ID: 57071126
11-12-2014
Tiragem: 7500
Pág: 14
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 25,60 x 32,70 cm²
Âmbito: Regional
Corte: 1 de 3
Margarida Tengarrinha,
memória viva de uma mulher
que sempre lutou pela paz
TEXTO: Barlavento FOTO Apoema Calheiros
«Da janela do primeiro andar da delegação do Banco
de Portugal, em Portimão,
do qual o meu pai era gerente (fronteira ao que é hoje o
Largo Manuel Teixeira Gomes), tinha eu cinco para seis
anos, assisti à manifestação
popular de 18 de Janeiro de
1934 e à carga da GNR contra
os trabalhadores», descreve Margarida Tengarrinha.
Esta é a primeira recordação
de «injustiça social» de que
a autora algarvia dá conta,
de viva voz, no documentário de 17 minutos realizado
pela Algarve Film Commission, a partir de uma entrevista de cinco horas efetuada na casa da homenageada
(um sexto andar na Avenida Tomás Cabreira, frente ao
mar, na Praia da Rocha), que
os presentes na cerimónia de
atribuição do Prémio «Maria
Veleda» tiveram oportunidade de visionar.
Nele, Margarida Tengarrinha relata também a «magia» que para si eram as imagens fotográficas tiradas por
seu pai e por ele trabalhadas em casa, numa despensa
transformada em câmara escura, e do privilégio que era
«espreitar películas aos bocadinhos».
Mas a autora não fica pelas histórias da sua infância,
pois confessa também o fascínio que lhe causou, já estudante em Lisboa, na Escola Superior de Belas Artes
(ESBAL), a figura do jovem,
ali responsável político, José
Dias Coelho, artista plástico, que se distinguiu na pintura e na escultura, e lhe revelou novos horizontes, pois
nas palavras da galardoada
«as consciências não nascem
num momento, vão-se abrindo». Com ele viria a casar e
teria duas filhas.
Na ESBAL participou nos
movimentos estudantis e na
luta pela paz, o que lhe custou a expulsão desta escola,
foi vítima por parte da PIDE
(polícia política do regime
fascista), bem como da Escola Paula Vicente onde era
professora, levando-o à sua
subsequente
experiência
profissional na revista feminina Modas & Bordados, primeiro dirigida por Maria Lamas e depois por Etelvina
Lopes de Almeida, na qual
escrevia sobre crianças.
Funcionária do PCP desde 1955, Margarida Tengarrinha assinava sob o pseudónimo de «Leonor» na imprensa clandestina, aqui
destacando o boletim interno «A Voz das Camaradas», o
órgão oficial o «Avante», do
qual foi membro da comissão de redação, e mais tarde
o jornal «A terra».
Entre os diversos pormenores da sua vida, Margarida relembra ainda o momento em que, após o assassinato pela PIDE de José Dias
Coelho (19 de Dezembro de
1961), é mandada para Moscovo, bem como a sua convivência e amizade com Álvaro
Cunhal na capital soviética e
as tarefas políticas que aí lhe
foram confiadas num momento em que o líder histórico no exílio escrevia «Rumo
à vitória».
Vivendo quase duas décadas na clandestinidade,
desde 1955, lembra, já no pós
25 de Abril, a sua passagem
pela Assembleia da República e do seu empenho enquanto deputada, quer na defesa
da Lei dos Baldios, devolvendo-os às populações, quer na
«Comissão da Condição Feminina» e da luta que entende dever ser hoje empreendida em prol do respeito pela
Constituição da República.
Finalmente, após o regresso a Portimão (1987),
descreve a importância que
a arte-terapia teve num momento difícil da sua vida,
bem como a sua atividade
docente de História da Arte
na Universidade Sénior, há
vinte anos, aumentando nos
alunos da terceira idade, a
par de saberes e conhecimentos, em aulas teóricas e
visitas a museus, a autoestima, o convívio e o estímulo pelo amor-próprio. A concluir a sua intervenção no
documentário, aludiu à sua
primeira exposição de pintura que intitulou «Regressos», por analogia à obra homónima de Teixeira Gomes,
e ao facto do avô Tengarrinha lhe ter oferecido, aos
10 anos de idade, os «Contos tradicionais do Algarve»,
onde nenhum conto de Portimão figurava. Foi esta situação que a levou a percorrer o
concelho, dando à estampa,
em 1999, a obra «Da Memória do Povo. Recolha de Lite-
ratura Popular de Tradição
Oral do Concelho de Portimão», nela incluindo as pragas de Alvor.
Isilda Gomes, presidente
da Câmara Municipal de Portimão e coorganizadora da
cerimónia, enalteceu as qualidades humanas desta vivida autora, colocando ênfase
na sua luta pela democracia,
contra a violência doméstica e pela dignificação do papel da mulher na sociedade.
A entrega do prémio a Margarida Tengarrinha, insere-se, segundo Isilda Gomes, no
contexto das celebrações dos
40 anos do 25 de Abril e do
programa oficial das comemorações do Dia da Cidade
que se celebra hoje, 11 de dezembro. A Câmara Municipal
de Portimão voltará a homenagear Margarida Tengarrinha na sessão solene e no
quadro do instituído «Portimão Reconhece», esta quinta-feira.
