentos oportunísticos por parte dos carreteiros, que efetivamente se concretizaram em um caso, com o carreteiro articulando a troca da linha para outra empresa. A integração vertical implantada pelo meio de produção cooperativista é apontada como um grande facilitador no processo de inovação sistêmica- que é o caso da coleta a granel, por envolver mudanças em vários elos do processo produtivo. A articulação entre cooperados e cooperativa é vital para que os objetivos sejam atingidos, demandando, para isso, esforços para aproximação entre as partes com consequente intensificação do fluxo bilateral de informações e redução da assimetria. Na CAARG, esse trabalho é realizado tanto por funcionários quanto por profissionais terceirizados, que prestam serviços de assistência aos produtores. Uma das informações mais importantes a serem colhidas junto aos produtores é a sua previsão dos níveis de produção, descarte ou aquisição de gado e planejamento de partos, a fim de que se possa efetuar um melhor planejamento para otimização da capacidade do tanque. Além disso, permite evitar que aumentos repentinos nos níveis de produção façam com que se exceda a capacidade do tanque, provocando transtornos. Esse fato ocorreu em várias linhas no início de sua implantação, fazendo com que fosse necessário se enviar um veículo para buscar o excedente dos últimos produtores da linha, gerando custos extras e possíveis danos à qualidade. Diferenças marcantes entre safra/entressafra também prejudicam o processo pois os caminhões chegam a utilizar menos de 50% de sua capacidade no período de seca, aumentando o custo de frete. Com relação aos recursos para implantação do sistema e aquisição de ativos foram provenientes, na maioria das vezes, dos lucros das diversas unidades de negócios, fator que afetou as condições de capital de giro e levaram ao pagamento do leite aos produtores em valores mais baixos que a concorrência. Além disso, a combinação dos preços baixos ao produtor com a situação recessiva da economia brasileira a partir do segundo semestre de 1998, fizeram com que muitos produtores de porte médio e grande desistissem da atividade, causando grandes deseconomias de escala. Dessa maneira, o leite tende a se tornar um ativo cada vez mais específico, não somente pela tendência de crescimento mais lento na produção na região onde atua a CAARG (fenômeno contrário ocorre em Goiás), mas notadamente por maiores exigências decorrentes do pagamento por qualidade (o atributo qualidade passa a ter mais importância que o preço) e adoção da coleta a granel. O pagamento por qualidade já é dotado há algum tempo na CAARG. No entanto, o excesso de parâmetros utilizados (seis parâmetros) constituiu um fator que não permitia uma previsão fácil do valor a ser recebido por parte do produtor, fazendo com que muitos passassem a enviar o leite para outros laticínios que não utilizam o critério, adotando um preço único. Atualmente, reduziu-se o número de critérios para dois na CAARG (no leite C, considera-se a redutase e o teor de gordura), medida que foi bem recebida pelos produtores. Nota-se, também, que, apesar dos produtores reclamarem do fato de que as indústrias só definem os preços a serem pagos pelo leite alguns dias antes do pagamento, a CAARG perde competitividade por anunciar seus preços com antecedência, pois, com a instabilidade 9 de oferta, os pequenos laticínios fazem alterações de última hora que permitem atingir o fornecedor de maneira mais eficaz. Verifica-se, portanto, que a substituição da forma de mercado por uma forma mista (através de contratos formais) demanda principalmente uma maior estabilidade de oferta, preços, consolidação da coleta a granel e maior equilíbrio entre as taxas de crescimento de oferta e demanda, decorrentes de uma maior coordenação e integração entre os agentes. A segurança gerada pelos contratos fazem com que esse mecanismo se apresente como o mais eficiente, num futuro próximo, para redução nas oscilações de oferta e da instabilidade de preços, fatores primordiais para aumento da competitividade. Verificam-se, ainda, mudanças importantes no ambiente competitivo com relação à captação de leite na região em que atua a CAARG. A granelização permitiu às grandes multinacionais, como Parmalat e Danone, estenderem sua captação para regiões onde não atuavam (ou nas quais dependiam de intermediação por cooperativas singulares) através da utilização de caminhões de coleta de até 20000 litros. A ação dessas empresas, principalmente junto aos grandes produtores, constitui grande ameaça à CAARG. 