NARA MARIA DA SILVA FOSS GUARDA A GÊNESE DA PRIMEIRA TURMA DE PEDAGOGIA PARA EDUCADORES DO CAMPO DA UNIOESTE - 2004/2008 Monografia apresentada ao Curso de Especialização em História da Educação Brasileira do Colegiado de Pedagogia da Unioeste – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – como exigência parcial para a obtenção do título de Especialista, sob a orientação do Prof.º Doutor Paulo Humberto Porto Borges. CASCAVEL-PR 2010 NARA MARIA DA SILVA FOSS GUARDA A GÊNESE DA PRIMEIRA TURMA DE PEDAGOGIA PARA EDUCADORES DO CAMPO DA UNIOESTE - 2004/2008 BANCA EXAMINADORA: ______________________________________ Profa. Dra.Liliam Faria Porto Borges _____________________________________ Profa. Dra. Ivete Janice de Oliveira Brotto ______________________________________ Prof. Orientador Dr. Paulo Humberto Porto Borges CASCAVEL-PR 2010 DEDICATÓRIA Aos homens do campo e a todos os excluídos que lutam cotidianamente por uma vida mais humana e por uma educação mais digna que atenda seus verdadeiros interesses. AGRADECIMENTOS Ao Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais – GPPS e todos seus membros que me incentivaram e que contribuíram significativamente para o meu crescimento acadêmico. À minha família que não mediram esforços para que eu vencesse mais essa etapa da minha vida. Ao maravilhoso casal, Liliam e Paulo Porto, que me orientaram e me incentivaram a tornar possível a conclusão dessa monografia. Aos amigos e colegas, pelo incentivo e apoio constantes. Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuaram glorificando o caçador. Provérbio da África, encontrado por Galeano em biblioteca dos Estados Unidos (Livro dos abraços, p. 116). SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................................07 INTRODUÇÃO......................................................................................................................08 1 MOVIMENTOS SOCIAIS E A LUTA NO CAMPO......................................................10 1.1 A luta dos índios e negros no Brasil colônia.............................................................10 1.2 As organizações camponesas....................................................................................14 1.3 Gênese do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).......................18 2 A EDUCAÇÃO NO E DO CAMPO..................................................................................22 3 O CURSO DE PEDAGOGIA DO CAMPO DA UNIOESTE.........................................29 3.1 A organização interna do Curso e os Núcleos de Base (NB)..................................................33 3.2 Projeto Político Pedagógico e a Estrutura Curricular........................................................36 CONCLUSÃO........................................................................................................................47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................49 RESUMO Essa monografia tem por temática de pesquisa a formação de educadores militantes no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, a análise do Projeto Político Pedagógico e o processo de implantação do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, campus de Francisco Beltrão, turma “Antonio Gramsci”, a partir da proposta teórico-metodológica, buscando compreender quais as suas especificidades. Nesse sentido, faz-se necessário conhecermos esta experiência de formação docente, a fim de entendermos os parâmetros em que a mesma se dá, considerando que são muitos os desafios para a implementação de uma proposta deste cunho. Para tanto, foi realizada uma investigação de caráter qualitativo, por meio de pesquisa documental, a partir do Projeto Político Pedagógico do curso de Pedagogia da Terra da Unioeste - Pr, do livro produzido pela turma de alunos egressos do curso, materiais produzidos pelo Movimento e autores como Morissaka, Fernandes e Caldart. Buscou-se aprofundar o conhecimento sobre o papel que a educação no Movimento desempenha como instrumento de emancipação e formação do homem politizado e conhecedor de si como sujeito na história enquanto intelectuais comprometidos com a luta do movimento, levando-os a uma maior relação com o conhecimento sistematizado, pois o MST, com sua prática social, resiste e questiona o modo de produção vigente, na direção de um projeto histórico de transformação social e emancipação humana, onde a educação é um dos meios de transformação social e de luta pelo processo de democratização dos direitos da população do campo. Os dados da pesquisa revelam que por meio das práticas político-reivindicativas e da pressão social dos Movimentos do Campo, o Estado se organiza com o objetivo de atender às demandas sociais ou de amenizá-las. Entendendo a luta pela educação pública e gratuita como prática social, expressa no projeto de Reforma Agrária do MST, e que o trabalho que vem sendo desenvolvido nesta experiência, apesar de sofrer as determinações da forma como o trabalho se estrutura sob o capital, tem apontado possibilidades de alteração do trato com o conhecimento e com a organização do trabalho pedagógico além de representar um passo a mais na luta pela efetivação de políticas públicas para a formação docente, direcionada às escolas do campo. Palavras-chave: Movimentos Sociais; Formação Docente; Educação do Campo. INTRODUÇÃO O nascimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é resultado da exclusão histórica sofrida pelos povos do campo, bem como da resistência do campesinato brasileiro no que diz respeito ao acesso à terra. O movimento emergiu a partir das insatisfações ocorridas com a implantação, pelo governo militar, na década de 1970, de um modelo econômico que visava o desenvolvimento agropecuário, acelerando, assim, a modernização da agricultura com base na grande propriedade. É nesse contexto que os trabalhadores Sem Terra começaram a se organizar através de muitas discussões e debates acerca da situação vivida por eles. Fernandes (2000) chama atenção para o fato de que essas discussões e debates foram de grande importância para que esses trabalhadores se organizassem na constituição do Movimento, uma vez que, por meio desses atos, procuravam sempre refletir sobre a conjuntura econômica e social que os levava a tal situação de exclusão. Caldart (2004) também afirma que a situação sócio-econômica dos trabalhadores do campo, especificamente na Região Sul do país, onde surgiu o Movimento, e o conjunto de elementos socioculturais e políticos do contexto daqueles trabalhadores, bem como os fatos que desencadearam as lutas localizadas, ocasionaram a “base social” que deu origem ao nascimento do MST. Dessa forma, era preciso lutar também pelos direitos básicos da vida. Era preciso enfrentar a luta entendendo que a mesma era parte de um contexto estrutural. Em muitos estados brasileiros começaram acontecer encontros regionais que culminaram na realização do 1º Encontro Nacional dos Sem-terra que foi promovido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e aconteceu em Cascavel, no Paraná, em janeiro de 1984. Neste encontro estavam presentes trabalhadores rurais de 12 estados, e representantes de várias entidades e sindicatos que apoiavam o Movimento. “Estava, assim, fundado e organizado um movimento de camponeses sem terra de alcance nacional voltado à luta por terra e pela reforma agrária” (MORISSAWA, 2001, p. 138, grifo do autor). Já nos primeiros anos de sua instituição o MST compreendeu que era preciso lutar também por uma educação voltada e orientada para seus interesses. Assim, a educação do campo atenderia às necessidades de pais e alunos, acampados e assentados, ao mesmo tempo em que daria suporte para o Movimento ocupar a escola como espaço de aquisição de instrumentos linguísticos, de cálculo, de compreensão da sociedade, de luta pela terra, de conquista de direitos. Então, o Movimento lutou e conseguiu conquistar alguns avanços na área educacional como as escolas itinerantes que atendem às crianças dos acampamentos e assentamentos, a educação de jovens e adultos e alguns cursos de graduação para formar educadores do campo. No Paraná, o primeiro Curso de Pedagogia para Educadores do Campo, aconteceu no período de 2004/2008, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Francisco Beltrão e atendeu a 46 educandos, todos de Movimentos ligados à terra. Percebe-se, a partir dessas iniciativas e da criação do Setor de Educação, que o MST tem tomado medidas que objetivam construir um modelo de educação diferenciado do modelo capitalista, pautado na formação integral do sujeito, contemplando desde os conteúdos escolares até a formação da dimensão humana e social do mesmo, provocando-o a participar ativamente das decisões e transformações sociais em seu meio. De acordo com os Princípios da Educação no MST (1997), essa educação deve ser “aberta para o mundo”, (...) ou seja, insistirmos numa proposta de educação do MST não quer dizer nos fecharmos nos limites da nossa realidade imediata ou das nossas lutas específicas. Isso não nos levaria aos objetivos maiores de mudança. Por isso é também característica essencial de nossa educação a preocupação com a abertura de horizontes de nossos/nossas estudantes, de modo que pratiquem aquele velho princípio, também filosófico, de que nada do que é humano me pode ser estranho. (PRINCÍPIOS EDUCATIVOS DA EDUCAÇÃO NO MST, 1997, p. 6) Portanto, o MST tem uma proposta educativa que visa formar sujeitos críticos e conscientes de sua condição, não uma educação que condicione a aquisição de conhecimento, mas um conhecimento que liberta (MENEZES NETO, 2001). Para isso o MST tem como desafio a formação de educadores que consigam, de fato, romper com esse modelo de educação tradicional. Nesta perspectiva, a formação dos educadores é uma preocupação do Movimento, uma vez que seus integrantes entendem que, para atuar nas escolas de assentamento e acampamento, estes devem estar comprometidos com a causa do mesmo e vinculados nas lutas dos sujeitos que o compõe. Para tanto, o MST defende que estes educadores tenham uma formação diferenciada, de modo a atenderem os critérios e à metodologia de ensino definidos pelo mesmo. 1. MOVIMENTOS SOCIAIS E A LUTA NO CAMPO Desde a chegada dos primeiros portugueses, o Brasil sempre atendeu aos interesses do capital estrangeiro e as lutas pela terra foram intensas. Primeiramente foram os índios, depois os escravos que organizaram formas de resistências. No período entre 1950 e 1964, viveu-se uma nova fase na luta pela terra: a Reforma Agrária, provocando sérios conflitos armados. E organizações como as Ligas Camponesas, União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (ULTAB), Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER), CPT foram surgindo. Em 1964, com o golpe militar, intensificaram-se a repressão e a prisão de lideranças, tentando acabar com a organização dos trabalhadores e esconder a necessidade de uma Reforma Agrária. Porém, mesmo com muita repressão, surge na década de 1980, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Embrionariamente o Movimento atuava nas lides da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em defesa dos direitos dos posseiros, dos camponeses sem terra e dos destituídos, até tornar-se independente em 1984” (MORISSAWA, 2001, p. 3). Dessa forma, o Movimento tem sido a principal organização no desenvolvimento dessa forma de luta. Por isso é preciso compreender sua formação, para entender a ocupação. 