Filipe S. Fernandes
As Vítimas do Furacão
Espírito Santo
ÍNDICE
O rasto do furacão .................................................. ...........................................
Prelúdio....................................................................... ...........................................
O banco que se via e o grupo que se escondia...........................................
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PARTE I
A família Espírito Santo e as alianças com empresários e investidores
1. O nome Espírito Santo não é eterno .... ...........................................
2. Os donos da Espírito Santo Control ...............................................
3. O nome que abria as portas nos negócios .....................................
4. O regresso dos Espírito Santo ...........................................................
5. O poder do BES .......................................... ...........................................
6. Os números do império Espírito Santo ..........................................
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PARTE II
Conflitos com accionistas e as investigações judiciais ............................
1. A longa guerra de Salgado com Queiroz Pereira .........................
2. O tiro fatal de Pedro Queiroz Pereira .. ...........................................
3. O Dono Disto Tudo é detido em casa. ...........................................
4. Dinheiro e problemas em Angola.....................................................
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PARTE III
A guerra civil nos Espírito Santo ........................ ........................................... 89
1. A sucessão de Ricardo Salgado .............. ........................................... 91
2. O fim do consenso e da infabilidade de Salgado......................... 95
3. A revolução no GES em Outubro e o aperto em Dezembro .... 101
PARTE IV
Aumento de capital revela dívida colossal ..................................................
1. Aumento de capital com 30 páginas de riscos .............................
2. O fim de Ricardo Salgado e o último assalto
de José Maria Ricciardi ......................................................................
3. Ricardo Salgado, «uma mão de aço em luva de cetim» ............
PARTE V
As vítimas do BES-GES ....................................................................................
1. O pânico dos clientes ...........................................................................
2. Os dias da queda: o vazio de poder ................................................
3. O turbilhão das acções, o fim do Banco Espírito Santo
e o Novo Banco .....................................................................................
4. A tragédia dos pequenos accionistas...............................................
5. A decepção do Crédit Agricole .........................................................
6. A hecatombe da Portugal Telecom ..................................................
7. Os investidores: como se financiava o império com a crise......
8. Os despedimentos na Eurofin provocados pelo
esquema das obrigações do BES .......................................................
9. Os clientes do BES ................................................................................
10. A angústia das empresas...................................................................
11. O bolso dos contribuintes sob ameaça.........................................
12. Os polícias sob escrutínio: Banco de Portugal,
a CMVM e a KPMG .........................................................................
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Depois do fim ...................................................................................................... 211
O RASTO DO FURACÃO
O furacão BES deixou um rasto de destruição que o Financial Times estimou em dez mil milhões de euros, o equivalente
a 5,9% do PIB. Mas os cenários do Banco de Portugal para
uma queda desordenada, provocada pela liquidação imediata
ou pela falência do banco, apontavam para valores que poderiam ir dos 18 mil milhões, numa perspectiva mais optimista,
a 28 mil milhões, a que teriam de se adicionar entre 9 e 18 mil
milhões de euros do Fundo de Garantia de Depósitos. Ou seja,
cerca de 50 mil milhões de euros, dez vezes o BPN, quase 30%
do PIB. A história da derrocada do Grupo Espírito Santo em
números ganha contornos de tragédia. O BES apresentou os
maiores prejuízos da história empresarial portuguesa no primeiro semestre de 2014, 3,577 mil milhões de euros. O montante de 4,9 mil milhões de euros para criar o Novo Banco
poderá ter um efeito de 2,9% no PIB, a acrescentar ao défice
público de 2014.
Entre as suas vítimas contam-se 30 mil accionistas e 2,2
milhões de clientes que viram os seus investimentos e as suas
poupanças bloqueados à espera de uma solução, que dificilmente passará pela disponibilidade imediata do dinheiro.
Lesou os investidores institucionais em vários pontos do
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globo, que ficaram sem os activos investidos na miríade de
empresas e holdings do grupo. Só em papel comercial evaporaram-se dois mil milhões de euros.
A PT SGPS, que estava em processo de fusão com a brasileira Oi, foi afectada por um investimento de 900 milhões de
euros na Rioforte e os seus accionistas, que tiveram de ceder
14,1% do capital, viram as acções cair 67% de Janeiro a Outubro. Considerado o principal banco das empresas, a queda do
BES obrigou milhares de empresas a suspender investimentos e
a mudar de parceria e até a correr risco de falência.
