UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC CURSO PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA COM ÊNFASE NOS GÊNEROS DO DISCURSO AMANDA OLIVEIRA TALAU O INCENTIVO À LEITURA POR MEIO DOS TEXTOS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO CRICIÚMA, MARÇO DE 2009. AMANDA OLIVEIRA TALAU O INCENTIVO À LEITURA POR MEIO DOS TEXTOS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO Monografia apresentada à Diretoria de PósGraduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC – para obtenção do título de especialista em Língua e Literatura com Ênfase nos Gêneros do Discurso. Orientadora: Profa. Msc. Janete Aparecida Gaspar Machado CRICIÚMA, MARÇO DE 2009. Dedico esta monografia a todas as pessoas que fazem parte da minha vida, pois cada uma delas representa um universo diferente, ensinando e aprendendo, disponibilizando, a cada dia, uma nova peça para a construção de meu cotidiano. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, pela vida e pela capacidade concedida para realizar mais esta etapa de minha vida. Agradeço aos meus familiares pela constância, pela presença amiga e reconfortante em todas as horas. Ao meu namorado, pelo auxílio e companheirismo indispensáveis nesta caminhada. Aos amigos, um agradecimento mais que especial, pela troca incessante de apoio. Aos professores, pela atenção e profissionalismo exemplares. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer "escrever claro" não é certo mas é claro, certo? (Luis Fernando Veríssimo) RESUMO Esta pesquisa, cujo tema é “O Incentivo à Leitura por Meio dos Textos de Luis Fernando Veríssimo”, partiu da necessidade de uma investigação sobre a inserção de textos do autor contemporâneo Luis Fernando Veríssimo no universo escolar com o objetivo de incentivo à leitura. Enfatiza-se, neste contexto, o gênero textual crônica, destacando-se a brevidade, inteligência, humor e ironia do mencionado autor, podendo, efetivamente produzir maior efeito na leitura de estudantes diante das dificuldades ora apresentadas no contexto escolar diante do ato de ler. As obras de Luis Fernando Veríssimo são extremamente atraentes, podendo produzir um real incentivo à leitura, pois as crônicas constituem-se em uma literatura prazerosa, sobretudo as escritas pelo referido autor, que retratam, portanto, o cotidiano com maestria e apurado senso de observação diante das relações humanas. Para dar suporte a este estudo, recorreu-se a autores importantes na área, tais como Bakhtin (1992), John Swales (2005), entre outros e, obviamente, obras de Luis Fernando Veríssimo. Analisaram-se sete (07) textos do autor, obtendo-se, portanto, a certeza de que se inseridos no contexto escolar, estes se constituem em interessantes fontes de leitura, despertando o interesse de estudantes. Aplicou-se, para fechamento deste estudo, uma pesquisa realizada com 40 alunos da sétima série do Ensino Fundamental de uma escola da Rede Estadual de Ensino, em Florianópolis, por meio de textos do autor para leitura e posterior dramatização. Os resultados foram surpreendentes, deixando claro que o objetivo deste estudo foi alcançado. Palavras-chave: Crônicas; Luis Fernando Veríssimo; Leitura. ABSTRACT The goal of this research is to inquire the insertion of contemporary author Luis Fernando Veríssimo's texts in school universe as a promotion to reading. The chronicle genre is thus emphasized, as well as the brevity, intelligence, mood and irony of the mentioned author that effectively produce a greater effect in the reading of students that show difficulties before the act of reading. The appeal of Luis Fernando Veríssimo's works comes not only from their extremely attractive and delightful aspect, but also from the fact that it portraies daily life with maestria and a refined sense of analysis of human relations. In order to give theoretical basis to this study, many important authors from this area, such as Bakhtin (1992), John Swales (2005), among others, have been studied. Seven (07) texts from Luis Fernando Veríssimo were analyzed, so as to be sure of their interest when applied in classroom. The research involved 40 pupils from public basic education, in Florianópolis. They first read then put onto scene the texts proposed. Results were so surprising that it became clear our goals were reached. Key- Word: Chronicles; Luis Fernando Veríssimo; Reading.. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................08 2 INFORMAÇÕES TEÓRICAS SOBRE GÊNEROS TEXTUAIS..................................10 2.1 BREVE HISTORIOGRAFIA.........................................................................................10 2.2 Gêneros Textuais...............................................................................................................11 2.2.1. Variações tipológicas no gênero textual......................................................................14 2.2.2 Os gêneros textuais e o ensino da literatura................................................................16 2.2.3 Os gêneros textuais literários........................................................................................20 2.2.3.1 O gênero lírico..............................................................................................................20 2.2.3.2. O gênero dramático......................................................................................................21 2.2.3.3. Gênero narrativo .........................................................................................................22 2.2.3.4 Crônica..........................................................................................................................23 3 AS CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO NO UNIVERSO DA LITERATURA ENQUANTO INCENTIVO À LEITURA.................................................28 3.1 Humor................................................................................................................................28 3.2 Ironia..................................................................................................................................31 3.3. A vida e a obra de Luis Fernando Veríssimo................................................................32 3.4 A Contemporaneidade dos temas em Luís Fernando Veríssimo..................................34 4 OBRAS ANALISADAS.......................................................................................................36 4.1. Humor e ironia nas crônicas de Luis Fernando Veríssimo..........................................37 4.2 Clic......................................................................................................................................37 4.3 Grande Edgar....................................................................................................................39 4.4 A retranqueta do polidor..................................................................................................41 4.5. Brincadeira.......................................................................................................................43 4.6 Lixo.....................................................................................................................................44 4.7 Papos..................................................................................................................................45 4.8. Sexa....................................................................................................................................46 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................48 REFERÊNCIAS......................................................................................................................51 ANEXOS..................................................................................................................................54 ANEXO A – Opinião dos estudantes sobre os textos de Luís Fernando Veríssimo..........55 1 INTRODUÇÃO Um dos problemas enfrentados nas escolas brasileiras é a falta de hábito de leitura. Diante dessa problematização, faz-se necessário estudar formas que despertem nos educandos o gosto pela leitura. Dentro desse contexto, a presente pesquisa busca analisar textos do autor Luis Fernando Veríssimo, indicando-os como exemplo de literatura que pode incentivar a leitura nas escolas. Revestidas de traços ricamente explorados, como o humor e a ironia, as crônicas de Veríssimo, escritas de forma habilidosa, tornam-se de fácil leitura e compreensão e, ao tratarem das coisas do cotidiano, segundo mostram suas crônicas, podem despertar o gosto pela leitura. Para melhor compreensão a respeito do modo com que foi elaborada esta monografia, informa-se que se constitui de momentos distintos. No primeiro momento, discorre-se sobre os Gêneros textuais, apresentando algumas considerações sobre a importância de identificá-los para além do texto propriamente escrito, segundo os autores específicos. Assim, o subtítulo Variações tipológicas no gênero textual identifica elementos que valorizam as estruturas discursivas. O segundo subtítulo, Os gêneros textuais e o ensino da literatura, tece reflexões sobre a importância da leitura na escola e, sobretudo, a importância da identificação de vários gêneros textuais nesse contexto, como forma de incentivá-la. Os próximos subtítulos: Os gêneros textuais literários, identificando o gênero lírico, o gênero dramático, o gênero épico e, dentro do gênero épico, com os seus desdobramentos em formas narrativas diversas, destaca-se a crônica. O segundo momento traz o título As crônicas de Luis Fernando Veríssimo no universo da literatura enquanto incentivo à leitura, abordando os componentes que constituem os textos do autor, com ênfase no Humor e Ironia, subtítulos desse capítulo. A Vida e as obras de Luís Fernando Veríssimo é o título do terceiro momento, contendo importantes considerações a respeito da contemporaneidade dos temas em Luis Fernando Veríssimo, e as obras analisadas e as crônicas propriamente ditas: Clic, Grande Edgar, A retranqueta do polidor, O analista de Bagé, Brincadeira, O lixo, Papos e Sexa. E, para concluir, os propósitos deste trabalho serão reforçados mediante a apresentação, justamente, das impressões de leitura de alunos de sétima série do Ensino Fundamental, de uma Escola Estadual, de Florianópolis, aos quais foi dada a oportunidade de ler as crônicas do livro Comédias para se ler na escola. O resultado da leitura comprova os objetivos elencados para este estudo que dizem respeito ao incentivo à leitura por meio de seus textos. Este estudo é de extrema relevância para a reflexão da escola e, sobretudo do profissional que atua na disciplina Língua Portuguesa, que é quem trata da literatura, devendo inserir, em seus projetos obras de escritores contemporâneos como as crônicas de Luis Fernando Veríssimo. Por fim, seguem as Referências Bibliográficas e os Anexos. 2 INFORMAÇÕES TEÓRICAS SOBRE GÊNEROS TEXTUAIS 2.1 BREVE HISTORIOGRAFIA Segundo John M. Swales (2005), e Mikhail Bakhtin (1992), entre outros autores que deram sustentação teórica ao curso de Língua e Literatura com ênfase no Gênero do Discurso, é possível elaborar um panorama historiográfico das idéias relacionadas aos gêneros textuais e Ensino de Língua Portuguesa, importante para compreender a relação que a escola acabou estabelecendo entre literatura, gêneros textuais e ensino de Literatura e de Língua Portuguesa. Nos diferentes períodos da história, o homem sempre utilizou alguma forma de comunicação. Na pré-história, ele utilizou diversos meios para estabelecer comunicação com seus semelhantes, no entanto, nenhum deles se destinava a representar a linguagem verbal. Eram formas de comunicação imediata como gestos, ruídos, sons dentre outros, mas absolutamente independente da fala. Já, a invenção da escrita, torna mais sofisticada a comunicação e suas formas de registros. A escrita surge pela primeira vez na antiga Mesopotâmia. “Por volta de 4000 a.C, os sumérios desenvolveram a escrita cuneiforme. Usavam placas de barro, onde cunhavam esta escrita. Muito do que se sabe hoje sobre este período da história, deve-se às placas de argila com registros cotidianos, administrativos, econômicos e políticos da época” (site http://www.suapesquisa.com/pesquisa/sumerios.htm., p. 1). A escrita nasce, então, em momento histórico caracterizado pelo desenvolvimento simultâneo de elementos culturais diversos, para atender as necessidades de registros ditados pelo processo evolutivo das civilizações. Pode-se dizer que a pintura foi um antecedente da escrita que, ao surgir, vem acompanhada de um notável desenvolvimento das artes, dos sistemas de governo, de comércio, de agricultura, de manufatura e transportes. Sua origem remonta ao momento em que o homem aprende a comunicar seus pensamentos e sentimentos por meio dos signos. A escrita tornou-se instrumento a serviço desse acervo cultural, registrando-o. A literatura, inicialmente atividade presa à oralidade, também ganhou registro, tornando-se mais fácil propagá-la. A escrita silábica e fonética surgiu quando os ideogramas ou signos passaram a expressar sons constituídos da palavra, adquirindo significados fonéticos. A invenção da escrita foi um avanço para a civilização e permitiu reconstituir e repensar a História. Ao pensar, o homem elabora conceitos que materializa em palavras que se expressam pela fala. Hoje, a escrita tem diversos usos. Está presente na maior parte das atividades do cotidiano e dela se lança mão para dar conta de grande parte das ações. O objetivo da escrita foi o estabelecimento de um sistema convencional, por meio do qual membros de um grupo pudessem comunicar-se entre si e com seus sucessores, de forma precisa e duradoura. 