CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADES CEARENSES
MARIA ANGÉLICA TABOSA MILFONT
A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS
FORTALEZA - CEARÁ
2014
MARIA ANGÉLICA TABOSA MILFONT
A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS
Monografia apresentada no curso de
graduação do Centro de Ensino Superior do
Ceará, Faculdade Cearense, como exigência
final para obtenção do título de Bacharel em
Direito, sob a orientação do professor Ms.
José Péricles Chaves.
FORTALEZA - CEARÁ
2014
“Filho, não esqueça os meus ensinamentos; lembre
sempre dos meus conselhos. Os meus ensinamentos lhe
darão uma vida longa e cheia de sucesso. Não abandone
a lealdade e a fidelidade; guarde-as sempre bem
gravadas no coração. Se você fizer isso, agradará tanto a
Deus como aos seres humanos.” Pv. 3.1-4.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha mãe, Salete Ponciano, uma
grande mulher, que me ensinou o caminho a seguir e me
incentivou em todos os momentos da vida. A ela, que é
minha base, meu alicerce, minha força e nos momentos
em que eu já não aguentava mais, ela me carregava em
seus braços, como se por um momento eu pudesse ser
novamente a sua criança de colo. Obrigada minha mãe,
minha guerreira, por ter me conduzido até a concretização
deste sonho. Prometo nunca esquecer de seus
ensinamentos e seguir em frente com ética e
determinação. Te amo!
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu Senhor e Salvador, Jesus Cristo, por ser meu pai,
amigo e companheiro em todos os momentos que passei sozinha, madrugada afora,
lendo, estudando e escrevendo esse trabalho, do qual tanto me orgulho agora.
A minha mãe, Salete Ponciano, por me incentivar e me ajudar em todos os
momentos desse longo percurso de estudos e abstenções e ao meu pai, Silvio
Tabosa (in memorian), que sei que se ainda estivesse aqui estaria muito feliz e
orgulhoso por formar a sua “causídica”, como ele me chamava.
Ao meu ex-marido, irmão e amigo Fábio Milfont, por me compreender e me
apoiar nos momentos mais difíceis que já passei e nos mais felizes também. Por
estar sempre ao meu lado e por ficar com nossos filhos todas as vezes que eu
precisava estudar ou trabalhar.
Aos meus filhos, Yasmin Tabosa e Dimitri Tabosa, pelo amor e paciência
que sempre dedicaram a mim e que me compreenderam todas as vezes que
precisei ficar longe para estudar. Amo a vocês, meus amores mais preciosos.
Agradeço aos meus irmãos Silvio Filho, Nalinda, Natália e Natanael por
fazerem parte desse momento tão especial da minha vida.
Ao meu amigo e companheiro de todos os anos de faculdade, Lucivan
Costa, que sempre esteve comigo em todos os momentos em todos os trabalhos e
em todas as provas, que me chamou a atenção todas as vezes que fiz escolhas
erradas, mas que nunca saiu do meu lado e sempre me apoiou em tudo o que fiz.
A minha linda amiga amarela, Rachel Maia, companheira de todas as horas,
que nunca me deixou na mão. Estava sempre lá, perto de mim, do meu lado,
inclusive nas caronas no começo da faculdade.
Agradeço, também, a todos os meu amigos inesquecíveis, Diana Maciel,
Gilberto Thomás, Paloma Lucena, Tayana Bizarria, Ana Paula Porfírio, Gustavo
Magalhães, Leidiane Neves, Luciano Costa, Creuza Sousa, sem esquecer,
principalmente, da Tatyana Teófilo, que esteve comigo no momento mais difícil da
minha vida. Adoro a todos vocês.
Por fim, não poderia deixar de agradecer aos meus professores e mestres,
Péricles Chaves, Mabel Chaves, Ninon Tauchmam e a todos os outros, pelo trabalho
que sempre desempenharam com tanto amor e tanta dedicação e em especial a
Anarda Araújo, por ter aceitado me ajudar a concluir este trabalho.
RESUMO
Analisando o constante debate entre doutrina e jurisprudência no que concerne à
legitimidade do ministério público na condução de investigações criminais, a
presente pesquisa busca demonstrar, por meio de uma análise bibliográfica, o quão
importante é a ampliação da esfera de atuação dos membros do parquet. Pretendese demonstrar, também, através do contexto histórico e dos amparos constitucionais
e infraconstitucionais, que o ministério público é uma instituição extremamente
importante, que busca defender os interesses sociais e o regime democrático de
direito. Para tanto, é necessário apontar a sua evolução constitucional, identificando
os princípios que a regem e observando de que forma a constituição federal de 1988
dotou o órgão ministerial de autonomia funcional e administrativa, consolidando os
anseios sociais. Discorre ainda, sobre os direitos e garantias constitucionais,
fazendo-se notar, inclusive, que o parquet fora criado para ser o titular exclusivo da
ação penal pública. Destaca-se, também, a forma como é conduzida a investigação
criminal pelo ministério público, comprovando que a polícia judiciária não possui o
monopólio para investigar crimes e quais os outros órgãos que também possuem
essa característica. Por fim, é feita uma breve análise sobre a Resolução nº 13/06 e
a tão debatida PEC 37, destacando as posições jurisprudenciais e, ao final,
demonstrando a verdadeira legitimidade do ministério público em proceder às
investigações criminais.
Palavras-chave: ministério público. Investigação criminal. Legitimidade. Autonomia
funcional e administrativa.
ABSTRACT
Analyzing the constant debate between doctrine and jurisprudence with regard to the
legitimacy of the Public Ministry in the conduct of criminal investigations, the present
research seeks to demonstrate, by means of a literature review, how important is the
expansion of the sphere of action of the members of the Parquet Floor. It is intended
to demonstrate also, through the historical context and the sustain infrastructure
constitutional, constitutional and that the Public Ministry is a very important institution,
which search defend the social interests and the democratic system of law. For both,
it is necessary to point out its constitutional developments, identifying the principles
that govern it, and observing how the Federal Constitution of 1988, endowed the
ministerial component of functional autonomy and administrative, consolidating the
social concerns. Still, discourses about the rights and constitutional guarantees,
doing-if you notice, including that the Parquet floors outside created to be the holder
of exclusive public criminal action. It is also highlighted, how it is conducted the
criminal investigation by the Public Prosecutor, proving that the judicial police does
not have the monopoly to investigate crimes, and what other components that also
have this characteristic. Finally, it is done a brief analysis on the Resolution no. 13/06
and the much-discussed PEC 37, highlighting the positions jurisprudential and at the
end, showing the true legitimacy of Public Ministry in carrying out criminal
investigations.
Key-words: public ministry. Criminal investigation. Legitimacy. Functional autonomy
and administrative.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO………………………………………………………………....….....… 10
2 O MINISTÉRIO PÚBLICO E SUA EVOLUÇÃO NA HISTÓRIA.............................12
1.1 A evolução constitucional do ministério público no Brasil...........................14
1.2 Princípios institucionais....................................................................................18
1.2.1 Princípio da unidade..........................................................................................18
1.2.2 Princípio da indivisibilidade...............................................................................19
1.2.3 Princípio da independência funcional................................................................19
1.3 garantias e funções dos membros do ministério público..............................20
1.3.1 Garantias constitucionais..................................................................................20
1.3.1.1 Vitaliciedade..................................................................................................20
1.3.1.2 Inamovibilidade..............................................................................................21
1.3.1.3 Irredutibilidade de subsídio............................................................................21
1.3.2 Funções institucionais......................................................................................21
2 A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS INVESTIGAÇÕES
CRIMINAIS.................................................................................................................24
2.1 Conceito e finalidade da investigação criminal...............................................24
2.2 O inquérito policial.............................................................................................25
2.2.1 Conceito............................................................................................................25
2.2.2 Características do inquérito...............................................................................26
2.3 A inexistência da exclusividade da polícia judiciária na condução da
investigação criminal...............................................................................................27
2.3.1 Inquéritos extrapoliciais.....................................................................................27
2.4 A atuação do ministério público nas investigações criminais......................28
2.4.1 Teoria dos “Poderes Implícitos”.........................................................................29
2.4.2 O ministério público e a sua relação com a investigação criminal....................30
2.4.3 Breve exposição sobre a posição contrária à legitimidade da investigação
criminal pelo ministério público...................................................................................33
2.4.3.1 O controle externo.........................................................................................33
2.4.3.2 O sistema de freios e contrapesos................................................................34
3 A ATRIBUIÇÃO INVESTIGATÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO E A POSIÇÃO
DOS TRIBUNAIS.......................................................................................................35
3.1 Resolução nº 13/06 do CNMP............................................................................35
3.2 Proposta de Emenda Constitucional 37/2011 (PEC 37)..................................36
3.3 A posição do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça
frente às investigações criminais do Ministério Público......................................39
CONCLUSÃO............................................................................................................46
BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................48
10
1 INTRODUÇÃO
O combate à criminalidade vem se tornando um objeto de estudo cada
vez mais complexo. Portanto, temos que a repressão a esses atos devem ser feitos
de forma contundente e eficaz, buscando a diminuição da impunidade e estudando
novos mecanismos que possam intimidar essa evolução, protegendo, assim, o
estado democrático de direito.
Com o advento da constituição federal de 1988, surgiu em nosso
ordenamento jurídico com referência expressa e com autonomia funcional e
administrativa, o órgão do Ministério Público, que viria consolidar os anseios sociais
por uma democracia efetiva e eficaz.
No entanto, junto com o surgimento do ministério público, apareceram
também algumas dúvidas em relação às suas funções. Uma delas é se o parquet
tem legitimidade em proceder às investigações criminais. De fato, a carta magna
estabeleceu em seu artigo 129, inciso I, que é função institucional do ministério
público, promover, privativamente, a ação penal pública. A partir daí, surgiram
grandes controvérsias em relação a quem caberia efetivamente a titularidade das
investigações criminais, uma vez que no artigo 144º, § 4º da CF/88, incumbiram-se
às polícias civil e federal as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações
penais.
Para conduzir esse assunto, iremos fazer uma análise histórica do
surgimento do ministério público e todos os percalços enfrentados por ele até ser
consagrado como uma instituição permanente e desatrelada da representação
judicial da União. Também será aprofundada a questão, verificando se cabe
somente à polícia judiciária o poder de investigar, ou se também é atribuição do
órgão ministerial, o qual busca a solução de crimes mais complexos e o combate à
corrupção.
Dessa forma, pretende-se demonstrar que o ministério público teria uma
melhor condição de formar a sua opinio delict, se dispusesse de melhores
embasamentos para a propositura da ação penal, uma vez que tem poderes legais
para transigir, requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito
policial.
Embora o debate entre doutrina e jurisprudência demonstre um acirrado
confronto entre a polícia judiciária e o ministério público, no que concerne ao poder
11
de investigar criminalmente a presente pesquisa procurará demonstrar como os
tribunais já vêm pacificando o assunto e formando o seu entendimento, de maneira a
defender o estado democrático de direito do monopólio de instituições frágeis.
Por fim, pretende-se apontar ao final deste trabalho a real possibilidade
da condução direta das investigações criminais pelo ministério público brasileiro, a
fim de combater a criminalidade e a impunidade, colaborando, assim, para uma
sociedade mais justa e igualitária.