5.2) Estrutura organizacional interna e capacidade de inovação Como a maioria das cooperativas, a CAARG possui uma estrutura decisória complicada e burocratizada. Os membros da diretoria são eleitos junto aos cooperados para mandatos de 3 anos. A mudança de diretoria é apontada como um fator negativo que causa descontinuidade nos processos de inovação, pois a integração da diretoria com as rotinas organizacionais leva algum tempo. Um papel importante na articulação entre a diretoria e os anseios da área técnica é desempenhado pelos gerentes, que geralmente são profissionais experientes no ramo em questão e não são cooperados. A alta rotatividade no chão-de-fábrica e ausência de programas efetivos de capacitação e gestão participativa constituem um viés importante para o sucesso do programa de coleta a granel, que demanda operadores com maior capacitação para operação dos equipamentos. A parte técnica, no entanto, apresenta-se mais estruturada e a criação de rotinas bem-sucedidas é incorporada com sucesso pela organização como conhecimento tácito (um exemplo é o fato de que procedimentos criados e operados por um dos funcionários mais ativos no início do processo, que agora se encontra fora da empresa em um curso de mestrado, ter sido incorporado na rotina operacional atual). O maior foco de problemas, no entanto, extrapola as fronteiras da indústria, e é constituído pelo binômio carreteiro/produtor rural, que têm sua responsabilidade aumentada na adoção da nova tecnologia. O carreteiro precisa estar bem treinado para proceder a análise de qualidade (alizarol), recolhimento apropriado das amostras, medição do leite, além de desempenhar papel importante na criação e planejamento das rotas das linhas e articulação da mudanças frente aos produtores. O baixo nível educacional dos carreteiros é apontado como um sério fator de desagregação, que prejudica a compreensão da importância dos procedimentos por ele conduzidos. Os produtores rurais, por sua vez, constituem um grupo tradicionalmente avesso à mudanças, o que gerou um movimento contrário à inovação e provocou atrasos na adoção da coleta a granel em algumas linhas com alta viabilidade econômica para sua implantação. Além disso, o processo de descapitalização dos produtores se intensificou nos últimos anos, impossibilitando que muitos pudessem aderir ao plano de financiamento dos resfriadores de água gelada em 12 meses intermediado pela cooperativa junto a dois fabricantes de equipamentos. Apesar disso, a ação intensiva junto aos produtores conseguiu resultados satisfatórios, com a aquisição de resfriadores por grande parte deles. A intermediação no 10 financiamento ainda serviu à cooperativa como um fator de garantia de fornecimento por parte dos produtores, pelo menos durante os 12 meses de pagamento. Deve-se destacar a especificidade temporal relacionada aos resfriadores de água gelada, pois as normas para coleta a granel divulgadas pelo Ministério da Agricultura não admitem esse tipo de resfriador, apontando somente os tanques de expansão como apropriados. Embora a fiscalização ainda não ocorra de forma intensa, a tendência é que isso ocorra dentro de algum tempo, o que deverá levar a substituição por tanques de expansão. Dessa maneira, a decisão de investimento em resfriadores atualmente passa por essa questão: adquirir um ativo mais barato com alto grau de especificidade temporal ou um ativo mais caro e que não está sujeito a essa especificidade. 5.3) Transações na distribuição A estrutura de negócios da CAARG está estruturada em três unidades básicas, denominadas de resfriados (leite B e C vendidos “in natura” para CCL-Paulista e terceiros), produtos (rações, leite longa vida e pasteurizado, doces e queijos) e suprimentos (insumos agrícolas e veterinários, combustíveis, magazine, etc.) constituindo um portfolio que minimiza riscos. TABELA 2 - Percentual relativo das unidades de negócios da CAARG com relação ao lucro (%) – 1999 Setor Ano 1995 1996 1997 1998 Resfriados 36,7 31,5 38,4 32,4 Produtos 19,6 30,6 29,8 31,0 Suprimentos 43,7 37,9 31,8 36,7 Fonte: Informativo Ipê (Janeiro/1999) A intercambialidade financeira entre as unidades de negócios permite que se realizem investimentos prioritários em um setor (como os investimentos na construção da plataforma de coleta a granel e compra de tanques) com recursos provenientes de resultados obtidos em outro setor. Investimentos de grande porte, no entanto, precisam ser submetidos à assembléia geral para aprovação, o que pode se tornar um viés que adie as decisões. Verifica-se nos últimos anos um aumento de 56% da participação do setor de produtos no lucro total, com decréscimo dos outros dois setores, constituindo uma bem-sucedida integração vertical para frente. Entre as principais estratégias destacam-se: aumento da linha de produtos (leite longa vida, doces