2.2 Gêneros Textuais Esse estudo visa ao texto, nas funções e formas que assume para atender aos ditames do ato de comunicação, bem como ao modo com que o ensino da Língua Portuguesa se vale dos gêneros disponíveis. É aí, então, que se justifica a escolha da crônica como gênero viável ao desenvolvimento do gosto literário. Assim, torna-se útil uma abordagem das questões relacionadas ao gênero textual, para subsidiar com mais propriedade as considerações que remetem à crônica e ao autor escolhido, Luis Fernando Veríssimo. É difícil pensar sobre “gêneros” sem fazer referência a Bakhtin. Essa é a razão pela qual, ao se estudar a linguagem como processo de interação, alicerce fundamental do conceito de gênero, torna-se importante definir os princípios teóricos desse estudioso, o precursor dos estudos sobre o assunto. Há diversas correntes de análise a respeito dos gêneros, porém, dá-se preferência aos fundamentos teóricos decorrentes da proposta desse autor. Entre os pesquisadores que estudam os gêneros textuais, pode-se citar o pensamento de John M Swales (2005, p.109), para quem o texto deve ser visto em seu contexto e não ser interpretado e entendido apenas por meio de uma análise de elementos linguísticos. O autor ainda argumenta que o conhecimento que o leitor possui apenas em torno do texto em si, não é suficiente para a construção de um determinado gênero textual num contexto acadêmico, por exemplo. O conhecimento de gênero depende de conhecimentos que vão além daqueles relevantes ao próprio texto. Pode-se dizer então, que o conhecimento do gênero constitui uma ferramenta essencial para quem trabalha com textos no cotidiano de sua profissão. De acordo com Oliveira (2004, p. 1), em relação aos gêneros do discurso é fundamental perceber a utilização da língua como um processo com variadas maneiras de realização. Isso ajuda a compreender o ponto de partida proposto por Bakhtin para conceituar gênero do discurso. Oliveira, mencionado acima, declara que o ser humano, em quaisquer de suas atividades, vai servir-se da língua e a partir do interesse, intencionalidade e finalidade específicos de cada atividade, os enunciados linguísticos se realizarão de maneiras diversas. A estas diferentes formas de enunciados, o autor denomina gêneros do discurso, já que “cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso” (BAKHTIN, 1992, p. 277). Segundo Bakhtin (1992, p. 280), é válido comentar que essa relativa estabilidade, que pertence a um dado gênero, deve ser entendida como algo passível de alteração, aprimoramento ou expansão. Em se tratando de linguagem, que é atividade verbal, modificações podem ocorrer em função de desenvolvimento social, de influência de outras culturas, ou de outros tantos fatores com que a língua tem relação direta, até mesmo com o próprio passar do tempo. Ciente do caráter inesgotável das atividades humanas e de seu constante processo de crescimento e evolução torna-se impossível definir quantitativamente os gêneros, que se diferenciam e se ampliam. Esse mesmo autor (1992, p. 281) enquadra os gêneros discursivos em dois grupos: os gêneros primários (simples) e os gêneros secundários (complexos). Os gêneros primários “são constituídos em circunstâncias de comunicação verbal espontânea”. Exemplo disso é a réplica do diálogo cotidiano ou a carta. Em princípio, tais gêneros estão inseridos na vida cotidiana, servindo de mediadores no relacionamento inter-pessoal. Já os gêneros secundários, “aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, cientifica sociopolítica etc.” Servem de exemplo o teatro, o romance, o discurso ideológico, entre outros. Os gêneros secundários podem absorver a sua relação imediata com a realidade, constituindo-se, então, como acontecimentos do gênero secundário. Se o diálogo cotidiano ou a carta, por exemplo, forem inseridos num romance, perdem a relação com a vida cotidiana, integrando-se à realidade do romance, concebido como fenômeno da vida literária. (1992, p. 281) Desse modo, Bakhtin (1992, p. 282) com sua proposta de conceituação para os gêneros do discurso veio suprir a necessidade de se compreender os enunciados como fenômenos sociais, resultantes da atividade humana, caracterizados por uma estrutura básica passível de determinadas modificações. De acordo com Oliveira (2004, p. 3), “um gênero do discurso é parte de um repertório de formas disponíveis no movimento de linguagem e comunicação de uma sociedade. Desse modo, só existe relacionado à sociedade que o utiliza”. A partir do momento em que se tem a noção de que o gênero só existe dentro de um contexto social, o seu domínio garante ao falante o entendimento dos diferentes comportamentos ou situações resultantes do processo de comunicação. Conhecer determinado gênero significa ser capaz de prever regras de conduta, seleção vocabular e estrutura de composição utilizadas. É a competência sócio-comunicativa dos falantes que os leva à detecção do que é ou não adequado em cada prática social. E ainda, quanto mais competente e experiente for o indivíduo, mais eficiente ele será na diferenciação de determinados gêneros e na facilidade de reconhecimento das estruturas formais e de sentido que o compõe. (OLIVEIRA, 2004, p. 1). Nessa perspectiva, segundo Oliveira (2004, p.1): A vivência das situações de comunicação e o contato com os diferentes gêneros que surgem na vida cotidiana exercitam a competência lingüística do falante/ouvinte produtor de enunciados. A competência lingüística, portanto, é um conceito aprofundado, que possui certa complexidade, [...] enfocado no sentido de que todos são aptos, têm uma estrutura interna que, aliada ao social, faz com que consigam perante determinada estrutura e contexto, definir a que categoria um dado enunciado pertence. Essa competência é inerente ao ser humano social, que interage, comunica, cria e recria. Isso significa que a experiência de vida e a cultura geral fazem evoluir linguisticamente os indivíduos, tornando-os cada vez mais eficientes na operacionalização de variadas categorias textuais e auxiliando-os a compreender melhor os textos de outros autores. O linguista americano John Swales (1990, p. 127) define gênero como: Uma classe de eventos comunicativos, com um propósito comunicativo realizado por comunidades discursivas que reconhecem a lógica subjacente ao gênero, possuem um repertório de gêneros, desenvolvem um léxico próprio para o gênero e atribuem ao gênero as convenções discursivas e os valores adequados. No que diz respeito à relação língua e sociedade, os gêneros refletem os avanços históricos e tecnológicos de uma sociedade. Em vista disso, os usuários de língua materna necessitam conhecer a diversidade dos gêneros existentes em seu meio para interagir nos eventos discursivos específicos da sociedade em que vivem. Não são propriamente as tecnologias que originam os gêneros e sim a intensidade dos usos dessas tecnologias e suas interferências nas atividades comunicativas diárias. Dessa forma, conforme Marcuschi (2002, p. 20), Os grandes suportes tecnológicos da comunicação tais como o rádio, a televisão, o jornal, a revista, a internet, por terem uma presença marcante e grande centralidade nas atividades comunicativas da realidade social que ajudam a criar, vão por sua vez propiciando e abrigando gêneros novos bastante característicos. Daí surgem formas discursivas novas, tais como editoriais, artigos de fundo, noticias, telefonemas, telegramas, telemensagens, teleconferências, videoconferências, reportagens ao vivo, cartas eletrônicas, e-mails, bate-papo virtuais, aulas virtuais e assim por diante. Pode-se dizer, então, que a tecnologia favorece o surgimento de formas inovadoras, mas não absolutamente novas. O e-mail, por exemplo, que gera mensagens eletrônicas, tem nas cartas pessoais e nos bilhetes seus antecessores. As cartas eletrônicas são gêneros novos com identidades próprias, pois criam formas comunicativas próprias que desafiam as relações entre oralidade e escrita, uma vez que quem as utiliza pode obter respostas imediatas ou até mesmo instantâneas. Sabe-se que há casos em que o próprio ambiente em que os textos aparecem é que determina o gênero presente, como por exemplo, um texto em uma revista científica é denominado gênero “artigo científico”, já o mesmo texto publicado em um jornal diário tornase “artigo de divulgação cientifica” (MARCUSCHI, 2002, p. 21). Nesse sentido, há distinções bem claras para a comunidade cientifica. Um trabalho publicado em uma revista científica ou um jornal diário não tem a mesma classificação na hierarquia de valores da produção cientifica, mesmo que seja o mesmo texto. Por isso o autor (2002, p. 21), alerta que “num primeiro momento podemos dizer que as expressões “mesmo texto” e “mesmo gênero” não são automaticamente equivalentes, desde que não estejam no “mesmo suporte” uma vez que esses aspectos exigem cautela no sentido de se considerar o predomínio de formas para a determinação e identificação de um gênero. 2.2.1. Variações tipológicas no gênero textual Estudos sobre as relações entre fala e escrita ressaltam a necessidade de esclarecer os gêneros para que não ocorra o equívoco de se atribuir a eles tão somente características peculiares a certos tipos de textos, tendo em vista que alguns autores preferem a expressão “tipos de texto”, no intuito de evitar conotações literárias associadas a gêneros. Outros, no entanto, como Silva (1997, p.118), “dão diferentes significados para ambos os conceitos, pautados na aplicação de critérios externos e internos, inerentes ao autor, argumentando que “categorias de gêneros se definem com base no uso, e não na forma”. Já Swales (apud SILVA, 1997, p. 118), trabalha com o conceito de gênero definido em função do evento comunicativo e, a propósito, explica que “um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos, cujos participantes compartilham algum conjunto de propósitos”. Para Marcuschi (apud SILVA, 1997, p.118), “Há espécies de textos e tipos de textos para opor às classificações empíricas de textos encontrados em situações da vida diária (espécies) e categorias, fundadas em uma teoria (tipos)”. Na verdade, para concreto entendimento da questão, é necessário um estabelecimento de parâmetros que categorize o discurso, ou dê uma tipologia textual, tendose em mente que ambos podem envolver critérios de diferentes ordens. Nesse contexto, ao procurar esclarecer os diferentes aspectos da categorização existente, Silva (1997, p. 1), propõe uma classificação em diferentes níveis, contemplando critérios formais e funcionais. A autora, em suas considerações sobre gênero, leva em conta as atividades comunicativas de um discurso sem excluir seu aspecto formal, relacionando os gêneros e eventos da fala, considerando-as convenções de organização da estrutura. Paredes Silva (1997, p. 1) ressalta, em sua proposta, aspectos funcionais e que se associam na classificação de gêneros de discurso, apresentados em três níveis. O primeiro nível define-se com base nas propriedades formais do texto, para distinguir um nível de estruturas discursivas, ou seja, modos de organização de informação, que representam as potencialidades da língua que o falante tem a sua disposição quando quer organizar um discurso. Nesse sentido, Silva (1997, p. 1) diz que são, justamente, os modos de combinação das formas de língua que ajudam na organização da fala. Em se tratando das estruturas discursivas, haverá para cada uma delas um conjunto de traços bem característicos, identificados como tempo, aspecto, modo verbal, tipo de predicado, unidade semântica básica, pessoa do discurso referida, unidade sintática básica, que valorizam tais estruturas discursivas disponíveis que correspondem, em linhas gerais, ao que se identifica com os gêneros de discurso: estruturas narrativas, descritivas, expositivas, expressivas, procedurais, dialógicas. (SILVA, 1997, p. 1) Assim, ressalta-se que uma estrutura narrativa será caracterizada pelo verbo no pretérito perfeito em predicados de ação, em torno de eventos referentes à primeira ou terceira pessoa, sintaticamente organizada em orações com juntura temporal. Já uma estrutura descritiva terá o verbo numa forma não perfectiva, num predicado estativo em torno de entidades, geralmente na terceira pessoa, sintaticamente centradas em estruturas nominais. (SILVA, 1997, p. 1) Quanto à estrutura dialógica, tais estruturas estão disponíveis na língua para atualização na modalidade falada ou escrita. As diferenças entre os gêneros orais e escritos serão expostas ao se considerar as atividades ou situações comunicativas em determinado contexto. (SILVA, 1997, p. 1) O segundo nível volta-se para o uso das estruturas em situações reais de comunicação. Ao relacionarem-se esses dois níveis e ilustrando esta concepção, tem-se estruturas do tipo narrativo, realizado em histórias, novelas e outros; e estruturas procedurais, isto é, as ações são sugeridas dentro do contexto, como por exemplo, as receitas; estruturas expositivas em artigos acadêmicos, etc. (SILVA, 1997, p. 1) Algumas unidades apresentam quase todas as propriedades que permitem a mais rápida identificação com uma das estruturas disponíveis na língua. (SILVA, 1997, p. 1) A receita pertence à estrutura procedural e a história ilustra, tipicamente, a concretização de uma estrutura narrativa. Outras unidades discursivas serão mais problemáticas pela variedade de estruturas que podem incorporar, como por exemplo, a entrevista, entre os gêneros orais, a carta, entre outros escritos. (SILVA, 1997, p. 1) O terceiro nível está relacionado à possibilidade de examinar os tipos de discurso de uma perspectiva funcional-interativa. Por exemplo, uma unidade discursiva, como uma história, pode ser utilizada para aconselhar, ou, ainda, uma lista pode servir para destacar o ponto principal de uma história. Nesse sentido, observa-se que é um nível que pressupõe a função e o propósito comunicativo com que cada unidade discursiva é empregada, além das variedades de eventos comunicativos a que se associa. (SILVA, 1997, p. 1) 2.2.2 Os gêneros textuais e o ensino da literatura De acordo com Moisés (1998, p.177), a literatura, que durante séculos teve um papel relevante na sociedade, está perdendo cada