UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE
BRASÍLIA
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
PROJETO DE PESQUISA DO TRABALHO DE
CONCLUSÃO DE CURSO
Direito
A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E SEUS REFLEXOS NA SOCIEDADE
Autor : André Luiz Pereira de Brito
Orientador : Prof. Esp. Rafael Augusto Alves
BRASÍLIA 2008
ANDRÉ LUIZ PEREIRA DE BRITO
A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E SEUS
REFLEXOS NA SOCIEDADE
Trabalho apresentado ao curso de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito
parcial para obtenção do Título de
Bacharel em Direito, área Cível.
Orientador: Esp. Rafael Augusto Alves
Brasília
2008
Trabalho de autoria de André Luiz Pereira de Brito, intitulado: “A Redução da
Maioridade Penal e Seus Reflexos na Sociedade”, requisito parcial para obtenção do
grau de Bacharel em Direito, defendida e aprovada em ___/___/___, pela banca
examinadora constituída por:
______________________________________________________
Prof. Esp. Rafael Augusto Alves
Orientador
______________________________________________________
Membro da banca
______________________________________________________
Membro da banca
Brasília
2008
Dedico este trabalho a minha mãe, mulher
guerreira. A esta Mãe, Mulher, Maria,
atravessando o dia.
A minha alma está armada e apontada
para a cara do sossego, pois paz sem
voz, paz sem voz, não é paz é medo.
Marcelo Yuka
RESUMO
BRITO, André Luiz Pereira de. A redução da maioridade penal e seus reflexos na
sociedade. 2008. 66 f. Monografia (graduação) – Faculdade de Direito,
Universidade Católica de Brasília. Brasília, 2008.
O presente trabalho procura tratar o tema de forma humana e social, sobre a
controvertida questão da redução da maioridade penal no Brasil. Abordando as
possíveis causas da violência urbana cometida pelo menor infrator, interligando com
a questão da desigualdade social, do aliciamento do tráfico, a questão da
seletividade e a ressocialização do sistema penitenciário, refutando os argumentos
da corrente dos que defendem a redução como forma milagrosa de conter a
violência em nosso país, principalmente diante dos recentes fatos violentos
ocorridos nas grandes cidades, envolvendo menores. Aponta algumas soluções que
poderiam ser adotadas pelas autoridades públicas no sentido de inibir o crescimento
crônico da violência, além de valorizar e respeitar a população jovem de nosso país,
dando ênfase em políticas públicas efetivas, na educação e no envolvimento de toda
sociedade com o intuito de mitigar a violência, para que enfim essa questão seja
analisada de um ponto de vista macro, conjunto e integrado, pois já está provado
que a elaboração pontual de leis feitas à toque de caixa não diminuem em nada o
índice de violência em nosso país. Como exemplo emblemático temos a Lei dos
Crimes Hediondos (8072/90), a qual além de não diminuir a violência, restou
provada sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, a partir do
momento em que reconheceu o direito ao apenado à progressão penal, em
detrimento do regime integralmente fechado.
Palavras-chave: Maioridade penal. Desigualdade social. Redução.
RESUMEM
BRITO, André Luiz Pereira de. La reducción de la mayoría penal y su reflejos en
la sociedad. 2008. 66 f. Monografia (graduação) – Faculdade de Direito,
Universidade Católica de Brasília. Brasília, 2008.
La búsqueda de trabajo actual se acerca al theme en una manera humana y social,
sobre su tema contradicho de la reducción de la mayoría penal en Brasil. Se acercar
a las causas posibles de la violencia urbana cometida por el delincuente más bajo,
interconectar el tráfico, la asignatura de la selectividad y el resocialization del
sistema de la penitenciaría con el tema de la desigualdad sociable, del aliciamento
de la i, refutar las peleas de la corriente de uno que defiende la reducción como la
forma milagrosa de contener la violencia en nuestro país, principalmente antes los
hechos violentos recientes ocurrieran en las gran ciudades, apasionante más
pequeño. Apunta algunas soluciones por las que podían ser adoptados las
autoridades públicas en el sentido de impedir el crecimiento crónico de la violencia,
además valorar y respetar a la población joven de nuestro país, dando el énfasis en
la política pública eficaz, en la educación y en la participación de cada sociedad con
la intención de mitigar la violencia para que finalmente ese tema es analisado de un
macro de punto de vista, grupo e integrar, por lo tanto ya es demostrado que la
elaboración puntual de leyes hechas to él / ella que obras dramáticas de caja no lo
hacen reducen el índice de violencia en algo en nuestro país. Como el ejemplo
emblemático que tenemos la Ley del Infame los Crímenes (8072/90), lo uno cuál
además de no reducir la violencia, se quedó demostrado el suyo unconstitutionality
para los Tribunales Federales Supremos. Empezar del momento en lo que respecta
a reconoció el derecho al apenado a la evolución penal, en perjuicio del régimen
integrally cerrado.
Tecla de palabra: Mayoría penal, la desigualdad sociable, la reducción
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................10
CAPÍTULO 1
CONTEXTO DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL....................13
1.1 Conceitos de Menor..........................................................................................13
1.2. Conceito de menor segundo o Código Penal Brasileiro..............................14
1.3. Conceito de menor segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente......15
1.4. Código de menores X ECA.............................................................................17
1.4.1 Conceito de pena...........................................................................................17
1.4.2 Teoria da Vingança Privada..........................................................................18
1.5 Do menor em situação irregular à sujeito de direitos e obrigações – a
revolução do ECA...................................................................................................18
CAPÍTULO 2
DESIGUALDADE SOCIAL E VIOLÊNCIA...............................................................23
2.1 Banalização da desigualdade social...............................................................23
2.2 A seletividade da pena – a clientela perfeita..................................................25
2.3 A redução da maioridade penal e a diminuição da violência.......................29
2.4 O Estatuto da Criança e do Adolescente em ação........................................31
2.5 Políticas eficientes de atendimento ao adolescente em conflito com a
lei..............................................................................................................................32
CAPÍTULO 3
A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E SEUS REFLEXOS NA
SOCIEDADE.............................................................................................................35
3.1 Sistema penitenciário brasileiro – panorama geral.......................................35
3.2 Custo da criminalização e o custo da educação...........................................37
3.3 O preço da proteção, dos condomínios fechados e da violência................39
3.4 A Revolta da Chibata – Lei de Causa e Efeito................................................41
CAPÍTULO 4
DIMINUIÇÃO DA VIOLÊNCIA NO PAÍS: FAMÍLIA, ESTADO E SOCIEDADE......50
4.1 Políticas públicas eficientes – Sistema Nacional de Atendimento Sócio
Educativo – SINASE...............................................................................................50
4.2 O trabalho dos Organismos Não Governamentais/ONGs e o
desenvolvimento da criança e do adolescente – uma nova chance.................53
4.3 Envolvimento da sociedade brasileira na mudança do paradigma da
criminalização para a conduta da humanização..................................................57
CONCLUSÃO...........................................................................................................61
REFERÊNCIAS........................................................................................................63
10
INTRODUÇÃO
A trágica morte do menino João Hélio, que chocou todo o país, suscitou
novamente grande e polêmico debate sobre a redução da maioridade penal, a mídia
encheu de informações equivocadas as televisões, rádios e jornais de nossos
cidadãos, inferindo que com a redução da maioridade penal a violência diminuiria
como que num passe de mágica.
O senado Federal a toque de caixa desengaveta seis propostas de emendas
à constituição (PECs), que forma a PEC nº 20 de 25 de março de 1999, de autoria
do então Senador JOSÉ ROBERTO ARRUDA, onde o atual relator Senador da
República DEMOSTENES TORRES, teve sua obra aprovada na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ), numa celeridade impressionante.
A proposta estabelece que o adolescente deve cumprir pena em local distinto
dos presos maiores de 18 anos, além de propor a substituição da pena por medidas
socioeducativas -- desde que o menor não tenha cometido crimes hediondos,
tortura, tráfico de drogas ou atos de terrorismo. Uma emenda ao projeto, feita pelo
senador Tasso Jereissati, determina que o jovem delinqüente, com 16 ou 17 anos,
somente poderá ser preso de acordo com o Código de Processo Penal, após passar
por uma junta médica, nomeada pelo juiz, que fará um exame biopsicológico para
indicar se o adolescente “é, ou não, irrecuperável para viver em sociedade”. Em
caso positivo, o jovem deverá ser detido em presídios especiais 1 .
Medidas criminalizadoras não resolvem e nem resolverão o problema da
violência em nosso país, esta temática perpassa por políticas públicas efetivamente
voltadas para o contexto social, pelos setores e organismos sociais de apoio ao
governo (terceiro setor), pelo envolvimento da sociedade brasileira, num esforço
conjunto para promover educação,
saúde
e
segurança
ao
nosso
povo,
desencadeando em prosperidade econômica, inclusão social, e aí sim obteremos a
almejada diminuição lenta e gradual da violência em um aspecto mais amplo e
globalizado.
1
LOURENÇO, Iolando. Proposta de redução da maioridade penal vai ao plenário do Senado.
Agencia Brasil. Brasília. 28 abr. 2007. Disponível em: <
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/04/27/materia.2007-04-27.5291817290/view>. Acesso
em: 29 set. 2007.
11
Ademais, perfilamo-nos na linha dos doutrinadores que defendem que a
redução da maioridade penal é inconstitucional, pois, ofende cláusula pétrea da
Constituição Federal de 1988, conforme o disposto nos artigos 5º, § 2º; art 60, § 4º
e art. 228 da consagrada Carta Maior 2 .
Além disso, o Brasil ao ratificar a Convenção sobre os direitos da Criança e
do adolescente, adotada pela Resolução nº 44 da Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 20 de novembro de 1989, ratificada em 24 de setembro de 1990, por
meio de decreto nº 99.710 de 21 de novembro de 1990 3 que a promulgou, se
obrigou a tratar de forma totalmente diferenciada as crianças e adolescentes com
relação aos adultos, quando se envolvem com a criminalidade. A convenção dos
Direitos da Criança e dos Adolescentes após ser ratificada pelo país signatário tem
enorme relevância no ordenamento legal do país e deve ser observada pelas Casas
legislativas que o compõe, pois revelar-se-ia uma grande incoerência ratificar uma
Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, para depois reformar
dispositivo legal em prejuízo dos mesmos.
Geralmente os trabalhos jurídicos são permeados de linguajar técnico, o
chamado tecnicismo jurídico, que afasta o cidadão comum, inclusive, da
compreensão da dinâmica do funcionamento do Poder Judiciário, de seus julgados e
jurisprudências. Contudo, com passos curtos e lentos o judiciário vem tentando se
apoximar do cidadão, que ainda tem um grande descrédito e distância do poder, que
em tese, aplica a justiça no país.
É papel importante do acadêmico e de todos operadores do direito fazer com
que esse abismo se acabe, para que o cidadão possa sentir a brisa da justiça em
suas vidas no seu cotidiano. Nesta pesquisa, tentaremos usar a linguagem mais
acessível possível, para que mesmo as pessoas de baixa escolaridade, o que é
maioria em nosso país, possa entendê-la num contexto geral. Quebrando ainda, o
estígma de que os operadores do direito são pedantes e arrogantes.
Como visto, o tema é relevante e atual, acompanha a inexorável dinâmica
2
Art. 5º, §2º “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”; art. 60, § 4, IV. “Não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”(grifo nosso); art. 228. “São penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”
3
Brasil. Decreto nº 99.710 de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da
Criança. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm>.
Acesso em: 25 abr. 2008.
12
das ciências jurídicas, abordando questões polêmicas sobre a redução da
maioridade penal e seus reflexos negativos na sociedade em geral. O objetivo
primordial desse trabalho é dar mais um pequeno passo no árduo caminho contra a
desigualdade social, contra a discriminação e a marginalização de toda uma
coletividade de brasileiros miseráveis, é demonstrar de forma científica que a
redução da maioridade penal só acentuará ainda mais a desigualdade social e a
violência, e que uma gota a mais no oceano, se orquestrada, pode mudar e
transformar marés. A inclusão social tem que ter papel fundamental no país da
exclusão e dos paradóxos.
Diante da dinâmica do tema o método que mais adequado a ser aplicado é o
dialético, em virtude da idéia de constante movimento que apresenta, que assim
como o direito, também é bastante dinâmico e controverso, vivendo num movimento
ininterrupto. A existência de uma tese, a que se segue de uma antítese e da luta dos
contrários surgirá a síntese, que passa a ser tese. “Esta tríade explica o movimento
do mundo e também do pensamento, já que o ser, pela luta com o seu contrário,
está sempre se superando, transformando-se em outro ser.” 4
4
VIEIRA, Viviane dos Santos. Pesquisa e Monografia Jurídica. 3. Ed. Brasília: Brasília Jurídica,
2007, p.100.
13
CAPÍTULO 1 – CONTEXTO DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NO BRASIL
Neste capítulo abordaremos o contexto da redução da maioridade penal no
Brasil, apontando alguns aspectos históricos, interligando com a legislação
pertinente, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal 8069/90, abordando
também aspectos sociais, políticos e econômicos que envolvem essa controversa
questão.
1.1 Conceitos de menor
Derivado do latim minor, gramaticamente é comparativo de pequeno, no
sentido técnico-jurídico, é empregado como substantivo, designa pessoa que não
tenha atingido a maioridade, ou seja, não atingiu a idade legal para que se considere
maior capaz. Menor é a pessoa que não atingiu a idade legal para a maioridade.
Maioridade penal 5 - o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa 6 define “maioridade”
como “a idade em que o indivíduo entra no pleno gozo de seus direitos civis”, e
“maioridade penal” como “condição de maioridade para efeitos criminais”.
Idade da responsabilidade criminal – Derivada do inglês age of criminal
responsibility, a expressão é um sinônimo para maioridade penal, indicando a idade
a partir da qual uma pessoa pode ser criminalmente processada, e julgada segundo
as leis penais.
5
Conceitos extraídos do site Wikipedia. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Maioridade_penal>. Acesso em: 29 mar. 2008, 23:45
6
Conceito extraído do site do Dicionário Aurélio on line. Disponivel em:
<http://200.225.157.123/dicaureliopos/login.asp> . Acesso em: 29 mar. 2008.
14
1.2 Conceito de menor segundo o Código Penal Brasileiro
Para o Código Penal Brasileiro pátrio, menor é toda aquela pessoa que ainda
não completou dezoito anos de idade, conforme dispõe o art. 27 do referido
dispositivo 7 .
O Brasil ratificou a Convenção da ONU sobre os Direitos da criança, que
acreditamos ter status constitucional, o fundamento encontra respaldo no art. 228 da
Carta Magna.
Embora esse trabalho não tenha como premissa adentrar em termos e
tecnicismos jurídicos, mas sim na vertente social da violência, analisaremos o
referido art. 27 do Código Penal Brasileiro 8 , para melhor compreensão dos quesitos
de culpabilidade e inimputabilidade. Destacando que abordaremos os quesitos
mencionados apenas de forma superficial e mais informativo, pois o tema
culpabilidade tem várias correntes e teorias (Teoria Normativa Pura, Teoria
Psicológica-Normativa, Teoria Limitada da Culpabilidade), sob pena de nos
desviarmos da abordagem social que envolve a questão da Redução da Maioridade
Penal.