12
2 O MINISTÉRIO PÚBLICO E SUA EVOLUÇÃO NA HISTÓRIA
Não é fácil buscar a origem do ministério público, uma vez que sempre
houve grande polêmica em relação às peculiaridades frentes ao seu surgimento.
Alguns estudiosos costumam apontar que há mais de quatro mil anos havia a figura
de um funcionário real conhecido como “magiai,” do antigo Egito e um ministério
público insipiente. Eles tinham o dever de acolher os pedidos dos homens justos,
denunciar os delitos dos magistrados, ouvir as notícias de delitos e punir os violentos
e os rebeldes.
Segundo textos descobertos em escavações no Egito, tal funcionário era a
língua e os olhos do rei; castigava os rebeldes, reprimia os violentos,
protegia os cidadãos pacíficos; acolhia os pedidos do homem justo e
verdadeiro, perseguindo o malvado mentiroso; era o marido da viúva e o pai
do órfão; fazia ouvir as palavras da acusação, indicando as disposições
legais que se aplicavam ao caso; tomava parte das instruções para
1
descobrir a verdade (MAZZILLE, 1991, p. 1).
No século VIII a.C., na Grécia Antiga, tínhamos a figura dos “themotetis”
ou “tesmotetas”. Eram tempos da oligarquia grega, um “arcontado” passou a exercer
o governo, que era composto por seis membros, retirados dentre os arcontes e
formavam um conselho responsável pela fiscalização da execução das leis em
Atenas.
Também havia, por volta do século VII a.C., cinco magistrados eleitos
anualmente na cidade grega de Esparta, a instituição dos éforos, que formavam um
tribunal criado para controlar os atos dos dois reis espartanos e dos 28 membros,
escolhidos entre cidadãos espartanos com mais de 60 anos, que compunham a
câmara, chamados de gerontes. Os éforos eram os responsáveis pela execução da
legislação e pelo exercício da lei penal e que daí poderia se dizer que eles seriam os
parentes antigos do ministério público.
Na Roma Antiga haviam os “fisci advocatum” ou “censores”, que tinham
por obrigação a manutenção da ordem pública. Sobretudo em Roma, até então,
quando era cometido um crime, o “juiz-inquisitorial”, que era um agente público que
cumulava as funções de acusador e juiz, tinha a obrigação de fazer a acusação,
produzir as provas e finalizava a acusação com o seu julgamento. Nessa época,
esse modelo de processo penal, não à toa, era chamado de inquisitivo.
1
MAZZILLI, Hugo Nigro. O promotor natural, o controle da inércia do ministério público e as
diligências requisitadas no inquérito policial. Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais,
v. 91, n. 796, p. 509-520, FEV/2002.
13
Por outro lado, os franceses começaram a desenvolver um processo
penal visto de forma diversa. Eles perceberam o óbvio, isto é, que não havia como
ser realizado um julgamento justo enquanto os papéis de acusador e juiz se
fundissem na mesma figura. Ora, a experiência demonstrou que a imparcialidade
restava comprometida, uma vez que quem julga uma acusação promovida por si
próprio tende a apegar-se ao seu teor, tomando-a como verdadeira e inclinando-se
sempre a acolhê-la.
A partir daí, foram divididas as atribuições de cada órgão, o ministério
público acusando os delinquentes e os infratores e o Judiciário, agora composto
apenas pelo juiz, julgando as acusações que aquele formulava. Passaram então a
existir os primeiros membros do ministério público, sendo denominados “procureurs
du roi” (procuradores do rei). Eram juízes, ou magistrados especiais, designados
para proceder a acusação. Contudo, foi durante o reinado de Felipe IV, conhecido
como Felipe, “o Belo” (1285-1314), que o ministério público se revela como
instituição.
Em 25 de março de 1302, a ordenança é considerada o dia do
nascimento do ministério público, no qual foram reguladas as competências dos
procuradores do rei e instituindo-o como magistratura especial, com a exclusiva
obrigação de perseguir os fatos criminosos e os delinquentes de delitos conhecidos.
Como fossem delegados, esses procuradores do rei seguiam imbuídos do
poder de defender os interesses do monarca frente ao poder dos senhores feudais,
e para obter o controle da jurisdição francesa institucionalizou seus procuradores
como representantes de sua confiança para cuidarem de seus interesses frente à
magistratura. Agiam como fiscal da lei, defendendo os interesses do Estado e
exerciam a acusação criminal, desempenhando o papel de “longa manus”, devido o
extremo caráter absolutista do governo.
José Dilermando Meireles, em artigo sobre gênese e história do ministério
público, arremata o assunto dessa forma:
Do antigo Egito à Franca de Felipe – o Belo -, o estudioso vai encontrar, em
todas as organizações estatais das civilizações antigas, traços
identificadores da instituição nascente, que paulatinamente ganhava
2
contornos definitivos ao longo dos tempos (MEIRELES, 2000, p. 197).
2
MEIRELES, José Dilermando. O ministério público: sua gênese e sua história. Revista de
Informação Legislativa, v. 21, nº 84, pp. 197-214, out./dez. de 1984.
14
Com a „Queda da Bastilha‟, em 1789, a burguesia revolucionária promove
uma grande reforma política e constitucional após assumir o poder na França. A
nova ordem constitucional garantia sua independência em relação ao Legislativo e
ao Judiciário, pois tinha um nítido caráter liberal e descentralizador, surgindo após
este fervor revolucionário algumas leis, dentre elas, o “Cod d‟Instruction Criminelle”,
de 20 de abril de 1810, que organizaria com maior nitidez o ministério público
francês.
2.1 A evolução constitucional do ministério público no Brasil
Por sua vez, ao analisarmos a evolução do ministério público no Brasil,
nos reportamos ao direito praticado em Portugal, que passou por uma luta de
classes muito parecida com a francesa, lutas pelo controle da jurisdição. Segundo
Antônio Magalhães Gomes Filho, antes das ordenações manuelinas, no que
concernia aos crimes públicos, competia aos escrivães dos juízos criminais a
formação da acusação, pois, conforme seu entendimento, essa função se dava pela
inércia do particular, motivo pelo qual os promotores públicos assumiam essa
função3.
Já nas ordenações manuelinas de 1514, havia a figura do promotor de
justiça como cobrador dos feitos fazendários, bem como o processamento e a
execução perante à casa de suplicação. No entanto, em março de 1609, no período
colonial, é criado o Tribunal da Relação da Bahia, formado pelo procurador dos
feitos da coroa, fazenda e fisco. Este é, portanto, o primeiro texto oficial brasileiro a
trazer a figura do promotor de justiça.
Após isso, é criado o Tribunal de Relação no Rio de Janeiro, com a
mesma estrutura do tribunal baiano e, em 1763, com a transferência da capital de
Salvador para o Rio, o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro foi transformado em
Casa de Suplicação do Brasil, onde se cindiram os cargos de promotor de justiça e o
de procurador dos feitos da coroa e fazenda passaram a ser ocupados por dois
titulares.
No Império, a constituição federal de 25 de março de 1824 não trazia
nenhuma menção expressa ao ministério público, embora a lei de 18 de setembro
3
Ministério Público e Acusação Penal no Sistema Brasileiro. Revista Latino-americana de Política
Criminal, ano 2, n°. 2, Penal y Estado, p. 139.
15
de 1828 determinasse o funcionamento de um promotor de justiça em cada uma das
relações. Sobre a constituição de 1824, o artigo 48 descrevia: “Art. 48. No Juízo dos
crimes, cuja acusação não pertence à Câmara dos Deputados, acusará o
Procurador da Coroa e Soberania Nacional.”
Posteriormente, o Decreto n.º 120, de 1843, regulamenta o ministério
público e os juízes seriam nomeados pelo imperador do município da corte e pelos
presidentes nas províncias e, enquanto houvesse conveniência para que
permanecessem no serviço público, lá ficariam por tempo indeterminado, até que
fossem demitidos por aqueles que o nomearam indistintamente, caso não tivesse
mais sua necessidade.
Já a expressão “Ministério Público” foi inicialmente citada no regimento
das relações do império em 1847 (ARAÚJO, 2012, p. 18).4 Após isso, com a edição
do Decreto n.º 848, de 1890, o ministro da justiça Campos Sales, ao organizar a
justiça federal, fez, pela primeira vez, menção ao ministério público como instituição,
sendo ele o seu precursor. O decreto destacou a atuação do procurador-geral da
república, competindo-lhe, entre outras funções, “funcionar como representante da
União e em geral oficiar e “dizer o direito” em todos os feitos submetidos à jurisdição
de Supremo Tribunal” (LENZA, 2011, p. 753) (grifo original).5
Tratada de forma muito tímida, no período republicano, na constituição de
1891, a instituição ministério público não era órgão autônomo; a única menção
existente à época era a respeito do procurador-geral da república, que era tratado no
título destinado ao Poder Judiciário, na Seção III, do Título I, como determinava o
artigo 58, § 2º, dessa constituição:
4
ARAÚJO, Anarda Pinheiro. A atribuição investigatória do ministério público brasileiro e seus
aspectos constitucionais. Fortaleza: Premius, 2012.
5
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva,
2011.
16
Art. 58 – Os Tribunais federais elegerão de seu seio os seus Presidentes e
organizarão as respectivas Secretarias.
(...)
§ 2.º O Presidente da República designará, dentre os membros do Supremo
Tribunal Federal, o Procurador Geral da República, cujas atribuições se
definirão em lei.
Dispensando um tratamento mais cuidadoso ao parquet, a constituição
federal de 1934 transformou o ministério público de simples agente do poder
executivo em órgão de cooperação nas atividades governamentais e definiu-lhe
algumas atribuições básicas, como nos é mostrado no seu artigo 95.
Art. 95 - O Ministério Público será organizado na União, no Distrito Federal
e nos Territórios por lei federal, e, nos Estados, pelas leis locais.
§ 1º - O Chefe do Ministério Público Federal nos Juízos comuns é o
Procurador-Geral da República, de nomeação do Presidente da República,
com aprovação do Senado Federal, dentre cidadãos com os requisitos
estabelecidos para os Ministros da Corte Suprema. Terá os mesmos
vencimentos desses Ministros, sendo, porém, demissível ad nutum.
§ 2º - Os Chefes do Ministério Público no Distrito Federal e nos Território
serão de livre nomeação do Presidente da República dentre juristas de
notável saber e reputação ilibada, alistados eleitores e maiores de 30 anos,
com os vencimentos dos Desembargadores.
§ 3º - Os membros do Ministério Público Federal que sirvam nos Juízos
comuns, serão nomeados mediante concurso e só perderão os cargos, nos
termos da lei, por sentença judiciária, ou processo administrativo, no qual
lhes será assegurada ampla defesa.
Desta forma, esta constituição institucionalizou o ministério público, que
passa a ser desvinculado do Poder Judiciário, apesar de ainda continuar
subordinado ao Poder Executivo. De caráter marcadamente ditatorial, a constituição
de 1937, imposta pelo presidente Getúlio Vargas, não faz referência expressa ao
ministério público, que praticamente desaparece como instituição e volta a pertencer
ao Poder Judiciário, demonstrando, assim, um vigoroso retrocesso.