1.1 A luta dos índios e negros no Brasil colônia A luta pela terra começou no Brasil com a sua “descoberta” pelos europeus e com a resistência dos índios que aqui viviam e que lutaram contra o cativeiro e contra a tomada de seus territórios resistindo ao genocídio que os portugueses lhes impuseram. Segundo afirma Morissawa (2001, p. 57), Podemos dizer que a luta pela terra no Brasil nasceu naquele mesmo instante em que os portugueses perceberam que estavam em uma terra sem cercas, onde encontravam tudo muito disponível. Os habitantes do local, então, diante de armas e intenções nunca imaginadas, teriam muito que lutar contra esse verdadeiro caso de invasão. (grifo do autor) Depois de chegarem ao Brasil, os colonizadores portugueses fizeram a primeira divisão de terras que se deu por meio das capitanias hereditárias. Esse sistema foi instituído no Brasil em 1536, pelo rei de Portugal, Dom João III. Foram criadas 14 capitanias, divididas em 15 lotes e distribuídas a 12 donatários, que eram representantes da nobreza portuguesa. Em troca, eles eram obrigados a pagar tributos à Coroa. A partir das capitanias, foi implantado o sistema de sesmarias, que consistia na permissão do uso das terras para colonos que deveriam investir na produção das mercadorias necessárias para a exportação. Dessa forma, enormes extensões de terra foram entregues aos capitalistas colonizadores que não tinham mão-de-obra suficiente para a produção e utilizaram o indígena como escravo, segundo Ghedini ( 2007, p. 29), Para dar conta deste modelo de produção que se iniciava no Brasil, não haveria mão de obra vinda de Portugal, por isto recorre-se a princípio à mão-de-obra indígena como escrava, uma escravidão que vai desde a “caça” do indígena de forma violenta, até a sedução e cooptação, principalmente através de um sistema de educação que vai sendo construído pelas Ordens Religiosas. A escravidão dos índios no Brasil, aconteceu paralelamente ao processo de desterritorialização sofrido por estes. Assim, os índios podiam reagir à escravização ou aceitála. Muitos indígenas resistiram a essa dominação e exemplos podem ser vistos na Confederação dos Tamoios e na Guerra dos Potiguares. Outros índios foram escravizados e “domesticados” permanecendo como mão-de-obra básica na economia extrativista da colônia portuguesa que, ao capturar e aprisionar os indígenas, forçava-os a executar o trabalho das lavouras e das casas de seus “donos”, onde eram explorados e maltratados. Por esse motivo muitos índios morriam. Então, por não haver uma adaptação dos indígenas e, somado a fatores econômicos, em que “O comércio de escravos africanos se tornou tão vantajoso que os traficantes ficaram mais ricos que os próprios latifundiários a que serviam.” (MORISSAWA, 2001, p. 61), a mão-de-obra africana foi inserida nas lavouras brasileiras por meio do tráfico de negros. Diante disso, “a escravidão indígena foi sendo substituída pela escravidão negra, ao mesmo tempo em que a maior parte dos grupos indígenas foi sendo quase que totalmente dizimada” (PREZIA E HOORNAERT, 1989, p. 91). Os escravos africanos foram a base da economia colonial e, em sua condição de escravos, foram tratados de uma forma muito cruel, trabalhavam muito, recebiam uma alimentação de péssima qualidade e ainda passavam muitas noites nas senzalas acorrentados para evitar fugas e eram castigados com frequência. As mulheres negras também eram muito maltratadas, eram usadas para o serviço doméstico, como amas de leite, além de serem exploradas sexualmente. Ao todo, entraram no Brasil aproximadamente quatro milhões de africanos na forma de escravos1. Devido a tanta exploração a única forma de luta era a fuga e assim surgem os primeiros quilombos, verdadeiros exemplos de trabalho coletivo e cooperativo onde os integrantes viviam em liberdade, através de uma organização comunitária aos moldes do que existia na África. Nos quilombos podiam praticar sua cultura, falar sua língua e exercer seus rituais religiosos. Esses locais eram símbolos de resistência onde viviam negros, índios e alguns trabalhadores livres2 que haviam sidos marginalizados pela sociedade colonial. Alguns escravos conseguiam adquirir a carta de alforria, comprando assim sua liberdade e tornando-se livres, porém esbarravam no preconceito racial. O quilombo mais conhecido foi o de Palmares, porém esse modelo de organização não conseguiu resistir a uma sociedade em que as forças produtivas eram infinitamente mais desenvolvidas. Portanto, a escravidão que ocorreu contra os índios foi sendo substituída pelos negros que, mais tarde, também foram destituídos de seus papéis quando deixaram de ser “objetos” de uso e puderam ser descartados sem nenhuma preocupação por seus donos. No fim do século XIX, o trabalho escravo não conseguiu mais se manter e o Brasil foi o último país do continente a abolir formalmente a escravidão, mas, a liberdade veio mesmo por motivos econômicos, pois, era preciso construir e consolidar a criação de um mercado consumidor para os produtos industrializados. Por esse motivo o governo brasileiro incentivou a entrada de imigrantes europeus em nosso território, pois havia a necessidade de mão de obra qualificada. Desse modo, com a instituição do trabalho livre, que já existia desde o período escravocrata e que se expandiu com a chegada do imigrante europeu, o antigo escravo conseguiu ser dono de sua força de trabalho; já o imigrante expulso de sua terra era livre só por possuir a sua força de trabalho. Se para o escravo a força de trabalho era o que conseguira, para o imigrante era o que restara (MARTINS, 1986a, p. 16-7). E, aqueles que lutavam pela liberdade, agora lutavam também pela terra. Dessa forma, lutar pela liberdade significava também lutar pela terra, pois, Ao mesmo tempo, enquanto os trabalhadores fizeram a luta pela terra, os exsenhores de escravos e fazendeiros grilavam a terra. E para realizarem seus interesses por meio da trama que construiu o domínio das terras, exploraram os camponeses. Estes trabalharam a terra, produziram novos espaços sociais e foram expropriados, expulsos, tornando-se sem-terra. Nessa realidade, surgiu o posseiro, aquele que possuindo a terra não tinha o seu domínio. A posse era conseguida pelo 1 http://www.ibge.gov.br/brasil500/index2.html 2 Entre os trabalhadores livres destacam-se os sitiantes, os agregados e os negros. Os sitiantes eram pequenos proprietários ou posseiros. Os agregados eram moradores em terras que não lhes pertenciam, onde viviam e trabalhavam. Os negros eram ex-escravos que, por diferentes meios, haviam sido libertados ou tinham comprado sua própria liberdade. trabalho e domínio pelas armas e poder econômico. Desse modo, o poder do domínio prevaleceu sobre a posse. Evidente que esse processo de apropriação das terras gerou conflitos fundiários, de modo que a resistência e a ocupação eram perenes. Assim, formaram os latifundiários, grilando imensas porções do território brasileiro. Dessa forma, aconteceu, em grande parte, o processo de territorialização da propriedade capitalista. (FERNANDES, 2000, p. 27) Sem perder tempo, os que antes eram proprietários dos escravos, tornam-se agora donos das terras. Isso ocorre principalmente por meio de grilagem 3 que incluía a falsificação de documentos e crimes contra os camponeses. O trabalho de derrubada das matas e preparação das fazendas era feito pelos caboclos e pelos caipiras que trabalhavam e preparavam a terra, inclusive morando e plantando para seu próprio sustento. Depois de formadas as grandes fazendas, os camponeses eram expulsos e obrigados a procurar outras terras para viverem e trabalharem. Para restringir que os imigrantes e os trabalhadores brancos pobres, negros libertos e mestiços tivessem acesso a terra o governo cria, em 1850, a Lei de Terras. Seu efeito prático foi dificultar a formação de pequenos proprietários e liberar a mão-de-obra para os grandes fazendeiros. Então, o acesso à terra foi barrado para a grande maioria do povo brasileiro que, sem opções, migrou para os centros urbanos ou se tornou bóia-fria. Outros continuaram no campo como posseiros, numa situação de ilegalidade, sem ter direito ao título de propriedade. Essa lei contribuiu para manter a concentração fundiária que marca a realidade brasileira até hoje. “A Lei nº. 601, de 1850, foi então o batistério do latifúndio no Brasil. Ela regulamentou e consolidou o modelo da grande propriedade rural, que é a base legal, até os dias atuais, para a estrutura injusta da propriedade de terras no Brasil”. (STEDILE, 2005, p. 23). Muitos foram os conflitos em que aqueles que se encontravam excluídos do acesso à terra lutavam de diversas formas contra os coronéis-latifundiários, grileiros e contra o Estado que sempre representou a classe dominante. Alguns exemplos podem ser vistos na Guerra de Canudos, Guerra do Contestado, Cangaço e muitas outras lutas em que os trabalhadores foram massacrados pelos poderosos coronéis, sempre aliados ao Estado. 1.2 As organizações camponesas 3 O termo grilagem vem de um antigo macete dos falsificadores. Para dar aspecto de velho aos documentos criados por eles, os falsários deixavam os papéis em gavetas com insetos como o grilo. Com a ação dos animais, os papéis ganhavam a coloração amarelada com aspecto de gastos. A partir da década de 1950 surgiram algumas organizações camponesas que lutavam pela reforma agrária e que foram extintas com o golpe militar em 1964. Com a crise que aconteceu em 1929, seguida da revolução de 1930, a oligarquia rural perdeu forças, favorecendo assim, a ascensão de movimentos sociais de luta pela terra. O açúcar no Nordeste perdeu seu valor no mercado e muitos fazendeiros, não mais produzindo, foram obrigados a alugarem suas terras (forar) e viver da renda destas. Após a Segunda Guerra Mundial em 1945, o preço desse produto sobe novamente e muitos proprietários de engenho voltam a reaver suas terras expulsando os foreiros. Para isso, os fazendeiros reduziam o tempo que esses trabalhadores tinham para dedicar à produção de subsistência de sua família, proibiam o cultivo agrícola, as criações de animais, destruíam as plantações ou aumentavam o preço do foro. Muitos resistiram em sair das terras onde trabalharam tantos anos e recorreram à justiça. É nesse contexto, que em 1945, no último ano da ditadura Vargas, são criadas as Ligas Camponesas que se estendem por quase todo o território brasileiro. Contavam com o apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), do qual eram dependentes. Sua ação era pela reforma agrária radical e definia-se pela resistência na terra e pela realização de ocupações. Foram violentamente reprimidas em 1947, quando o governo Dutra decretou a ilegalidade do PCB. Em meados de 1950, as Ligas Camponesas ressurgem com objetivo de lutar contra a exploração de foreiros, moradores, agregados e defender os interesses de outras classes como pequenos proprietários. Assim aconteceu no engenho Galiléia, da cidade de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, onde em 1954 criou-se a Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco (SAPPP), com três fins específicos: auxiliar os camponeses com despesas funerárias, evitando que os camponeses falecidos fossem literalmente despejados em covas de indigentes ("caixão emprestado"); fornecer assistência médica, jurídica e educação aos camponeses; e formar uma cooperativa de crédito capaz de livrar aos poucos o camponês do domínio do latifundiário. Neste local também aconteciam as reuniões da entidade que ficou conhecido como Liga Camponesa da Galiléia. Os foreiros buscaram apoio do advogado e deputado Francisco Julião, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), que passou a representá-los e que conseguiu a desapropriação do engenho. A partir daí as Ligas Camponesas espalharamse por vários estados brasileiros onde lutavam por uma reforma agrária e pelo fim do monopólio sobre a terra. Em 1962 vários encontros e congressos foram realizados reunindo representantes das diversas ligas. A essa altura, a consciência camponesa estava formada no sentido da luta em torno de uma reforma agrária radical. Os camponeses resistiam na terra e chegavam a realizar ocupações de terras. Eles tinham por lema “Reforma agrária na lei ou na marra”. A posição do PCB e da Igreja Católica era, no entanto, por uma reforma agrária por etapas, com indenização em dinheiro e títulos aos proprietários. (MORISSAWA, 2001, p. 93) No mesmo ano, também foi criado a ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas), pelo PCB, com a finalidade de coordenar as associações camponesas e criar condições necessárias para que se formasse uma aliança política entre operários e camponeses. A maioria de seus líderes eram camponeses e uma pequena parte eram pessoas indicadas pelo PCB. Em 1961, a ULTAB, realizou o I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, que tinha como objetivo decidir sobre a definição da Reforma Agrária no processo revolucionário e principalmente reivindicar do governo uma legislação que regulasse tanto as relações de produção no campo, como também a questão organizativa dos trabalhadores. Esse Congresso foi considerado um marco na história da formação camponesa no Brasil, impulsionando as lutas no campo e contou com a presença de aproximadamente 1400 trabalhadores. A ULTAB esteve presente em quase todos os Estados Brasileiros, com exceção do Rio Grande do Sul onde existia o Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER) e, em Pernambuco, onde havia as Ligas Camponesas. Um de seus principais líderes, Nestor Veras, foi preso e provalvemente assassinado, considerado desaparecido até hoje. O MASTER surgiu no Rio Grande do Sul, no final da decada de 50, na resistência de 300 famílias de posseiros em Encruzilhada do Sul, e nos anos seguintes se territorializou por todo o estado. Em 1961, o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, passou a apoiar o movimento. Os agricultores semterra eram: o assalariado da granja, o parceiro, o peão e também os pequenos proprietários e os filhos destes. Em 1962, os sem-terra começaram a organização de acampamentos. Esta era uma singularidade do MASTER, que, ao se aproximar das cercas do latifúndio, tornava-se uma ameaça concreta. Estes trabalhadores não estavam resistindo para não sair da terra, como era o caso dos foreiros das Ligas Camponesas. Eles estavam pelejando para entrar na terra. Foram vários acampamentos. Um grande acampamento foi montado em Sarandi, em uma fazenda com o mesmo nome do município, na região Noroeste do estado. (FERNANDES, 2000, p. 34) Essa organização sindical teve o apoio do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em 1962, o governador Leonel Brizola perdeu as eleições o que fez com que o Movimento sofresse diversos ataques tanto do governo estadual, como de instituições e entidades, além de despejos dos acampamentos. Em 1964, com o golpe militar, o MASTER foi colocado na ilegalidade e seus líderes perseguidos. A Igreja Católica também teve sua participação na trajetória do sindicalismo no campo e na luta pela terra. A partir do documento “Encíclica Mater et Magistra”, a igreja passa a combater as desigualdades sociais. Quanto ao campesinato a carta diz que: (...) Os trabalhadores da terra devem sentir-se