A RESPONSABILIDADE DO CONTABILISTA - O CÓDIGO CIVIL
BRASILEIRO E O DECRETO-LEI Nº 9.295/1946 DEVIDAMENTE
ATUALIZADO
Voltaire Marensi
Dois prepostos têm sua atuação referida especificamente no Código Civil: o
gerente e o contabilista. O primeiro está previsto nos arts. 1.172 a 1.176, sem
artigos correspondentes no Código Civil de 1916.
De outro giro, a figura do contabilista e outros auxiliares encontram-se
albergados nos arts. 1.177 e 1.178 do atual Código Civil.
O contabilista, doutrina Fábio Ulhoa Coelho, "é o responsável pela
escrituração dos livros do empresário. Só nas grandes empresas este preposto
costuma ser empregado; nas pequenas e médias, normalmente, é profissional com
quem o empresário mantém contrato de prestação de serviços" 1.
Neste sentir, adverte o mencionado autor, "entre o gerente e o contabilista,
além das diferenças de funções e responsabilidades, há também duas outras que
devem ser destacadas: enquanto é facultativa a função do gerente (o empresário
pode, simplesmente, não ter este tipo de preposto), a do contabilista é obrigatória
(salvo se nenhum houver na localidade - CC, art. 1.182); ademais, qualquer pessoa
pode trabalhar como gerente, mas apenas os regularmente inscritos no órgão
profissional podem trabalhar como contador ou técnico em contabilidade"2.
Em seu clássico Tratado de Direito Privado, já advertia mestre Pontes de
Miranda:
"A parte final do art. 75, 2ª alínea, do Código Comercial suscita problemas atuais.
Por isso, convém que a examinemos detidamente. Lê-se no Código Comercial, art.
75: ‘Os preponentes são responsáveis pelos atos dos feitores, guarda-livros,
1
2
Manual de Direito Comercial. Direito de Empresa. 23. ed. Saraiva. p. 42.
Bis, in idem, p. 43.
1
caixeiros e outros quaisquer prepostos, praticados dentro das suas casas de
comércio, que forem relativos ao giro comercial das mesmas casas, ainda que se
não achem autorizados por escrito. Quando, porém, tais atos forem praticados fora
das referidas casas, só obrigarão os preponentes, achando-se os referidos agentes
autorizados pela forma determinada pelo art. 74’."3
Dessarte, como doutrina Rubens Requião, "em face de contabilidade malelaborada, de vícios ou defeitos, de nada vale o empresário comerciante alegar
desconhecimento ou ignorância, pois o contador é um preposto seu e pelos atos
deste responde o empresário" 4.
O Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946, foi o responsável pela
criação do "Conselho Federal de Contabilidade, definindo as atribuições do
Contador e do antigo Guarda-livros" - denominação adotada pelo revogado art. 75
do Código Comercial - que, atualmente, como disse alhures, está previsto no art.
1.177 e seu parágrafo único, com a seguinte dicção:
"Os assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos
prepostos encarregados de sua escrituração, produzem, salvo se houver procedido
de má-fé, os mesmos efeitos como se o fossem por aquele.
Parágrafo único. No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente
responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros,
solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos."
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº
664.160/PR, que tratava da responsabilidade do contador, assim decidiu:
"ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE. ART. 15 DO
DECRETO-LEI
Nº
9.295/1946.
ABRANGÊNCIA
DO
CONCEITO
DE
3
Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado. v. 48. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965. p. 234.
Curso de Direito Comercial. v. 1. 29. ed., rev. e atual. por Rubens Edmundo Requião. Saraiva,
2010. p. 238.
4
2
‘ENCARREGADOS TÉCNICOS’. EXERCÍCIO DE ATIVIDADES PRIVATIVAS DE
CONTADOR.
1. A simples existência de contadores habilitados e registrados no conselho
próprio, os quais são responsáveis por coordenar o setor de contabilidade de uma
empresa e dar cabo de sua escrituração contábil, não afasta a possibilidade de
que, no dia a dia, outros funcionários exerçam atividades privativas de contador
irregularmente.
2. O art. 25 do Decreto-Lei nº 9.295/1946, além de afetar a escrituração contábil
somente aos profissionais devidamente registrados (alíneas b e c), prevê, em sua
alínea a, que ‘[s]ão considerados trabalhos técnicos de contabilidade [a]
organização e [a] execução de serviços de contabilidade em geral’.