O seu impacto reflecte-se também no sistema financeiro,
que poderá ter de suportar os custos da resolução do banco,
além de ver a sua imagem afectada.
Muitos trabalhadores do Grupo Espírito Santo já perderam
o seu emprego, porque alguns bancos foram liquidados, outros
estão em vias de o perder por estarem em empresas em processo
de insolvência e muitos outros vivem com incerteza o futuro.
Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro, afirmou a 22 de
Outubro de 2014, no Luxemburgo que «o que aconteceu ao
Banco Espírito Santo foi evidentemente uma má notícia, que
terá consequências do ponto de vista económico no futuro de
Portugal». Há efeitos que vão sendo apercebidos como, por
exemplo, o facto de o Banco Espírito Santo aplicar cerca de
4 milhões de euros em mecenato e patrocínio no desporto,
cultura, educação, saúde, ambiente e ciência. Também investiu
cerca de 4 milhões em publicidade e comunicação.
A Procuradoria-Geral da República nomeou uma equipa
especial para investigar as irregularidades na gestão do banco
e nas empresas da família Espírito Santo, e o Ministério
Público já abriu três inquéritos à gestão do BES e das empresas da família.
A intensidade do furacão atingiu o Banco de Portugal, a
CMVM, o BCE, o governo e até o Presidente da República. Mas
na origem do furacão BES estão guerras de famílias, engenharia
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financeira, prejuízos ocultos, um poder que se julgava absoluto
e que se esboroa. Marcou o fim de uma dinastia financeira e
de uma marca com 150 anos, e transformou um banqueiro,
Ricardo Salgado, todo-poderoso – conhecido como o DDT
(Dono Disto Tudo) – numa espécie de vilão do século xxi.
A tudo isto se chamou o «Portuguese banking disaster» nas
palavras do International New York Times.
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PRELÚDIO
AS EXPLICAÇÕES DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
A UM JORNALISTA
Cavaco Silva explica a um jornalista a diferença entre a
área financeira do Grupo Espírito Santo (GES) e a área não
financeira, o BES bom e o BES mau.
Segunda-feira, 21 de Julho de 2014, Cavaco Silva, Presidente da República, estava de visita oficial à Coreia do Sul
quando quebrou uma das suas regras de não falar de assuntos
internos no estrangeiro e assegurou que o «Banco de Portugal
tem sido peremptório, categórico, a afirmar que os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo», acrescentando
que «dado que as folgas de capital são mais do que suficientes para cobrir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa»1. Cavaco Silva contou
que foi questionado sobre a situação do BES num encontro
com um jornalista em Seul e disse que lhe conseguiu explicar
a diferença entre a área financeira do Grupo Espírito Santo e a
área não financeira. «Mesmo em Portugal há alguma confusão
entre estas duas áreas», sublinhou Cavaco Silva na conferência de imprensa realizada após um encontro com a presidente
«Presidente da República elogia governador do Banco de Portugal», agência Lusa
(editado por João Pedro Henriques), Diário de Notícias, 21 de Julho de 2014.
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sul-coreana, Park Geun-hye, o último ponto do programa da
visita oficial de Cavaco Silva à República da Coreia. Lembrou
que o Banco de Portugal tinha vindo a tomar, desde há algum
tempo, «medidas para isolar o banco, a parte financeira, das
dificuldades financeiras da zona não financeira do grupo».
Dias antes, a 18 de Julho de 2014, a Espírito Santo International, a holding de topo do Grupo Espírito Santo que detinha
100% da Rioforte, entrara com o pedido de gestão controlada
num tribunal do Luxemburgo por não estar em condições de
cumprir as suas obrigações no que respeita ao pagamento das
dívidas, seguiu-se a 22 de Julho a Rioforte Investments e, a 24
de Julho, a ESFG.