A culpabilidade é a possibilidade de se considerar alguém culpado pela
prática de uma infração penal. Por essa razão, costuma ser definida como juízo de
censurabilidade e reprovação exercida sobre alguém que praticou um fato típico e
ilícito. Não se trata de elemento do crime, mas pressuposta para imposição de pena,
porque, sendo um juízo de valor sobre o autor de uma infração penal, não se
concebe que possa, ao mesmo tempo, estar dentro do crime, como seu elemento, e
fora, como juízo externo de valor do agente. Para censurar quem cometeu o crime, a
culpabilidade deve estar necessariamente fora dele. Sendo esta a linha seguida por
Fernando Capez 9 .
Sob o ponto de vista majoritário doutrinário, inimputabilidade é a incapacidade
de apreciar o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com essa
7
Art. 27 do CPB: “Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às
normas estabelecidas na legislação especial.”
8
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Vade Mecum.
2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
9
CAPEZ, Fernando. Código Penal Comentado. Porto Alegre. Verbo Jurídico, 2007, p 97.
15
apreciação. A imputabilidade é o contrario da inimputabilidade, sendo a capacidade
que tem a pessoa que praticou o ato, de entender o que está fazendo e de poder
determinar-se de acordo com esse entendimento. Portanto a imputabilidade é a
regra e a inimputabilidade a exceção, pois todo indivíduo é imputável, salvo quando
ocorre uma das causas de exclusão de imputabilidade: doença mental;
desenvolvimento mental incompleto; desenvolvimento mental retardado; embriaguez
completa, proveniente de caso fortuito ou força maior.
No tocante ao critério de aferição da inimputabilidade, o Código penal, adotou
como exceção, o sistema biológico (para os menores de dezoito anos), no qual o
desenvolvimento mental incompleto presume a incapacidade de entendimento e
vontade, onde a criança e o adolescente, por estarem na condição de pessoa em
desenvolvimento, no caso de cometimento de ato infracional, serão tratados por
legislação especial (Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA).
1.3 Conceito de menor segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8069/90, veio
consolidar os anseios dos benefícios da população infanto-juvenil no Brasil, sendo
fundamental para garantir a condição de sujeito de direitos e obrigações à criança e
ao adolescente. A implantação do ECA proporcionou um caráter de proteção integral
às crianças e aos adolescentes, versando sobre direitos fundamentais inerentes à
dignidade da pessoa humana.
O conceito de menor adotado pelo ECA alude à pessoa que ao tempo da
ação ou omissão delituosa era incapaz de entender e discernir o caráter ilícito do
fato. Dessa forma, toda pessoa menor de dezoito anos de idade que comete ato
infracional é inimputável, porém, temos que deixar bem claro que para o ECA,
inimputabilidade não é sinônimo de impunidade ou irresponsabilidade, pois o
referido Estatuto possui medidas sócio-educativas 10 com o intuito de melhor educar
o menor infrator e reinseri-lo novamente à sociedade.
10
O termo Sócio-educativo refere-se ao conjunto de todas as medidas privativas de liberdade
(internação e semiliberdade), as não privativas de liberdade (liberdade assistida e prestação de
serviço à comunidade) e a internação provisória constante do Estatuto da Criança e do adolescente.
16
Os menores de dezoito anos, apesar de não sofrerem sanção penal pela
prática de ilícito, em decorrência da ausência de culpabilidade, estão sujeitos ao
procedimento e às medidas sócio-educativas previstas no ECA, em virtude de a
conduta descrita como crime ou contravenção penal ser considerada ato infracional
(cf. art. 103 do ECA). Convém notar que o período máximo de internação não
poderá exceder a três anos (art. 121, § 3º), e que ao completar 21 anos deverá ser
liberado compulsoriamente (art. 121, § 5º). Entendimento esse consolidado na
jurisprudência do STJ:
Criminal. HC. Ato infracional equiparado a latrocínio. ECA. Writ contra ato
de desembargador. Indeferimento de liminar. Flagrante ilegalidade
demonstrada. Internação por prazo indeterminado. Limite máximo três anos
superado. Ordem concedida. I. Hipótese em que foi determinado a
internação do paciente em hospital psiquiátrico, após o cumprimento de
mais de três anos de medida sócio-educativa de internação. II. Atingindo o
limite estabelecido no art. 121, § 3º, da Lei 8069/90, o adolescente deverá
ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade
assistida. III. A internação compulsória em hospital psiquiátrico não
configura a medida protetiva do art. 101, inciso V, do ECA, sendo regulada
especificadamente pela Lei 10.216/2001, IV. Deve ser cassada a decisão
proferida pelo Juiz do Departamento de Execuções da Infância e da
Juventude da Comarca de São Paulo, para que outra seja proferida
observando-se o § 4º do art. 121 do ECA, ou, se for o caso, o procedimento
previsto na Lei 10.216/2001. V. Ordem concedida, nos termos do voto do
11
relator .
Como podemos observar, tanto o Código Penal Brasileiro como o Estatuto da
Criança e do Adolescente estão em consonância com a Constituição Federal,
outrossim, o art. 104, caput, da referida Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 12 ,
ratifica os dispositivos legais anteriores ao afirmar: "art. 104 - São penalmente
inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medidas previstas nesta
Lei", zelando pelos direitos e pela dignidade a população infanto-juvenil brasileira,
realmente o ECA foi uma grande e recente conquista, que trouxe dignidade e
humanidade à criança e ao adolescente, mas antes vigorava o ultrapassado e já
revogado CÓDIGO DE MENORES, o qual comentaremos no próximo item.
11
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Penal. Habeas Corpus nº 40593. Relator: Ministro Gilson
Dipp. Brasília, 28 de junho de 2005. Diário da justiça, 01 de janeiro de 2005, p. 490.STJ.
12
BRASIL.Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente, e dá outras providências. Vade Mecum. 2. Ed, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 1025.
17
1.4 Código de menores x ECA
Depois de tanta luta e sacrifício para a incipiente incorporação do Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, grande parte da sociedade, na sua busca
incessante pela vingança privada, está querendo retroceder ao status quo do
punitivo e arcaico Código de Menores, porém para enrequecimento do trabalho,
comentaremos em breves linhas a tão avocada teoria da vingança privada.
1.4.1 Conceito de pena
Primeiramente passaremos brevemente por alguns conceitos do significado
da palavra pena: O conceito de pena segundo o Direito Penal, se traduz pela
“expiação ou castigo estabelecido pela lei, com o intuito de prevenir e de reprimir a
prática de qualquer ato ou omissão de fato que atente contra a ordem social, o qual
seja qualificado como crime ou contravenção” 13 , uma vez que a idéia de pena,
desde os primórdios, sempre esteve associada a castigo, como ainda é vista pela
sociedade nos dias atuais.
Para Aníbal Bruno, “pena é a sanção, consistente na privação de
determinados bens jurídicos, que o Estado impõe contra a prática de um fato
definido na lei como crime.” 14 , já para Franz Von Liszt 15 , “a pena é um mal imposto
pelo juiz penal ao delinqüente, em virtude do delito, para expressar a reprovação
social em relação ao ato e ao autor.” , portanto a pena é uma sanção, consistente na
privação de determinados bens jurídicos, que o Estado impõe contra a prática de um
fato definido na lei como crime.
13
SILVA, De Plácido e. In Vocabulário Jurídico. 18a Edição.São Paulo: Editora Forense. 2001. p.
596/597
14
ANIBAL BRUNO, Apud. SHECAIRA, Sérgio Salomão. In Teoria da Pena Editora Revista dos
Tribunais. São Paulo. 2002 – p. 182
15
VON LISZT, Franz. Apud SHECAIRA, Sérgio Salomão. In Teoria da Pena. Editora Revista dos
Tribunais. São Paulo. 2002. p.181
18
1.4.2 Teoria da Vingança Privada
Passemos agora brevemente à teoria da vingança privada: nos primórdios da
civilização a concepção da pena girava em torno da prevalência da lei do mais
forte 16 (Lei de Darwin), onde cabia a auto-composição da lide, conhecida como
vingança de cunho pessoal (vingança privada), utilizada pelo ofendido em busca de
sanar a lide, sendo esta faculdade de resolução, dada a sua força própria, grupo ou
família, para assim conseguir exercê-la em desfavor do criminoso.
A pena não obedecia ao princípio da proporcionalidade, quando de sua
aplicação vingativa se estendendo inclusive à família do acusado. E, na hipótese de
o criminoso pertencer à mesma tribo da vítima, a sanção penal visava condená-lo à
perda da paz ou ao banimento do membro do clã, sendo que por esta decisão o
agressor perdia a proteção do grupo ao qual pertencia, podendo ser agredido por
qualquer pessoa e conseqüentemente se encontrava exposto a forças hostis de
outras tribos ou da própria natureza, isto é, se concretizava na morte do condenado.
Como exposto acima, vingança privada remonta nossos mais remotos
ancestrais, temos a idéia ainda dos primórdios da formação da sociedade, porém a
vingança privada está permeada em nossa sociedade contemporânea, temos o
desejo de sangue, de vingança, sobre o manto da justiça e gritamos aos quatro
ventos: - EU APENAS QUERO JUSTIÇA, JUSTIÇA, JUSTIÇA!!!
Esse pedido de justiça, infelizmente, nada mais é do que a fria, cruel e arcaica
fome pela aplicação da vingança privada, a imposição da pena como meio de
satisfazer nossos mais íntimos desejos de vingança.
1.5 Do menor em situação irregular à sujeito de direitos e obrigações – A
revolução do ECA
16
GIUSEPPE, Maggiore. Apud SHECAIRA, Sérgio Salomão. In Teoria da Pena – Ed, Revista dos
Tribunais. São Paulo. 2002. p. 24.
19
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi instituído no Brasil no ano de
1990, no contexto de uma nova proposta mundial que visava enquadrar crianças e
adolescentes como sujeitos de direito e obrigações. Antes, o que imperava no Brasil
era o punitivo Código de Menores, criado em 1927, para lidar com as chamadas
“crianças em situação irregular”, conceito que tem uma história antiga no país. Com
a gritante desigualdade social no panorama nacional, muitas crianças já nasciam
“irregulares”, as que não eram de boa família, que eram abandonados, que viviam
na rua, os filhos ilegítimos, enfim, os filhos dos bandidos, dos desvalidos, eram
postos de fora da sociedade, abandonados, ficavam totalmente expostos e sem
qualquer direito.
O primeiro Código de Menores, de 1927, tratava as crianças em situações
irregulares como "menor" ou, nas revisões desse código, como "menor infrator" e
delinqüente.
As
crianças,
durante
a
ditadura
militar,
foram
institucionalização por intermédio do sistema FEBEM/FUNABEM
vítimas
da
(Fundação
Estadual do Bem-Estar do Menor) e não de políticas de proteção e desenvolvimento.
Aqui se consagrou uma concepção de que delinqüência e pobreza eram faces da
mesma moeda. O segundo Código de Menores, de 1979, não rompeu essa
concepção, dedicando-se ao “menor em situação irregular”, isto é, àquele que não
possuía o essencial para sua subsistência, dada a falta de condições econômicas do
responsável. Em contraponto, as denúncias sobre o papel pouco educativo da
FEBEM, aliada às denúncias de maus tratos, já permeavam as críticas no final da
década de 70. Exemplo emblemático foi o do filme Pixote – A lei do mais fraco 17 demonstrando todo o horror para a sobrevivência de uma criança pobre nas ruas
sombrias do Brasil.
Uma pequena parte da sociedade lidou historicamente com esses
“irregulares” de forma filantrópica (numa primeira fase, marcada principalmente pela
ação da Igreja Católica e pela ausência do Estado). A legislação do Código de
Menores, de 1979, implementada em plena ditadura militar, encarava a questão do
17
O filme "Pixote" foi dirigido por Hector Babenco em 1981. Ele recebeu sua inspiração para o livro de
jornalismo que se chama "A Infância dos Mortos", escrito por José Louzeiro. Foi um grande sucesso e
ganhou muitos prêmios por sua sinceridade em mostrar a verdade da situação dos meninos da rua no
Brasil. Conta a estória de Pixote (Fernando Ramos da Silva), que foi abandonado por seus pais e
tinha que cometer pequenos furtos para sobreviver nas ruas. Passando por diversos reformatórios da
época, que só ajudaram na sua "educação", pois conviveu com todo o tipo de criminoso e jovens
delinqüentes que seguiram o mesmo caminho. Sobrevive se tornando um pequeno traficante de
drogas, cafetão e assassino, mesmo tendo apenas onze anos de idade.
20
menor essencialmente como problema de segurança nacional: meninos encontrados
na rua, com roupa rasgada ou sujos já eram considerados “menores irregulares” e
levados para instituições de segregação, na ausência total do conceito de direitos
fundamentais ou de proteção integral da infância e juventude.
Em 20 de novembro de 1989, a Assembléia Geral das Nações Unidas,
implementando a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, adotou a
Convenção sobre os Direitos da Criança (uma espécie de Carta Magna para as
crianças de todo o mundo). No ano seguinte, o documento foi oficializado como lei
internacional. Hoje, a Convenção é ratificada por praticamente todos os países do
mundo, excetuados alguns como a Somália e os Estados Unidos.
A Convenção da ONU diz coisas simples e importantes ou que pelo menos
deveria ser, como por exemplo, que a criança deve ser protegida contra a
discriminação e todas as formas de desprezo e exploração; que os governos devem
garantir a prevenção de ofensas às crianças e a provisão de assistência para suas
necessidades básicas; que a criança não poderá ser separada de seu ambiente
familiar, exceto quando estiver sofrendo maus tratos ou quando a família não zele
pelo seu bem-estar. Diz principalmente que toda criança tem direito à educação, à
saúde, à vida e que será protegida contra qualquer trabalho que seja nocivo à sua
saúde, estabelecendo para isso idades mínimas para a admissão em empregos,
como também horários e condições de trabalho.
Alguns conservadores criticam o ECA, dizem que ele é permissivo, que da um
condão de impunidade, facilitando, sob o manto dos direitos humanos, o estímulo à
transgressão e à delinqüência infanto-juvenil. Todavia, o que se constata é uma
distância imensa entre o proposto pelo ECA e a implantação de uma efetiva de
políticas de proteção e desenvolvimento para a criança e o adolescente.
Do ponto de vista da gestão dessa política, o ECA criou uma figura bastante
inovadora, dentro do que se tem discutido na esfera pública não estatal. São os
Conselhos Tutelares, por meio dos quais representantes da sociedade civil são
alçados à condição de "juízes de pequenas causas", "conselheiros e vigilantes de
direitos". Estes conselhos já se multiplicam pelo Brasil, embora sua atuação seja de
pouco conhecimento.