Desta forma, dispunham os artigos 99 e 105 da Constituição Federal de
1937 que o ministério público no Distrito Federal e nos territórios teria como chefe o
procurador-geral da república, funcionaria junto ao Supremo Tribunal Federal e
seriam nomeados pelo
presidente da república. Também, que o
quinto
constitucional, para a composição dos tribunais superiores, seria formado por
advogados ou membros do ministério público que tivessem reputação ilibada e
notório merecimento, organizando o tribunal de apelação uma lista tríplice.
17
O Estado Novo elaborou o Estatuto do Ministério Público federal pelo
Decreto-Lei n.º 986, de 27-12-1938. Nada inovou praticamente, a não ser
para pior, abolindo o concurso para o ingresso nas funções do Ministério
6
Público (FERREIRA, 2002, p. 453).
Por outro lado, em 1941, o código de processo penal daria aos membros
do parquet o poder de requisição de instauração de inquérito policial, entre outras
diligências, características do procedimento inquisitorial, consolidando, assim, a
posição do ministério público como titular da ação penal.
Somente após a “ditadura getulista” e a redemocratização do país, com o
advento da carta de 1946, o ministério público restituiria a sua dignidade como
instituição, voltando a ganhar título próprio, passando a se tornar independente dos
demais poderes. Passou a consagrar-se de acordo com a estrutura federativa,
compreendida entre ministério público federal e ministério público estadual, bem
como a contar com as garantias de estabilidade e inamovibilidade, fixando-se o
ingresso na carreira através de concurso público e só podendo desta ser removido
através de representação motivada da procuradoria geral.
Algum tempo depois, com a constituição de 1967, o ministério público foi
novamente remanejado e posto como um capítulo do Poder Judiciário, contudo,
paradoxalmente, houve uma notável conquista da sua autonomia e independência,
pois passou, então, a ser equiparado aos juízes e inovou no que concerne à
regulamentação do concurso de provas e títulos, acabando, assim, com os
“concursos internos”.
Com referência expressa ao ministério público, a constituição federal
de 1988 consagrou a sua evolução, consolidando os anseios sociais e ministeriais,
assegurando-lhe autonomia funcional e administrativa e alocando-o no capítulo que
trata das funções essenciais à justiça (Seção I, do Capítulo IV, do Título IV).
Em verdadeira consagração, o MP foi elevado à posição de instituição
permanente e desatrelado, de vez, da representação judicial da União,
tanto é que, de maneira categórica e enérgica, o art. 129, IX,
expressamente vedou a representação judicial e a consultoria jurídica
de entidades públicas, ficando essa atribuição nas mãos da advocacia
7
pública (LENZA, 2011, p. 757) (Grifo original).
6
FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 12ª ed. ampl. e atual. De acordo com as emendas
constitucionais e a revisão constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002.
7
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva,
2011.
18
Pela primeira vez, apresentou o conceito da instituição, tornando-o
essencial à função jurisdicional do Estado e incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Estabelece, também, seus princípios e finalidades, ampliando a sua evidência e
transformando a instituição num braço da população brasileira. Posteriormente, com
base na constituição federal, alguns diplomas legais se fizeram necessários para a
sua regulamentação.
Desta forma, podemos apontar a Lei n.º 8.625, de 12-2-1993, que institui
a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispondo sobre normas gerais para a
organização do ministério público dos estados, a Lei Complementar Federal n.º 75,
de 20-5-1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do
ministério público da União, bem como as leis complementares estaduais, em que
cada estado elabora a sua.
2.2 Princípios institucionais
A constituição federal de 1988 prevê, em seu artigo 127, § 1.º, como
princípios institucionais do ministério público a unidade, a indivisibilidade e a
independência funcional. Tais princípios têm o intuito de indicar quais as linhas do
sistema normativo que regulamentam a instituição do parquet.
2.2.1 Princípio da unidade
O ministério público deve ser visto como uma instituição única,
consistindo em vontade una, de forma que essa manifestação de vontade
represente a manifestação de todo o órgão, sob a égide de um só chefe, sendo a
divisão existente meramente funcional. Contudo, a unidade existe apenas dentro de
cada órgão, não se falando em unidade entre ministério público federal e ministério
público dos estados, por exemplo.
Essa unidade deve ser interpretada como instrumento de alcance à
eficiência, devendo atentar para as determinações legais que estabelecem a divisão
interna.
19
O STF entendeu, com base no princípio da Unidade do Ministério Público,
que “o ato processual de oferecimento da denúncia, praticado, em foro
incompetente, por um representante, prescinde, para ser válido e eficaz, de
ratificação por outro do mesmo grau funcional e do mesmo Ministério
Público, apenas lotado em foro diverso e competente, porque o foi em nome
8
da instituição, que é uma e indivisível.”
2.2.2 Princípio da indivisibilidade
O princípio da indivisibilidade é decorrência daquela unidade. Ao contrário
do Judiciário, onde temos o princípio do juiz natural (apenas um juiz tem o direito e o
dever de julgar aquele caso, naquela instância); pelo princípio da indivisibilidade
temos que, em verdadeira relação de logicidade, é perfeitamente possível que um
membro do ministério público substitua outro, sem que, com isso, haja qualquer
implicação prática.
Essa indivisibilidade informa que a relação processual não é com um
membro do ministério público, mas com a instituição ministério público, ou seja, seus
membros não estão vinculados aos processos nos quais atuam, podendo ser
substituídos uns pelos outros, segundo a forma estabelecida pela lei.
2.2.3 Princípio da independência funcional
Esse princípio trata da autonomia de convicção, uma vez em que os
membros do ministério público não se submetem à ordem de outros órgãos nem de
superiores hierárquicos no exercício de seu mister, podendo atuar segundo os
ditames da lei, do seu entendimento pessoal e da sua consciência. No direito
constitucional pátrio, a hierarquia existente restringe-se às questões de caráter
administrativo, materializada pelo procurador geral da instituição, nunca de índole
funcional.
Os órgãos de administração superior do ministério público podem até
enviar recomendações sobre a atuação funcional, contudo, o promotor age de
acordo com suas convicções, pois não há subordinação intelectual ou ideológica e
quando falamos também de um órgão independente, com autonomia funcional e
financeira, nos ensina Quiroga Lavié, que o parquet é um “órgão extrapoder,
8
STF – Pleno – HC 85.137/MT, Rel. Min. Cezar Peluso – informativo STF n.º 402, p. 4 e informativo
STF n.º 401, p. 2.
20
”portanto, é independente dos poderes de Estado, não podendo nenhum de seus
membros receber instruções vinculantes de nenhuma autoridade pública.9
É importante ressaltar que a constituição valorizou de tal forma a
independência e autonomia da instituição, que o artigo 85, II, da CF/88 considera
crime de responsabilidade se algum ato do presidente da república atentar contra o
livre-exercício do ministério público.
2.3 Garantias e funções dos membros do ministério público
2.3.1 Garantias constitucionais
Aos
membros
do
ministério
público
são
asseguradas
garantias
constitucionais que os confere maior segurança no exercício de suas funções,
proporcionando à sociedade uma instituição forte e perene para o desempenho de
suas atribuições, tornando essa sociedade mais protegida quanto à ofensa aos seus
direitos.
2.3.1.1 Vitaliciedade
A vitaliciedade do membro do ministério público é adquirida quando, após
a transcorrência do período probatório, que é de dois anos de efetivo exercício do
cargo, ter sido este admitido na carreira mediante aprovação em concurso de provas
e títulos, só podendo perder o cargo após sentença judicial transitada em julgado.
A vitaliciedade vale muito mais que a mera estabilidade, antes concedida,
porque condiciona a perda do cargo à existência de sentença judicial que a
imponha; enquanto a estabilidade limita-se a garantir a realização de regular
10
processo administrativo (LOMP, art. 38, inc. I).
A garantia da vitaliciedade é importante, pois combate a interferência de
outros poderes no âmbito da instituição, não podendo esquecer, contudo, que a
vitaliciedade não afasta a responsabilização, pelo senado federal, do procuradorgeral da república e dos membros do conselho nacional do ministério público, no
9
LAVIÉ, Humberto Quiroga. Estúdio analítico de la reforma constitucional. Buenos Aires: Depalma,
1994. p. 65.
10
ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de; et al. Teoria geral do processo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros,
2010, p. 215.
21
caso de prática de crime de responsabilidade, nos termos do artigo 52, II da
constituição federal.
2.3.1.2 Inamovibilidade
A inamovibilidade prevista no artigo 128, § 5º, I, b, da constituição federal,
garante que o membro do ministério público não poderá ser promovido ou removido
de seu cargo unilateralmente, sem que haja sua solicitação ou autorização. A
verdadeira fundamentação dessa garantia não repousa apenas na impossibilidade
de afastar o membro do ministério público do seu cargo, mas também e
principalmente proteger suas funções contra a ingerência do poder público na
satisfação de interesses políticos.
Contudo, excepcionalmente, mediante decisão do órgão colegiado
competente do ministério público, nos casos de interesse público, poderá seu
membro ser removido do cargo ou função pelo voto da maioria absoluta, assegurada
a ampla defesa.
2.3.1.3 Irredutibilidade de subsídio
A irredutibilidade de subsídio prevê que os vencimentos dos membros do
parquet não poderão ser reduzidos, pois busca a realização de condições dignas de
trabalho, não dando, assim, margem a barganhas remuneratórias, mas uma maior
estabilidade ao cumprimento de suas funções. Não obstante, essa garantia aos
membros do parquet torna-se meramente nominal, isto é, deixou de ser prioridade
da magistratura ou do ministério público, uma vez que a irredutibilidade de subsídios
é assegurada aos servidores públicos em geral, como preceitua o artigo 37, XV, da
CF/88.
2.3.2 Funções institucionais
As funções do ministério público foram sobremaneira ampliadas com o
advento da constituição federal de 1988, transformada em um verdadeiro defensor
da sociedade, com a titularidade exclusiva da ação penal pública, ou como
interveniente quando atua como fiscal dos demais poderes públicos, inclusive com a
22
titularidade do inquérito civil e da ação civil pública. De forma meramente
exemplificativa, o artigo 129 da CF/88 nos enumera as importantíssimas funções
ministeriais que lhes foram conferidas:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de
intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta
Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações
indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na
forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei
complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial
e a consultoria jurídica de entidades públicas.
É importante se frisar que só os integrantes da carreira é que podem
exercer as referidas funções institucionais e deverão residir na comarca da
respectiva lotação, a menos que haja uma autorização do chefe da instituição. Como
já mencionado anteriormente, ressalte-se que o rol das funções institucionais é
exemplificativo, possibilitando aos membros do parquet exercer outras funções que
lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade constitucional,
sendo-lhe vedadas a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades
públicas.
Podemos observar que a própria Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público (Lei n.º 8.625/93), no seu artigo 25, nos traz outras funções ministeriais,
como propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou
municipais, em face da constituição estadual, bem como de promover o inquérito
civil e a ação civil pública e, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei,
dentre outras atribuições.
23
Tanto em nível federal, como em nível estadual, inclusive pelas
constituições estaduais e pelas leis orgânicas, podem ser previstas outras funções
para o ministério público, desde que adequadas à sua finalidade constitucional.
