O UNIVERSO APOLÍNEO E DIONISÍACO DA TRAGÉDIA GREGA NO PENSAMENTO DE NIETZSCHE Viviani Martins dos Santos (Bolsista PET filosofia/UFSJ) Glória Maria Ferreira Ribeiro (Orientadora – Tutora do Grupo PET filosofia/UFSJ) Agência financiadora: MEC/SESu Resumo: O que nos interessa neste artigo é evidenciar o universo Apolíneo e o Dionisíaco que, ao se relacionarem dão origem a tragédia grega. Dentro de nossa pesquisa procuramos levantar as principais características do Apolíneo, “arte do figurador plástico” e do Dionisíaco, “arte não figurada da música”. Tomaremos como obra de referência o “Nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo” (mais precisamente a primeira e segunda sessão), obra editada em 1871 que faz parte da primeira fase do pensamento de Nietzsche. Palavras-Chave: Apolíneo, Dionisíaco, Tragédia grega. O presente artigo procura evidenciar, dentro do pensamento do filósofo alemão Friederich W. Nietzsche (1844-1900), o universo Apolíneo e o Dionisíaco que ao se relacionarem dão origem a tragédia grega. Para tanto utilizaremos sua primeira obra intitulada Nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo, que foi escrita em 1871, traduzida por J. Guinsburg e editada em 1992, pela editora Companhia das letras de São Paulo. Serão discutidas, mais precisamente, a primeira e segunda sessões. Esta obra faz parte da primeira fase de seu pensamento, ou seja, de sua juventude, que teve grande influência do também filósofo alemão Arthur Schopenhauer, mais exatamente de sua obra O mundo como vontade e representação e de seu amigo músico Richard Wagner. Para podermos iniciar esta abordagem é importante fazermos uma explanação de como surgiu a tragédia grega. O mito de Dionísio – variações sobre o mesmo tema Junito de Souza Brandão em sua obra Mitologia Grega, mais exatamente no segundo volume desta coleção, conta-nos que Dionísio (ou Baco) teve duas origens ou nascimentos. O primeiro veio através do amor entre Zeus e Perséfone, que traíra sua esposa Hera. Enciumada, Hera persegue constantemente Dionísio. Zeus, para protegêlo, o entrega aos cuidados de Apolo e dos Curetas para que o escondesse na floresta do Parnaso. Mesmo Zeus tentando de todas as formas salvar seu filho, Hera o descobre na floresta, enviando então os Titãs, para que pudessem matar o sucessor de Zeus no governo do mundo. “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano IV - Número IV – janeiro a dezembro de 2008. SANTOS, Viviani Martins dos -2- Os Titãs atraíram o pequeno menino com brinquedos místicos. A criança é feita em pedaços pelos Titãs, que após cozinhar sua carne, a devoram. Zeus, furioso, queima os Titãs e resgata o coração de seu filho e o engole, para que este não perca as suas forças, já as cinzas deram origem aos homens. Após este ocorrido, Zeus traíra novamente sua esposa, mas agora com Sêmele. Ao fecunda-la, Zeus dá origem ao segundo Dionísio (através do coração do filho assassinado). Hera novamente descobre a traição de seu marido, e furiosa tenta matar Sêmele. Hera se transforma em mortal, para que pudesse se tornar a ama de Sêmele. Após conquistar sua confiança a induz a pedir ao amante que lhe aparecesse em forma de deus, isto porque um deus não pode aparecer em todo o seu esplendor a um mortal - se caso isso ocorresse este não suportaria o poder emanado dessa manifestação divina e morreria. Sêmele é convencida por Hera, e faz o pedido a Zeus. Este havia à prometido que não lhe negaria nenhum pedido, cedendo então a sua vontade. Ao se apresentar na forma de deus todo o palácio entra em chamas, matando Sêmele. Contudo, Zeus consegue salvar o seu filho novamente, que ainda se encontrava no ventre da mãe, colocando-o em sua coxa para que pudesse completar sua gestação. Zeus, temeroso do ciúme de sua esposa Hera, transforma seu filho em bode e pede que Hermes o esconda no monte Nisa, confiando seu filho aos cuidados das Ninfas e Sátiros, que lá viviam. Mesmo assim Hera descobre a existência do filho de Zeus, e o persegue incessantemente. Dionísio para fugir do ódio de sua madrasta sempre se metamorfoseava, ou seja, estava sempre tomando novas formas para não morrer. Nem sempre este metamorfoseamento o fazia escapar da morte, por várias vezes Dionísio foi morto, mas sempre ressucitara em nova forma, pois sendo um deus