vez mais sua importância. Isso ocorre devido às novas tecnologias que, além das facilidades de acesso a outros tipos de textos, ou seja, textos não literários, apresentam novas formas de entretenimento, deixando de ser a leitura de textos literários uma forma de lazer. A verdade é que se vive atualmente em um mundo pós-moderno. Conforme a autora (1998, p. 177), “Na sociedade espetáculo, a escrita literária fica confinada a um espaço restrito da mídia, pelo fato de se prestar pouco à espetacularização”. Esse desinteresse progressivo pela leitura é um fenômeno bastante reconhecido, afinal leitura exige tempo, atenção, concentração, características que não condizem com a vida cotidiana atual, sem falar-se na concorrência com os outros meios de comunicação, que são, por sua vez, os mais utilizados pelos indivíduos. Assim, a literatura não desapareceu, mas seu ensino acontece somente no contexto escolar como o trabalho forçado dos alunos que ainda são obrigados a conhecê-la para ser aprovado de ano na escola ou no vestibular. Segundo Magnani (2001, p.11), a falta de hábito de leitura reflete-se no fracasso escolar e, em conseqüência no fracasso enquanto cidadão perante a sociedade. Cabe lembrar que a escola tem grande parcela de responsabilidade na formação do aluno leitor, sendo papel do educador incentivar a leitura, para assim formar cidadãos letrados e preparados para a vida. Para essa autora, um dos grandes problemas que afetam o gosto pela leitura dos textos literários em sala de aula é o uso incorreto dos livros didáticos por parte dos educadores. Esses livros trazem os textos literários em fragmentos e adaptados, não propiciando uma visão da totalidade, sendo pretextos para atividades gramaticais ou para interpretações de textos que pedem respostas desnecessárias, as quais consistem apenas em reproduções literais de partes do texto. Conforme a autora (2001, p.55), tal exercício de interpretação “certamente, não garante uma leitura crítica e transformadora da realidade, tornando paradoxal a intenção de, com todos esses artifícios, despertar o prazer de ler e escrever” Os textos literários que aparecem nos livros didáticos também são usados como pretextos para redação. Conforme Zilberman ( 1988, p.113), é preocupante que os educadores voltem sua prática escolar mais dirigida para o estudo das correntes literárias do que propriamente para os textos literários, pois é por meio da literatura que ocorre o letramento.( Zilberman ( 1988, p.117). Segundo Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (2006, p. 67), A leitura do texto literário é, pois, um acontecimento que provoca reações, estímulos, experiências múltiplas e variadas, dependendo da história de cada indivíduo. Não só a leitura resulta em interações diferentes para cada um, como cada um poderá interagir de modo diferente com a obra em outro momento da leitura do mesmo texto. Para reverter essa situação torna-se necessária uma mudança na prática pedagógica por parte do educador. Afinal, é possível aprender a ler e a gostar de ler textos de qualidade literária. Essa, porém, é uma essa transformação que não ocorre tão rapidamente, visto que pressupõe um processo de aprendizagem. Magnani (2001, p. 138), sugere que a melhor forma de iniciar essa mudança é trazer para sala de aula diferentes gêneros textuais, inclusive os literários, como método de incentivo à leitura. Dessa forma, o educador pode trabalhar com os gêneros textuais apreciados pelos alunos, como por exemplo, as histórias em quadrinhos, contos, contos de fada, entre outros, porém não se deve esquecer de considerar a faixa etária dos alunos. Em se tratando de alunos das séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, ele poderá trabalhar crônicas que, por sua vez, são textos curtos e agradáveis, voltados à temática do cotidiano. Cabe aqui ressaltar a diversidade de cronistas contemporâneos, cujos textos conseguem atrair e conquistar leitores de todas as idades, inclusive mais jovens que são os mais resistentes à prática da leitura. Dentre esses cronistas atuais merece destaque o brasileiro Luis Fernando Veríssimo, cujas crônicas são compostas a partir de uma visão de mundo ao mesmo tempo cômica e irônica. Utilizando-se de uma linguagem simples, descontraída e bem elaborada, Veríssimo aborda, por meio de suas personagens, acontecimentos que condizem com a realidade brasileira. Sendo a crônica comprovadamente um texto literário, ela torna-se uma peça fundamental na formação do sujeito leitor. Conforme Santos (2004, p. 213), Trabalhar com a literatura na escola, mais do que transmitir conteúdos, usar um texto como pretexto ou descansar das atividades sérias, é explorar inúmeras possibilidades de compreender a realidade e de produzir conhecimento através da arte da linguagem, dialógica por natureza. A arte, o conhecimento que se dá por seu intermédio, só tem valor se leva o outro em consideração. Ainda que essa arte seja manifestação do eu e para ele esteja voltado, o outro é um elemento intrínseco indispensável nessa manifestação. Assim, o ensino da língua ficaria mais favorecido se os textos utilizados em sala de aula viessem ao encontro dos interesses do educando. Na verdade, ao se dar ênfase aos gêneros textuais enquanto ponto orientador do ensino, as contribuições seriam percebidas em vários momentos, como a apreensão dos fatos linguísticos comunicativos e não o estudo dos fatos gramaticais, difusos, descontextualizados, objetivados por programas estabelecidos previamente. Vale destacar que a escola necessita formar alunos letrados. Afinal, letramento não é apenas uma simples decodificação da escrita, mas sujeitos críticos diante da leitura, preparados para enfrentar as práticas sociais de leitura e escrita demandadas na sociedade. A Proposta Curricular de Santa Catarina (PCSC) (2005, p. 25), apresenta essa preocupação com muita clareza, conforme se lê no fragmento transcrito a seguir: Nesse sentido, pensar a alfabetização numa perspectiva de letramento significa experienciar situações que envolvam as diferentes linguagens de forma critica e dialógica, sendo os professores os mediadores, ensejando e concretizando essa proposta. Professores mediadores são sensíveis à educação, percebem e consideram as necessidades e interesses das demandas que o contexto educacional sugere; são pesquisadores, interessam-se pela temática alfabetizar letrando, bem como se conscientizam da importância da formação sólida e critica do cidadão. De acordo com os PCNs (2006, p.81), outro fator determinante no processo de letramento são as bibliotecas escolares que, por sua vez, possuem fundamental importância para o incentivo ao gosto pela leitura. Para isso é necessário que tenha acervos significativos, sendo disponíveis para todos. E que o acesso aos livros seja direto. Mais importante do que isso é o educador fazer da biblioteca um lugar de grande frequência cotidiana. Enfim, para que ocorra uma mudança na educação, faz-se necessário que o professor esteja ciente do papel fundamental que a literatura desempenha no contexto escolar. Para que o educador consiga despertar no aluno o gosto pela literatura é necessário sensibilizá-lo, seduzi-lo, envolvê-lo na magia da mesma. Outro fator importante é o professor estar consciente de que o uso do livro didático não deve ser feito sem uma análise criteriosa, tendo em vista que este material deve servir apenas como suporte e não como fonte exclusiva para o ensino da literatura. É conveniente ressaltar, ainda, que o ensino das diversidades dos gêneros literários em sala de aula, iniciando com textos considerados mais fáceis para posteriormente os mais complexos, conforme o progresso dos alunos com a leitura, é que transformará alunos em leitores críticos, letrados, prontos para encarar a concorrência do mercado de trabalho. Caso contrário, a literatura só será vista pelos alunos como um estudo por obrigação, sem prazer, que nada mais é do que a realidade vista em muitas escolas. 2.2.3 Os gêneros textuais literários Segundo Faguet apud Coutinho, (1976, pág. 28) “um gênero é, no princípio, uma tendência do espírito humano”. Isso se explica pelo fato do ser humano gostar de relatar fatos, contar causos ou histórias. Dependendo da forma como ele as conta ou dos recursos que utiliza, e do ouvinte que as interpreta, o modo de dizer história torna-se uniforme, surgindo daí o conceito de gênero, isto é, determinados textos com características afins. Dessa forma, o gênero tem origem emocional, visto que surge de uma experiência humana. Segundo Coutinho, (1976, p. 28) as obras literárias se enquadram em gêneros ou tipos. É a Aristóteles que se deve uma classificação de gênero básica e simples: lírico, épico e dramático. Atualmente, prevalece a divisão tríplice em lírico, narrativo e dramático. Os gêneros são as grandes categorias em que se incluem os textos literários que apresentam características semelhantes. Eles mudam e evoluem com o passar do tempo. É visto que os gêneros literários têm como objeto a transmissão de um determinado ensinamento. (TEMÁTICA BARSA. LÍNGUA E LITERATURA, 2005, p.80). 2.2.3.1 O gênero lírico Modalidade que ressalta os sentimentos e emoções do escritor. Neste gênero, o poeta se recria na subjetividade de um mundo interior que projeta na obra. É característica do gênero lírico, os verbos e os pronomes serem apresentados na primeira pessoa com o predomínio da função emotiva da linguagem e por meio de versos, ou seja, através de poemas. (TEMÁTICA BARSA. LÍNGUA E LITERATURA, 2005, p. 81). A poesia lírica divide-se em grupos menores denominado subgêneros. Alguns deles ainda existem e outros se extinguiram. Um exemplo disso é a ode que se originou na Grécia e, originariamente, era uma composição criada para ser cantada. Sua temática era variada. Na época do Renascimento, chamava-se ode o poema lírico de inspiração clássica. Atualmente, a ode é um poema extenso de tom elevado. A sátira ridiculariza os defeitos do indivíduo ou da coletividade em geral. A intenção é didática, e crítica. Os poetas de tradição clássica usavam os versos soltos e os tercetos encadeados para este tipo de composições. ( TEMÁTICA BARSA. LÍNGUA E LITERATURA, 2005, p. 81). Segundo Coutinho, (1976, p. 59) entre os gêneros literários, o gênero lírico também chamado poesia lírica é a forma literária em que o artista utiliza uma série de recursos para traduzir a sua visão da realidade e transmiti-la ao leitor. É através da poesia, que o artista dá vazão às suas emoções através do ritmo, o verso e o canto. Pode-se afirmar que a poesia lírica é inerente ao ser humano, visto que o mesmo é dotado de sentimentos. A palavra lirismo originou-se de lyra ( instrumento musical utilizada pelos gregos para exprimir sentimentos). Daí o uso modernamente utilizado de “ lírico” para designar o poema curto, pelo qual o poeta exprime suas emoções.( Coutinho, 1976, p. 60). 2.2.3.2. O gênero dramático Neste gênero, o autor não relata uma ação, mas a representa. As personagens se expressam por meio do diálogo, sem intervenção direta de um narrador. São os atores que interpretam para o público, esses seres fictícios e que, integrados num cenário, transformam a peça teatral em espetáculo. Dessa maneira, além do texto, intervém a interpretação, a mímica, a caracterização física, o vestuário, o cenário e, ocasionalmente, a música. A ação dramática se divide em atos que se concretizam no palco em pequenos intervalos para facilitar eventuais mudanças de cenário e o descanso dos atores e do público. O texto é fragmentado em cenas, que implicam entradas e saídas de personagens. Esse gênero constitui-se em: tragédia, comédia e drama. A tragédia é a representação dos conflitos entre o homem e seu destino. Os problemas que a obra suscita não têm solução positiva, levando sempre a um fim trágico. A comédia procura a diversão mediante as ações cotidianas de personagens. Os conflitos no enredo da peça apresentam um final feliz. No drama, a solução dos conflitos representados, embora graves e transcendentes, está ao alcance do homem. As personagens já não são heróis idealizados, mas figuras mais próximas da realidade. São exemplos do gênero dramático o teatro e as novelas. (TEMÁTICA BARSA. LÍNGUA E LITERATURA, 2005, p. 83). Segundo Coutinho, (1976, p. 72) a palavra drama vem do grego (drão, fazer) e quer dizer ação. No entanto, hoje se usa a palavra peça para designar toda a composição dramática. Sua essência é a representação e o teatro é o local onde esse gênero se concretiza. Além de dialogar e agir, os personagens seguem as orientações do diretor que nem sempre é o autor da peça. A peça teatral é na verdade uma composição literária destinada a ser representada por atores em um palco. Segundo Coutinho (1976, p. 73), as personagens classificam-se da mesma forma que as dos gêneros narrativos. A estas personagens cumpre o diálogo, através dos quais se revelam os acontecimentos da história, as personagens envolvidas, os motivos do conflito e os comentários. Denomina-se por ação dramática o enredo, trama, ou seja, o conjunto de atos dramáticos que são capazes de desencadear conflitos entre as personagens, maneiras de ser e de agir das personagens e seguindo uma ordem composta de exposição, conflito, clímax, desfecho. Conforme esse mesmo autor (1976, p.73) A situação ou ambiente é “o conjunto de circunstâncias físicas, sociais, espirituais em que se situa a ação”. Sendo que o tema é a idéia que o autor deseja expor e as convenções dramáticas são: os atores, a música, o canto, o monólogo, o isolamento da platéia, a narração indireta pelas personagens de fatos não postos no palco, as partes, os acessórios da ação ( decorações, maquinismos, máscaras etc. ). O gênero dramático é uma opção interessante para o educador praticar com os alunos em sala para, posteriormente, esclarecer mais sobre o texto. É uma prática eficaz, pois atuando como personagens da obra, os alunos se envolvem na história e por sua vez mostram mais interesse na leitura da mesma. 