Importante ressaltar a total impossibilidade de legislação municipal
estabelecer atribuições ao membro do Ministério Público em atuação no
Município, inclusive no que disser respeito à participação obrigatória em
Conselhos Municipais, uma vez que somente leis federais e estaduais
poderão estabelecer essas atribuições, sempre, repita-se, compatíveis com
11
a sua finalidade constitucional (Grifo original).
Por fim, cabe ao ministério público proteger o status constitucional do
indivíduo, ou seja, defender os direitos sociais e individuais indisponíveis dos
cidadãos, atuando como guardião da democracia, assegurando o respeito aos
princípios e às normas que garantem a participação popular.
11
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, pp. 636 – 637.
24
3
A LEGITIMIDADE
DO
MINISTÉRIO
PÚBLICO
NAS
INVESTIGAÇÕES
CRIMINAIS
Tema constantemente debatido nas jurisprudências e nas doutrinas, a
legitimidade do ministério público em conduzir por conta própria um procedimento de
investigação criminal, nos leva a uma análise acerca desse instituto, observando seu
conceito e sua finalidade, buscando o esclarecimento dessa controvérsia, para, ao
final, demonstrar a real legitimidade do parquet em proceder a tais investigações.
3.1 Conceito e finalidade da investigação criminal
Apesar de a constituição federal assegurar à polícia judiciária a efetivação
da investigação criminal em seu artigo 144, §4.º, importante se faz a observação de
que essa tarefa não foi cometida exclusivamente às autoridades policiais, ou seja,
essa capacidade também foi dada a outras autoridades. Antes de adentrarmos
nessa seara, é necessário que se conceitue, de acordo com a norma, a investigação
criminal, em que temos no bojo do artigo 1.º da Lei de Organização da Investigação
Criminal (Lei 49/2008), o seguinte:
Art. 1.º - A investigação criminal compreende o conjunto de diligências que,
nos termos da lei processual penal, se destinam a averiguar a existência de
um crime, determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir
12
e recolher as provas, no âmbito do processo.
Investigar significa inquirir, indagar, esquadrinhar os fatos. A investigação
criminal, por sua vez, é um procedimento administrativo pré-processual, que tem o
objetivo de averiguar um fato tido como criminoso, colhendo dados para a
elucidação da autoria e da materialidade do delito, fornecendo, assim, elementos
suficientes para que o titular da ação penal possa propor o processo, ou mesmo,
arquivá-lo.
Entende-se, pois, que a investigação criminal preliminar abrange todos os
atos pré-processuais seja de maneira direta ou indireta, sempre
direcionados à elucidação de uma ação criminosa, ou melhor, uma juntada
de atos preliminares que buscam a colheita de elementos de convicção
acerca da autoria e materialidade de um fato criminoso (ARAÚJO, 2012, p.
13
47).
12
Lei n° 49, de 27 de agosto de 2008 (Lei de organização da investigação criminal)
ARAÚJO, Anarda Pinheiro. A atribuição investigatória do ministério público brasileiro e seus
aspectos constitucionais. Fortaleza: Premius, 2012.
13
25
A coleta de provas, atividade desempenhada através da instrução
criminal, é feita no sentido de se identificar a autoria e a materialidade do ilícito
penal; contudo, essa inquirição não tem a pretensão de levar até o fim os atos
probatórios da prática e da autoria do fato tido como criminoso, pois, do contrário, de
nada adiantaria a própria instrução criminal. Assim, a investigação deve fornecer
apenas os elementos mínimos que comprovem que houve um crime e indícios de
quem seja seu provável autor, para que, apenas na fase processual, seja realmente
elucidado o suposto ilícito penal.
Conhecida por diversos nomes país afora, no Brasil alguns doutrinadores
preferem chamar a investigação preliminar de “instrução preliminar”, pois significaria
uma coerência lógica e organizada dos fatos, além do que importaria na colheita
definitiva desses fatos na fase pré-processual. Contudo, o termo “instrução” acabou
ficando mesmo reservado apenas para a fase processual, sendo o termo
“investigação preliminar” realmente o mais usado pelos doutrinadores.
3.2 O inquérito policial
3.2.1 Conceito
A investigação criminal se formaliza no inquérito policial. Trata-se do
primeiro momento da persecução penal (persecutio criminis), que é um
procedimento investigatório prévio, ou seja, um procedimento preparatório da ação
penal e é constituído por uma série de diligências, voltado à colheita preliminar de
provas para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, conduzido pela
polícia judiciária.
Portanto, Edilson Mougenot Bonfim conceitua o inquérito policial como
(2012, p. 144):
(...) o procedimento administrativo, preparatório e inquisitivo, presidido pela
autoridade policial, e constituído por um complexo de diligências realizadas
pela polícia, no exercício da função judiciária, com vistas à apuração de
14
uma infração penal e à identificação de seus autores.
De caráter essencialmente instrumental, o inquérito policial é a
modalidade de investigação na qual a constituição federal é quem traça o seu
14
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 7ª ed. São Paulo: Saraiva. 2012.
26
regime jurídico e tem a finalidade de reunir elementos informativos que possam
elucidar as suspeitas acerca da prática de delito de natureza penal.
3.2.2 Características do inquérito
São características do inquérito policial a forma escrita, em que todas as
peças são reduzidas a termo e rubricadas pela autoridade policial, a oficialidade,
pois só pode ser procedido por órgão oficial do Estado. É sigiloso por se tratar de
peça administrativa a qual se destina a apurar os fatos e também para que não haja
interferências na investigação.
No entanto, essa sigilosidade não se estende ao representante do
ministério público, nem à autoridade judiciária, bem como, não é sigiloso ao defensor
no interesse do seu representado, conforme preleciona a Súmula Vinculante n.º 14.
Contudo, se for decretado judicialmente o sigilo do inquérito, o advogado não poderá
acompanhar a realização de atos procedimentais, quer dizer, não terá acesso às
diligências em curso, tais como as interceptações telefônicas.
O inquérito também é inquisitivo, não admite contraditório e ampla defesa,
pois como não há acusação, não há que se falar em defesa. “O único inquérito que
admite o contraditório é o instaurado pela polícia federal, a pedido do Ministro da
Justiça, visando a expulsão de estrangeiro” (Lei n. 6.815/80, art. 70). (CAPEZ, 2011,
p. 117).
É discricionário, pois as diligências investigatórias realizadas no curso do
inquérito são conferidas ao presidente do inquérito policial, não podendo confundir
essa discricionariedade com arbitrariedade, devendo o delegado agir sempre em
conformidade com a lei. Também é informativo e indisponível, uma vez que a
autoridade judiciária não pode mandar arquivar os autos do inquérito de ofício,
sendo esta uma tarefa do juiz.
Apesar de o inquérito policial ser uma das peças principais para a
propositura da ação penal, ele também é dispensável, ou seja, mesmo que não
tenha sido instaurada a peça investigatória, poderá haver ação penal, pública ou
privada.
27
3.3 A inexistência da exclusividade da polícia judiciária na condução da
investigação criminal
Como já mencionado anteriormente, a carta magna conferiu à polícia
judiciária a efetivação da investigação criminal, exceto as militares. Tratando agora
do artigo 4.º, parágrafo único, do Código de Processo Penal, temos que o inquérito
policial realizado pela polícia judiciária não é a única forma de investigação criminal.
Portanto, leis especiais também podem conferir esse mister a outras autoridades
para o desempenho da função.
3.3.1 Inquéritos extrapoliciais
Os inquéritos extrapoliciais são aqueles legalmente previstos e presididos
por outras autoridades administrativas, como podemos comprovar, por exemplo, nas
inquirições reservadas às comissões parlamentares de inquérito (CPIs), tal como
previsto no artigo 58, § 3º da constituição federal.
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes
e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no
respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
(...)
§ 3.º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos
nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente,
mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de
fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso,
encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade
civil ou criminal dos infratores.
Essa comissão é formada por seus próprios membros nomeados por uma
câmara, para investigarem um determinado objeto, ou seja, um fato ou um conjunto
de fatos que podem ser alusivos a acontecimentos políticos ou a ilegalidades da
administração, por um prazo determinado.
Igualmente não serão presididos pela autoridade policial, os inquéritos
policiais militares (IPM). Estes são disciplinados pelo CPPM e realizados pelas
autoridades militares para apuração de crimes da competência da justiça militar.
Também os inquéritos para apurar a expulsão do estrangeiro são de competência do
ministro da justiça de acordo com o artigo 70 da Lei n.º 6.815/80. A instauração
poderá ser feita de ofício ou ser acolhida após solicitação fundamentada.
28
Outrossim, nos casos de infração penal cometida por membro do
ministério público, conforme nos indica o artigo 41, parágrafo único, da Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público (Lei n.º 8.625/93), as investigações serão presididas
pelo procurador-geral de justiça, bem como, serão os autos encaminhados ao
tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, os casos em que houver
indícios de prática de crime por parte de magistrado, para que este prossiga na
investigação consoante artigo 33, parágrafo único, da Lei Orgânica da Magistratura
Nacional (LC n.º 35/79).
3.4 A atuação do ministério público nas investigações criminais
Símbolo da defesa popular, o ministério público é conceituado pela
Constituição Federal em seu artigo 127 como instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, o legislador
conferiu ao parquet a função de resguardo ao status constitucional do cidadão,
munindo-o de funções, garantias e prerrogativas que possam garantir o seu
exercício para melhor defender o estado democrático de direito.
Tema sem dúvida bastante controverso, avaliar a possibilidade de o
Ministério Público realizar investigação criminal está longe de ser pacífico. A CF/88
deixou claro ao estabelecer em seu artigo 129, inciso III, que é função institucional
do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública, porém, no que
concerne ao âmbito criminal, a carta magna o conferiu promover, privativamente, a
ação penal pública, na forma da lei.
Contudo, no inciso VI do mesmo artigo, também é função do ministério
público expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,
requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei
complementar respectiva. Essa competência abrange tanto a esfera cível quanto a
criminal.
Para
estabelecer
pormenorizadamente
as
suas
funções,
a
Lei
Complementar n.º75/93, veio abranger ainda mais o exercício de suas atribuições,
cabendo, portanto, aos membros do parquet, requisitar diligências investigatórias e a
instauração de inquérito policial, notificar testemunhas e requisitar sua condução
29
coercitiva, requisitar inspeções e diligencias investigatórias, entre outras atribuições,
como preleciona os artigos 7º e 8º da referida lei:
Art. 7º - Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao
exercício de suas funções institucionais:
I - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos;
II - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e
de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas;
III - requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos
administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo
acompanhá-los e produzir provas.
Art. 8º - Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União
poderá, nos procedimentos de sua competência:
I - notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de
ausência injustificada;
II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades
da Administração Pública direta ou indireta;
III - requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus
servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades
específicas;
IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;
V - realizar inspeções e diligências investigatórias;
VI - ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as
normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio;
VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e
inquéritos que instaurar;
VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público
ou relativo a serviço de relevância pública;
IX - requisitar o auxílio de força policial.
A possibilidade de exercer o controle externo da atividade policial
mostra, também, que o ministério público pode coletar todos os elementos que
possam levar o promotor de justiça formar a sua opinio delictis, que nada mais é, do
que a finalidade do inquérito policial.
