SEMINÁRIO INTERNACIONAL - AMAZÔNIA E FRONTEIRAS DO CONHECIMENTO NAEA - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos - 35 ANOS Universidade Federal do Pará 9 a 11 de dezembro de 2008 Belém - Pará - Brasil REGIÃO DO VALE DO JARI: IMPLICAÇÕES E PERSPECTIVAS NO PROCESSO DE GESTÃO URBANA. Eliana do Socorro de Brito Paixão (UNIFAP) - [email protected] Mestre em Desenvolvimento Regional e docente da UNIFAP nos Cursos de Graduação em Secretariado Executivo, Arquitetura e Urbanismo e Especialização em Gestão Urbana. Região do Vale do Jari: Implicações e Perspectivas no Processo de Gestão Urbana. Eliana do Socorro de Brito Paixão1 Universidade Federal do Amapá O Vale do Jari possui uma dinâmica urbana peculiar que envolve os municípios de Vitória do Jari e Laranjal do Jari, no estado do Amapá e, o distrito de Monte Dourado no município de Almeirim, estado do Pará. Essa região apresenta na sua configuração urbana, distintos cenários: o distrito de Monte Dourado é fruto do desenvolvimento planejado, coadunando todas as condições de urbanização e qualidade de vida. Vitória do Jari e Laranjal do Jari, no entanto, possuem características típicas de cidades emergidas na periferia de grandes empreendimentos privados. Nessa perspectiva, abundam os contrastes sócio-espaciais urbanos na região. Nesse contexto, Laranjal do Jari se configura como o centro irradiador do processo de ocupação, que se consolidou, sendo um dos condicionantes, a conexão com a BR 156. O objetivo deste artigo é analisar as práticas de gestão urbana empreendidas na região do Vale do Jari, considerando a relação entre os núcleos urbanos envolvidos e as políticas de ocupação consolidadas ao longo do tempo. A abordagem trilha pela dinâmica sócio-espacial; gestão urbana diante do fluxo que envolve duas cidades e um distrito; e, perspectivas intra-urbanas, considerando-se que o citado fluxo interfere na morfologia urbana, na medida em que as condições habitacionais são distintas, a urbanização não segue o mesmo padrão de qualidade e a dinâmica de ocupação possui ritmos também distintos. Palavras-chave: espaço urbano; políticas públicas; gestão urbana; planejamento. 1 Contadora, Mestre em Desenvolvimento Regional e professora Assistente I do Colegiado de Secretariado Executivo e Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Amapá. 2 Introdução A formação urbana no Vale do Jari, remonta a instalação do Complexo Jari2 na região, na década de 1970. Este processo se desenvolve, ao longo do tempo, englobando os municípios de Laranjal do Jari e Vitória do Jari, no sul do estado do Amapá, e, o município de Almeirim, no norte estado do Pará, onde se localiza o distrito de Monte Dourado. De acordo com o Censo Populacional de 2007 (SIDRA.IBGE, 2008), Laranjal do Jari possui uma população de 37.491 habitantes e extensão territorial de 31.170,30 Km², sendo 32 Km² de área urbana (TOSTES, 2006); Vitória do Jari, 10.765 habitantes e área territorial de 2.483 Km², distante 30 Km de Laranjal do Jari; e, Almeirim, que possui extensão territorial de 72.960 Km² e 30.903 habitantes, desses 38% estão em Monte Dourado. O distrito de Monte Dourado conta com um parque industrial importante, sendo, portanto, remanescente do antigo Projeto Jari. No Vale do Jari, abundam os contrastes sócio-espaciais urbanos. De um lado, o espaço controlado e estruturado pelo Complexo Jari. De outro, a desorganização, em grande medida, ancorada pelo provimento de políticas públicas paliativas relativas à infra-estrutura e equipamentos públicos, na medida em que a dinâmica social caminha à frente das prefeituras que não conseguem cumprir a contento, o seu papel no fornecimento do atendimento às demandas sociais. Este artigo tem o propósito de analisar as práticas de gestão urbana empreendidas na região do Vale do Jari, considerando a relação entre os núcleos urbanos envolvidos e as políticas de ocupação consolidadas ao longo do tempo. Para elaboração desta pesquisa, foram aplicados os métodos histórico, lógico e dialético, que permitem no resgate de aspectos relevantes do passado, entender o presente e, produzir discussões que levem à melhor compreensão da dinâmica de ocupação naquela região. O presente trabalho trilha pela estrutura que permeia a dinâmica de ocupação empreendida nos núcleos urbanos do Vale do Jari; políticas públicas e as práticas de gestão urbana diante do fluxo que envolve as duas pequenas cidades (OLIVEIRA, 2004) e um distrito; e, perspectivas na gestão urbana com abordagens acerca de questões sócio-espaciais e do planejamento como instrumento de política urbana. 