2.2.3.3. Gênero narrativo A narrativa, classicamente épica, inclui as obras que relatam fatos reais, ou fictícios estruturados segundo determinadas coordenadas de espaço e tempo. A forma expressiva empregada é fundamentalmente a narração. O escritor não se recria na própria interioridade, mas apresenta um universo imaginário através de personagens que constroem a trama ou o desenrolar dos acontecimentos. Um exemplo deste tipo de gênero é o romance, que é uma narrativa de extensão variável, que mostra uma visão do mundo através de algumas personagens fictícias, transmitindo uma história inventada e passada num espaço e tempo determinados. Além do romance, a crônica também é considerada como texto pertencente ao gênero narrativo. Por ser um texto curto com linguagem de fácil entendimento, a crônica pode ser trabalhada em sala de aula, lembrando que as crônicas de Luis Fernando Veríssimo possuem características que podem induzir o gosto pela leitura, pois são humorísticas e irônicas ao mesmo tempo, trazendo fatos que condizem com a realidade dos alunos, afinal Veríssimo é um escritor pós-moderno. (TEMÁTICA BARSA. LÍNGUA E LITERATURA, 2005, p.82). 2.2.3.5 Crônica A palavra crônica se origina do grego chronos e significa tempo. Vale salientar que o termo crônica evoluiu com o decorrer dos anos, mas nunca perdeu seu sentido etimológico. No Brasil, a Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel é considerada por muitos estudiosos como criação de um cronista no sentido literário do termo. De acordo com Sá (1985, p.5), “[...] ele recria com engenho e arte tudo o que ele registra no contato direto com os índios e seus costumes, naquele instante de confronto entre a cultura européia e a cultura primitiva.” Pode-se dizer que a carta de Pero Vaz de Caminha apresenta-se como uma crônica em seu conceito antigo, ou seja, como registros de fatos históricos, embora também possa ser considerada como uma crônica no sentido atual da palavra na medida em que o seu relato é contemporâneo aos acontecimentos que narra. A crônica surgiu de um filão na França, no século XIX, sendo posteriormente transplantada para o Brasil. Esse filão denominava-se folhetim que nada mais era do que um espaço livre no rodapé do jornal, com o objetivo de entreter o leitor, dando a ele um descanso em meio às notícias mais graves. O folhetim passou a fazer sucesso nessa época. Havia diferentes tipos de folhetins tais como: Folhetim-romance, publicado num espaço do jornal que se destinava a textos de ficção, romances em capítulos, pelos quais o leitor esperava ansioso a fim de acompanhar a continuação da história. Folhetim-variedades, publicado num espaço correspondente ao rodapé do jornal, abordando matérias que registravam e comentavam a vida cotidiana do país e do mundo. Foi este que deu origem ao gênero crônica, no sentido de como se conhece atualmente. Atualmente, já não há mais espaços para folhetinistas no jornal, pois existem jornalistas especializados em determinadas matérias. A crônica sempre pertenceu ao ramo jornalístico, porém a crônica de hoje é mais curta, diferente das publicadas nos folhetins na época em que ocupava quase a metade das páginas dos jornais. Enquanto o folhetim abordava diversos assuntos, a crônica atual gira em torno de um só assunto. Por isso o cronista Luis Martins (apud BENDER & LAURITO, 1993, p. 23) afirma o seguinte: “A crônica é um folhetim que encurtou”. Pode-se concluir que, de fato, a crônica é um espaço literário reservado para registrar os acontecimentos cotidianos dos brasileiros. Ela é destinada para o povo brasileiro. Nela, o cronista conscientiza o leitor, sem censurá-lo. Segundo Bender e Laurito (1993, p.45), A crônica existe para o mísero mortal, ou seja, para nós, homens menores, isso é bom, pois desperta a humanidade que há em nós e que as misérias do mundo tentam adormecer, matar talvez. A crônica acaba sendo a realidade que o leitor queria e, ao mesmo tempo, seu elemento transformador. Natualmente, não se pode deixar de reconhecer a crônica como um texto literário. Inúmeros foram os cronistas existentes desde a época do Romantismo até os dias atuais e convém enumerar as características de alguns deles. Um dos cronistas mais reconhecidos no Brasil é Rubem Braga, cronista contemporâneo, cujo lirismo reflexivo tornou-se uma das características da sua crônica. Esse escritor segue a mesma linguagem do poeta Manuel Bandeira e de João do Rio, antecessor de todos os cronistas, embora os valores recebidos por meio de sua formação situem-no como indivíduo num contexto social mais amplo. (Sá, 1985, p.14). Segundo Sá (1985, p. 14), no “processo de purificação, em que se juntam o autor e a sua contrapartida, que é o leitor, os sentimentos perdem o caráter de expressão da alma solitária e ganham a dimensão de lirismo reflexivo e participante da imensa dor coletiva”. Recompor a própria história individual é uma forma de o cronista ensinar o leitor a compor sua história, afinal por mais que o narrador-repórter seja o escritor e não um personagem ficcional, ele representa um ser coletivo com o qual o leitor se identifica. Rubem Braga resgata a memória da infância em sua narrativa. Conforme Braga (apud Sá, 1985, p.16), “Ali, o menino apreendeu que o tempo carrega uma traição no bojo de cada minuto.” Pode-se dizer que esse escritor elimina as crônicas que envelheceram por estarem ligadas a um acontecimento datado e situado, o qual hoje já não tem mais importância para dar lugar às crônicas que conservam o seu poder de trazer a reflexão ao leitor. De acordo com Sá (1985, p. 20), com o “poder de nos projetar para além do que está impresso, Rubem Braga reafirma sua condição de artista recriando a vida em seus mínimos detalhes.” Outro cronista bastante conhecido é Fernando Sabino. Ao escolher os temas para as suas crônicas, esse escritor não acolhe qualquer matéria, pois para ele a crônica deve trazer um fato capaz de reunir em si mesmo “o disperso conteúdo humano” (SÁ, 1985, p. 22). Assim, esse cronista ensina aos leitores que a vida do dia a dia torna-se mais digna quando a convivência com as outras pessoas os faz olhar para fora de si mesmos, descobrindo a beleza do outro. Conforme Sá (1985, p. 22), quando o cronista descreve, por exemplo, um casal de negros comemorando o aniversário de sua filha num botequim da cidade, o que está sendo focalizado pelo cronista não é a questão do preconceito racial e social, mas a essência humana trazida no sorriso de um pai, em um olhar de uma criança, algo que somente um artista pode captar com seus sentidos apurados. Uma característica marcante na crônica de Fernando Sabino é a ênfase no pitoresco. Com essa matéria-prima, o cronista consegue captar o lado engraçado da situação, fazendo do riso uma maneira amena de examinar determinadas contradições da sociedade. Fernando Sabino abandona o diálogo direto com o leitor, desviando assim o foco narrativo da primeira para uma terceira pessoa fictícia, levando o narrador reassumir sua máscara ficcional, embora se saiba que quem fala na crônica é o próprio cronista. Por meio desse distanciamento, Sabino fica à vontade para captar o humor das situações que melhor exemplificaram o lado tragicômico da realidade das pessoas. De acordo com Sá (1985, p. 24), ao recriar os flagrantes de esquina ou os acidentes domésticos, esse escritor cria personagens semelhantes a pessoas comuns que se conhece, ou de quem já se ouviu falar. Sendo que essa ligação com o real aproxima a crônica da estrutura dramática. Por exemplo, na crônica Eloquência singular, o deputado gaguejava seu discurso e não conseguia continuar seu pensamento, pois seu discurso se resumia em “– Senhor presidente: não sou daqueles que...” O que é na verdade trágico acaba se tornando cômico para o cronista. Utilizando-se de recursos tais como o uso exclusivo de diálogos e a concentração do relato numa situação exemplar, Sabino cria um texto que fica entre a crônica e o conto. Pode-se citar outro cronista chamado Sérgio Porto, mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta. Conforme Porto (apud SÁ, 1985, p.30), “Stanislaw surgiu na imprensa por uma contingência da própria imprensa. Foi numa época em que os cronistas mundanos dominavam as páginas dos jornais, com suas colunas cheias de neologismos e auto-suficiência”. Esse cronista utiliza o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta com o propósito de retomar a linguagem utilizada pelos cronistas mundanos e, para fazer uma crítica a sujeitos incultos que criavam palavras e expressões tais como “piu-piu”, “fúria louca”, “bola branca”, “ flor azul”, entre outros tipos de palavras insignificantes. Embora Sérgio Porto não tenha conseguido eliminar esse tipo, afinal ele ainda existe, o cronista soube analisá-lo por meio do riso popular. Uma característica deste cronista é o uso do coloquialismo. Nas suas crônicas, nem sempre a norma culta é respeitada. O que realmente importa na linguagem deste escritor é, nas palavras de Sá (1985, p. 33), “o tom jocoso da expressão, que tanto pode ser uma gíria incorporada à fala pela consagração do uso, quanto um termo pouco usado, que causa em nós uma surpresa que soa de forma engraçada.” É de forma irreverente que Sérgio Porto se refere as suas crônicas como escritos levianos, tendo em vista estar consciente da imprudência que comete ao expor ao ridículo a coletividade. É ainda Sá que afirma que O cronista denuncia as mazelas da imprensa, da criação “literária”, a serviço do esvaziamento cultural e, principalmente, os equívocos de uma política que insiste em fazer do povo brasileiro um povo cordial, passivo, sem nenhum poder de conduzir o seu próprio destino (1985, p. 36). Esse escritor leva seus leitores a uma reflexão, demonstrando em seus textos uma crítica amena e contundente. O cronista fala pelo leitor, assumindo assim a indignação humana diante dos absurdos que compõe o cotidiano do povo brasileiro. Seu humor é bem brasileiro, possuindo uma linguagem moleque, rompendo com os padrões da norma culta e mostrando ao leitor uma linguagem nova, dinâmica e séria. Carlos Heitor Cony é outro cronista que vale a pena mencionar. Usa o lirismo como uma característica marcante em suas crônicas. Lembra-se, aqui, do ponto de vista de Sá (1985, p. 57), segundo o qual, na obra de todos os cronistas “há um certo lirismo, pois é através dos seus estados da alma que eles observam o que se passa nas ruas” Carlos Heitor Cony utiliza a experiência pessoal como ponto de partida e, ao mesmo tempo, como ponte de acesso a uma verdade maior, a um só tempo individualista e universal. O convívio com as nossas fragilidades requer um certo distanciamento, o que provoca o surgimento do lirismo reflexivo. Ao criar uma personagem, o cronista confere a marca de ficção a fatos reais e pessoas reais. Assim Carlos Heitor Cony faz de sua família as matrizes das personagens por ele inventadas. Tendo o lirismo reflexivo como característica predominante, esse cronista se mantém fiel à visão crítica do mundo, buscando sempre o necessário distanciamento para melhor avaliar determinado aspecto. A ficcionalização de pessoas e fatos é sua estratégia mais constante visto que muda o foco narrativo da primeira para a terceira pessoa e acrescenta ao texto um tom de paródia. Diz Sá (1985, p. 64) que “Carlos Heitor Cony aproveita a leveza da crônica para buscar a leveza de espírito, na imagem do amor eternamente retornando ao homem e lhe devolvendo o sentido pleno da humanidade.” Sem dúvida, não se pode deixar de inventariar , também, a obra e as características do cronista contemporâneo Luis Fernando Veríssimo, nome que pertence a esse rol de grandes cronistas e objeto principal deste estudo, cuja abordagem merecidamente detalhada será apresentada nos capítulos seguintes. Porém, ainda, faz-se necessário retomar o conceito de crônica na sua acepção mais antiga e na atual. No início da Literatura Portuguesa e no Brasil-Colônia, a palavra crônica designava narração de fatos históricos segundo a ordem cronológica, ou relatos de viagens. Com o passar do tempo, a palavra crônica evoluiu no seu conceito e, hoje, pode ser definida como texto que relata acontecimentos do cotidiano. O Dicionário da Língua Portuguesa Aurélio (2008, p.171) define crônica como “texto jornalístico redigido de forma livre e pessoal, seção de revista ou de jornal, conjunto de notícias sobre alguém ou algum assunto”. Apesar da crônica ganhar novos conceitos, ela não perdeu seu vínculo com o tempo: relatava o passado; hoje, o presente. Sua função é refletir o cotidiano, desde as situações mais simples ou banais até as mais complexas. Por isso é um dos gêneros textuais mais lidos e apreciados, pois além de ser um texto curto, com linguagem concisa de fácil entendimento, faz uma reflexão sobre a realidade da sociedade com ironia e bom humor. 3 AS CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO NO UNIVERSO DA LITERATURA ENQUANTO INCENTIVO À LEITURA Nas crônicas de Luis Fernando Veríssimo são recorrentes o humor e a ironia, habilidosamente mesclados pelo autor. Dessa mistura advém um dos elementos mais envolventes praticados em suas histórias e, sem dúvida, responsável pelo efeito significativo de empatia e catarse que desperta no leitor, levando-o, inegavelmente, ao prazer da leitura. Importante, pois, discorrer sobre esses dois ingredientes de criação literária, a fim de compreender os mecanismos que atuam no efeito geral das histórias. 