Com todo o exposto, é inevitável se observar a natureza constitucional
das atribuições do ministério público em realizar diligências complementares ao
inquérito policial ou até mesmo presidir investigações criminais, uma vez que, a
polícia judiciária não detém o monopólio de tais investigações.
3.4.1 Teoria dos “poderes implícitos”
Como sendo o único com a titularidade da ação penal pública, parte da
doutrina defende que se o ministério público tem o poder de promovê-la, tem
também o condão de coligir os elementos de informação que subsidiariam a sua
propositura, pois estaria implícito que quem tem o poder de propor, também o tem
para investigar. Em outras palavras, quem pode os fins, pode os meios.
30
De acordo com essa teoria, como a constituição federal conferiu só ao
ministério público propor a ação penal, essa competência expressa, explícita,
também importa em conferir implicitamente que os membros do parquet podem se
dispor dos meios necessários para que se possa realizar integralmente os fins que
lhe foram atribuídos e como a investigação criminal é exatamente o meio necessário
para que se produzam as provas necessárias para se combater a criminalidade,
obviamente não é razoável o engessamento do órgão titular da ação penal.
Neste sentido, assim entende Pedro Lenza (2011, p. 774):
(...), segundo a teoria dos poderes implícitos, quando o texto
constitucional outorga competência explícita a determinado órgão estatal,
implicitamente, pode-se interpretar, dentro de um contexto de razoabilidade
e proporcionalidade, que a esse mesmo órgão tenham sido dados os
meios necessários para a efetiva e completa realização dos fins atribuídos.”
15
(Grifo original).
Também é entendimento da ministra Ellen Gracie em seu voto, onde esta
estabelece:
Há princípio basilar da hermenêutica constitucional, a saber, o dos
“poderes implícitos”, segundo o qual, quando a Constituição Federal
concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim – promoção da ação penal
pública – foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe
como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP
16
autoriza que “peças de informação” embasem a denúncia. (Grifo nosso).
Assim, pode-se notar que é totalmente possível a investigação criminal
pelo ministério público e não reconhecer tal poder, corresponderia em diminuir a
efetividade de sua atuação em defesa do estado democrático de direito, atribuição
esta que lhe foi conferida pela carta magna como finalidade constitucional.
3.4.2 O ministério público e sua relação com a investigação criminal
Decorrente da própria tarefa ministerial, a função investigativa do
Ministério Público foi conferida a este, no momento em que o artigo 4º, parágrafo
único, do Código de Processo Penal diz, que a apuração de infrações penais pela
polícia, não exclui a de autoridades administrativas a quem a lei dite tal função.
15
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 15ª ed. rev., atual. E ampl. São Paulo:
Saraiva, 2011.
16
(RE 468523, Relator (a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 01/12/2009, DJe-030
DIVULG 18-02-2010 PUBLIC 19-02-2010 EMENT VOL-02390-03 PP-00580 RT v. 99, n. 895, 2010,
pp. 536-544 JC v. 36, n. 120, 2010, pp. 144-160).
31
Ora, como o ministério público é regido por normas próprias e com
funções elencadas constitucionalmente, está, portanto, agindo ele como um agente
político, não restando dúvida de que está incluído no rol do mencionado artigo, e que
é ele o verdadeiro legitimado à persecução penal.
A investigação por parte do ministério público em outras legislações nem
sequer é objeto de indagações como, por exemplo: “na Itália (CPP, art. 327),
Espanha (Lei Orgânica n. 2/86, art. 31.1), Portugal (Decretos-lei n. 35.042/45),
Alemanha (CPP, art. 161) e México (CPP, art. 3º).” (CAPEZ, 2011, p. 145).
Em seu curso de processo penal, Fernando Capez afirma que:
O atual Código de Processo Penal francês, em seu art. 12, estabelece que
“a polícia judiciária é encarregada de constatar as infrações penais, juntar
as provas e buscar seus autores, e que cabe ao Ministério Público o
17
cuidado de dirigir essa tarefa, devendo a polícia agir sob suas instruções.”
Nesse aspecto, é de grande relevância se observar que a investigação
feita diretamente pelo ministério público brasileiro incomoda alguém, mostrando, por
assim dizer, que o problema não parece estar no padrão de civilidade auferido pela
comunidade judiciária interessada na persecução penal.
É certo que muitas vezes, ao investigar um crime de corrupção, lavagem
de dinheiro, sonegação, isso contraria alguns interesses econômicos e políticos,
causando assim, uma celeuma e uma resistência na admissão do Ministério Público
em proceder às investigações criminais.
Também não se pode negar a importância do Ministério Público em
proceder a tais investigações, uma vez que seu objetivo deve ser a apuração dos
fatos, feita da melhor maneira possível, para que se possa levantar elementos
suficientes para a propositura da ação penal, ou até mesmo, para que seja proposto
o seu arquivamento.
Quando o ministério público age nas investigações, ele não busca presidir
o inquérito policial, pois como já vimos, este é de competência da polícia judiciária,
mas quando tratamos de investigação, não se está falando em monopolizá-la, e sim,
em orientá-la. Por vezes a autoridade policial, quando faz a investigação, deixa a
desejar em alguns elementos que seriam imprescindíveis ao processo. O Parquet,
por sua vez, teria então, o condão de conduzir de per si essas diligências, que
seriam sobremaneira importantes para a investigação, valendo-se, neste caso, da
sua atribuição investigativa.
17
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
32
Com esse entendimento, destaca-se o julgado do STF da Ministra Rosa
Weber:
Concluir que o sistema constitucional atribuiu aos órgãos policiais o papel
principal na investigação criminal e aos delegados de polícia a condução
dos inquéritos penais não significa reputar impedido o Ministério Público de
realizar diligências investigatórias quando circunstâncias particulares o
exigirem. O adequado cumprimento das funções institucionais do MP
impõe, em alguns casos, a necessidade de busca de elementos
informativos que possibilitem a persecução judicial, como em situações de
lesão ao patrimônio público; delitos envolvendo a própria polícia; corrupção
em altas esferas governamentais ou omissão deliberada ou não na
18
apuração policia.
(HC 118280 MG. Relatora: Min. ROSA WEBER
Julgamento: 12/07/2013. Publicação: DJe-152 DIVULG 06/08/2013 PUBLIC
07/08/2013).
É importante ressaltar alguns perigos que o Estado Democrático de
Direito sofreria, caso não fosse o ministério público uma instituição fiscalizadora. Por
vezes, já se pôde observar que, em determinadas investigações feitas pela
autoridade policial, esta foi inicializada por um determinado agente e finalizada por
outro. Ora, isso se dá devido o delegado de polícia poder ser removido de sua
função a qualquer momento, gerando assim, uma grande instabilidade, pois, o chefe
de polícia poderia sem maiores percalços, em um caso específico, ter certo interesse
no indiciamento ou não de determinado acusado, e como se sabe, as organizações
criminosas possuem um alto poder de intimidação podendo levar ao insucesso a
investigação criminal.
No entanto, devido à sua garantia constitucional de inamovibilidade, os
membros do Ministério Público não correriam o risco de serem removidos da
investigação, isto é, estariam respaldados a ir até o final, pois seus membros tem
uma autonomia funcional que a polícia judiciária não tem.
Por assim dizer, estamos tratando, portanto, de um dos pilares do estado
democrático de direito, pois o parquet é uma instituição de caráter permanente e de
atuação independente, na qual se podem resguardar todos os anseios de uma
sociedade que luta por igualdade e por justiça.
Por fim, o que podemos tirar é que, nada impede que o Ministério Público
proceda a investigações usando dos meios necessários, para requisitar diligências,
instaurar inquéritos, notificar informações e testemunhas para a obtenção de provas
que venha a nortear o seu convencimento, pois como bem vimos, não há monopólio
18
(HC 118280 MG. Relatora: min. ROSA WEBER. Julgamento: 12/07/2013. Publicação: DJe-152
DIVULG 06/08/2013 PUBLIC 07/08/2013).
33
nas investigações criminais que exclua o Parquet da apuração de fatos tidos como
criminosos.
3.4.3 Breve exposição sobre a posição contrária à legitimidade da investigação
criminal pelo ministério público
De forma contrária ao pensamento de boa parte da doutrina e da
jurisprudência, também podemos observar que alguns doutrinadores põem-se contra
a legitimidade do ministério público em proceder à investigação criminal, e o
principal argumento, seria o de que não há a devida regulamentação desta
atribuição ministerial, uma vez que o artigo 144 da CF/88 atribuiu este feito à polícia
judiciária.
Como a outorga feita pela constituição federal aos membros do parquet
foi apenas a respeito da titularidade da ação penal, do inquérito civil e da ação civil
pública, os adeptos dessa corrente afirmam que não cabe ao Ministério Público
produzir, sozinho, a investigação criminal, pois este estaria denunciando a quem já
considerasse autor do delito.
3.4.3.1 O controle externo
É função do ministério público exercer o controle externo da atividade
policial, conforme preceitua o artigo 129, inciso VII, da CF/88. Entre outros motivos,
essa é uma das razões em que se pode afirmar que o sistema processual penal
deve-se apresentar de forma harmônica e equilibrada, para que não haja nenhuma
instituição superpoderosa.
Uma das formas de se assegurar o sistema acusatório o tornando
imparcial é desvinculando o juiz dos atos investigatórios, para tanto, o controle
externo da atividade policial exercida pelo Ministério Público, o faz atuar como órgão
acusador na medida em que requisita diligências investigativas, atuando também
como custos legis garantindo os direitos constitucionais dos acusados.
Dessa forma, o juiz não ficaria contaminado na imparcialidade do seu
julgamento e o parquet estaria atuando de acordo com o estabelecido na
constituição, ou seja, uma instituição de controle externo da atividade policial.
34
3.4.3.2 O sistema de freios e contrapesos
Os defensores da opinião de que o ministério público não deve presidir
investigação criminal, argumentam que, em assim procedendo, este se tornaria uma
superinstituição, pois teria poderes sem limites, ofendendo assim a intimidade do
cidadão e a harmonia dos poderes, provocando o desequilíbrio entre seus órgãos.
Ora, o sistema de fiscalização de freios e contrapesos consiste em um
mecanismo onde um poder está apto a conter abusos do outro, tornando-os, assim,
equilibrados e harmônicos entre si. Por esse motivo é que seria papel fundamental
do ministério público o controle externo da atividade policial, pois, de outro modo,
avocando o parquet a titularidade da investigação criminal, quem o órgão
fiscalizador dessa atividade?
Neste sentido, segundo Guilherme de Sousa Nucci, é função da polícia
judiciária conduzir a investigação criminal, sendo supervisionada pelo ministério
público, bem como pelo juiz de direito e, quando o juiz conduzir a investigação, será
supervisionado pelo ministério público e pelos advogados, ou seja, as partes.