2 O Projeto Jari, abrangia parte de Almeirim-PA (60%) e 40% em Laranjal do Jari e a totalidade de Vitória do Jari, à época integrante do município de Mazagão-AP, sendo agraciado, com “(...) uma das maiores jazidas de caulim do mundo” Porto (2003, pp. 75;135) situada no Morro do Felipe, estado do Amapá. 3 1 Dinâmicas de Ocupação dos Núcleos Urbanos no Vale do Jari 1.1 Municipalização e Aspectos Sócio-Espaciais O Vale do Jari, desde a década de 1970, imprime uma dinâmica de ocupação peculiar e diferenciada. A ampliação populacional desencadeada pelo processo migratório que trouxe como conseqüência a ocupação desordenada do espaço urbano, implica em progressivo apelo por atendimentos mais consistentes às demandas sócio-espaciais urbanas. Reflete, portanto, “(...) a outra face dos grandes empreendimentos econômicos e são marcadas pela precária qualidade de vida que caracteriza os centros urbanos na Amazônia (TRINDADE JR. E ROCHA, 2002, p.17)”. Isso suscitou a transformação urbana na região, culminando com o surgimento das três cidades: Monte Dourado (1983), Laranjal do Jari (1987) e Vitória do Jari (1994). Monte Dourado, convertido em distrito em 1983, surge planejada como Company Town3 do complexo Jari, para dar suporte ao contingente formalmente empregado por aquele empreendimento. Laranjal do Jari e Vitória do Jari, ao contrário, surgem com total ausência de regras. Ao comparar esses três núcleos, no que diz respeito aos aspectos sócio-espaciais, podese identificar facilmente os contrastes. De um lado do rio Jari, onde se situam Laranjal do jari e Vitória do Jari, estão as adversidades. De outro lado, em Monte Dourado, sobressai o legado qualitativo, com todas as condições de infra-estrutura, habitação e salubridade. A municipalização de Laranjal do Jari, em 1987, legitimou o núcleo Beiradão4 emergido sob palafitas. Assim também ocorreu com Vitória do Jari municipalizado em 1994, núcleo urbano cristalizado (Beiradinha), sob palafitas, em frente a Caulim da Amazônia – CADAM, na Vila Industrial do Munguba (Monte Dourado), onde parte dos empregados construiu suas casas. Ambas propiciaram a ocupação desordenada em áreas impróprias para habitação, transformando-se em enormes favelas fluviais. Dessa forma, herdaram sérios problemas de saneamento, encetando precárias condições de salubridade. Observando os dados da Tabela 1 se verifica no contingente populacional algumas 3 Assentamento planejado com sistema completo de infra-estrutura, construído para abrigar mão-de-obra empregada em grandes empreendimentos econômicos. 4 É a parte alta das margens de rios, contudo, para elucidar a forma de ocupação que se constituiu inicialmente em Laranjal do Jari, Sautichuck et al (1979) consideram forma de povoação típica da Amazônia, onde as habitações são construídas nas beiras dos rios, em forma de palafitas. 4 peculiaridades. Em relação à população de Almeirim, em 2007, houve um decréscimo de 8,99%, em relação a 2000. Porém, para os mesmos parâmetros, verifica-se que a população do município de Laranjal do Jari foi ampliada em 31,48% e Vitória do Jari em 25,76%, com níveis de urbanização elevados, indicando que tais municípios são essencialmente urbanos. Tabela 1 – População do Vale do Jari (1991-2007) Indicadores População Taxa de urbanização Almeirim (PA) 1991 2000 2007 33.442 33.957 30.903 48,87 55,71 55,71 Laranjal do Jari (AP) 1991 2000 2007 16.637 28.515 37.491 85,96 93,96 94,00 Vitória do Jari (AP) 1991 2000 2007 4.736 8.560 10.765 0 80,37 81,00 Fonte: Censo Demográfico – 1991, 2000 e 2007 (SIDRA.IBGE, 2008) A criação do município de Laranjal do Jari (1987) suscitou evolução urbana no início da década de 1990, quando se configura uma nova organização espacial com a divisão em bairros e loteamentos. Contudo, de acordo com a Força Tarefa Local5 (2006), 37% da população local ainda habitam as áreas de várzea urbanas. Em termos absolutos, estima-se que 13.972 pessoas vivem nessas circunstâncias, em aproximadamente 3.3436 domicílios e desenvolvem intensa relação com o rio Jari. A evolução refletiu, sobretudo, na mobilidade e no sistema viário, carreando problemas substanciais a serem resolvidos: a, mobilidade, em razão da concentração de setores comerciais, de equipamentos e serviços públicos, na área central, próxima ao