solidários uns dos outros, e colaborar na criação de iniciativas cooperativistas e associações profissionais ou sindicais. Umas e outras são necessárias para tirar proveito do progresso científico e técnico na produção, contribuir eficazmente para chegar a um plano de igualdade com as profissões, ordinariamente organizadas, dos outros setores produtivos e para que a agricultura consiga fazer-se ouvir no campo político e junto aos órgãos da administração pública, porque hoje as vozes isoladas quase não têm possibilidade de chamarem sobre si as atenções e muito menos de se fazerem atender. (1967, p. 187) Porém, é importante ressaltar que a Igreja entendia que a questão da propriedade agrária era um empecilho para o desenvolvimento do homem, porque marginaliza o ser humano, e, portanto, é uma questão moral e não econômica. Na década de 1960, a Igreja Católica se dividiu em dois setores: o conservador e o progressista. O primeiro fundou vários sindicados no Rio Grande do Norte, o denominado Serviço de Assistência Rural, enquanto no Rio Grande do Sul criou a Frente Agrária Gaúcha. O segundo setor era liderado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e formou os Movimentos de Educação de Base (MEB), e contava com a participação do educador Paulo Freire, que trabalhava com a alfabetização e formação política dos camponeses. Assim, a igreja se mostrava disposta em se fazer presente no questionamento sobre as injustiças sociais. O governo defendia a institucionalização dos sindicatos, subordinando-os ao interesse do Estado e enfraquecendo, assim, os movimentos do campo. Em 1962, o Partido Comunista Brasileiro e a Igreja Católica começaram a disputar o controle da futura confederação sindical. Então, em dezembro, houve um acordo dessas duas instituições e criou-se a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). “É sempre necessário ressaltar, todavia, que, na maior parte das vezes, os trabalhadores passavam ao largo dessa disputa, que se dava ao nível das direções, chegando mesmo a freqüentar mais de uma organização.” (MEDEIROS, 1989, p. 78). Em 1964, João Goulart foi destituído do governo pelo militares que tomaram o poder. O golpe militar significou um grande retrocesso para nosso país e os projetos de desenvolvimento dos governos militares aumentaram a desigualdade social e a concentração de renda, aumentando, consequentemente, a concentração fundiária, o que ocasionou um grande êxodo rural. “O golpe acabou com a democracia e por conseguinte reprimiu violentamente a luta dos trabalhadores. Os movimentos camponeses foram aniquilados, os trabalhadores foram perseguidos, humilhados, assassinados, exilados” (FERNANDES, 2000, p. 41). Os camponeses e trabalhadores ficaram impossiblitados de exercerem seus direitos e de participarem das decisões do governo. Houve muitas expulsões dos trabalhadores do campo, o que causou o aumento do trabalho assalariado e, dessa forma, fez surgir um novo personagem na questão agrária: o bóia-fria. O regime militar intensificou o avanço do capital no campo e o fortalecimento do latifúndio, através da entrada de maquinários modernos. Para amenizar as tensões no campo e colocar um freio nos movimentos campesinos, o presidente Castelo Branco decretou, em 1965, o Estatuto da Terra, que embora fosse tecnicamente avançado, tendo como uma de suas inovações a definição da função social da terra, nunca foi implantado, a terra continuou na mão das grandes empresas e a lei utilizada apenas para amenizar e controlar os conflitos e lutas presentes no campo (MORISSAWA, 2001). Mesmo assim, o campesinato seguiu resistindo ao cenário de terror e violência protagonizado pela Ditadura Militar. Durante o regime militar, as diversas formas de resistência foram violentamente reprimidas, fazendo com que as manifestações fossem diminuindo e até desaparecendo, isso também aconteceu com as entidades camponesas. Assim, os sindicatos que haviam sido criados antes do regime passaram a desenvolver um trabalho meramente assistencialista, em que as conquistas anteriores ao golpe foram anuladas. Isso se confirma com a criação, em 1971, do FUNRURAL que era um orgão previdenciário voltado para o campo e que colaborou para que os sindicatos perdessem o caráter de organização da classe, rompendo os limites legais e causando mudanças estruturais. O governo federal também promoveu projetos de colonização, principalmente na Amazônia e no Centro-Oeste, com o intuito de expandir a fronteira agrícola e diminuir a luta pela reforma agrária. Camponeses de diversos estados do Brasil, especialmente do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, migraram para as regiões de colonização. A maior parte desses projetos transformou-se em escândalos nacionais, por causa do tamanho da corrupção e da forma como foram geridos. Foram mais de 50 projetos particulares de colonização, em que as empresas se apropriaram das terras, fundaram cidades, criaram latifúndios, formaram milhares de famílias sem-terra. Também parte dos projetos de colonização oficial fracassou. As razões dos fracassos são: falta de alimentos, falta de financiamentos, falta de assistência médica, etc.(...) Sem condições de sobreviver muitos voltaram para o Sul ou migraram para outras regiões. (FERNANDES, 2000, p. 46) Porém, Nao há repressão que consiga controlar todo o tempo e todo o espaço. São diversos os caminhos possíveis de serem criados nas formas de resistência, no desenvolvimento da luta de classes. Assim, os camponeses começaram a romper as cercas da repressão da ditadura militar. Sofrendo a violência dos latifundiários, que aproveitavam a conjuntura política para expulsar os trabalhadores de suas terras, os camponeses organizavam seus espaços de socializaçao política, de construção do conhecimento, para transformação da realidade. E nesse andar matreiro, próprio de quem sabe como lutar, construíram novos caminhos de resistência camponesa. (Ibid, p. 43) As organizações e sindicatos que representavam os trabalhadores rurais foram reprimidos e esmagados pela ditadura militar, porém, as lutas pela terra continuaram acontecendo em todo país. 1.3 Gênese do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Em 1975, a Igreja Católica, que era a única instituição capaz de fazer frente ao regime militar e criou a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que dava apoio aos trabalhadores rurais. Por meio da criação de espaços de socialização política, a CPT rompeu com o isolamento em que os trabalhadores rurais se encontravam nas diferentes regiões do país onde juntamente com as paróquias das comunidades rurais e periferias das cidades começaram a trocar experiências e a pensar no desenvolvimento de uma organização de luta pela terra e pela reforma agrária. A CPT “foi importante instrumento de desmascaramento das políticas e projetos dos militares, e permanece sendo espaço central na organização e projeção das lutas pela conquista da terra” (MORISSAWA, 2001, p. 105) e também era responsável pelo desenvolvimento das Comunidades Eclesiais de Base e pregava a Teologia da Libertação. Sua atuação no Sul do país deu origem ao MST. Durante a década de 1980, muitas ocupações de terras aconteceram por todo país. A mais importante que gestou e deu origem ao MST aconteceu no Rio Grande do Sul, conforme relata Stedile, (1997, p. 69-71), em uma de suas entrevistas, Houve, em 1979, um conflito de terra no Rio Grande do Sul. Com exceção do velho PCB, toda a esquerda da região dizia que lá não havia problema de terra. Foi um conflito numa área indígena, uma das últimas do Rio Grande, na famosa reserva indígena do Nonoai, que é dos índios Caigangs. Essa área tinha sido historicamente ocupada por pequenos posseiros, estimulados até por políticos. Havia uns 10 mil hectares no município Nonoai, no extremo norte do Rio Grande, fronteira com Santa Catarina, e a área estava toda ocupada por pequenos posseiros, agricultores que sonhavam um dia legalizar aquelas posses. Havia dentro da área, incrustada no meio do mato, uns 200 a 300 índios que sobreviviam em situação de mendicância, pois os próprios pequenos agricultores os sustentavam. Com o processo de conscientização da causa indígena, os Caigangs de todo Sul se organizaram, levaram gente do Paraná e de Santa Catarina e fizeram uma bela ocupação contrária, ou seja, reocuparam a terra que era deles por lei, que estava legalizada, e com isso expulsaram os pequenos agricultores. Expulsaram de uma maneira violenta, claro, pois num dia tiraram todos da área. Eram umas 1.400 famílias de pequenos agricultores, foi um problema social tremendo. Comecei a trabalhar com esses agricultores. Parte deles queria voltar para a área, enfrentar os índios, matar os índios. Desde o início tínhamos uma concepção contrária: o problema não era retomar a terra dos índios, pois tinham seus direitos e nós também tínhamos direito à terra. Mas não essa terra, porque era deles, historicamente deles, independente do papel que garantia a propriedade. O governo acenou com a possibilidade de parte dos agricultores ir para outro lugar. O Incra montou uma grande operação para levá-los para Terra Nova, no Mato Grosso. Mas cerca de 500 famílias se recusaram. A cultura do gaúcho diz: "Lugar de gaúcho é no Rio Grande... daqui ninguém nos tira". Com essa decisão, falei: "Se vocês querem mesmo ficar aqui, vamos nos organizar". Descobri onde havia latifúndios, porque, como dizia o Estatuto da Terra, o governo era obrigado a desapropriar os latifúndios para fazer a reforma agrária. Como estávamos no período do general Figueiredo, com todo aquele clima de ditadura militar, eu fazia reuniões praticamente sigilosas com os agricultores. No dia 7 de setembro de 1979, resolvemos ocupar dois latifúndios. Eram terras públicas que o governo escondia da opinião pública e arrendava ilegalmente a dois latifundiários. Ambas eram reminiscências de um projeto de reforma agrária do Leonel Brizola, realizado em 1962. Eram parte de uma fazenda que o Brizola havia desapropriado. Quando veio a ditadura em 1964 ainda não se tinha completado o processo de distribuição das terras da fazenda. O que o governo do Estado e os militares fizeram? Pegaram duas dessas áreas grandes, uma de 1.400 hectares e outra de 1.700 hectares e arrendaram para filiados políticos, fazendeiros, que ocuparam as áreas ilegalmente. Fizemos a ocupação da Granja Macali e da Granja Brilhante, com as famílias originárias do conflito com os índios. Por causa talvez da experiência do Master – do Brizola e do PTB – auto denominado Movimento dos Agricultores Sem Terra, a imprensa local logo proclamou: "Os sem-terra voltaram, os sem-terra voltaram...". Aí pegou. Foi a imprensa que deu o nome de movimento sem-terra. Não foram os próprios agricultores. Essas duas ocupações foram as que acabaram dando origem ao MST, em 7 de setembro de 1979. Em três ou quatro meses os agricultores foram assentados e foi uma baita vitória. Depois dessa ocupação as famílias remanescentes ocuparam, em 1980, a Fazenda Annoni, também na cidade de Sarandi, no Rio Grande do Sul, porém a polícia federal interveio e despejou os agricultores. Apesar da derrota, essa mesma fazenda foi ocupada na metade da década de 1980, desta vez com sucesso. Outro fato importante que marca a luta dos trabalhadores sem terra foi o acampamento montado na Encruzilhada Natalino. Começou quando um colono, que havia sido expulso da Reserva indígena de Nonoai, montou seu barraco próximo ao encontro das estradas de Ronda Alta, Sarandi e Passo Fundo. À ele se juntaram famílias de Nonoai, remanescentes da gleba Brilhante e sem-terra de várias regiões do estado. Aos poucos formaram barracos de lona, de capim, de madeira, estendendo-se por quase dois quilômetros e que reuniam mais de três mil pessoas. Nesse acampamento organizaram-se em grupos, setores e elegeram uma coordenação. O governo do estado mandou a brigada militar, sob o comando do major Curió, para tirá-los daquele local. Várias foram as tentativas do major: promessa de terras em outros estados onde haviam projetos de colonização, ameaçar as famílias, proibir a entrada e saída dos moradores, controlar comida e água, enfim foram muitas as tentativas de intimidar os sem-terra e fazê-los desistir da luta pela terra. Porém, os acampados resistiram a todos os ataques do governo e conseguiram fazer com que o exército se retirasse provando que a resistência e a persistência eram as armas que o capitalismo e a ditadura militar não conseguiram vencer. Assim, os acampados continuaram discutindo com o governo para que este dispusesse de áreas para o assentamento, sem, porém, ter êxito nessa luta. A partir desse momento a CPT e a Igreja Luterana fizeram uma campanha de arrecadação para comprar uma área de terra que assentou algumas famílias e que se chamou Nova Ronda Alta. Durante mais um ano e meio os acampados que ali continuaram, persistiram na luta com o governo até que, em setembro de 1983, o governo recém eleito, cedeu e comprou uma área de 1.870 hectares para assentar as famílias. Muitas outras manifestações aconteceram no Rio Grande do Sul. Ainda na década de 1970, em que se levou a modernização ao campo, e conseqüentemente se expulsou dos latifúndios os assalariados, arrendatários e parceiros, o governo também iniciou a construção de grandes hidrelétricas, entre elas pode-se citar a Itaipu, no Paraná, que fez com que os pequenos proprietários