CENTRO REICHIANO DE PSICOLOGIA CORPORAL
MARIA ANGELICA SANCHES
O RESGATE DA AUTO-REGULAÇÃO POR MEIO DA
PSICOLOGIA CORPORAL E DO YOGA
CURITIBA
2009
ii
MARIA ANGÉLICA SANCHES
O RESGATE DA AUTO-REGULAÇÃO POR MEIO DA
PSICOLOGIA CORPORAL E DO YOGA
Monografia apresentada como
requisito parcial ao Programa de
Especialização em Psicologia
Corporal, ministrado pelo Centro
Reichiano.
Orientador:
Prof.
Henrique Volpi
CURITIBA
2009
Dr.
José
iii
Sanches, Maria Angélica
O Resgate da auto-regulação por meio da Psicologia
Corporal e do Yoga / Maria Angélica Sanches – Curitiba:
Centro Reichiano, 2009.
Orientador: Prof. Dr. José Henrique Volpi
Monografia do Curso de Especialização em Psicologia
Corporal, Centro Reichiano de Psicoterapia Corporal.
1. Autoconhecimento. 2. Auto-regulação. 3. Caráter.
4. Conflito. 5. Energia vital.
iv
v
Dedico a todos os indivíduos
cujos
corpos
perderam
a
habilidade de se auto-regular
e com ela a possibilidade de
vivenciar a conexão com a
essência divina, adaptando-se
à vida com plenitude.
vi
.
Agradeço ao José Henrique Volpi e a Sandra Volpi pelos ensinamentos
na área da Psicologia Corporal e por todo apoio e incentivo durante o curso de
formação.
A todos os professores que contribuíram para o meu aprendizado tanto
teórico quanto prático, desenvolvendo em mim qualidades como ser, humano.
Aos meus pais pelos infinitos apoios e por acreditarem em mim e nas
minhas buscas.
A minha filha Jade Sölter por me dar a oportunidade de compreender as
fases do desenvolvimento da criança.
A minha mãe Odilá Sanches pelo seu tempo despendido na leitura dos
termos deste estudo com seus úteis alertas epistemológicos.
Aos amigos pelas gentis paciências e apoios no percurso dos meus
estudos e descobertas.
vii
Como a vida pode ser mais fácil e
cheia de prazer quando a pessoa não
tem que tomar decisões porque o desejo
está tão claro e forte que não há mais
escolhas de comportamento.
Alexander Lowen
viii
RESUMO
O RESGATE DA AUTO-REGULAÇÃO POR MEIO DA PSICOLOGIA
CORPORAL E DO YOGA
Este estudo tem como objetivo explorar os conteúdos da Psicologia Corporal
para mostrar como os conflitos ocorridos nas etapas do desenvolvimento têm
uma qualidade corporal, emocional e mental que afetam o indivíduo em sua
personalidade, na construção do seu caráter e no fluxo da energia vital. Neste
contexto, o funcionamento do caráter torna-se neurótico com base em
conteúdos recalcados no inconsciente. Esta é a origem das couraças que
impedem o indivíduo de vivenciar a sua natureza genuína, capaz de manter a
vida auto-regulada. A filosofia do Yoga é análoga à Psicologia Corporal, pois
define que o ser humano necessita tomar consciência de unidade por meio do
autoconhecimento para vencer as vontades da personalidade egóica. A prática
do Yoga é um conjunto de técnicas com objetivo de transformar a consciência
e assim restaurar a paz mental libertando o indivíduo dos sofrimentos do ego. A
integração dos vários aspectos do homem é capaz de destruir as reações
inconscientes e levá-lo a um estado de consciência plena e autorealizada.
Palavras-chave: Autoconhecimento. Auto-regulação. Caráter. Conflito.
Energia vital.
ix
SUMÁRIO
RESUMO
vii
1 INTRODUÇÃO
10
2 A PSICOLOGIA CORPORAL
2.1 ESTRUTURAS DE CARÁTER
2.1.1 Estrutura de Caráter Esquizóide
2.1.2 Estrutura de Caráter Oral
2.1.3 Estrutura de Caráter Psicopática
2.1.4 Estrutura de Caráter Masoquista
2.1.5 Estrutura de Caráter Rígida
2.2 A PERDA DA AUTO-REGULAÇÃO
2.3 O RESGATE DA AUTO-REGULAÇÃO
13
22
23
25
27
28
30
33
36
3 YOGA
3.1 LITERATURA VÉDICA
3.2 DHARSHANAS, ESCOLAS ORTODOXAS
3.3 YOGA-SUTRA
3.4 ASTHANGA YOGA
3.4.1 Yamas
3.4.2 Nyamas
3.4.3 Asana
3.4.4 Pranayama
3.4.5 Pratyahara
3.4.6 Dharana
3.4.7 Dhyana
3.4.8 Samadhi
3.5 AS PRINCIPAIS VIAS DO YOGA
3.6 YOGATERAPIA
41
44
45
46
51
52
53
53
55
56
57
57
58
59
60
4 CONCLUSÃO
64
REFERÊNCIAS
69
10
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por objetivo mostrar como o indivíduo perde a
auto-regulação e como poderá resgatá-la por meio da Psicologia Corporal e do
Yoga. Este estudo colocou em enfoque o indivíduo que perde sua autopercepção, auto-expressão e auto-possessão devido à construção de couraças
psíquicas e musculares provenientes de conflitos no decorrer do seu
desenvolvimento. O segundo capítulo aborda as idéias de Wilhelm Reich e de
outros autores que se basearam em suas descobertas para explicar como as
desordens internas se refletem na integridade do ser humano. O interesse em
buscar como o indivíduo perde sua auto-regulação aconteceu devido aos
estudos sobre os traços de caráter que definem padrões de comportamentos e
acabam por limitar a pulsão vital.
A energia está presente no corpo desde a vida embrionária e constitui as
raízes dos processos vitais. Neste capítulo é explicado como o bebê pode
perder a sua pulsação natural no nascimento e nas fases do desenvolvimento
que seguem até por volta dos sete anos, chegando à vida adulta com conflitos
decorrentes de estresses prematuros. Sendo assim, o indivíduo adulto cria
padrões de funcionamento para defender sua saúde física e mental. Restringe
a mobilidade do corpo, diminui a respiração e bloqueia a expressividade. Isso
gera um conflito no indivíduo desde a fase infantil, onde ceder ou não as suas
necessidades é uma angústia. A criança passa a limitar o impulso da energia
vital para preservar-se do meio e com isso impossibilita o desenvolvimento
saudável da percepção, da sensação, do pensamento e da ação. O intuito foi
investigar os reflexos dessas limitações sobre o corpo e a mente do indivíduo
adulto.
Todas as descobertas e registros de Reich apóiam-se em um princípio
básico que sustenta o seu trabalho, citado por Volpi e Volpi (2003b): “mente e
corpo são indissolúveis e se influenciam mutuamente.” Com base neste
princípio, pode-se fazer uma possível ligação da visão de Reich com a filosofia
do Yoga. Por esta razão serão aproximadas essas duas abordagens de
transformação no funcionamento do ser humano. O Yoga é uma filosofia de
vida, sendo apontada como um dos mais antigos sistemas holísticos que
possibilita colocar em harmonia o corpo, a mente e as emoções do ser
11
humano, para gerar uma ação mais coerente com os pensamentos e os
sentimentos.
O indivíduo precisa perceber e identificar como chegou ao ponto
limitante da sua vida para que possa romper as barreiras para alcançar a autoexpressão e a auto-possessão. Isto o levará a vivenciar o potencial do seu ser
para garantir uma saúde mais vibrante, com criatividade e honestidade,
respeitando a si próprio e ao ambiente.
Tanto a Psicologia Corporal quanto o Yoga acreditam que o indivíduo
possui um fluxo energético que garante os processos de funcionamento do
corpo, desde as funções mais sutis como as sinapses entre células nervosas
até as funções mais externadas como caminhar, falar, etc. A quantidade e
qualidade de energia no corpo definem a capacidade de se movimentar, sentir
e se expressar no ambiente, refletindo a personalidade e a atitude do indivíduo
em relação à vida. Um corpo com maior fluxo energético terá mais condições
de vida, enquanto um corpo com menos fluxo estará com sua vivacidade
reduzida.
O terceiro capítulo traz a filosofia e a prática do Yoga. Segundo
Desikachar (2007) esta escola tem suas raízes no pensamento indiano, mas
seu conteúdo é universal, porque trata dos meios pelos quais o indivíduo pode
realizar as mudanças necessárias em sua vida. Neste capítulo é apontado
como a prática do Yoga – que está contida em sua filosofia - destaca em seus
ensinamentos a atitude de estar atento às próprias ações de tal modo a
desenvolver uma observação mais cuidadosa que possibilitará a descoberta de
si e dos próprios limites.
Iyengar (2006) descreve que o Yoga busca resgatar a paz mental,
gerando mais estabilidade e tranqüilidade para enfrentar as situações
estressantes da vida. O Yoga ensina o caminho para auto-realização, atuando
sobre os obstáculos impostos pelo ego, indisposições físicas e mentais que
impedem a perfeita harmonia entre corpo e mente. As tensões acumuladas
perturbam a mente, estressam o corpo e causam enfermidades orgânicas. Ter
saúde não é estar livre de doenças, mas ter condições de retornar ao estado
de equilíbrio e harmonia. O Yoga é um grande colaborador deste processo.
Iyengar (2006, p. 20) diz que: “O Yoga não é uma cura milagrosa, capaz de
liberar a pessoa de todo o estresse, mas pode ajudar a minimizá-lo”. Os
estresses roubam as reservas de bioenergia, porque recorrem aos estoques de
12
energia vital armazenado nas células nervosas, esgotando as reservas
energéticas e levando o indivíduo a um colapso físico e mental. O Yoga fornece
ao indivíduo a oportunidade de entrar em contato consigo mesmo e melhor
entender-se, contribuindo para o amadurecimento e integração entre corpo,
mente, intelecto e alma.
Relacionei a Psicologia Corporal com o Yoga com intuito de mostrar
como se complementam em suas teorias e práticas e podem contribuir uma
com a outra para o resgate da auto-regulação do corpo. Ambas fornecem a
oportunidade ao indivíduo de se autoconhecer e possibilitam a harmonia
interna
para
necessidades.
motivar
buscas
mais
condizentes
com
as
verdadeiras
13
PSICOLOGIA CORPORAL
Segundo Volpi e Volpi (2003a) Reich foi discípulo e dissidente de Freud.
Após alguns anos atuando como psicanalista, se sentiu insatisfeito com os
resultados subsequentes das técnicas utilizadas pela psicanálise, percebeu
que não havia mudança efetiva no paciente e acabou por criar sua própria
escola denominando-a inicialmente de Economia Sexual e finalmente de
Orgonomia. Com isso afrontou as idéias da prática psicanalítica proposta por
Freud e foi expulso das Sociedades Psicanalíticas Nacional e Internacional.
Devido a este fato mudou-se para os Estados Unidos. Lá enfrentou o governo
americano por desacato à autoridade devido a suas idéias e trabalho com a
energia orgonio, onde condenado a dois anos de prisão. Antes mesmo de
completar um ano na prisão faleceu vítima de um ataque cardíaco.
Reich após abandonar a psicanálise em 1928, trabalhando com a
Economia Sexual, desenvolveu a técnica da Análise do Caráter, que mais tarde
foi incorporada aos estudos do sistema neurovegetativo e passou a se chamar
Vegetoterapia Caracteroanalítica, até que com a descoberta da energia
orgonio, passou a ser chamada de Orgonoterapia. A Análise do Caráter
conforme Volpi e Volpi (2003b) consiste em analisar as atitudes da pessoa a
fim de alcançar o inconsciente, pois a idéia é de que a incapacidade de
descarga da energia libidinal quando retida no corpo gera a couraça psíquica e
seu correspondente somático, a couraça muscular. Conforme o próprio Reich
(1998), em suas pesquisas, constatou que as couraças surgem a partir de uma
resistência de caráter introduzida na estrutura psíquica que está enraizada no
inconsciente, devido às tensões crônicas de experiências traumáticas ao longo
da vida.
Nas couraças estão presentes conteúdos recalcados inconscientes.
Reich (1998) define que as resistências decorrentes destes conteúdos se
manifestam no comportamento do indivíduo de diversas maneiras como,
censuras, distorções, projeções, racionalizações, condensações etc., e acaba
por afastar o indivíduo da realidade. Este indivíduo passa a criar um modo
especifico de existir que determina o seu traço de caráter. Reich percebeu que
não só as reações procedentes da couraça psíquica eram neuróticas, mas que
o indivíduo apresentava um caráter neurótico, e para solução da neurose seria
14
necessário regular a energia orgânica dissolvendo as couraças que atuam
como mecanismo de defesa.
A partir destes esclarecimentos Reich passou a ver a neurose no
aspecto econômico-energético. Reich (1998) afirma que a couraça serve tanto
para proteção dos estímulos externos quanto para o controle da energia
libidinal. O indivíduo estabelece certo equilíbrio de funcionamento e mesmo
que neurótico, este representa o resultado de seu desenvolvimento total. Por
meio da análise do caráter é possível perceber os comportamentos de defesa
motivados pelas couraças, que definem o funcionamento do indivíduo e
expressa todo o seu passado. Para restabelecer a energia libidinal Reich
levantou a necessidade de descobrir onde ela fica retida e como afeta o
organismo humano. Na analise do caráter passa a prevalecer os mecanismos
de defesa e não mais somente os aspectos do inconsciente reprimido.
A dinâmica da economia energética levou Reich a observar o corpo,
onde percebeu a existência de um movimento energético em direção a
superfície do corpo, promovendo a expansão, a descarga. Em compensação,
surge um movimento em direção ao centro que ocasiona a sobrecarga do
sistema, gerando a contração. Firma-se assim o conceito de antítese centroperiferia relacionada com carga-descarga. Sobre este aspecto Reich passa a
estudar o sistema neurovegetativo do corpo humano e a ligação entre os
processos
de
expansão
provenientes
do
sistema
nervoso
autônomo
parassimpático e os processos de contração oriundos do sistema nervoso
autônomo simpático. Surge então a Vegetoterapia Caracteroanalítica. Volpi e
Volpi (2003 b, p. 9) expõem a definição: “Essa terapia recebeu o nome de
Vegetoterapia porque é uma terapia que trabalha sobre o sistema
neurovegetativo; e caractero-analítica porque no decurso da terapia é possível
fazer a analise de caráter da pessoa.”
Volpi e Volpi (2003 b) comentam ainda que Reich seduzido por suas
descobertas a respeito dos movimentos reflexos do corpo humano iniciou uma
série de investigações, entrando na área da biofísica. Encontrou a existência
de uma energia dentro e fora do organismo, a qual chamou de orgone. Com a
descoberta desta energia cósmica, Reich dá origem à teoria da pulsação
orgástica do plasma. Seu trabalho então passou a se chamar Orgonomia, cuja
função é estudar a energia dentro e fora do organismo.
15
A orgonomia é uma abordagem humana que busca compreender
todo o ser vivo como uma unidade de energia que contem em si dois
processos paralelos: o psiquismo (mente) e o soma (corpo). Tem por
objetivo reencontrar a capacidade do ser humano de regular sua
própria energia, e, por consequência, seus pensamentos e emoções,
podendo alcançar uma vida mais saudável (VOLPI e VOLPI, 2003 b,
p. 11).
O indivíduo utiliza-se de dois níveis de funcionamento para interagir com
a natureza: o psíquico (mente) e o somático (corpo). Estes dois níveis
determinam uma unidade funcional que constituem as características desta
interação. Lowen (1982) cita que para Reich todos os processos biológicos são
caracterizados pela antítese e pela unidade. De acordo com Reich (1998, p.
324): ”A relação antitética é clara: o comportamento fisiológico determina o
comportamento psíquico, e vice-versa.” Sendo assim, se um dos níveis está
em conflito refletirá no sistema orgânico como um todo e perturbará a unidade
de funcionamento. Neste contexto, vale ressaltar que a relação entre os dois
níveis é dialética e estabelecem uma identidade de funcionamento. Reich fez
algumas descobertas através de dados clínicos - por meio da orgonomia - ao
verificar esta relação e chegou a formulações fundamentais para o avanço do
entendimento da relação psicofísica, delineou-as em:
1) a função básica da psique é de natureza econômico-social;
2) a excitação sexual e as sensações de angústia são, ao mesmo
tempo, idênticas e antitéticas (isto é, derivam da mesma fonte do
organismo biopsíquico, mas correm em direções opostas) e
representam a antítese básica irredutível do funcionamento
vegetativo;
3) a formação do caráter é resultado de uma ligação da energia
vegetativa;
4) a couraça de caráter e a couraça muscular são funcionalmente
idênticas;
5) a energia vegetativa pode ser liberada, isto é, reativada, a partir da
couraça do caráter e da couraça muscular, com o auxilio de uma
técnica definida [...] (REICH, 1998, p. 325).
O ponto de partida da orgonomia explicado por Reich (2003) está em
funções observáveis e mensuráveis produzidas pela energia orgone cósmica
sobre os seres vivos de uma forma organizada. O fio condutor do estudo da
motilidade, sendo este, a capacidade do organismo vivo de se mover
espontaneamente, ou ainda de manifestar seu processo vital, foi encontrado na
função do orgasmo. Reich (2003, p. 196) descobriu “que a convulsão orgástica
16
governa todo o reino animal nas próprias raízes de sua existência
bioenergética.”