O ECA, está apenas começando a consolidar suas diretrizes no Brasil e com
certeza não está sendo um processo fácil. Seria uma incoerência dispor de uma
21
legislação de primeiro mundo, ainda em fase embrionária para aplicabilidade efetiva
de seus dispositivos prioritários, para retrocedermos ao status quo do Código de
Menores. Explico: na vigência do ultrapassado Código de Menores, quando algum
"menor" encontrava-se em situação irregular, qualquer autoridade policial poderia
tirar sua liberdade e levá-lo à presença do famoso "Juiz de Menores". O Juiz, então,
decidiria se o "menor" estaria ou não em situação irregular. Se estivesse, o
Magistrado passaria então a ter todos
poderes sobre ele, poderia até mesmo
interná-lo (ou seja, prendê-lo). O julgamento de um "menor" por qualquer crime que
houvesse cometido não possibilitava o menor direito à defesa. O ‘'menor" era
processado e julgado sem ter sequer a garantia de um advogado ou defensor
público para defendê-lo. Não era preciso provas de sua culpa, bastava que o juiz
depreendesse do menor algum grau de periculosidade para poder prendê-lo. E o
que é pior: a prisão não tinha prazo definido - o "menor" continuaria internado até
que o juiz, com seu livre arbítrio, entendesse de soltá-lo.
O exemplo exposto acima em muito se aplica à PEC 20/99, porém, agora,
substituí-se a figura do JUIZ DE MENOR pela da JUNTA MÉDICA IMPARCIAL,
nomeada pelo juiz é claro, que com toda sua imparcialidade julgará se o “menor”
oferece ou não alto grau de periculosidade para sociedade. Senão vejamos, se o
menor pertencer à classe das famílias mais abastadas de nosso país, estudando
nos melhores colégios, com famílias de posses, com seus cursos de língua
estrangeira, ótimas roupas e computadores de última geração, a junta médica
imparcial, provavelmente, não deixará esse menor ficar em um estabelecimento
“penal especial”, para que ele cumpra qualquer tipo de pena, pois seria um grande
desperdício para o futuro de nosso país, encarcerar jovem de tão boa família e tão
promissor, seria inadimissível. Porém se esse jovem for de uma família pobre,
humilde, como tantas de nosso glorioso país, a junta médica imparcial, no mais
glorioso dever à pátria achará por bem que se eduque esse menor em sistema penal
especial, para que ele saia totalmente reinserido e pronto para o convívio social.
Sinceramente achamos que qualquer semelhança dessa famigerada PEC 20/99 e
com o revogado Código de Menores, não é mera coincidência. Findando este
capítulo, apresentamos esquema abaixo, expondo as principais diferenças entre o
código de menores e o Estatuto da Criança e do Adolescente
22
Principais mudanças
Código de Menores
Base da doutrina
Direito tutelar do menor, objeto
de medidas judiciais quando
se encontra em situação
irregular
Concepção políticosocial
Instrumento de controle social
dirigido
às
vítimas
de
omissões e transgressões da
família, da sociedade e do
Estado
Infração
Todos os casos de infração
penal passam pelo juiz
Apreensão
Internamento
Direito de defesa
Crimes e infrações
cometidas contra
crianças e
adolescentes
Preconiza a prisão cautelar
Medida aplicável às crianças e
adolescentes sem tempo e
condições
determinados,
quando
“manifesta
incapacidade dos pais para
mantê-los”.
O menor acusado de infração
penal é “defendido” pelo
curador de menores (promotor
público).
É omisso a esse respeito.
ECA
A lei assegura os direitos de todas
as crianças e adolescentes, sem
discriminação de qualquer tipo, que
são considerados “pessoas em
condição
peculiar
de
desenvolvimento”.
Instrumento de desenvolvimento
social, garantindo proteção especial
àquele
segmento
considerado
pessoal
e
socialmente
mais
sensível.
Os casos de infração que não
impliquem grave ameaça podem
ser beneficiados pela remissão
(perdão) como forma de exclusão
ou suspensão do processo.
Restringe a apreensão apenas a
dois casos: • flagrante delito de
infração penal • ordem expressa e
fundamentada do juiz
Medida só aplicável a adolescentes
autores de ato infracional grave,
obedecidos
os
princípios
de
brevidade,
excepcionalidade
e
respeito à sua condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento.
Garante ao adolescente defesa
técnica por profissional habilitado
(advogado).
Pune o abuso do pátrio poder, das
autoridades e dos responsáveis
pelas crianças e adolescentes.
As
medidas
previstas
Políticas sociais básicas
restringem-se ao âmbito da:
Políticas assistencialistas
Política Nacional de BemServiços de proteção e defesa das
Políticas públicas
Estar Social (FUNABEM)
crianças e adolescentes vitimizados
Segurança pública
Proteção jurídico-social
Justiça Menores
Não
abre
espaço
à
Institui instâncias colegiadas de
participação de outros atores
participação nos níveis federal,
Mecanismos de
que limitem os poderes da
estadual e municipal (conselhos
participação
autoridade policial, judiciária e
paritários Estado-sociedade).
administrativa.
Fonte: site da Fundação ABRINQ – Pelos Direitos da Criança e do Adolescente 18
18
BANCO MUNDIAL, Crianças e adolescentes em conflito com a lei. Doutrina da situação irregular.
Disponível em: < http://www.fundabrinq.org.br/index.php?pg=legislacao> . Acesso em : 22 set. 2007.
23
CAPÍTULO 2 – DESIGUALDADE SOCIAL E VIOLÊNCIA
Neste segundo capítulo abordaremos a questão da desigualdade social e da
violência crescente em nosso país. Acreditamos que a desigualdade social fomenta
a violência, é fator de ignição e explosão dessa verdadeira guerra civil. Infelizmente
é o catastrófico quadro em que estamos vivendo, em suma: mais desigualdade,
mais violência. Onde iremos parar? Políticas de repressão e criminalização contra a
violência seria a solução? Trancados em nossas casas, condomínios, em nossos
enclaves fortificados? Vivendo em um completo caos? Quem sabe no céu.
2.1 Banalização da desigualdade social
Interessante trabalho publicado pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do
Brasil – CONIC 19 , em seu relatório 2005-2007, apresentou dado no mínimo
alarmante: que 97% dos entrevistados consideram que as desigualdades
econômicas existem efetivamente no Brasil. Mais do que isso, a distância entre ricos
e pobres em nosso país é considerada “grande” (22%), “muito grande” (38 %), já
“enorme” (38%); e surpreendentemente 44,9% deles as consideram essa gritante
desigualdade natural, ou seja, ainda que 82% considerem a desigualdade injusta e
72% não se conformam nem a aceitam, mas não fazem nada para mudar, quase
metade das pessoas já se acostumou com essa dura realidade.
Estamos vivendo numa completa rede de pessimismos e individualismo
exacerbado, onde essas desigualdades aumentarão cada vez mais. Estaríamos
caminhando para o completo caos? Sem eira nem beira? No mais completo: “Você
marcha, José! José, para onde?”. Como dizia o sábio e quiçá Nostrardamus; o
poeta, Carlos Drummond de Andrade, em seu poema: José.
A banalização da desigualdade social gera a banalização da violência, em
suas mais variadas facetas: a violência da fome, da miséria, da discriminação, da
marginalização, da criminalização, do furto, do roubo, do latrocínio,do homicídio, do
19
CONIC. Relatório Sobre a Dignidade Humana e a Paz no Brasil, A desigualdade no Brasil deve e
pode ser superada?.São Paulo: Olho Dágua, 2007, p. 160.
24
estupro, da morte em vida, da GERRA. Guerra, a qual estamos vivendo a cada dia;
dia após dia. Daí a banalização, a introspecção e o individualismo; que os meus
vivam e sejam felizes, e os outros? Já não nos importa mais.
O triste quadro de violência e desigualdade vivido em nosso país, denota e
conota em muito, a pintura expressada pelos cantores e compositores Caetano
Veloso e Gilberto Gil em:
Haiti
Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for a festa do pelô, e se você não for
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
25
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui 20 . (grifo nosso)
2.2 A seletividade da pena – a clientela perfeita
A rigor, a norma penal é dirigida a todas as pessoas, não importando
a
classe social a que pertença, a lei é ou pelo menos deveria ser para todos; é claro
que as pessoas mais abastadas sempre conseguirão se defender melhor das
acusações Estatais, com ótimos advogados, trafico de influência, além dos grandes
artifícios processuais. Porém, a grande massa de famílias pobres, que não dispõem
quaisquer desses artifícios, pena mais ainda com a norma penal que já distingue os
seus autores dos crimes segundo suas classes sociais. A norma penal brasileira,
vergonhosamente, já tem o seu público alvo.
A idéia de pena, da punibilidade, tem um condão de defesa da sociedade,
onde o Estado na persecução do bem comum age para a defesa dos bens e
interesses sociais, dos valores relevantes, éticos e morais.
Há uma evidente ligação entre a pena e o interesse majoritário da sociedade
em ver restabelecida a ordem social. E. Magalhães de Noronha sustenta que:
Com efeito, e Estado, como já se disse mais de uma vez, tem como finalidade
a consecução do bem coletivo, que não pode ser alcançado sem a preservação do
direito dos elementos integrantes da sociedade, e, portanto, quando se acham em
jogo direitos relevantes e fundamentais para o indivíduo, como para ele próprio,
Estado, e as outras sanções são insuficientes ou falhas, intervém ele com o jus
puniendi, com a pena, que é a sanção mais enérgica que existe, pois, como já se
falou, pode implicar até a supressão da vida do delinqüente. 21
20
HAITI, Composição de Caetano Veloso e Gilberto Gil, usada como parâmetro comparativo com
algumas situações vividas em nosso país. Disponível em: < http://letras.terra.com.br/caetanoveloso/44730/>. Acesso em: 13 nov. 2008.
21
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. Volume 1. 33 edição. São Paulo: Saraiva. p 226.
26
Nessa linha Michel Foucalt assevera que:
...o prejuízo que um crime traz ao corpo social é a desordem que introduz
nele: o escândalo que suscita, o exemplo que dá, a incitação a recomeçar
se não é punido, a possibilidade de generalização que traz consigo. Para
ser útil, o castigo deve ter como objetivo as conseqüências do crime,
22
entendidas como uma série de desordens que este é capaz de abrir.
Como observado acima, há uma clara menção a bens, interesses, valores,
todos tidos como relevantes socialmente e merecedores, justamente por essa
relevância, da sagrada proteção da norma penal, do direito de punir pelo Estado.
Há
uma
espécie
de
inversão,
tem-se
uma
valoração
anterior
ao
estabelecimento do crime e das penas, mensuração essa que deveria espelhar o
que a sociedade prioriza para um convívio harmônico.
Pesquisa de Vitimização - 2002 realizada pelo Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República 23 , coaduna e até ratifica nossa linha de
pensamento, que a maioria dos crimes cometidos no Brasil são os de ordem
patrimonial, tais como furto e roubo,ou seja, o problema é muito mais social do que
criminal; mas o dado mais interessante é que os crimes contra o patrimônio menos
violentos, como o furto, e os contra a pessoa, como a lesão corporal e os de ordem
sexual, as taxas brasileiras chegam a ser menores do que os países
desenvolvidos 24 .
Pois bem, a função essencial da norma penal deveria ter íntima ligação com a
função motivadora da norma social. Todavia, muitas vezes há uma incongruência
entre as motivações apontadas e esses desencontros não nos parecem inocentes.
Um bom exemplo disso é a violação do patrimônio privado, que revela uma
punição bem mais eficaz e exacerbada que a violação ao patrimônio público. Alguns
doutrinadores indicam que a violação ao patrimônio público é apenada de forma
mais branda porque o próprio povo não sente tal crime de forma gravosa. Ou seja,
se é seu relógio ou seu automóvel que é subtraído, o cidadão sofre bem mais com
22
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 28 edição. São Paulo: Editora Vozes. p 78.
Gabinete de Segurança Institucional, órgão essencial da Presidência da República, tem como área
de competência assuntos sensíveis ligados à segurança nacional dentre os quais: exercer as
atividades de Secretaria-Executiva da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional, do
Conselho de Governo, de conformidade com regulamentação específica.
24
Gabinete de Segurança Institucional – Pesquisa de Vitimizaçao 2002 e Avaliação dos PIAPIS
Programa de Prevenção e Violência Urbana. Disponível em:
<www.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTS> . Acesso em: 29 set. 2007.
.
23
27
esse fato em comparação com o seu pesar quando sabe pelo noticiário que foram
desviados milhões de reais dos cofres públicos ou que tal empresário sonegou mais
alguns milhões em impostos.
Porém, se pararmos para pensar e questionarmos, veremos que a impressa
em geral, quando fornece alguma informação relativa a desvio de dinheiro público e,
principalmente, quando informa sobre sonegação fiscal de grande monta,
correlaciona esses fatos com o número de mortos por desnutrição em nosso país ou
com as mortes de pessoas em filas para atendimento em hospitais públicos? Alerta
que o dinheiro sonegado ou desviado evitaria milhares de mortes, melhoraria os
serviços de saúde, educação e os benefícios previdenciários e de sobremaneira a
segurança pública? Não é o que lemos ou assistimos nos jornais e noticiários de
grande circulação.
Porém quando se comete crime contra as classes mais abastadas, a mídia
propaga informações equivocadas, na busca da mais sagrada justiça, que como já
vimos anteriormente, não passa da malfadada busca pela vingança privada, como
exemplo, temos o caso ilustrativo deste trabalho, o do menino João Helio, dos cinco
envolvidos, quatro eram maiores e havia apenas um menor, o qual inclusive já está
cumprindo medida de internação, porém a mídia deu um enfoque tão grande na
participação desse menor, como se ele fosse o mentor do grupo e tivesse planejado
todo o crime, clamando e pedindo por justiça e incitando a redução da maioridade
penal. Crimes acontecem todos os dias, com pobres e com ricos, mas curiosamente,
o enfoque da mídia é totalmente diferente.
O legislador na busca da proteção do bem privado em detrimento do público,
deu uma carga bem maior de severidade nos crimes de ordem patrimonial, o que
deixa bem claro quem o Estado deve proteger mais, senão vejamos alguns
exemplos de nossa legislação penal: O que seria mais lesivo à sociedade, que
caberia maior proteção estatal? A ofensa à honra (injúria), a ofensa ao corpo (lesão
leve), ou a ofensa ao patrimônio (uma pessoa com grave ameaça que subtraia um
relógio- roubo)? Evidente que a ordem de desagrado é em primeiro lugar a honra,
após o corpo e depois o patrimônio. Quais são as penas imputadas pelo Estado?
Detenção de um a seis meses ou multa (art. 140 do CP); detenção de três meses a
um ano (art. 129); reclusão de quatro a dez anos (art. 157), respectivamente. Surge
uma questão básica: quem pratica o roubo, ou seja, a subtração de coisa móvel
28
mediante grave ameaça? Evidente que é o pobre. Os outros dois delitos os nãopobres praticam, o de roubo não! Para quem foi feito o dispositivo legal com
tamanha pena? Estaria então havendo algum tipo de seletividade penal?
Vejamos agora outro exemplo mais intrigante: imaginemos o mesmo delito de
roubo (mediante grave ameaça subtraiam um relógio) em confronto com o delito de
esbulho possessório (mediante grave ameaça invadam um imóvel – art. 161 do CP).