de terras fossem desapropriados em oito municípios do Oeste do Estado. Algumas famílias receberam a indenização a um preço bem abaixo do esperado, outras famílias foram enviadas para o Acre, porém sem nenhum amparo e, assim, enfrentavam dificuldades. Em 1978 formou-se o Movimento Justiça e Terra, que pressionava o governo por meio de várias ações, entre elas, levaram perto de dois mil trabalhadores para acampar no trevo de acesso à Itaipu por quase dois meses. Dessa forma, o governo concordou em aumentar o preço das indenizações e assentou várias famílias em Toledo e Arapoti. Da mesma forma, outras manifestações e ocupações foram feitas no Paraná, sempre com forte pressão e negociação, e ocupação em grandes latifúndios. Portanto, na década de 1980, em quase todos os estados brasileiros havia conflitos e ocupações de terra. Assim, Começava um novo período das lutas camponesas no Brasil. Em cada estado, os camponeses sem-terra criaram as condições necessárias para a luta e conquista da terra. Essas lutas foram os primeiros momentos da vida do MST. Nesse tempo de gestação, cada luta representou um instante dessa construção histórica. (FERNANDES, 2000, p. 75) Em vários Estados Brasileiros começou acontecer encontros regionais. Os principais foram o Encontro Regional do Sul e o Seminário de Goiânia, que representaram as bases para a realização do 1º Encontro Nacional dos Sem-terra que foi promovido pela CPT e aconteceu em Cascavel, no Paraná, nos dia 20, 21 e 22 de janeiro de 1984. Neste encontro estavam presentes trabalhadores rurais de 12 estados, e representantes de várias entidades e sindicatos que apoiavam o Movimento. Também foram discutidas as principais lutas desenvolvidas pelos sem-terra, as políticas dos governos estaduais e federal, as diversas formas de organização que abrangiam os grupos de base, as mobilizações, etc. “Estava, assim, fundado e organizado um movimento de camponeses sem terra de alcance nacional voltado à luta por terra e pela reforma agrária” (MORISSAWA, 2001, p. 138, grifo do autor). Esse encontro definiu o nome do Movimento, a estrutura organizativa e a primeira coordenação nacional. A estrutura organizacional se baseia em uma verticalidade iniciada nas brigadas que são compostas por 50 famílias, em seguida vem os núcleos, que tem um grupo de 200 famílias, direção regional, direção estadual e direção nacional. Paralelo a esta estrutura existe outra, a dos setores e coletivos, que buscam trabalhar cada uma das frentes necessárias para a reforma agrária. São setores do MST: Saúde, Direitos Humanos, Gênero, Educação, Cultura, Comunicação, Formação, Projetos, Finanças, Produção, Cooperação e Meio Ambiente e Frente de Massa. São coletivos do MST: juventude e relações internacionais. Esses setores desenvolvem alternativas às políticas governamentais convencionais, buscando sempre a perspectiva camponesa. Portanto, o MST tem uma estrutura que está sempre em movimento, as decisões são tomadas no coletivo e isso os diferencia dos outros movimentos. As mulheres também participam ativamente de todas as atividades do movimento compondo os diferentes setores e instâncias do MST. Cada setor foi sendo criado conforme a necessidade do movimento. Assim, o MST, a partir das necessidades advindas dos acampamentos e assentamentos, compreende que só a ocupação da terra nao é suficiente, mas é preciso a ampliação de outros segmentos dentro do próprio Movimento. 2. A EDUCAÇÃO NO E DO CAMPO A participação do MST na elaboração de uma proposta de educação, orientada para seus interesses juntamente com outros Movimentos do Campo, começou quase ao mesmo tempo em que começou a luta pela terra, bem como a reivindicação da construção de escolas públicas em assentamentos e acampamentos, pois “Arma de duplo alcance para os sem-terra e os assentados, a educação tornou-se prioridade no Movimento” (MORISSAWA, 2001, p. 239). A educação do campo atenderia às necessidades de pais e alunos, acampados e assentados, ao mesmo tempo em que dava suporte para o movimento poder tanto “lidar com assuntos práticos, como financiamentos bancários e aplicação de tecnologias, quanto para compreender a conjuntura política, econômica e social” (Ibidem). Dessa forma, houve um grande entrave político entre o MST e o poder público, para que as crianças do Movimento pudessem, como qualquer outra, freqüentar a escola dentro dos acampamentos ou assentamentos, uma vez que nas escolas oficiais havia alguns problemas que não permitiam às crianças estudarem. Entre eles pode-se citar: • Discriminação, tanto por parte dos professores quanto dos outros alunos que denominavam as crianças do campo de “sem-terrinha”; • O conteúdo ensinado pelos professores não atendia à necessidade e a realidade vivida nos acampamentos e assentamentos; • Ao serem matriculadas para o ano letivo, não havia a certeza de que as crianças freqüentariam a escola, pois o movimento está em constante rotatividade de espaço físico, conforme a necessidade. Nesse contexto, a escola que historicamente vem dando as costas para os Movimentos Sociais pode significar um instrumento de luta para permanecer na terra, de compreensão dos mecanismos de administração de recursos, de gestão da produção, de conquista de mercados. Pois, ao olhar para a história da educação no Brasil, percebemos que a educação, em muitos poucos momentos, esteve a serviço de uma minoria, portanto, não é neutra. Nesse sentido, um instauro rural muito forte surgiu a partir da necessidade de qualificar mão de obra, o que não significa qualificar o trabalho do agricultor para o seu beneficio, mas para garantir a melhor produtividade das grandes monoculturas. Na verdade, as questões benéficas não estavam ligadas à população rural, mas aos que vivem sugando as riquezas do campo e explorando a força de trabalho camponesa. Contudo, sempre houveram resistências a esses modelos impostos, lutas diversas, que apontaram à necessidade da busca pela libertação dos excluídos, dentre as quais destacamos as bandeiras de luta em torno das questões do campo, desde as suas condições básicas de existência até a formação integral dos sujeitos. (MELO et al, p. 91, 2008) Constata-se, então, que a educação se desenvolveu prioritariamente no meio urbano, com forte enfoque para o desenvolvimento urbano industrial, principalmente a partir da década de 1930, pois além de o campo ser visto como “atrasado”, também era necessário constituir trabalhadores assalariados e “exército industrial de reserva” nos grandes centros urbanos. As poucas vezes em que o governo olhou para a educação formal do homem do campo estiveram envolvidos interesses econômicos, políticos, sociais e religiosos e, ainda assim, referenciando-se ao modelo urbano. Assim, a educação do campo não aconteceu a partir da iniciativa das políticas públicas ou da vontade dos governantes, mas surgiu da luta dos Movimentos Sociais, da mobilização dos trabalhadores do campo e da luta social, sendo resultado da organização dos trabalhadores diante da indignação, da falta de condições materiais de sobrevivência e de uma educação que contemplasse a realidade do campo sem estar baseada somente no meio urbano e amparada por uma política educacional excludente. Para pressionar o Estado, os Movimentos Sociais, juntamente com algumas entidades, realizaram várias ações como encontros, congressos e seminários. No I Congresso Nacional do MST, realizado em 1985, na cidade de Curitiba-PR, surgiu a preocupação com a criação do Setor de Educação do Movimento que organiza os princípios teóricos, filosóficos e pedagógicos e elabora os materiais para serem estudados pelos sujeitos envolvidos no processo educativo do Movimento. Esse Setor “é um exemplo de que o conhecimento gerado no movimento social possibilita o redimensionamento e aprofundamento das proposições e reivindicações feitas pelos trabalhadores”. (SOUZA, 2006, p.104). A criação do Setor de Educação do MST surgiu de questionamentos e discussões a respeito do que fazer com as crianças de acampamentos e como conseguir a instalação de escolas nesses locais. Portanto, desde sua criação, o Movimento possui práticas educativas, e aos poucos, esse processo demonstra a necessidade da escola formal no âmbito do Movimento. Assim, a educação no MST vai sendo pensada e gestada juntamente com a luta social do Movimento e a partir da necessidade de educar as crianças acampadas, da compreensão da educação como um direito de todos e, também, a partir do fato de que havia professores de fora dos assentamentos educando as crianças a partir de uma visão de mundo contrária à da luta do Movimento (CALDART, 1997). Além disso, os congressos realizados pelo Movimento traziam as questões que apontavam para a necessidade da escola nos assentamentos e acampamentos. Com a nova LDB4, podemos considerar que aconteceram alguns avanços na medida em que houve “a desvinculação da escola rural dos meios e da performance escolar urbana, exigindo para a primeira um planejamento interligado à rural de certo modo desurbanizado”. (LEITE, 2002, p. 54). Apesar disso, não se apontaram princípios e bases de uma política educacional para as populações campesinas. Quanto à especificidade da educação rural, a LDB expressa, no seu artigo 28, que Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III – adequação à natureza do trabalho na zona rural. (MEC, 1996). Por meio dessa lei, o Estado objetivava buscar dimensões sócio-políticas e culturais com base na cidadania e nos princípios de solidariedade onde a educação escolar deveria vincular-se ao mundo do trabalho e à crítica social. Em termos institucionais, o ensino fundamental ficou sob a responsabilidade dos municípios, e ... deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas previsto nesta lei de modo a favorecer a escolaridade rural com base na sazonalidade do plantio/colheita e outras dimensões sócio-culturais do campo. (Ibidem, art. 23, § 2°) Porém, na prática as coisas não mudaram tanto assim. As políticas públicas para a escolarização das populações rurais continuaram evidenciando um fraco desempenho e o desinteresse do Estado com respeito à educação rural, refletidos no alto índice de analfabetismo brasileiro que, ainda em 2000, continuava a ser mais elevado na área rural do que na área urbana. Também havia problemas como: falta de professores que tivessem uma formação adequada ou com uma formação essencialmente urbana, evasão escolar e repetência, defasagem idade-série, turmas multisseriadas, infra-estrutura e espaço físico insuficientes, salários desestimulantes, falta de transporte, entre outros. 4 Lei de Diretrizes e Bases. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. A partir da década de 1990, houve uma intervenção dos sujeitos coletivos campesinos no sentido de fazer frente a esta condição de confronto da questão agrária e da desvalorização e precarização da educação do campo. Assim, o MST promoveu o I Encontro Nacional das Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (ENERA), em julho de 1997, realizado em Brasília, em parceria com diversas entidades como a Universidade de Brasília (UnB), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Participaram do encontro professores de mais de vinte universidades brasileiras que desenvolviam atividades educacionais em várias frentes de ensino em Projetos de Assentamento da Reforma Agrária tais como educação de jovens e adultos, formação e capacitação técnica dos trabalhadores rurais e ensino fundamental. Anteriormente, o MST já vinha desenvolvendo parcerias que envolviam professores e movimentos sociais do campo com governos municipais e estaduais, em diversos assentamentos e acampamentos existentes no Brasil. No I ENERA concluiu-se que havia a necessidade de articular os trabalhos que vinham sendo desenvolvidos, além de ampliá-los, já que os movimentos sociais do campo vinham apresentando uma demanda cada vez maior no que diz respeito à educação no campo. Outro desdobramento desse encontro foi a aprovação do Programa Nacional da Educação na Reforma Agrária (PRONERA), em 1998, que financiaria iniciativas de educação e ensino em parceria com diversas universidades. As entidades que promoveram o I ENERA foram desafiadas, pelo UNICEF, a começar “um trabalho mais amplo sobre a educação a partir do mundo rural, levando-se em conta o contexto do campo em termos de sua cultura específica quanto à maneira de ver e de se relacionar com o tempo, o espaço, o meio ambiente e quanto ao modo de viver, de organizar família e trabalho.” (KOLLING, 1999, p. 14). Desse desafio realizou-se a “Articulação por Uma Educação Básica do Campo”, entidade supra-organizacional que passou a promover e gerir as ações conjuntas pela escolarização dos povos do campo em nível nacional. Dentre as conquistas alcançadas por essa Articulação estão a realização de duas Conferências Nacionais por uma Educação Básica do Campo - em 1998 e 2004, a instituição pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, em 2002; e a instituição do Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo (GPT), em 2003. (http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaocampo.pdf) Essa articulação tinha como objetivos básicos mobilizar os povos do campo para conquistar e construir políticas públicas na educação, com prioridade na educação básica, e também contribuir na reflexão político-pedagógica sobre educação do campo a partir