Calegari ((2001) define que Reich determinou a fórmula do orgasmo a
partir da observação de quatro momentos do material plasmático: a tensão e a
carga determinam a absorção da energia do ambiente, elevando de forma
progressiva o potencial energético do cerne, onde há um aumento da tensão
mecânica e da carga energética do metabolismo vital; em consequência do
acúmulo de tensão o sistema vivo produz a descarga e o relaxamento, onde há
o alívio do metabolismo vital e a liberação do excesso de energia plasmática.
Todo este processo produz o que Reich havia constatado ao examinar o
sistema neurovegetativo: todo organismo possui uma série repetitiva de
expansões e contrações por onde carrega e descarrega o material plasmático e
a energia. Este funcionamento permeia toda escala biológica. Calegari (2001,
p. 29) esclarece esta afirmação mostrando que esses movimentos ocasionam
sempre o mesmo resultado: “a pulsação entre um período de fechamento e
acúmulo de matéria e energia e um período de abertura e descarga de matéria
e energia.”
Volpi (2003 a) comenta
que
segundo
os estudos de Reich,
particularmente sobre o Sistema Nervoso Autônomo, a antítese simpáticoparassimpático foi quem trouxe a compreensão da motilidade do organismo. O
sistema simpático é sinônimo de contração, de angústia e retraimento,
enquanto o parassimpático é sinônimo de expansão, de prazer e abertura.
Estas duas funções, contração e expansão geram onda e pulso, impulsionando
a energia por todo sistema vivo e promovendo a pulsação plasmática. Esta
pulsação é o reflexo do estado interno do corpo e o meio pela qual a matéria
viva se percebe. Calegari (2001) interpreta que os movimentos de onda e pulso
conduzem à percepção das sensações, emoções, sentimentos e pensamentos.
A vida corporal é percebida devido aos movimentos internos provocados pela
pulsação plasmática, enquanto a percepção desenvolve a existência psíquica.
A percepção acrescenta Lowen (1997), é um fenômeno de superfície,
tendo em vista que, um sentimento ocorre só quando o impulso atinge a
superfície do corpo, o que abrange os músculos voluntários. A força e a
intensidade da pulsação plasmática dentro do organismo é o que traz os
estímulos e sensações à superfície e impulsionam o ser vivo a interagir com o
meio ambiente e se perceber como identidade funcional: “eu sou isso”,
17
aumentado assim a vivência corporal e psíquica. A partir das percepções e
sensações corporais a mente nomeia e explica as emoções e sentimentos
como respostas lógicas frente ao mundo externo. O ser passa a se perceber
como uma organização física que percebe o seu ambiente e a si mesmo
através das sensações.
Ainda segundo as pesquisas de Reich apud Calegari (2001), os
músculos estriados esquelético fazem parte da periferia do organismo,
enquanto os músculos lisos exerce domínio nos vasos sanguíneos e nas
vísceras, ou seja, no cerne do corpo. A pulsação acontece do cerne para a
periferia e vice-versa. Quando o corpo está interagindo com o meio a pulsação
desloca a energia do cerne para periferia, fornecendo tensão e carga; o cerne
se expande expulsando a carga energética para fora. Quando a energia retorna
ao cerne acontece a descarga e o relaxamento da periferia; ela entra em
expansão abrindo-se para o exterior. Neste momento, o cerne se contrai devido
ao retorno da carga energética e em seguida, novamente se expande e
expulsa a carga para periferia. Esta é a dinâmica do funcionamento do sistema
vital, cuja vida pulsa entre o período de individualização, ou seja, de retorno
para dentro, e entre o período de interação, de abertura para fora.
Essa troca de energia pela carga e descarga, expansão e contração no
corpo está ligada aos movimentos internos e aos níveis de consciência,
fornecendo ao corpo a vivência do EU. O EU sente e responde a este
sentimento com algum movimento, seja em nível de percepção, de
pensamento, de comunicação ou de ação. Segundo Calegari (2001) o
movimento plasmático que parte do cerne em direção a periferia é o que pode
se chamar de emoção. O autor citado acima (2001, p. 43) descreve que: “As
emoções primárias são o prazer, a raiva e a expressão da dor (choro).” Reich
nomeou de remoção o recuo da energia para o cerne, e relacionou duas
remoções primárias: a angústia e o medo. Portanto, o corpo expressa o que
sente, e sente o que expressa, dando características à personalidade. No
entanto, o corpo é o EU (o indivíduo), e o EU é o corpo.
O corpo está constantemente em movimento, pulsando e gerando ondas
que dinamizam as emoções e movimentam o corpo em busca da satisfação
das necessidades e anseios internos. Neste momento a pulsação é natural
decorrente das vísceras e a periferia do corpo se move diante a esta condição,
confiante que o ambiente acolherá seu impulso. Caso isso não ocorra, o corpo
18
paralisa a excitação interna e experimenta o recuo da energia, gerando uma
contração muscular e respiratória, de tal modo a diminuir a vitalidade corporal.
Para Navarro (1995) todo comportamento demanda de algum esforço muscular
para expressar-se. Se a necessidade de expressão for reprimida, o empenho
gerado ficará ancorado nos músculos que entraram em ação para cumprir a
necessidade da expressão. Navarro (1995, p. 18) diz: “Para mim, tudo o que
diz respeito à memória emotiva está ligada aos músculos e tudo o que diz
respeito à memória intelectiva está ligado à célula nervosa.”
O recuo da energia foi o que Reich denominou de couraça muscular. O
fluxo energético expressa a onda emocional e a paralisia do impulso retêm a
vivencia da emoção por meio da contração muscular, impedindo o processo
natural e limitando a pulsação vital. Este mecanismo passa a ter funções de
defesas inconscientes de proteção à vida, com intuito de preservar a identidade
funcional do individuo. Quando a energia é liberada pela via reprimida, os atos
servirão para sustentar as dificuldades e a baixa energia de expressão,
fazendo surgir a imagem do ego. Calegari (2001) expõe que “Reich chega a
afirmar que todos os conflitos existentes dentro da vida decorrem desse conflito
inicial entre energia e a matéria dentro do sistema vital.”
De acordo com Lowen (1982) o que ocorre da contenção é que, a
musculatura da qual foi retirada a energia, entra em contração crônica ou
espasticidade, permitindo a não-expressão dos sentimentos inibidos e com isto
o distanciamento do desejo inibido. O indivíduo constrói um modo típico de
reagir para evitar o contato com as forças pulsionais que o impulsiona para
satisfação de seu desejo. Reich (1998) esclarece que a psicanálise provou que
este funcionamento estabelece o encouraçamento do ego contra as ameaças
do mundo exterior e as exigências pulsionais. Cria-se um mecanismo
automático independente da vontade consciente, que determina a formação do
caráter.
Reich (1998, p. 151) cita: “O caráter consiste numa mudança crônica do
ego que se poderia descrever como um enrijecimento.” Este enrijecimento é a
base para incapacidade de descarga e interrupção no fluxo de expansão e
contração, responsável pelas reações crônicas; o propósito deste mecanismo é
resguardar o ego dos perigos internos e externos. Reich definiu esta forma de
funcionamento como “encouraçamento”, pois definem comportamentos de
caráter do indivíduo com padrões inconscientes, que restringe a mobilidade
19
psíquica da personalidade como um todo. Estas restrições são dificuldades de
vivenciar o mundo interno e externo de forma a entregar-se às emoções
básicas da vida e à realidade das sensações.
Exatamente como todas as emoções e reações na vida brotam de
sensações de órgãos e movimentos expressivos e correspondem a
eles; exatamente como o organismo vivo forma idéias do mundo que
o cerca a partir das impressões que deriva das expressões do mundo
à sua volta; do mesmo modo todas as emoções, reações e idéias do
organismo encouraçado estão condicionadas pelo seu próprio estado
de mobilidade e expressão (REICH, 2003, p. 59).
Nestas circunstâncias a condição corporal cria mecanismos para moldar
os pensamentos e construir uma auto-imagem de acordo com as limitações
geradas pela pessoa. Essas manobras são realizadas pelo ego de acordo com
o princípio do prazer e do desprazer, e também para evitar que as sensações
de conflitos inconscientes se tornem conscientes. Desta forma o indivíduo está
protegido dos seus impulsos. Em situações de desprazer a couraça se contrai,
fazendo com que a pessoa perca o contato com as sensações internas e com a
realidade externa; em situações de prazer, ela se expande, aproximando a
pessoa tanto de sua realidade interna quanto da externa. O que sustenta o
traço de caráter e diferencia o grau de flexibilidade deste, segundo Reich
(1998) é a capacidade do indivíduo de se abrir e se fechar para o mundo
externo. Dependendo da circunstância, sua estrutura pode ser guiada para a
realidade ou manter-se em uma estrutura de caráter neurótico.
Reich (1998, p. 152) afirma que: ”A couraça de caráter forma-se como
resultado crônico de choque entre exigências pulsionais e um mundo externo
que frustra essas exigências.” Como a construção do caráter também acontece
diante dos conflitos da existência e da defesa da própria integridade, ele passa
a ser uma expressão de natureza secundária - a manifestação do ego - e assim
deixa-se a natureza genuína – a manifestação do self – encoberta pelos
comportamentos e buscas inadequadas. O ego estabelece a comunicação
entre os âmbitos interno e externo do indivíduo. Se o mundo interno esta
limitado por crenças, as relações externas acontecem com objetivo de
sustentar essas crenças, portanto, desconectadas da verdade sincera do
indivíduo. Neste processo perde-se a expressão espontânea e passa-se a ter
um caráter neurótico, ancorado em crenças e defesas com o intuito de manter
a harmonia com o ambiente externo.
20
A característica básica do caráter está na sintonia que existe entre a
identidade mental e o como nos percebemos. Acreditamos que
somos de determinada forma, percebemo-nos e nos explicamos
como sendo exatamente dessa forma (CALEGARI 2001, p. 7).
A citação acima é a base da neurose, pois o indivíduo muitas vezes
desiste da sua verdadeira natureza e passa a desempenhar um papel que foi
organizado através de conflitos internos. Isto limita a sua vida e seu ser.
Segundo Lowen (1986, p. 75): “A máscara ou disfarce tornou-se parte do nosso
ser. O papel passou a ser uma segunda natureza para nós, e nos esquecemos
de como era nossa natureza original”. No entanto, o ego se fortalece e mantêm
os conteúdos recalcados mais presentes na vida do indivíduo, pois, o ego tem
que se enrijecer e assumir um caráter produtivo e automático, já que
enfraquecer seu papel tornou-se uma ameaça física e psíquica. Lowen (1977,
p. 118) comenta: “O caráter é a expressão do funcionamento do indivíduo tanto
no âmbito psíquico quanto no somático [...].”, sendo assim, ele é a maneira
habitual com a qual o indivíduo confronta a vida.
Reich observou que o organismo humano apresenta sete segmentos ou
anéis circulares ao longo do corpo sem uma delimitação anatômica definida.
São representações das áreas funcionais do sistema nervoso autônomo, onde
cada um exibe uma capacidade de pulsação independente. Sobre esta
descoberta Reich traçou um mapeamento emocional do corpo humano e
denotou que cada anel tem sua pulsação elevada de acordo com a fase de
desenvolvimento que o ser atravessa e as buscas relacionadas a ela. Colocar
em risco a pulsação plasmática das partes anatômicas envolvidas em um anel,
devido ao comprometimento energético resultante das constantes frustrações,
demarca a couraça e a região onde houve a fragmentação do fluxo energético.
Os segmentos descobertos por Reich são: ocular, oral, cervical, torácico,
diafragmático, abdominal e pélvico. Não há uma relação anatômica entre eles,
mas emocionalmente eles estão interligados. Reich estudou as etapas do
desenvolvimento emocional do indivíduo, desde a gestação até a maturidade,
com o intuito de entender o desenvolvimento energético de cada segmento, a
que etapa correspondia e os possíveis bloqueios da pulsação energética. Os
bloqueios gerados em uma determinada etapa determinam o caráter do
indivíduo adulto e sua fixação na fase correspondente ao conflito.
Estes
mecanismos inconscientes limitadores da pulsação vital foi o que Reich
21
determinou de couraças. Pierrakos (1990, p. 89) completa esta idéia afirmando
que: “Essa negação do fluxo de energia é o denominador comum de toda a
disfunção humana, [...], moldam as características especificas de cada
pessoa.”
Devemos fazer uma distinção entre os mecanismos protetores
inconscientes e conscientes. Os primeiros constituem as couraças;
elas estão fora da consciência e do controle voluntário, são
automáticas. Além das couraças, o ego necessita de mecanismos de
proteção para estar no mundo, porém devem ser conscientes e,
portanto, flexíveis, podendo ser usado ou não (CALEGARI, 2001, p.
65, 66).
Com base nos estudos de Reich, Calegari (2001) descreve que o
encouraçamento pode acontecer em quatro níveis diferentes. Cada um produz
uma couraça específica: 1) Couraça vegetativa do cerne restringe a pulsação
energética; 2) Couraça muscular reprime a “vivência corporal muscular”, ou
seja, as limitações dos movimentos deliberam a forma de sentir e agir de
acordo com as defesas do caráter; 3) Couraça caracterológica limita a vivência
psíquica, está conectada a organização da couraça muscular, pois por meio
dos comportamentos estrutura-se a percepção e o pensamento, gerando
conceitos, imagens, interpretações e racionalizações de si e do meio; 4)
Couraça vegetativa visual afeta à organização da consciência, ela incide da
união entre as vivências corporais e psíquicas e é responsável por estabelecer
a autopercepção. Nesta conjuntura, Calegari (2001, p. 68) argumenta: ”Na
realidade, sempre que houver uma parte do corpo encouraçado, ocorrerão
diminuição da autopercepção e racionalizações ou crenças errôneas a respeito
dela e de suas funções.”
Ainda sobre a reflexão de Calegari (2001), a relação entre as formas de
couraça, seja pela diminuição da vitalidade, limitação dos movimentos,
estruturação da percepção e do pensamento resulta em uma única questão:
limita-se à consciência para preservar a identidade egóica. Lowen (1977) alega
que Reich formulou a função econômica do caráter afirmando que a resistência
do caráter surge como meio de evitar o desprazer e de absorver energias
reprimidas. A formação do caráter procede de experiências infantis que
produzem
no
indivíduo
adulto
a
resistência
do
caráter
através
de
comportamentos defensivos e transferênciais. Sobre este contexto, Lowen
22
ainda enfatiza que o caráter para ter acepção necessita estar relacionado à
estrutura do ego.
[...] deve-se salientar uma vez mais que a formação do caráter
depende não apenas do fato de a pulsão e a frustração chocarem-se
uma contra a outra, mas também da maneira como isso aconteceu,
da fase de desenvolvimento durante a qual os conflitos que formam o
caráter ocorreram e das pulsões envolvidas (REICH, 1998, p. 155).
Reich
(1998)
acrescenta
que
caráter
não
são
apenas
os
comportamentos, e sim a totalidade de tudo o que o ego constrói como padrões
de reação, ou ainda, características de reações de uma personalidade
específica. Os mecanismos protetores do caráter atuam quando a angústia é
sentida no interior do corpo, pode ser de natureza interna pulsional ou por um
estimulo externo pertinente ao aparelho pulsional, todavia, em qualquer uma
das situações o caráter tende a controlar a angústia presente. O que
caracteriza cada caráter não é sua resistência, mas as forças pulsionais
utilizadas para isto. As couraças concebem os limites em que o ego pode
funcionar sem angústia, portanto, o indivíduo percebe, pensa e age dentro dos
limites do seu caráter.
Pierrakos (1990) fala que essas características de funcionamento
tendem a seguir padrões, porque os seres humanos tem modos similares de
estabelecer defesas contra a dor, a ansiedade e o sofrimento. Essas
características de padrões de defesa tiveram seu inicio catalogado por Freud
de acordo com a origem da história psicológica da pessoa. Após Reich
analisou-as através das atitudes e as determinou como estruturas de caráter.
A caracterologia analítica proposta por Reich e formulada na função econômica
do caráter levou Lowen (1982) através da bioenergética a classificar os
diversos traços de caráter em cinco tipos básicos de estrutura: esquizóide, oral,
psicopática, masoquista e rígida. Cada um deles tem um padrão comum de
defesa tanto a nível em psicológico, energético e em nível muscular, sendo isto
que os diferenciam. Nenhum indivíduo é um tipo puro de caráter e o que o
define de acordo com Pierrakos (1990) são três formas de negação: vontade
própria, orgulho e medo. São formas que se combinam na pessoa e que
influenciam na sua vitalidade, nos seus impulsos e nas suas defesas
manifestadas com objetivo de controlar o meio e aliviar a angústia.
2.1 ESTRUTURAS DE CARÁTER
23
Antes de relatar as características dos cinco tipos de caráter vale
salientar a distinção entre neurose de caráter e neurose sintomática, pois serão
aspectos citados nas descrições a seguir. A primeira já foi esclarecida
anteriormente, mas Calegari (2001) enfatiza como sendo um conjunto de
crenças que surgem como solução aos comprometimentos infantis, quando há
discordância entre as crenças e o funcionamento ou entre o indivíduo e o
ambiente, surgindo às racionalizações e negações. A neurose de caráter é
egossintônica, demarca a forma do indivíduo funcionar no mundo. A neurose
sintomática desvenda um momento de desequilíbrio da economia energética,
quando o equilíbrio entre as couraças caracteriológica e muscular rompem.
Neste momento a estase energética aumenta e sobrecarrega os órgãos e as
funções
fisiológicas,
ocasionando
sofrimentos,
sintomas
corporais
e
dificuldades de relação com o ambiente. Acontece uma incapacidade do
caráter em solucionar a tensão interna.