tinha como característica a imortalidade. Dionísio além de ter como característica a metamorfose e imortalidade, também é um deus do campo. Assim como sua mãe Sêmele é um deus da vegetação e é extremamente poderoso. Emais: além de ser um deus da vegetação, ele tem como característica a umidade, que dá fertilidade a terra possuindo como poder o fogo, que é vindo através de sua origem paterna, ou seja, Dionísio é o deus da fertilidade e do fogo. No monte Nisa, que era cercado por uma intensa vegetação, o adolescente Dionísio colhe algumas das frutas existentes no local, mais exatamente uvas, e as espreme, colocando o suco em taças de ouro, bebe-o juntamente com os Sátiros e as Ninfas que “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano IV - Número IV – janeiro a dezembro de 2008. O UNIVERSO APOLÍNEO E DIONISÍACO DA TRAGÉDIA GREGA NO PENSAMENTO DE NIETZSCHE -3- começa a dançar ao som dos címbalos. Após dançarem freneticamente todos caíram semi-desfalecidos, dando desta forma origem aos cultos à Dionísio. Os cultos ao deus da embriagues Os cultos ao deus Dionísio se realizavam, geralmente, da seguinte forma: todos os participantes, após beberem o vinho Dionisíaco, começavam a dançar e cantar freneticamente, este normalmente acontecia à noite, ao som das flautas e címbalos, até caírem semi-desfalecidos. Ao entrarem neste estado de semi-desfalecimento, através da embriaguez (vinda do vinho) e da euforia (incitada pela música), os homens entravam em comunhão com o deus, entrando em uma nova dimensão da vida, mais próxima da imortalidade. Isto se dava pelo fato de “saírem de si” através do êxtase (a embriaguez mais a euforia). Ao saírem de si os homens perdiam o seu Métron, a medida de cada um, libertando-se de tal forma de seus limites, que nada mais eram do que os limites culturais e políticos (ipso facto). Este êxtase ou entusiasmo tinha como maior característica a união do mortal com o deus, no qual o mortal se tornava parte do deus se identificando com ele. Neste extâse o mortal é tomado por uma manía, ou seja, é possuído pelo divino, e é tomado por uma explosão de liberdade, que é celebrada na forma de orgias e extrema agitação, que caracterizavam a união com o deus. Outra característica do culto é o sacrifício de um bode (ou touro), que era a representação das várias mortes do deus. Neste os mortais matavam o animal e bebiam o seu sangue ainda quente e logo após comiam suas carnes cruas (assim como os Titãs fizeram com o primeiro Dionísio), este não se dava sem o transe orgiástico, no qual se celebrava uma das principais características do deus, a fertilidade, por seus devotos através do sexo. Como Dionísio é um deus do campo, estes cultos eram somente celebrados neste. Mas com o aumento das cidades e a maior força da pólis - que tinha como característica a ponderância, e aconselhava aos homens que sempre se vigiassem, que nunca passassem de suas medidas, que conhecessem a si mesmos. Sendo assim, a pólis era totalmente contra a démesure (desmedida) humana, pois isso seria um total desrespeito aos deuses a aos próprios homens, mesmo assim era impossível que os cultos a Dionísio não chegassem às cidades. Para que isso ocorresse de forma pacífica foi necessária a política de um tirano, Pisístrato, que tirou algumas características dos cultos a Dionísio e introduziu características de Apolo, transformando assim o culto e o fazendo entrar nas cidades. “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano IV - Número IV – janeiro a dezembro de 2008. SANTOS, Viviani Martins dos -4- Foram criadas então quatro festas em honra ao vinho, quais sejam: Dionísias Rurais, Lenéias, Dionísias Urbanas ou Grandes Dionísias e Antestérias. As duas primeiras conservavam mais o caráter orgiástico dos cultos à Dionísio, a terceira é que deu origem à Tragédia Grega e a última é de maior complexidade e também duração. As características de Apolo são mais fáceis de serem percebidas na terceira festa, Dionísias Urbanas ou Grandes Dionísias, que deram posteriormente origem a tragédia Grega. O ritual e os fenômenos que se encontram na origem da tragédia A tragédia tem origem precisamente na desmedida que acontece quando o homem, em extâse, ultrapassa a medida que lhe é própria, lançando o homem lançado num estado de Hybris. Ou seja, após