das experiências e práticas já existentes, buscando apontar e projetar novas possibilidades. Nessa Articulação também houve a preparação da Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, realizada em julho de 1998, que expressou a continuidade desse processo e estabeleceu o termo “Educação do Campo” e não mais “educação rural”. Conforme Fernandes (2006, p. 37), A Educação do Campo está contida nos princípios do paradigma da questão agrária, enquanto a Educação Rural esta contida nos princípios do paradigma do capitalismo agrário. A Educação do Campo vem sendo construída pelos movimentos camponeses a partir do principio da autonomia dos territórios materiais e imateriais. A Educação Rural vem sendo construída por diferentes instituições a partir dos princípios do paradigma do capitalismo agrário em que os camponeses não são protagonistas do processo, mas subalternos aos interesses do capital. Nessa direção, o campo passa a viver, a partir da I Conferência Nacional, uma perspectiva de que por meio da educação os indivíduos encontram-se, organizam-se e assumem a condição de sujeitos que direcionam seu destino. Trata-se de uma educação dos e não para os sujeitos do campo. Feita sim por meio de políticas públicas, mas construídas pelos próprios sujeitos que as exigem. Assim, Um dos traços fundamentais que vem desenhando a identidade deste movimento por uma educação do campo é a luta do povo do campo por políticas públicas que garantam o direito à educação, e uma educação que seja no e do campo. No: o povo tem direito a ser educado onde vive; Do: o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais. (KOLLING, 2002, p. 26). A educação do e no campo apresenta, em alguns casos, uma visão distorcida da realidade em relação ao seu conceito, “é bom lembrar que durante décadas nem sequer se falava da educação do campo, era a educação rural, a escolinha rural, professor rural” (ARROYO, 2005, p. 47). Esse conceito de educação do campo surge da necessidade dos sujeitos do campo pensar o mundo a partir do espaço onde vivem, da terra que pisam, da organização da família e do trabalho logo, é uma bandeira assumida por diversas entidades do campo, na luta pelo reconhecimento das especificidades deste contexto. Nesse sentido, o MST buscou romper com os sentidos que foram dados à educação “rural”, orientada para o assistencialismo latifundiário. A I Conferência levou à continuidade das discussões e fóruns estaduais e regionais tendo como foco principal a educação do campo, através da “Articulação por Uma Educação do Campo”. Em agosto de 2004 aconteceu a II Conferência por uma Educação do Campo onde houve a superação da reivindicação apenas de uma educação básica do campo entendendo que a luta deve se dar por uma educação em todos os seus níveis de ensino. Esta Conferência teve por base o eixo “Por uma Política Pública de Educação do Campo” e conseguiu também ampliar as entidades envolvidas na organização do evento e nos debates sobre a educação do campo que reuniu, além da CNBB, MST, UNICEF, UNESCO, UnB, também a Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (UNEFAB), União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Movimento de Mulheres Camponesas (MMC). Dentre as principais reivindicações colocadas pela Conferência encontramos cinco eixos centrais: Universalização do acesso da população brasileira que trabalha e vive no e do campo à educação básica de qualidade social por meio de uma política pública permanente que inclua ações básicas como o fim do fechamento arbitrário de escolas no campo, entre outras, [...]; ampliação do acesso e garantia de permanência da população do campo à Educação Superior por meio de uma política pública permanente que inclua como ações básicas a interiorização das Instituições de Ensino Superior, públicas, gratuitas e de qualidade, entre outras; valorização e formação específica de educadoras e educadores do campo por meio de uma política pública permanente que priorize a formação profissional e política de educadores e educadoras do próprio campo, gratuitamente, [...]; formação de profissionais para o trabalho no campo por meio de uma política pública específica e permanente de cursos de nível médio e superior que inclua os jovens e adultos trabalhadores do campo e que priorizem a formação apropriada para os diferentes sujeitos do campo, [...]; e respeito à especificidade da Educação do Campo e à diversidade de seus sujeitos. (Declaração Final da II Conferência de Educação do Campo, 2004) A partir dessas mobilizações e reivindicações feitas pelos movimentos sociais campesinos os movimentos sociais conseguiram influenciar e fazer frente ao confronto de concepções e de direcionamento das políticas públicas para a educação do campo. Exemplo disso é a aprovação do parecer 36/2001 e da resolução 01/2002 do Conselho Nacional de Educação que instituiu as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo a partir das elaborações oriundas da I Conferência realizada em 1998. Essas Diretrizes trazem um esclarecimento das responsabilidades dos diversos sistemas de ensino com o atendimento escolar sob a ótica do direito, o respeito às diferenças e à política de igualdade, tratando a qualidade da educação escolar na perspectiva da inclusão. Também, em cumprimento ao artigo 28 da LDB, propõe medidas de adequação da escola à vida do campo (MEC, 2002, p. 04). Nesse sentido, para Fernandes (2004, p. 136-137), A aprovação das Diretrizes representa um importante avanço na construção do Brasil rural, de um campo de vida, onde a escola é espaço essencial para o desenvolvimento humano. É um novo passo dessa caminhada de quem acredita que o campo e a cidade se complementam e, por isso mesmo, precisam ser compreendidos como espaços geográficos singulares e plurais, autônomos e interativos, com suas identidades culturais e modos de organização diferenciados, que não podem ser pensados como relação de dependência eterna ou pela visão urbanóide e totalitária, que prevê a intensificação da urbanização como o modelo de país moderno. A modernidade é ampla e inclui a todos e a todas, do campo e da cidade. Um país moderno é aquele que tem um campo de vida, onde os povos do campo constroem as suas existências. Todo este processo e estas primeiras conquistas expressam a disputa de projetos e concepções, tanto de escolarização quanto de sociedade, que vem permeando os confrontos e conflitos da situação educacional no país, especificamente no campo. No Paraná, desde a publicação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, o Estado tem promovido seminários a fim de estruturar e consolidar a Educação no Campo, pois os Movimentos Sociais entendem que: “Historicamente, a educação só evolui quando cresce a consciência dos direitos políticos e sociais e é isso que está acontecendo no campo. Por isso estamos num momento em que podemos pensar sim na construção de um sistema de educação para o campo.” (ARROYO, 2005, p. 48). Em 2000 aconteceu a II Conferência Estadual em Porto Barreiro, criando a “Articulação Paranaense Por uma Educação do Campo”, com a tarefa de implementar e consolidar as propostas refletidas, construídas e apresentadas na Conferência e expressas no documento final que se denominou “Carta de Porto Barreiro”, assinada por várias entidades que somou 600 educadores, educadoras e dirigentes das organizações do campo. Nessa Conferência também aconteceu o debate sobre a necessidade da constituição do Curso de Formação de Educadores do Campo e foi assim que o Curso de Pedagogia para Educadores do Campo, no Paraná, emergiu no interior de tais Movimentos Sociais do Campo. 3. O CURSO DE PEDAGOGIA DO CAMPO DA UNIOESTE Na década de 1990 nosso país começa a vivenciar a implantação do neoliberalismo que se inicia no governo Collor e se efetiva completamente com o governo Fernando Henrique Cardoso e que tem fortes impactos econômicos e sociais. Nesse contexto, a educação passa a ser concebida como mercadoria e influenciada pela lei da oferta e da demanda. O campo passa a sofrer repressões, o avanço e a modernização do modo de produção capitalista aumentam as contradições e o distanciamento entre as classes sociais. Nesse sentido, o MST tem urgência em realizar a formação política de seus integrantes e para isso passa a lutar por uma educação voltada para o Movimento. Segundo Silva (2005), os espaços de formação dos sem-terra são criados no início dos anos 90, entre eles, o Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITERRA) e a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), porém foi somente a partir de 1995, que houve a concretização de cursos de formação de dirigentes. A autora afirma, ainda, que, nesse período, ocorre o desenvolvimento da relação entre Movimento Social e Universidade, principalmente por meio da criação de cursos superiores na área de Pedagogia. Portanto, a base desse processo, é a necessidade da construção “(...) de um amplo complexo de formação de dirigentes e de quadros políticos” (SILVA, 2005, p.141). Dessa forma, as primeiras experiências de cursos superiores na área de pedagogia, denominados Pedagogia da Terra5, datam desse período, e unem-se à necessidade de consolidar cursos de formação de dirigentes e educadores para o Movimento. Para isso foram necessárias algumas fases, A primeira delas seria o acúmulo de forças, ou seja, defende-se a necessidade de se juntar à outros Movimentos, como os sem teto, estudantes, desempregados, etc. Em segundo lugar, está a necessidade de formar militantes, que é uma tarefa permanente e demorada que o Movimento tem enfrentado com sucesso, através da criação de inúmeros cursos de formação. Em terceiro, entende-se que é necessário estimular as lutas sociais para que estas gerem mudanças na consciência das pessoas. Por último, elevar o nível de consciência e de cultura do povo (FLORESTA, 2006, p. 78). E foi dentro desse contexto que iniciou o primeiro curso de pedagogia da Terra na Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUI, com sede na cidade de Ijuí – RS, em 1998. No ano de 1999 outras turmas iniciaram cursos de pedagogia em parceria firmada com a Universidade Federal do Espírito Santo - UFES e a Universidade Estadual de Mato Grosso – UNEMAT. A Universidade do Pará UFPA, em 2000, e posteriormente, 5 Abordando a relação MST e Pedagogia da Terra, Caldart (2004) afirma que esta última representa para o Movimento um reencontro do camponês com a terra e, por conseguinte, consigo mesmo, já que ela representa sua raiz. É justamente dessa relação entre o camponês e a terra que são criados os processos pedagógicos que originam os aprendizados do trabalhador no ato da produção e do cuidado com a mesma, por isso a denominação Pedagogia da Terra. parcerias com a Universidade do Rio Grande do Norte – UFRN, Universidade Federal de Rondônia e Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS. No Paraná, o Curso de Pedagogia para Educadores do Campo tem seu marco inicial na II Conferência Estadual por uma Educação Básica do Campo, realizada na cidade de Porto Barreiro, de 02 a 05 de novembro de 2000. A partir daí, as primeiras negociações foram realizadas com a Universidade Federal do Paraná – UFPR que levantou a idéia do Curso de Formação de Educadores ser feito à distância – Universidade Eletrônica, porém esta proposta foi rejeitada pelos integrantes das discussões, pois se entendia que o curso deveria ter como característica fundamental o regime presencial, mesmo não podendo ser desenvolvido no período normal da oferta dos outros cursos da Universidade, já que o público a quem se destinava também era provido de características diferenciadas dos demais alunos no que se refere à tempo e espaço. Posteriormente houve negociações com a Universidade Estadual de Ponta Grossa UEPG, e depois com a Universidade Estadual de Maringá - UEM, que chegou a realizar uma etapa preparatória, porém nenhumas dessas tentativas tiveram êxito devido à repressão dentro das próprias universidades, pois, o Paraná estava sob o governo de Jaime Lerner (1995-2002) que, articulado a um plano nacional, constituiu uma política de repressão sistemática aos Movimentos Sociais Populares, identificada por despejos violentos, perseguições, torturas e mortes de trabalhadoras e trabalhadores camponeses. Em 2001 ocorrem as negociações com a Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, que indicou o campus de Francisco Beltrão para realização do primeiro Curso de Pedagogia do Campo e em 09 de dezembro de 2002, na sede da UNIOESTE, em Cascavel/PR, ocorreu a aprovação do curso. Nas discussões iniciais sobre a implantação do Curso de Pedagogia para Educadores do Campo, houve muitos problemas como o fato de o governo estadual condicionar a criação do curso ao aproveitamento do corpo docente do Curso de Pedagogia regular o que criou grandes discussões. Tal fato tinha como argumento que se tratava de uma turma experimental, e como tal, não conceberia a abertura de concurso público para a composição do quadro docente próprio para o Curso de Pedagogia para Educadores do Campo. Dessa forma, o curso só poderia ser oferecido desde que o curso de Pedagogia regular dispusesse de professores para nele atuar. Esse dado gerou muitas discussões: de um lado os professores que, além de não concordarem com a abertura de um curso específico, seja para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ou