Na sequência, resumidamente, apresenta-se os cinco tipos de caráter
segundo a escola da Análise Bioenergética de Alexander Lowen:
2.1.1 Estrutura de Caráter Esquizóide
A constituição deste caráter está vinculada ao segmento visual, ou etapa
ocular. A experiência emocional que interrompe o desenvolvimento saudável
acontece no útero materno e/ou nos primeiros vínculos afetivos, por meio da
rejeição por parte da mãe. A mãe mostra-se fria nessa fase, mesmo que
inconscientemente e afeta o contato do bebê com o mundo. Este sente sua
vida ameaçada e percebe o mundo de forma hostil e não-acolhedora, por isso
retrai sua energia para dentro do corpo como meio de evitar sua relação com a
realidade, pois o mundo não o sustenta. Quando se concretiza esta ação os
sentimentos do próprio corpo são negados, a identidade desenvolve-se
baseada em uma imagem projetada pelos pais - já que a estruturação da
identidade necessita do corpo - enfraquecendo o ego da criança. Acontece
assim uma cisão entre ego e corpo.
O indivíduo que apresenta traço de caráter esquizóide tem a tendência a
dissociar-se dos sentimentos e de se retrair da realidade externa. Costuma
valorizar a razão e desvalorizar as emoções, nega o seu corpo e suas
24
sensações. Segundo Volpi e Volpi (2003 c, p. 64): “O esquizóide, por sua vez,
sabe que tem corpo, orienta-se no tempo e no espaço, mas não se identifica
com seu corpo, não se sente vivo, desliga-se de si mesmo, do mundo e das
pessoas”.
Lowen
(1979)
expõe
que
este
indivíduo
utiliza-se
de
intelectualizações para sustentar o contato com a realidade, já que este lhe
desperta sentimentos como a rejeição e a hostilidade, além de sobrecarregá-lo
de medo. Há um medo de contato severo, pois a alienação e o isolamento
característico do esquizóide enfraquecem o ego e o seu senso de identidade. O
contato com o mundo representa uma tentativa de auto-afirmação para
qualquer indivíduo, mas para um indivíduo com este traço de caráter ele é
obtido como uma possível aniquilação do ego.
Calegari (2001) afirma que a força energética está nos olhos, ativando o
primeiro movimento do ego de ir para o mundo. A fase visual é aonde o bebê
inicia a vivência do ego perceptivo. O movimento saudável do ego seria
ostentar o prazer de ir para mundo, percebê-lo visualmente e sentir-se
pertencente a ele. O movimento dos olhos principia a separação da mãe, e a
percepção entre o EU e o TU. Assim sendo, desenvolve-se a “percepção
objetiva da realidade” (função do ego) e o “centramento da identidade
energética” (funções do EU).
Na estrutura de caráter esquizóide a carga de energia costuma enrijecerse no centro do corpo, devido as fortes contrações musculares utilizadas para
manter os impulsos naturais sobre controle como forma de proteção. Lowen
(1982) afirma que a energia da pessoa com este traço esta retida e não flui do
centro para os órgãos que fazem contato com o mundo: rosto, mãos, genitais e
pés. Há uma desconexão com a superfície do corpo, a musculatura próxima à
superfície está contraída, o que diminui os impulsos e dificulta a motilidade do
organismo, mantendo o corpo com uma baixa carga energética. Quando há
rupturas graves no fluxo energético esta estrutura se aproxima da psicose.
Pierrakos (1990, p. 93) apresenta as três formas de negação desta estrutura no
seguinte trecho:
A Essência está cercada por negações primais não-integradas, e a
principal emoção protetora transmitida à periferia é o medo. Isso
produz extrema desconfiança, que chega á paranóia, nos vários eus
da máscara. O orgulho na estrutura esquizóide, é muitas vezes tão
intenso quanto o medo e, dada a desorganização sistêmica da
pessoa, expressa-se numa atitude de controle. A vontade própria
flutua, mudando com os diferentes eus periféricos; não há coesão
geral.
25
O Lowen (1982) complementa que há tensões crônicas localizadas na
base da cabeça, nos ombros, nas articulações do quadril e ao redor do
diafragma. Aparece também uma cisão energética no corpo na altura da
cintura, separando o corpo em superior e inferior, dificultando a integração
entre as duas partes. Os Braços parecem não pertencer ao corpo e os pés
apresentam-se rígidos e frios, com descarga de peso sobre as bordas
externas.
As funções do segmento visual segundo Calegari (2001) são: visão,
audição, olfato, percepção energética, função mental, atenção, auto-percepção,
coordenação das funções corporais e consciência. Os principais sintomas
conseqüentes do bloqueio ocular são: cisão (estado psicótico), confusão
mental, desorganização, sensação de estar distante ou disperso, dificuldade de
atenção, estados dissociativos, insônia, medo, pânico, desconfiança etc. Os
sintomas físicos são: miopia, hipermetropia, conjuntivite, glaucoma, labirintite,
cefaléia, enxaqueca etc.
2.1.2 Estrutura de Caráter Oral
O desenvolvimento do caráter oral esta associado à fase de
amamentação. Conforme explica Calegari (2001) essa etapa está atrelada ao
primeiro ano de vida do bebê. Este busca na mãe a satisfação de suas
necessidades biológicas, de amor e cuidados. Quando a busca é satisfatória o
bebê estabelecerá a vivência de que o mundo é adequado, que fornece amor e
o recebe bem. Isso resultará em um alto nível de carga energética em busca do
prazer, pois sua relação com o mundo é boa e deve ser incorporada. Caso
contrário desenvolverá a sensação de abandono, de não receber o apoio para
suas necessidades básicas. A mãe nessa situação não oferece segurança
emocional por agir de forma superprotetora ou com atitudes de abandono. De
ambas as formas a mãe não fornece ao bebê a possibilidade de encontrar sua
própria força, a autoconfiança não pode ser construída e com isso se fixa a
dependência emocional.
No indivíduo com caráter oral existem muitos traços da infância como:
fraqueza, dependência, baixa agressividade e necessidade de ser apoiado e
cuidado. Sua maior característica é a carência afetiva, enquanto no esquizóide
é a rejeição. Calegari (2001) comenta que o bebê procura na mãe de modo
26
incondicional suprir suas necessidades de alimento, contato, calor, proteção e
amor. Quando há frustração em algum dos aspectos citados acima ocasionará
uma descrença na relação e no amor, e uma postura de não necessitar do
outro. A criança perderá a confiança básica na sua ação, desenvolvendo uma
ação com falta de auto-sustentação, um ego frágil que o manterá dependente
do ambiente. Pierrakos (1990) afirma que a distorção básica do oral é o
orgulho. Todas as suas ações são comparadas com a dos outros devido à
autoconsciência e autodireção serem fracas. A vontade própria se impõe sobre
os outros e o medo altera o instinto de autopreservação, mantendo a
concentração e defesa contra a própria força vital.
Lowen (1982) diz que esta estrutura de caráter tem baixa carga
energética. A energia não esta fixada no centro como no caráter esquizóide,
mais chega até a periferia do corpo de forma precária. Existe uma fraqueza em
todo sistema muscular, o que reduz a força do impulso. A baixa energia é mais
acentuada na parte inferior do corpo, eliminando o vigor do indivíduo e
transmitindo a sensação de falta de sustentação, ou seja, um indivíduo com o
traço de caráter oral não consegue manter-se sobre os próprios pés. Deste
modo necessita ser amparado por outras pessoas a fim de receber calor e
apoio, constantemente tem uma sensação de vazio. Logo, o baixo nível de
energia leva o indivíduo de traço oral à inconstância de humor, variando entre a
depressão e a euforia.
Calegari (2001, p. 106) acrescenta: “A fixação na fase oral pode ter duas
direções distintas: a oralidade repressiva e a oralidade insatisfeita.” Na primeira
o segmento oral encontra-se contraído, com baixa carga e excitação. Os
sintomas mais comuns são: crítica mordaz, ironia, anorexia e depressão.
Navarro (1995) cita que o oral repressivo - para ele oral reprimido – obteve o
desmame de forma brusca e não experimentou a função do prazer, por isso,
apresenta um alto nível de raiva contida. Este indivíduo não tem consciência de
sua depressão, assim sendo, se defende dela por meio de uma atitude reativa
raivosa. Exibe também racionalidade, determinação com baixa agressividade
eficaz e baixa receptividade. A musculatura do corpo apresenta-se hipertônica.
O oral insatisfeito adquiriu uma ligação de dependência com o ato de
sugar, persistentemente buscando amor, prazer, proteção e alimentos. Os
principais sintomas de acordo com Calegari (2001) são: voracidade, obesidade,
drogadição, alcoolismo e quadros de hipomania e mania.
27
O oral insatisfeito é uma pessoa que no fundo sempre esconde a
situação depressiva, mas como é plenamente consciente dela,
procura compensá-la com alimento, álcool, fumo ou qualquer
substituto que possa dar-lhe pelo menos um mínimo de satisfação no
nível oral (NAVARRO, 1995, p. 59).
Ainda sobre o traço oral insatisfeito, sua auto-imagem é engrandecida,
costuma ter grande inteligência no nível mental, mas com baixa capacidade de
realização. Seus comportamentos são de exigir e absorver o outro. Sua
musculatura é hipotônica, as articulações são soltas e os pés sem arco,
transparecendo a falta de base e de segurança no corpo. Para ambos os
aspectos do traço oral os sintomas físicos são: bruxismo, problemas de ATM,
baixo tônus muscular e fragilidade corporal.
2.1.3 Estrutura de Caráter Psicopática
Esta estrutura está associada à fase anal do desenvolvimento. Reich
define dois traços de caráteres presentes nesta fase: compulsivo e masoquista.
Lowen os nomeia de psicopata e masoquista. Aqui será tratado pelo nome
determinado pela bioenergética de Lowen, no entanto, as abordagens serão
sobre os conceitos de outros autores que independente da denominação fazem
menções equivalentes às questões fundamentais dessa etapa. A fase anal cita
Calegari (2001), é de conquista da autonomia interna e se estende até por volta
dos dois anos e meio de idade. A criança nesse período volta-se para si próprio
e para o seu funcionamento. Suas exigências de amor e cuidados externos
diminuem, sua dependência começa a dar espaço para o nascimento da
própria identidade.
A criança quando permeia a sua autonomia busca nos pais aprovação.
Para concretização do traço de caráter psicopático a criança encontrou
sedução, invasão e negação do direito de ser independente por parte dos
genitores. Volpi e Volpi (2003 c) afirmam: “O psicopata é a criança possuída,
usada.” Os autores ainda comentam que para suportar o medo de perder o
controle e o amor, compensa se auto-afirmando exageradamente e negando os
próprios sentimentos, o que dá origem à supervalorização da imagem e ao
comportamento narcisista. Lowen (1982) descreve que prevalece o controle, o
28
poder, a manipulação, o domínio sobre os outros por meio da opressão ou da
sedução e o desprezo pelos próprios sentimentos e alheios.
No indivíduo com este traço de caráter existe um excesso de carga
energética na cabeça, ocasionando uma hiperexcitação na mente que resulta
numa forte tendência a controlar as situações. A necessidade de controle é por
que no âmago desse indivíduo encontra-se uma auto-estima que vacila entre
se sentir superior e inferior, entre controlar e ser controlado, pois há um grande
medo de ser usado e de fracassar. Lowen (1982) sobrepõe que o indivíduo
fortalece o seu ego e nega o seu corpo e seus sentimentos, principalmente os
de origem sexual. A sexualidade é utilizada num jogo de poder, o desempenho
e a conquista são mais importantes do que prazer na relação.
A energia corporal é desequilibrada, alta na parte superior do corpo e
baixa na parte inferior. Entretanto, o aspecto físico é desproporcional, com
aparência inflada, forte na parte de cima (peito) e fraco na parte de baixo (pelve
e pernas), características relacionadas ao tipo tirânico; no tipo sedutor a
aparência é mais regular. Há uma compressão no diafragma que impossibilita a
descida do fluxo energético e dos sentimentos para partes inferiores do corpo.
Volpi e Volpi (2003 c) mencionam que a energia é projetada para fora com
intuito de controlar o ambiente e distanciar-se do self. Esse traço de caráter
esta relacionado aos segmentos: cervical, peitoral e diafragmático. Portanto, os
sintomas físicos apresentam-se com tensão na região do pescoço e dos
ombros, com atitude inspiratória no peito e contração no diafragma. Os olhos e
a cabeça costumam transparecer sobrecarregados e atentos.
2.1.4 Estrutura de Caráter Masoquista
Esta estrutura como a anterior é demarcada pela fase anal. Foram
mencionadas acima as características desta fase, mas o que diferencia no
traço de caráter masoquista é que a criança conviveu com atitudes de uma
mãe controladora ao ponto se sufocá-la e com um pai passivo e submisso a
esta mãe. Ambos humilham a criança e cobram dela obediência, transmitem a
mensagem de que ela não é capaz de nada sozinha. A criança passa a se
sentir inferiorizada, humilhada, culpada e envergonhada em relação as suas
necessidades. Calegari (2001, p. 112) expõe que: ”A partir daí a ambivalência,
a dúvida e a culpa estarão sempre implícitas no comportamento anal.”
29
Controlar ou liberar as funções excretoras para criança passa a ser sinônimo
de repressão severa. Qualquer atitude que a criança tente declarar faz com
que sua culpa aumente, pois sua luta interna entre liberdade e medo da não
aprovação eleva consideravelmente o seu nível de tensão.
O indivíduo adulto com este traço de caráter conforme Lowen (1977) tem
a idéia de que faz o maior esforço, mas que não é valorizado e não têm
sucesso. Ele tem sensação de sofrimento e infelicidade que se expressa em
lamentações. O sofrimento é verdadeiro devido ao seu sentimento de
inadequação e desvalorização, as queixas são sempre relevadas em atitudes
autodepreciativas. Como tem a necessidade de ser aprovado se empenha para
agradar sendo servil e submisso, com a esperança de receber amor. O alto
nível de tensão interna ocasionado por esta situação leva a sentimentos
antagônicos de negatividade, de hostilidade e superioridade. A contenção é tão
grande para evitar a expressão das verdadeiras emoções, devido ao medo de
punição, que mantém o indivíduo em um estado de “medo de explodir”. Assim
sendo, sua musculatura encontra-se tensa e contraída não apenas para
restringir os movimentos, mas para supressão da agressividade.
O masoquista segundo Reich (1998) cultiva dentro de si um rancor
infantil que alimenta a negatividade dos seus sentimentos. Isto faz com que
suas exigências de amor sempre tenham um tom provocativo, com a finalidade
de demonstrar o seu despontamento com os objetos que interage. Essa
característica de desapontamento é a dinâmica desse caráter, impedindo a
verdadeira satisfação em qualquer situação, pois, o alicerce de sua excessiva
exigência de amor está estabelecido em uma angústia prematura de decepção
com o objeto amado e o medo de ser abandonado. Portanto, há uma
demasiada necessidade de amor e aceitação devido a infância repressora.
Esse indivíduo convive com uma sensação de luta interna, uma autocrítica
brutal sobre todas suas produções e com dúvidas torturantes, o que evidencia
uma forte intolerância a tensões psíquicas e um alto nível de energia presa no
organismo. Sua agressividade e auto-afirmação são consideravelmente
reduzidas.
As expressões predominantes são a hesitação e o medo,
relacionadas com a recusa da pessoa ao movimento. Aqui também o
medo desloca o instinto de autopreservação. Gera um estado de
preocupação e ansiedade não especificadas que é, por assim dizer,
um truque para evitar que a pessoa permita o fluxo de energia. A
30
vontade exterior acompanha o medo, tomando forma de teimosia e
resistência, desdém e desafio. A distorção do orgulho tem dois gumes
– uma atitude superficial de humildade e afabilidade que esconde
uma atitude de superioridade e uma tendência a caluniar os outros
(PIERRAKOS, 1990, p. 92).
De acordo com Lowen (1982) a contenção da energia é severa e impede
a descarga e por consequência as ações expressivas são muito limitadas e o
nível de ansiedade alto. A atitude provocativa do masoquista funciona como um
meio de liberar o excesso de carga energética interna, já que esta não se
mantém sedimentada. O corpo apresenta bloqueios na cintura e no pescoço, é
denso, entroncado e sobrecarregado. Os principais sintomas físicos dos
desajustes da bioenergia são: tensão no pescoço (curto e grosso), ombros e
assoalho pélvico, abdômen contraído, dificuldades nas expressões vocais,
peito estufado e contido, músculos flexores tensos e com pouca flexibilidade,
além de um bloqueio acentuado da energia na região do diafragma.
2.1.5 Estrutura de Caráter Rígida
A última estrutura de caráter apresentada por Lowen (1982) é a rígida,
onde o orgulho predomina como atitude de defesa. A etapa fálica acontece
entre quatro e seis anos de idade, no período edipiano e está conectada ao
segmento pélvico. Nesta fase a criança busca aprovação de sua identidade
sexual no genitor do sexo oposto. No caso da sexualidade ser reprimida,
frustrada, a criança torna-se agressiva para se auto-afirmar, procura identificarse com o genitor do mesmo sexo e competir com ele. Se este último genitor
consente a expressão da agressividade, se desenvolverão caráteres mais
ativos, com a angústia de castração; se subjuga a expressão passarão a existir
caráteres mais passivos, com a angústia incestuosa. De qualquer forma a
criança cria um sentimento de ódio pelos dois genitores, pois um a rejeita
enquanto o outro compete com ela. Sendo assim, a criança não se sente
amada em sua sexualidade e então surge a mágoa, o ressentimento e os
desejos de vingança.