Os crimes são praticamente idênticos, só diferem que num o bem é móvel, noutro é
imóvel. Como valoramos mais o imóvel, este deveria ser melhor protegido. Mas não
o é. A pena daquele é de quatro a dez anos, e deste é de um a seis meses e multa.
Pergunta-se: quem comete roubo de relógio? Algum latifundiário? Ora, a subtração
de móvel é crime específico, o do pobre; já o esbulho possessório é do rico. Logo,
as penas são diferentes, destaca-se, absurdamente diferentes. Todavia, como
atualmente o povo (pobre) está invadindo terras, como o Movimento dos Sem Terra
- MST, o Movimento dos Sem Casa - MSC, já estão aparecendo autoridades
preocupadas com a segurança do país e propondo a elevação das penas do
esbulho, o que por certo logo virá.
Vergonhosamente, temos um exemplo, que para nós, é um dos mais graves e
vexatórios, que infelizmente se encontra em nosso ordenamento jurídico, ferindo
frontalmente a dignidade da pessoa humana em nosso país de tantas desigualdades
e miséria, é a do pobre contraventor. É claro e cristalino a tipificação da
contravenção de vadiagem no art. 59 da Lei de contravenção penal, Decreto-Lei nº
3688/41 25 . Um dispositivo desses no país do desemprego e da miséria é totalmente
aviltante à dignidade do ser humano, que além da enorme dificuldade e se tornar um
trabalhador com carteira de trabalho profissional assinada, a qualquer momento
pode ser enquadrado por qualquer autoridade pública como um vadio, apenas por
ser pobre e desempregado; já o rico não tem esse problema, pois mesmo que viva
num ócio total, jamais será enquadrado na tipificação acima, ou seja, como vadio.
Com desagrado, observamos que há seletividade da pena em nosso
ordenamento jurídico, valorando e ou protegendo uma classe em detrimento de
25
BRASIL.Decreto-Lei nº 3.688, de 03 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Vade
Mecum. 2. Ed, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 1191. Art. 59 da referida lei: “Entregar-se alguém
habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios
bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita”.
29
outra, retomemos então a malfadada PEC 20/99, de autoria do então Senador JOSÉ
ROBERTO ARRUDA, onde o atual relator Senador da República DEMOSTENES
TORRES, para fazermos uma análise científico-jurídica, mais precisamente no ponto
crucial da junta médica (grifo nosso), onde o jovem delinqüente, com 16 ou 17
anos, somente poderá ser preso após passar pela referida junta, nomeada, é claro,
pelo juiz competente, a qual fará um exame biopsicológico para indicar se o
adolescente “é, ou não, irrecuperável para viver em sociedade”. Pois bem, o primeiro
critério a se questionar é: haveria isenção dessa junta médica? Principalmente em
situações de grande comoção social? Não estaríamos retomando ao status quo do
arcaico Código de Menores, ressuscitado da ditadura militar, para enquadrar o
menor de rua, carente, desvalido e marginalizado, em situação irregular? Os
menores delinqüentes, provindos das famílias mais abastadas de nosso país, seriam
enquadrados em situação irregular por essa mesma junta médica e seriam
mandados para presídios especiais? Não estaríamos retrocedendo, em termos de
legislação, com o Estatuto da Criança e do Adolescente, que embora incipiente, trata
o menor infrator como sujeito de direitos e obrigações, e, sobretudo com
humanidade e dignidade?
São questionamentos, os quais o operador do direito deve fazer, tem que
refletir e embora pareça redundância, tem que questionar e questionar, ainda mais,
sobre quais seriam as conseqüências de uma possível aprovação dessa PEC 20/99.
2.3 A redução da maioridade penal e a diminuição da violência
Chegamos agora em um ponto muito importante deste trabalho, muito se fala
sobre a redução da maioridade penal, porém pouco se questiona sobre as
conseqüências da aludida redução, sobre o quantitativo de menores infratores em
nosso país, e se, efetivamente diminuirá a violência e o aliciamento da criminalidade
sobre os menores de quatorze, treze, dez anos de idade.
Segundo levantamento estatísticos da Subsecretaria de Promoção dos
Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos
30
Humanos 26 , identificou que existem no Brasil cerca de 39.578 adolescentes no
sistema sócio educativo 27 . Este quantitativo representa 0,2% (zero vírgula dois por
cento) do total de adolescentes na idade entre 12 a 18 anos, isso num universo de
25.030.970 adolescentes existentes no país.
Curiosamente esses dados não são alardeados pela mídia, se levado em
conta a população de jovens e adolescentes em nosso país, a quantidade de
menores infratores é irrisória, mas infelizmente a política de criminalização e da
vingança privada perpetua em nossa sociedade.
Sabemos que com a redução da maioridade penal, esse percentual de
menores infratores se acentuará, mas a questão é: esses menores depositados em
presídios a partir dos dezesseis anos de idade serão ressocializados e sairão
prontos para o convívio social? Ou sairão da situação de menores irregulares e
passarão à graduação de grandes assassinos de alta periculosidade, tornando-se
verdadeiros homens bombas para sociedade?
Temos que questionar se a aludida redução realmente será positiva à
sociedade, ou será somente mais um engodo, um paliativo, uma resposta inócua
dos governantes para uma causa muito mais complexa e abrangente. Seria então
um verdadeiro placebo legal, que não resolveria os anseios da sociedade, ou seja, a
diminuição da violência, a qual perpassa por políticas publicas efetivas, medidas de
inclusão social e participação da sociedade civil como um todo. Sem essa integração
não resolveremos o problema crônico da violência em nosso país. Até porque, já
tivemos a amarga experiência da Lei dos Crimes Hediondos nº 8072/90 28 , que além
de não resolver o problema da violência, mostrou-se ilegal e desumana, ferindo
inclusive dispositivos constitucionais, vedando ainda a progressão penal, impedindo
a reinserção do apenado paulatinamente à sociedade. Lembremo-nos que vivemos
26
MURAD, Juliana. G. P.; ARANTES, Rafael S.; SARAIVA, A.L.R. Levantamento estatístico sobre o
sistema sócio-educativo da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. (SPDCA/SEDHPR).Brasília,
2004. Mimeografado.
27
O termo Sistema Sócio-educativo refere-se ao conjunto de todas as medidas privativas de
liberdade (internação e semiliberdade), as não privativas de liberdade (liberdade assistida e prestação
de serviço à comunidade) e a internação provisória.
28
BRASIL.Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do
art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Vade Mecum. 2. Ed,
São Paulo: Saraiva, 2006, p. 1350.
31
no país do analfabetismo 29 e da ignorância, onde a boa educação é pra
pouquíssimos privilegiados, seria até demagogo pensar que o réles criminoso iria ler
e analisar o novo dispositivo legal, saber que a pena aplicada seria mais grave e
então pararia de cometer o crime.
2.4 O Estatuto da Criança e do Adolescente em ação
Como observado nas exposições acima e depois de desmistificado alguns
aspectos importantes do ECA, já sabemos que a criança e o adolescente são
imputáveis no Brasil, porém por legislação especial – ECA, na idade que varia entre
doze anos de idade à dezoito anos incompletos, os menores que cometem atos
infracionais sofrem medidas sócio-educativas, de caráter preventivo, repressivo,
pedagógico e de ressocialização, que varia desde a prestação de serviços a
comunidade à medida de internação (a mais grave), onde o menor poderá ficar em
estabelecimento correcional por um período máximo de 3 anos.
O problema fulcral do atendimento ao adolescente em conflito com a lei está
exatamente no fato de que os operadores do sistema correcional persistem numa
prática de caráter repressivo, em instituições do velho paradigma, as arcaicas
FEBEM/FUNABEM, em total descumprimento das garantias e prerrogativas dos
iluminados dispositivos do ECA. Desconhecem as metodologias especializadas para
compreensão e o desenvolvimento de um verdadeiro projeto pedagógico, mantendose predominantemente na pratica da teoria do confinamento e da repressão brutal,
as quais são os maiores motivadores de tensão, conflito, rebelião e motins.
As reconstruções e reformas produzidas após rebeliões e motins detonados
por todo país, são exemplos contundentes da inexistência de um projeto de
desmonte da estrutura repressiva que pudesse dar lugar a um investimento sólido
num programa de reordenamento institucional por que passa, inclusive, um projeto
arquitetônico diferente. Em contraponto dos velhos prédios que abrigam monitores
29
No Brasil estima-se 15,8 milhões de analfabetos e 1,9 milhões de jovens entre 15 e 24 anos
integram esse universo perverso. Segundo dados d UNICEF, 13% das mulheres de 15 a 19 anos
têm pelo menos um filho (1,1 milhão de mulheres) e 2,9 milhões de crianças de 10 a 14 anos
trabalham.
32
antigos, cuja experiência de vida limita-se à aplicação da malfadada doutrina da
situação irregular.
O Esforço de capacitação dos profissionais, de redefinição de papéis e
atribuições e de desenho de um projeto pedagógico esbarra na heterogeneidade da
instituição
que
preserva
estruturas
e
tarefas
que
já
deveriam
ter
sido
municipalizadas, impedindo sua especialização e o aprofundamento de sua missão
institucional.
O Distrito Federal merece ser citado nesse trabalho, como um exemplo de
unidade federativa que não herdou a estrutura do tipo correcional repressiva, foi
construída na plena vigência da nova lei.
O CAJE – Centro de Atendimento Juvenil Especializado foi criado no interior
de uma Fundação de Serviço Social que ainda não redesenhou sua missão
institucional ao novo conceito de Assistência Social previsto na Lei Orgânica de
Serviço Social. Menores infratores, creches, abrigos, convivem como se as diversas
situações e demandas fossem oriundas de uma mesma política.
As tentativas de consolidar um projeto pedagógico eficiente na instituição não
tem logrado êxito, em virtude de uma gestão atrapalhada e políticas equivocadas,
que resulta em uma instituição cada vez mais fechada, onde as tensões vão sendo
controladas em intervalos que variam conforme o rigor da repressão aplicada aos
adolescentes.
2.5 Políticas eficientes de atendimento ao adolescente em conflito com a lei
Podemos observar que políticas equivocadas em conjunto com a velha escola
da doutrina da situação irregular, somada a linha da repressão, não tem
ressocializado nossos jovens, pelo contrario; o que temos acompanhado nos
noticiários são cada vez mais rebeliões, revoltas que geram violência, reféns, enfim,
o caos. Qual seria então o tipo de Instituição necessária para o atendimento e a
ressocialização adequada ao adolescente infrator, de forma pedagógica e eficaz.
Mário Volpi, Oficial de Políticas Públicas e Direitos da UNICEF – Fundo das
Nações Unidas para a Infância, desenvolveu alguns tópicos, que em conjunto,
poderia tornar mais eficiente a gestão e a evolução das Instituições que lidam com
33
nossos jovens em conflito com a lei, os quais reproduziremos justamente pela
propriedade do autor sobre o aludido tema:
Desconcentração – recomendações de estudos especializados apontam
para a necessidade de que as unidades sócio educativas quando atendem
em regime de internação não devem atender a mais do que 40
adolescentes. Este Número foi apresentado como resultado de estudos de
atividades em grupo, tomando como base a sala de aula e a composição de
grupos relativamente homogêneos para facilitar o desenvolvimento de uma
convivência mais estável. A identificação dos locais a serem dotados de
unidades de internação devem seguir o critério da demanda de crimes
graves por adolescentes, estabelecendo preferencialmente unidades
regionalizadas, que devem vir acompanhada de uma regionalização de
Varas Regionais de Infância e da Juventude que funcionem no município
sede da unidade para facilitar o fluxo de informações e controle da
aplicação da medida por parte do judiciário. Cabendo ainda ao Estado o
apoio técnico e financeiro e a capacitação dos municípios para a execução
das demais medidas.
Ação especializada – a aplicação de medidas sócio educativas constitui-se
em ação especializada que demanda profissionais especialmente
capacitados para o desenvolvimento de um projeto pedagógico. Portanto o
recrutamento, a capacitação e a avaliação dos profissionais da área precisa
ocorrer de forma criteriosa, identificando perfis e habilidades relacionados a
capacidade de administrar conflitos de forma não violenta. A instituição
responsável pela administração da medida de internação deve integrar uma
política de inclusão social, preferencialmente na área da inclusão social,
articulando ao programa sócio educativo o apoio familiar e a perspectiva da
participação comunitária.
Excepcionalidade e brevidade – a aplicação de medidas sócio educativas só
é recomendada quando esgotadas todas as demais possibilidades de
responsabilização do adolescente e de seus responsáveis. Na necessidade
de aplicação de uma medida sócio educativa, a medida de internação
reveste-se de caráter excepcional e só pode ser aplicada quando esgotados
todos os demais recursos e se aplicada deve ser feita no menor período
possível.
Humanidade – nenhuma medida sócio educativa pode dirigir-se a outro fim
que não seja a ressocialização do adolescente. Neste sentido todo o projeto
pedagógico deve constituir-se de um conjunto estourado de atividades e
rotinas que permitam o desenvolvimento integral do adolescente, pondo-o a
salvo de qualquer forma de tratamentos humilhantes ou degradantes.
Reordenamento institucional – consiste numa política de transição que
promova o desmente de antigas estruturas carcerárias massificantes e a
montagem de um sistema de aplicação de medidas sócio educativas e
ressocializantes. Aborda na perspectiva aqui apresentada a questão do
chamado adolescente infrator deixa de ser apenas um enfoque repressor.
Pensar na possibilidade de diminuição da violência social aumentando a
violência das penas configura-se numa lógica contraditória e ineficiente.
Todas as propostas que apontam a redução da idade de inimputabilidade
penal como solução para a prática de delitos, por adolescentes, ignoram a
complexidade da temática e inserem-se num ciclo perverso de reprodução
da violência. O caminho pedagógico da produção de instituições capazes de
oferecer um projeto da vida aos adolescentes em conflito com a lei, tem se
mostrado excepcionalmente eficiente na produção de alternativas
metodológicas nas quais um tratamento humanitário, educativo e de
34
promoção das potencialidades dos adolescentes gera cidadãos capazes de
contribuir com a construção de uma sociedade melhor 30 .
Lendo essas poucas linhas acima expostas, não nos parece tão difícil evoluir,
deixar o caminho da criminalização para o da humanização,
para o trato com
crianças e adolescentes em conflito com a lei de forma mais digna, respeitosa e
sobretudo acreditando que uma pessoa em desenvolvimento tem maior poder de
ressocialização do que o de um adulto.
30
VOLPI, Mário. Ato infracional, medida sócio-educativa e adolescência. O Estatuto da Criança e do
Adolescente e a construção da Cidadania. Brasilia, UNB, p. 17/18.
35
CAPÍTULO 3 - A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E SEUS REFLEXOS NA
SOCIEDADE
3.1 Sistema penitenciário brasileiro – panorama geral
Uma matemática simples e exata já sabemos: é que com a redução da
maioridade penal, se acentuará ainda mais a superlotação em nosso arcaico e
assombroso sistema penitenciário. A Lei Federal 7.210/84 31 , de Execução Penal,
dispõe em seu art. 1º que: “A Execução Penal tem por objetivo efetivar as
disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a
harmônica integração social do condenado e do internado”, (Grifo Nosso).