para qualquer grupo social com necessidades especiais, ainda se utilizaram do argumento de que iria “cobrir um santo e descobrir o outro”, já que o próprio Curso de Pedagogia regular apresentava um quadro de professores reduzido, e conseqüentemente, todos tinham uma carga horária alta, principalmente no ensino. Assumir o novo curso, portanto, significaria aumentar ainda mais essa carga horária dos professores. Além disso, soma-se o fato de que esse curso é oferecido com calendários diferenciados, implicando necessariamente, em trabalho dos docentes no período de férias. As discussões eram intensas e os docentes tinham posições divergentes. Alguns apoiavam a formação do curso e argumentavam que, em se tratando de um compromisso político com a formação dos educadores do campo, os aspectos técnicos não devem sobreporse ao político, que esse aspecto não fosse o causador da inviabilização do curso. Outros afirmavam que existia um processo em andamento, acredita-se que as demandas técnicas poderiam ser viabilizadas de outra forma, a exemplo de outras dúvidas que foram surgindo ao longo do processo de implementação da Pedagogia para Educadores do Campo. Em relação aos impasses foram encontradas soluções no seu decorrer, e com relação às férias docentes, não seria diferente. A Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) esteve presente nas discussões juntamente com outras entidades que participaram da “Articulação Paranaense por Uma Educação do Campo” com o objetivo de consolidar a proposta de formação de educadores para a Educação do Campo. A luta pelo curso tinha o intuito de articular um espaço de formação vinculado a um projeto maior de compreensão do contexto do campo, da função social da escola e do educador no campo. É a partir dessa compreensão que os Movimentos Sociais, em conjunto com outras parcerias, conquistam o curso de Pedagogia do Campo financiado pelo PRONERA. O levantamento feito pela “Articulação Paranaense por uma Educação do Campo“ apontou uma demanda de 520 educadores e educadoras, por isso foi proposto uma primeira turma com 50 estudantes para o Curso de Pedagogia do Campo da Unioeste, atendendo em torno de 10% das necessidades. Nesse processo o curso previa atender estudantes de todo o Estado do Paraná, em especial, estudantes de assentamentos, acampamentos e das comunidades da Agricultura Familiar da região Sudoeste, Oeste e Centro-Oeste, perfazendo cerca de sessenta assentamentos e comunidades rurais como evidencia o quadro: MUNICÍPIOS AMPERE ARAPONGAS BITURUNA ASSENTAMENTOS/COMUNIDADES Ampere Dorcelina Folador Vinte e Sete de Outubro Rondon III CANTAGALO CASCAVEL CONGOINHAS CRUZEIRO DO SUL DOIS VIZINHOS FLORESTÓPOLIS FRANCISCO BELTRÃO GOIOCHIM HONÓRIO SERPA IMBAÚ INÁCIO MARTINS JARDIM ALEGRE LINDOESTE MANOEL RIBAS MARMELEIRO ORTIGUEIRA PALMITAL PLANALTO PORTO BARREIRO QUEDAS DO IGUAÇU QUERÊNCIA DO NORTE RENASCENÇA RIO BONITO DO IGUAÇU SANTA MARIA D’OESTE SÃO JERÔNIMO DA SERRA SAPOPEMA Fonte: Projeto Político Pedagógico do Curso (2004, p. 5-6). Etiene Cavaco São Francisco Carlos Lamarca Padre Josimo Linha Empossado São Francisco Florestan Fernandes Missões Jacutinga Osvaldo Cruz Sessão Progresso São Jorge Santo Antonio Nossa Senhora das Vitórias Vinte e Nove de Agosto Linha Cochos Linha Cochos Nova Concórdia Guanabara José Dias Sete Mil Vitória Colônia Vitória Nova Itauna Eduardo Raduan Barra Bonita Libertação Camponesa Imbauzinho Nova Aliança Linha Santa Cecília Porto Pinheiro Dez de Maio Zumbi dos Palmares Pontal do Tigre Antonio Tavares Pereira Tchê Guevara Osiel Alves Jaciretã Ireno Alves dos Santos Marcos Freire Araguaí Estrela d’Oeste Bairro Pantarolo Dom Helder Câmara Estrada Salto das Orquídeas Em junho de 2004, aconteceu o vestibular que ofertou 50 vagas, mas somente 46 alunos iniciaram o curso devido a uma desistência e algumas reprovações. Isso se deu em razão do MST preparar somente 50 vestibulandos por defender uma sociedade justa e igualitária, pois no modo capitalista o acesso à universidade é restrito e elitista. Ainda assim os Movimentos Sociais Populares do Campo tentaram um processo de revisão de provas dos reprovados, porém, foram em vão as tentativas. A Universidade, valendo-se do edital de número 006/2004, não voltou atrás em sua decisão, alegando que a banca examinadora havia agido em conformidade aos critérios estabelecidos. Foi uma perda para os Movimentos Sociais Populares do Campo, pois além de serem poucas, em vista da demanda, as vagas existentes não foram preenchidas e a turma não foi completada. Vários movimentos fizeram parte desse processo: MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens); CRABI (Comissão Regional dos Atingidos por Barragens do Rio Iguaçu); CPT (Comissão Pastoral da Terra); ASSESOAR (Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural) e MST. Todos buscam a transformação da sociedade. O curso teve duração de quatro anos, iniciando em 2004 e sendo realizado nos meses de janeiro, fevereiro e julho num total de dez etapas. 3.1 A organização interna do Curso e os Núcleos de Base (NB) Os educandos do Curso de Pedagogia da Terra vão além da formação acadêmica oferecida pela instituição e organizam-se nos diversos momentos educativos. Em cada etapa do Tempo Escola os alunos se organizam em Núcleos de Base (NB), compostos por no máximo dez alunos, com o objetivo de que todas as tarefas e a participação sejam cumpridas pelos alunos do curso. Cada NB escolhe um/a coordenador/a e um relator/a dentro do próprio grupo, bem como escolhe dois representantes da turma a cada etapa, a fim de se estabelecer a interlocução interna dos próprios movimentos e externa com a coordenação institucional do curso. Assim, o NB “é um fator muito importante, pois possibilita a discussão e o debate de idéias em várias dimensões, é um espaço de troca de experiências, reflexões sobre a prática e teoria, desafios aos militantes em seus Movimentos Sociais Populares, à construção da Educação do Campo” (RABELO et al, 2008, p. 49). Portanto, os núcleos servem como apoio, em todos os sentidos, aos integrantes do Movimento. Os núcleos são personalizados com um nome e “grito de ordem”, sempre homenageando alguém, sejam pensadores ou membros do Movimento que, de alguma forma deixaram sua marca, ou ainda, pessoas que lutaram e deram a própria vida para defender uma causa ou ideal. Na turma Antonio Gramsci forma homenageados, entre outros, Paulo Freire, Anton Makarenko, Rosa Luxemburgo, Che Guevara, Carlos Marighella, Zumbi dos Palmares, Keno, Ghandi e Chico Mendes. Em cada etapa a organização da turma é novamente discutida, primeiramente nos NB e posteriormente, no coletivo. Os tempos são redefinidos, os NB são formados novamente as palavras de ordem e a coordenação da turma, que possui como principal tarefa a responsabilidade de garantir a realização do cronograma de atividades durante a etapa, também são reorganizados. Conforme previsto no P.P.P. do curso: – Organização da Turma: Nos primeiros dias da etapa, a turma será convocada a organizar-se em grupos (brigadas ou núcleos de base) de 8 a 10 participantes, a partir de critérios a serem definidos coletivamente, tendo em vista as tarefas de estudo e a participação nos processos de gestão do curso. Cada grupo deverá escolher um/a coordenador/a e um relator/a. – Escolha da Coordenação da Turma: Será feita entre as pessoas coordenadoras de cada grupo. Esta coordenação terá como tarefas principais: garantir a realização do programa de atividades da etapa, coordenar o tempo aula, garantir o funcionamento das equipes de trabalho, fazer o acompanhamento pedagógico dos educandos. – Coordenação operacional do Curso: O curso terá uma coordenação operacional composta de pessoas indicadas previamente pelas entidades conveniadas, e por dois membros indicados pela turma, a cada etapa. As tarefas principais desta coordenação são as seguintes: garantir o planejamento de cada etapa, fazer a discussão metodológica e a interlocução com os educadores do curso, fazer o acompanhamento às instâncias de gestão da turma. A forma de participação da representação dos Movimentos sociais será regulamentada pela Pró-Reitoria de Graduação da UNIOESTE, pressupondo bases institucionais. (p. 14-15, 2004) O MST tem por base o trabalho coletivo no qual todas as pessoas envolvidas têm responsabilidade sobre as discussões, encaminhamentos e execução das decisões tomadas pelo coletivo. Para Makarenko o coletivo é o cerne da educação comunista; a coletividade deve eleger seus coordenadores de acordo com critérios estabelecidos pelos educadores e educandos, tais como: ser fiel aos interesses do coletivo, ser bom aluno e bom trabalhador etc. (LUEDEMANN, 2002, p. 325). No âmbito da turma “Antonio Gramsci”, a coletividade, a organização, a coordenação e a gestão do curso por parte dos educandos tornou-se fundamental para o processo de formação dos educandos e para o seu funcionamento. Os Núcleos de Base também se constituem em núcleos de trabalho e de organização que podem variar a cada etapa, tendo em vista as demandas de tarefas dos locais de realização do curso. Para a primeira etapa do Curso de Pedagogia da Terra da Unioeste ficou indicada a constituição das seguintes equipes (PPP, 2004, p. 15-16): • Organização da alimentação e estadia: tarefa principal de fazer a mediação com administração do local de estada para garantir um atendimento adequado às necessidades da turma e resolver questões gerais de infra-estrutura. • Mística: tarefa principal de orientação e coordenação dos momentos de mística, incluindo os de agradecimento aos professores. • Disciplina: tarefa principal de garantir a disciplina no cumprimento de tempos e horários, respeitando as decisões tomadas e a coerência com os princípios e valores do movimento social popular. • Secretaria: tarefa principal de apoio à secretaria do curso e de recepção e atendimento aos educadores em relação a materiais, cópias, equipamentos, transporte. • Memória da etapa: tarefa principal de organizar todos os documentos, textos e produções da etapa, a partir de orientação da coordenação do curso. • Saúde: tarefa principal de organizar e coordenar o atendimento à saúde na turma. • Ciranda infantil: tarefa principal de acompanhar e coordenar o trabalho das educadoras infantis com as crianças (filhos pequenos das estudantes) e sua relação com a turma. • Animação: tarefa principal de garantir e coordenar momentos de animação, especialmente a musical, durante os diferentes tempos educativos onde isto seja necessário. • Atividades culturais: tarefa principal de organizar e coordenar a realização de atividades culturais durante a etapa. • Comunicação: tarefa principal de garantir a socialização de uma síntese diária do noticiário nacional e o fluxo das informações de funcionamento interno da turma e do curso. • Lazer: tarefa principal de motivar e orientar momentos diários de atividades relacionadas à cultura corporal de movimento, como, atividades físicas, danças, jogos, esportes e atividades recreativas diversas. • Chimarrão: tarefa principal de garantir o chimarrão nos locais de uso coletivo. Os NB, núcleos de trabalho e de coordenação também fazem parte e são muito importantes no cotidiano dos acampamentos e assentamentos, pois ajudam na organização das famílias que coletivamente constroem as condições básicas de luta por seus direitos, bem como planejam o trabalho, a produção, o estudo e as tarefas. “Além de garantir a participação de todas as famílias, esse é um espaço coletivo de auto-organização que possibilita contrapor as relações de produção, criar outros valores, dentro dos aspectos culturais, ideológicos, econômicos...” (RABELO et al, 2008, p. 49). Assim, a mesma metodologia aplicada nos acampamentos e assentamentos do MST é utilizada para a auto-organização e gestão do Curso que vai delineando a organização do processo pedagógico. Nesse sentido, a auto-organização dos educandos manifesta-se como possibilidade concreta que admite avançar num projeto de formação humana rumo à educação comunista. Pistrak (2003) defendia que a auto-organização dos estudantes se estabelece como “a grande transformação histórica a ser feita na escola: a participação autônoma, coletiva, ativa e criativa” (2003, p.13). Os NB também são responsáveis pela escolha do nome da turma. No Curso de Pedagogia do Campo da Unioeste, a escolha aconteceu durante a segunda etapa do curso, em janeiro de 2005 e os Núcleos de Base indicaram os nomes para estudo de Olga Benário, Rosa Luxemburgo, Roseli Nunes e Antonio Gramsci. Durante a Jornada Socialista realizada naquela etapa, cada NB apresentou elementos da vida desses militantes e após discussões, o nome escolhido “foi o de Antonio Gramsci, que embora não tenha tido tanta repercussão mística, revelou muitos e importantes elementos a contribuir nos processos de Educação e dos Movimentos Sociais Populares do Campo” (RABELLO et al, 2008, p.41). Após a escolha do nome da turma, os educandos propuseram-se a estudar, durante todo o curso, a trajetória de vida e a contribuição teórica e militante de Gramsci para a luta da classe trabalhadora. Neste contexto, a construção da concepção da Educação do Campo, demonstra uma preocupação com a totalidade buscando inserir seus sujeitos num projeto educacional que tem como perspectiva a formação de sujeitos concretos, que possuem sua individualidade, mas ao mesmo tempo, participem de processos sociais complexos. 