A criança não diferencia a rejeição da sexualidade e do amor, para ela
ambos foram rejeitados nessa fase. Calegari (2001, p. 119) alega que: “Com
frequencia os pais não suportam o contato físico com os filhos quando estes
começam a mostrar interesse sexual.” Devido a esse fato ela reprime a
31
expressão sexual de seu amor. Na adolescência o conflito reaparece em forma
de vingança e continua separado do amor. Quando adulto esse indivíduo se
defende dos impulsos que buscam o prazer, têm medo de ceder, de ser usado
e enganado e de perder a liberdade, constrói assim uma postura determinada
com atitude rejeitadora e orgulhosa.
Lowen (1982) coloca que existe grande carga de energia principalmente
na periferia do corpo, o que favorece experimentar a realidade e até mesmo
controlá-la antes de agir. A contenção dos impulsos paralisa na periferia do
corpo, portanto, sua expressão é limitada. O corpo geralmente apresenta
harmonia entre as partes, mais assegura- se de uma forte rigidez para que o
ego suporte o controle dos comportamentos. As principais áreas de tensão são
os músculos longos do corpo, principalmente das costas e das pernas, para
agüentar a postura ereta e orgulhosa. Quando a rigidez é mais branda o corpo
demonstra mais vivacidade nos olhos brilhantes, na cor da pele e na leveza
dos gestos e movimentos; em contrapartida, mais rigidez, menos vivacidade.
Existem dois traços de caráteres rígidos mais passivos. Volpi e Volpi
(2003 c) explicam que o caráter histérico tem origem nas ligações incestuosas.
A menina vê o pai como objeto genital, o seduz como expressão de seu amor e
sua necessidade de afirmar sua sexualidade, o pai ansioso passa a rejeitá-la,
alia-se à mãe contra a filha, que então a rejeita também. Edifica-se assim um
comportamento na mulher onde as necessidades sexuais são odiadas, ela
seduz através da sexualidade para poder rejeitar depois como fator de
vingança ao sexo masculino. Lowen (1982) comenta que há uma cisão entre
sentimentos amorosos e genitalidade. No corpo há presença do pescoço rígido,
queixo duro e enrijecimento das costas desde a base do crânio até o sacro.
O outro traço passivo é o caráter passivo-feminino, designado ao sexo
masculino por apresentar uma supressão da agressividade. Conforme Volpi e
Volpi (2003 c) o menino conviveu com um pai submisso e fraco que encoberta
estas características com atitudes hostis e omissas, gerando medo na criança.
O pai não estimula a agressividade no filho e tão pouco é objeto de
identificação para este. A mãe é forte e sua relação com filho é em alguns
momentos de frieza e outros de sedução. A criança chega à fase genital com
questões de privação oral devido aos comportamentos da mãe, instala-se
assim, o seu conflito interno: identifica-se com a mãe por ser mais forte que o
pai, mas precisa ser o “bom menino” para manter o amor dela e com isso
32
reprime sua sexualidade; sente ódio pelo pai que não o protege da sedução da
mãe, e culpado por isto acaba por inibir sua agressividade e impulsividade.
Entretanto, o passivo-feminino de acordo com Lowen (1977) não se sente
fracassado como o masoquista, ele apenas mantém uma baixa carga para
atitudes agressivas e decisivas. Corporalmente apresenta musculatura interna
tensa, enquanto a superficial é mais mole, sua expressão facial é suave e
plástica.
Os traços rígidos mais ativos são: o caráter fálico-narcisista e o caráter
agressivo-masculina. O primeiro é relacionado à rigidez masculina. Volpi e
Volpi (2003 c) asseguram que os homens com este traço de caráter
apresentam um bom desempenho profissional e social, são sexualmente
atraentes às mulheres e se mostram bastante adaptados ao meio. Demonstram
um alto nível de agressividade e determinação em suas ações na busca pelo
poder, objetivando sempre vencer. Sua preocupação não é exatamente com o
sucesso, mas sim com o medo de fracassar. Contudo, a determinação que faz
com que tenha sucesso é também a causa de sua neurose. Na infância o
menino se relaciona com um pai forte que instiga sua agressividade de
competição em relação à mãe. Ele vê o pai como vencedor do amor da mãe,
pois a mãe rejeita sua sexualidade e se junta ao pai contra o ele. Crescerá com
a idéia de reconquistar a mãe perdida e provar sua virilidade ao odiado pai. Por
conseguinte, a oposição ao pai pode voltar-se contra as mulheres, recordando
a mãe que negou sua sexualidade. O adulto então, conforme Lowen (1977, p.
264): “[...] não encontra satisfação profunda em nenhum nível de atividade e
vê-se forçado a prosseguir com a perseguição e a conquista.” Sua função
mental e muscular é mais utilizada do que a função visceral, portanto, seu
organismo tanto psicológica como somaticamente é pouco flexível.
Já o segundo, o caráter agressivo-masculina citado por Volpi e Volpi
(2003 c) é direcionado à menina e retrata a história do pai que rejeita a
sexualidade da filha, mas a incentiva intelectualmente e agressivamente. A
mãe nessa situação se mostra fraca e permite a hostilidade da filha. A
femilidade da menina é negada pelo pai e a mãe submissa tolera a
agressividade da criança e se une a ela contra o pai. A criança sente atração
pelo pai e desprezo pela figura feminina devido à imagem de fraqueza e
ausência da mãe. O conflito na mulher passa a ser entre manter a
agressividade e a competição, comandadas pelo ego, ou dar vazão às
33
necessidades sexuais receptivas. Forma-se assim, a luta interna entre ego e
sexualidade, a qual o ego acaba por vencer. Os comportamentos em relação
aos homens são de competição, dominação e castração. Corporalmente essa
mulher apresenta solidez e inflexibilidade.
2.2 A PERDA DA AUTO-REGULAÇÃO
As descrições acima servem para demonstrar como os conflitos
prejudicam a vida saudável, motivam os padrões de comportamentos, a
constituição física e energética do indivíduo. Lowen (1977, p. 255) refere que:
“Os tipos de caráter são psicologicamente diferenciados por suas estruturas de
ego, ou seja, por suas atitudes frente à realidade.” O autor acrescenta dizendo
que quando há uma determinada repressão, o desempenho contra ela é um
processo autonômico involuntário, do qual o indivíduo não tem ciência. Neste
contexto, a neurose pode ser vista como uma limitação do comportamento com
padrões reativos. As buscas estão sempre fundamentadas na necessidade de
amar, na procura de intimidade e de prazer, mas elas acontecem na maioria
dos indivíduos de forma neurótica.
Resumidamente Lowen (1982) expõe que o caráter esquizóide evita a
busca de intimidade, amor e prazer, pois são fatores ameaçadores à sua
existência. Já o caráter oral exibe sentimentos de dependência devido o vazio
interior, pois necessita em excesso de calor humano e apoio. O caráter
psicopático sustenta uma relação enquanto o outro depender dele, sua posição
é sempre de controle. O caráter masoquista se relaciona de forma submissa
para acobertar sua sensação de fracasso, em compensação expõe uma atitude
provocativa ao outro, mas não se liberta da relação. O oral e o masoquista são
considerados pré-genitais, com o ego deficiente, impulsivo e ansioso,
apresentam atitudes infantis frente à realidade e são destituídos de armadura.
Em contrapartida, os caráteres rígidos estabelecem relações razoavelmente
íntimas, mas apresentam uma armadura emocional e muscular que mantém o
ego em alerta e sem ceder ao amor e ao prazer. Estão mais ancorados na
realidade, mas ao mesmo tempo são submetidos á ela e com dificuldades de
se adaptar.
Toda estrutura de caráter apresenta um conflito inerente porque há,
em sua personalidade, ao mesmo tempo, a necessidade de
34
intimidade, de aproximação, de auto-expressão e o medo de que
estas necessidades sejam mutuamente exclusivas. A estrutura de
caráter é o melhor arranjo que a pessoa teve condições de propor-se
no inicio de sua situação existencial. Infelizmente a pessoa fica
acorrentada a essa situação, apesar de o meio ter-se modificado,
quando já na fase adulta (LOWEN, 1982, p. 150).
Os
padrões
de
comportamento
do
caráter
se
enraízam
na
personalidade da pessoa, suas expressões através do corpo e do pensamento
são determinantes e acabam por estabelecer o seu destino. A defesa
construída para proteger uma condição específica alimenta esta mesma
condição. Levantar barreiras psicológicas e musculares para proteção contra
possíveis desprazeres é uma atitude neurótica e que resguarda o indivíduo no
seu próprio conflito. Conforme Lowen (1986, p. 43): “Percebi que a luta para
evitar um destino temido, mas que o próprio esforço por ela despendido
assegura o destino de que está procurando escapar”. A negação de um conflito
garante sua manutenção, pois o recalque das sensações não faz o conflito
desaparecer, mas sim, garante um efeito somático sobre o corpo e a mente.
O ser humano é uma espécie de hábitos e memória, seu corpo e seus
comportamentos são estruturados mediante as situações e entanto, quando há
novas circunstâncias a adaptação torna-se muitas vezes difícil e resguardada
às mudanças.
Se uma emoção é um conjunto das alterações no estado do corpo
associadas a certas imagens mentais que ativaram o sistema
cerebral específico, a essência do sentir de uma emoção é a
experiência dessas alterações em justaposição com as imagens
mentais que iniciaram o ciclo (DAMÁSIO, 1996, p. 175).
Pode-se dizer então que o sentimento depende do corpo e de uma
imagem fora dele transmitido pela cognição. Em suma, a experiência absorvida
pelo organismo caracteriza-se por meio do funcionamento dos circuitos
cerebrais, e esta se mantém presente na memória do indivíduo. Assim sendo,
fica claro que os diversos desequilíbrios humanos têm suas bases nas
disfunções
das
sinapses
memorização, permitindo a
cerebrais,
repetição
as
no
quais
modo
geram
processos
de
de funcionamento e
influenciando o comportamento do indivíduo em um ciclo vicioso.
Logo, as resistências que sustentam as reações egóico-mentais
(neurose) lutam contra as modificações. Algo novo pode ser sempre um o
conflito para o ego, visto que a consciência está limitada pelos conflitos que
causaram os bloqueios, tanto ao nível da auto-percepção quanto da auto-
35
expressão – devido ao fluxo energético fragmentado e a mente reativa – e
acabam por afetar o futuro. Lowen (1986, p. 49) enfatiza a seguinte questão: “A
mudança faz parte da ordem natural. A vida não é estática; está
constantemente evoluindo ou involuindo. [...] O crescimento acontece natural e
espontaneamente quando a energia está disponível.”
A cristalização das repressões numa estrutura de caráter pode resultar
em ameaça real às necessidades básicas da vida. O resultado da continua
repressão é o modo habitual de agir e atitudes corporais inconscientes que
levam ao amortecimento de funções do organismo. A saúde somática (corpo) e
psíquica (mente) dependem da dinâmica energética do corpo, como já
mencionada, a relação entre ambas é antitética. Portanto, corpo e mente são
uma unidade e expressa no mundo a condição desta relação. Conforme Lowen
(1982, p. 53): “Nós somos seres sensíveis, o que significa que temos o poder
de sentir ou perceber e de experimentar sensações e sentimentos. A
percepção é uma função da mente que, por sua vez, é aspecto do corpo”. Ter
consciência do corpo é a única maneira de descobrir quem se é, e o que é a
mente, para então modificar a dinâmica da identidade de funcionamento.
A
mente funciona como órgão reflexivo e perceptivo, sentindo e definindo o que
se passa pelo corpo.
A omissão das sensações cria tensão na musculatura e diminui o
movimento da energia corporal, além de influenciar na capacidade de evolução
da mente consciente. Lowen (1997) revela que manter a repressão do
sentimento é uma questão de insensibilização, uma tentativa de suprimir uma
possível frustração, mas que enfraquece a pulsação interna do corpo, a
vitalidade e o estado de excitação. Sendo assim, a mente se firma na
necessidade de controle e passa a não permitir os sentimentos; mas reprimir
um sentimento é reprimir outros também. Quando não há movimento interno,
não há sentimentos e nem relações de forma satisfatória com o meio. Lowen
(1970, p. 49) expõe: “Todas as sensações são percepções corporais. Se o
corpo de uma pessoa não reage ao ambiente, ela não sente nada.”
Toda tensão crônica significa uma limitação na capacidade do indivíduo
de sentir e de expressar. Quando o indivíduo perde a capacidade de sentir,
acontece a paralisação da energia vital; pode-se dizer que o corpo entrou em
estado de depressão. Segundo Lowen (1983, p. 65): “A depressão é uma
forma de morte emocional e psicológica.” O grau deste estado é marcado pela
36
perda da vitalidade, sua variação é medida pelo nível do organismo
descarregado e pela condição do indivíduo de manter a sua mente em
circunstâncias negativas e/ou ilusórias. Este é o ponto onde o indivíduo perde
sua auto-regulação, pois sua capacidade de perceber a realidade e de se
adaptar a ela está gravemente prejudicada.
As ilusões são as defesas do ego contra a realidade, e embora
possam poupar a pessoa da dor de uma realidade assustadora,
tornam-nos prisioneiros da irrealidade. Saúde emocional é a
capacidade de aceitar a realidade e de não fugir dela. Nossa
realidade básica é nosso corpo (LOWEN, 1997, p. 29).
Lowen (1982) cita que num indivíduo de personalidade saudável, os
aspectos físico e mental de funcionamento estão em equilíbrio e buscam
promover o bem-estar. Na pessoa em conflito não há colaboração desses dois
aspectos,
sentimento
e
comportamento
estão
em
desequilíbrio
de
funcionamento e acabam por bloquear a livre manifestação de impulsos e de
sensações. A segunda forma de funcionamento infelizmente pode se tornar um
estilo de vida e fazer com que a pessoa supervalorize o seu ego, alcançando
satisfação apenas pela manipulação do ambiente. As necessidades do corpo
serão negadas enquanto a pessoa mantiver o seu conflito emocional protegido
pelas couraças.
Para quebrar as barreiras impostas pela estrutura de caráter
e ter uma vida fluida é necessário que o indivíduo resgate sua auto-regulação,
com capacidade de se auto-perceber, se auto-expressar e se auto-possuir. Um
corpo livre e uma mente consciente é o que vai possibilitar uma nova atitude
perante a vida e permitir o fluxo da energia em seu potencial para uma saúde
vibrante.
2.3 O RESGATE DA AUTO-REGULAÇÃO
A renovação dos comportamentos existirá se a pessoa compreender
que o passado determinou seu presente. Ela precisa descobrir como chegou a
tal ponto, não ignorá-lo, mas também não permanecer nele, sustentando-o. A
fixação no passado determina o nível da neurose de uma pessoa. Tal fixação
se romperá por meio das três capacidades citadas anteriormente: a autopercepção direcionará o indivíduo à compreensão de sua personalidade no
decorrer da percepção das sensações corporais e da correta interpretação da
37
mente, é o ato de perceber a relação entre o pensar e sentir; a auto-expressão
permitirá o fluir das sensações e da energia vital, manifestará a criatividade do
indivíduo enquanto mantém a mente distante de agitação e de dúvida, ela é o
reflexo da auto-percepção; a auto-possessão trará coesão entre o sentir,
pensar e agir, proverá a integridade do indivíduo e o habilitará para responder
adequadamente às situações da vida.
O fluir da energia engloba todos os movimentos do indivíduo, os
internos e externos. Para que este fluir ocorra tem que haver entrega total à
experiência presente por parte da pessoa. Isso exige ausência de
perturbações, confusões, dúvidas sobre si mesmo, interpretações, julgamentos
e expectativas. A entrega de si em uma experiência não determina que ela seja
agradável ou desagradável; a entrega permitirá ao indivíduo vivenciar a
experiência tal como ela é, a ter clareza interior e refletir essa clareza no
ambiente de forma espontânea. Esse é o caminho para o esclarecimento de si
e a possibilidade de se entregar para vida honestamente. Sem erro isso levará
o indivíduo à integração, ao reconhecimento de seus comportamentos de
caráter, ao respeito e sabedoria pelo que construiu em seu corpo e a paz de
estar presente com a diversidade de sensações que o ser humano é capaz de
sentir e expressar.
Quando a vida do corpo é forte e vibrante, o sentimento, assim como
o tempo, é variável. Podemos estar sentindo raiva num momento,
depois afeto, e chorar a seguir. Assim como o sol pode aparecer
depois da chuva, a tristeza pode transformar-se em prazer. Essa
mudança de humor, assim como uma mudança de tempo, não
compromete o equilíbrio básico da pessoa. As mudanças acontecem
na superfície e não perturbam as pulsações profundas que
proporcionam uma sensação de bem-estar à pessoa (LOWEN, 1997,
p. 20).
Conforme Reich (2003, p. 60): “O ser desencouraçado percebe a si
mesmo e ao mundo circundante de uma maneira essencialmente diferente do
organismo encouraçado.” As couraças limitam a percepção, o sentir e as
formas de expressão. É uma forma de estar no mundo separado dele, pois a
energia que circula no corpo humano é a mesma encontrada na natureza. É a
energia que está presente em todo universo, que dá origem à vida e permeia
todos os organismos vivos. A limitação do fluxo natural dessa energia
fragmenta o homem, separando-o de sua essência e desconectando-o da
energia universal, o que acaba por gerar estresse, além de sensações como
frustração, angústia e raiva tanto no nível corporal quanto mental. Portanto,
38
sentir o corpo é levar a consciência à própria identidade. É se perceber como
um organismo vivo, pulsante, gerando ondas que se movimentam para relação
com o meio ambiente.
Um organismo pulsante está constantemente dinamizando a excitação
em direção ao prazer. Neste sentido, Lowen (1970) afirma que o fluxo dos
sentimentos é deliberado pela vontade do contato com o prazer, mas a
diferença é que na pessoa desencouraçada o corpo reage livremente, o prazer
é o impulso como também o resultado deste processo, pois uma pessoa com
esta característica entrega-se e deixa os movimentos fluírem; já a pessoa
bloqueada está sobre o comando de suas repressões inconscientes e por isso
seu fluxo de sensações é deficiente e muitas vezes ilusório, reduzindo a
mobilidade natural do corpo, sendo assim, a busca passa a ser uma
necessidade do ego e não do corpo pelo prazer. Sem a condição natural do
corpo o prazer não pode ser vivenciado e nem tão pouco expressado.