Como escrevia o Expresso, «sabe-se da relação próxima
entre o Presidente da República e o governador do Banco de
Portugal, Carlos Costa, cujas posições antecipam frequentemente as próprias tomadas de posição»2. Não deixou de elogiar o governador e o Banco de Portugal: «Sobre a actuação
do Banco de Portugal neste processo, Cavaco Silva disse que,
segundo a informação que tem, o banco, “como autoridade de
supervisão, tem vindo a actuar muito bem a preservar a estabilidade e a solidez” do sistema bancário português. “Eu, de
acordo com a informação que tenho do próprio Banco de Portugal, considero que a actuação do banco e do governador tem
sido muito, muito correta”, reiterou. Sobre os efeitos da situação do GES e do BES na economia portuguesa, Cavaco Silva
afirmou que “haverá sempre alguns efeitos”, mas considera que
“não vêm do lado do banco, vêm da área não financeira”. “Se
alguns cidadãos, alguns investidores vierem a suportar perdas
significativas podem adiar decisões de investimento ou mesmo
alguns deles podem vir a encontrar-se em dificuldades muito
fortes”, adiantou. Por isso, acrescentou, “não podemos ignorar
Luísa Meireles e Pedro Santos Guerreiro, «Queiroz Pereira avisou Cavaco sobre o
GES», Expresso, 6 de Setembro de 2014.
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que algum efeito pode vir para a economia real, por exemplo,
em relação àqueles que fizeram aplicações” nas partes internacionais do grupo que estão separadas do banco em Portugal. “Mas eu penso que não terá assim significado de monta”,
acrescentou3.»
«Presidente da República elogia governador do Banco de Portugal», agência Lusa
(editado por João Pedro Henriques), Diário de Notícias, 21 de Julho de 2014.
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O BANCO QUE SE VIA
E O GRUPO QUE SE ESCONDIA
Havia um banco que era líder de mercado e um mundo
opaco feito de empresas, holdings e veículos de investimento
assente em dívida.
O BES propagandeava que «à data de 30 de Abril de 2014
era o maior banco nacional cotado em Portugal por capitalização bolsista (5127 milhões de euros) e a segunda maior instituição financeira privada em Portugal em termos de activos
(80,6 mil milhões de euros em 31 de Dezembro de 2013)».
E que o grupo BES tinha presença em quatro continentes, actividade em 25 países e mais de dez mil colaboradores.
Afirmava também que o BES tinha aumentado a sua quota
média de mercado doméstico desde a privatização, de 8,5% em
1992 para 19,5% no final de 2013, medida através da média
aritmética simples entre as quotas de mercado nos vários produtos ou serviços. A base eram as seguintes quotas de mercado:
r Recursos totais de balanço 16,6%
r Planos Poupança Reforma 18,8%
r Rendas vitalícias, produtos de risco e seguros de capitalização 18,4%
r Fundos de investimento, fundos de pensões e gestão discricionária de portefólios 18,9%
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Créditos à habitação 10,2%
r Crédito a particulares para outros fins 18,8%
r Facturação de cartões 12,3%
r Crédito a empresas 25,7%
r Leasing 17,2%
r Factoring 21,5%
r Trade finance (cobranças, cash letters, créditos documentários e garantias) 30,6%
r Corretagem 15%
r TPA 28,8%
r
(Prospecto do aumento de capital, Maio de 2014, p. 11)
Em 31 de Dezembro de 2013, entre os cinco maiores bancos portugueses, era o que tinha maior peso no crédito às
empresas.
Reunia o consenso ibérico em termos de investimento, pois
era «a instituição financeira com maior peso de recomendações de compra/manter» na Península Ibérica pelos analistas
financeiros.
Razões de sobra, segundo o BES, para se investir no aumento
de capital, operação que iria permitir ao banco figurar entre «os
bancos ibéricos mais capitalizados em termos de rácios de solvabilidade, o que lhe permitiria enfrentar os desafios futuros de
forma independente e sem se desviar da sua estratégia».
As recomendações dos analistas em relação ao último
aumento de capital do BES, como referia, a 17 de Setembro
de 2014, Leonardo Mathias, secretário de Estado adjunto e
da Economia, que foi director-geral para a Península Ibérica
da Schroders e fundou a Dunas Capital, eram: «Seis comprar,
nove manter, dois vender. Ou seja, 15 analistas achavam que
se podia manter ou comprar. E em 10 de Julho, sete comprar,
sete manter e um único analista dizia que se devia vender.»
Leonardo Mathias acrescentava que o «risco não pode ser distribuído por pessoas que não sabem interpretar a dimensão e
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o significado desse mesmo risco», ou seja, os pequenos accionistas. O governante também analisou o relatório de contas de
2013 da Portugal Telecom e considera que «há alguns sinais
de que eventualmente poderiam ter levantado questões muito
sérias a um analista financeiro em reunião com o CFO»4.