rio, implicando no desconforto aos que habitam os novos bairros; o sistema viário, na medida em que, parte de uma avenida denominada Tancredo Neves, construída perpendicular ao eixo do rio em direção a BR 156 para onde se dirige a expansão. Esta via funciona como uma barragem dividindo ao meio as áreas de várzea adensadas, convertendo-se em importante corredor comercial que atende a todo o Vale do Jari. 1.2 Finanças Municipais Com a municipalização, as finanças passam a exercer um papel fundamental na gestão 5 Grupo formado em 2006, por agentes sociais e sociedade civil de Laranjal do Jari, constituído para apoiar a elaboração do PDP na coleta e consolidação de dados, e também na logística que envolveu todo o processo. 6 Considerando 4,18 pessoas por domicílio apontadas pela pesquisa de campo; bases Censo de 2000 – Força Tarefa Local, 2006. 5 pública, na medida em que, as fontes geradoras de receitas são primordiais para investimento em programas de desenvolvimento nos mais diversos segmentos. De acordo com a Tabela 2, que apresenta um perfil das receitas públicas dos três municípios, observa-se que no município de Almeirim, onde está vinculado o distrito de Monte Dourado, as receitas correntes suplantam as de Laranjal do Jari. Isso se deve ao incremento de ISSQN (1.178%) e das transferências estaduais em 557%. Tabela 2 – Composição das Receitas – 2007 (em Reais) Receitas/Municípios Receita Total (Corrente) Receitas Tributárias IPTU IRRF ITBI ISSQN TAXAS Transferências Estaduais ICMS IPVA OUTRAS Transferências Federais Receitas de Contribuição Receitas Patrimoniais Receitas de Serviços Laranjal do Jari 22.154.318,72 770.084,37 8.564,56 241.034,98 569,85 458.883,45 61.031,53 2.752.034,18 2.417.685,50 94.183,22 240.165,46 18.326.173,76 ... 306.026,41 ... Vitória do Jari 13.945.744,87 1.075.319,74 ... 206.591,00 120,00 764.058,27 104.550,47 979.482,88 974.741,06 3.627,98 1.113,84 11.735.327,81 ... 49.061,50 106.552,94 Almeirim (*) 44.642.267,64 6.769.088,40 2.402,17 700.338,46 7.371,66 5.863.843,98 195.132,13 18.088.399,21 17.390.473,43 151.828,47 546.097,31 19.052.842,96 44.262,05 123.378,78 564.296,24 (*) dados de 2005 Fonte: STN, 2008 Sobre os tributos de maior expressão (IPTU7 e ISSQN8) e de competência dos municípios, no Vale do Jari, verifica-se que a arrecadação é insignificante. Contudo, os dados revelam que, de toda a receita atribuída aos municípios em tela, as transferências constitucionais são as que mais se destacam, apontando total dependência das demais esferas de governo: 95,14% para Laranjal do Jari, 91,17% para Vitória do Jari e 83,20% para Almeirim. Isso não é salutar à prática de uma gestão municipal efetiva, tendo em vista que a autonomia financeira desses municípios é praticamente inexistente, mas não se deve deixar de elucidar que nas atuais circunstâncias, as transferências são primordiais para investimentos em políticas públicas e ampliação de margem de manobra (SOUZA, 2006). Vale ressaltar que o repasse de ICMS ao município de Almeirim é bastante expressivo, 7 8 Imposto Predial e Territorial Urbano Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza: imposto que incide sobre serviços realizados por empresas prestadoras de serviços 6 sendo o valor 619% maior do que auferi Laranjal do Jari que possui uma população 21,32% superior, e, 1.684% maior do que o repasse à Vitória do Jari, de onde a CADAM extrai o Caulim. Este último município fornece a matéria-prima, mas não usufrui do imposto devido à comercialização do produto beneficiado9. Das receitas correntes, as despesas correntes10 consomem os seguintes percentuais: 76,47% para Laranjal do Jari, 96,80% para Vitória do Jari e 82,50% para Almeirim. Nesse grupo, as despesas com salários e encargos são as que mais contribuem: 71,75% para Laranjal do Jari, 57,79% para Vitória do Jari e 50,69% para Almeirim. Essa realidade, que ainda não se conseguiu equacionar, se verifica em quase todos os municípios brasileiros, sendo uma das razões pelas quais os projetos de políticas públicas não são executados a contento. Contudo, tal realidade requer mudança de postura por parte da gestão municipal no sentido de criar condições para a reversão do quadro que se apresenta, na medida em que a aplicação de recursos em outras atividades fica comprometida. 