Alexandra Gonçalves, diretora Regional da Cultura
do Algarve, lembrou que o
Prémio Regional «Maria Veleda» foi instituído por esta
entidade para destacar e reconhecer a atividade cultural de personalidades algarvias, protagonistas de intervenções relevantes e inovadoras na região e também para dar um contributo à medida «Mulheres Criadoras de Cultura», do V Plano Nacional para a Igualdade
de Género, Cidadania e não
Discriminação, a decorrer no
período entre 2014 e 2017.
Por isso mesmo, sublinhou, o prémio enquadra
projetos e atividades que se
destaquem na cidadania e
igualdade de género, do combate à exclusão social, do
combate à desertificação do
interior da região, da educação pela arte, da valorização do património imaterial - preservação das tradições, memórias e identidade,
da revitalização dos núcleos
e edifícios históricos, do desenvolvimento de projetos
multidisciplinares, multiculturais e, ainda, projetos em
rede.
Mencionou ainda que,
nesta primeira edição do
Prémio Regional «Maria Veleda» foram recebidas onze
candidaturas, avaliadas por
um júri que, por unanimi-
ID: 57071126
11-12-2014
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Âmbito: Regional
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«Éramos jovens e queríamos a liberdade num Portugal,
país do medo, da censura e da repressão fascista»,
recordou a galardoada ao subir ao palco do Teatro
Municipal de Portimão, para receber no passado sábado,
6 de dezembro, o galardão que reconhece e distingue
publicamente a sua intensa atividade cultural
e relevante intervenção cívica.
uma sociedade predominantemente masculina, promoveu a emancipação da mulher, liderou o movimento
associativo dos docentes do
Ensino Livre e foi pioneira
nas campanhas públicas de
proteção às crianças da rua.
Margarida Tengarrinha
recordou o papel cívico desempenhado por esta mulher, mãe solteira, que escreveu em jornais, fez conferências e ajudou imenso os órfãos, até falecer em 1955,
sendo uma verdadeira revolucionária que alguns apelidaram de «a vermelha».
A presidente do Movimento Democrático de Mulheres, entidade proponente da candidatura de Margarida Tengarrinha a este prémio, sublinhou que a escolha
recaiu, parafraseando Maria Teresa Horta, sobre uma
dade, deliberou atribui-lo a
Margarida Tengarrinha, por
considerar que sua atividade cívica no desenvolvimento social do Algarve, o seu
percurso cultural ligado às
artes visuais, à investigação e à história da região, assim como toda a sua participação na formação democrática de Portugal ao longo
de toda a sua vida, a tornam
protagonista de uma intervenção relevante na cultura do Algarve, cumprindo-se
assim o objetivo deste galardão.
O júri, com um mandato
de dois anos, é constituído
por Ana Paula Amendoeira,
diretora regional da Cultura
do Alentejo, António Branco,
reitor da Universidade do Algarve (Ualg), Idálio Revez,
jornalista, José Carlos Barros, arquiteto paisagista, Lídia Jorge, escritora, Mirian
Nogueira Tavares, diretora
da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Ualg, Natividade Monteiro, investigadora, e Paulo Cunha, professor de música.
Durante a entrega deste prémio (peça em cortiça com a esfinge gravada de
Maria Veleda), Alexandra
Gonçalves traçou o percurso de Margarida Tengarrinha sublinhando a sua «humanidade e humildade», caracterizando-a como «a memória viva de uma mulher
que sempre lutou pela paz,
pelas crianças, pela arte, inclusão, igualdade e democracia» e dedicando-lhe, a concluir, o poema «Igual-Desigual», de Carlos Drummond
de Andrade.
Não ficou por relembrar
também Maria Veleda, pseudónimo de Maria Carolina
Frederico Crispim. Nascida
em Faro em 1871, foi professora primária e pioneira na
luta pela educação das crianças e pelos direitos das mulheres, pelos ideais de justiça, liberdade, igualdade e democracia. A sua intervenção
em acontecimentos sociais,
políticos e educativos, o seu
combate político por um regime republicano, o seu interesse em trabalhar para
a igualdade das mulheres e
dos homens na sociedade,
culminaram em vários trabalhos literários e de intervenção política. Maria Veleda denunciou os males de
«mulher de corpo inteiro».
A cerimónia foi pautada pelos momentos musicais
em que o Duo Gonçalo Pescada (acordeão) e João Pedro
Cunha (violino) interpretaram diversas obras, desde
peças clássicas de Amadeus
Mozart, a tangos de Astor
Piazzolla, terminando com
os acordes de Con Te Partirò, de Andrea Bocelli, tocados pela Orquestra de Câmara Joly Braga Santos.
«Gosto de viver, desejo
de compreender e de lutar».
Foi desta forma que Margarida Tengarrinha, na sua intervenção na sessão pública
que assinalou os 50 anos do
assassínio de José Dias Coelho, descreveu aquela que
poderia ser «uma biografia
sintética do Zé», súmula que
também a si assenta na perfeição.
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Tiragem: 7500
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Cores: Cor
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Área: 25,60 x 24,10 cm²
Âmbito: Regional
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memória viva de uma mulher
que sempre lutou pela paz P14
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