muito dançarem e beberem, os homens totalmente embriagados caíam desfalecidos, saindo de si mesmos através o êxtase (ékstasis). No extâse o homem entrava em um plano mais elevado, mergulhando no deus Dioníso (Baco), este mergulhar em Dioniso e o contato com outro plano era o entusiasmo (enthusiasmós), no qual o homem mortal comunga com a imortalidade, se tornando um herói, ultrapassando sua medida. Ao fazer esta ultrapassagem este homem se torna um outro, este é um Ator (anér), que é aquele que responde em êxtase e entusiasmo (hypócrités). Os deuses eram contra a démesure humana, pois, esta era uma afronta ao homem e a eles. O homem ao tornar-se um anér, alcança essa démesure, com isso causa o ciúme divino (némesis), sendo punido através da cegueira da razão (até). Com esta punição, tudo o que fizer, realizará contra si mesmo, caindo no destino cego (Moira). Apolo é exemplificado através desta punição, a punição que é dada ao homem que ultrapassa a sua medida, sendo assim, os cultos a Dionísio passam a ter um papel educador dentro da pólis. Na sua interpretação sobre a origem da tragédia, Nietzsche se apóia nesses dois universos artísticos, ou seja, no Apolíneo e no Dionisíaco. O primeiro do “figurador plástico” e o segundo “o da música”. Da tensão entre esses dois deuses, nasce a tragédia grega. Para entendermos melhor como essa tensão se dá, e como Nietzsche entende a tragédia, vamos seguir os mesmos passos dele, separando o universo Apolíneo do Dionisíaco. Para Nietzsche, Apolo é a significação do Universo dos sonhos, pois, é a partir deles que o artista vê a sua obra, e ela lhe aparece. Esse universo se refere principalmente à arte plástica e à parte da poesia. Isto ocorre porque é através do sonho que todas as formas artísticas nos aparecem melhor, revelando o que elas realmente são, ou seja, como meras aparências. Isto é, o que o sonho nos mostra nada mais é do que a aparência: “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano IV - Número IV – janeiro a dezembro de 2008. O UNIVERSO APOLÍNEO E DIONISÍACO DA TRAGÉDIA GREGA NO PENSAMENTO DE NIETZSCHE -5- uma representação ilusória da realidade - que, nela mesma, permanece desconhecida (tal realidade considerada em si mesma - a coisa-em-si -, é aquela a que o filósofo busca conhecer). Esta relação que se verifica entre o artista e a aparência é expressa na relação que se verifica entre fenômeno e Vontade (de viver), de Schopenhauer. Para esse filósofo a Vontade não é algo consciente, mas um impulso cego, a coisa-em-si, o conteúdo interno que move o mundo, sua essência. Por outro lado, a aparência é como o fenômeno (isto é, aquilo que se mostra desse mesmo mundo) só que de forma mais superficial. Ao se manter nessa superficialidade, o artista não conhece o que realmente move o mundo, mas somente percebe sua relação através do universo dos sonhos. Porém esta relação, de como tudo se move, só é buscada pelo filósofo, cabendo ao artista apenas representá-la. Estes sonhos que tomam o artista nem sempre são agradáveis e belos, mas também podem ser sombrios e terríveis - pois este universo nada mais é que a total demonstração dos sentimentos e das relações existentes na vida, assim como Rosa Maria Dias afirma que este universo “dá forma às coisas, delimitando-as em contornos precisos, fixando seu caráter distintivo e determinando, no conjunto sua função, seu sentido individual. Modelando o movimento de todo elemento vital, imprimindo a cada um a cadência – a forma do tempo -, ele impõe ao devir uma lei, 1 uma medida”. Só que como o artista encontra-se no Universo dos sonhos, estes sentimentos lhes causam prazer e alegria - pois, como já dito a representação deste universo é o deus Apolo, que traz beleza e leveza a tudo, até mesmo às sensações mais duras e difíceis da vida. Esta relação também se dá no mundo da fantasia, que como no universo dos sonhos, traz leveza tornando a vida “possível e digna de ser vivida”2. Este mundo de fantasia e sonhos tem seu limite, este se dá na linha entre a aparência e a realidade, esta linha não pode ser ultrapassada. Quando isto ocorre a realidade nos parece grosseira, pois, perdemos “aquela limitação mensuradora, aquela liberdade em face das emoções mais selvagens, aquela sapiente tranquilidade do seu plasmador”3, Apolo. A beleza e tranquilidade que temos durante a vida, aquela sensação de bem estar, que vem a partir de Apolo que, como o véu de Maia de Schopenhauer, que traz leveza a vida -sendo essa vida, na verdade, dura e pesada, pois, estamos em constante conflito e 1 Dias, Rosa Maria. Nietzche e a música. Rio de Janeiro: Imago, 1994, p. 25. Nietzsche, Friedrich Wilhelm. O nascimento da tragédia grega ou helenismo e pessimismo. Tradução, notas e prefácio: J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 146. 