2 Políticas Públicas e as Práticas de Gestão Analisando o contexto que envolve a cidade de Laranjal do Jari e Vitória do Jari, verifica-se que o crescimento urbano é desprovido de planejamentos, como instrumentos de política urbana. A cultura da ausência de aplicação desse instrumento no direcionamento das ações dos gestores públicos tem implicado na consolidação de problemas sociais que se tornaram cada vez mais freqüentes, como: o desemprego, a favelização, a criminalidade e os cinturões de pobreza. Os problemas urbanos nessas cidades se encontram disseminados em toda a extensão da área urbana, porém com elevada visibilidade de concentração, nas áreas ambientalmente frágeis (várzea), onde a antropização é intensa. Dessa maneira, tais cidades se encaixam na condição de “cidade ilegal” (MARICATO, 2001, p.43), na medida em que a dinâmica sócioespacial articula-se sem nenhum tipo de regra e o processo de antropização se configura em 9 “(...) o seu beneficiamento e os valores da exportação são registrados como se fossem paraenses” (PORTO, 2003, p.136), uma vez que esse minério é transportado até a fábrica de beneficiamento no Pará por meio de um mineroduto de quatro quilômetros (SAUTCHUCK et al., 1979). 10 As despesas correntes correspondem ao grupo de despesas operacionais realizadas pela Administração Pública para realizar a manutenção dos equipamentos e promover o funcionamento dos órgãos vinculados às suas atividades básicas. Não inclui a formação ou aquisição de bens de capital. 7 sinalizador de que as áreas afetadas carecem de mecanismos de regulação e não de políticas paliativas. As políticas momentâneas que se sucederam, induzem nessas cidades a criação de suas próprias regras de estruturação urbana, ancoradas nas práticas das relações sociais, nas vivências do espaço e nas relações econômicas. O próprio Poder Público fortalece essa forma de ocupação quando instala: escolas, creches, posto de saúde, delegacias, secretarias municipais e outros órgão públicos, em ambientes impróprios para tal. No distrito de Monte Dourado, historicamente, a ocupação tem se constituído de forma ordenada, com todo o sistema de infra-estrutura adequado ao provimento de qualidade de vida, preservando-se, ainda nos dias atuais, níveis qualitativos também nos segmentos: habitacional, de saneamento de lazer e educacional, mesmo com limitações de continuidade de estudos. Contudo, os indicadores sociais de Almeirim distorcem essa realidade. 2.1 Indicadores Sociais no contexto urbano Embora os dados não sejam recentes, mas ainda válidos e ratificados pelas circunstâncias vigentes, verifica-se que no Vale do Jari, a taxa de analfabetismo é baixa, mas a média de estudos, em 2000, para maiores de 25 anos é de 4,3 anos, o que é bastante preocupante (Tabela 3). Laranjal do Jari já conta com instituições de ensino superior, inclusive a Universidade Federal, contudo, os cursos ainda não funcionam em período regular. Tabela 3 – Indicadores Sócio-Espaciais no Vale do Jari (1991-2000) Indicadores Taxa de analfabetismo (de 15 a 17 anos) Taxa de analfabetismo (de 18 a 24 anos) % com menos de 8 anos de estudo (de 18 a 24 anos) % com menos de 8 anos de estudo (de 18 a 24 anos) Média de anos de estudo (25 anos ou mais) Renda per capita Média proporção de pobres IDH Acesso a Água Encanada Energia Elétrica Coleta de Lixo % de crianças em famílias com renda inferior à 1/2 salário mínimo Fonte: PNUD (2008) Laranjal do Jari (AP) Vitória do Jari (AP) Almeirim (PA) 1991 2000 1991 2000 1991 2000 15,5 24,0 96,4 81,7 3,2 163,8 39,9 0,635 11,0 79,4 6,5 47,8 3,7 5,7 89,6 64,8 4,3 157,4 44,9 0,732 32,8 95,7 40,9 53,4 25,0 32,2 99,6 92,5 2,4 93,0 64,1 0,551 2,9 37,3 ... 70,9 3,1 7,7 84,8 65,0 3,5 115,9 57,5 0,659 39,8 83,6 97,0 64,9 20,5 19,9 96,9 73,1 3,9 150,3 51,8 0,662 53,2 72,5 81,7 60,1 9,8 14,6 84,4 63,7 5,0 251,1 49,7 0,745 54,3 78,2 80,1 61,3 8 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) indica que o Vale do Jari está entre as regiões consideradas de médio desenvolvimento humano (IDH entre 0,5 e 0,8), contudo, a realidade que está posta nos municípios amapaenses, contesta esses números. Ao contrário da realidade que se visualiza em Monte Dourado. Com exceção dos indicadores acesso à energia elétrica e à coleta de lixo, os demais indicadores acusam as precárias condições de vida. Os dados coletados pela Força Tarefa Local, em Laranjal do Jari, em 2006, apontam que relacionando as condições de pobreza à renda, 21% dos entrevistados estão abaixo da linha de pobreza, sobrevivendo com uma renda per capita de R$ 41,86 e 28 % estão na linha de