Condições para a harmônica integração social do condenado e do internado;
realmente o aludido artigo vem carregado de humanidade e dignidade, buscando a
reintegração do apenado à sociedade inclusive de forma harmônica, porém
sabemos que o falido sistema penitenciário brasileiro não tem estrutura, nem
metodologia eficiente para tal, e como conseqüência torna o referido dispositivo legal
em letra morta. Já nos cansamos de ver em jornais, noticiários e mídia em geral, as
violentas explosões de rebeliões por todo o país, sendo algumas inclusive
orquestradas, a superlotação dos presídios, as condições insalubres e desumanas
por que passam esses apenados, enfim: o verdadeiro inferno retratado no massacre
de Carandiru 32 , em São Paulo, no ano de 1992, onde foram sumariamente
executados 111 presos indefesos, mas presos são como podres e todos sabem
como se tratam os pretos, pobres e desvalidos. Faz-se necessário destacar em
nosso trabalho que todo aquele que afronta a lei deve responder pelo seu ato, e se
for o caso, cumprir a melhor sansão imposta pelo Estado, detentor do jus puniendi,
31
BRASIL.Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Vade Mecum. 2. Ed,
São Paulo: Saraiva, 2006, p. 1312.
32
Carandiru é um filme brasileiro e argentino de 2002, do gênero drama, dirigido pelo argentino
naturalizado brasileiro Hector Babenco. O filme é uma superprodução baseado no livro Estação
Carandiru, do médico Drauzio Varella, onde ele narra suas experiências com a dura realidade dos
presídios brasileiros em um trabalho de prevenção à AIDS realizado na Casa de Detenção
36
porém
com
condições
mínimas
de
dignidade
e
humanidade,
sendo
conseqüentemente reinserido de fato na sociedade.
O aumento da desigualdade e da exclusão social é diretamente proporcional
ao aumento da violência em nosso país, tanto que, como já apresentado acima, a
maior parte de nossa população carcerária é composta por delinqüentes que
cometeram crimes de ordem patrimonial.
O Brasil é o oitavo país do mundo em população de detentos por habitante, e
se fossem contabilizados os mandados de prisão expedidos e não cumpridos, o país
disputaria com Cuba a amarga terceira posição mundial. O número de presos
aumentou consideravelmente nos últimos 12 anos – em 1995, eram 148.760 mil
presos no país. Até junho de 2007, havia 419.551 mil detidos em penitenciárias e
delegacias. Dados esses revelados pelo Departamento Penitenciário Nacional do
Ministério da Justiça (DEPEN) 33 .
Para piorar esse quadro desesperador o DEPEN afirma haver um deficit de
aproximadamente 200 mil vagas nos presídios do País, e o mais agravante, que os
recursos são insuficientes para garantir o número ideal de vagas.
Diante do apresentado vemos que a pena privativa de liberdade, ou pelo
menos a forma a qual é aplicada, não se revelou um remédio eficaz para
ressocializar o apenado, comprova-se pelo elevado índice de reincidência dos
egressos do sistema carcerário. Embora não haja números oficiais específicos
fornecidos pelo INFOPEN (Sistema de Informação Penitenciário) do Ministério da
Justiça, sabe-se que um elevado número de
ex-detentos no Brasil voltam a
delinqüir, e, conseqüentemente, acabam retornando ao sistema penitenciário.
Essa realidade é apenas mais um reflexo direto do péssimo tratamento e das
condições subumanas as quais o condenado é submetido, em ambiente prisional
durante todo período de encarceramento, aliada ainda ao cruel sentimento de
rejeição e indiferença sob o qual é tratado pela sociedade e pelo próprio Estado. O
estigma de ex-detento e o total desamparo do Estado faz com que o egresso do
sistema carcerário torne-se ainda mais marginalizado no meio social, o que acaba
levando-o de volta à criminalidade.
33
DEPEN-MJ, População carcerária, Jun. 2007. Disponível em: <
http://www.mj.gov.br/depen/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D2840750
9CPTBRIE.htm..>. Acesso em: 28 Set. 2007.
37
3.2 Custo da criminalização e o custo da educação
Políticas criminalizantes têm um grande reflexo negativo no bolso do cidadão,
infelizmente os prejuízos advindos da violência fazem com que a sociedade perca
inúmeros investimentos de inclusão social, como o de segurança alimentar (no país
dos famintos), inclusão digital, construção de hospitais e escolas (para a massa de
analfabetos). Manter um presidiário no Brasil onera em muito os cofres públicos, o
custo médio de um preso é de aproximadamente R$ 18 mil (dezoito mil reais) por
ano. De acordo com estimativas do DEPEN cada presidiário custa em média, de R$
1.000 (um mil real) a R$2.000 (dois mil reais) por mês 34 . Em Contraponto um
estudante em instituições públicas do país custa a metade desse valor. Segundo
pesquisa feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU), um estudante universitário
custa aproximadamente, R$ 790 (setecentos e noventa reais) por mês e R$ 9.488
(nove mil, quatrocentos e oitenta e oito reais) por ano 35 .
Temos aproximadamente 440 mil detentos distribuídos pelas delegacias e
penitenciárias de todo o Brasil, levando-se em conta o custo médio dos detentos no
sistema penitenciário, fora a sua manutenção, temos aproximadamente o custo de
R$ 600 milhões (seiscentos milhões de reais) por mês e conseqüentemente 7,5
bilhões ( sete bilhões e quinhentos milhões de reais) por ano, dados do DEPEN36 .
O Programa Universidades para Todos – PROUNI, do Ministério da Educação
- MEC, o qual tem como finalidade a concessão de bolsas de estudos integrais e
parciais a estudantes de baixa renda, em cursos de graduação e seqüenciais de
formação específica, em instituições privadas de educação superior, oferecendo, em
contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas que aderirem ao Programa.
Segundo estimativas do MEC para o ano de 2007, a renúncia fiscal em virtude do
PROUNI foi de R$ 126,5 milhão (cento e vinte e seis milhões e quinhentos mil reais)
para 301.321 (trezentos e um mil e trezentos e vinte um) alunos matriculados no
programa em 1.424 (um mil, quatrocentos e vinte e quatro) instituições
34
ROCHA, João Franco. Quanto custa um preso. Direito Penal. São Paulo, 29 fev. 2008. Disponível
em: < http://direitopenal.zip.net/arch2008-02-24_2008-03-01.html>. Acesso em: 20 mar. 2008.
35
ZANDONÁ, Norma da Luz. O acesso à Universidade Pública. Curitiba, 28 fev. 2005. Disponível em:
<http://dspace.c3sl.ufpr.br:800/dspace/bitstream/1884/2398/1/Tese%20Vers%C3%A3o%20Definitiva.
pdf> Acesso em: 24 out. 207.
36
IBIDEM, nota de rodapé nº 32.
38
conveniadas 37 . São mais de trezentos mil alunos ingressando em instituições de
nível superior no país, ganha o aluno carente e sua família com novas perspectivas
para o futuro, ganha o empresário com isenções tributária, ganha a sociedade com
menos violência (menos jovens nas
ruas ociosos), ganha o Brasil em
desenvolvimento econômico, com seus novos profissionais melhores capacitados e
educados.
Chega a ser absurdo o abismo da comparação com gastos referentes ao
sistema penitenciário e os gastos em educação, vão da casa de bilhão para milhão
ao ano, respectivamente. Qual seria o investimento mais interessante para o
crescimento do país? Certamente responderíamos em uníssona voz, no mais belo
coral: — É claro que preferimos investir em educação! Porém, teríamos primeiro,
que afastar o sensacionalismo da violência e da vingança privada e trabalharmos
para a diminuição paulatina da desigualdade social, que acentua a violência em
nosso país.
As políticas de criminalização, a necessidade de punir e prender fazem com
que o Estado tenha gastos absurdos e em conseqüência a sociedade perde ainda
mais. Especialistas e organizações civis defendem a maior aplicação das penas
alternativas, como prestação de serviços sociais, limpeza de muros e praças, ajuda
em hospitais, dentre outros. Embora esteja previsto em nossa Constituição Federal e
no Código Penal Brasileiro, esse tipo de pena
é pouco utilizada no país. A grande
vantagem da aplicação das penas alternativas é o custo reduzido, pois enquanto na
média nacional o custo mensal para manutenção de um preso em regime fechado é
de aproximadamente R$ 1,5 mil (um mil e quinhentos reais), com a aplicação de
medidas alternativas, o custo não ultrapassaria R$ 50 (cinqüenta reais) por mês,
dados do DEPEN 38 .
Faz-se necessário uma grande mudança no paradigma da punição, punição
esta, é claro, para o publico alvo, para os escolhidos, para os menores em situação
irregular, para os bandidos e desvalidos. Nossos operadores do direito têm que
mudar esse triste paradigma e quando for possível, aplicar as penas alternativas,
37
BRITO, Luisa. Custo médio do aluno para o governo. G1, São Paulo, 04 fev. 2007. Disponível em: <
http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular/0,,MUL3635-5604,00.html>. Acesso em: 13 nov. 2007.
38
IBIDEM, nota de rodapé nº 32.
39
observar a progressão penal, dentre outros institutos legais que possam diminuir a
crescente massa de detentos.
3.3 O preço da proteção dos condomínios fechados e da violência
O valor segurança, o valor da paz e da tranqüilidade, seria possível comprar
itens tão almejados na conjuntura atual. Na busca pela realização desses sonhos,
tivemos a partir da década de 80 uma verdadeira proliferação de condomínios
fechados, onde seus moradores teriam à disposição um grande esquema de
segurança, garantido por meio de sistemas de identificação de visitantes, alarmes e
câmeras instaladas em áreas comuns, além de uma série de comodidades, como,
por exemplo, lojas de conveniências, academia, área de lazer e outras tantas
facilidades capazes de reproduzir para os condôminos a real sensação de se viver
em sociedade com tranqüilidade e paz. Porém essa grande utopia não garante
qualquer segurança, apenas agrava o problema da segregação social.
Viver em um condomínio fechado cria no indivíduo uma falsa sensação de
segurança. Uma grande ilusão de proteção, dentro de seu território, sua área, seu
pequeno mundo, como em O Pequeno Príncipe 39 vivendo em seu pequeníssimo
planeta B612. Seguranças nas guaritas e áreas comuns, sistema de vigilância
eletrônica, muros, cercas elétricas, vivendo quase que hermeticamente fechado,
protegido e lacrado. Infelizmente essa falsa sensação de segurança não afasta nem
diminui a violência, faz com que seus moradores fiquem depressivos, adquiram
síndrome do pânico, hipertensão; as crianças também absorvem essa atmosfera de
medo, aumentam ainda mais o individualismo, ficam trancados em seus quartos com
seus computadores de última geração, fazendo amigos virtuais e aumentando
sistematicamente o medo do mundo exterior.
Não bastassem sensores, câmeras, raios infravermelhos e satélites, temos
um chip para completar o aparato tecnológico usado pelos brasilienses para
39
O Pequeno Príncipe é um livro escrito pelo autor, jornalista e piloto francês Antoine de SaintExupéry. Foi escrito em 1943, um ano antes de sua morte. É sua obra mais conhecida. Do lado de
fora parece ser um simples livro para crianças, mas é na verdade um livro profundo, escrito de forma
enigmática e metafórica. Um livro poético e filosófico sem igual. Este livro foi traduzido para muitas
línguas, sendo seu original em francês. Também foram feitos dele histórias para serem ouvidas,
filmes e desenhos animados, além de várias adaptações em espetáculos.
40
enfrentar a violência. O sistema de rastreamento é o GPS (Global Position System),
o mesmo usado para localizar cargas e carros importados.
Levado junto ao corpo, o chip envia sinais para um satélite, que dá a
localização da pessoa. Nos Estados Unidos, o dispositivo não custa menos de US$
2 mil (dois mil dólares).
Claro que todo esse aparato de segurança tem um preço, as empresas de
segurança patrimonial movimentam em média a quantia de R$ 334 milhões
(trezentos e trinta e quatro milhões de reais) por ano no DF. Os dados são da
Federação das Empresas de Segurança Privada e Transporte de Valores (Fenavist).
O Distrito Federal é o quarto mercado do país, atrás apenas de São Paulo
(R$ 3,4 bilhões), do Rio de Janeiro (R$ 963 milhões) e de Minas Gerais (R$ 488
milhões). No Brasil, o faturamento médio das empresas de segurança privada chega
a exorbitante quantia de R$ 8,3 bilhões ano 40 . Investindo uma pequena parte desse
valor em educação para jovens carentes, diminuiríamos em muito a violência
crescente em nossa cidade.
Estamos construindo um novo aparthaid, onde os pobres e marginalizados do
outro lado dos muros e cercas elétricas só têm acesso quando trabalhadores dos
subempregos, domésticos, seguranças, vigias e zeladores, os quais mesmo
servindo aos superprotegidos, são vistos com menosprezo e desdém, além de
serem sempre os primeiros suspeitos.
Brasília, a capital dos condomínios e das piscinas, onde os menos
afortunados sequer chegam perto desses espaços de conforto e lazer, como os
grandes clubes da Orla do Lago Paranoá, os quais são destinados às classes
superiores e mais abastadas do Distrito Federal.
A capital do país é uma das campeãs em
seqüestro-relâmpago, onde o
criminoso fica à espreita e independente da hora do dia, ao menor descuido a
pessoa é abordada e persuadida a efetuar saques nas agencias bancárias. Esse
pequeno exemplo é para demonstrar que o mundo imaginário da superproteção dos
enclaves fortificados, sinônimos de status e glamour, não é o bastante para fugir da
40
MOTENEGRO, Érica. Pague para ficar seguro. Correio Brasiliense, Brasília. 31 mar. 2007.
Disponível em: < http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_200200331/pri_seg_190.htm>. Acesso
em: 12 abr. 2008.
41
violência. O aparthaid social, a segregação de castas 41 , só acentua o problema.
São reflexos sociais iminentemente negativos, que só se agravará com a redução da
maioridade penal, pois com o crescente aliciamento dos menores pelos traficantes e
bandidos, que inexoravelmente, por falta de oportunidade e escolhas vão aderindo
ao mundo do crime, e em conseqüência, superlotando ainda mais as penitenciárias,
os navios negreiros.
3.4 A Revolta da Chibata – Lei de Causa e Efeito
O que teria sido a Revolta da Chibata? Qual a relação com este trabalho?
São perguntas que iremos responder ao longo deste relevante tópico.
Os castigos físicos, abolidos na Marinha do Brasil um dia após a Proclamação
da República, foram restabelecidos no ano seguinte 1890, estando previstas:
Para as faltas leves, prisão a ferro na solitária, por um a cinco dias, a pão e
água; faltas leves repetidas, idem, por seis dias, no mínimo; faltas graves, vinte e
cinco chibatadas, no mínimo.
Os marinheiros nacionais, quase todos negros ou mulatos comandados por
uma oficialidade branca, em contato cotidiano com as marinhas de países mais
desenvolvidos à época, não podiam deixar de notar que as mesmas não mais
adotavam esse tipo de punição em suas belonaves, considerada como degradante.