Lowen (1997) relata que a alegria diz respeito às sensações corporais
e não às propriedades da mente. Não é uma simples decisão estar alegre. Ela
parte das sensações corporais positivas, ou seja, consideradas “boas”. São
elas que irão permear o corpo e trazer a excitação prazerosa que dará à
pessoa o estado de alegria. Ao contrário, as sensações negativas ou “más”
levam o organismo à contenção dos sentimentos. Esta contenção elimina o
sentimento de liberdade e afirma os sentimentos de angústia e de culpa; as
sensações são de não fazer o que quer e de não estar como quer. Afinal, a
sensação de não estar a vontade no próprio corpo é o que assegura a
continuidade dos “maus” sentimentos. Segundo Lowen (1986), as ações de
uma pessoa saudável demonstram harmonia e equilíbrio entre ser e fazer,
entre sentir e pensar, entre espontaneidade e determinação. Existe completa
harmonia entre ego e self, independente do sentimento experienciado pelo
indivíduo, seja ele “bom” ou “mau” a pulsação no interior do corpo é capaz de
sustentar sua integridade.
Perceber o funcionamento do caráter e possibilitar uma mudança a ele
é assustador para qualquer indivíduo; supostamente o caráter “sustenta” a sua
sobrevivência. No entanto, é a única maneira que o indivíduo tem para
readquirir a motilidade e a vitalidade do corpo. Aproximar-se do self, ou seja, de
sua natureza genuína é resgatar a auto-regulação proveniente da relação
inerente com o meio. Não basta falar a respeito de sensações, elas precisam
39
ser experimentadas e expressas para que o corpo liberte-se das constrições e
das ações fundamentadas no caráter neurótico. No transcorrer da flexibilização
das couraças, as ilusões geradas na infância e seus mecanismos serão
conectados às limitações corporais e psíquicas que progressivamente irão
tornando-se conscientes. O contato com os padrões de funcionamento
muscular, respiratório e mental irão diluir o “encouraçamento” proveniente de
bloqueios emocionais onde houve a paralisação ou recuo da energia vital. Para
isso, o ser humano necessita restabelecer a total capacidade de pulsação do
organismo, para recuperar o seu corpo, e com ele, conforme Lowen (1997, p.
24) “[...] sua alma e seu self.”
Lowen (1997) afirma que: “Nosso self não é uma imagem em nosso
cérebro, mas um organismo real, vivo e pulsante. Para nos conhecermos,
temos que sentir o nosso corpo. A perda da sensibilidade em qualquer parte do
corpo é a perda de parte do self.” O homem moderno é inseguro com seu
corpo, porque perdeu a ligação com seu self, com o ambiente e logo se
distanciou da relação com o universo. A religação do indivíduo com os
aspectos perdidos é possível por meio do abandono dos controles egóicos, da
entrega do corpo as sensações e à liberação das vontades do ego. Esclarecer
o conceito de ego neste ponto é importante para compreensão de que ele não
é apenas um aspecto negativo do indivíduo. Vale lembrar que o ego é o agente
entre o âmbito interno e externo do indivíduo, a questão é torná-lo integrado
com a consciência, fazer dele o servo e não o soberano, para que não perca a
sua eficiência, tornando-se negativo.
Como já dito, o ego abrange o pensamento volitivo da pessoa –
pensamento autoconsciente e vontade exterior consciente. Tem
capacidade para discriminar e selecionar, mas não cria. O ego pode
apenas juntar conhecimento, memorizar, repetir, copiar, classificar,
induzir, deduzir e fazer escolhas. O ego é apenas uma partícula da
consciência, muito mais vasta, que a pessoa tem do universo
(PIERRAKOS, 1990, p. 126).
A base da cura do indivíduo adulto é o resgate do contato com sua
essência, ou seja, com a fonte da força vital que nutre a vida de modo
afirmativo e receptivo. Pierrakos (1990) afirma que a energia da essência é o
promotor das escolhas conscientes e que sua ruptura é a causa das distorções
das percepções e das decisões. A essência é a habilidade total do ser humano,
pois lutará constantemente para restituir os processos de saúde. Lowen (1977)
explica que a saúde deve ser análoga à ausência de padrões de
40
comportamento, é um estado fluido, ao contrário da neurose que tem uma
natureza estruturada. Seus atributos são a espontaneidade e a adaptabilidade
às exigências de qualquer ocasião.
O resgate da essência movimentará o corpo para relação com o
mundo, fornecerá saúde, criatividade, espontaneidade, realizações, sensação
de alegria, prazer e a expansão da mente consciente. Aliás, ela é a única força
do ser humano capaz de dissolver os conflitos emocionais e transcender as
atitudes egóicas. A condição de ser consciente e de se auto-regular estão
vinculadas aos processos energéticos do corpo, o fluxo de energia que o corpo
apresenta e evidencia o alcance de liberdade que a pessoa está hábil a viver.
Calegari (2001, p. 141) pronuncia: “A verdadeira felicidade reside na plena
ativação da consciência e no desenvolvimento de seus reais potenciais!” A
sabedoria da vida é perceber que ela é uma jornada e o mais importante é
percorrê-la com a plenitude da essência; assim sendo, o princípio vital do
universo será integrado ao corpo e proverá as virtudes genuínas do ser
humano e sua relação saudável com o ambiente.
41
YOGA
A origem do Yoga está registrada em documentos muito antigos da
Índia. Historicamente esta região possui uma tradição espiritual milenar e muito
profunda. A filosofia indiana possui uma divisão em escolas ortodoxas e nãoortodoxas. Estas escolas são chamadas de Darshanas, que quer dizer ponto
de vista. Os Darshanas ortodoxos têm em comum o fato de aceitarem os
Vedas como autoridade, o que não ocorre nos Darshanas não-ortodoxos. O
Yoga como uma escola ortodoxa tem sua base de estudo nos textos clássicos
védicos, conhecidos como escrituras sagradas, os Vedas.
Determinar a cronologia do Yoga não é uma tarefa fácil, pois não há
registros com datas específicas, mas Feuerstein (2006) cita o surgimento do
Yoga na era Pré-Clássica (1000 – 100 a.C.). Sendo sistematizado por Patanjali
durante o período da Era-Clássica (100 a.C. – 500 d.C.) no Yoga-Sutras,
principal obra onde foram compilados todos os conhecimentos em práticas
yóguicas. Cada escola do hinduismo produziu o seu próprio sutra, que significa
“fio” condutor das idéias importantes que caracterizam o pensamento da
escola. É um estilo conciso de se escrever.
Feuerstein (2006) comenta que muito antes da palavra Yoga obter o
sentido de “espiritualidade”, os sábios da Índia já haviam organizado um
conjunto de métodos com objetivo de transformar a consciência ordinária. Este
conjunto constituiu-se em modificações significativas que depois foi chamado
de Yoga. Neste contexto o Yoga pode ser definido como uma doutrina moral
internalizada. Segundo o autor a definição de Patanjali ao Yoga é “a restrição
dos turbilhões da mente” (citta-vrtti-nirodhah), ou seja, um estado de
consciência que surge quando a mente se aquieta. A palavra Yoga não é
usada apenas para mencionar um estado de consciência, mas também se
refere às práticas que facilitam a parada dos turbilhões da mente e a tudo o
que isso resulta. Para amenizar os turbilhões da mente Patanjali descreveu oito
passos a serem seguidos, que são conhecidos como Asthanga Yoga.
Para Iyengar (1995), Desikachar (2007), Taimni (2006), Feuerstein
(2006), etimologicamente a palavra Yoga tem origem sânscrita, deriva da raiz
verbal “yuj”, que significa “unir”, “juntar”, “integrar”. Para Gharote (2005)
significa a integração do ser em todos os aspectos: físico, mental, social,
intelectual, emocional e espiritual. Ainda para Feuerstein (2006, p. 36) o termo
42
Yoga é interpretado como: “a “união” do eu individual (jiva-atman) com o
supremo Si Mesmo (parama-atman)”. Definição esta baseada no Vedanta, que
traz que o eu individual está separado de sua essência transcendente.
O Yoga é uma forma de psicotecnologia com intuito primordial de
atingir a mente ou psique humana, conforme descreve Feuerstein (2006, p.
299): “[...] segundo os yogues visionários, nosso mundo interior espelha a
estrutura do próprio cosmos.” Sendo assim, os passos propostos por Patanjali,
ainda na idéia de Feuerstein (2006, p. 299): “são psicocosmogramas,
esquemas tanto do universo interior quanto do exterior.” O objetivo desses
esquemas é mostrar o que esta além dos níveis da psique e do cosmos, pois
se acredita que a natureza essencial do ser humano, o Si Mesmo ou Espírito, é
ilimitadamente transcendente.
Para o Yoga é necessário a tomada de consciência de unidade, contato
este que resultará de um trabalho intenso sobre si mesmo. Isso significa que
Yoga é a concentração do corpo inteiro, no qual todo o ser da pessoa se
aquieta e se manifesta em percepção e movimento para unir-se ao objeto que
está sendo contemplado. É por meio da ação que o Yoga conduz ao
crescimento psicoespiritual e a transcendência da vontade, que é uma reação
da personalidade egóica.
Feuerstein (2006) no Katha Upanishad descreve o Yoga afirmando que
quando os sentidos estão imobilizados e a mente está em repouso, não há
oscilação do intelecto, assim é possível atingir o estado mais elevado do ser.
Este controle inalterável dos sentidos e da mente foi definido como Yoga.
Aquele que o atinge está livre de ilusão. Este estado de Ser além da mente é o
Yoga. Este caminho leva à mansidão da mente, fornecendo um reservatório de
paz. É quando a mente se aquieta e entra em contato com o vazio do seu
silêncio, livre de conteúdos, de julgamentos e condicionamentos.
É uma
dimensão do Ser que embora ocultada, sempre esteve presente.
Para chegar ao Yoga é preciso antes transpor ao ego. Iyengar (2006)
denota que o objetivo fundamental do Yoga é restaurar a paz mental,
libertando-a dos sofrimentos do ego. Conforme Feuerstein (2006, p. 38): “Yoga
é,
portanto,
o
nome
genérico
de
vários
caminhos
indianos
de
autotranscendência estática, ou de transmutação metódica da consciência até
que esta se liberte do feitiço da personalidade egóica.” Essa idéia foi expressa
no Yoga-Sutra de Patanjali como sendo a habilidade de direcionar a mente
43
sem distração ou interrupção. Não se pode negar que esta habilidade traz
benefícios a todas as pessoas que pretendem ter uma vida centrada e
produtiva.
Outro conceito importante presente no Yoga-Sutra é como o indivíduo
percebe as coisas, ele explica por que as pessoas entram constantemente em
dificuldades, e diz que, se souberem como essas dificuldades foram criadas,
saberão também como sair delas, livrando-se dos sofrimentos. Iyengar (2006)
comenta que o sábio Patanjali refletiu sobre a natureza do homem e as normas
da sociedade em sua época e sistematizou suas observações começando em
códigos de conduta e terminando com objetivo final, a emancipação e a
liberdade.
É citado no Yoga-Sutra que as pessoas experimentam alternadamente
ondas de clareza e de obscuridade quando começam a praticar Yoga. Quanto
mais progridem, mais ficam conscientes de sua natureza holística. Há muitas
maneiras de praticar Yoga, e gradualmente o interesse num caminho vai
conduzindo a outro. A verdadeira prática, realizada conscientemente, seguindo
o caminho descrito nas escrituras, leva cada pessoa à direção da realização de
seu ser. É um caminho completamente pessoal. Assim se aprende a
desenvolver uma observação mais cuidadosa que possibilitará a descoberta de
si e dos próprios limites. Conforme Desikachar (2007), quando se está
consciente dos próprios atos deixa-se de ser prisioneiro deles, o que permite
examinar as ações de forma nova e assim evitar as repetições inconscientes.
As mudanças através da realização do Yoga devem ser originadas de
dentro para fora e acontecem como resultado da prática, mas nunca será
verdadeiro se estas mudanças forem impostas, de fora para dentro. É preciso
incorporar todos os aspectos apresentados pelo Yoga, suas diferentes técnicas
e caminhos para que não fique apenas uma agitação interna e desordenada. O
fato das coisas serem melhores ou piores depende consideravelmente das
próprias ações. Quando a mente está plena não é absorvida pelos fatores
externos, é sim capaz de ponderar esses fatores. O Yoga treina a mente para
senso de realidade e torna a pessoa capaz de discernir sua própria verdade.
Para Patanjali apud Feuerstein (2006) existe uma correlação entre a
natureza e o Si Mesmo, e o vínculo que os liga não tem início, portanto, isso é
o que gera a ilusão de que o ser humano é corpo e mente individual, um
complexo da personalidade e não o Si Mesmo transcendente. Esta é a causa
44
de todo sofrimento humano, ou seja, a ignorância espiritual (avidya) ou
consciência ordinária que determina o nível de identificação com o corpo e a
mente egóica. Esta identificação é a fonte dos desejos e aversões, causas de
sofrimento segundo o Yoga. A psicotecnologia do Yoga tem como objetivo
fornecer a oportunidade de autoconhecimento para atenuar a ignorância
(avidya) e por fim a transcendência. Yoga é algo muito além das definições.
Yoga é para vivenciar, sentir, é ter disposição mental e uma ação que envolve
atitude ativa do sujeito no processo de consciência.
3.1 LITERATURA VÉDICA
A palavra Veda significa conhecimento. Vem do termo sânscrito “vid”
que significa “sabedoria”, “conhecer a Sabedoria Divina”, por isto os Vedas são
traduzidos como Sabedoria Divina ou Suprema. Os Vedas são as escrituras
sagradas mais antigas e respeitadas do Hinduísmo, sua essência foi revelada
(shruti) pelos sábios, denominados Rishis. A cultura védica apresenta relatos
históricos de mais de 6000 anos, porém acredita-se que parte dos Vedas fora
compilado entre 2000 e 1000 a.C.
Kalyama (2003) explica que os Vedas estão ramificados da seguinte
forma: Rig-veda, Sama-veda, Yajur-veda e Atharva-veda. Cada um deles é
composto por vários textos, entre eles, Samhitas, Brahmanas, Aranyakas e
Upanishads. Estes textos são denominados Sutras e contêm relatos profundos
da tradição Indiana com profunda significância.
Os Vedas falam de assuntos diversos, por exemplo, o Rig-Veda é a
base da filosofia Indiana, contém relatos sobre a criação do universo. O
Atharva-veda, segundo Feuerstein (2006) demonstra através dos milhares de
versos, formas de encantamentos e magias a fim de promover a paz, o amor, a
saúde e a prosperidade material e espiritual. As Upanishads contêm registros
da mais profunda essência dos Vedas, é a compilação da última parte dos
Vedas. Seus ensinamentos eram memorizados e transmitidos oralmente de
mestre a discípulo. Seus registros são de quase quatro milênios, sendo
reconhecidas 108 Upanishads. Foi nas Upanishads que se fundamentou a
doutrina do Si Mesmo. Conforme Feuerstein apud Brihad-Âranyaka-Upanishad
4.4.20 (2006, p. 173): “Esse constante imensurável [o Si Mesmo] deve ser
45
concebido como único. O Si Mesmo é imaculado, não-nascido, grande,
constante, além do espaço [e do tempo].”
Kalyama (2003) explica que através de estudos arqueológicos unidos a
interpretação dos antigos hinos do Rig-Veda, podem-se constatar vestígios da
existência do Yoga na era védica indiana, evidenciados por indícios de uma
cultura rica em rituais. Historicamente o Yoga foi identificado em várias fases,
mas o principal texto surgiu no Yoga Clássico, que iniciou por volta de II d. C. e
tem como principal texto, o clássico Yoga-Sutra do sábio Patanjali, codificador
do tratado do Yoga. Após o Yoga Pós Clássico, entre II e XIX d.C.,
caracterizou-se pela visão não-dual, monista. Os Yoga Upanishads são os
textos mais significativos desta era, narram diretamente sobre Yoga e expõe os
diferentes pontos de vista dentro da tradição yogue.
Nesta época foram
escritos os textos do Tantrismo e do Hatha Yoga. O Yoga Moderno, por volta
de 1900 d.C., caracterizou-se pela necessidade de reformular o Yoga de
acordo com as aptidões do homem moderno.
3.2 DARSHANAS, ESCOLAS ORTODOXAS
Darshana significa ponto de vista, modo de ver. São escolas filosóficas
fundamentadas na ortodoxia dos Vedas. Dentro da tradição hindu existem seis
escolas ortodoxas reconhecidas, todas têm em comum o olhar e a consciência
voltados para dentro de Si Mesmo. Os sistemas buscam a mesma verdade,
porém sob pontos de vistas diferentes, o que caracteriza a tolerância entre
elas. Essa Verdade é o que definem por “Deus, Soberano, Ishvara, Si Mesmo
ou Absoluto”.
Segundo Feuerstein (2006) as escolas são as seguintes: Purva
Mimansa, Uttara-Mimansa ou Vedanta, Samkhya, Yoga, Vaisheshika e Nyaya.
O Darshana Yoga foi fundada por Patanjali - 200 a.C. Tem como base
literária os Yoga Sutras, principal obra clássica de onde foram compilados
todos os conhecimentos em práticas yoguicas, mostra os passos para se
alcançar a libertação. Esta escola é o clímax de um longo período de
desenvolvimento das práticas do Yoga e do pensamento védico. Seu criador,
Patanjali, defende uma visão dualista, onde a matéria (prakriti) e o espírito
(purusha) são unidades separadas e diferentes.