Assim esclarece em suas palavras (2012, p. 155):
Logo, a permitir-se que o Ministério Público, por mais bem intencionado que
esteja, produza de per si investigação criminal, isolado de qualquer
fiscalização, sem a participação do indiciado, que nem ouvido precisa ser,
significa quebrar a harmônica e garantista investigação de uma infração
penal. Não é pelo fato de ser o inquérito naturalmente sigiloso que o acesso
do advogado, por exemplo, é vedado. Ao contrário, trata-se de prerrogativa
sua consultar quaisquer autos do inquérito, especialmente quando já há
indiciado cliente seu. O mesmo não ocorreria em investigação sigilosa em
transcurso na sede do Ministério Público federal ou estadual, pois nem
mesmo ciência de que ela está ocorrendo haveria. Por isso, a investigação
precisa ser produzida oficialmente, embora com o sigilo necessário, pela
polícia judiciária, registrada e acompanhada por magistrado e membro do
19
Ministério Público .
Outro argumento usado pelos doutrinadores para inviabilizar que o
ministério público conduza a investigação, é que este seria parte no processo penal,
e uma vez sendo parte, restaria comprometida toda a pesquisa. Portanto, segundo
essa corrente, o ministério público deveria se ater apenas ao que lhe foi atribuído
pela carta magna, deixando que a polícia judicial presida o inquérito e as
investigações criminais, cabendo ao parquet, a requisição e o acompanhamento das
diligências e a instauração do inquérito policial (CF, art. 129, VIII).
19
NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de processo penal e execução penal. 9ª ed. São Paulo.
Revista dos Tribunais, 2012.
35
4 A ATRIBUIÇÃO INVESTIGATÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO E A POSIÇÃO
DOS TRIBUNAIS
Como se vê, as discussões para saber se o ministério público tem ou não
legitimidade para investigar criminalmente estão longe de ter um fim, contudo,
algumas medidas foram tomadas no intuito de se resolver esta celeuma jurídica,
como a elaboração da resolução nº 13/06, que busca regulamentar essa função
ministerial, bem como a PEC 37, com a pretensão de tornar a polícia judiciária a
única legitimada em proceder investigações criminais.
4.1 Resolução n.º 13/06 do CNMP
Bastante inovadora, a Resolução nº 13, aprovada no dia 2 de outubro de
2006 pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), veio ratificar a
legalidade dos membros do Ministério Público em atuarem no âmbito das
investigações criminais, e não somente na esfera cível.
Criada para regulamentar o artigo 8º da Lei Complementar 75/93 e o
artigo 26 da Lei n.º 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a
instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal e dando outras
providências, a resolução n.º 13/06 do CNMP tem a finalidade de regular a atuação
do Parquet frente às investigações criminais e fazendo dele titular legítimo de tais
inquirições.
Art. 1º - O procedimento investigatório criminal é instrumento de natureza
investigativa e inquisitorial, instaurado e presidido pelo Membro do
Ministério Público com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a
ocorrência de infrações penais de natureza pública, servindo como
preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da
respectiva ação penal.
Art. 3º - O procedimento investigatório criminal poderá ser instaurado de
ofício, por membro do Ministério Público, no âmbito de suas atribuições
criminais, ou tomar conhecimento de infração penal, por qualquer meio,
20
ainda que informal, ou mediante provocação.
Como podemos observar nesses artigos, foi dado ao Ministério Público
poderes para instaurar e presidir a investigação criminal, fazendo assim, a apuração
das ocorrências das infrações penais podendo ser instaurado, até mesmo de ofício,
caso venha a tomar conhecimento do fato delituoso.
20
Resolução n.º 13, de 2 de outubro de 2006, CNMP.
36
É importante salientar que o artigo 6º da mencionada resolução descreve
os meios pelos quais poderá o parquet, de forma criteriosa, formar a sua opinio
delict. Dentre outras atribuições, seus membros poderão ter acesso incondicional a
qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância
pública, fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências, bem
como requisitar auxílio de força policial.
Também não menos importante, o artigo 14 instiga a polêmica quando
discorre a respeito do sigilo das investigações, onde o presidente do procedimento
investigatório pode decretar, no todo ou em parte, o seu sigilo para que possa ser
elucidado o fato investigado.
Contrária a esta posição, são várias as entidades que contestam a
resolução n.º 13/06 do CNMP. Como ação principal, podemos destacar a ADIn 3806
ajuizada pela ADEPOL (Associação dos Delegados de Polícia do Brasil), onde eles
defendem que a referida resolução é inconstitucional, uma vez que não cabe ao
Ministério Público a condução das investigações criminais, pois seria uma atividade
exclusiva da polícia judiciária conferida constitucionalmente a esta.
A ADIn contesta, ainda, a questão da competência do CNMP em editar
atos regulamentares, já que quem elabora as leis é o Poder Legislativo e não os
órgãos públicos. Contudo, a procuradoria geral da república já se manifestou
encaminhando
um
parecer
pela
improcedência
da
Ação
Direta
de
Inconstitucionalidade, pois segundo ela, “não se pode confundir o conceito „polícia
judiciária‟ com o de „investigação criminal.‟” 21 (grifo original).
Por fim, o que podemos observar é que esta é uma discussão que
divide a jurisprudência, sendo uma divergência, basicamente entre uma corrente que
defende a atuação do ministério público nas investigações criminais e outra que
apoia a exclusividade da polícia judiciária para esta função.
4.2 Proposta de emenda constitucional 37/2011 (PEC 37)
A proposta de emenda constitucional n.º 37 de 2011, projeto legislativo
elaborado pelo deputado Lourival Mendes (PTdoB do MA), sugeria incluir um novo
21
Procuradoria Geral da República é contra limitação do poder de investigação criminal do MP.
Anperj. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=101305>Acesso em 09 de
janeiro de 2014
37
parágrafo no artigo 144 da constituição federal, que se trata da segurança pública.
Tal emenda limitaria o poder de investigação criminal à polícia civil e federal,
retirando assim, o poder investigativo do Ministério Público, entre outras
organizações.
Com o apoio do conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil,
das associações de delegados de polícia e de alguns doutrinadores como Guilherme
de Sousa Nucci, essa era a “PEC da Legalidade”, pois devolveria o poder
investigativo à polícia, retomando dessa forma, o texto constitucional. Como se
sabe, a carta magna de 1988, em seu artigo 144, §4º, conferiu às polícias civis,
ressalvadas as de competência da União, as funções de polícia judiciária e a
apuração de infrações penais.
Neste sentido, o professor e doutor Ives Gandra da Silva, em entrevista
dada à revista eletrônica Consultor Jurídico (Conjur), diz que
a alegação de que o Ministério Público pode supervisionar as funções da
policia não significa que possa substituir os delegados em suas funções
típicas, razão pela qual, mesmo hoje, a meu ver, já não tem o parquet
direito de sub-rogar-se nas funções de delegado, desempenhando as de
22
parte e de juiz ao mesmo tempo.
A corrente que se manifesta a favor da PEC 37 entende que ela não era
nem mesmo para existir, pois pra eles, a constituição é bastante clara quando
estabelece as funções do ministério público e da polícia judiciária e que em nenhum
momento o legislador atribuiu ao parquet o poder de realizar investigação criminal.
Sobre esse assunto, Luiz Flávio Borges D‟Urso, o advogado criminalista,
mestre e doutor em direito penal pela USP, conselheiro federal da OAB, presidente
da OAB (SP) por três gestões, afirma:
Basta ler para saber o que o legislador quis. Compete às polícias civis a
apuração das infrações penais. Então quando nós lemos a Constituição
Federal, nós não temos qualquer dúvida sobre o que pretendeu o legislador.
Para o Ministério Público ele também foi claro e deu a atribuição da
titularidade da ação penal e também a fiscalização da atividade realizada
pela polícia judiciária. Isso está muito claro na Constituição. Nunca, em
momento algum, o constituinte autorizou o Ministério Público investigar
diretamente infrações penais, o que se realizado consideramos
23
flagrantemente ilegal.
22
Juristas dizem que MP não pode fazer investigação. Consultor Jurídico. 2013
http://www.conjur.com.br/2013-mar-30/juristas-afirmam-investigacao-criminal-exclusividade-policia>
Acesso em 09 de janeiro de 2013.
23
A verdade sobre a PEC 37 – A PEC da legalidade. Questaodejustica.com.br 2013
http://www.questaodejustica.com.br/noticias/31-a-verdade-sobre-a-pec-37-a-pec-dalegalidade#.Uuu1Xz1dW-0. Acesso em 09 de janeiro de 2014
38
Apesar de muitos apoiarem, a PEC 37 não foi bem recepcionada pelos
procuradores da república, pois, para eles, essa era a “PEC da impunidade”, pois
seria uma “retaliação ao trabalho desempenhado pelo Ministério Público no combate
à corrupção”.24 Para essa segunda corrente, a PEC 37 veio para mutilar o ministério
público e retirar da sociedade brasileira a capacidade de lutar por uma punição
adequada.
Com a aprovação da proposta de emenda constitucional, seria tirado das
mãos do ministério público, o poder de investigar crimes, abrindo um grande
precedente para impunidades, uma vez que alguns crimes, (e importantes crimes),
não tiveram uma investigação ampla e conclusiva, como teria, caso fosse
investigada pelo ministério público. Dentre elas, podemos citar o caso do ex-prefeito
Celso Daniel, morto em janeiro de 2002.
Para o promotor de justiça Roberto Wider Filho, a investigação foi
“incompleta”, pois o inquérito policial concluiu que foi um crime comum, advindo de
um sequestro mal executado. Contudo, o ministério público afirma que o crime foi
encomendado por uma quadrilha que queria levantar recursos para financiar
campanhas eleitorais, e que, portanto, a polícia deixou de apurar as “verdadeiras
razões da morte.”25
Acompanhando esse pensamento e indignado com a proposta, o
procurador-geral da república, Roberto Gurgel, chamou a PEC 37 de “insana” e que
o ministério público nunca concordaria com essa hipótese. Assim afirmou o
procurador: “A proposta é insana mesmo. Num país com as mazelas do Brasil, com
o nível de corrupção do Brasil, querer limitar as investigações do ministério público,
ou da receita federal, da controladoria-geral da união, da previdência, seria
igualmente insano.”26
Com tudo isso e em meio às manifestações que invadiram as ruas do
país no mês de junho de 2013, a PEC 37 ganhou repercussão nacional e foi
rechaçada pela população indignada, que pedia a rejeição e o consequente
arquivamento da proposta. A partir daí, os parlamentares se viram obrigados a dar
uma resposta ao povo e no dia 25 de junho de 2013, a PEC 37 foi rejeitada com
24
Câmara adia a votação da PEC 37. Época (20 de junho de 2013). Acesso em: 9 /1/ 2014.
Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/05/09/policia-nao-quisinvestigar-a-fundo-morte-de-celso-daniel-diz-promotor-do-caso.htm> Acesso em: em 11/1/2014.
26
PGR: “Não há como negociar atribuições do Ministério Público”. Acesso em: 11/1/2014.
25
39
votação esmagadora: 430 parlamentares votaram contra, nove votaram a favor e 2
se abstiveram.
Apesar da vitória do povo, a questão ainda continua controversa e o
ministério público ainda continua investigando por meio de uma resolução, contudo,
isso permanece muito frágil. Resolução não é lei, portanto, é necessário que se
elabore com maior brevidade a norma que discipline sobre esse assunto, colocando
um ponto final na dúvida sobre a real legitimidade do ministério público em realizar
investigações criminais.