O uso de castigos físicos era semelhante aos maus-tratos da escravidão, abolida no
país desde 1888. Paralelamente, a reforma e a renovação dos equipamentos e
técnicas da Marinha do Brasil eram incompatíveis com um código disciplinar que
remontava aos séculos XVIII e XIX. Essa diferença foi particularmente vivida com a
estada dos marujos na Inglaterra, em 1909, de onde voltaram influenciados não só
pelas lutas dos colegas britânicos, mas também pela revolta dos marinheiros da
Armada Imperial Russa, no “Encouraçado Potemkin”, ocorrida poucos anos antes,
em 1905.
41
Castas, em sociologia, são sistemas tradicionais, hereditários ou sociais de estratificação, ao abrigo
da lei ou da prática comum, com base em classificações tais como a raça, a cultura, a ocupação
profissional, etc.Varna, a designação sânscrita original para "casta", significa "cor".
42
Quando
retornaram
ao
Brasil,
o
marinheiro
João
Cândido
formou
clandestinamente um Comitê Geral para organizar a revolução.
O estopim da revolta acabou sendo a punição aplicada ao marinheiro
Marcelino Rodrigues Menezes do Encouraçado Minas Gerais, em trânsito para o Rio
de Janeiro. Por ter ferido um cabo com uma navalha, foi punido, não com as vinte e
cinco chibatadas mínimas regulamentares, e sim com duzentos e cinqüenta, na
presença da tropa formada, ao som de tambores. O rigor dessa punição,
considerada desumana, provocou a indignação da tripulação.
Uma semana depois, já na baía de Guanabara, na noite de 22 de novembro,
os marinheiros do “Minas Gerais” se amotinaram, mataram quatro oficiais (entre os
quais o comandante, Batista das Neves), obtendo a adesão do Encouraçado São
Paulo (o segundo maior navio da Armada à época) e de mais seis embarcações
menores ancoradas na baía. Foi então emitido um ultimato no qual ameaçavam abrir
fogo sobre a então Capital Federal:
“O governo tem que acabar com os castigos corporais, melhorar nossa
comida e dar anistia a todos os revoltosos. Senão, a gente bombardeia a cidade,
dentro de 12 horas.” (carta de João Cândido, líder da revolta)
E complementava:
“Não queremos a volta da chibata. Isso pedimos ao presidente da República e
ao ministro da Marinha. Queremos a resposta já e já. Caso não a tenhamos,
bombardearemos as cidades e os navios que não se revoltarem.” 42
Surpreendido e sem capacidade de resposta, o governo, o Congresso e a
Marinha divergiam quanto à resposta, pois a subversão da hierarquia militar é um
dos principais crimes nas Forças Armadas. A população da então Capital, num misto
de medo e curiosidade, permaneceu em estado de alerta, parte dela refugiando-se
longe da costa enquanto outros se dirigiram à orla para assistir o bombardeamento
ameaçado pelos marinheiros.
A Marinha esboçou um ataque aos revoltosos com dois navios menores, mas
além de rechaçá-lo, estes bombardearam as instalações na ilha das Cobras.
Quatro dias mais tarde, o governo do presidente marechal Hermes da
Fonseca declarou aceitar as reivindicações dos amotinados, abolindo os castigos
42
SILVA, M. A. Contra a Chibata: Marinheiros brasileiros em 1910. São Paulo: Brasiliense, 1982. p.
11-12. Coleção Tudo é História
43
físicos e anistiando os revoltosos que se entregassem. Estes, então, depuseram
armas e entregaram as embarcações. Entretanto, dois dias depois, alguns
marinheiros foram expulsos da Marinha, sob a acusação de “inconveniente à
disciplina”.
Em 4 de dezembro, quatro marujos foram presos, sob a acusação de
conspiração. Em meio a uma forte onda de boatos, isolados e desorganizados, os
fuzileiros navais sublevaram-se na Ilha das Cobras (Rio de Janeiro), sendo
bombardeados durante todo o dia, mesmo após hastearem a bandeira branca. De
seiscentos revoltosos, sobreviveram pouco mais de uma centena, detidos nos
calabouços da antiga Fortaleza de São José da Ilha das Cobras. Entre esses
detidos, dezoito foram recolhidos à cela n° 5, escavada na rocha viva. Ali foi atirada
cal virgem, na véspera do Natal. Após vinte e quatro horas, apenas João Cândido e
o soldado naval Pau de Lira sobreviveram. Cento e cinco marinheiros foram
desterrados para trabalhos forçados nos seringais da Amazônia, tendo sete destes
sido fuzilados nesse trânsito.
Apesar de se declarar contra a manifestação, João Cândido também foi
expulso da Marinha, sob a acusação de ter favorecido os rebeldes. O “Almirante
Negro”, como foi chamado pela imprensa, um dos sobreviventes à detenção na ilha
das Cobras, foi internado no Hospital dos Alienados em Abril de 1911, como louco e
indigente. Ele e dez companheiros só seriam julgados e absolvidos das acusações
dois anos mais tarde, em 1 de dezembro de 1912.
Embora seja indiscutível a validade dos argumentos dos marinheiros em
1910, a revolta não apresentava nenhum projeto de transformação social mais
amplo. O seu objetivo era apenas e tão-somente a extinção dos castigos corporais e
a melhoria das condições de vida e trabalho da categoria a bordo das embarcações
da Armada 43 .
Fizemos esse breve histórico sobre a Revolta da Chibata, para demonstrar
que quando uma determinada classe social, casta, categoria, equipe de trabalho,
enfim; quando um grupo de seres humanos são excluídos, maltratados, humilhados,
tem sua dignidade e honra aviltada, jogada na lama, insurgem-se contra a estrutura
43
IBIDEM
44
de poder dominante. Na história da humanidade sabemos de vários exemplos,
porém focalizaremos na sagrada terra Brasilis.
Em nosso país já tivemos diversas manifestações das classes oprimidas:
tivemos Canudos, Chibata, Mascate; mais adiante tivemos várias manifestações
contra a ditadura militar, inclusive com seqüestros de autoridades; depois,
continuamos lutando contra a corrupção, tivemos o Movimento dos caras pintadas;
atualmente, no primeiro semestre do ano de 2008, estudantes da Universidade de
Brasília – UNB, conseguiram “jubilar” o reitor, por indícios de crime de improbidade
administrativa; contra os grandes latifundiários, temos o orquestrado Movimento dos
Sem Terra, e por aí vamos.
Temos muitas outras manifestações, que geralmente, não conseguimos
enxergar, situação comum em muitos dos movimentos marginalizados pela
sociedade. Temos um movimento, dos mais avocados pelas crianças e
adolescentes em conflito com a lei no Brasil: O chamado movimento RAP, significa
rhythm and poetry ( ritmo e poesia ). O Gênero musical foi criado nos Estados
Unidos, mais especificamente nos bairros pobres de Nova Iorque, na década de
1970. Geralmente com predominância de jovens de origens negra e espanhola.
O rap tem uma batida rápida e a letra vem em forma de discurso, crítica e
manifestação. Geralmente as letras falam das dificuldades vivida pelos habitantes
dos bairros pobres nas grandes cidades (periferias), da miséria, fome, desigualdade
social, da violência policial. As gírias usadas, as quais, para os rapers são chamadas
de dialeto (grupo Racionais Mc’s), são indispensáveis no linguajar dos compositores
em suas letras contra o chamado “sistema”.
O que não conseguimos enxergar, é que essas letras de manifestação são
como uma espécie de código criptografado, o qual alerta a população marginalizada,
que possuem a decodificação, contra toda a repressão e desigualdade social
sofrida, desencadeando um grande contra-ataque.
Nosso trabalho vem sempre ressaltando o fato de que a desigualdade social,
junto à discriminação, marginalização e violência, gera mais violência em sentido
contrário. Principalmente em relação aos adolescentes, que estão na faixa etária da
rebeldia e da chamada revolução: Liberté, Igualité, Fraternité (liberdade, igualdade,
fraternidade).
45
Nas letras de RAP, os jovens carentes insurgem-se contra a forma de como
são tratados, contra a discriminação social, até em relação às roupas que vestem.
Chamada por alguns policiais de “QUIT PEBA”: o boné (chamado de “aba reta”), as
camisetas largas (geralmente com algum tipo de manifestação – “Vida Louca”), das
bermudas grandes (caindo pelas nádegas e mostrando a cueca), e finalmente os
usuais chinelos de dedos. Pronto, construímos o menor infrator, simplesmente pelo
arraigado estigma social.
Citaremos letra de RAP, do cantor e compositor MV BILL, autor do livro
Falcão – Meninos do tráfico, o qual teve documentário exibido na Rede Globo de
Televisão, na revista eletrônica Fantástico, exibida aos domingos à noite; o livro
retrata o quadro de violência e discriminação por que passam esses jovens em
conflito com a lei. O RAP, O Bagulho é Doido,
é de
letra
extensa,
o qual
grifaremos apenas algumas partes em que um menor, menino do tráfico, desabafa
sobre sua perspectiva de Vida, Família e Morte, sobre sua realidade vivida nas
ruas e vielas do mundo do narcotráfico:
O Bagulho é Doido
Sem cortes
Liga a filmadora e desliga o olofote
Se quer me ouvir, permaneça no lugar
Verdades e mentiras, tenho muitas pra contar
Doideira
Fogueira à cada noite pra aquecer
O escuro da madruga que envolve o meu viver
Não sou você...
Também não sei se gostaria ser
Ficar trepado no muro
Se escondendo do furo
Não me falta orgulho
Papo de futuro
É nós
Que domina a cena
Bagulho de cinema
A feira tá montada, pode vir comprar
Eu vendo uma tragédia
Cobro dos comédias
16 é a média
Deus tá vendo, eu acredito
Sou detrito
46
Que tira o sono do doutor
Seria o Jason, se fosse um filme de terror
Desembassa
Saia na fumaça
O bonde tá pesado e você tá achando graça
Tipo peste
Tá no sudeste, tá no nordeste, no centro-oeste
Teu pai te dá dinheiro
Você vem e investe
No futuro da nação
Compra pó na minha mão
Depois me xinga na televisão
Na seqüencia vai pra passeata levantar cartaz
Chorando e com as mãos sinalizando o símbolo da paz
O bagulho é doido
Não tenta levar uma
Não vem pagar de pa, se não for porra nenhuma
Deus ajuda
Que eu fique de pé no sol e na chuva
A pista tá uma uva
Pretendo ser feliz
Com um rádio transmissor
E uma glock numa honda biz
Um trago no cigarro
Um gole na cerveja
E sou destaque no outdoor que anuncia a revista 'VEJA!'
"Se eu morrer.. nasci outro que nem eu ou pior, ou melhor..."
"Se eu morrer eu vou descansar.."
"Ah, sonhar! Nessa vida não dá pra sonhar não..."
"Amanhã não sei nem se eu vou tá aí"
Veja que irônia
Que contradição
O rico me odeia e financia minha munição
Que faz faculdade
Trabalha no escritório
Me olha como se eu fosse um rato de laboratório
Vem de sheroki
Vem de kawazaki
Deslumbrado com a favela
Como se estivesse vendo um parque
De diversões
Se junta com os vilões
Se sente por um instante
Ali Cuzão e os 40 ladrões
Se os homi chegasse
47
E nós dois rodasse
Somente o dinheiro iria fazer com que eu não assinasse
Pra você?
Tá tranqüilo
Nem preocupa
Sabe que vai recair
Sobre mim a culpa
Me levam pra cadeia
Me transformam em detento
Você vai para uma clínica tomar medicamento
Imagine vocês
Se eu fizesse as leis
O jogo era invertido
Você que era o bandido
Seria o viciado, aliciador de menor
Meu sonho se desfaz igual o vento leva o pó
Big Brother
Da vida de ilusão
Não se ama
Se odeia
Se precisar, mandamos pro paredão
Com bala na agulha
Cada um na sua
O meu dinheiro vem da rua
Um bom soldado nunca recua
A droga que você usa é batizada com sangue
É mais financiamento
Mais armas
Bang-bang
Corre igual um porco
Para não ficar 'sós'
Fica todo arrepiado quando ouve alguém falar que É NÓS
"É muito esculacho nessa vida..."
Já vou ficar no lucro se passar de 18
Depois que escurece o bagulho é doido
O mesmo dinheiro que salva também mata
Jovem com ódio na cara
Terror que fica na esquina
Esperando você chegar
Se passa de 18
Depois que escurece o bagulho é doido
O mesmo dinheiro que salva também mata
Já vem com um monte na cara
Terror que fica na esquina
48
Esperando você...
---Aos 47 você vem falar de paz
Tem um maluco que falava disso hà 15 anos atrás
A bola do mundo me deixou na mira dos policiais
Sou notícia sem ibope na maior parte dos jornais
Quem sou eu
Eu não sei
Já morri
Já matei
Várias vezes eu rodei
Tive chance e escapei
E o que vem?
Eu não sei
Talvez, ninguém saiba
Eu penso no amanhã e sinto muita raiva
RELAXA..
Não tenta levar uma
Se não vou ter que dar baixa
É o certo pelo certo
O errado não se encaixa
Não usa faixa
Idade certa
Cidade Alerta
O alvo certo, a isca predileta
Tipo atleta
Correndo pela esquina
Assuta o senhor
Mas, impressiona a mina
Se liga
Que legal
Meu território é demarcado
Eu não atravesso a rua principal
Bacana sem moral
Liga pro jornal e fala mal
Viu a foto do filhinho na página principal
Não
Como vitima
Como marginal
Fornecia pros playboys e vendia Parafal
Mesmo assim eu continuo sendo o foco da história
Momentos de lazer eu carrego na memória
Se a chapa esquentar
O fogos não estourar
Depois que amenizar
49
Alguém vem pra me cobrar
Você sabe o que isso representa
Seu vicio é que me mata
Seu vicio me sustenta
Antes de abrir a boca pra falar demais
Não esqueça
Meu mundo você é quem faz..
"Tenho uma irmã de 5 anos.. de 6 anos.. fico pensando se eu morrer
assim, mané.. minha irmãzinha vai ficar como... triste!" (grifo nosso)
Findamos este capítulo, com a perspectiva de reflexão do leitor, achamos que
qualquer comentário seria apenas uma redundância, seria pobre. Sabemos que o
ser humano é produto do meio em que vive, e quando ele é adestrado para matar,
ele mata, sem nenhum remorso; quando é educado para amar, ele ama e com
intensidade.
50
CAPÍTULO 4 – DIMINUIÇÃO DA VIOLÊNCIA NO PAÍS: FAMÍLIA, ESTADO E
SOCIEDADE
A questão da violência em nosso país é crônica e crescente, e para combater
esse mal, que aflige, a todos os brasileiros; faz-se necessário um conjunto de ações
interligadas e efetivas, envolvendo a família, com o dever de zelo e educação dos
seus; o Estado, por meio de polícias públicas eficientes e integradas e a participação
de toda a sociedade civil. Veremos adiante que, nem tudo está perdido, pois no
Brasil: “Em se plantando, tudo dá”. Acreditamos que o país está em franco
desenvolvimento, no contexto geral, e com a aplicabilidade certa e responsável de
políticas públicas de inclusão social, com o envolvimento de nossa sociedade no
trato com a questão da violência, da desigualdade social, da fome, do menor e da
educação, com a mudança do paradigma da discriminação e da criminalização para
a conduta da humanidade e dignidade, conseguiremos extirpar, cirurgicamente, essa
pústula 44 de nosso amado país.
