A Lei Maria da Penha e a violação de Direitos Humanos: articulações entre
gênero e raça em processos judiciais na cidade de Porto Alegre
Marcia Helena de Souza Lima¹, Maria Beatriz Rocha Vieira de Souza¹, Luis Felipe Bica
Martins¹, Raquel da Silva Silveira (orientadora)¹
¹Curso de Direito, UniRitter
Introdução
O presente trabalho integra a pesquisa “Violências contra as mulheres e a Lei Maria da
Penha: a interseccionalidade gênero/raça e seus efeitos na violação de Direitos Humanos”,
desenvolvida no Curso de Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis – UniRitter e em
parceria com o Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul –
UFRGS. Esta pesquisa é fruto do trabalho extencionista na temática da violência contra a
mulher, desde 2005, nas referidas IES e que gerou a ação de mediação no Juizado de
Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Porto Alegre em 20091.
A interdisciplinaridade proporciona a união de saberes que é essencial para a
ampliação do olhar sobre as múltiplas violências perpetradas contra as mulheres. Segundo
Vasconcelos (2002), as práticas interdisciplinares promovem mudanças estruturais, geram
reciprocidade e muito enriquecimento. As relações de poder entre os campos de saber
envolvidos tendem a se horizontalizar, emergindo a construção de uma problemática comum,
num trabalho conjunto de análises teóricas e estratégias de enfrentamento da mesma.
O objetivo geral do trabalho é identificar qual a visibilidade que as questões de gênero
e raça têm nos processos judiciais da Lei Maria da Penha que tramitam no Juizado de
Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Porto Alegre e, se existente, quais os
encaminhamentos e articulações específicos que se configuram.
Num universo de 13.600 processos ajuizados e uma média de 430 audiências mensais,
a Lei 11.340/96 toma corpo e parte na busca do devido reconhecimento, pelos operadores do
Direito, dos enfrentamentos sofridos pelas mulheres das diferentes regiões de Porto Alegre.
Metodologia
O recurso teórico-metodológico é a análise das práticas discursivas e não-discursivas
de Foucault (1999, 2000), que potencializa reflexões sobre “como se configuram os discursos/
verdades que sustentam os processos de subjetivação” (Nardi, Tittoni, Giannechini e
Ramminger, 2005).
1
¹ LIMA, M.H.S., PAPINI, P.A. A mediação interdisciplinar na busca da efetivação da Lei Maria Penha:
um estudo de caso no Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Anais da V
SEPesq. UniRitter . Anais do IV Salão de Iniciação Científica e Extensão. IPA. Porto Alegre, 2009.
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O estudo situa-se no campo da pesquisa qualitativa, com caráter exploratório,
apresentando análises parciais sobre a materialidade de alguns processos no Juizado, bem
como observações de audiências, tanto para identificar os discursos sobre a violência de
gênero, quanto investigar como as questões de raça emergem ou não nos autos.
O Juiz Titular do referido Juizado reconheceu a relevância do tema, permitindo a
realização do trabalho em campo mediante a assinatura de um Termo de Confidencialidade
sobre os processos analisados, comprometendo-nos de que as informações extraídas dos
processos serão analisadas de forma coletiva, com sigilo total sobre a identidade das partes
envolvidas, conforme aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa.
As observações das audiências iniciaram no mês de abril e foram registradas no diário
de campo, o que possibilitará, juntamente com a análise dos processos pertinentes, uma
reflexão teórica acerca dos sentidos que se apresentam na interseccionalidade dos conceitos
gênero e raça.
Resultados
A pesquisa apresenta, até o momento, resultados parciais das observações realizadas
em 26 audiências, no período compreendido entre 13 de abril e 07 de junho do corrente ano.
A partir do que foi apreendido das audiências, constatou-se que emergem questões de
gênero no diálogo que o Juiz estabelece com as partes. Já quanto à questão racial prevista na
própria Lei 11.340/06 em seu artigo 2º, esta se apresenta, até o presente momento, de forma
invisível, não oportunizando a apreensão de questões que poderiam emergir e serem captadas
da observação direta. Constatou-se, também, que no quesito raça, a maioria das vítimas e dos
agressores seria classificada como branca.
O uso abusivo do álcool pelos agressores é um dado verificado de forma significativa
nas audiências observadas. Isto é uma das variáveis apontadas nos estudos de violência de
gênero (Soares, 1999). A partir de nossa experiência anterior no projeto de extensão (Silveira,
2009) realizado no Juizado em 2009, percebe-se uma mudança na abordagem e compreensão
do uso de drogas e suas relações com a violência de gênero, passando de uma patologização
individual de causalidade direta para uma compreensão complexa das relações de poder aí
envolvidas.
Conclusão
Segundo Schraiber (2005), a violência de gênero constitui uma questão social bastante
complexa e difícil, pois não é qualquer violência; em certa medida, deve ser objeto das
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sanções que regem a violação dos direitos e das leis; em outra medida, objeto de intervenções
que melhorem o convívio social e privado das pessoas, que não dizem respeito apenas à
ordem ou à legalidade do viver em sociedade, mas sobretudo à ética da igualdade entre
humanos, sejam quais pessoas forem, e ao estímulo à ética da solidariedade, tanto social
quanto individual.
Num país marcado pelas desigualdades, encontramos mecanismos de exclusão
profundamente arraigados e que retratam, nas oportunidades oferecidas aos negros, uma
desigualdade de acesso à educação, ao emprego, aos postos de decisão, ou seja, as
discrepâncias em relação ao que é oportunizado ao contingente branco da população.
Nessa esteira, a interseccionalidade gênero/raça poderá proporciona o retrato das
desigualdades em cada setor de nossa sociedade, onde os negros são discriminados pela cor
ou raça, e as mulheres pelo sexo. Para a compreensão dessa realidade nos apropriamos do
conceito de Crenshaw (2002): “Interseccionalidade é uma conceituação do problema que
busca capturar as conseqüências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos
de subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a
opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que
estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras”.
As análises aqui apresentadas foram construídas de forma preliminar, pois somente a
partir de toda a coleta de dados poderemos obter um retrato mais completo da forma como as
questões de gênero e raça se depreendem das situações de violência contra as mulheres.
Referências
CRENSHAW, K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação
racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas. Vol. 10, Nº 1 (2000), pp. 171 – 188.
FOUCALT, M., A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
_____________ Microfísica do Poder: Rio de Janeiro: Graal, 1999.
NARDI, H.C., TITTONI, J., GIANNECHINI, L. & RAMMINGER, T. Disponível em: http://
scielo.br.scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2005000400007.
Acessado
em
05.abr.2010.
SCHRAIBER, L.B e d’OLIVEIRA, A.F., Violência dói e não é direito – a violência contra
a mulher, a saúde e os direitos humanos. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
SILVEIRA, R. Violências contra a Mulher e o trabalho extensionista: problematizando
os limites de atuação junto ao Poder Judiciário. Anais da V SEPesq. Porto Alegre:
UniRitter, 2009.
VASCONCELOS, E, M., Complexidade e Pesquisa Interdisciplinar: epistemologia e
metodologia operativa. Porto Alegre: Vozes, 2002.
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