3.1 Humor Luís Fernando Veríssimo já é considerado um dos maiores cronistas da contemporaneidade. Além de escrever textos para jornais e revistas, grande parte de suas crônicas está reunida em forma de livros, que figuram na lista dos mais vendidos dos últimos tempos. A comicidade, traços dos mais característicos de suas narrativas, serve de espelho de sua visão mais descontraída, porém não menos crítica, dos fatos do dia-a-dia. Segundo Konzen, A comicidade está entre as características constantes nas crônicas de Veríssimo, nas mais inusitadas formas. A descontração em falar de qualquer tema, e uma visão sólida sobre os fatos, revelam análises inteligentes e precisas da vida cotidiana: a arte de Luis Fernando Veríssimo reside, fundamentalmente, na capacidade de captar cenas, muitas vezes insignificantes à primeira vista, e torná-las visíveis e risíveis, pelo emprego de recursos diversificados. (2002, p. 96) O riso sempre esteve presente na vida do ser humano, seja nas piadas contadas entre amigos, seja em determinada situação engraçada vivida por uma pessoa, sendo motivo de riso para outras. De todos os animais o homem é o único que possui essa capacidade. De acordo com Paes (apud KONZEN, 2002, p. 47), “a capacidade de rir está ligada intimamente à capacidade de pensar, privativa do homem, único animal racional”. Dessa forma, o homem não só é capaz de rir, como também é o único com condições de ter consciência das suas atitudes. Os textos humorísticos exploram os mais diversos aspectos, veiculando por detrás dos enunciados uma mensagem que o leitor não percebe sem uma leitura mais atenta, pois é preciso uma leitura aprofundada para não cair no engano de perceber somente o que está explícito. Para Possenti (2002, p.38), “provavelmente todas as piadas veiculam, além do sentido mais apreensível, uma ideologia, isto é, um discurso de mais difícil acesso ao leitor.” É nesse discurso que estão implícitas as críticas, que mascaradas pelo humor, se escondem. Vale ressaltar que nem sempre os textos visam a propor uma solução para os diversos problemas abordados, mas sim, suscitar a reflexão e o olhar crítico do leitor para a realidade na qual está inserido. Na sociedade, o cômico exerce um papel moralizante, de reprimenda, ao indivíduo que não segue os padrões e não supre as expectativas dos demais indivíduos que compõe o quadro social. Conforme D’ Angeli e Paduano, Confia-se ao cômico uma função moral precisa e útil dentro da sociedade: com o riso na verdade reagimos a qualquer rigidez individual (do caráter, do espírito, e mesmo do corpo) vista como sinal de uma atividade que se adormece ou se isola. O riso surge, portanto, como um corretivo que reprime a excentricidade, mantém em contato as inteligências e as atividades, torna flexíveis os movimentos mecânicos e inertes visíveis na superfície do sistema social. (2007, p. 276) Bakhtin (2001, p. 176) é um grande defensor do uso do riso na linguagem. Para esse teórico existe a linguagem direta e a linguagem indireta. Em primeiro lugar encontra-se a linguagem direta ou linguagem patética, que é a linguagem no sentido próprio, aquela que é utilizada sem distanciamento, sem consciência linguística explícita. Para Bakhtin A palavra patética mostra-se totalmente suficiente para si mesma e para seu objeto. Pois o falante, na palavra patética, está implicado totalmente, sem nenhum distanciamento e sem nenhuma reserva. A palavra patética aparece como uma palavra diretamente intencional (apud LARROSA, 2001, p.176). A palavra patética se solidifica em duas formas básicas. Na primeira forma de solidificação, as convenções da linguagem estão ligadas à retórica, definindo linguisticamente uma posição na sociedade como, por exemplo: o juiz, o político, o cientista, o professor, etc. Todos eles apropriam-se das convenções da palavra patética. Sendo que a linguagem utilizada por eles, está identificada com a posição que ocupam na sociedade, com o poder. Há outra forma de solidificação da palavra patética, em que o indivíduo encontrase identificado, não com sua posição, mas consigo mesmo, ou seja, com sua identidade, com seus sentimentos, com seu caráter. Um exemplo disso é a palavra amorosa. Uma palavra mais ligada à linguagem cotidiana e aos lugares cotidianos da linguagem, tais como, a sala de estar, um passeio no parque, a carta íntima. Existe também a linguagem indireta, figurada, irônica, a linguagem que é utilizada como uma máscara. É a linguagem dos indivíduos que falam como se fossem outros indivíduos. Bakhtin (apud LARROSA, 2001, p. 177) O indivíduo age como se fosse alguém que na realidade não é. E é na verdade esse uso figurado e paródico da linguagem, a distância entre quem fala e a sua linguagem, ou entre o falante e a sua posição na sociedade que provoca o riso. Esse indivíduo é uma personagem excêntrica, que não tem lugar próprio, que não possui uma identidade demasiadamente compacta. O falante, nesse caso, conhece a variedade da linguagem, a variedade de seus usos e conhece o uso interessado da linguagem direta. Tem ciência de que a linguagem direta está relacionada a uma posição social. Sabe que a linguagem patética é considerada como a linguagem dos indivíduos que têm um lugar e com ele se identificam, das pessoas elevadas, que estão plenamente identificadas consigo mesmas, das que se levam a sério. E por ter consciência de tudo isso, veste-se a máscara. Esse sujeito pode falar como juiz, como sacerdote, como um arrependido. É o que diz Larrosa na citação abaixo: Mas nesse “como”, na distância introduzida por esse “como”, está toda sua potência crítica. É na distância que abre entre o falante e a posição do falante, ou entre o falante e aquilo que expressa a sua linguagem, que a linguagem indireta clarifica a linguagem patética, a desmascara, a relativiza e a torna imediatamente suspeitável. (2001, p. 177) Vale ressaltar que os estudos sobre o riso existem desde a Antiguidade. Platão sugere o riso como pura libertação do prazer. Para Aristóteles, ao contrário, o riso se presta à punição dos costumes. Para Duarte (1994, p.14), o bom cronista vive em meio a uma constante busca do inusitado, do incomum, daquilo que o leva a captar o lado engraçado das coisas. Dessa forma faz do riso uma forma de examinar determinadas contradições na sociedade, levando o leitor a adentrar no intricado complexo social de que faz parte. Os textos de Veríssimo, valendo-se da comicidade crítica, muitas vezes caracterizam-se como instrumentos para exteriorizar os conflitos políticos, sociais, ideológicos presentes no cotidiano das relações humanas. Ele mostra, em seus textos, as imensas possibilidades de provocar o riso. Percebe-se que, nas suas crônicas, o riso na linguagem esconde algo mais do que uma simples liberação de tensões. A linguagem empregada por esse escritor serve como mecanismo para o surgimento de situações cômicas, mas serve, também, para apontar uma realidade escamoteada pelo riso. Percebe-se que o riso, nas crônicas de Veríssimo, possui duas vertentes. Na primeira, o riso é visto como uma forma de punir os maus costumes da sociedade, na medida em que sugere desmascarar os fatos reais. Chega a ser irônico. Por outro lado, as brincadeiras com a linguagem propiciam o riso que pode se apresentar como uma liberação de prazer. 3.2 Ironia Para Duarte (1994, p. 9), segundo uma definição tradicional, ironia é uma figura de retórica na qual o escritor diz o contrário do que se pensa, o que implica o reconhecimento da potencialidade da mentira implícita na linguagem. Embora varie, de acordo com a época, a percepção do mundo como balanço entre verdade e falsidade, sob a estratégia da ironia será expressa em discursos de dissimulação, isto é, falas contrárias ao que se pensa. De fato, nada pode ser considerado irônico se não for proposto e visto como tal. Não há ironia sem o sujeito que a pratica, ou seja, aquele que é capaz de perceber as múltiplas possibilidades de sentido, explorando-as em enunciados irônicos, cujo propósito somente se completa no efeito correspondente, ou seja, numa recepção que perceba a duplicidade de sentido e a inversão ou a diferença existente entre a mensagem enviada e a pretendida. Duarte (1994, p.9) defende o ponto de vista de que a “ironia revela seu parentesco com a literatura, que se constitui como afirmação de uma identidade individual que reconhece a natureza intersubjetiva de sua individualidade.” Tanto a ironia como a literatura possuem uma estrutura comunicativa e ambas dependem de um receptor para poderem existir realmente. A ironia depende de um receptor para poder ser compreendida ou até para existir. O texto também depende de um leitor e usa artifícios para conquistá-lo e prendê-lo. O Minidicionário da Língua Portuguesa (2000, p. 548) também define ironia como “forma de expressão em que se comunica o oposto daquilo que as palavras dão a entender. Sarcasmo, zombaria”. Há ainda uma referência à ironia como uma forma de zombaria. Segundo o mesmo dicionário (2000, p. 979) zombaria é uma “manifestação na qual palavras, gestos, sons ou expressões faciais são usados para ridicularizar”. Para Duarte (1994, p. 10), o dito irônico ataca e, ao mesmo tempo, procura reforços, critica e, simultaneamente, busca apoio para o ponto de vista defendido, se o autor da ironia nega ou defende valores, normas, leis da sociedade, é porque sabe que alguém perceberá, apoiará, ou criticará com ele a infração praticada. Embora ciente das implicações e dos riscos de fazer uso do discurso irônico, o cronista não foge ao desafio, o que permite considerar que, além de ser essa uma marca do seu texto, é também uma demonstração de confiança em seu leitor. Sabe-se que nas narrativas de Luis Fernando Veríssimo, ironia e comicidade andam sempre juntas. Pela análise das crônicas deste escritor, pode-se comprovar que ele utiliza a ironia como forma de zombaria. Ou seja, através de suas personagens, Veríssimo mostra o dia-a-dia do brasileiro, ao mesmo tempo em que ironiza seus comportamentos. Ao ler as narrativas deste cronista, o leitor transporta-se para o universo das histórias, identificando-se com suas personagens. Veríssimo, com um perfeito domínio de linguagem, consegue ser ao mesmo tempo cômico e irônico. Não é à toa que é considerado um dos maiores cronistas da contemporaneidade. 3.3. A vida e a obra de Luis Fernando Veríssimo Luís Fernando Veríssimo nasceu em 26 de setembro de 1936, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. É filho do escritor Érico Veríssimo e de Mafalda Veríssimo. De 1943 a 1945, Érico morou com a família nos Estados Unidos, onde lecionou na Universidade de Berkeley, na Califórnia. Em 1954, a família viajou novamente para os Estados Unidos, onde Érico exerceu a função de Presidente do Departamento de Assuntos Culturais da União PanAmericana, em Washington, durante quatro anos. Foi nesta época que Luis Fernando iniciou seus estudos de música, aprendendo a tocar saxofone e tornando-se um admirador de jazz. Ao retornar ao Brasil, em 1956, começou a trabalhar na Editora Globo de Porto Alegre, no setor de arte e planejamento. Em 1962 transferiu-se para o Rio de Janeiro onde exerceu as atividades de tradutor e redator de publicações comerciais. Casou-se com a carioca Lúcia Helena Massa, sua colega de trabalho na redação do Boletim da Câmara de Comércio do Rio de Janeiro. Da união nasceram três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro. De volta a Porto Alegre em 1967, Luis Fernando começou a trabalhar como copydesk do jornal Zero Hora e como redator de publicidade. Em pouco tempo já mantinha uma coluna diária, que o consagrou por seu estilo humorístico e uma série de cartuns e histórias em quadrinhos. O primeiro livro, "O popular", de crônicas e cartuns, foi publicado em 1973. Atualmente, o autor escreve para os jornais Zero Hora, O Estado de São Paulo e O Globo. Criou personagens As Cobras, cujas tiras de quadrinhos são publicadas em diversos jornais. Em 1995, o livro O Analista de Bagé, lançado em 81, chegou à centésima edição. Algumas de suas crônicas foram publicadas nos Estados Unidos e na França em coletâneas de autores brasileiros. O trabalho do autor também é conhecido na TV, que adaptou para minissérie o livro Comédias da Vida Privada. O programa recebeu o prêmio da crítica como o melhor da TV brasileira. Estas são algumas das obras do autor: O Popular – 1973; A Grande Mulher Nua – 1975; Amor Brasileiro – 1977; As Cobras e Outros Bichos – 1977; A Mesa Voadora – 1978; Pega Pra Kapput – 1978; O Rei do Rock – 1979; Ed Mort e Outras Histórias – 1979; Sexo na Cabeça – 1980; O Analista de Bagé - 1981 (100ª edição em 1995); O Gigolô das Palavras – 1982; Outras do Analista de Bagé – 1982; O Analista de Bagé em Quadrinhos – 1983; A Velhinha de Taubaté – 1983; A Mulher do Silva – 1984; A Mãe do Freud – 1985; Aventuras da Família Brasil – 1985; Ed Mort Porocurando o Silva – 1985; O Marido do Dr. Pompeu – 1987; Zoeira – 1987; Ed Mort em Disneyworld Blues – 1987; O Jardim do Diabo – 1988; Ed Mort com a Mão no Milhão – 1988 Orgias – 1989; Ed Mort em Conexão Nazista – 1989; Peças Íntimas – 1990; O Santinho – 1991; Traçando Nova York – 1991; Traçando Paris – 1992; O Suicida e o Computador – 1992; Pai Não Entende Nada – 1993; Traçando Roma – 1993; Comédias da Vida Privada – 1994; Traçando Tóquio – 1995; Novas Comédias da Vida Privada – 1996; Antologia Brasileira de Humor – 1976; O Tubarão – 1976; Para Gostar de Ler – 1981; As Mentiras que os Homens Contam-2001; Comédias para se Ler na Escola, 2001 entre outros. (/www.pensador.info/autor/Luis_Fernando_Verissimo/biografia/). 