de leite com sabores, doce de figo, queijos provolone e parmesão), mudanças no layout das embalagens e expansão das vendas para outros mercados no interior de Minas Gerais através de venda direta comissionada, com diminuição relativa das vendas para atacadistas em São Paulo, que detém grande poder de barganha e empurram os lucros da CAARG para níveis muito baixos. O lançamento do leite longa vida, no início de 1998, fez parte de uma estratégia de parceria com outra cooperativa, da cidade de Divinópolis, que consiste do uso de um ativo específico (máquina para produção de leite longa-vida) dessa cooperativa através de um “aluguel” pago pela CAARG em leite correspondente a 20% do leite a ser processado. O produto final é comercializado pela CAARG com a marca Ipê, permitindo lucros maiores do que a venda do leite “in-natura”. A marca Ipê, apesar de sua tradição, possui penetração estritamente regional, demandando altos investimentos em marketing para sua consolidação e penetração em outros mercados. Apesar da existência de mecanismos contratuais para regulação da parceria citada acima, e dos resultados positivos já obtidos a curto prazo, verifica-se que a especificidade do ativo pode gerar custos de transação elevados a médio e longo prazo, no caso de rompimento contratual ou não-renovação do contrato por parte da cooperativa de Divinópolis. Essa situação decorre de uma falha estratégica por parte da CAARG anos atrás, em que se possuía o capital para compra da máquina , mas a assembléia geral decidiu pela distribuição do dinheiro entre os cooperados ao invés de realizar o investimento. 5.4) Fatores sistêmicos de competitividade 11 A estrutura das transações entre produtor e CAARG e de sua capacidade de inovar, notadamente na continuidade da implantação da coleta a granel, esbarra em fatores ambientais relacionados principalmente com ações governamentais, entre elas: condições precárias das estradas, impossibilitando muitas vezes o acesso do caminhão-tanque (as prefeituras da região são permanentemente acionadas e pouco fazem para melhorar essas condições); ausência de instalações de energia elétrica em muitas fazendas, impossibilitando o uso dos resfriadores; e falhas na inspeção federal, que permite a atuação de indústrias clandestinas de queijo e distribuição de leite cru, absorvendo grande parte do leite que poderia estar sendo destinado à CAARG e gerando deseconomias de escala. Destaca-se também a ação do PNQL- Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite, coordenado por entidades representativas, universidades, Confederação Nacional da Agricultura, entre outras, na elaboração de um documento apresentado ao Ministério da Agricultura, e que propõe, entre outras ações, a obrigação do transporte de leite cru em caminhões resfriados a partir de 2002 nos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, além de metas ambiciosas a serem atingidas com relação a parâmetros de qualidade, como a contagem global, e definição de padrões. A CAARG se coloca em posição vantajosa se essas medidas forem colocadas em prática, pois já tem uma estrutura de coleta a granel montada, enquanto os pequenos e médios laticínios da região ainda nem iniciaram o novo processo. Outra ação institucional importante é desempenhada pelo BNDES, que proporciona recursos para diversas indústrias no setor (a Nestle, por exemplo) financiarem a compra dos resfriadores para seus fornecedores a juros reduzidos. 6) Conclusões As referências teóricas utilizadas permitiram a caracterização da CAARG através de suas competências específicas, capacidade de inovação, coordenação entre os agentes e influência do ambiente competitivo. Apresentam-se os seguintes fatores e tendências como os mais importantes na definição de estratégias competitivas por parte da cooperativa (Figura 1). FIGURA 1 – Diagnóstico das relações e capacitações da CAARG no ambiente competitivo Elemento Fatores relacionados Governança atual Tendências Transação Coleta a granel: aumenta Ativo leite: merca-do Ativo leite: mecanismos produtorespecificidade dos ativos , Ativo tanque contratuais de garantia de cooperativa seleciona produtores. isotérmico de fornecimento e preço Pagamento por qualidade: transporte: parceria Ativo tanque isotérmico de aumenta especificidade do ativo com carreteiro através transporte: mecanismos leite de acordo informal contratuais Estrutura Diretores c/ alto poder, e pouca Gerentes buscam ser a Aumento da capacitação e do interna e experiência nas funções, sendo integração que poder dos gerentes, aumento da capacidade de eleitos entre os cooperados minimize a coordenação entre os agentes da inovação descontinuidade cadeia produtiva (redução da assimetria de