3.2 Projeto Político Pedagógico e a Estrutura Curricular Em 2004 o Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso foi aprovado contemplando as matrizes pedagógicas dos Movimentos Sociais explanando o diálogo que é estabelecido entre a proposta do curso de Pedagogia da Terra e os princípios sociais, políticos, culturais e educativos produzidos pelos Movimentos Sociais. De acordo com esse documento (PPP do Curso de Pedagogia do Campo, 2004, p.24-25), A Pedagogia para Educadores do Campo será construída na trajetória, a partir dos sujeitos do campo e de sua práxis social articuladas aos Movimentos Sociais e nas diferentes matrizes pedagógicas presentes em suas vidas como podemos ilustrar: - A Pedagogia da Luta Social: Formação para capacidade de pressionar as circunstâncias e transformá-las, subverter a ordem opressora, contrapor-se a todo tipo de domesticação e de dominação, reinventar a ordem a partir de valores radicalmente humanistas, que tenham a vida acima da propriedade. - A Pedagogia da organização coletiva: formação do sujeito coletivo, firmado nos princípios da luta organizada, do companheirismo e da solidariedade, construindo novas relações de trabalho e desconstruindo as relações sociais que produzem o individualismo. O grupal, que divide responsabilidades e tarefas, assume conjuntamente a educação da coletividade, tornando a comunidade um espaço de cooperação. - A Pedagogia da Terra: "Ela brota da mistura do ser humano com a terra: ela é mãe e se somos seus filhos e filhas, também somos terra". Essa dimensão coloca a terra como centro, como geradora da vida, lugar de nascer, viver e morrer. É o jeito de produzir o pão, o jeito de compreender o mundo, percebendo a historicidade do cultivo cuidadoso da terra, garantindo meio ambiente saudável, paciência do tempo de semear e colher no tempo certo, enfim, os mais profundos valores enraizados na cultura dos camponeses. - A Pedagogia do trabalho e da produção: É o trabalho como princípio educativo, que humaniza. É pelo trabalho que se constrói o conhecimento, que se criam habilidades e se forma a consciência. O trabalho possui uma potencialidade pedagógica plenamente educativa, pois é a matriz das demais dimensões da vida humana. - A Pedagogia da Cultura: É a pedagogia do gesto. Símbolo da vida materializada na historia da produção, exemplo do aprender a ser e fazer pelo convívio com o coletivo. É o modo de vida do Movimento, seu jeito de ser, de produzir na terra sua mística, seus símbolos, sua religiosidade, sua arte, etc. - A Pedagogia da escolha: Reconhecimento de que as pessoas se educam, se humanizam no exercício de fazer escolhas. Estar num Movimento é confirmar e fazer permanentemente escolhas, sempre movidas por valores que são uma construção coletiva. - A Pedagogia da História: Brota da memória histórica coletiva, necessária para construção de uma identidade. O cultivo da memória histórica dos trabalhadores e do próprio Movimento deve fazer parte de todo processo educativo. - A Pedagogia da alternância: Integração da família e da comunidade dos educandos, tornando o curso em dois momentos distintos e complementares: o tempo escola, quando ocorrem as aulas práticas e teóricas, e o tempo comunidade, em que se realizam as pesquisas de sua realidade, o registro dessas experiências e as práticas que permitem a troca de conhecimento. O curso Pedagogia da Terra é realizado com base na Pedagogia da Alternância, sendo que o período que os educandos passam na Universidade é chamado de Tempo Escola. O período que passam na comunidade e nos locais de trabalho é chamado de TempoComunidade. Assim sendo esses espaços de formação se caracterizam como tempos de estudos teóricos e práticos. O curso da Unioeste constituiu-se em etapas alternadas entre Tempo Escola e Tempo Comunidade. Além desses dois tempos, outros tempos educativos fazem parte da organização do Curso de Pedagogia do Campo que possibilitam a compreensão de que a educação acontece em diferentes momentos que segundo o PPP do curso, tem a intenção de atingir a formação dos educadores e educadoras em várias dimensões, bem como criar a prática da organização coletiva e pessoal do estudo, divisão de tarefa e outros. Observa-se que os horários de funcionamento destes tempos deverão ser definidos pela turma no início da etapa. • Tempo Formação: tempo diário da turma destinado à motivação das atividades do dia, conferência das presenças, informes e cultivo da mística das organizações dos movimentos sociais do campo, da classe trabalhadora, da educação do campo. • Tempo Aula: tempo diário destinado ao estudo dos componentes curriculares previstos no projeto do curso, conforme cronograma das aulas e incluindo momento de intervalo a combinar. Serão 8h diárias. • Tempo Leitura/Estudo: tempo destinado à leitura individual e ou ao estudo em grupos conforme programação da etapa e ou da turma. Serão 2h, pelo menos, duas vezes por semana. • Tempo Seminário: tempo destinado ao aprofundamento e ao debate de temas específicos, conforme programação da etapa. • Tempo Organização: tempo destinado ao processo organizativo da turma, envolvendo tarefas de gestão do curso e tarefas delegadas pelas organizações de origem dos educandos. Serão 2h uma vez por semana, ou quando necessário. • Tempo Trabalho: tempo destinado à execução de tarefas ou serviços necessários ao funcionamento do curso. Quantidade de tempo necessário à realização das tarefas. • Tempo Reflexão Escrita: tempo de organização pessoal destinado ao registro, em caderno específico, de cada estudante, das vivências e reflexões sobre o dia-a-dia da turma e os aprendizados construídos na etapa. (PPP, p. 13, 2004). Para o MST, na experiência que vem sendo desenvolvida nos cursos de Pedagogia da Terra, a vivência não é somente a estrutura, mas a maneira como se vive esta organização da escola que acaba por estabelecer novas propostas pedagógicas para a organização do trabalho pedagógico. Não se trata apenas de estudar a teoria, mas de vivenciá-la na prática e reorganizar o que é preciso ser reorganizado. Os tempos educativos ajudam para que isso se concretize. Assim, a formação do educador constitui-se de trabalhos educativos, formadores, pois, a organização em tempos educativos possui “a intenção de atingir a formação dos educadores e educadoras em várias dimensões, bem como a prática da organização coletiva e pessoal do estudo, divisão de tarefa e outros” (P.P.P., 2004, p. 12). Dessa forma, o processo de formação dos educadores assegura vivências do trabalho coletivo e voluntário que também são adotadas nas escolas do acampamento e assentamentos. No que diz respeito à organização curricular do curso esta abrangia o mesmo currículo que é comum a todos os cursos de Pedagogia e possui uma Formação Geral obrigatória, uma Formação Diferenciada e uma Formação Independente, estabelecida a partir das necessidades apresentadas pelos Movimentos Sociais, unindo conhecimento e ação transformadora. De acordo com o PPP do Curso (2004, p. 17-18): A Área de Formação Geral reúne as disciplinas de formação básica, composta pelos conteúdos básicos da formação do pedagogo. A Área de Formação Diferenciada reúne as disciplinas responsáveis pela formação diferenciada, composta pelo aprofundamento em áreas específicas do conhecimento na educação que correspondem à área de habilitação do Curso. A Área de Formação Independente está formada pelas disciplinas que contemplam questões sobre a formação do pedagogo, a partir da educação diferenciada para diferentes sujeitos sociais, como a Educação Infantil; políticas públicas da saúde, a partir da disciplina Educação e Saúde; sobre a formação crítica sobre o desenvolvimento sustentável, a partir de questões relacionadas ao meio ambiente, através da disciplina Educação Ambiental. Nos quadros abaixo podemos entender essa organização curricular e suas respectivas equivalências: Desdobramentos das áreas/matérias em disciplinas Área/Matéria Código Disciplinas 1. FORMAÇÃO GERAL C/H 1.1 – Sociologia 1.1.1 – Sociologia Rural 1.1.2 – Sociologia da Educação 1.1.3 – Movimentos Sociais e o Campo 1.1.4 – A questão agrária e o capitalismo 60 60 60 60 1.2 – Filosofia da Educação 1.2.1 – Filosofia da Educação 60 1.3 – História da Educação 1.3.1 – História da Educação I 1.3.2 – História da Educação II 60 60 1.4 – Língua Portuguesa 1.4.1– Linguagens: produção e recepção 100 1.5 – Psicologia da Educação 1.5.1 – Psicologia da Educação 90 1.6 – Didática 1.6.1 – Fundamentos da Didática 90 1.7 – Pesquisa 1.7.1 – Pesquisa I 1.7.2 – Pesquisa II 60 90 1.8 – Currículo 1.8.1 – Teorias do Currículo 80 1.9 – Política Educacional 1.9.1 – Política Educacional Brasileira 120 Sub Total 1050 2.FORMAÇÃO DIFERENCIADA 2.1 – Educação Popular 2.1.1 – Educação Popular 100 2.2 – Alfabetização 2.2.1 – Alfabetização 2.2.2 –Alfabetização de Jovens e Adultos 100 100 2.3 – Literatura 2.3.1 – Literatura Infantil 60 2.4 – Gestão Escolar 2.4.1 – Organização do Trabalho Pedagógico e Gestão Escolar 90 2.5 – Trabalho e Educação 2.5.1 80 2.6 – Teoria e Prática dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental 2.6.1 – Teoria e Prática dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental I 2.6.2 – Teoria e Prática dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental II 2.6.3 – Teoria e Prática dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental III 2.6.4 – Teoria e Prática da Educação de Jovens e Adultos 100 2.7.1 – Estágio Supervisionado I 2.7.2 – Estágio Supervisionado II 2.7.3 – Estágio Supervisionado III 2.7.4 – Estágio Supervisionado IV Sub Total 100 100 100 100 2.7 – Estágio Supervisionado 3.FORMAÇÃO INDEPENDENTE 3.1 – Independente – Trabalho e Educação 3.1.1 – Construção Social da Infância e Educação Infantil 3.1.2 – Educação e Saúde 3.1.3 – Educação Ambiental Sub Total Atividades Acadêmicas Complementares (min. 5%) 100 100 100 330 100 60 60 220 200 Serão desenvolvidas conforme resolução nº 025/2003 CEPE/Unioeste, de 20 de março de 2003. TOTAL Fonte: Projeto Político Pedagógico (2004) 800 Eixos temáticos EIXOS Educação, Infância, Jovens e Adultos Matéria Disciplinas Práticas Educativas e Pesquisa Matérias Disciplinas Sociedade, Educação e Conhecimento Matérias Disciplinas Alfabetização Alfabetização Alfabetização de Didática Jovens e Adultos Teoria e Prática dos Anos Iniciais do Ensino Teoria e Prática Fundamental I dos Anos Teoria e Prática Estágio Iniciais do dos Anos Iniciais SupervisioEnsino nado do Ensino Fundamental Fundamental II Teoria e Prática dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental III Teoria e Prática dos Anos Iniciais da Educação de Jovens e Adultos Língua Portuguesa Literatura Psicologia Educação Educação Popular Linguagens: produção e Pesquisa recepção Literatura Infantil da Psicologia da Educação Educação Popular Independente Construção (na org. curr.Social da Infância pleno) e Educação Infantil Sociologia Rural Fundamentos Sociologia da Didática Sociologia da Educação Movimentos Sociais e o Campo A questão agrária e o capitalismo Estágio Supervisionado I Estágio Supervisionado II Filosofia da Educação Filosofia da Educação História da Educação História da Educação I Currículo Teorias do Currículo Trabalho e Educação Gestão Escolar Trabalho e Educação Estágio Supervisionado III Estágio Supervisionado VI Pesquisa I Pesquisa II História da Educação II Org. do Trab. Pedagógico e Gestão Escolar Política Política Educacional Educacional Brasileira Independente Educação Ambiental (na org. curr. Educação e Saúde pleno) Fonte: Projeto Político Pedagógico (2004) Assim, a distribuição das disciplinas, durante as etapas do curso, ficou da seguinte forma: Distribuição das disciplinas Código 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 Disciplina 1º ano Linguagens: produção e recepção Sociologia Rural História da educação I Psicologia da Educação Teorias e práticas de ensino dos Anos iniciais do Ensino Fundamental I Filosofia da Educação Estágio supervisionado I 2º ano Pesquisa I Educação Popular Sociologia Educação História da Educação II Teorias e práticas de ensino dos Anos iniciais do Ensino Fundamental II Alfabetização Org. Trab. Pedagógico e Gestão Escolar Estágio Supervisionado II 3º ano Política Educacional Brasileira Movimentos Sociais e o Campo Teorias do currículo Alfabetização de Jovens e Adultos Fundamentos da didática Literatura Infantil Teorias e práticas da educação de jovens e adultos Estágio Supervisionado III Pré requisito Código Carga Horária Total Teórica Prática 100 60 60 90 100 80 60 60 90 90 20 10 60 100 60 70 30 Sub-total 570 510 60 02 03 05 60 100 60 60 100 60 85 60 60 80 15 20 07 100 90 100 80 80 70 20 10 30 Sub-total 670 575 95 120 60 80 100 90 60 120 60 80 80 75 50 20 15 10 15 100 100 80 50 20 50 Sub-total 710 595 115 10 13 12 24 25 26 27 28 29 30 31 4º ano Pesquisa II Construção social da infância e Educação Infantil Educação e Saúde A questão agrária e o capitalismo Teorias e práticas de ensino dos Anos iniciais do Ensino Fundamental III Educação Ambiental Trabalho e Educação Estágio Supervisionado IV 08 90 70 20 100 60 60 80 50 60 20 10 - 23 100 60 80 100 80 50 80 50 20 10 50 Sub-total TOTAL 650 2600 520 2200 130 400 17 12 Fonte: Projeto Político Pedagógico (2004) Ao todo 80% do corpo docente foi composto pelos professores de vários cursos da própria UNIOESTE como: Pedagogia, Geografia, Ciências