pobreza, com uma renda per capita de R$ 83,73, ou seja, 49% dos entrevistados afirmaram que vivem com parcos recursos financeiros. Os domicílios sem acesso algum à rede de abastecimento de água representam 19,79% e a proporção de domicílios inadequados quanto ao abastecimento de água é de 20%. Em Vitória do Jari esse número sobe para 42,57% e 37% respectivamente (ROCHA, 2002). Sobre o prisma do esgoto sanitário inadequado, tanto Laranjal do Jari quanto Vitória do Jari apresentaram o índice bastante crítico de 99% (ROCHA, 2002). O relatório da Força Tarefa Local (2006), apontou que 64% da população entrevistada em Laranjal do Jari usam esgoto de forma inadequada e 63% das casas visitadas têm banheiros na parte externa. Essa mesma autora afirma que, as precárias condições de saneamento em todos os municípios foram determinantes nesse elevado índice de pobres no Amapá. Nessa perspectiva, Cohn (2002) discute, que as políticas sociais não têm continuidade porque são formuladas e operacionalizadas em bases patrimonialistas, clientelistas e sem planejamento. Para a autora, tal prática facilita a apropriação dessas ações por governantes descomprometidos com as questões sociais, que se preocupam com o seu próprio usufruto em detrimento da melhoria da qualidade de vida das pessoas. Na ausência de planejamento, a improvisação é inevitável e por vezes induzida, seja por desconhecimento do conjunto de ferramentas que os planejamentos públicos dispõem, seja por entenderem que a melhor forma de patrocinarem seus interesses políticos é praticar a gestão com a realização de ações pontuais. Diante desse quadro, o planejamento, enquanto política urbana, é concebido de forma secundária, como mero instrumento jurídico ao cumprimento da legislação vigente. E nesse contexto, a cultura política delineada e enraizada ao longo de décadas, entende o planejamento como um entrave diante da sua característica básica que é estabelecer diretrizes que vislumbrem a realização de ações em longo prazo (SOUZA, 2006). 9 Nesse contexto, a sociedade é um dos elementos que compõem o conjunto de atores que integram a corrente de forças, necessárias à elaboração de políticas que resultem numa intervenção sócio-espacial urbana que beneficie a coletividade. Com suas necessidades heterogêneas, também carecem de políticas públicas igualmente heterogêneas e não homogeneizadas como é de praxe nas práticas dos gestores municipais (BONETI, 2006). Nessa forma de gerir o município, é muito comum a aplicação da “[...] prática intervencionista do fazejamento que se caracteriza basicamente pela preferência por ações imediatistas, de curto prazo” (TOSTES, 2007b, p.10), fragmentando-as de maneira que a sociedade não se beneficia continuamente e de forma duradoura. Essa discussão revela que não dissociar a política urbana e a política social é fundamental ao exercício da cidadania. No entanto, as condições impostas são faces de relações sociais desiguais, ancoradas nos aspectos históricos, cultural e políticos que vislumbram atender necessidades e anseios variados. 3 Perspectivas nas políticas de Gestão Urbana 3.1 A Relação de Confiança entre distintos atores e o reflexo no fluxo urbano A ausência de credibilidade que permeia a gestão urbana no Vale do Jari advem da execução de políticas que não se desdobraram em benefícios coletivos diante da realidade que está posta. É como se a sociedade não tivesse direito à cidade (LEFEBVRE, 2006). As desigualdades e segregações sociais acusam que a exclusão dos processos políticos circunda as camadas menos abastada financeiramente (BONETI, 2006). Um dos indutores desse processo, principalmente na cidade de Laranjal do Jari, aponta à inexistência de execução de diversos projetos, planos e programas que foram pensados para o município, sem a devida materialização. A propósito, vale destacar, que as prefeituras de Laranjal do Jari e Vitória do Jari têm celebrado convênios com diversos ministérios, para captação de recursos dirigidos a projetos de infra-estrutura, habitacional, de saneamento, e, na área da saúde. No entanto, verificou-se que alguns deles ainda não iniciaram e que vencem ainda este ano. Isso revela que os recursos são destinados, mas por múltiplas razões, não são utilizados no tempo devido, correndo sérios riscos de devolução. 