46
De forma resumida, o Samkhya, o Vedanta e o Vaisheshika retratam as
normas que regem a matéria e o espírito. Nyaya, Mimansa e o Yoga são os
métodos práticos e experimentais para se alcançar a visão da realidade.
3.3 YOGA-SUTRA
Patanjali parece não ter sido o criador do Yoga-Sutra, mas sim um
compilador conforme Feuerstein (2006). Forneceu à tradição yogue uma
estrutura teórica razoavelmente homogênea, foi a mais abrangente e
sistemática de todos os sutras anteriores da tradição yogue. Não se sabe
exatamente quem foi ele, supõe-se que ele foi uma grande autoridade em Yoga
e provavelmente o chefe de uma escola na qual o estudo (svadhyaya) era foco
importante da prática espiritual. Whitwell apud Desikachar (2007) comenta que
Patanjali identificou os ensinamentos dos Vedas sobre a mente e os
apresentou de forma organizada. Feuerstein (2006, p. 272) cita que: “De todas
as escolas que existiram nos primeiros séculos da era Cristã, a escola de
Patanjali foi a que acabou sendo reconhecida como o sistema oficial
(darshana) da tradição yogue.” Patanjali deu uma forma clássica à essa escola,
por isso é também chamada de Yoga Clássico.
O Yoga-Sutra é composto por 196 aforismos, ou sutras, que são
registros com frases curtas, porém, cheias de significados. Está dividido em
quatro capítulos, que tratam a respeito da prática e do objetivo do Yoga: 1)
samadhi-pada: descreve sobre o que é o Yoga, o êxtase; 2) sadhana-pada:
descreve sobre a via; 3) vibhuti-pada: descreve sobre os poderes; 4)
kaivalyapada: descreve sobre a libertação.
Feuerstein (2006) expõe que o Yoga-Sutra é um auxiliar da memória. É
considerado o tratado sistemático de maior autoridade da tradição yogue,
reúne os elementos mais importantes da teoria e da prática, e contém em sua
estrutura a essência filosófica do Yoga. Enfatiza os aspectos da vida humana,
incluindo
os
comportamentos,
os
relacionamentos,
a
saúde,
os
condicionamentos e o caminho para a meditação. Define os processos de autorealização e a união efetiva do ser humano com todo o universo e admite um
Deus pessoal, Íshvara. Patanjali organizou um caminho como meio prático para
purificação e concentração, com princípios elementares para práticas físicas,
trabalhos respiratórios, concentração e meditação, com objetivo de se alcançar
47
a consciência suprema, utilizando e desenvolvendo a parte interior e exterior da
inteligência do “Eu”.
Segundo
Mehta
(1995,
p.13):
“Nos
Yoga-Sutras
de
Patanjali
encontramos um exame muito abrangente da psicologia do Yoga, feito de tal
modo que combina uma abordagem estritamente cientifica com o insight
profundo e penetrante da filisofia.” Para seguir este caminho de prática
verdadeira, Patanjali propõe em cada capitulo um avanço em direção ao mais
puro discernimento entre observador e objeto, e a libertação das flutuações da
mente que causam o distanciamento da sabedoria e da consciência divina. Na
sequência um breve resumo de cada capítulo na visão de Feuerstein (2006) e
Desikachar (2007):
I. Samadhi-Pada (“Capítulo sobre o Êxtase”)
Neste capítulo Patanjali mostra a importância do indivíduo ver o Si
Mesmo transcendente, quando isso acontece o Si Mesmo (purusha) subsiste
em sua forma essencial. Para que o indivíduo vivencie o Si Mesmo é
necessário que ele tenha controle (nirodha) sobre as flutuações da mente
(citta). Ao contrário, viverá isolado e identificado com suas características
particulares.
As flutuações da mente se caracterizam por: aflitas (klishta) que
conduzem ao sofrimento e as não-aflitas (aklishta) que conduzem à libertação.
Existem cinco tipos de flutuações aflitas: conhecimento, que advêm da
percepção, da interferência e do testemunho; concepção errônea como falso
conhecimento;
conceitualização
como
falta
de
percepção
clara,
com
conhecimento apenas verbal; sono é falta de conteúdo na consciência,
fundamentada apenas nas idéias; e a memória é a retenção de objetos já
captados.
A contenção das flutuações realiza-se mediante a prática do Yoga.
Esta prática (abhyasa) é o exercício feito para aquisição desta contenção, e só
se firma de forma adequada e ininterrupta depois que o yogin permanece em
seu êxtase consciente (samprajnata-samadhi), na real noção do “Eu”. Portanto,
o indivíduo que parte para esta jornada precisa estar atento as atitudes de
distrações: a doença, a dor, a depressão, a inércia, a dúvida, a desatenção, a
preguiça, a dissipação, a falsa visão e a não-realização podem ser obstáculos
48
em seu caminho. Para contrapor essas distrações o yogin recorre à projeções
de compaixão, amizade, gratidão e equanimidade diante das coisas, sejam
alegres ou tristes as situações, ele se mantém imparcial e com a mente
tranquila.
Iyengar (1995) descreve o segundo aforismo do primeiro capítulo
“Yogas citta-vritti nirodhah”, que significa “O Yoga é a restrição das
modificações da mente”. Este sutra é a diretriz do tratado de Yoga. Citta,
segundo Taimni (2006) é um produto da consciência e matéria. É como se a
consciência precisasse de algo para se manifestar materialmente.
Vritti
escreve Taimni (2006), são modificações da mente; para Mehta (1995) são os
hábitos da mente, os centros de reação criada por ela. O objetivo do Yoga é
diluir estes vrittis. A mente se torna livre quando se liberta destes centros de
reações, levando ao estado de consciência pura. Isso é o Yoga.
Por meio de exercícios respiratórios e análise dos sentidos podem-se
reduzir as distrações mentais e dessa forma alcançar a mente estável. Quando
o yogin controla sua mente, sem sofrimento e vencendo os apegos, relacionase com Si Mesmo e reconhece sua verdadeira natureza, tornando-se “aquele
que capta”, capaz de compreender que não há separação do sujeito e do
objeto. Assim a mente se imobiliza por completo, torna-se translúcida, podendo
acontecer o êxtase (samadhi).
II. Sadhana-Pada (“Capítulo sobre o Caminho da Realização”)
Este capítulo fala sobre a origem do sofrimento, como sendo: a
ignorância (avidyâ), a noção do eu (asmita), o apego (raga), a aversão
(dvesha) e a vontade de viver (abhinivesha) como as cinco causas de aflição. A
ignorância consiste em ver aquilo que é eterno como transitório, e é o campo
das outras causas que podem estar adormecidas ou ativadas. Neste contexto o
indivíduo tem uma noção do eu identificado com a personalidade egóica e não
com o Si Mesmo. As causas da aflição como apego está sobre os prazeres; a
aversão repousa sobre tudo que é doloroso; a vontade de viver é o impulso
para uma existência individualizada. Todas essas causas fazem parte de
ativadores subliminares (samskara) que levam á ações de comportamentos e
definem a pessoa.
49
Para reduzir as impurezas e alcançar a sabedoria para visão do
discernimento (Viveka-Khyati) Patanjali propõe os cinco primeiros membros ou
passos do Yoga (Asthanga Yoga): a disciplina (yama); a auto-disciplina
(niyama); a postura (asanas); o controle da respiração (pranayama); e então,
com os processos anteriores realizados é possível alcançar o quinto passo do
Yoga, a abstração ou o controle dos sentidos ( pratyahara).
III. Vibhuti-Pada (“Capítulo sobre os Poderes”)
Desikachar (2007, 268) cita que: ”Neste capítulo, vibhutipada, Patanjali
descreve a capacidade da mente em alcançar um estado livre de distrações,
por meio das várias práticas descritas nos dois capítulos anteriores.” Patanjali
relata sobre a concentração (dharana), a meditação (dhyana) e o êxtase
(samadhi), e a prática dos três juntos (samyama). Em relação aos cinco passos
precedentes esses três são os membros interiores (antar-anga) do Asthanga
Yoga.
O praticante escolhe um objeto, podendo ser de ordem sensorial ou
conceitual e mantém o foco nele sem que a mente esteja absorvida por
distrações ou afetada por obstáculos. A mente é capaz de dois estados:
distração e atenção. No início da prática a mente provavelmente será atingida
por distrações, imaginações ou memórias, mas no decorrer se fortalecerá na
atenção, expandirá a consciência e a identificação com o determinado objeto
acontecerá. O yogin aprofunda seu conhecimento sobre o objeto, tem a real
percepção do significado e se integra a ele, consequentemente há uma
integração da atividade da mente com o objeto.
Através da prática da constrição da mente, por meio da disciplina
constante, é possível facilitar o direcionamento da mente para um determinado
objeto. Este estado é a liberação de todas as perturbações que causam os
turbilhões de pensamentos na mente. Com o desenvolvimento desse estado,
torna-se possível ao yogin adquirir conhecimento do passado e do futuro. É
neste momento que Patanjali fala que pode ocorrer a aparição dos poderes
psíquicos, chamados siddhis. Qualquer estado mais elevado de consciência
pode desencadeá-los. Os siddhis surgem com a prática, eles não são
importantes, mas sim o seu desenvolvimento. E Patanjali adverte sobre o
50
perigo que se esconde na tentação de usar os siddhis indevidamente e de
acabar se esquecendo do objetivo do Yoga.
Este capítulo mostra que a execução de samyama sobre um
determinado foco, faz com que haja aproximação e assimilação das
características e do conteúdo do objeto observado. Para isso é necessário o
domínio total dos órgãos dos sentidos (Pratyahara), pois o corpo está ligado à
mente e ao dominar a mente é possível dominar as sensações do corpo, que
constantemente são alteradas pelos estímulos dos sentidos. Os sutras
descrevem a integração com a pureza de Si Mesmo, onde a sabedoria nasce
do discernimento libertador.
IV. Kaivalya-Pada (“Capítulo sobre a Libertação”)
No último capítulo do Yoga-Sutra, Desikachar (2007, p. 296) denota
que: “Patanjali apresenta as possibilidades que se oferecem a uma pessoa que
tenha adquirido uma mente altamente refinada. A mente é basicamente um
servo e não um senhor.” A mente tem três qualidades básicas: clareza,
atividade e inércia. Toda atividade da mente é uma combinação dessas três
qualidades.
Através
da
profunda
inteligência
é
possível
mudar
as
características da mente, e por meio desta inteligência adquirir capacidades
extraordinárias. Para Patanjali alcançar um estado mental excepcional só é
possível para aqueles em que a mente alcançou o estado de dhyana de forma
gradual, com eliminação dos obstáculos.
Kaivalya fala do estado em que a mente pode alcançar, dos perigos
que podem ocorrer quando os poderes (siddhis) adquiridos não são usados da
forma correta, sem apego aos frutos da ação. Comenta que a mente, enquanto
fonte de percepção pode influenciar tanto o observador quanto o objeto
observado. As características de um objeto se alteram de acordo com o estado
mental de quem o observa. Cada objeto pode ter um valor, uma representação
para observadores diferentes. A mente só funciona através do observador, ela
é vista por suas atividades. A mente não é capaz de fabricar e ver o que é
fabricado.
A mente pode alcançar kaivalya, o estado final do Yoga, quando o
propósito mais elevado da vida é alcançado. É quando ao meditar no seu
objeto, o observador, que é a mente, também se torna o objeto. Neste elevado
51
estado de clareza não há necessidade de conhecer o observador, ele é
apagado da mente, não há questionamentos, é o momento de percepção da
verdadeira natureza que a leva ao estado de liberdade, de iluminação
(samadhi).
3.4 ASTHANGA YOGA
A ascensão para a vida espiritual também exige uma disciplina
espiritual que é demonstrada no Yoga-Sutra. Patanjali sintetizou o código de
condutas ou princípios, denominado Asthanga Yoga, cujo objetivo é facilitar ao
aspirante yogui vencer os obstáculos da mente. Segundo o Yoga-Sutra 2.29
apud Taimni (2006, p.166): “Auto-restrições, observâncias, posturas, controle
da respiração, concentração, contemplação e êxtase são as oito partes (da
autodisciplina do Yoga).”
Em uma análise mais profunda Patanjali mostra que o Asthanga Yoga
enfatiza todos os aspectos da vida humana como um fator primordial para
formação de valores essenciais na conduta do praticante de Yoga. Seu objetivo
é fortalecer o praticante e prepará-lo para vivenciar o Yoga. Mehta (1995, p.
105) expõe: “Patanjali afirma que o propósito das práticas do Yoga é eliminar
os obstáculos que possam ter sido acumulados devido ao processo de
condicionamento.”
O Asthanga Yoga é descrito em oito passos ou membros: yamas,
nyamas, asanas, pranayamas, pratyahara, dharana, dhyana e samadhi. Eles
estão intimamente interligados entre si, um é pré-requisito para chegar ao
outro, é um relacionamento contínuo que vai consolidando a estrutura do Yoga.
Apesar de desenvolverem-se simultaneamente, Taimni (2006) e Desikachar
(2007) afirmam que como aspirante (sadhaka) pode-se escolher apenas um
caminho a ser executado como prática. Há muitas maneiras de praticar Yoga e
gradualmente o interesse num caminho vai conduzindo a outro. A prática
quando realizada conscientemente, seguindo o caminho descrito nas
escrituras, leva a pessoa à direção da realização de seu ser. É um caminho
completamente pessoal.
Desikachar (2007) referencia que os dois primeiros passos do
Asthanga Yoga (yamas e nyamas) são considerados a base e interpretados
como princípios de conduta que guiam os comportamentos do ser humano com
52
o meio interno e externo. Segundo Gharote (2005) são formas para ajudar no
desenvolvimento da saúde mental. Estruturam a base para uma vida integrada.
3.4.1 Yamas
Significa disciplina moral, Desikachar (2007) coloca como uma conduta
moral com finalidade de evitar sofrimento a qualquer ser. Disciplina ou padrões
de comportamento entre o individuo e o mundo exterior. Gharote (2003) expõe
esse membro como uma forma de autodisciplina que permite aperfeiçoar a
conduta pessoal de vida. Os Yamas estão subdivididos em cinco:
Ahimsa: significa não violência, mas num sentido amplo de amor. Significa ter
bom coração, ter compaixão, ser pacífico. Gharote (2005) orienta que qualquer
tipo de atitude ou de pensamento que prejudique o outro ou a si próprio, ou que
atinja qualquer outra forma de vida, é violência. Ahimsa é ter a mente limpa.
Desikachar (2007) explica que é agir com reflexão diante de cada situação.
Satya: é a prática da veracidade. Iyengar (1980) destaca que quando a
verdade predomina a pessoa está pronta para unir-se ao Infinito. É o
alinhamento coerente da verdade interna com os pensamentos, palavras e
atitudes. Existe um comprometimento com a verdade, pois a não-verdade é um
desrespeito consigo próprio e com o outro. Entretanto, a verdade faz surgir a
paz.
Asteya: significa não cobiçar o alheio ou não roubar, além do âmbito material.
Os pensamentos dispersos e confusos são uma espécie de ladrões da mente.
Por exemplo, o pessimismo pode roubar a esperança, a confiança; a
insegurança pode roubar o tempo ou atenção do outro.
Brahmacharya: é o domínio das energias corpóreas, ou seja, a castidade.
Patanjali enfatiza a continência do corpo, da palavra e da mente.
Brahmacharya significa aquele que vê a divindade em tudo. É o estado de
domínio das paixões, é a presença íntegra frente as sensações sensoriais.
Aparigraha: significa não possessividade ou desapego. Não acumular coisas
que não necessita e nem supervalorizar o que possui. Assim como a posse do
outro, por sentimentos, pensamentos ou até apego a convicções, a frutos de
resultados. O mestre Iyengar (1980) comenta que não devemos nos apegar
nem aos frutos da própria prática yogue (sadhana).
53
3.4.2 Nyamas
Refere-se ao autocontrole. São princípios internos que eliminam as
perturbações causadas pelo desejo e emoções descontrolados que perturbam
o despertar da consciência. Os Nyamas estão subdivididos em cinco:
Saucha: representa a pureza, tanto do corpo físico quanto mental. Pureza nos
sentimentos, nos pensamentos, na comunicação e na ação. Kalyama (2003)
descreve que a limpeza corporal inclui o ambiente da prática pessoal, da casa
e lugares públicos. Para purificar o corpo é necessário cuidar da alimentação,
eliminar as toxinas e as impurezas através da prática de asanas e pranayamas.
A limpeza mental inclui eliminar maus pensamentos e emoções perturbadoras.
A limpeza interior gera luz e energia, ânimo e alegria, assim a mente se torna
lúcida.
Santosha: significa contentamento. É o verdadeiro contentamento com o que
se possui. Gharote (2005) coloca que o agir positivamente proporciona paz
mental. Manter uma atitude positiva perante os fatos da vida, agindo com
simplicidade e desapego é possível permanecer em contentamento.
Tapas: defini-se como autodisciplina ou austeridade. Conhecido também
como Yoga da ação. É persistir mesmo ciente dos próprios limites físico e
mental. Pode-se afirmar que é “ir à luta”.
Svadhyaya: significa dedicação ao auto-estudo por meio das escrituras
sagradas védicas, com o objetivo de acalmar a mente. Na visão de Kalyama
(2003) svadhyaya é uma fonte de alimento para a mente e o espírito.
Ishvara Pranidhana: é a entrega ao Senhor ou devoção. Gharote (2005, p.