Sociais, Enfermagem, Matemática, Letras, Biologia, entre outros e 20% por professores convidados vinculados aos Movimentos Sociais. Todos os professores participavam das reuniões, da organização do curso e acompanhavam o projeto pedagógico e demais atividades referentes ao curso. Os professores que participaram desse curso foram os seguintes: Quadro corpo docente por centro/campus Nome do Docente TITULAÇÃO Graduação e pós-graduação Área de RT conhecimento da titulação Disciplinas Francis Mary G. Nogueira Graduação em Letras, com Mestrado em Educação e Doutorado em Educação Política Educacional 40 Política Educacional Brasileira Antonio Bosco de Lima Graduação em Pedagogia com Mestrado em Educação e Doutorado em Educação Gestão Escolar 40 Organização do Trabalho Pedagógico e Gestão Escolar Graduação em Letras com Mestrado em Educação Escolar Educação Escolar 40 Alfabetização Literatura Infantil Graduação em Educação física com Mestrado em Educação Currículo Escolar 40 Benedita de Almeida Clésio Acilino Antonio Teorias do Currículo Teo. Prát. de ens. anos inic. do Ens. Fund. I, II e III Rosana Cristina Biral Leme Graduação em Geografia com Mestrado em Geografia Desenvolvime nto Regional e Planejamento Ambiental 40 Educação Ambiental Beatriz Rodrigues Carrijo Graduação em Geografia com Mestrado em Geografia Planejamento Ambiental 40 Educação Ambiental Roseli Alves dos Santos Graduação em Geografia com Mestrado em Geografia Desenvolvime nto Regional e Planejamento Ambiental 40 Teo. Prát. de ens. anos inic. do Ens. Fund. I, II e III Graduação em Letras, com Mestrado em Educação Linguística 40 Linguagens:produ ção e recepção Políticas de Saúde 40 Educação e Saúde Política Educacional 40 Educação e Saúde Rosana Becker Quirino Maria Lúcia Frizon Solange de Fátima Reis Conterno Graduação em Enfermagem, Mestrado em Educação e Doutorado em Saúde Coletiva Graduação em Pedagogia com Mestrado em Educação José Luiz Zanella Graduação em Filosofia com Mestrado em Educação e Doutorado em Educação Filosofia da Educação 40 Filosofia da Educação Eliane Cardoso Brenneisen Graduação em Ciências Sociais, Mestrado em Sociologia e Doutora em Sociologia Movimentos Sociais 40 Sociologia Rural João E. Fabrini Graduação em Geografia com Mestrado em Geografia e Doutorado em Geografia Desenvolvime nto Regional e Planejamento Ambiental 40 A questão agrária e o capitalismo Osmir Dombrowski Graduação em Ciências Sociais, Mestrado em Sociologia e Doutorado em Sociologia Movimentos Sociais 40 Movimentos sociais e o campo Luis César Teixeira dos Santos Graduação em Educação Física com Mestrado em Educação Fundamentos da Educação 40 Teo. Prát. de ens. anos inic. do Ens. Fund. I, II e III Fernando José Martins Graduação em Pedagogia com Mestrado em Educação Gestão escolar 40 Organização do Trabalho Pedagógico e Gestão Escolar Trabalho e Educação 40 Trabalho e Educação Graduação em História com Mestrado em Educação Educação Básica 40 Teo. Prát. de ens. anos inic. do Ens. Fund. I, II e III Graduação em Pedagogia com Mestrado em Educação História e Educação Georgia Sobreira dos Santos Cêa Marizete Lucini Aparecida Favoretto Graduação em Pedagogia com Mestrado em Educação e Doutorado em Educação Política Educacional Brasileira Liliam Faria Porto Borges Janete Ritter Graduação em História com Mestrado em Educação Fundamentos da Educação Política Educacional Brasileira Graduação em Pedagogia com Especialização em Fundamentos da Educação Fundamentos da Educação 40 História da Educação Yolanda Zancanella Graduação em Pedagogia com Mestrado em Educação Formação de Professores 40 Fundamentos da Didática Jouberth Max Maranhão Piorsky Aires Graduação em Ciências Sociais, Mestrado em Educação Sociologi 40 a da Educação Sociologia da Educação Sirlei Aparecida Meira de Araújo Taveira Psicologia da Educação Daniela Corrêa da Rosa Estágios Supervisiona dos André Pereira Pedroso Teorias e Práticas dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental Rosana Vaguetti Luchesi Linguagens: Produção e Recepção Alexandra Santos Pinheiro Suze Scalcon Literatura Infantil Psicologia da Educação DOCENTES MOVIMENTOS SOCIAIS – Convidados Nome do Docente TITULAÇÃO Graduação e pós-graduação Isabela Camini Graduação em Pedagogia, com Mestrado em Educação Noeli Graduação em Pedagogia com Weckenfelder Mestrado em Educação e Doutorado em Educação Valdir Duarte Graduação em Filosofia com Mestrado em Educação e Desenvolvimento Roseli Caldart Graduação em Pedagogia com Mestrado em Educação e Doutorado em Educação José Jackson do Graduação em Pedagogia com Reis mestrado em Educação Maria Cristina Graduação em Pedagogia com Vargas Especialização em Educação do Campo Conceição Graduação em Pedagogia, com Paludo Mestrado em Psicologia da Educação e Doutora em Educação Solange Todero Graduação em Pedagogia com Von Onçay Mestrado em Educação Área de RT Disciplinas conhecimento da titulação Fundamentos da Sociologia da Educação educação Educação Infantil Construção Social da Infância Educação e Desenvolvimento Sociologia da Educação Metodologia do ensino Pesquisa I e II Alfabetização Teoria e Prática da EJA Teoria e Prática da EJA Alfabetização Educação e Movimentos Sociais Educação Popular Educação e Movimentos Sociais Prática de Ensino Educação Popular Marcos Gehrke Graduação em Pedagogia com Alfabetização Especialização em Metodologia dos Anos Iniciais Prática de Ensino Maria Isabel Grein Graduação em Filosofia com Educação Popular Especialização em Educação do Campo Miguel Arroyo Mestre em Ciências Políticas e Ciências Políticas Doutor em Educação Eriete Botton Graduação em Pedagogia Educação Infantil Especialista em Orientação Educacional Estágio Supervisionado Alfabetização de Jovens e Adultos Estágio Supervisionado Educação Popular Fundamentos da Didática Educação Infantil RESUMO DA QUANTIDADE DE DOCENTES DA UNIOESTE POR TITULAÇÃO Graduado Especialista Mestre Doutor 0 02 14 08 Total de Docentes por Centro CECA=10 Fonte: Projeto Político Pedagógico (2004) CCH=10 CCBS=2 CCHS=3 CCHEL=1 CEL=1 Outro fator importante do curso foi o Estágio Supervisionado realizado no próprio local de trabalho do educando e acompanhado pelos professores do Curso, pelos especialistas da área e pelos Movimentos sociais. A única exigência era de que a escola fosse uma Escola do campo e articulada, preferencialmente, aos projetos parceiros de educação dos Movimentos Sociais. Os educandos apresentaram, ao final do curso, o trabalho de conclusão de curso (TCC). Assim, a carga horária de teoria e prática distribuída ao longo do curso, foram tomadas como espaço de estudo, pesquisa e atividades de prática de ensino, sempre que possível, articuladas interdisciplinarmente pelo conjunto de disciplinas anual, utilizando-se de tópicos integradores como momento de planejamento, troca e avaliação entre os espaços e tiveram um total de 2800 horas distribuidas em quatro anos. Portanto, na medida em que os educandos afirmam que a formação docente, num curso superior de pedagogia, representa a possibilidade do acesso ao conhecimento científico historicamente construído, eles demonstram que a formação político-pedagógica de educadores no MST tem o intuito de assegurar a existência desse sujeito coletivo. E também a necessidade da busca de um processo pedagógico teórico-prático que venha possibilitar a cada educando Sem Terra a consciência crítica militante, o compromisso com a luta social do Movimento e a transformação da realidade. CONCLUSÃO Propusemo-nos no presente trabalho fazer a caracterização do curso de Formação de Educadores do Campo em Francisco Beltrão, no Paraná, sendo esse o primeiro do Estado. A realização desse primeiro curso representou um grande passo dos Movimentos Sociais que vêm lutando pela efetivação de políticas públicas para a Educação do Campo. A luta desses Movimentos ganhou mais força a partir do apoio de alguns professores vinculados a diversas instituições de ensino. Assim, é importante afirmar que esse curso representa a conquista dos sujeitos do Campo que, historicamente, foram excluídos e esquecidos em seu meio e que continuam lutando por políticas favoráveis ao seu atendimento em todas as necessidades existentes em sua comunidade. Nesse sentido, No que se refere especificamente ao Curso de Pedagogia da Terra, tal como a proposta aqui apresentada, estes cursos respondem a uma necessidade de formação das massas camponesas excluídas de qualquer possibilidade de freqüentarem um Curso Superior, inclusive os educadores. Outro aspecto a destacar é de ser esta uma oportunidade de abrir o debate sobre a especificidade da questão do campo em espaços como as universidades e outras instituições de pesquisa e extensão, dimensão esta normalmente ausente nestes espaços acadêmicos. (GHEDINI, 2007, p. 142) Assim, mesmo que não tenham acesso a uma proposta de Educação do Campo com a mesma qualidade que se propõe nos espaços específicos, podem ter um conhecimento mais apropriado e qualificado que lhes permita avançar no desenvolvimento humano e para isso é preciso ampliar a parceria com universidades e mesmo com outras instituições que desenvolvam outros níveis de ensino, para atingir, pelo menos em parte, um contingente maior de sujeitos que vivem no campo. A educação voltada para a classe hegemônica produz um sujeito voltado para o individualismo, para o consumo e outros valores, e o professor formado nesse contexto acaba, até mesmo despercebido, formando outros sujeitos com esse pensamento hegemônico passando os dias a repetir, memorizar e a acreditar que todos têm as mesmas oportunidades, que é preciso ter força de vontade, que o modelo é justo e quem não consegue progredir são os perdedores. O capital alimenta constantemente seus professores com novos modelos de ensinar, mas tendo sempre o objetivo de manutenção do que está dado. Dessa forma, o professor não garante ao seu aluno, e a si mesmo, uma análise radical do modelo econômico em que está imerso e que determina sua existência. Neste estudo teve-se a intenção de apontar para a necessidade de uma educação que supere essa prática e que leve o indivíduo a se beneficiar do conhecimento produzido pela humanidade, somado ao conhecimento produzido na comunidade buscando soluções para os problemas reais, gerando novos conhecimentos. Espera-se que esse ser humano em formação entenda o mundo em sua dialética e possa fazer escolhas e buscar alternativas, de forma cooperativa e humana. No curso de Pedagogia do Campo, da Unioeste, podemos constatar práticas significativas em relação às aproximações com a proposta da pedagogia socialista. Porém, afirmar que uma proposta de formação de professores é revolucionária não significa dizer que não possui contradições. Essa formação revolucionária guarda em si a raiz da contradição que a faz existir no atual momento histórico. Assim, a formação de educadores do campo vem se consolidando como referência para a elaboração de proposições para a formação acadêmica das diversas áreas do conhecimento desenvolvidas pelas universidades brasileiras, onde se fizeram presentes nesse processo de formação, pois são educandos que trazem consigo uma história de vida marcada pela vivência da luta diária dos Movimentos sociais do campo, educadores e como militantes. Isso os torna engajados com os pressupostos da luta do Movimento que os leva a vivenciar cotidianamente a experiência da luta de classes e para isso o Movimento investe na formação política de seus militantes. Dessa forma, na experiência da turma “Antonio Gramsci”, percebe-se que ao ingressar no curso, os educandos têm consciência de seus compromissos frente ao Movimento. Os educandos do curso têm compreensão da necessidade da continuidade da luta de seus Movimentos sociais, pois são sujeitos que vislumbram a superação e transformação do modelo de sociedade vigente. As expectativas dos educandos afirmavam-se nesse objetivo. A principal delas é de qualificar suas práticas políticas e pedagógicas. Uma consideração a fazer é sobre os limites deste trabalho que possibilitaram compreender que esta investigação precisa de maior profundidade e pesquisa. A idéia inicial desse trabalho era entrevistar os egressos do curso para tentar identificar quais as práticas pedagógicas estão sendo usadas pelos mesmos, onde estão atuando e, principalmente, se continuam sua formação acadêmica. Segundo dados do próprio Movimento, grande parte dos formandos se encontra atuando no campo, junto a comunidades camponesas e dois egressos estão cursando mestrado, na UNIOESTE e na UEM, o que demonstra a seriedade e vitalidade do curso. Porém, o tempo não nos possibilitou fazer essa investigação despertando o desejo de fazê-lo em um estudo futuro. Em síntese, esta pesquisa possibilitou-nos aprendizados e vivências intensas sobre o processo de formação de educadores do campo em um curso superior de Pedagogia da Terra. Permitiu-nos compreender a luta para formação de educadores do campo como necessária, mas principalmente cumpriu o papel de gerar inquietações e angústias, para que tivéssemos a necessidade de avançar no debate da formação de educadores e educadoras no âmbito das práticas dos Movimentos sociais do campo, especialmente do MST. REFERÊNCIAS ARROYO, M. Os Desafios de Construção de Políticas para a Educação do Campo. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. 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