4.1 Políticas públicas eficientes – Sistema Nacional de Atendimento SócioEducativo – SINASE
A implementação do Sistema Nacional de Atendimento Sócio-educativo –
SINASE 45 , é fruto de uma construção coletiva que envolveu nos últimos anos
diversas áreas de governo (a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente, dentre outros). Representantes de entidades e especialistas na área,
além de uma série de debates protagonizados por operadores do Sistema de
Garantia de Direitos em encontros regionais que cobriram todo o País.
A problemática levantada pelo SINASE foi: o que deve ser feito no
enfrentamento de situações de violência que envolvem adolescentes enquanto
44
Vesícula cutânea cheia de pus; corrupção, vício, perversão; maligno, carbúnculo.
SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. Sistema Nacional de Atendimento Sócioeducativo. Brasília, 2006, p. 13-14.
45
51
autores de ato infracional ou vítimas de violação de direitos no cumprimento de
medidas sócio-educativas?
Diante de tal polêmica partindo da necessidade de constituir parâmetros mais
objetivos e procedimentos mais justos, o SINASE reafirma a diretriz do ECA sobre o
aspecto da natureza pedagógica da medida sócio-educativa. Para tanto, tem como
plataforma inspiradora os acordos internacionais em direitos humanos e, em
especial, na área dos direitos da criança e do adolescente, onde o Brasil é
signatário.
O SINASE está se concretizando, agora é projeto de lei, dispondo sobre o
sistema de atendimento sócio-educativo, regulamentando a execução das medidas
destinadas ao adolescente, em razão de ato infracional, alterando alguns
dispositivos da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - ECA.
Entre as principais mudanças, que constam no referido projeto de lei, está a
exigência de que cada unidade de atendimento em regime fechado atenda a, no
máximo, 90 adolescentes por vez, sendo que os quartos deverão ser divididos por
três jovens. Há também mudança na arquitetura das unidades, que privilegia as
construções horizontais e espaços para atividades físicas, mudando o paradigma da
arquitetura dos velhos internatos e presídios, onde ficavam amontoados esses
jovens, como já explanado nesse trabalho.
Devendo ainda,
ser providenciados serviços de educação, saúde, lazer,
cultura, esporte e profissionalização, para atender a esses adolescentes, ratificando
a doutrina da proteção integral preconizado pelo referido Estatuto.
Outra novidade é que o Sinase também especifica quais são as
responsabilidades dos governos federal, estadual e municipal na internação e na
reinserção dos adolescentes em conflito com a lei. Os municípios com mais de 100
mil habitantes, por exemplo, vão ter de elaborar planos para o cumprimento de
medidas socioeducativas em meio aberto, como a prestação de serviços
comunitários. Municípios menores poderão fazer consórcios entre si e elaborar
planos regionais 46 .
A necessidade da integração de políticas públicas é premente para efetivação
46
LOBO, Irene. O ECA recebe de presente projeto de lei que reestrutura o atendimento sócioeducativo. RADIOBRAS. Agência Brasil. Brasília. 13 jul. 2007. Disponível em: <
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/07/13/materia.2007-07-13.2922679658/view>. Acesso
em: 17 abr. 2008.
52
de qualquer demanda gorvenamental, na área de segurança pública, na área de
inclusão social, na área da saúde e da Educação. Porém, ao longo da história do
país, temos acompanhado políticas equivocadas e pricilpalmente, setoriarizadas e
individualizadas, impossibilitando o compartilhamento de informação e o intercâbio
entre os vários órgãos governamentais, desencadeando o deterioramento da política
(ação) desenvolvida pelo Estado. Sem a devida integração das mais variadas
políticas públicas para o desenvolvimento do país estamos fadados ao fracasso, ao
exaurimento infrutífero dos recursos públicos, obtidos com pagamentos sacrificante
dos impostos que tanto oneram nosso povo.
No diapasão da integração de políticas públicas, o SINASE articula ações,
que regem a poítica de atenção a crianças e adolescente, nas três esferas do poder
público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), pelos três poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário) e pela sociedade civil, sobe três eixos:
Promoção, Defesa e Controle social. Tendo por finalidade melhor ordenar as várias
questões que gravitam em torno dessa temática, reduzindo-se, assim, a
complexidade inerente ao atendimento aos direitos desse público.
A intersetorialidade preconizada pelo SINASE, desenvolveu o: Sistema de
Garantia de Direitos, que articula ao seu redor o Sistema educadional, o Sistema de
Justiça e Segurança Pública, o Sistema Único de Saúde-SUS e o Sistema Único da
Assistëncia Social-SUAS, constituindo-se um política pública destinada à inclusão do
adolescente em conflito com a lei que se correlaciona e demanda iniciativas dos
diferentes campos das políticas públicas e sociais, tendo interfaces com diferentes
distemas e políticas. Exigindo atuação diferenciada que coadune responsabilização
(com a necessária limitação de direitos determinada por lei e aplicada por sentença)
e satisfação de direitos.
Dentre outras ações destinadas a favorecer o desenvolvimento da articulação
dessas políticas públicas, destacam-se as seguintes: estímulo a prática da
intersetorialidade; campanhas conjuntas destinadas à sociedade em geral e aos
profissionais da área com vistas à concretização da Doutrina da Proteção Integral
adotada pelo ECA; promoção de discussões, encontros e seminários (gerais e
temáticos) conjuntos e o respeito às competências e atribuições de cada ente
53
federativo e de seus órgãos, evitando a sobreposição de ações 47 .
4.2
O
trabalho
dos
Organismos
Não
Governamentais/ONGs
e
o
desenvolvimento da criançã e do adolescente – uma nova chance
Muito foi falado neste trabalho sobre a exclusão social, da desigualdade e da
miséria como fatores que impulsionam a violência. Do meio viciado em que o jovem
pobre vive, sem condições mínimas de subsistência, sem acesso à educação,
informação, cultura e lazer; tendo paradoxalmente total acesso à violência, drogas
(ilícitas e lícitas), sexualidade e promiscuidade precoce, à criminalidade e ao mundo
do crime (desde a mais tenra idade) e ao conhecido aliciamento ao sinuoso mundo
do tráfico, estando em total situação de vulnerabilidade.
Nos anos 90, o mais conhecido grupo de RAP do Brasil, RACIONAIS MC’s,
compuseram a música – Fim de semana no Parque - dedicada a toda comunidade
pobre da Zona Sul de São Paulo, a qual ecoou por todas as radios desse país,
independente de genero, sendo até hoje um de seus maiores sucessos. A música é
uma crítica à desigualdade-social, e
ao abandono Estatal sofrido pelo povo da
favela, fazendo um paralelo entre os jovens playboys (abastados, ricos) e os jovens
pobres favelados.
Citaremos trecho que bem retrata esse quadro e a gritante
situação de vulnerabilidade em que vivem esses jovens favelados e pobres de nosso
país:
...A número, número 1 de baixa renda da cidade
Comunidade Zona Sul é dignidade
Tem um corpo no escadão a tiazinha desce o morro
Polícia a morte, polícia socorro
Aqui não vejo nenhum clube poliesportivo
Pra molecada freqüentar nenhum incentivo
O investimento no lazer é muito escasso
O centro comunitário é um fracasso
Mas aí se quiser se destruir está no lugar certo
Tem bebida e cocaína sempre por perto
A cada esquina 100, 200 metros
Nem sempre é bom ser esperto
Schimth, Taurus, Rossi, Dreyer ou Campari
47
SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS HUMANOS. Sistema Nacional de Atendimento Sócioeducativo. Brasília, 2006, p. 22-23.
54
Pronúncia agradável, estrago inevitável
Nomes estrangeiros que estão no nosso meio pra matar: M.E.R.D.A.... 48
Diante dessa situação de vulnerabilidade e miséria por que passam os jovens
das comunidades pobres de nosso país, algumas ONGs tem desenvolvido trabalhos
pedagógicos nessas comunidades, com o condão de promover a inclusão social e
tirar o jovem carente do mundo da criminalidade. Dando-lhe alimentação,
profissionalização (cursos de informática, marcenaria, aulas de alfabetização,
tratamento toxicológico, desenvolvimento da cultura local como RAP, capoeira,
danças, grafitagem ao invés de pichação) e a introdução desse jovem à prática do
esporte.
No tocante ao esporte, todos sabemos de sua importância
no processo
educativo sendo um diferencial da formação do jovem em desenvolvimento e na
construção de uma sociedade mais saudável em todos os sentidos. O Brasil
destaca-se no campo esportivo, sendo seus maiores atletas filhos da favela, vindos
da exclusão social e da miséria para o brilho no cenário do mundo esportivo.
Embora o país, não invista a contento na educação, nem tão pouco no esporte,
sempre estamos nos surpreendendo com os novos talentos que emergem da lama.
Sendo que muitos desses atletas, antes viviam no mundo do crime, na ociosidade,
pretenso candidato ao sistema penitenciário brasileiro.
Dentre muitos exemplos, citaremos alguns, que já nos encheram de alegria
nas mais variadas modalidades esportivas: Jardel Gregório (campeão do salto triplo,
recordista sul-americano; antes jovem pobre vendedor ambulante de picolé); Daiane
dos Santos (ginasta medalhista de ouro olímpica, primeira atleta do mundo a
executar o salto duplo twist carpado; vinda dos guetos de Porto Alegre); Diogo Silva
(primeiro ouro no Pan-americano do Rio de Janeiro em 2007, atleta de ponta do
taekwondo brasileiro, era jovem carente morador de bairro pobre em São Paulo, que
após sua gloriosa vitória desabafou: “Taekwondo é minha vida. Foi por causa dele
que eu larguei a rua e fui para o esporte”); Robson Caetano (saiu de uma favela
carioca para ganhar as pistas do mundo, atleta olímpico, recordista pan-americano
dos 100 metros, tricampeão dos 200 metros na copa do mundo de Havana em
48
Trecho extraído da música, Fim de semana no parque, composta por Mano Brown, vocalista do
Grupo de RAP paulistano RACIONAIS MCs. Disponível em: < http://racionaismcs.letras.terra.com.br/rbd/>. Acesso em: 11 abr. 2008.
55
1992); João Carlos de Oliveira – João do Pulo (recordista mundial de salto triplo em
1973, dentre tantas outras vitórias); O Rei Pelé (maior jogador de futebol da história
mundial); jogadores de futebol temos inúmeros atletas, que saíram das favelas para
o mundo do esporte, como Romário, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Fenômeno, etc.
Existem
bonitos
trabalhos
desenvolvidos
por
algumas
ONGs
nas
comunidades carentes de nosso país, destacamos uma, que em especial temos
bastante afinidade, exatamente pelo trabalho desenvolvido: GRUPO CULTURAL
AFRO REGGAE/GCAR 49 – organização sem fins lucrativos, criada em 1993, cujo
objetivo principal é tirar os jovens do caminho do narcotráfico e do subemprego para
a inclusão social, educação e profissionalização.
O Afro Reggae desenvolve projetos em quatro grandes comunidades do Rio
de Janeiro (áreas pobres, violentas, tomadas pela criminalidade e miséria, em
contraponto à total ausência do Estado), favelas do Cantagalo, Complexo do
Alemão, Parada de Lucas e Vigário Geral; desenvolvendo a arte e a cultura, com
uma vertente social e pedagógica. Com esse trabalho o GCAR tem conseguido
transformar a realidade de muitas crianças, jovens e adultos assistidos pela
Instituição, de pessoas que vivem em comunidades miseráveis de nosso país que
estão tendo a chance de mudar de vida, sonharem e almejarem uma perspectiva
melhor e um futuro mais digno e promissor.
Outra importante ONG, que também trabalha esta temática no país, é a
CUFA - Central Única das Favelas, uma organização nacional que surgiu a partir
de reuniões de jovens de várias favelas do Rio de Janeiro – geralmente negros –
que buscavam espaço na cidade para expressar suas atitudes, opiniões e
questionamentos ou simplesmente, sua vontade de viver . Estes jovens, em sua
maioria, pertenciam ao movimento hip hop ou por ele eram orientados. A partir
dessas reuniões, descobriram que juntos poderiam construir e sonhar. Organizaramse em torno de um ideal: transformar as favelas, seus talentos e potencialidades,
diante de uma sociedade repleta de preconceitos e desigualdades a serem
superados. Assim, fundaram a CUFA, cuja principal manifestação cultural é o hip
hop, mas buscam ampliar e atingir outras formas de expressões, conscientizando e
49
AFRO REGGAE. Informações extraídas da Home Page de apresentação da ONG: Grupo Cultural
Afro Reggae. Disponível em:< http://www.afroreggae.org.br/sec_projetos.php>. Acesso em: 17 Out.
2007.
56
elevando a auto-estima das camadas não privilegiadas, por meio de uma linguagem
própria.
Desde 1998, a CUFA funciona como um pólo de produção cultural,
promovendo atividades nas áreas da educação, lazer, esportes e cidadania –
contribuindo para o desenvolvimento humano local. Trabalham especificamente com
oito elementos culturais, encontrados e desenvoldos nas favelas de nosso país: o
grafite (movimento organizado nas artes plásticas em que o artista aproveita
espaços públicos, criando uma nova identidade visual em territórios urbanos); Disc
Jóquei/DJ (artista que alia a técnica à performance, utilizando pick-ups – aparato de
som usado em grandes eventos - e discos de vinil); o break dance (estilo de dança
de rua criada nos anos 60, originária dos Estados Unidos, embalada pelo movimento
hip hop, onde o jovem atleta dançarino, com suas coreografias e acrobacias
ousadas, desenvolve ideia de grupo e amizade, podendo participar inclusive de
campeonatos mundiais); o RAP (ritmo e poesia, estilo musical culturalmente herdado
das populações latinas e negras, cujas letras retratam o cotidiano das periferias); a
arte audiovisual (valorização da imagem, de forma pedagógica, usada como
instrumento de mobilização social); o basquete de rua (esporte oficialmente
embalado pelo RAP, desenvolvendo abilidades e acrobacias dos novos atletas); a
literatura (onde os jovens expressam sua arte e suas vivências, obtendo educação e
desenvolvendo conhecimentos relativos às obras e aos seus autores)
e vários
projetos sociais (conjunto de ações que objetivam a transformação social, a partir do
aprimoramento da própria comunidade para o desenvolvimento das diversas
comunidades carentes). Promovendo ainda, a veiculação da cultura hip hop- RAP,
por meio de publicações, discos, vídeos, programas de rádio, shows, concursos,
festivais de música, cinema, oficinas de arte, exposições, debates e seminários.