10 A desconfiança não se restringe apenas aos gestores públicos, mas a outros atores como: organizações sociais com viés partidários e as que são constituídas informalmente, sem a estrutura adequada para funcionamento; ONG´s; e, as empresas do Complexo Jari. Estas últimas, pelo seu porte, ainda que de forma indireta, contribuíram à deflagração da precarização das condições sócio-espaciais e ambientais estabelecidas na região. A participação dessas empresas, por meio da Fundação Orsa11 em ações que se desdobrem em benefícios coletivos, tem se mostrado tímida. Mas há que se ressaltar o Poder Público local, contribui para essa atuação, na medida em que, não elabora projetos potencializando parcerias com tais empresas, que provisionam 1% da sua receita bruta, para utilização em ações favoráveis aos municípios do Vale do Jari. A despeito de tal situação, é importante considerar alguns aspectos: mesmo estando instalada no distrito de Monte Dourado, estado do Pará, as empresas do Complexo Jari induzem relevante movimento econômico em Laranjal do Jari. O comércio de varejo funciona intensamente atendendo a todo o Vale, engendrando postos de trabalhos e fomentando o fluxo sócio-espacial na região. Nesse contexto, Laranjal do Jari se configura como o centro irradiador de todo o processo de ocupação, sistematizado na região, sendo um dos condicionantes, a conexão com a BR 156. No atual contexto, a presença da Universidade Federal do Amapá – UNIFAP, em Laranjal do Jari é a que desperta maior credibilidade, principalmente a partir da instalação do Pólo Universitário na cidade. Isto tem possibilitado a aproximação com a comunidade, facilitando a presença de pesquisadores nos mais diversos segmentos sociais para realização de trabalhos científicos ou de extensão como foi o caso da elaboração do plano diretor daquele município. No que diz respeito à articulação urbana, o Vale do Jari não se dá conta das peculiaridades e contrastes que os diferencia em ritmos e tempos. A dinâmica empreendida na região implica em considerar o rio Jari como a estrada de interconexão entre duas pequenas cidades e um distrito planejado, por meio do movimento de catraias que possibilita encurtar as distâncias sociais. O fluxo intra- urbano na região indica a dependência de aproximação entre as três cidades. Seja pela troca da força de trabalho, seja o acesso ao comércio, ou até mesmo a outros centros urbanos. A construção da ponte sobre o rio Jari, iniciada em 2007 e pensada para conectar o estado do Amapá ao Pará, numa parceria do Governo Federal, Governo do Amapá e a 11 Fundação vinculada ao Complexo Jari. 11 Prefeitura de Laranjal do Jari, a despeito dos impactos sociais e ambientais, tem instigado diversas reflexões e expectativas, algumas positivas, outras nem tanto. Ainda não é possível inferir, concretamente, sobre os benefícios à região, além da perspectiva de dinamização do fluxo do tráfego de pessoas e veículos, que atualmente é realizado pelo rio. Contudo, há uma preocupação da Associação dos Catraieiros. Por décadas eles realizam a travessia de pessoas e mercadorias de um lado para outro do rio. Entretanto, há limitações no funcionamento de embarques e desembarques no porto, tanto de pessoas, quanto de veículos e de produtos, com relação a horário especialmente. Segundo a associação, com a ponte funcionando, a mudança de profissão é inevitável, pois não há condições de competir com agilidade e comodidade que uma via pavimentada. Prematuramente, infere-se que, a ponte não será apenas um elo de conexão entre dois estados a influenciar no aspecto viário e mobilidade daquele contexto, mas, sobretudo, indutora da mudança da dinâmica que se apresenta num ritmo mais lento, estabelecida no Vale do Jari, para um ritmo mais ágil. São expectativas que merecem estudo mais apurados cientificamente, especialmente após a conclusão das obras, porém pertinentes diante dos conhecimentos tradicionais da região. 3.2 O Planejamento como Instrumento de Política Pública Grande parte dos gestores públicos dos municípios não se preocupou em aplicar algum modelo de planejamento, ainda que apresentasse um formato tecnocrático, e nem tampouco a construção desse instrumento focado nas especificidades locais e ancorado por discussões e deliberações democráticas conforme estabelece o Estatuto da Cidade. Em alusão às cidades em tela, aponta-se que Vitória do Jari não dispõe de planejamento urbano e de acordo com o Estatuto da Cidade não há obrigatoriedade em razão do seu contingente populacional. Todavia, o planejamento não deveria ser produto de uma exigência e sim considerado como um instrumento que auxilia no direcionamento das ações dos gestores públicos. Em Monte dourado, a organização espacial ainda é fruto do planejamento urbano elaborado e implementado na década de 1970, pelo Complexo Jari. Embora a construção da Company Town tenha sido construída para atender necessidades do empreendimento, o uso de técnicas e materiais adequados, ainda produzem efeitos consistentes e duradouros. 