35) define como: “Render-se à força superior, estar em unidade com o que
quer que se considere como Criador ou Deus, para que as ações e
pensamentos sejam sinceramente motivados por um desejo de realizar o mais
alto potencial”.
3.4.3 Asana
O terceiro passo do Asthanga Yoga é asana. São posturas psicofísicas
que atuam diretamente sobre o corpo físico, fortalece e prepara para as
práticas espirituais. Iyengar (2007 b, p. 30) define: “é um tema fisio-psicológico
54
e psico-espiritual”. Age não só apenas no físico e na mente, mas influencia a
consciência espiritual.
Patanjali define asana como postura estável e confortável (”Sthirasukham asanam”). Na explicação de Gharote (2005) Sthira se refere ao
aspecto físico, significa estável e sukham ao aspecto mental. Da junção das
duas surge o processo psicofísico, que é o princípio do asana. Outra definição
comentada por Tejobindu Upanishad apud Gharote (2005, p.39) é: “Sukhenaiva
bhavedyasmin ajasram brahmacintanam/Asanam tadvijaniyat..(Asana é aquela
na qual uma longa meditação é possível). “
No Hatha Yoga, Taimni (2006) alega que são relacionados oitenta e
quatro asanas importantes, e seus benefícios tem a virtude de afetar ao
praticante o equilíbrio, força interior e psíquica. Mehta (1995) afirma que o
Hatha Yoga enfatiza a prática dos asanas por considerar fundamental para o
aperfeiçoamento da disciplina do Yoga. Sua importância não abrange só o
corpo físico, pois o corpo e a mente exercem reação um sobre o outro, e para
uma saúde integrada ambos necessitam do bom funcionamento ativo. Pode-se
dizer que o Yoga se inicia no asana com intuito de estabelecer a saúde física,
para então progredir às fases mais avançadas da prática onde a influencia da
mente é mais abrangente.
Mehta (1995) esclarece que apesar do corpo ser capaz de gerar
reações na mente, é ela que o comanda. Baseado nesta idéia o autor comenta
a necessidade de ter um corpo saudável para que à mente não desperdice
energia com as exigências do corpo. Sobre a execução dos asanas Taimni
(2006) reforça o mesmo pensamento, o corpo físico é uma das fontes de
perturbação da mente e o desconforto nas posturas produz uma mente
inquieta. Quando não há saúde, o corpo esgota a mente constantemente. Só é
possível uma postura firme e relaxada quando a mente está serena, caso
contrário, o corpo poderá causar-lhe fadiga. Para manter-la tranquila é preciso
estabilizar o corpo físico. Esse é o propósito dos asanas, onde o praticante
permanece na postura de forma consciente e confortável, firme e relaxado. A
definição do sutra: Sthira-sukha-asana significa firmeza e relaxamento nos
movimentos.
Iyengar (2006) enfatiza que os asanas corrigem os distúrbios físicos,
fisiológicos e psicológicos, consequentemente traz estabilidade ao corpo, aos
sentidos, ao intelecto e a mente. Existem inúmeros benefícios produzidos pela
55
prática dos asanas, por exemplo: neutraliza os efeitos do estresse e das
doenças; atua sobre o sistema musculoesquelético, tonifica e alonga
ligamentos, flexibiliza as articulações, ativa o sistema endócrino, estimula as
funções dos órgãos internos por meio de massagens e compressões, relaxa o
sistema nervoso, proporciona tranqüilidade emocional e serenidade mental etc.
Alguns autores os chamam de método de medicina natural que viabiliza
condições de saúde ao corpo. O corpo sadio é o meio para progredir
espiritualmente. Psiquicamente percebe-se maior tranquilidade, serenidade,
autoconfiança, equilíbrio emocional e calma.
O Yoga ajuda a integrar os planos mental e físico do homem,
produzindo uma sensação de equilíbrio interior e exterior, o que
chamo de “alinhamento”. O verdadeiro alinhamento significa que a
mente entra em contato com cada uma das células e fibras no
interior do corpo. (IYENGAR, 2006, p. 7).
Packer (2008) cita dois tipos de asanas: de movimento e de meditação.
O primeiro são posturas que desenvolvem um trabalho corporal, onde os
movimentos são gerados com a coluna em flexão, extensão, rotação,
lateralidade e inversão; e o segundo são os asanas para meditação, onde o
corpo fica estável e imóvel harmonizando as correntes energéticas. Dentro do
trabalho de asanas é importante que a mente, a respiração e a consciência
corporal se harmonizem para que as correntes energéticas atuem.
3.4.4 Pranayama
Pranayama é o quarto passo do Asthanga Yoga. De acordo com
Iyengar (1980, p. 45): “Pranayama denota a extensão da respiração e seu
controle.” O autor explica que prana significa respiração, alento, vida, energia e
força e ayama significa expansão, comprimento, distensão ou limitação.
A respiração é um fenômeno fisiológico com a função de levar oxigênio
para todas as células do corpo. Hermógenes (2007) destaca que é a única
função duplamente voluntária e involuntária que acontece no corpo; ela pode
permanecer fora da percepção do indivíduo, estando na vida vegetativa do
organismo, ou pode ser influenciada nos aspectos de acelerar ou retardar e
aprofundar ou superficializar. Para o Yoga o papel da respiração vai além da
fisiologia, ela é importante também no aspecto psicológico e prânico. No
56
aspecto psicológico nota-se a preponderância da respiração acelerada em
estados ansiosos e da respiração suave em estados de tranqüilidade. No
aspecto prânico a respiração serve para captar energia vital (prana), que
mantém o corpo vitalizado. Maneiras incorretas de respiração podem
enfraquecer o corpo e afetar o funcionamento da mente.
Segundo Packer (2008, p. 278) pranayama significa: “extensão da
respiração e seu controle [...] significa a capacidade de estender o prana
através de um controle voluntário.” Taimni (2006) explica que a palavra é
formada pela junção de prana (energia vital) e ayama que significa restrição.
Ele tem a função de regular o prana, ou seja, a força vital que sustenta o corpo
físico. As correntes de prana fluem pelo corpo ao longo dos canais
denominados nadis, revitalizando os órgãos e todas as funções do corpo.
3.4.5 Pratyahara
Significa abstrair a mente de tudo que a prende, como pensamentos e
sensações sensoriais. Mehta (1995) afirma ser o rompimento das conexões da
mente com o mundo exterior. Taimni (2006, p. 213) diz que: “Embora
pratyahara pareça ser um controle dos sentidos pela mente, a técnica essencial
é sem dúvida, a retirada da mente para dentro de si mesma. É um tipo de
abstração tão completa, que os órgãos sensoriais param de funcionar.” Com
relação a isso Mehta (1995, p. 154) explica o sutra II, 54: “Quando os sentidos
imitam a mente em sua ação de recolhimento isso é denominado pratyahara ou
abstração.” Pode ainda se dizer que pratyahara é o estado em que não se
percebe as sensações sensoriais transmitidas aos órgãos dos sentidos. É
quando a mente se isola completamente das sensações externas.
Mehta (1995, p. 161) diz: “Ora, quando a mente recolhe-se, abstendose de toda intervenção no processo perceptivo, os objetos da mente começam
a desaparecer e aparecem os objetos da vida. É então que os sentidos
recebem o que lhes cabe.” A restrição dos estímulos externos com a
canalização da atenção direcionada para o interior possibilita uma melhor
percepção dos estados de equilíbrio e desequilíbrio, pois as impressões
sensoriais não devem determinar a atividade mental. Quando os sentidos
realmente se acalmam em virtude do silêncio da mente é possível perceber a
realidade tal como ela é em verdade própria, ou seja, a verdade de Si Mesmo.
57
3.4.6 Dharana
Dharana é uma palavra em sânscrito que significa concentração.
Taimni (2006, p. 217) coloca que: “Concentração é o confinamento da mente
dentro de uma área mental limitada (objeto de concentração).” A descrição da
essência de dharana está no sutra III-1: “Desa-bandhas cittasya dharana” onde
desa-bandha significa “confinamento em um território.”
Segundo o autor, os cinco primeiros passos ou membros do Yoga
exercem um trabalho sobre as origens externas da desatenção mental. Todos
estão relacionados entre si, dentro de uma sequência eficaz para que haja
domínio parcial do membro precedente. A partir do domínio de pratyahara que
atua desligando a mente das sensações externas e a mantém isolada e
serena, o yogui tem condições para prática da concentração (dharana), onde
mantém a atenção sem interferência, para assim, seguir aos membros
posteriores, meditação (dhyana) e iluminação (samadhi).
Ainda seguindo o autor citado, na visão da psicologia moderna, a
mente não se fixa por muito tempo em um objeto. Para a psicologia do Yoga a
concentração se inicia no esforço do controle do movimento da mente, porém,
afirma que a mente pode chegar a um estado onde os movimentos cessam;
este é o estado mais sutil onde acontece a unidade com o objeto da
concentração. Por meio da concentração a consciência se restringe apenas ao
intelecto; sendo assim, é possível reconhecer os níveis mais profundos da
mente. O objetivo de dharana é focar a mente no objeto de concentração de
forma que refaça a ligação a cada interrupção, até reduzi-la totalmente. Dessa
forma se torna possível a completa atenção da mente sobre o objeto. Assim
sendo, a mente poderá compreender a natureza essencial do objeto.
3.4.7 Dhyana
Taimni (2006) afirma que quando o aspirante consegue reduzir
totalmente as distrações da mente e manter-se concentrado no objeto por
tempo indeterminado, então se diz que ele chegou ao estágio da meditação
(dhyana).
A
definição
dessa
condição
está
no
sutra
III-2,
“Tatra
58
pratyayaikatanata dhyanam” onde pratyaya é denominado como conteúdo da
mente que ocupa a consciência por um determinado período.
Mehta (1995) descreve dhyana como o estado onde se observa o fluxo
do pensamento sem nenhuma interrupção e ressalta que esse passo é onde
acontece uma profunda compreensão da realidade. Há um aumento da
percepção e a distração não acontece. Taimni (2006) explica que a ausência
de interrupções na mente, ou seja, quando a mente não desvia do objeto
escolhido, é a condição para se chegar ao estado de dhyana. Enquanto houver
distração é porque não há concentração adequada, não há continuidade no
funcionamento e nem domínio da mente.
Mehta (1995, p. 182) comenta que: “o Bhagavad Gita refere-se a
ananya-bhava com o significado de que não há “outro” em nossa consciência.”
O autor explica que em dhyana há profunda compreensão da realidade, há um
aumento da percepção e a distração não acontece, pois é a presença do outro
que distrai e não deixa a visão com propriedade de se manter. A percepção
distorcida é o que impede a visão da realidade. Quando se “escuta” a mente
sem interrupção ela silencia, então, surge a atenção total, possibilitando olhar
para o objeto sem qualquer distração. O estado de dhyana mostra que a mente
está preparada para o último estágio do Yoga.
3.4.8 Samadhi
O último anga ou membro, samadhi é definido como o estágio
avançado de dhyana. Mehta (1995, p. 191) traz a definição do sutra III-3: “tad
evarthama-nirbhasam svarupasunyam iva samadhih” como sendo “Isso é
verdadeiro samadhi ou comunhão, onde apenas o objeto é visto, negando-se
completamente a presença do observador.” Taimni (2006, p. 223) explica
samadhi como: “A mesma (contemplação), quando há consciência somente do
objeto de meditação e não de si mesma (a mente), é samadhi.” Quando o
estado de dhyana estiver fixado, ou seja, quando o objeto for detido em uma
corrente contínua sem qualquer interrupção ou distração da mente o
observador desaparece.
Outra explicação fornecida por Mehta (1995) diz que quando o
processo do pensamento é visto sem interferência, o pensador desaparece.
Sobre estes comentários é válido ressaltar que o pensador ou o observador é
59
uma entidade psicológica que interfere no objeto observado através de
interpretação, comparação, avaliação, julgamento, justificativa etc. Só é
possível o observador integrar-se ao objeto permanecendo no estado de plena
atenção com a mente tranquila.
O Taimni (2006) detalha que no estado de samadhi o objeto se funde à
consciência. A autoconsciência desaparece e sobrevém a dissolução da
relação sujeito/objeto. Em dharana, dhyana e samadhi a mente passa por
transformações mentais ligadas a consciência, seu estado passa a ser de
unicidade. Nesse estágio a mente se desligou do corpo, pois o que acontece
no corpo não altera a mente, os processos fisiológicos permanecem ativos,
mas não há alteração no corpo nos âmbitos externo e interno. A comunhão
entre as partes antes separadas leva o yogin à percepção da própria
Realidade. Mehta (1995, p. 195) explica: “A Realidade de qualquer coisa é sua
“Seidade”. A Seidade de todas as coisas e pessoas é o imanifesto. O que
vemos na manifestação é o processo do vir-a-ser.” O imanifesto sustenta o
manifesto, o vir-a-ser está contido no ser.
O ser é a qualidade intrínseca de todas as coisas, é o momento
atemporal, é a integração do indivíduo com o todo. O todo é completo, pleno
por natureza e possibilita ao indivíduo o estado de completude, de silêncio
além da mente e do tempo, isso é samadhi. Quem alcança o samadhi
experiência o conhecimento transcendental, a sabedoria, a paz, e a força da
vida interior. Iyengar (2007 b, p. 22) descreve como: “estado em que o
aspirante se une ao objeto de sua meditação, o Espírito Supremo, que governa
o universo, vivenciando assim uma paz e um contentamento indizíveis.”
3.5 AS PRINCIPAIS VIAS DO YOGA
O Yoga apresenta várias vias para se alcançar a purificação da mente.
Cada uma com suas particularidades em sua estrutura teórica, mas todas têm
em comum o objetivo final, a plenitude do ser, a libertação. Na sequência a
relação das mais evidentes na visão de Feuerstein (2006) e Desikachar (2007):
Raja Yoga: é o Yoga real ou Yoga clássico, refere-se ao sistema de Yoga de
Patanjali. “Raja é uma referência oculta ao Si Mesmo Transcendente”
(FEUERSTEIN, 2006, p. 65). Busca o aquietamento dos processos mentais
para modificação da mente por meio de técnicas meditativas.
60
Bhakti Yoga: é o Yoga devocional. É o caminho pelo qual se chega ao amor
incondicional pela devoção a Deus, ao Absoluto. O objetivo é transcender ao
Divino por meio da purificação emocional.
Karma Yoga: é o caminho da ação. É agir sem apegar-se aos resultados, seja
de sucesso ou de fracasso. A ação não deve ser determinada por nenhuma
expectativa.
Jnana Yoga: é o Yoga do autoconhecimento. É o caminho do conhecimento
por meio do estudo e da reflexão que conduz à sabedoria, à verdade Absoluta.
Mantra Yoga: é a ciência dos sons sagrados. Acredita-se que por meio do
som é possível atingir a transcendência.
Laya Yoga: a dissolução do universo. É o estado de dissolução da mente por
meio da meditação.
Tantra Yoga: a palavra tantra significa técnica. O foco desta via esta no corpo
e nas energias sutis que se conectam a ele.
Hatha Yoga: é o Yoga vigoroso. Seu objetivo é transcender a identidade
egóica e realizar o Si Mesmo. Busca a realização através da modificação do
corpo.
3.6 YOGATERAPIA
Trazer a definição de doença antes de definir o papel da Yogaterapia é
importante para mostrar como o indivíduo chega a tal situação e como o Yoga
pode atuar sobre este estado. A doença na visão de Silva (2005) e de
Dethlefsen e Dahlke (1983) surge de um conflito interno, indicando que a
consciência não está mais em ordem, que não há harmonia. O desequilíbrio
interior se manifesta no corpo e reflete no ambiente, tendo em vista de que o
corpo é o mediador entre o mundo interno e externo, esta relação ao mesmo
tempo em que influência é influenciada, numa relação dinâmica. O processo
saúde/doença é sugestionado tanto por fatores genéticos quanto por fatores de
risco em que a pessoa se expõe durante a vida. Portanto, o desequilíbrio pode
derivar do interior do indivíduo tanto quanto do meio externo. O que é relevante
nessa situação é que há um desequilíbrio generalizado na vida do sujeito, não
há delimitação clara entre o meio causador, mas o que se percebe é um
continuum que prejudica a sua interação com a vida, ou seja, na doença existe
uma incompatibilidade com a vida.
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Hermógenes (2007) cita a importância da participação da medicina no
entendimento e descoberta do homem psicossomático e sobre o fato da física
conseguir vislumbrar o modelo holístico do homem, percebendo-o em sua
totalidade. A ciência do Yoga ressalta a interação psicossomática que ocorre
entre corpo e mente e a relaciona com a energia sutil. A explicação é que a
condição da fisiologia do corpo físico depende da condição do corpo sutil ou
prânico, e este por sua vez obedece aos pensamentos e as emoções. O Yoga
com sua vastidão de técnicas se torna um facilitador eficaz nos processos de
cura, pois sua atuação sobre a fisiologia do corpo humano tem condições de
restabelecer o corpo prânico por meio da harmonização da circulação da
energia vital.
Na visão holística o homem é um ser uno, e a ausência de consciência
desta unidade é que o separa da totalidade que engloba tudo. Dethlefsen e
Dahlke (1983, p. 21) acrescentam a este pensamento: “A consciência neste
estado divide e classifica tudo em partes de opostos que, quando somos
forçados a encará-los, consideramos conflitantes.” Desta forma o indivíduo
estabelece as diferenças e com isto se obriga a fazer análises e escolhas.
Neste ponto surge a grande causa dos turbilhões da mente.