(grifo nosso)
A CUFA, ao longo destes anos, tornou-se um referencial para as
comunidades carentes, possuindo, hoje, bases de trabalho em vários estados do
Brasil, como São Paulo, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Ceará,
Distrito Federal (Nos dias 15 e 16 de março de 2008, a Central Única das Favelas do
Distrito Federal realizou, junto a Administração local, a Pré-seletiva Estadual de
Basquete de Rua, na região administrativa de Ceilândia.), Mato Grosso e Bahia. No
57
Rio de Janeiro, tem núcleos de trabalho na Cidade de Deus, Complexo de Acari,
Jardim Nova Era, Jacarezinho e Pedra do Sapo, dentre outras 50 .
4.3 Envolvimento da sociedade brasileira na mudança do paradigma da
criminalização para a conduta da humanização
A problematização da violência não é responsabilidade exclusiva do Estado,
não sendo uma questão pura e unicamente de segurança pública. Como
apresentamos no desenvolver do trabalho, a questão da violência é muito mais
complexa e de ordem estrutural. Desde a base da formação histórico-cultural da
sociedade brasileira para a ponta dessa pirâmide tridimensional, de base bastante
larga e ponta demasiadamente estreita e fina, que com o passar dos anos de
escravidão, desigualdade social, marginalização, preconceito, falta de políticas
públicas eficientes de inclusão social, falta de investimento em educação, saúde e
segurança alimentar 51 , desencadeou essa verdadeira guerra civil: A VIOLÊNCIA,
em suas mais variadas facetas. Foi alimentada, bem criada e nutrida, nas condições
mais propícias para o seu desenvolvimento, e agora impera em nosso país; onde só
havia paz, quando habitada por seus nativos, os dizimados índios, antes do
descobrimento da então Terra de Santa Cruz 52 .
Somos todos co-responsáveis pelo desenvolvimento, proliferação e explosão
da violência em nosso país, essa verdadeira guerra urbana que assola nossa
população. Cabe-nos agora, agir de modo a transformar essa história de 500
(quinhentos) anos de desigualdades e exclusões. Mudemos esse quadro de
50
CUFA. Informações extraídas da Home Page de apresentação da ONG: Central Única das
Favelas- CUFA. Disponível em:< http://www.cufa.com.br/06/index.php>. Acesso em: 10 mar. 2008.
51
A Lei Federal nº 11.346/06, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional –
SISAN, com vistas à assegurar o direito humano à alimentação adequada, define Segurança
Alimentar como: Art. 3o “A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de
todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares
promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica
e socialmente sustentáveis.” . Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20042006/2006/Lei/L11346.htm >. Acesso em: 13 mar. 2008.
52
Terra de Santa Cruz, foi o primeiro nome dado ao Brasil, descoberto em 22 de abril de 1500.
58
apartheid 53 sócio-cultural em que vivemos, rasguemos o véu da indiferença e da
banalização, mudando o paradigma da criminalização, do preconceito e da
intolerância
para
a
conduta
da
humanização,
assimilando
e
adquirindo
características positivas, de respeito, dignidade e o amor ao próximo. Construindo
assim uma sociedade mais livre, justa e Solidária.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) arrancou risos, ao tom de algazarra, de
seus colegas senadores, ao interpretar os versos da música de RAP: "O homem na
estrada", do grupo paulistano Racionais Mc's.
O senador estava na sessão da Comissão e Constituição e Justiça – CCJ,
que discutia o projeto de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, o qual foi
aprovado por 12 votos a 10. O voto de Suplicy foi contrário à redução da maioridade.
O momento em que o senador Suplicy provocou mais gargalhadas foi quando
interpretou disparos de um revólver: "Pá, pá, pá", gritou, gesticulando e virando-se
bruscamente para trás como se tivesse uma arma na mão.
O presidente da comissão, senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA),
não se conteve e também riu. Arthur Virgilio (PSDB-AM) levantou as mãos ao alto e
depois aplaudiu 54 .
Os eminentes Senadores da República Federativa do Brasil, parece não
terem entendido o porquê da interpretação do aludido RAP. Fazer uso de um gênero
musical tão marginalizado, sendo proferido em plena sessão na CCJ? Não estaria,
o Senador Suplicy, quebrando o decoro parlamentar, afrontando a ética e a moral,
diante de uma platéia tão distinta?
É sabido, que o Senador Suplicy, ouve costumeiramente musicas de RAP e
gosta do grupo Racionais MC’s; mas depreende-se também, que o parlamentar
começou a decodificar
tal linguagem cifrada, decifrando os anseios, revoltas e
pleitos, implícitos nesse marginalizado gênero musical, oriundo das favelas. E
mesmo tendo sido motivo de chacota na CCJ pelos seus colegas senadores,
53
Apartheid significa vida separada, é uma palavra de origem africana, adotada legalmente em 1948,
na África do Sul, para designar um regime em que os povos brancos detinham o poder e o restante
da população, composta em sua maioria de pessoas negras, eram obrigadas a viver separadamente,
submetendo-se a regras que os impediam de ser verdadeiros cidadãos.
54
_______________.Suplicy canta RAP em defesa da maioridade penal. Diginet Notícias. São Paulo.
28 abr. 2007. Disponível em:
<http://canais.digi.com.br/noticias/2007/04/28/suplicy_canta_rap_em_defesa_da_maioridad.> .
Acesso em: 21 abr. 2008.
59
proferiu seu voto com humanidade e sabedoria: Contra a redução da Maioridade
Penal.
Findaremos este capítulo, citando na íntegra, a letra de RAP: O homem na
estrada, onde destacaremos o trecho interpretado pelo Senador Eduardo Suplicy na
sessão da CCJ, que ao nosso sentir, não nos parece engraçado, mas sim chocante
e reflexivo:
O homem na estrada
Um homem na estrada recomeça sua vida. Sua finalidade: a sua liberdade.
Que foi perdida, subtraída; e quer provar a si mesmo que realmente mudou,
que se recuperou e quer viver em paz, não olhar para trás, dizer ao crime:
nunca mais! Pois sua infância não foi um mar de rosas, não. Na Febem,
lembranças dolorosas, então. Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim. Muitos
morreram sim, sonhando alto assim, me digam quem é feliz, quem não se
desespera, vendo nascer seu filho no berço da miséria. Um lugar onde só
tinham como atração, o bar, e o candomblé pra se tomar a benção. Esse é
o palco da história que por mim será contada. ...um homem na estrada.
Equilibrado num barranco incômodo, mal acabado e sujo, porém, seu único
lar, seu bem e seu refúgio. Um cheiro horrível de esgoto no quintal, por cima
ou por baixo, se chover será fatal. Um pedaço do inferno, aqui é onde eu
estou. Até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou. Numerou os barracos,
fez uma pá de perguntas. Logo depois esqueceram, filhos da puta! Acharam
uma mina morta e estuprada, deviam estar com muita raiva. "Mano, quanta
paulada!". Estava irreconhecível, o rosto desfigurado. Deu meia noite e o
corpo ainda estava lá, coberto com lençol, ressecado pelo sol, jogado. O
IML estava só dez horas atrasado. Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim,
quero que meu filho nem se lembre daqui, tenha uma vida segura. Não
quero que ele cresça com um "oitão" na cintura e uma "PT" na cabeça. E o
resto da madrugada sem dormir, ele pensa o que fazer para sair dessa
situação. Desempregado então. Com má reputação. Viveu na detenção.
Ninguém confia não. ...e a vida desse homem para sempre foi danificada.
Um homem na estrada... Um homem na estrada.
Amanhece mais um dia e tudo é exatamente igual. Calor insuportável, 28
graus. Faltou água, ja é rotina, monotonia, não tem prazo pra voltar, hã! já
fazem cinco dias. São dez horas, a rua está agitada, uma ambulância foi
chamada com extrema urgência. Loucura, violência exagerada. Estourou a
própria mãe, estava embriagado. Mas bem antes da ressaca ele foi julgado.
Arrastado pela rua o pobre do elemento, o inevitável linchamento, imaginem
só! Ele ficou bem feio, não tiveram dó. Os ricos fazem campanha contra as
drogas e falam sobre o poder destrutivo delas. Por outro lado promovem e
ganham muito dinheiro com o álcool que é vendido na favela.
Empapuçado ele sai, vai dar um rolê. Não acredita no que vê, não daquela
maneira, crianças, gatos, cachorros disputam palmo a palmo seu café da
manhã na lateral da feira, Molecada sem futuro, eu já consigo ver, só vão na
escola pra comer, Apenas nada mais, como é que vão aprender sem
incentivo de alguém, sem orgulho e sem respeito, sem saúde e sem paz.
Um mano meu tava ganhando um dinheiro, tinha comprado um carro, até
rolex tinha! Foi fuzilado a queima roupa no colégio, abastecendo a
playboyzada de farinha, Ficou famoso, virou notícia, rendeu dinheiro aos
jornais, hu!, cartaz à policia Vinte anos de idade, alcançou os primeiros
lugares... superstar do notícias populares! Uma semana depois chegou o
crack, gente rica por trás, diretoria. Aqui, periferia, miséria de sobra. Um
60
salário por dia garante a mão-de-obra. A clientela tem grana e compra bem,
tudo em casa, costa quente de sócio. A playboyzada muito louca até os
ossos! vender droga por aqui, grande negócio. Sim, ganhar dinheiro ficar
rico enfim, Quero um futuro melhor, não quero morrer assim, num necrotério
qualquer, como indigente, sem nome e sem nada, o homem na estrada.
Assaltos na redondeza levantaram suspeitas, logo acusaram a favela para
variar, E o boato que corre é que esse homem está, com o seu nome lá na
lista dos suspeitos, pregada na parede do bar.
A noite chega e o clima estranho no ar, e ele sem desconfiar de nada, vai
dormir tranquilamente, mas na calada caguentaram seus antecedentes,
como se fosse uma doença incurável, no seu braço a tatuagem, DVC, uma
passagem , 157 na lei... No seu lado não tem mais ninguém.
A Justiça Criminal é implacável. Tiram sua liberdade, família e moral.
Mesmo longe do sistema carcerário, te chamarão para sempre de ex
presidiário. Não confio na polícia, raça do caralho. Se eles me acham
baleado na calçada, chutam minha cara e cospem em mim é.. eu sangraria
até a morte... Já era, um abraço!. Por isso a minha segurança eu mesmo
faço.
É madrugada, paree estar tudo normal, mas esse homem desperta,
pressentindo o mal, muito cachorro latindo. Ele acorda ouvindo
barulho de carro e passos no quintal. A vizinhança está calada e
insegura, premeditando o final que já conhecem bem. Na madrugada
da favela não existem leis, talvez a lei do silêncio, a lei do cão talvez.
Vao invadir o seu barraco, “é a polícia”! Vieram pra arregaçar, cheios
de ódio e malícia, filhos da puta, comedores de carniça! Já deram
minha sentença e eu nem tava na “treta”, não são poucos e já vieram
muito loucos. Matar na crocodilagem, não vão perder a viagem, quinze
caras lá fora, diversos calibres, e eu apenas com uma “treze
tiros”automática. Sou eu mesmo e eu, meu Deus e o meu Orixá. No
primeiro barulho, eu vou atirar. Se eles me pegam, meu filho fica sem
ninguém, e o que eles querem: mais um “pretinho”na FEBEM. Sim,
ganhar dinheiro ficar rico enfim, a gente sonha a vida inteira e só
acorda no fim, minha verdade foi outra, não dá mais tempo pra nada...
bang! Bang! Bang!
Homem mulato aparentando entre vinte e cinco e trinta anos é encontrado
morto na estrada do M'Boi Mirim sem número. Tudo indica ter sido acerto de
contas entre quadrilhas rivais. Segundo a polícia, a vitíma tinha "vasta ficha
55
criminal." (grifo nosso)
55
UM HOMEM NA ESTRADA, composta por Mano Brown, vocalista do Grupo de RAP paulistano
RACIONAIS MCs. Disponível em: < http://racionais-mcs.letras.terra.com.br/rbd/>. Acesso em: 13 abr.
2008.
61
CONCLUSÃO
Ao longo do curso de graduação ouvimos grandes mestres dizendo sobre o
direito ser uma ciência dinâmica, subjetiva, que acompanha as transformações
sociais e suas relações.
No desenvolvimento deste trabalho podemos sentir toda essa complexidade e
subjetivismo em que está envolvida as ciências jurídicas.
Desenvolvemos o trabalho totalmente voltado para vertente social, no tocante
a Redução da Maioridade Penal, não isolando o tema, pois ficaria imensamente
pobre, ainda mais por acreditarmos que qualquer tópico que envolva a questão da
violência deve ser abordado de forma conjunta e contextualizada, envolvendo os
aspectos históricos e culturais de uma determinada sociedade. Motivo pelo qual
defendemos a corrente de que a redução da maioridade penal não diminuirá a
questão da violência, apenas se agravará, com reflexos negativos, os quais só
prejudicará a sociedade: agravamento da superlotação no sistema penitenciário,
grande fluxo de investimento público em estruturas de criminalização e penais em
detrimento de investimentos em educação e políticas de inclusão social, havendo
também, revolta e insurreição da classe marginalizada potencializando ainda mais a
violência, em conseqüência, o agravamento da vida restrita aos enclaves
fortificados.
Acreditamos no êxito tripé da doutrina da proteção integral, preconizada pelo
ECA, no dever da família, do Estado e da sociedade como um todo em assegurar
condições propícias ao desenvolvimento da criança e do adolescente, assegurandolhe o direito a vida, saúde, dignidade, educação, esporte, cultura e lazer, dentre
outros.
Temos a sociedade brasileira como
co-responsável pela explosão de
violência em nosso país, não só na questão da criança e do adolescente, que é
apenas uma pequena parte desse contexto, mas também, das varias facetas as
quais preferimos não enxergar.
Na conhecida trilogia do sucesso mundial cinematográfico, Matrix, há um
momento em que o protagonista Neo, Keanu Reeves, teve que optar entre tomar a
pílula azul ou a vermelha. Escolhendo a pílula azul continuaria com sua mente
alienada e aprisionada, vivendo num mundo de ilusão e sendo usado como mero
62
depósito de energia, uma bateria. Optando pela pílula vermelha, despertaria e
enxergaria o mundo real, da forma que realmente o é. Porém, teria que lutar e
trabalhar para mudar todo aquele quadro catastrófico em que seu mundo se
encontrava.
Nossa sociedade também pode optar entre as pílulas azuis ou vermelhas.
Poderemos continuar alienados, sendo usados como massa de manobra, vivendo
trancados em nossos condomínios fechados, aprisionados em nosso cotidiano reto e
individualista, e encarcerados em nosso mundo imaginário, sendo totalmente alheio
e indiferente às verdadeiras formas de violência. Ou termos coragem e tomarmos a
pílula vermelha, para acordarmos, despertarmos e enxergarmos o nosso mundo
real, nossa verdadeira conjuntura social, cultural e econômica, decodificando e
interpretando os anseios de uma população sofrida e miserável, desnudando por
inteiro a verdadeira e monstruosa imagem da violência, tendo que lutar com todas as
forças e com todas as armas da paz, da humanização, da dignidade, do respeito, da
educação e do amor fraterno, para vencê-la.
63
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Andre Luiz Pereira de Brito - Universidade Católica de Brasília