12 Em relação a Laranjal do Jari, ter mais de 20.000 habitantes possibilitou a vivência na elaboração do seu Plano Diretor Participativo - PDP (Lei Municipal de nº 302/2007) com a participação de atores sociais locais conforme prevê o referido estatuto. A despeito de ser um instrumento técnico, revelou-se também um importante instrumento de luta social, cujo processo de elaboração exerceu um papel pedagógico e político significativo no âmbito da cidade, que deve ser estimulado. O plano é um instrumento que oferece alternativas para mitigação dos problemas consolidados, além de diretrizes vislumbrando o desenvolvimento de forma sustentável. Mas, por si só, não resolve tais questões, sendo imperativa a pressão popular sobre o poder público municipal, visando a sua operacionalização e efetividade. Contudo, o PDP poderá se deparar com alguns entraves na sua execução, pois requer mudança de postura do poder público local. “Mudar um sistema de governo local, baseado na improvisação, para outro fundamentado na previsão (no planejamento) é, realmente, uma tarefa das mais complexas” (SCHWEIZER, 2008). Não se pode refutar, que na composição das lutas empreendidas sobre esse prisma, existam interesses ambivalentes (OLSON, 1999) e nessa trajetória não foi diferente, tendo em vista que alguns vícios persistem enraizados. Em relação à participação democrática, o que se observou em Laranjal do Jari, foi a autonomia atribuída aos participantes do processo, embora induzida pela ampla divulgação dos eventos, chamando a sociedade à participação e não à cooptação (SOUZA, 2006), como em geral ocorre na maioria dos municípios brasileiros. O plano é factível na medida em que foi construído a partir da realidade e do que seria possível implementar na organização sócio-espacial. Ademais, incorporou projetos em andamento, a exemplo da ponte sobre o rio Jari, ou que ainda depende de viabilização como a Hidroelétrica de Santo Antônio. Em relação aos alcances, a articulação entre projetos periféricos para integração regional e políticas que envolvem as três esferas de governo (municipal, estadual e federal), projeta uma expectativa de desenvolvimento regional. Contudo, no estado do Amapá, a integração entre políticas que envolvem as esferas de governo tem apresentado “[...] pouca efetivação de políticas urbanas regionais que acabaram tornando as cidades do Amapá núcleos urbanos frágeis com pouco desenvolvimento, [...]” (TOSTES, In: CARDOSO; CARVALHO, 2007a, p.94). Vale ressaltar, que o PDP já apresenta resultados, apesar de ainda não ter sido implementado. Alguns projetos foram financiados com recursos do Ministério das Cidades a 13 exemplo da capacitação para técnicos da prefeitura e o Programa de Extensão na área de Saneamento Ambiental-PROEXT/MEC/CIDADES). A despeito disso, a realidade indica que não há uma predisposição para solucionar os problemas urbanos existentes e cristalizados, na medida em que grupos políticos se alimentam do caos instituído, não sendo vantajoso para tais grupos que isso aconteça. Ainda assim, o plano representa a disponibilidade de um instrumento de política urbana à serviço do poder público municipal e da sociedade na definição de políticas públicas consistentes, continuadas e não fragmentadas e imediatistas. Considerações Finais O modelo de gestão praticada no Vale do Jari é pautado em políticas assistencialistas, imediatistas e sem elo de integração; estão atreladas prioritariamente, a projetos estaduais e federais; há ausência de controle do espaço urbano pela indefinição de estratégias de planejamento; as políticas públicas são dissociadas das demandas sociais; os gestores municipais atuam dissonantes de outros atores que poderiam se converter em parceiros na condução dos municípios; a sociedade não tem participação nas decisões municipais; e, não há continuidade na execução de políticas públicas. As articulações públicas intermunicipais não são concretas. Os gestores municipais atuam isoladamente, quando deveriam