4.3 A posição do supremo tribunal federal e do superior tribunal de justiça
frente às investigações criminais do ministério público
No decorrer do tempo, a posição jurisprudencial vem oscilando quanto à
possibilidade de o ministério público realizar investigações no âmbito criminal.
Contudo, a pacificação desse entendimento vem se materializando em julgados dos
tribunais, inclusive com a elaboração da Súmula nº 234 do STJ, em que se dispõe
que “a participação do membro do Ministério Público na fase investigatória criminal
não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”.
Ora, quando o ministério público se dispõe a realizar tais investigações,
está evidente o seu interesse no deslinde de grandes processos criminais, e o seu
objetivo, segundo as correntes favoráveis, é o de garantir a apuração das infrações,
diminuindo a corrupção e os desvios funcionais de alguns agentes de polícia,
formando assim, a sua convicção para a propositura da ação penal.
Nesse sentido, a 6ª Turma do STJ se manifestou sobre o tema em 2006,
no julgamento do HC 38.495/SC:
40
“HABEAS
CORPUS.
PREFEITO
MUNICIPAL.
INVESTIGAÇÕES
REALIZADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE DO
PARQUET PARA PROCEDER INVESTIGAÇÕES. AUSÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRIME DE
AUTORIA COLETIVA. TIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA.
1. Em que pese o Ministério Público não poder presidir inquérito policial, a
Constituição Federal atribuiu ao parquet poderes investigatórios, em seu
artigo 129, incisos VI, VIII e IX, e artigos 8°, incisos II e IV, e §2°, da Lei
Complementar n.º 75/1993. Se a Lei Maior lhe atribuiu outras funções
compatíveis com sua atribuição, conclui-se existir nítida ligação entre
poderes investigatórios e persecutórios. Esse poder de modo algum exclui a
Polícia Judiciária, antes a complementa na colheita de elementos para a
propositura da ação, pois até mesmo o particular pode coligar elementos de
provas e apresentá-los ao ministério Público. Por outra volta se o parquet é
o titular da ação penal, podendo requisitar a instauração de inquérito
policial, por qual razão não poderia fazer o menos que seria investigar os
fatos? (...) 4. Ordem denegada, ficando prejudicada a liminar anteriormente
deferida.” (STJ, 6ªT, HC 38.495/SC, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j.
09.03.2006, DJ 27.03.2006. p. 334).
Também é de se observar que, apesar de o inquérito policial ser de
responsabilidade da polícia judiciária, ele é uma peça meramente informativa,
podendo até mesmo ser dispensada pelo ministério público na medida em que já
detenha informações suficientes para que seja proposta a ação penal. Dessa forma,
os próprios tribunais vêm julgando a favor da investigação criminal feita pelo
ministério público, por entender que o órgão possui a prerrogativa de requerer as
providências necessárias para a formação da sua opinio delict.
CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE
POLICIAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO. NOTIFICAÇÃO DE
POLICIAL PARA PRESTAR DEPOIMENTO. LEGITIMIDADE. RECURSO
PROVIDO. I. Validade dos atos investigatórios realizados pelo Ministério
Público, na medida em que a atividade de investigação é consentânea com
a sua finalidade constitucional (art. 129, inciso IX, da Constituição Federal),
a quem cabe exercer, inclusive, o controle externo da atividade policial. II.
Entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a vedação
dirigida ao Ministério Público é quanto a presidir e realizar inquérito policial,
na inteligência de que "não cabe ao Ministério Público realizar, diretamente,
tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial.". III. Esta Corte
mantém posição no sentido da legitimidade da atuação paralela do
Ministério Público à atividade da polícia judiciária, na medida em que,
conforme preceitua o parágrafo único do art. 4º do Código de Processo
Penal, sua competência não exclui a de outras autoridades administrativas,
a quem por lei seja cometida a mesma função. IV. Entender diferente seria
o mesmo que criar "um absurdo jurídico em que a polícia teria o controle
sobre as ações do Ministério Público." V. Hipótese em que a notificação do
recorrido, policial federal, foi realizada com fundamento no art. 8º, I, da Lei
Complementar n.º 75 /93, que permite a notificação de testemunhas e
requisição de sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada. VI.
Recurso provido. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 761938 SP
2005/0101062-2. Relator: Ministro Gilson Dipp, 5ª Turma).
41
O STJ entende que não há monopólio da polícia judiciária no que
concerne à investigação criminal, uma vez que a Lei complementar 75/93 confere ao
ministério público total legitimidade para determinar diligências e inspeções
investigatórias, bem como em grande parte dos seus julgados o tribunal pune pela
constitucionalidade dos feitos investigativos dos membros do parquet, o que vem
contribuindo muito para o rigor das punições.
Em se tratando do Supremo Tribunal Federal, sempre foi pacífico o
entendimento de que quando o investigado é um membro do ministério público, essa
investigação é de total atribuição do procurador-geral, nos termos do artigo18,
parágrafo único, da Lei Complementar nº 75/93 e artigo 41, parágrafo único, da Lei
nº 8.625/93.
Contudo, em um primeiro momento, o STF entendeu que não competia
ao ministério público a investigação de um crime comum, ou seja, não poderia
presidir de ex propria auctoritate uma investigação criminal. Nesse sentido, podemos
destacar alguns julgamentos como o RE nº 233.072-4/RJ, no qual o relator do
acórdão, ministro Nelson Jobim, entendia que não competia ao ministério público a
promoção do inquérito administrativo:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MINISTÉRIO PÚBLICO INQUÉRITO ADMINISTRATIVO - INQUÉRITO PENAL - LEGITIMIDADE. O
Ministério Público (1) não tem competência para promover inquérito
administrativo em relação à conduta de servidores públicos; (2) nem
competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem
possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; (3)
pode propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de
elementos suficientes. Recurso não conhecido. (STF - RE nº 233072/RJ Relator para Acórdão Ministro NELSON JOBIM - julgado em 18/05/99).
Posteriormente, o tema voltou a ser analisado em uma polêmica
discussão relativa ao deputado federal Remi Trinta, que foi acusado por uma
suposta fraude contra o Sistema Único de Saúde (SUS), resultando, portanto, no
inquérito nº 1.698/03. A investigação feita pelo ministério público restou rejeitada
após o oferecimento da denúncia efetuada pelo próprio órgão ministerial.
Em votação, o ministro relator Marco Aurélio, bem como o ministro
Nelson Jobim, posicionou-se contrariamente ao poder investigatório do parquet, no
qual afirmou entender que não caberia ao ministério público a competência para
proceder diretamente as investigações, mas, tão somente, requisitá-las à autoridade
policial.
42
No entanto, com entendimento contrário, votaram a favor os ministros
Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto e o ministro Eros Grau. Contudo, como o
deputado federal não foi reeleito, o julgamento do inquérito não foi concluído,
cessando, assim, a competência do supremo, sendo remetido o processo a justiça
federal do Maranhão.27
Em decisão mais recente, o relator, desembargador Antônio Carlos
Cruvinel, também entende que não cabe ao ministério público a deflagração das
investigações criminais, 28 considerando o procedimento como uma usurpação da
função da polícia judiciária:
EMENTA: MINISTÉRIO PÚBLICO - PROPOSITURA DE AÇÃO CRIMINAL LASTRO EM INQUÉRITO ADMINISTRATIVO - ATIVIDADE RESERVADA À
POLÍCIA JUDICIÁRIA - USURPAÇÃO DE FUNÇÃO - ILEGITIMIDADE DO
ÓRGÃO MINISTERIAL - DENÚNCIA REJEITADA. Lastreando a denúncia
em inquérito ou investigação administrativa, que possui natureza de
inquérito policial, levada a cabo pelo próprio órgão ministerial, a sua
ilegitimidade para o procedimento deflui de normas constitucionais e da
própria Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, não legitimando, por
consequência, a propositura da ação criminal. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA
QUE SE IMPÕE. (TJMG - PCO-CR nº 1.0000.07.453852-1/000 - Relator
Desembargador ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL - julgado em 11/3/08).
Apesar de tudo, o STF vem proferindo decisões nas quais reconhece os
poderes do ministério público em proceder as investigações criminais. Em julgados
recentes, a 2ª turma do supremo vem afirmando que a colheita de determinados
elementos que demonstrem a prova da materialidade e indícios de autoria de um
determinado delito, feitos pelo órgão ministerial, são inteiramente aceitos, uma vez
que não há óbice legal para que os membros do ministério público efetivamente
procedam as investigações, formando, assim, a sua opinio delict e, posteriormente,
oferecendo a denúncia do fato delituoso.
27
STF, Pleno, Inq. Nº 1.968, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 15/02/2007, DJ 26/02/2007.
Nesse sentido tem-se: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL - RECURSO EM SENTIDO
ESTRITO-REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - PEÇAS DE INFORMAÇÃO – MINISTÉRIOPÚBLICO - A
ATRIBUIÇÕES - PODER INVESTIGATÓRIO - ART. 129, VIII, DA CF - JUSTA CAUSA. - Imputação
da conduta delituosa prevista no art. 319, do CP. - Denúncia oferecida com base em peças de
informação com origem, única e exclusiva, na Procuradoria da República. Não cabe
ao Ministério Público apurar infrações penais, exceto infração penal militar. Não tendo poder
investigatório, sua atribuição é, apenas, a de requisitar diligências investigatórias e instaurar inquérito
policial (art. 129, I e VIII, da CF ). - O inquérito policial não é indispensável para o oferecimento da
denúncia, desde que a apuração da infração penal se faça por meio de peças de informação que
forneçam elementos probatórios mínimos capazes de autorizar a propositura da ação penal. Inconsistência da prova colhida extrajudicialmente, que não demonstra a justa causa mínima para
deflagrar a ação penal. Rejeição da denúncia. - A simples instauração do processo penal atinge o
status dignitatis do acusado. - Recurso improvido. (TRF-2 - RCCR: 808 1999.02.01.036266-9,
Relator: Desembargador Federal FRANCISCO PIZZOLANTE, Data de Julgamento: 29/08/2000,
TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJU - Data::15/02/2001).
28
43
A ministra Ellen Gracie, ferrenha defensora da legalidade das funções
ministeriais, vem proferindo em seus julgados e esclarecendo em seus votos, que a
investigação procedida pelo ministério público, em nada retira da polícia judiciária as
funções que lhes foram conferidas constitucionalmente.
DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
ALEGAÇÕES DE PROVA OBTIDA POR MEIO ILÍCITO, FALTA DE
FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA E
EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. PODERES INVESTIGATÓRIOS DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E,
NESTA PARTE, IMPROVIDO. 5. A denúncia pode ser fundamentada em
peças de informação obtidas pelo órgão do MPF sem a necessidade do
prévio inquérito policial, como já previa o Código de Processo Penal. Não há
óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie
diretamente a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a
respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal, mormente
em casos graves como o presente que envolvem a presença de policiais
civis e militares na prática de crimes graves como o tráfico de substância
entorpecente e a associação para fins de tráfico. 6. É perfeitamente possível
que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados
elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da
materialidade de determinado delito, ainda que a título excepcional, como é
a hipótese do caso em tela. Tal conclusão não significa retirar da Polícia
Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas
harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a
compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos
fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti.