3 Idem. 2 “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano IV - Número IV – janeiro a dezembro de 2008. SANTOS, Viviani Martins dos -6- guerra pela sobrevivência. Esta leveza atribuída a Apolo, se dá através do princípio de individuação, que se realiza a partir da relação de espaço e tempo que singularizam o princípio (que torna tudo idêntico a tudo). Sendo Apolo a maior expressão desse princípio de singularidade. Sendo assim, Apolo é o “realizador do equilíbrio e da harmonia dos desejos, não visava a suprimir as pulsões humanas”4, mas torná-las mais leves e fáceis de serem controladas. Já quando o homem ultrapassa este princípio de individuação, ou a medida de cada um, ele entra no universo Dionisíaco5, sendo tomado por um imenso terror, que é quando o homem perde seu princípio de razão (relação de espaço, tempo e causalidade). Dentro da estrutura trágica isto é representado quando o herói é tomado pela cegueira da razão. Cegueira que expressa a punição que os deuses infligem aos homens, quando esses se aproximam da dimensão da imortalidade. Este terror ainda pode ser agravado pelo êxtase Dionisíaco, no qual sua essência, que é o impulso vital ou Vontade de vida, aparece de forma mais completa e intensa ao homem, sem qualquer intervenção da aparência. Esta Vontade tem sua maior expressão através do impulso sexual, que é um dos principais no universo Dionisíaco, que também pode ser entendido como Vontade de vida, pois o impulso sexual nada mais é que a continuação da existência humana, como também o instinto de sobrevivência que é característico de todos os seres vivos da natureza. Os cultos a Dionísio são a melhor expressão desta ultrapassagem do princípio de individuação, pois, o homem quando se encontra em extâse entra em uma dimensão mais intensa e profunda, onde todas as sensações e sentimentos se tornam mais intensos e terríveis. Neste estado o homem entra em total igualdade com os outros e também com a natureza, que antes eram tidos como distintos. O homem retorna a sua essência, voltando a ser uma unidade com o mundo, assim, com a vontade “graças ao evangelho da harmonia universal, cada qual se sente não só unificado, conciliado, fundido com o seu próximo, como se o véu de Maia 4 Brandão, Junito de Souza. Mitologia grega, Vol. II. Petrópolis: Editora Vozes, 1999. p. 85. Em relação aos cultos dionisíacos há uma pequena diferenciação a ser feita, pois haviam gregos 5 Dionisíacos e bárbaros Dionisíacos. Os bárbaros Dionisíacos cultuavam de modo mais intenso e rústico, onde “o centro dessas celebrações consistia numa desenfreada licença sexual, cujas ondas sobrepassavam toda a vida familiar e suas venerandas convenções”. Já os gregos Dionisíacos iam contra essas atividades orgiásticas, uma vez que, a partir da figura de Apolo, que era a maior expressão do “conhece-te a ti mesmo”, que tinha como maior papel “aumentar a espiritualidade e purificar a alma de certas paixões desastrosas” deixando desta forma o lado orgiásticos dos cultos naturais à Dionísio. “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano IV - Número IV – janeiro a dezembro de 2008. O UNIVERSO APOLÍNEO E DIONISÍACO DA TRAGÉDIA GREGA NO PENSAMENTO DE NIETZSCHE -7- tivesse sido rasgado e, reduzido a tiras, esvoaçasse diante do misterioso 6 Uno-primordial” . Ao entrar neste estado, nesta nova dimensão, o homem se livra de todos os seus limites, tornando-se superior, sobrenatural, “se sente como um deus”7, deixando, assim, de ser artista para se tornar obra-de-arte, este gera “um prazer supremo, um êxtase delicioso que ascende de o íntimo de seu ser e mesmo da natureza”8. Considerações finais Os universos artísticos, o Dionisíaco e o Apolíneo, foram até então, analisados “sem a mediação do artista humano”9 - que se revela como um “imitador”; artista