3.4 A Contemporaneidade dos temas em Luís Fernando Veríssimo A obra de Luís Fernando Veríssimo tem destaque no amplo cenário da produção artística brasileira contemporânea. Seus livros são os mais vendidos do Brasil e, certamente os mais lidos. Isso se deve à diversidade de sua obra e aos temas abordados que constituem um retrato da vida brasileira, tudo isso aliado à leveza dos seus textos que proporcionam momentos de extremo prazer a quem os lê. Ler Veríssimo é motivo de transformação, uma vez que se instala no leitor “um quero mais”, ou até mesmo a vontade de viajar por outros universos, através de textos de outros autores. Se após ler Veríssimo, o leitor não se deixar contagiar por instantes de alegria, certamente é porque ele ainda não é um leitor preparado para usufruir desse tipo de leitura. Popularidade é o que não falta a esse escritor, basta perguntar aos alunos quem conhece algum texto dele, ou quem conhece as tirinhas As cobras, ou uma das crônicas do livro O Santinho, que é também o título de um dos textos dessa obra. Neste texto, o autor brinca e esclarece de forma bem-humorada a origem da expressão santinho do pau-oco. Ler Veríssimo é garantia de diversão. Por se tratar de um escritor contemporâneo, suas crônicas, apesar de serem histórias fictícias, abordam assuntos da atualidade, que condizem com a realidade vivenciada pelo leitor. Em suas crônicas aparecem os mais variados temas sob os mais variados enfoques, em que personagens comuns vivenciam cenas do cotidiano que são familiares aos olhos da grande maioria das pessoas, senão por tê-las vivenciado, ao menos por delas terem ouvido falar. Através de diálogos marcadamente irônicos e engraçados, Veríssimo oferece ao leitor uma visão crítica das muitas situações que envolvem o cotidiano. Conforme Machado, A praia de Veríssimo é o quotidiano, principalmente na intimidade. As conversas entre quatro paredes, as lembranças solitárias de infâncias e adolescências etc. Mas o tema não é o mais importante. Sobre qualquer assunto e qualquer pretexto, o autor revela suas obsessões, fala das mesmas coisas, preocupa-se com o social e o ético, despreza solenemente o econômico e encontra sempre uma maneira nova de fazer isso, como se nunca o tivesse feito antes (2001, p. 14) É ainda o já citado crítico literário já citado, Machado (2001, p. 14), quem afirma que Veríssimo fala do cotidiano do povo brasileiro e até das intimidades. Esse escritor possui um perfeito domínio de linguagem e utiliza-se de uma admirável economia de palavras. Seus textos possuem originalidade, são de fácil compreensão e divertidos, com uma linguagem clara e concisa. Por ter essas características, as crônicas de Veríssimo incentivam o prazer pela leitura. Ainda de acordo com Machado (2001, p. 1), as qualidades “ originalidade e o humor de Veríssimo funcionam, desta forma, como o melhor antídoto para quem não gosta de ler, ou melhor, para quem ainda não descobriu o prazer e a aventura que um livro pode proporcionar”. Pela análise realizada neste estudo, já se pode, inclusive, antecipar as características das crônicas desse autor, quais sejam , o coloquialismo, o humor, a ironia, a ambiguidade. Além disso, por se tratar de um cronista contemporâneo, seus temas são atuais e condizem com a realidade do leitor. Escritor de várias obras, Luis Fernando Veríssimo é conhecido e admirado por seus leitores. No dizer de Ventura (2008), “Veríssimo é bárbaro. Consegue dar seriedade ao humor e graça à gravidade. Trata-se de um caso raro de quem pode ser ao mesmo tempo humorista engraçado e ensaísta leve e profundo”. Machado (2001, p. 15), por sua vez, declara que “Depois de ler as crônicas de Veríssimo, duvido que algum jovem ainda seja capaz de dizer, sinceramente, que não curte ler.” Por todas essas características pode-se afirmar que as crônicas deste escritor incentivam o hábito da leitura que, por sua vez, é um ato tão pouco praticado atualmente, visto que a realidade nos mostra que a leitura só é vista nas escolas como uma obrigação, e não como um ato capaz de proporcionar momentos prazerosos. Em vista disso, pode-se perceber que as crônicas de Veríssimo constituem uma ótima fonte para o educador despertar nos alunos o gosto pela leitura, como se comprovará no decorrer deste estudo. 4 OBRAS ANALISADAS Dentre os inúmeros livros deste cronista, vale lembrar alguns deles, tais como O Melhor das Comédias da Vida Privada, por exemplo. Essa obra, publicada originalmente no ano de 1994, fez muito sucesso. Retrata a vida cotidiana e as intimidades do povo brasileiro. Algumas personagens pertencentes a essa obra tornaram-se antológicos tais como Dr. Pompeu, o Mendoncinha, a mulher do Silva, a Regininha, as noivas do Grajaú entre outras personagens que levam o leitor a um processo de identificação, não só porque foram inspirados na realidade trágica do brasileiro, mas também foram submetidas a um tratamento literário embasado no humor e na ironia. Outra obra bastante conhecida é As Mentiras que os homens contam. Reúne quarenta crônicas humorísticas, nas quais Veríssimo discorre sobre o ato de mentir, considerado típico do brasileiro. Implicitamente ao humor, jaz uma crítica à mania de se utilizar a mentira para justificar atos impertinentes. Além destas obras, vale comentar também sobre o livro Sexo na Cabeça, que reúne quarenta e sete crônicas referentes ao assunto sugerido pelo título. Nessa obra, de uma forma engraçada, Veríssimo retrata a intimidade do brasileiro, inclusive o tema da infidelidade. Em suma, essas são apenas algumas das excelentes obras deste escritor Naturalmente, concorda-se com a evidência de que todas as obras de Veríssimo merecem a atenção do leitor, seja pela abrangência ou atualidade dos temas tratados, algumas se destacam também porque contêm elementos que se tornam atrativos e servem de estímulo à aquisição do hábito de leitura, principalmente entre os alunos. Dentre as inúmeras obras desse escritor, foram escolhidas como fonte para este estudo os seguintes livros: O analista de Bagé, As Mentiras que os Homens Contam, O Melhor das Comédias da Vida Privada, Comédias para se Ler na Escola. Vale ressaltar que as referidas obras tornaram-se populares, alcançando sucesso no Brasil. Em meio à diversidade de crônicas apresentadas nessas obras, foram selecionadas sete delas que, por sua vez, são adequadas à atividades de leitura no contexto escolar, mais direcionadas aos estudantes que cursam o final do Ensino Fundamental e Ensino Médio. 4.2. Humor e ironia nas crônicas de Luis Fernando Veríssimo A partir de agora, este trabalho analisará as sete crônicas escolhidas, com o intuito de ilustrar as opções teórico-críticas até aqui registradas. O humor é o principal artifício literário de Veríssimo. Porém, suas crônicas não levam somente ao riso, mas também à reflexão sobre os temas comuns do nosso cotidiano. Tratando, a partir de agora, especificamente do uso do humor e da ironia nas crônicas, comprovam-se as marcas pelas quais Veríssimo é popularmente reconhecido: o humor e a ironia, cuja mistura resulta em significados marcados pela ambiguidade e consolida uma estratégia de crítica social. Sempre haverá ao menos um comentário em que tais marcas se revelam. Ao abordar um assunto que atrai pessoas de todas as idades e condições sociais, Luis Fernando Veríssimo, em sua obra As Mentiras que os Homens Contam, tematiza esse hábito bastante comum no comportamento humano. Mentir é uma atitude comum no cotidiano; no entanto, quando as mentiras são proferidas pelos homens, e recriadas sob a ótica de um cronista da estirpe de Luis Fernando Veríssimo, desmascaram o universo masculino. Ao justificar o título da obra As mentiras que os homens contam,Veríssimo, à guisa de introdução, abre a coletânea com uma crônica iniciada por uma afirmação categórica, já impregnada de ironia : “ Nós nunca mentimos. Quando mentimos, é para o bem de vocês”. (VERÍSSIMO, 2001, p. 9). Ainda segundo o autor, as mentiras que os homens contam já começam na infância. E a primeira vítima é invariavelmente a própria mãe. Depois vêm as namoradas, a esposa, a sogra, a amante, os amigos, o chefe e outros. Torna-se uma incrível compulsividade masculina. São muitos os mentirosos e Veríssimo sai em defesa deles, ainda que, no viés da ambigüidade, sua fala que resulta em ironia e crítica, deságuem no humor. 4.2 Clic Esta crônica pertence à obra As Mentiras que os Homens Contam. Relata a história de um cidadão que, por descuido, permitiu que roubassem seu celular. Como precisava muito do celular devido ao trabalho, desesperou-se e começou a ligar para o número do celular. A personagem Carol atende ao telefonema e relata estar num motel com o personagem Amleto, ou seja, o autêntico ladrão do celular. A partir daí, inicia-se o diálogo entre o cidadão que perdeu o celular e Carol. O cidadão, para convencer a Carol de que o celular é seu, começa a mentir, fingindo ser outra pessoa. Quando decide falar a verdade, Carol desliga o telefone. Ao ligar novamente, o cidadão conversa com o ladrão do celular que faz uma declaração surpreendente: sua noite no motel fracassou porque Carol estava com ele somente por causa do aparelho. Por isso jogara o celular fora. A crônica finaliza com mais uma ligação do cidadão para o seu número. Dessa vez, quem atende é outra personagem, o Trola, que encontrou o celular e diz ao cidadão estar embaixo de um viaduto. Quanto ao nível do discurso, percebe-se a estrutura narrativa com o predomínio de verbos no pretérito perfeito do modo indicativo, em terceira pessoa, com predicados verbais: “cidadão se descuidou e roubaram seu celular”. Todavia, no momento em que se desencadeia o diálogo, há a predominância de verbos no presente do indicativo, em alguns momentos com predicado estativo, com frases nominais acompanhadas de reticências como: “Você é a ...”, “Ah. Vocês são...”, Em que motel vocês estão? Tendo em vista tratar-se de uma situação real de comunicação, as reticências e as frases nominais como “ - Já, já. Mas, assim, só conversa” também contribuem para gerar uma situação de humor, pois encaminham para situações inusitadas. Analisando o discurso sob uma perspectiva funcional-interativa, percebe-se que a intenção do autor se concretizou, visto que o humor continua mesmo após o final do texto, ou melhor, justamente porque não tem final. O humor, afinal, faz-se presente não apenas no diálogo entre as personagens e o dono do celular, mas também no final do texto, quando a personagem Amleto, o ladrão, culpa o celular e seu dono pela perda da Carol. Também quando o Trola, que encontrou o celular, não entende a fala do executivo. A crônica torna-se irônica quando o autor apresenta personagens que representam pessoas que, na sociedade, não têm acesso a determinados bens materiais, e pensam que, através deles, podem alcançar seus objetivos. Por exemplo, Amleto roubou o celular para conquistar Carol. Em contrapartida, através da personagem Carol, o autor retrata as pessoas que ambicionam bens ou produtos que somente pessoas das classes altas podem obtê-los. A ironia praticada no texto atinge o fosso social entre ricos e pobres. Naturalmente, a questão do celular, objeto do desejo das personagens, contextualiza à época em que o “celular” ainda era um bem acessível a poucos, início da fase de expansão de sua popularidade. A ironia do texto ocorre porque atinge amplamente a distância entre as classes sociais, pode ser aplicada a outras situações que retratam tais disparidades. Percebe-se, também, que o celular tem funções diferentes no contexto: para Amleto, é um instrumento utilizado para conquistar a mulher, para o executivo, um objeto de trabalho, de fechar compromissos. O narrador deixa claro que os fins justificam os meios através da fala de Amleto: “Não resistiu ao meu celular. Se não fosse o celular, ela não teria topado o programa”. Nota-se, através da linguagem usada por Veríssimo para representar o diálogo entre as personagens, que a maioria delas representam pessoas que fazem uso da linguagem coloquial em alguns momentos: “Então pergunta pra ele.” “Ela chegou com o índio e o Marvão, os três com a cara cheia, e...” Até mesmo o cidadão executivo, dono do aparelho, que representa a classe social mais privilegiada e cuja linguagem usada pelo autor para representálo é uma linguagem pertencente à norma culta, em alguns momentos utiliza, também, da fala coloquial, por ser a mais utilizada no cotidiano: “Me diga onde você está que eu vou buscar.” Por fim, a perda do celular e a tentativa de recuperá-lo modificam o cotidiano das personagens, fazendo com que o clima entre elas se torne cada vez mais tenso, expondo-as ao ridículo e, de certa forma surpreendendo-as, como por exemplo, quando o celular é jogado fora e recuperado pelo Trola que o atende em baixo de um viaduto. É nesse momento que a comicidade se faz notar. Também o que seria uma noite de prazer, por culpa do celular, transforma-se em uma situação trágica. O inusitado torna-se, por sua vez, engraçado. E, mais uma vez, a crônica desempenha o seu papel, ou seja, divertir ainda que a situação não seja a mais adequada. 