(RE nº 468.523/SC, Relatora a Ministra ELLEN GRACIE, DJe 19/2/2010).
(Grifo original).
Partindo em defesa dos interesses da sociedade, o ministério público,
órgão constitucionalmente conferido como guardião do regime democrático de
direito e da ordem jurídica, não poderia ficar de fora de importantes investigações
como a do MS 10.014, na qual o relator, o desembargador federal Johonsom Di
Salvo indeferiu o pedido formulado,29 que retirava do ministério público a legitimidade
de pedir a quebra de sigilo telemático sobre a investigação de um crime que envolvia
menores e adolescentes no qual, veiculavam imagens pornográficas.
29
Ministério Público (funções). Infrações penais (apuração). Investigação (possibilidade). Excesso
(preocupação). Judiciário (atuação). 1. Promover a ação penal é função institucional do Ministério
Público. É uma de suas várias e relevantes funções disciplinadas seja por normas constitucionais,
seja por disposições infraconstitucionais. 2 Consequentemente, é lícito entender que o Ministério
Público, embora as investigações sejam destinadas à polícia nas áreas federal e estadual (apuração
de infrações penais), pode, também e concomitantemente, delas se incumbir. Se não há, em tal
direção, expresso texto normativo, também não existe expresso texto normativo em sentido oposto. 3.
Apurar infrações penais ou exercer a supervisão da investigação criminal é tarefa cujo desempenho,
entretanto, requer de quem exerce a função discrição e serenidade, isso em decorrência dos eternos
princípios da presunção de inocência e da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, etc. 4.
Compete ao Judiciário – se e quando necessário – a correção de desacertos, de violências e
desatinos. 5. Recurso ordinário improvido.
(STJ - RHC: 16659 RS 2004/0138614-7, Relator: Ministro NILSON NAVES. Data de Julgamento:
17/02/2005, T6 - SEXTA TURMA. Data de Publicação: DJ 05/09/2005 p. 490)
44
O relator afirmou que é inconcebível tolher, emascular um órgão como o
ministério público, da sua atividade investigativa, beneficiando instituições que não
dispõem, sequer, de garantis. Dessa forma, é prerrogativa do parquet conduzir as
diligências que lhes foram conferidas constitucionalmente e regulamentadas por lei
complementar:
PENAL.
MANDADO
DE
SEGURANÇA.
SIGILO
DE
DADOS
TELEMÁTICOS. CONDICIONAMENTO DO PEDIDO PELO JUÍZO
IMPETRADO À PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL.
DESNECESSIDADE. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Indeferimento do
pedido formulado pelo Ministério Público Federal, no procedimento de
quebra de sigilo telemático instaurado para apurar delito de veiculação de
imagens pornográficas envolvendo menores e adolescentes pela internet,
não pode ser mantido, tendo em vista que o Ministério Público possui
legitimidade para conduzir diligências investigatórias, o que decorre de
expressa previsão constitucional, regulamentada pela Lei Complementar n.º
75 /93. 2. Integra a própria função do órgão ministerial, na qualidade
de titular exclusivo da ação penal pública, a prerrogativa de proceder à
coleta de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do
delito e os indícios de autoria. 3. O prestígio da atividade investigatória
ministerial encontrou eco recente na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, como consta do HC nº 91.661/PE, julgado pela 2ª Turma em
10/3/2009, relatora Ministra Ellen Gracie. 4. No espírito do estado
democrático de direito não há espaço para impedir que o órgão
constitucionalmente dotado do poder persecutório perante o Judiciário fique
manietado, emasculado, tolhido, da atividade investigativa em benefício de
uma instituição que sequer dispõe das garantias de que é dotado o
Ministério Público em favor da atuação institucional independente. 5.
Segurança concedida. (TRF-3 - MS: 10014 SP 2009.03.00.010014-7,
Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, Data de
Julgamento: 17/03/2011, PRIMEIRA SEÇÃO)
Em suas últimas decisões aos tribunais, não vem mais restando
dúvidas em relação às investigações de crimes pelos membros do parquet.
Gradativamente, os entendimentos vêm se repetindo e tornando cada vez mais
efetiva a atuação do ministério público em proceder suas pesquisas em busca do
convencimento.30
30
Neste mesmo sentido temos: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A
ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. TESE DEINCONSTITUCIONALIDADE
DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL INSTAURADO PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO. IMPROCEDÊNCIA. SOBRESTAMENTO DA AÇÃO ATÉ JULGAMENTO DE RECURSO
EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL.IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça, na mesma linha do entendimento do Supremo Tribunal Federal, já se firmou no sentido de
que a competência para presidir o inquérito policial, exclusiva da polícia judiciária, não impede o
Ministério Público, titular da ação penal, de promover diligências investigatórias para obter elementos
de prova que considere indispensáveis à formação da sua opinio delicti.2. No caso em exame, não
tendo o Ministério Público presidido o inquérito policial, mas, tão-somente, realizado diligências
investigatórias necessárias ao exercício de suas atribuições de dominus litis, não se verifica qualquer
ilegalidade a ser reparada. Afinal, o inquérito policial pode ser dispensado quando já existirem
45
A procura pelo combate à impunidade e a corrupção vem tomando a
frente das investigações e criando, assim, uma instituição mais forte. Dessa forma,
se faz necessária uma investigação mais aprofundada e contundente, mostrando,
desta forma, que o órgão ministerial tem total legitimidade em sua atuação. Assim
entende a jurisprudência:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.
DESCABIMENTO. RECENTE ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.
GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. GARANTIA DA ORDEM
PÚBLICA.
CONSTRANGIMENTO
ILEGAL.
NÃO
EVIDENCIADO.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTROLE EXTERNO DA
ATIVIDADE POLICIAL. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL.
FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. NEGATIVA DE RECORRER EM
LIBERDADE. PACIENTE POLICIAL CIVIL. GRAVIDADE CONCRETA DOS
DELITOS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. WRIT NÃO CONHECIDO. 4.
Afastada a alegação de ilegitimidade do Ministério Público para investigar,
bem como a pretendida nulidade da prova colhida pelo Parquet, posto que é
atribuição precípua do referido órgão proceder investigações e efetuar
diligências a fim de obter elementos de prova, para dar início à ação penal,
conforme, aliás, já proclamou o E. Supremo Tribunal Federal. (STJ - HC:
258447 SP 2012/0231304-1, Relator: Ministro CAMPOS MARQUES
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR), Data de Julgamento:
27/08/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/09/2013)
A possibilidade de investigação criminal feita diretamente pelo ministério
público é matéria recorrente nas instâncias superiores e um tema bastante debatido
e controverso. A tendência que nos traz a jurisprudência é a de que o parquet é
órgão legitimado para proceder no âmbito criminal. Contudo, este é um assunto que
está longe de ser resolvido, mostrando, dessa forma, a necessidade de um
posicionamento definitivo do STF e do STJ, regulamentando a questão, tornando
eficaz a aplicação da justiça para que haja um verdadeiro estado democrático de
direito.
elementos suficientes para embasar a ação penal, como na espécie.3. É consectário lógico da própria
função do órgão ministerial – titular exclusivo da ação penal pública – proceder à realização de
diligências investigatórias pertinentes ao respectivo âmbito de atuação, a fim de elucidar
a materialidade do crime e os indícios de autoria, mormente quando houver indício de infração penal
atribuída a autoridade policial, hipótese em que se autoriza a direta atuação do Parquet na condução
da colheita de elementos para o fim de embasar a opinio delicti. Precedente. 5. Recurso ordinário
desprovido. (STJ, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 01/10/2013, T5 - QUINTA
TURMA)
46
CONCLUSÃO
Segundo o contexto histórico, o ministério público passou por diversas
transformações até chegar a uma posição de destaque no cenário nacional. Foi
possível observar através das legislações existentes que seu campo de atuação
vem sendo ampliado gradativamente e essa sua onipresença terminou por despertar
repulsa por parte de alguns setores da sociedade.
Com o advento da constituição da república de 1988, o ministério foi
institucionalizado e passou, então, a ser essencial à função jurisdicional do Estado e
foi incumbido de defender a ordem jurídica, o regime democrático de direito e os
interesses sociais e individuais indisponíveis. Dessa forma, especialmente a polícia
judiciária se viu incomodada com tamanha virtude do mais novo órgão.
Passou a se verificar, então, uma grande disputa pela legitimidade da
realização da investigação preliminar criminal no Brasil. Depois disso, grandes foram
as discussões doutrinárias e jurisprudenciais a fim de se obter uma convicção clara
de a quem pertenceria esse poder e de que maneira se podem realizar as
investigações criminais.
Entendeu-se, portanto, que o inquérito policial é, entre outros, o meio
mais comum na busca de provas sobre a autoria e a materialidade do delito, que
serve de base para que seja proposta a ação penal, com o escopo de aplicada a
punição cabível ao agente infrator, mas sempre observando os direitos fundamentais
previstos na constituição.
O inquérito policial é um procedimento administrativo discricionário,
inquisitivo, escrito e sigiloso, de natureza inquisitorial, que não admite contraditório
nem ampla defesa, no entanto, é uma peça dispensável, podendo o ministério
público se valer de outras formas de convencimento para o oferecimento da
denúncia.
Apesar de a polícia judiciária ser a titular da deflagração do inquérito
policial, por vezes o ministério público se incumbe de proceder a diligências
investigativas, com a finalidade de formar o seu convencimento, dando, assim,
subsídios
para
a
propositura
da
ação
penal,
porém,
diversos
são
os
questionamentos por parte da polícia, se o parquet tem realmente legitimidade para
tais investigações, que, através deste estudo, podemos demonstrar que é
constitucionalmente viável.
47
Por meio dessa pesquisa, comprovamos que a polícia não detém o
monopólio das investigações criminais, garantindo, assim, a universalização do
acesso à justiça e aumentando a probabilidade de uma investigação bem feita,
elevando, também, o grau de segurança jurídica, diminuindo a criminalidade e a
impunidade.
Entendeu-se que dentre as atribuições dadas ao ministério público,
também se inclui a da investigação criminal, baseando-se na constituição federal,
bem como nas leis infraconstitucionais, como a Lei Complementar nº 75/93, que
dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do ministério público e a Lei
8.625/93, que dispõe sabre normas gerais para a organização do órgão ministerial.
Também foi elaborada a Resolução nº 13/06, regulamentando a
investigação criminal pela instituição, que trabalhando de forma conjunta com a
polícia tem a finalidade de apurar a ocorrência das infrações penais de natureza
pública, podendo o procedimento investigatório ser instaurado de ofício pelos
membros do ministério público.
Deste modo, ficou esclarecido que, em momento algum, propusemos
que as investigações criminais deveriam ser exclusividade do ministério público, pois
essa atribuição é uma primazia da polícia judiciária, no entanto, devem os delegados
de polícia agir em conjunto com os membros do parquet, devendo o órgão
ministerial atuar de forma subsidiária e, principalmente, em casos que exijam uma
maior complexidade na elucidação eficaz do ilícito.
Também foi demonstrada na pesquisa que a tendência dos tribunais é
votarem a favor do entendimento que legitima o ministério público na procedência de
investigações criminais, mostrando-se a solução mais oportuna e ajustada na
repressão contra a criminalidade em prol da defesa de uma sociedade mais cidadã.
48
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