Para uma evocação de Margarida Tengarrinha na entrega do Premio Maria Veleda, Portimão, 6 de Dezembro de 2014 Por Regina Marques Maria Margarida Carmo Tengarrinha Campos Costa. Mulher de cultura invulgar, sempre aliou a sua luta por causas da paz e da solidariedade desde muito jovem, à intervenção cívica e política. Nessa intervenção muito comprometida politicamente, nunca descurou a sua paleta e o traço com que estimulava a sua vida intelectual e politica. Casada com o pintor José Dias Coelho, assassinado pela PIDE, dele teve duas filhas, também elas artistas. Margarida foi e é uma mulher de corpo inteiro, como diria a Maria Teresa Horta. De facto a sua vida cheia de sobressaltos, nem a perda do companheiro a fez vacilar. Numa época em que se vivia no país a mais negra repressão do fascismo e a 2ª guerra mundial troava nos céus da Europa, Margarida teve uma intensa e comprometida intervenção no PCP, de que se orgulha como se pode entender da nota autobiográfica. Da mesma maneira que essa luta pela liberdade não a afastou das mulheres com quem convivia e trabalhava. Conviveu com Maria Lamas, Maria Machado, Isabel Aboim Inglês, entre outras. A igualdade, a elevação cultural e política das mulheres sempre foi a sua preocupação. Foi capaz de lhes dar visibilidade num tempo de obscurantismo e segregação das mulheres, num quadro de ditadura que às mulheres tudo vedava. Da sua experiência com as questões das mulheres, logo nos anos 50, o desejo de elevação intelectual e política das mulheres é o seu traço marcante. O seu trabalho durante três anos na “Modas e Bordados” sob a direcão de Maria Lamas deu-lhe o tom do lugar menor que a sociedade destinava às mulheres. Quando passa à clandestinidade como militante do Partido Comunista Português em 1955 e por quase 20 anos, teve uma actividade regular na redacção do Avante e com destaque em A Voz das Camaradas nas casas do partido, publicação clandestina onde Margarida escrevia com o pseudónimo de Leonor e de que era responsável. Essa publicação contém textos de natureza politica, informativa e solidária, sempre dirigidos às mulheres e, por muitas, escrito embora sob pseudónimo. Muitos dos grafismos e desenhos eram de Margarida, A Voz das Camaradas terá sido pensada como um elo interno indispensável para elevar o nível cultural e político das mulheres comunistas que viviam nas casas clandestinas. Quebrar a solidão e isolamento do seu quotidiano a que obrigavam as circunstâncias politicas era o objectivo e ao mesmo tempo inserir o seu trabalho”rotineiro” numa perspectiva política partidária de grande responsabilidade.. Note-se que sob uma repressão imensa, depois de varias organizações de mulheres republicanas terem encerrado as suas portas, mulheres muito corajosas como Margarida Tengarrinha foram dando visibilidade à vida e à luta das mulheres em conferências e em tribunas varias, sob condições muito difíceis, dando provas de uma imensa tenacidade, persistência e coerência que nos engrandecem como colectivo de mulheres, na arte, na sociedade e na politica. Assim é que, em 8 de Março de 1964, a convite da “Revista Internacional” Margarida participa em Praga na Mesa Redonda de viúvas de heróis comunistas, falando do assassinato de José Dias Coelho, seu companheiro e pai de suas filhas, e da repressão fascista em Portugal. Margarida Tengarrinha, na democracia e em liberdade, interveio em numerosas Conferências sobre questões da Mulher, Economia e Cultura o que faz dela uma reconhecida oradora e uma mulher criadora de cultura do nosso tempo. Como artista plástica, participou e participa em exposições coletivas desde as célebres Exposições Gerais de Artes Plásticas (EGAP’s) que mobilizaram grande parte dos artistas plásticos antifascistas nos anos 50. Margarida é uma mulher que não desiste de se aperfeiçoar, de estudar, de investigar e conhecer. Conhecer a realidade das mulheres e do povo da sua região foi seu timbre desde logo com a liberdade que viu nascer e pela qual tanto lutou. Sem dúvida, que a sua coragem, a sua determinação, coerência a colocam, ao tempo do Estado Novo lado a lado em paralelo com mulheres republicanas como Maria Veleda, protagonista deste Prémio e também ela a seu tempo insigne lutadora pela Paz e pela igualdade. É relevante a sua pesquisa sobre o trabalho e a vida das operárias conserveiras do Algarve. Pesquisa que prossegue sobre a Vida e Lutas das Operárias Conserveiras de Setúbal. As suas comunicações escritas e orais ilustram uma variedade temática e cultural em prol da dignidade da sua região, valorizando os costumes, as lendas e as histórias que conta em livros ou também em directo na animação infantil. Margarida é de facto uma agente cultural, actora de transformações educativas e guardadora de histórias de mulheres e do povo algarvio. Na opinião do MDM, Margarida Tengarrinha, é uma mulher que surpreende pela sua capacidade de recusar a indiferença e o imobilismo, sendo um exemplo encorajador para a luta das mulheres ávidas de serem reconhecidas mas também exemplo de mulher que não renega o passado, e antes pelo contrário, dá sentido a essa luta urgente nos nossos dias contra a crescente opressão das mulheres no trabalho e na vida, pela dignidade e pelos direitos das mulheres, das trabalhadoras e dos trabalhadores em geral. Margarida Tengarrinha recebe este Premio Maria Veleda, fruto natural do seu mérito mas é naturalmente também motivo de grande orgulho para o MDM porque nele também vemos um símbolo de uma luta abnegada e vitoriosa pela emancipação das mulheres e dos povos, que neste 40 º aniversário da Revolução de Abril, com retrocessos e inquietações tão evidentes nos direitos e nas condições de vida, em Portugal e no Mundo, com guerras acesas e conflitos abertos em tantas partes do mundo, nos faz lembrar que também nós, colectivamente, temos a responsabilidade de lutar pela dignidade das mulheres e dos povos, de tudo fazer para que o futuro para a Humanidade seja luminoso e justo. Num Movimento de Opinião e Intervenção, com mais de 45 anos de história, como é o MDM sempre assumimos o dever de reconhecimento e valorização das mulheres criadoras de cultura, no seu sentido não só artístico mas cultural e humano. Hoje com Margarida Tengarrinha. Ontem com Maria Lamas e tantas outras. Agradecemos à Direcção Regional da Cultura do Algarve e à Câmara Municipal de Portimão terem aberto esta possibilidade de singularizar as mulheres algarvias. Agradecemos ao Júri ter feito este justo reconhecimento. Agradecemos a Margarida Tengarrinha a sua história de vida e a lição que nos dá para podermos contar e fazer uma história de mulheres em Portugal que incorpore o legado histórico da luta das mulheres pela sua dignificação e pela igualdade no longo período do fascismo, um legado e experiências, que deixaram marcas indeléveis na nossa vida cultural e politica, na nossa vida democrática.