que tomado pela embriaguez e pelos sonhos, do universo Apolíneo, percebe o mais íntimo da vida, imitando estas imagens que lhe aparecem, assim como Aristóteles, na Poética, afirma que a tragédia é: “...imitação (mímesis) de uma ação séria e completa, dotada de extensão, em linguagem condimentada para cada uma das partes (imitação que se efetua) por meio de atores e não mediante narrativa e que opera, graças ao temor e à piedade, a purificação (kátharsis ou catarse) de tais emoções.” Assim sendo, a tragédia é a imitação desses dois universos, um que nos mostra tudo o que há de mais terrível e pulsante na vida, o Dionisíaco. E o universo dos sonhos que nos mostra a realidade de modo mais formal, o Apolíneo. Assim sendo, segundo Rosa Maria Dias é “imitação de um processo da natureza, ou seja , do movimento que ela realiza para criar ou reproduzir as aparências, o do movimento que faz para reabsorver ou destruir as aparências”10. A tragédia nos causa terror e piedade ao mesmo tempo que prazer e entusiasmo, provocando sentimentos próximos à razão, esta relação é a purificação, onde tais sentimentos são vistos e sentidos com mais pureza e afastados do real. O universo Apolíneo se manifesta na tragédia através da precisão de causalidade lógica quase perfeita, pois, os gregos tinham uma “incrivelmente precisa e segura capacidade plástica de que eram dotados os seus olhos, unida a sua luminosa e sincera 6 Nietzsche, Friedrich Wilhelm. O nascimento da tragédia grega ou helenismo e pessimismo. Tradução, notas e prefácio: J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 31. 7 Idem. 8 Dias, Rosa Maria. Nietzche e a música. Rio de Janeiro: Imago, 1994, p. 29. 9 Nietzsche, Friedrich Wilhelm. O nascimento da tragédia grega ou helenismo e pessimismo. Tradução, notas e prefácio: J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 32. 10 Dias, Rosa Maria. Nietzche e a música. Rio de Janeiro: Imago, 1994, p. 31. “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano IV - Número IV – janeiro a dezembro de 2008. SANTOS, Viviani Martins dos -8- paixão pela cor”11 e de formas perfeitas, assim também eram as cenas, de perfeita e completa expressão dos sonhos. Através disto fica caracterizada a reconciliação desses dois universos tão diversos, mas esta conciliação é temporária, pois, ela sempre necessita ser reafirmada. Esta reconciliação é que transforma o culto a Dionísio em um fenômeno artístico, pois, o artista deixa de ser extático, como o Dionisíaco que não tem qualquer controle sobre si, para se tornar mais Apolíneo, dando uma forma mais artística e bela ao que há de tão terrível. Assim sendo, o artista rompe o princípio de individuação de forma mais bela e artística, no qual tudo que é terrível e mais forte da vida e da natureza nos é apresentado de forma bela e mágica, nos extasiando e purificando. A tragédia grega é a expressão da tensão entre o Apolíneo e o Dionisíaco, que demonstra não somente uma expressão artística, mas uma relação necessária à vida, pois ela tem como maior expressão seus impulsos vitais - quais sejam, os sexuais e de sobrevivência ou os da Vontade de vida (expressas por Dionísio); mas, para que assim se possa sobreviver é necessária a aparência (expressa por Apolo), pois, seria extremamente pesado viver sem a beleza e leveza expressas por Apolo, ou seja, sem esta espiritualização da vida. Referências Bibliográficas: Nietzsche, Friedrich Wilhelm. O nascimento da tragédia grega ou helenismo e pessimismo. Tradução, notas e prefácio: J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. _____________. Obras completas. 5ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. [s.p.]. (Os pensadores). NUNES, Benedito. Passagem para o poético: filosofia e poesia de Heidegger. São Paulo: Ática, 1986. Brandão, Junito de Souza. Teatro grego: tragédia e comédia. Petrópolis: Editora Vozes, 2002. __________. Mitologia grega, Vol. II. Petrópolis: Editora Vozes, 1999. Dias, Rosa Maria. Nietzche e a música. Rio de Janeiro: Imago, 1994. 11 Nietzsche, Friedrich Wilhelm. O nascimento da tragédia grega ou helenismo e pessimismo. Tradução, notas e prefácio: J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 32. “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano IV - Número IV – janeiro a dezembro de 2008.