4.3 Grande Edgar A Crônica “Grande Edgar” é uma das quarenta crônicas pertencentes ao livro “As Mentiras que os Homens Contam”. Inicia-se com a seguinte frase “Já deve ter acontecido com você”. Trata-se de um encontro casual entre dois homens, sendo que um deles pensa que encontrou um antigo amigo, no entanto o outro não se lembra de quem se trata. O narrador, então, sugere alguns caminhos para ajudar a personagem a se sair bem dessa situação embaraçosa, que começa com a pergunta: — Não está se lembrando de mim?. Uma das respostas pode ser o não, outra pode ser a dissimulação, e a terceira, que conduz à tragédia é — Claro que estou me lembrando de você! Essa é, naturalmente, a resposta que se escolhe nessa situação. Esses personagens representam algumas pessoas que, no cotidiano, precisam fingir para evitar o constrangimento em determinadas situações inusitadas e o fazem também para não magoar a outra pessoa. São pequenas mentiras, porém necessárias, uma vez que deixam a outra pessoa feliz. No entanto, o texto deixa claro que mentir não é a melhor maneira de resolver um problema, pois uma mentira vai suscitando novas mentiras e, simultaneamente, envolvendo as personagens em situações embaraçosas ou até mesmo sem saída. No nível da estrutura narrativa, predominam os verbos no tempo presente do indicativo. Quanto à estrutura sintática das frases, há o predomínio da predicação verbal. Quanto à estrutura dialógica, há a predominância não perfectiva, tendo em vista tratar-se de uma situação real de comunicação. Quanto à perspectiva funcional-interativa, o texto cumpre sua função no momento em que as contradições ainda que implícitas nas falas dos personagens, trazem à tona cenas vivenciadas pelo leitor que provocamo riso. A ironia instala-se e se transforma em humor através do diálogo que flui espontaneamente por parte da personagem que acha que foi reconhecido enquanto o outro fingindo, vai respondendo e, ao mesmo tempo, procurando se lembrar de quem se trata. Todavia, no final do diálogo, percebe que o esforço foi em vão: aquele que o tratou como velho conhecido o confundiu com outra pessoa, chamando-o de Edgar. Quando o sujeito percebe que o homem o chama de Edgar, percebe, assim, a confusão. Afinal, ele não se chama Edgar. Para não decepcionar o outro o sujeito, despede-se fingindo ser quem na realidade não é. No decorrer do diálogo, aparecem outras personagens, por sua vez secundárias como o Ademar que já havia falecido, o Rezende que tinha uma perna mecânica, o velho Pontes, o Croarê, a Ritinha que se casou com o Bituca, personagens que fluem da memória dos dois sujeitos. A linguagem utilizada por Luís Fernando Veríssimo para representar a conversa entre os personagens é coloquial, marcada pela espontaneidade típica da fala, como se pode observar neste trecho: “— Cê tem visto alguém da velha turma?” Esta fala reporta o leitor a situações do cotidiano, pois muitas vezes ele próprio, num encontro proposital ou casual, faz estas perguntas: Tu tem visto o fulano?Por onde anda o beltrano? Ah, e aquele amigo nosso de infância, por onde anda? Desse modo, o coloquialismo da linguagem adotada torna-se um eficiente recurso de composição das personagens no que se refere à espontaneidade. Percebe-se que através do humor, o autor faz uma crítica, ironizando situações do cotidiano que induzem à mentira.. Para evitar uma situação constrangedora, prefere-se optar pela mentira para não magoar o outro. Nota-se que Luis Fernando Veríssimo, com ironia e humor, tematiza situações que reproduzem um comportamento bastante comum e que, na crônica, denuncia a submissão às estratégias para manter as aparências do relacionamento interpessoal amistoso. O humor surge no momento em que o leitor percebe o que está implícito, reflete e compara as cenas descritas com situações vivenciadas, visto que a capacidade de rir é própria do ser humano e não existiria sem a capacidade de pensar. Dessa forma, o riso é o resultado não apenas da piada, mas de um momento de reflexão. Confirma-se aqui a teoria de Paes (apud KONZEN, 2002, p. 47): “a capacidade de rir está ligada intimamente à capacidade de pensar, privativa do homem, único animal racional”. A obra O Melhor das Comédias da Vida Privada, de Luis Fernando Veríssimo, reúne cinqüenta e uma crônicas abordando temas como infidelidade, família, conversa de bar, metafísicas etc. Essa obra tornou-se muito popular, chegou a ser transformada em série de televisão, consolidando o sucesso do escritor como cronista do cotidiano brasileiro. Nesse livro estão presentes as tragédias cotidianas, apresentadas numa mistura de humor e ironia. 4.4 A retranqueta do polidor Esta crônica pertence à obra O Melhor das Comédias da Vida Privada. A crônica inicia-se com a seguinte afirmação: “a mentira é necessária para que a vida social e conjugal funcione, pois sem isso muitos casais se separariam.” Para ilustrar essa afirmação, o autor cita, como exemplo, o caso de um homem de classe média, que não sabe o que aconteceu com o carro, mas para tranquilizar a mulher, diz que o problema mecânico é a retranqueta do polidor, que na verdade não existe. O humor presente em todo o texto centraliza-se na mentira, vista como necessária em determinadas circunstâncias, podendo até desencadear o sucesso ou evitar decepções nos relacionamentos. Jorge Larrosa, no livro Pedagogia Profana, afirma que a verdade não depende de quem a profere. É dessa forma que uma mentira pode se converter em uma verdade, pois “o ser da verdade e a força da verdade não tem nada a ver com o dizer da verdade.” A mentira não se limita apenas à vida conjugal, pois o autor a utiliza, no texto, também como forma de ironizar um hábito bastante comum do povo brasileiro, que a utiliza para justificar seus atos e, principalmente, com o objetivo de querer levar vantagem em tudo. Ela está presente no cotidiano do país através do famoso “jeitinho brasileiro”. Esse jeitinho brasileiro é tão comum que já se tornou tema de autores como Carlos Alberto Almeida que, no primeiro capítulo do seu livro A Cabeça do Brasileiro, afirma que o jeitinho brasileiro é importante na nossa sociedade, pois através desse hábito não é difícil entender por que o Brasil é um país campeão em corrupção e por que se tem dificuldade em combatê-la. Também, o cronista Paulo Mendes Campos (apud BETH GRIFFI, 1991, p.137), em sua crônica Brasileiro, Homem do amanhã, afirma que o Brasil é o único país brasileiro de todo o mundo e que as duas colunas de brasilidade que o sustentam são a capacidade de dar um jeito e a capacidade de adiar. Se a mentira for descoberta, ocorrerá um grande problema, como na situação sugerida pelo autor: pode a mulher se antecipar ao marido e levar o carro ao mecânico, alegando que o problema é a retranqueta do polidor. O mecânico, perplexo, desconhecendo a existência dessa peça, poderá dizer que vai dar um repique na retranqueta e equalizar o polidor. O desfecho, então, será trágico; ele poderá salvar o casamento, mas terá problemas com o mecânico que demonstra saber menos do que ele. Quanto ao nível do discurso, não se pode afirmar que predomina uma estrutura narrativa, visto que não se atém a um fato. O texto se aproxima mais de uma sequência argumentativa, pois um personagem sem nome, afirma que a mentira é necessária e defende seu ponto de vista até o final do texto. Utiliza-se, na maioria das vezes, verbos no tempo presente, na terceira pessoa e dirige-se a um interlocutor “mulher” no sentido genérico. Analisando o discurso sob uma perspectiva funcional-interacionista, percebe-se que o autor concretiza o seu objetivo, pois dá sugestões para que a mulher aceite as mentiras do marido para salvar o casamento, e no exemplo que usa para reforçar o seu argumento, coloca o marido numa situação difícil, pois este não contava com a mentira do mecânico que, na verdade, pouco entende de mecânica. É nesse ponto do texto que se obtém o efeito irônico e humorístico: a mentira foi aceita, o casamento está salvo, mas e o mecânico, o que fará com o carro? Com vocabulário simples e com personagens fazendo uso da fala coloquial, o autor permite, aos leitores, identificarem-se com a situação narrada uma vez que, no cotidiano, deparam-se com situações em que se utilizam pequenas mentiras para não ser inconvenientes ou, até mesmo, para evitar magoar as pessoas. 4.5. Brincadeira A obra O analista de Bagé é composta por trinta e quatro crônicas. É um dos livros de Luis Fernando Veríssimo que mais alcançou o sucesso de vendas no Brasil. Chegando a ser publicado a 100ª edição. Por meio dessa obra, o autor coloca as personagens no divã e ironiza a prática da Psicanálise. Dessa obra, escolheu-se a crônica Brincadeira. Narra a história de um homem que telefonava para conhecidos dizendo que sabia de tudo, embora não soubesse de nada. Fazia isso por brincadeira, mas percebeu que realmente as pessoas sempre tinham algo a esconder. Isso, então, se tornou hábito. Prometia guardar segredo. Era super discreto. Tanto que, com o tempo, ganhou reputação, emprego e subiu na vida. Essa personagem representa aquelas pessoas que, no cotidiano, gostam de fazer trotes de telefonemas, fazem-no por brincadeira, gozação, deboche, mas não pensam nas conseqüências dessas ações. No caso descrito, a brincadeira fez com que o protagonista descobrisse que as personagens alvo de seus telefonemas tinham seus segredos. É nesse ponto que reside o humor da crônica. O leitor sabe que ele mente. Através da brincadeira, descobre-se o poder que as palavras exercem sobre as pessoas, tendo em vista que, mesmo sem saber de nada, o protagonista consegue persuadi-las. Porém, saber demais nem sempre é conveniente, pois foi esse o motivo que fez com que o protagonista tivesse um final trágico. Quanto ao nível do discurso, predomina a estrutura narrativa, com predicados de ação, verbos no pretérito perfeito do modo indicativo, na terceira pessoa: “Começou com uma brincadeira. Telefonou para um conhecido e disse”. Quanto à estrutura dialógica, predomina o discurso direto, com verbos no tempo presente do indicativo. É no diálogo que o humor se instala, pois a forma como a conversa telefônica é conduzida faz com que o interlocutor, que é a vítima do trote, acabe confessando que tem algo a esconder. O humor se faz presente também quando a situação se inverte e o protagonista é o alvo do telefonema. Isto é, alguém diz que sabe tudo sobre ele. Então desaparece e é encontrado assassinado em uma praia remota. De nada adiantaram as palavras: — “Era brincadeira! O motivo do crime: sabia demais.” Essa crônica ironiza o tema relacionado à certeza de que todos têm algo a esconder e isto, muitas vezes, torna-se uma necessidade de sobrevivência. O humor negro é realçado na crônica, uma vez que a personagem que passava trote às demais, divertia-se ao perceber o resultado trágico de sua ação, por fim tornando-se ela também uma vítima. Dessa forma, o seu final inusitado e trágico é também cômico. Cabe falar aqui não apenas em ironia, mas citar a tão comentada expressão popular “ironia do destino”. 4.6 Lixo A crônica Lixo também faz parte da na obra O analista de Bagé, de Luis Fernando Veríssimo. Trata-se de um diálogo entre um homem e uma mulher que moram no mesmo prédio. Apesar de não serem amigos, nem conhecidos e nunca terem se falado, um sabia tudo sobre a vida pessoal do outro, pela análise do lixo. Na crônica, somente aparecem o homem e a mulher representando pessoas comuns, ou seja, o cotidiano do brasileiro. O humor aparece no decorrer da fala dos personagens, pois eles descobrem que um sabe tudo da vida do outro, mesmo sem se conhecerem direito somente pela observação do lixo. A crônica finaliza com um final inesperado, pois as duas personagens iniciam um relacionamento. Essa crônica mostra que aquilo que as pessoas descartam no cotidiano, serve de matéria-prima para o autor. E faz mais: prova que o bom cronista sabe que da banalidade do contidiano pode refletir a visão inusitada da realidade. Além disso, embora na época em que Veríssimo a escreveu, não se desse tanta importância à preservação do meio ambiente, e tampouco ao reaproveitamento de muitas coisas que vão parar no lixo, ele utiliza-o para mostrar que o lixo é resultado das ações e, às vezes, até dos sentimentos. Afinal, é por meio da observação e análise do lixo que o casal se conhece e começa a se relacionar. As personagens representam também aquelas pessoas que, apesar de estarem próximas, sendo vizinhos, morando até no mesmo prédio, não se conhecem. O encontro entre ambos foi casual. Isso ocorre principalmente nas cidades, onde cada um leva sua vida sem dar muita importância a quem mora ao lado, uma vez que a falta de tempo e a correria do dia-a-dia favorecem o individualismo. Analisando o nível do discurso, observam-se os recursos que possibilitam os efeitos irônico-críticos do texto. A estrutura dialógica predomina, uma vez que a estrutura descritiva ocorre apenas no primeiro parágrafo, em terceira pessoa, com verbos no tempo presente. É o diálogo, com verbos no tempo presente do indicativo, com frases curtas, reticentes e, às vezes, nominais que conduzem o leitor à surpresa final. Os efeitos irônicos e humorísticos vão surgindo à medida que a conversa flui e os interlocutores vão se conhecendo ao analisar o lixo. Por fim, a graça do texto reside no fato do autor extrair das coisas mais corriqueiras do cotidiano elementos ou temas para criar suas crônicas, por exemplo, o lixo que é assunto limitado a ambientalistas ou até a órgãos da saúde pública, torna-se para ele motivo para promover, ainda que na ficção, um encontro e, até desencadear os melhores sentimentos nos seres humanos. Divertido não é encontrar-se na área de serviço para depositar o lixo, divertido é se conhecer ao analisar o que está no lixo. 4.7 Papos O livro Comédias para se Ler na Escola é uma coletânea de crônicas de Luis Fernando Veríssimo, selecionadas pela escritora Ana Maria Machado, publicado no ano de 2001. Os temas abordados neste livro como Equívocos, Outros Tempos, De olho na Linguagem, Fábulas, Falando Sério, Exercícios de Estilo encontram-se divididos em capítulos. A escritora Ana Maria Machado (2001, p. 15), afirma que “ler os textos de Veríssimo é sempre uma gostosura. Puro prazer. Um jardim de delícias.” A crônica Papos é uma das trinta e cinco crônicas desse livro. Relata a conversa entre dois indivíduos em que um deles corrige os erros gramaticais da fala do outro. Um se mostra defensor da gramática normativa e pensa que ela é necessária para falar corretamente. O outro interlocutor utiliza a fala coloquial e começa a se irritar com as correções que o primeiro lhe faz. Percebe-se com isso que uma personagem representa um falante da língua culta, enquanto o outro representa os demais falantes que utilizam a linguagem coloquial. A crônica finaliza de um modo inesperado: com todo o “papo” sobre falar corretamente, o indivíduo falante da linguagem coloquial acabou esquecendo-se do que desejava contar. Trata-se de texto que se organiza segundo uma estrutura é dialógica, com alguns verbos no pretérito perfeito e a maioria no presente do indicativo. A ausência de um narrador, ao invés de empobrecer o texto, torna-o mais atraente e engraçado, e são as controvérsias na fala dos interlocutores que fazem surgir os efeitos humorísticos e irônicos. Isso ocorre a partir da tentativa de iniciar um processo de comunicação, que se torna difícil devido à falta de domínio da colocação pronominal: “— Me disseram...”, “— Disseram-me.”