Na visão de Mehta (1995) o homem está fragmentado em seu interior,
e isto espelha na sua desorganização externa. Para existir uma correta
percepção é necessário eliminar as normas de interpretação, pois somente
assim a clareza dos fatos indicará a natureza da essência que determina o
comportamento. Neste contexto percebe-se que para mudar a forma de
observação é necessário eliminar o observador. Quando se entra no campo da
percepção e há um envolvimento mental e/ou emocional com o objeto
observado, não é possível a clareza desse objeto devido à interpretação. Para
uma compreensão real é necessário a eliminação da percepção interpretativa,
no entanto, toda percepção que sofre influência de interpretações deixa de ser
verdadeira. No olhar do autor a isenção de interpretações é fundamental, e
isso só é possível eliminando a ação do observador, ou seja, eliminar a sua
avaliação, interpretação diante do objeto observado.
Quando há interpretação existe reação ao que se observa. Para alterar
esta forma de visão faz-se necessário perceber o objeto sem a atuação do
observador, ou seja, é perceber sem atuar no que percebe. A psicologia do
Yoga, difundida no Yoga-Sutras, trata fundamentalmente dessa questão, este é
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o passo que antecede a iluminação (samadhi), vencer as barreiras que
separam corpo e mente e entrar no campo da meditação é a única forma de
integrar o ser humano para que este alcance sua real liberdade, criando
condições de curar-se a si mesmo.
O Yoga como diz Gharote (2005) é a chave para lidar com os distúrbios
emocionais por meio das práticas psicofísicas e respiratórias por serem
capazes de provocar mudanças de atitude determinantes no comportamento
do homem. O Yoga desperta no indivíduo coragem e convicção perante a vida,
ficando evidentes as mudanças de atitudes e seus benefícios na redução dos
desequilíbrios emocionais, assim melhorando a perspectiva de vida.
Segundo Iyengar (2007 b) o Yoga não é exatamente uma ciência
terapêutica, é uma ciência com objetivo de libertar a alma ao direcionar a
integração da mente, do corpo e da consciência. Portanto, o Yoga permite uma
relação simultânea com as diversas áreas da saúde. A saúde do sistema
humano depende de dois fatores fundamentais, a respiração e a circulação; se
um deles tiver um mau funcionamento resultará em doença. Sendo assim,
pode-se dizer que a saúde perfeita se alcança por fatores naturais fornecidos
ao homem, sua própria respiração e a circulação do sangue por todas as
partes de seu corpo. Este é o fator que se sobressai no Yoga, acreditar que
existe conforme D’Angelo e Côrtes (2008, p. 19): “um princípio vital inteligente
que mantém o funcionamento do corpo e da mente.”
O Yoga como um sistema filosófico (darshana) coloca a falta de
conhecimento da própria natureza ou do Si Mesmo (avidya – ignorância) como
fonte de todas as doenças e tem como função principal evidenciar o estado de
saúde inerente a cada indivíduo. Para isso, é necessária a remoção dos
condicionamentos que surgem devido às crenças e percepções errôneas que
sustentam os bloqueios no corpo físico, na mente, no sistema energético e
psico-emocional e no âmbito espiritual. A solução para avidya, apresentada no
Yoga-Sutra de Patanjali, é o autoconhecimento. Portanto, a função da terapia
coincide com o processo de cura delineado pelo Yoga. É sobre este prisma que
o Yoga e a terapia se unem para constituir as bases da Yogaterapia.
A Yogaterapia leva em consideração que cada indivíduo tem um
caminho de cura único, por isso torna-se relevante o despertar da sua natureza
essencial, ela será a facilitadora na melhora da saúde e na cura do
corpo/mente. A natureza essencial do indivíduo é intrinsecamente completa, e
63
quando se chega a ela o indivíduo torna-se capaz de perceber a construção de
sua personalidade individual. Esta personalidade deseja saúde e felicidade de
forma egoísta, conforme Iyengar (2006, p. 15) ela é: “Responsável por nossos
pensamentos e impulsos, a mente tem uma inclinação natural egoísta - asmita
-, do qual brotam as distorções e os preconceitos causadores das aflições que
vivemos no dia-a-dia.” As distorções e preconceitos impossibilitam o indivíduo
de vivenciar a vida de forma natural, com a verdadeira expressão do seu ser.
Em consequência disto viverá sobre estresse causando mal a si próprio.
Dentro desse contexto a doença é sempre um indicativo em relação ao
bem-estar global, um sinal de que algo está em desequilíbrio e precisa ser
reparado no âmago da questão. Sendo assim, a remoção dos sintomas está
conectada ao processo de autoconhecimento, pois depende de uma
transformação para que a cura aconteça nas diferentes dimensões da pessoa,
como parte de um processo de integração do ser como um todo. O caminho é
seguir do corpo, para o centro do ser, a Alma. Este centro reforça Iyengar
(2007 a) sempre esteve presente, mas de forma oculta. Para alcançá-lo é
preciso começar a investigação pelo corpo, evoluir para a mente e para a
inteligência até chegar à Alma, onde a divindade do ser se encontra e é capaz
de destruir as impurezas que aprisiona o indivíduo.
Mas, como escreve Patanjali no Yoga Sutra Ii 28, “a prática do yoga
destrói as impurezas do corpo e da mente, permitindo que a
maturidade da inteligência e a sabedoria irradiem-se do cerne do ser
para funcionar em harmonia com o corpo, os sentidos, a mente, a
inteligência e a consciência (IYENGAR, 2006, p. 15).
O propósito da Yogaterapia é criar um ambiente seguro para que a
pessoa encontre os seus recursos inatos de cura. Tem a visão que cada
pessoa é uma expressão e reflexo de infinitas possibilidades e inteligência.
Assim sendo, a Yogaterapia se centra na necessidade do aluno, aborda na
prática técnicas a fim de possibilitar à ele um bem-estar geral, enfatizando
igualmente as dimensões física, emocional e espiritual. Blay (1986) realça que
a integração dos vários aspectos do ser humano torna-se uma unidade de
consciência total e permanente. A Yogaterapia trabalha com a intenção de
tornar o Yoga acessível para todas as pessoas, sem discriminação de sexo,
raça ou religião. Tem por objetivo maior a evolução espiritual da humanidade.
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CONCLUSÃO
A proposta deste estudo foi verificar como o indivíduo enfraquece sua
integridade devido às tensões crônicas de experiências traumáticas ao longo
da vida e como elas ordenam a forma de perceber, pensar, agir e comunicar
deste indivíduo. A estrutura de caráter não é uma rotulação definitiva, mas ela
é importante no processo terapêutico de autodescoberta. Por meio dos padrões
de comportamento que torna-se possível perceber a base dos conflitos da
pessoa e como ela se organizou no nível energético, corporal e psicológico
para viver. Este é o ponto mais relevante deste estudo, pois uma fez que o
enfoque é dirigido à auto-regulação perdida. Se existe um fluxo de energia que
mantém o desenvolvimento de toda estrutura corporal do ser humano desde
sua vida intra-uterina, englobando todos os aspectos do seu funcionamento,
inclusive a sua relação com o ambiente, é através da disposição deste fluxo
que o ser humano sustenta a própria vida e se insere na vida que o rodeia.
Quando as couraças são assentadas na estrutura corporal do indivíduo
ela interfere no fluxo da energia, fragmentando o seu desenvolvimento e
prejudicando a auto-regulação. Nos estudos de Reich ele descobriu que o fluxo
energético tem um movimento tanto interno quanto externo descendente na
parte anterior do corpo e ascendente na parte posterior. Quando este
movimento natural se interrompe é gerada uma incompatibilidade com os
processos naturais que sustentam o ser vivo. Estes processos naturais que
contêm os movimentos da energia são encontrados em todos os seres vivos
com a mesma circulação, inclusive no ser humano, por fazerem parte dos
processos biológicos que amparam a vida. Fazem parte destes movimentos o
fornecimento de oxigênio pela respiração, a nutrição da energia vital no corpo e
o controle dos reflexos, impulsos e instintos. Podemos dizer que o estado
fisiológico é o que leva o indivíduo a operar de uma determinada forma.
A auto-regulação deixa de acontecer quando o ser humano se
desconecta dos processos naturais e passa a interferir na natureza deles, de
modo consciente ou não. Ficou esclarecido que os primeiros contatos com o
conflito ou angústia têm uma interferência consciente, mas a repetição desta
interferência que prejudica os processos fisiológicos e demarcam a entrada do
indivíduo no modo inconsciente de agir. Esta é base da estruturação dos traços
de caráter. Neste contexto a perda da auto-regulação tem seu alicerce na
65
estruturação do caráter, mas o que impossibilita o seu resgate são os
processos fisiológicos que foram criados no corpo pelo próprio indivíduo. Por
isso Reich fala em flexibilização das couraças, onde fica permitido o
rompimento das barreiras impostas pelos padrões de comportamento que
definem a maneira da energia circular. Chegar ao fluxo energético pelo visto é
a única possibilidade de flexibilizar o caráter e resgatar os movimentos naturais
da energia no corpo. Gradativamente esse processo irá atingir os centros de
pulsação que Reich definiu como anéis ou segmentos e assim sendo, estes
centros estarão saudáveis para impulsionar a energia no seu transcurso
natural.
Resgatar o potencial da energia é expandir a percepção de si mesmo. O
indivíduo precisa entender e aceitar a natureza das sensações e saber que sua
responsabilidade será a sua ação, ou seja, a sua influência no meio devido às
suas sensações. Estas fazem parte da pulsação plasmática que permeia todos
os seres vivos, sendo uma ordem natural da vida. Sem as percepções e as
sensações não existe consciência de si mesmo, pois são elas que informam ao
corpo o que acontece em cada momento, fazendo com que a consciência se
organize e defina ao indivíduo um estado especifico. A questão é que as
sensações no ser humano estão vinculadas à razão.
Os processos do pensamento interferem nas sensações, tendo em vista,
que a mente nomeia e explica as emoções e sentimentos como respostas
lógicas ao mundo externo, como foi mencionado. Exatamente neste ponto é
que ocorre a separação entre corpo e mente. A razão nega, distorce, julga as
sensações, mas mesmo assim elas não deixam de existir em virtude desta
tentativa de controle. Acredito ser este o motivo que leva o indivíduo a negar o
seu corpo de tal forma a recusar a própria existência. A realidade é que o
pensamento existe porque há um corpo que vive por meio de sensações
decorrentes da pulsação da energia. Portanto, a causa dos pensamentos é a
própria existência do ser. A mente só existe porque existe um corpo; o corpo se
percebe por causa das sensações; as sensações geram a percepção de si
mesmo; sem a percepção de si mesmo não há consciência.
A contribuição do Yoga é justamente sobre o aspecto citado no
parágrafo anterior, onde defino a realidade do indivíduo que perde sua autoregulação por distanciar-se de sua própria existência. A prática do Yoga visa
desenvolver na pessoa a habilidade de observar a si mesmo (prática de
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asanas), assim aprofundar o conhecimento de si e dos próprios limites. O
intuito deste aprofundamento é poder contribuir para o processo de
autoconhecimento e por consequência atingir a mente consciente. O objetivo
mais amplo do Yoga é “a parada dos turbilhões da mente”. Sobre este
argumento, considero toda a base filosófica do Yoga viável para aproximar o
indivíduo de sua verdadeira natureza, pois nela encontra-se um caminho
prático para a cura da mente, acessível a qualquer pessoa.
O caminho se inicia com princípios éticos gerais (yamas e nyamas) que
pautam um código de conduta, de comportamento e moralidade com o
propósito de gerar no indivíduo uma auto-ética para que naturalmente se torne
uma ética com o outro. Para que isto aconteça torna-se necessário a
compreensão e a correção dos comportamentos, tendo a responsabilidade
sobre si mesmo para estar no mundo. Estes princípios enquanto pilares de
sustentação do Yoga constituem o grande amparo da vida humana saudável.
A relevância a esta questão é que a construção de uma auto-ética necessita de
uma observação muito profunda de si mesmo. Fazendo uma analogia com a
alegoria de um dos textos clássicos do Yoga, a Bhagavad-Gita, é necessário
que o indivíduo entre em sua carruagem (corpo), se torne o cocheiro (intelecto),
controle as rédeas (mente) e conduza os cavalos (sentidos) pelas estradas dos
desejos (vida).
Só assim poderá identificar as construções internas que
determinam suas distrações nesta estrada, ou seja, na jornada da sua
existência.
Portanto, os pilares do Yoga dependem da expressão verdadeira do
ser consigo mesmo antes da sua expressão para o mundo externo. Não tem
como sentir ou idealizar algo embasado em uma defesa de caráter e expressála em sua verdade integra. Não há verdade neste caso, e sim a necessidade de
sustentar um padrão de comportamento gerado pela mente. A mente não tem
um lugar concreto no corpo, ela se apresenta de forma sutil em todas as partes
do indivíduo, e é através da interação com o mundo interno e externo que o
indivíduo percebe sua existência.
Com o esclarecimento do que é a mente é possível entender o
propósito dos passos do Yoga, em vista que logo após os seus pilares o
praticante entra em contato de forma mais atenciosa com o corpo, na
sequência com a respiração, os sentidos, a concentração, a prática da
meditação para então alcançar o estado de Yoga, denominado iluminação, ou
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seja, o estado de completude aonde experimenta-se a força da vida interior. A
partir deste estado o indivíduo tem a probabilidade de apreender a mente
consciente.
Destaco como quarto passo, o controle da respiração (pranayamas),
relembrando que para o Yoga o papel da respiração vai além da fisiologia, ela
é importante também no aspecto psicológico e prânico. No aspecto psicológico
nota-se a preponderância da respiração acelerada em estados ansiosos e da
respiração suave em estados de tranquilidade. No aspecto prânico a respiração
serve para captar a energia vital, prana para o Yoga e orgone para Reich,
mantendo o corpo vitalizado. Maneiras incorretas de respiração podem
enfraquecer o corpo e afetar o funcionamento da mente. Esta energia tem uma
natureza dinâmica e penetra nas células pela respiração. A partir daí se
constrói a presença viva do corpo com seus estados emocionais internos.
Diante de uma emoção, a primeira ação que se altera é a respiração, podendo
acelerar, retardar, ampliar ou restringir. Impede-se o ritmo natural para se
poupar de alguma sensação.
Sobre esta análise fica evidente que a energia estando presente em
todo o cosmos e a vida se constituindo no ato de respirar oxigênio presente na
atmosfera, considera-se que estar vivo é ter a energia como essência do corpo.
O fluxo da energia cósmica é levado ao núcleo de cada célula por meio da
respiração, transformando continuamente as sensações corporais. A vitalidade
do corpo depende da qualidade, profundidade, intensidade e ritmo da
respiração, ela irá determinar a entrada da energia no corpo e os movimentos
que incorporarão a vida.
Definiu-se no capítulo da Psicologia Corporal que a Essência é o centro
da força vital e acima foi citado que o indivíduo atinge a mente consciente
quando experimenta sua força vital interior (estado de samadhi no Yoga).
Portanto, a Essência é uma estrutura energética ligada ao cerne do organismo.
A energia parte sempre do cerne em direção à periferia do corpo, interage com
o meio, aonde troca energia e retorna ao cerne. Sendo assim, a energia que
parte do cerne, parte da Essência, mas se o ego estiver no controle do impulso
energético o indivíduo se relacionará com o ambiente isolando a Essência. O
contrário, se o ego encontrar-se relaxado o impulso vital que segue para
relação com outros sistemas energéticos mantém a Essência do indivíduo
presente na relação. Nesta conjuntura pode-se afirmar que a sustentação da
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Essência ou a força vital institui-se na relação com o ambiente. Isso foi o que
Reich encontrou quando descobriu a energia orgone e afirmou que ela permeia
todo o Universo. Portanto, a troca de energia entre diferentes sistemas vivos é
o que alimenta cada sistema.
Compreende-se dessa forma que o ser humano é um sistema energético
relacional. Ele depende da relação para sustentar a energia que se encontra no
cerne do seu organismo, ou seja, sua força vital ou Essência. Mas para isto
acontecer o indivíduo precisa ter uma relação livre com o ambiente (estado de
Pratyahara no Yoga). A Essência isolada pelos padrões de funcionamento não
permite o potencial da energia vital e com isso apassiva as sensações, os
sentimentos, as emoções e os pensamentos, interferindo diretamente no nível
de consciência. Para a consciência existir, todos os aspectos citados acima
necessitam ser ativados, portanto, a pulsação vital que impulsiona o ser
humano para relação com meio é a força capaz de alterar a consciência e
elevando-a ao um nível mais esclarecido (estado de Dhyana no Yoga).
É por meio da atenção objetiva que o indivíduo se autoconhece (estado
de Dharana no Yoga), torna-se consciente de si mesmo permitindo o livre fluir
da força da vida. Ao contrário, permanecerá sobre o comando do inconsciente,
no estado de avidya (ignorância) que o detém nos ciclos de sofrimento. Sobre
este ponto de vista a psicologia corporal é fortemente análoga ao Yoga,
quando fala que o inconsciente necessita tornar-se consciente para que o
indivíduo viva a relação do mundo interno-externo de forma saudável e
verdadeira. A relação consigo mesmo e com o meio é o que mantém a autoregulação vivaz; a sua perda decorre do isolamento do centro da força vital. A
construção do caráter aos poucos induz a esta situação, e dependendo do grau
de isolamento, o indivíduo passa a funcionar com o mínimo de energia,
suficiente para sua sobrevivência. Por este motivo a vida torna-se difícil ou
pesada, pois o nível de força vital no corpo é muito baixo para sustentá-lo.
As abordagens do Yoga e da Psicologia Corporal podem ser
complementares no resgate da auto-regulação indicando a importância de
atuar sobre o corpo para a possível reorganização do indivíduo, da saúde
integral e da vida plena, podendo assim chegar ao estado mais elevado da
consciência humana, emancipada e autorealizada.
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