As suas campanhas não deixavam ninguém indiferente
como a que aproveitou a ida de Cristiano Ronaldo, contratado para imagem do banco em 2003, para o Real Madrid,
a da aldeia Esperança e a D. Inércia. No prospecto do último
aumento de capital a marca BES era avaliada em 640 milhões
de euros, de acordo com a Brand Finance, em Março de 2014
– era sustentado pelo testemunho dos clientes que o elegeram
como líder na satisfação de clientes em 2013, segundo o ECSI
Portugal – Índice Nacional de Satisfação do Cliente, índice que
é utilizado pela Associação Portuguesa de Seguros para analisar o sector e fazer comparações.
O Banco Espírito Santo controlava os seguintes bancos:
r 100% do Banco Espírito Santo de Investimento, SA
(BESI), Portugal, banca de investimento
r 80% do BES Investimento do Brasil, Brasil, banca de
investimento
r 87,50% do Banque Espírito Santo et de la Vénétie, SA (ES
Vénétie), França, banca
r 40% do Aman Bank for Commerce and Investment Stock
Company, Líbia, banca
r 57,53% do Banco Espírito Santo dos Açores, SA, Portugal, banca
r 75% do BEST – Banco Electrónico de Serviço Total, SA
(BEST), Portugal, banca electrónica
r 55,71% do Banco Espírito Santo Angola, SA (BESA),
Angola, banca
André Cabrita-Mendes, «Leonardo Mathias critica analistas nos casos BES e PT»,
Jornal de Negócios, 17 de Setembro de 2014.
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99,75% do Banco Espírito Santo do Oriente, SA (BESOR),
Macau, banca
r 99,99% do Espírito Santo Bank (ESBANK), Estados Unidos, banca
r 100% do BIC International Bank Ltd. (BIBL), Ilhas Caimão, banca
r 100% do Banco Espírito Santo Cabo Verde, banca
r 100% do Bank Espírito Santo International, Ltd. (BESIL)
Ilhas Caimão, banca
r 20% do Banco Delle Tre Venezie, Itália, banca
r 49% do Moza Banco, Moçambique, banca
r
Mas abrindo um pouco a cortina era possível ver uma
outra realidade que dentro de pouco tempo se sobreporia ao
retrato dado pelo prospecto do aumento de capital.
Em Março de 2014, segundo o Expresso, os advogados
da Espírito Santo Control, escritório de advogados Arendt &
Medernach, sugeriram aos administradores desta empresa e
da Espírito Santo International que solicitassem a protecção
de credores às autoridades do Luxemburgo quer para a ESI
quer para a ESFIL, sociedade financeira criada para prestar
serviços às empresas da área não financeira do Grupo Espírito
Santo. A Arendt & Medernach aconselhava ainda as empresas
do Grupo Espírito Santo a não emitirem mais dívida por isso
poder constituir um crime e recomendava a denúncia do caso
ao procurador do Luxemburgo.5 Este conselho dos advogados
surgia depois de analisados os factos e as contas da ESI, de
acordo com documentos sobre a situação financeira da holding
preparados por Carlos Calvário, responsável do gabinete de
risco do Banco Espírito Santo, João Martins Pereira, assistente
da administração, e Nelson Pita, director do departamento de
João Vieira Pereira, «Advogados queriam que GES parasse de emitir dívida»,
Expresso, 5 de Julho de 2014.
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contabilidade do banco.»6 Alertavam também para o perigo
de derrocada ao referirem a possibilidade de a ESI entrar «em
incumprimento em poucas semanas», o que teria um impacto
«não só na ESI mas em todas as entidades que venderam dívida
desta holding, nomeadamente no Banco Espírito Santo e no
Banque Privée Espírito Santo» 7. Referiam-se ainda ao facto de
nas contas da ESI terem sido escondidas perdas desde 2008:
«Os advogados emitiram um parecer sobre os “erros” nas contas das ESI para concluírem que na opinião deles não se trata
de um caso de negligência mas de um acto com a intenção de
esconder perdas desde 2008. O que é crime de acordo com a
lei do Luxemburgo, como foi explicado numa reunião do conselho de administração da ESI.»8
6
João Vieira Pereira, «Advogados queriam que GES parasse de emitir dívida»,
Expresso, 5 de Julho de 2014.
7
Idem.
8
Ibidem.
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