. Todavia o auge do humor ocorre no final do texto, quando o interlocutor esquece o que ia falar. Nessa crônica, fazendo uso do discurso direto, o narrador-personagem brinca com as palavras, ao mesmo tempo em que faz uma crítica à gramática normativa, mostrando assim que existe um grande distanciamento entre a fala culta ensinada nas escolas e fala coloquial utilizada no cotidiano. O alvo da crítica é a colocação pronominal que, na fala brasileira privilegia a próclise, em detrimento da ênclise. No diálogo, ao querer fazer uso da língua padrão, que soa estranho à outra personagem, o falante culto confunde o seu interlocutor, ao ponto de fazê-lo se esquecer do que ia falar. Em conseqüência disso, o processo de comunicação não se concretiza. Essa crônica retoma uma polêmica antiga da Língua Portuguesa relacionada à colocação pronominal, existente desde os primeiros modernistas, podendo ser citado Oswald de Andrade (1978, p. 125), com o poema intitulado “Pronominais” e o texto O colocador de pronomes, de Monteiro Lobato (1994, p. 113), Mário de Andrade (1974, p. 244), também faz sua crítica quando diz “[...] nós estamos ainda atualmente tão escravos da gramática lusa como qualquer português”. Com essa frase ele faz a crítica ao fato dos portugueses valorizarem em excesso o uso da ênclise enquanto que na fala brasileira há o predomínio da próclise. 4.8. Sexa A crônica Sexa é uma das trinta e cinco crônicas de Luís Fernando Veríssimo contidas no livro Comédias para se Ler na Escola. Trata-se de um diálogo entre pai e filho. O filho interroga o pai sobre o feminino da palavra “sexo”. O humor faz-se presente no diálogo ambíguo entre eles. Pai e filho não se entendem. Confundem gêneros gramaticais, ou seja, masculino e feminino com sexualidade. A ambiguidade, recurso bastante utilizado por Veríssimo, é a duplicidade de sentido que pode haver em uma palavra, uma frase ou até num texto inteiro. Quando empregada de forma intencional, torna-se um valioso recurso de expressão. É com essa finalidade que ela é amplamente utilizada em textos poéticos, composições musicais, textos publicitários e humorísticos. É com essa intenção que Veríssimo a utiliza em suas crônicas e, especialmente, nessa crônica, em que a palavra sexo, palavra masculina para a qual não há uma palavra feminina correspondente, gera o diálogo ambíguo do texto. As personagens são apenas o pai, o filho e a mãe, que aparece somente no fim da crônica. Trata-se de situação vivida por pessoas comuns, conforme atesta a linguagem coloquial nas falas dos personagens. Totalmente estruturada a partir dos recursos dialógicos, sem dispor reforços narrativos ou descritivos, o sentido do texto evolui sob a maestria do autor que dispensa a presença de um narrador Ao se utilizar apenas do discurso direto, com verbos no tempo presente e frases de contraste na comunicação entre pai e filho, consegue fazer uma reflexão a respeito de um tema bastante presente no cotidiano: a preocupação com o sexo e, em contrapartida, a despreocupação com a língua, ou melhor, com a gramática. É esse o ponto máximo do humor e da ironia: o menino deixa de ter um comportamento padrão porque não está preocupado com sexo. A crônica finaliza com o comentário do pai, informando a mãe, de que o filho somente pensa em gramática. Implicitamente, evidencia-se a preocupação do pai, de caráter machista: seria preferível que o filho se interessasse por sexo e não por gramática. Nota-se que Luis Fernando Veríssimo brinca com conceitos gramaticais para criar humor, finalizando, de modo inesperado, o texto. É válido lembrar uma frase bastante comum utilizada por falantes brasileiros, espécie de clichê: “Ele só pensa em sexo”, ou uma outra similar: “Só pensa naquilo”. Veríssimo, através da frase “Ele só pensa em gramática”, parodia a frase popular, fazendo uma crítica à importância que se dá a certas estruturas gramaticais em detrimento da fala coloquial. Demonstra, dessa forma, que há um grande distanciamento entre a língua que a escola ensina, principalmente na escrita, e a que se fala no cotidiano brasileiro. O final inusitado converte-se em humor, visto que pensar em gramática pode ser considerado motivo de preocupação, tanto quanto só pensar em sexo. Porém, a comicidade também está na insistência de uma criança preocupada com aspectos gramaticais e a perplexidade e embaraço do pai ao tentar responder à pergunta do filho. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS As crônicas de Luís Fernando Veríssimo são extremamente importantes para o incentivo à leitura por se tratar de textos moldados no humor e na ironia, agradando em cheio leitores de diferentes idades. É importante, neste contexto, refletir sobre o tipo de leitura que a escola oferece ao aluno, pois apesar dos clássicos de renome da literatura brasileira, é tempo de inserir obras pós-modernas, como as crônicas de Veríssimo, pois nelas constam elementos verdadeiramente atraentes para o estudante brasileiro, tão avesso à prática da leitura. Segundo se pôde observar, os elementos que constituem os textos do autor, falam de pessoas em diversas situações, tratados com maestria, construídos a partir de tipos tão conhecidos de todos os leitores, que acabam por trazer identificações e discussões amplas, sobretudo se estimulados em sala de aula, segundo os pareceres dos alunos da sétima série do Ensino Fundamental de uma Escola Estadual, já mencionada, consultados para a elaboração deste estudo. A partir da leitura das crônicas inseridas na obra Comédias para se Ler na Escola, pode-se observar a opinião dos alunos acerca dos textos do referido escritor, expressas em frases carregadas de espontaneidade. A atividade de leitura proposta, consistiu em leitura das crônicas, seleção de crônicas para leitura oral e dramatizada e, posteriormente, manifestação de impressões de leitura por escrito. Dessas impressões de leitura, destacam-se algumas frases ilustradoras do que se vem afirmando: “[...] nunca havia lido um livro dele e adorei todas as histórias.” “Nunca havia lido nenhuma obra desse autor e achei muito legal, um livro bem humorado e divertido”. “Eu não conhecia esse autor e nunca tinha lido um livro dele” Ditas por estudantes de sétima série, fazem pensar a respeito da educação literária nas escolas que, em geral, não oferece à leitura um autor do nível de Veríssimo. Outras opiniões dos estudantes, como “histórias engraçadas”, “as histórias têm um sentido bizarro, que anima o astral das pessoas”, “... que mais gostei é Sexa [...] e a pessoa se anima lendo”, “É raro as pessoas falarem que não gostam de leitura após lerem um livro dele”. “A leitura nos leva ao céu”. A brevidade dos textos também chamou a atenção dos pesquisados, como por exemplo, do aluno que respondeu: “Todos os textos foram muito bem interpretados. Apesar de pequenos, consegui entender todos”. Também a variedade de temas foi aprovada pelos estudantes em questão: “Foram apresentadas histórias de todos os tipos”. A visão de outro estudante aponta: “O Luis Fernando Veríssimo é um escritor ótimo, várias histórias super-engraçadas ou até mesmo poesias lindas”. O humor e outros elementos não passaram despercebidos pelos alunos pesquisados: “Sem dúvida ele é um tremendo autor, vou com certeza procurar ler todo o livro e procurar outros livros desse autor que pareceu ser hilário [...]”. “Luis Fernando Veríssimo, para mim, é um dos melhores autores de humor que eu já li. Ele sabe fazer com que você se interesse pela história”. “Misturou em seu livro [...] comédia, terror, alegria, outras sensações e isso ficou um livro que prende a pessoa até ela terminar de ler”. Referências ao ensino da gramática também foram destacadas: “[...] ensina ao leitor, ele nos dá uma aula de gramática com muito bom humor. Um jeito diferente de aprender, mas muito interessante”. “Ele é um grande escritor. Faz belas histórias, sabe rimar, todas as palavras com pontuação. Em todos os lugares certos.”. “Eu achei muito interessante, pois com a leitura [...] nós exercitamos nossa forma de falar. Se falarmos errado, com esse texto, já vamos saber a forma correta”. O elogio sincero ao autor e a questão da cultura foram abordadas: “É muito difícil alguém escrever como ele escreve, e devemos admirar o seu trabalho. Ele é mais uma pessoa que ajuda no desenvolvimento da cultura brasileira.”. As opiniões dos estudantes definem e respondem exatamente os objetivos deste estudo que é a inserção dos textos de Veríssimo na escola, como forma de incentivar a leitura, demonstrando que, de fato, despertam o interesse e a admiração do público alvo. A partir do resultado deste estudo, que superou as expectativas, a escola deve rever sua postura, sobretudo os professores de Língua Portuguesa, que na sua maioria, prendem-se somente a autores considerados clássicos (e obrigatórios pela escola) na literatura, em detrimento dos pós-modernos, como no caso de Veríssimo, que foi muito bem recebido pela turma pesquisada. O estudo trouxe a certeza de que é possível reverter a situação de desinteresse pela leitura, que é um maiores problemas da educação brasileira. Aqui caberia a conhecida frase: “Quem não lê, mal ouve, mal fala e mal vê”. REFERÊNCIAS ANDRADE, Mário de. Aspectos da Literatura Brasileira. 5 ed. São Paulo: Martins, 1974. ALMEIDA, Carlos Alberto. A Cabeça do Brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2007. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso in: estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso in: estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BENDER, Flora; LAURITO, Ilka. História, Teoria e Prática. São Paulo; Scipione, 1993. BIASI, Rodrigues B. A diversidade de gêneros textuais no ensino: um novo modismo? In: perspectiva. Revista do Centro de Ciências da Educação. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Educação. Florianópolis, v. 20, n. 01, jan./jun. 2002. Editora da UFSC: NUP/CED. BONINI, A. Metodologias do ensino de produção textual: a perspectiva da enunciação e o papel da Psicoloingüísticas. In: perspectiva. Revista do Centro de Ciências da Educação. Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Educação. Florianópolis, v. 20, n. 01, jan./jun. 2002. Editora da UFSC: NUP/CED. BRASIL. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, v. 2, 1997. BRASIL. Linguagem, códigos e suas tecnologias/Secretaria de Educação Básica. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. COUTINHO, Afrânio. Notas de teoria literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. DUARTE, Leila Parreira. (et. all.) Humor e ironia da literatura. Campinas (SP): Anais do XXVI Senapulli 24 a 28 de janeiro de 1994. D’ANGELI, Concetta; PADUANO, Guido. O cômico. (Trad) Caetano da Waldrigues Galindo. Curitiba: UFPR, 2007. FONTANINI, I. Cartas ao editor: a linguagem como forma de identificação social e ideológica. In: MEURER, J. M., MOTTA-ROTH (Orgs.). Gêneros textuais. Bauru: EDUSC, 2002. Gêneros: teorias, métodos, debates. (Org) J. L. Meurer, Adair Bonini, Désirée Motta-Roth. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. KONZEN, Paulo César. Ensaios sobre a arte da palavra. Cascavel: Edunioeste, 2002. LARROSA, Jorge. Pedagogia profana. 4 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. LOBATO. Monteiro. Negrinha. São Paulo: Brasiliense, 1994. MACHADO, A. R., BEZERRA, M. A. (Orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. MAGNANI, Maria do Rosário Mortatti. Leitura, literatura e escola. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P. MOISÉS, Leila Perrone. Altas Literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. MORAES, Marcos Antonio de. Cartas, um gênero híbrido e fascinante. Jornal da Tarde, Caderno de Sábado. São Paulo, 28 out. 2000, p.1. OLIVEIRA, Mariana Morais. As Colunas da Atualidade: um gênero do discurso. Disponível em: http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno05-06.html. Acesso em 12/01/2009. POSSENTI, Sírio. Os humores da língua: análises, lingüísticas de piadas. Campinas: Mercado de Letras, 1998. SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Ática, 1985. SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação, Ciência e tecnologia. Proposta Curricular de Santa Catarina: Estudos Temáticos. Florianópolis: IOESC, 2005. SANTOS, Maria Aparecida Paiva Soares dos. Democratizando a leitura: pesquisas e prática. Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2004. SILVA, V. L. P. Variações tipológicas no gênero textual carta. In: KOCH, I. V.; BARROS, K. S. M. (Orgs.). Tópicos em lingüística de texto e análise de conversação. Natal: EDUFRN, 1997. SILVA, V. L. P. Forma e função nos gêneros de discurso. São Paulo: Alfa, 1997. Disponível em: http://www.filologia.org.br/soletras/2/06.htm. Acesso em: 23 jan. 2009. SILVA, Ezequiel Theodoro. Produção da leitura na escola. São Paulo: Ática, 1995. Sumérios: História dos Sumérios, Suméria, Mesopotâmia, cultura, civilização, escrita cuneiforme. Disponível em: http://www.suapesquisa.com/pesquisa/sumerios.htm. Acesso em: 07 mar. 2009. SWALES, J. M. Genre analysis: english in academic and research settings. New York: Cambridge University Press, 1990. TEMÁTICA BARSA. Língua e literatura. Rio de Janeiro: Barsa Planeta, 2005. VERÍSSIMO, Luis Fernando. O mundo é bárbaro e o que nós temos a ver com isso. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. _______________________. As mentiras que os homens contam. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. _______________________. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva. 2001. ______________________. O melhor das comédias da vida privada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. ______________________. O analista de Bagé. São Paulo: Círculo do Livro, 1982. XIMENES, Sérgio. Minidicionário Ediouro da Língua Portuguesa.2ed. São Paulo: Ediouro, 2000. ZILBERMAN, Regina. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1988. FOLHA DE S. PAULO, 29 mar. 1998. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. O dicionário da língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2008 ANDRADE, Oswald de. Obras completas: poesias reunidas. 5 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.p.125. GRIFFI, Beth. Literatura, gramática e redação. 1 ed. São Paulo: Moderna, 1991. Disponível em: /www.pensador.info/autor/Luis_Fernando_Verissimo/biografia/. Acesso em: 08 mar. 2009. ANEXOS