informações) Transações na Decisão de vender leite “in natura” Aumento da linha de Investimentos pesados na distribuição ou distribuir produ- tos derivados produtos pró- prios e consolidação da marca Ipê (ativo com marca própria de parceri- as na específico) através de ações de distribuição e marketing e consolidação da processamento estrutura de vendas Investimento em outros ativos específicos, como a máquina para leite longa vida Ambiente Disputa na busca de pequenos e Mercado (preço) Contratos de fornecimento competitivo médios fornece- dores com os (arranjos mais estáveis), pequenos latiinvestimentos na intensifi-cação 12 cínios Disputa com multinacionais pelos grandes fornecedores Ação institucional da coleta a granel, maior ação governamental a fim de garantir a qualidade dos produtos A análise do processo de inovação tecnológica com relação à coleta a granel na CAARG permitiu identificar diversos fatores decisivos no andamento do processo até o momento, na continuidade para obtenção de 100% de coleta granelizada e busca de inovações incrementais que aumentem a eficiência do sistema: a iniciativa na adoção da coleta a granel em âmbito regional permitiu conquistar os grandes produtores, que são fundamentais no andamento do processo (até mesmo por sua força política) e redução de custos; os tanques isotérmicos de transporte são ativos estratégicos, que só devem ser terceirizados através de mecanismos contratuais legítimos; a ação junto às prefeituras da região deve ser permanente, a fim de que se promovam condições de infra-estrutura melhores para a atividade de coleta de leite; o trabalho junto ao produtor deve ser intensificado, a fim de que o planejamento e controle do volume de leite nas linhas reduza ao máximo os custos, além de implantação de efetivo programa de conscientização e treinamento na busca por rotinas dentro da fazenda que levem a melhorias no padrão microbiológico do leite; é importante a seleção de carreteiros com níveis de escolaridade mais altos, além de implantação de processo de treinamento que procure conscientizar os profissionais da importância de sua atividade. Com relação ao aspecto teórico, verifica-se que o instrumental evolucionista, utilizado nesse estudo para a compreensão mais profunda de um aspecto da trajetória tecnológica em um caso específico, possui grande sinergia com a abordagem institucionalista, que enfoca os custos de transação na firma. Essa complemetariedade entre as duas abordagens decorre do fato de que as inovações tecnológicas constituem fatores determinantes de mudança nas relações de governança e custos de transação associados (foco principal da abordagem institucionalista). Como os princípios das teorias não são conflitantes, sua utilização conjunta começa a ser trabalhada em artigos recentes. Winter (1996) considera que a questão envolvendo sua combinação não é trivial, demandando construções teóricas mais desenvolvidas, e ressaltando que existem similaridades e diferenças entre as correntes teóricas. Ele destaca, no entanto, que cada teoria proporciona refinamentos importantes na outra, destacando, por exemplo, o fato da ECT servir muito bem para caracterização das novas rotinas geradas por mudanças no ambiente organizacional. Ribeiro e Mezzomo (1999), em trabalho pioneiro na combinação prática das teorias dentro do Sistema Agroindustrial, concluem que, apesar das limitações individuais presentes em cada teoria, sua complementariedade, decorrente de pressupostos que não se chocam, pode permitir uma melhor caracterização das condições de competitividade em diversos segmentos através dos principais fatores condicionantes (inovação, ativos específicos, coordenação), além de estimular novas formas de organização industrial. Seguindo essa tendência, trabalhos na cadeia agroindustrial do leite que se utilizem de maneira conjunta das duas correntes poderão gerar informações importantes para o desenvolvimento de estratégias de competitividade no setor, além de contribuir para a construção de um arcabouço teórico mais sólido na integração entre as teorias. 6) Bibliografia 13 CARVALHO, P. Leite: em ponto de fervura Globo Rural, Rio de Janeiro, n.156, p. 86-91, out/1998 DOSI, G. Technological paradigms and technological trajectories Research policy 11 North Holland, 1982, p. 147-162 FARINA, E.M.M.Q. ; ZYLBERSTAJN, D. Competitividade e organização das cadeias agroindustriais Trabalho realizado para o IICA-Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura- Costa Rica - PENSA, 1994 JANK, M.S. ; FARINA, E.M.M.Q. ; GALAN, V.B. O agribusiness do leite no Brasil São Paulo: PENSA/Editora Milkbizz, 1999 JANK, M.S. ; GALAN, V.B. 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