Cardernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura e humor, nº 37, p. 15-18, 2º sem. 2008 15 ENTREVISTA com Luis Fernando Veríssimo Por Fernando Afonso de Almeida Luis Fernando Veríssimo nasceu em 26 de setembro 1936, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Jornalista, iniciou sua carreira no jornal Zero Hora, em Porto Alegre, em fins de 1966, onde começou como copydesk. A partir de 1969, passou a escrever matéria assinada, quando substituiu a coluna do Jockyman, no Zero Hora. O sucesso de sua coluna garantiu o lançamento, naquele ano, do livro “A Grande Mulher Nua”, uma coletânea de seus textos. Escritor prolífero, são de sua autoria, dentre outros, O Popular, A Grande Mulher Nua, Amor Brasileiro, publicados pela José Olympio Editora; As Cobras e Outros Bichos, Pega pra Kapput!, Ed Mort em “Procurando o Silva”, Ed Mort em “Disneyworld Blues”, Ed Mort em “Com a Mão no Milhão”, Ed Mort em “A Conexão Nazista”, Ed Mort em “O Seqüestro do Zagueiro Central”, Ed Mort e Outras Histórias, O Jardim do Diabo, Pai não Entende Nada, Peças Íntimas, O Santinho, Zoeira , Sexo na Cabeça, O Gigolô das Palavras, O Analista de Bagé, A Mão Do Freud, Orgias, As Aventuras da Família Brasil, O Analista de Bagé,O Analista de Bagé em Quadrinhos, Outras do Analista de Bagé, A Velhinha de Taubaté, A Mulher do Silva, O Marido do Doutor Pompeu, publicados pela L&PM Editores, e A Mesa Voadora, pela Editora Globo e Traçando Paris, pela Artes e Ofícios. Possui também textos de ficção e crônicas publicadas nas revistas Playboy, Cláudia, Domingo (do Jornal do Brasil), Veja, e nos jornais Zero Hora, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e, a partir de junho de 2.000, no jornal O Globo. Por ser um dos autores mais representativos do humor em nossos dias, foi convidado para esta entrevista de abertura da seção Dossiê deste número dos Cadernos de Letras cuja temática é LETRAS E HUMOR. 1) O convite para a entrevista de abertura dos Cadernos de Letras da UFF – dedicado ao humor e à ironia – o coloca merecidamente como um dos autores mais representativos do humor em nossos dias. Está difícil ou mais fácil fazer humor no Brasil de hoje? Você acha que o brasileiro é um povo que tem senso de humor? 16 Almeida, Fernando Afonso de Entrevista Luis Fernando Veríssimo O brasileiro tem muito senso de humor e eu acho que isso não depende muito da época ou das circunstâncias, se bem que é obviamente difícil manter o bom humor em situações de crise social. Mas como vivemos numa crise social mais ou menos crônica, acabamos nos adaptando, e adaptando o nosso humor. 2) Certamente por ressaltar o erro e o defeito, a comédia foi tida, durante muito tempo, como um gênero menor, sobretudo se comparada à tragédia. Por que será que, durante tanto tempo, dignidade e humor não formavam um bom par? Seria a consciência cômica uma realidade dos novos tempos? Apesar de não saber bem o que quer dizer pós-moderno acho que o uso do humor com um propósito mais elevado, ou mais “sério”, é uma característica pós-moderna. A experiência moderna é a do absurdo e nada para tratar o absurdo como o humor, que é a arte do non-sense. O humor pode ser o pósabsurdo, ou o absurdo como paródia. 3) Vários pensadores contemporâneos tentaram definir os fenômenos relacionados com o riso, como Freud, Bergson, Bakhtin, entre outros, trazendo reflexões por vezes muito genéricas, por vezes muito parciais. Qual o papel do humor na sociedade? Não sei se o humor tem um papel na sociedade. Acho que ele existe acima de tudo para movimentar aqueles músculos que a gente usa para rir, que de outra forma só seriam usados para chorar, um desperdício. 4) Nos dias de hoje, ao se abrir o jornal em busca de um espetáculo, verificase que há uma verdadeira explosão do gênero comédia. O que tem o humor de tão fascinante para a nossa época? Há mais maneiras de ser criativo, se bem que nem sempre ser conseqüente ou importante, fazendo comédia do que fazendo drama. O humor depende muito, entre outras coisas, da surpresa, enquanto o drama depende mais de uma empatia que a surpresa até atrapalharia. Será isso? Enfim, é por aí. Cardernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura e humor, nº 37, p. 15-18, 2º sem. 2008 17 5) Das diferentes vertentes existentes atualmente, qual é o tipo de humor que você prefere enquanto leitor/espectador/ouvinte? Mais o humor falado do que o humor físico e mais o sutil do que o caricato, se bem que o escorregão na casca de banana continue funcionando. Acho que não se deve desprezar nenhum tipo de humor, mesmo o chamado popular, que nem sempre é tão fácil quanto parece. Mas gosto do humor que me surpreenda pela sacada, pela originalidade, e não pelo esperado. 6) Há cenas humorísticas que ridicularizam certos grupos (judeus, negros, homossexuais, louras...) e que são consideradas cenas politicamente incorretas. Pode-se, a partir daí, acusar o humor de ser reacionário, preconceituoso? Existiria um limite entre o correto e o incorreto? O riso pode incursionar por todas as regiões do território humano? O humor estereotipado é uma coisa que está acabando, felizmente. A gente ironiza o politicamente correto mas o fato é que não se vê mais tantos estereótipos antigos como o “negrão” careteiro, a bicha louca, o judeu da prestação, etc. Agora, o humor segue os preconceitos de uma sociedade e seu alvo, ou o seu sujeito, é sempre o diferente, o que foge do “normal” . E a tentação do duplo sentido, da analogia sexual principalmente, é forte demais para que se abandone todos os clichês. 7) Observa-se atualmente uma presença bastante freqüente de textos humorísticos (charges, tirinhas, crônicas) em livros didáticos e provas de exames vestibulares. Você acredita que o humor possa ser um incentivo para a leitura e a interpretação de textos? O humor é uma forma de tornar o texto ou a lição mais atraentes. Nesse sentido, é uma grande ajuda. 8) Teria o humor uma relação com o avesso das coisas? Se assim for, é verdade que quem se propõe a fazer humor está exposto a um risco maior? Não sei se entendi a pergunta. Um risco maior de represálias? Não sei. A gente está sempre exposto a não entenderem a piada. 18 Almeida, Fernando Afonso de Entrevista Luis Fernando Veríssimo 9) Fazer humor se aprende na escola, como ler e escrever? Se aprende lendo e vendo o que os outros fazem, mas isto também pode vir num contexto acadêmico. Existem técnicas transmissíveis de redação e interpretação de humor. Não conheço nenhum exemplo de alguém que tenha se formado em humor, mas as aulas existem. 10) Durante uma conversa, ouvi alguém que parodiava um conhecido provérbio dizer: “Quem ri de si próprio ri melhor”. Essa formulação faz sentido para você? Acho esse provérbio melhor do que aquele, preconceituoso, que diz que quem ri por último geralmente é surfista. Concordo, rir de si próprio é muito saudável.