alinhavar parcerias na elaboração e execução de projetos que se desdobrassem em políticas públicas compartilhadas, objetivando a mitigação dos problemas e a intensificação das relações em direção ao desenvolvimento regional. Nesse propósito, a consolidação das articulações pode ser gradativa, na medida em que há conflitos que permeiam as relações sociais, envolvendo interesses que não são convergentes. Porém, quando se trata de propor alteração no ambiente construído é fundamental convocar quem conhece a realidade em que vive – a sociedade. É importante que se discuta com maior freqüência, as questões urbanas no Vale do Jari, envolvendo: pesquisadores, gestores públicos, instituições e privadas, agentes sociais e a própria sociedade, no intuito de contribuir no fornecimento de subsídios à elaboração de políticas inter-regional e intermunicipais, articuladas com todas as esferas de governas. No cerne dessas questões, considera-se que, o fluxo interno entre Vitória do Jari, Monte 14 Dourado e Laranjal do Jari interfere, progressivamente, na morfologia urbana no Vale do Jari, na medida em que as condições habitacionais são distintas, a urbanização não segue o mesmo padrão de qualidade e a dinâmica de ocupação possui ritmos também distintos. A situação sócio-espacial urbana no vale do Jari não é específica da região, é uma condição natural e adversa que ratifica que o planejamento não deve ser pensado apenas do ponto de vista técnico sem que todas as condições possam ser viabilizadas. Referências BONETI, Lindomar Wessler. Políticas públicas por dentro. Ijuí: Unijuí, 2006. COHN, Amélia. Os Governos Municipais e as Políticas Sociais. In: SOARES, José Arlindo; CACCIA -BAVA, Silvio (Orgs). Os Desafios da gestão Municipal Democrática. 2ª ed. São Paulo: Cortes, 2002. FORÇA TAREFA LOCAL. Diagnóstico sócio-econômico e ambiental da cidade de Laranjal do Jari. Acervo PDP. Laranjal do Jari (AP), 2006. Relatório. LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. 1901. FRIAS, Rubens Eduardo. 4 ª ed. São Paulo: Centauro, 2006. MARICATO, Ermínia. Brasil, Cidades: Alternativas para a crise urbana. Petrópolis-RJ: Vozes, 2001. OLSON, Mancur. A lógica da Ação Coletiva. São Paulo: Edusp, 1999. OLIVEIRA, José Aldemir de. A cultura nas (das) pequenas cidades da Amazônia Brasileira. In: CONGRESSO LUSO-AFRO-BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 16, 17 e 18, 2004, Coimbra. Anais. Coimbra – Portugal: 2004. 10 p. PNUD. Programa das nações Unidas para o desenvolvimento. Índice de Desenvolvimento Humano. Disponível em <http:/www. pnud.org.br>, acesso em: 04 out. 2008. PORTO, Jadson Luís Rebelo. Amapá: Principais Transformações Econômicas e Institucionais (19432000). Macapá: SETEC, 2003. ROCHA, Sônia (2002). Pobreza, Desenvolvimento e Política Social: O caso do Estado do Amapá. Relatório preparado para o Banco Mundial (Projeto Rain Forest). 15 SAUTCHUK, Jaime et al. PROJETO JARI: a Invasão Americana. 9. ed. São Paulo – SP: Brasil Debates, 1979. SCHWEIZER, Peter José. Tirando o Plano Diretor da Gaveta. Revista Municípios do IBAM, nº 265, Jan-Mar 2008. SIDRA.Sistema IBGE de Recuperação Automática. Censo Demográfico 2007. Disponível em: <http:/www. Sidra.ibge.org.br>, acesso em: 12 nov. 2008. SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. 4 ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. STN - SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Receitas Municipais. Disponível em: <http: www.stn.fazenda.gov.br, acesso em 06/10/2008. TOSTES, José Alberto. Construção da mobilização social, participação e elaboração do Plano Diretor Participativo no Município de Laranjal do Jari. Banco de Experiências dos Planos Diretores Participativo, Macapá (AP), 2006. Relatório preparado para o Ministério das Cidades. _____.Plano Diretor de Laranjal do Jari no Amapá: a construção participativa na faixa de fronteira setentrional. In: CARDOSO, Ana Cláudia; CARVALHO, Guilherme (Orgs). Planos Diretores Participativos: experiências amazônicas. Belém: EDUFPA, 2007a. _____. Políticas urbanas intervencionistas nas cidades amazônicas: no Amapá, a encruzilhada entre a necessidade e a obrigação. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 05, 2007, Belém – Pará – Brasil. Anais em CD-ROM. Anpur, 2007b. 18 p. TRINDADE JUNIOR, Saint-Clair Cordeiro; ROCHA, Gilberto Miranda (Orgs). Cidade e Empresa na Amazônia: gestão do território e desenvolvimento local. Belém: Paka-Tatu, 2002.