3. Tem-se aí regra bem abrangente, a abarcar situações que vão além da direção,
supervisão, gerência ou coordenação técnica de setor ou da responsabilidade
técnica pela escrituração contábil.
4. À luz da legislação que regulamenta a profissão em comento, todo e qualquer
funcionário que exerça atividades relacionadas à organização e à execução de
serviços de contabilidade é um encarregado técnico.
5. O art. 15 do Decreto-Lei citado não limitou a obrigatoriedade da presença de
profissional habilitado e registrado no conselho recorrido para o exercício de
atividades que envolvessem unicamente a direção técnica do setor de
contabilidade ou a escrituração contábil de empresas, pois essa redução no campo
de incidência da citada regra importaria em contradição com o que dispõe o art. 12
do mesmo diploma normativo.
6. Recurso especial conhecido e não provido."
Na verdade, registra Modesto Carvalhosa, apenas o caput do art. 1.177 traz
norma específica sobre o contabilista. As demais regras da Seção III, inclusive o
parágrafo único do art. 1.177, aplicam-se aos prepostos em geral e estariam mais
bem situados na Seção I do Capítulo III (Dos Prepostos)5.
O jurista acima referenciado, ainda, enfatiza que "se o preposto
encarregado pelo preponente da escrituração age corretamente e de boa-fé nessa
tarefa, fazendo com que a contabilidade da empresa reflita fielmente sua situação
5
Modesto Carvalhosa. Comentários ao Código Civil. v. 13. 2. ed. Saraiva, 2005. p. 763.
3
econômica e financeira, não poderá o preponente alegar que desconhecia os
assentamentos lançados ou mesmo eventuais falhas neles com o intuito de eximirse de sua responsabilidade perante terceiros ou perante os próprios sócios pelo
teor desses assentamentos"6.
Ao anotar a noção de preposição, o saudoso Ministro Carlos Alberto
Menezes Direito e o Desembargador Sérgio Cavalieri Filho registraram:
"Preposto é aquele que presta serviço ou realiza alguma atividade por conta e sob
a direção de outrem, podendo essa atividade se materializar em uma função
duradoura (permanente) ou em ato isolado (transitório). O fato é que há uma
relação de dependência entre o preponente e o preposto, de sorte que este último
recebe ordens do primeiro, está sob o seu poder de direção e vigilância". E
arrematam: "O que é essencial, para caracterizar a preposição, é que o serviço
seja executado sob a direção de outrem, que a atividade seja realizada no seu
interesse, ainda que, em termos estritos, essa relação não resultasse perfeitamente
caracterizada."7
De outra banda, em sede de responsabilidade civil, o inciso III do art. 932 do
atual Código Civil estende a reparação civil ao "empregador ou comitente, por seus
empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou
em razão dele".
Ao tratar da responsabilidade do empresário pelos atos do contabilista e de
seus auxiliares, afirma Alfredo de Assis Gonçalves Neto:
"A responsabilidade do empresário pelos dados de sua contabilidade e de seus
balanços era e continuará sendo inexoravelmente objetiva, não admitindo incursão
na análise da conduta adotada pelos seus auxiliares para amenizá-la ou excluí-la.
6
Apud James Eduardo Oliveira. Código Civil anotado. 1. ed. Forense, 2009. p. 829 (Modesto
Carvalhosa. Comentários ao Código Civil. v. 13. Saraiva, 2003. p. 763-764).
7
Comentários ao novo Código Civil. v. XIII. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 215.
4
Aliás, essa responsabilidade é a mesma, tanto pelos atos dos prepostos quanto
dos autônomos ou das sociedades de contabilistas encarregadas da escrituração
do empresário (CC, arts. 932, III, e 933)."8
De outro giro, continua o referido autor paranaense:
"O parágrafo único do art. 1.177 tem de ser compreendido nesse contexto:
prepostos ou não, o contabilista e seu auxiliares, bem como os demais prepostos
do empresário, agindo no exercício de suas funções ou em razão delas, vinculamse sempre e sempre pelos atos que assim praticarem (CC, arts. 932 e 933). Se
agirem com culpa, não respondem perante terceiros, obrigando, porém, seu
preponente; se agirem de maneira dolosa, vincula-se pessoalmente pelos atos
praticados, já aí em solidariedade com o empresário."9
Discorrendo sobre a responsabilidade do contador, Ricardo Fiuza e Newton
De Lucca asseveram que "o contabilista, o técnico de contabilidade, o fato é que os
registros lançados por tais profissionais, nos livros e documentos da escrituração
da empresa, consideram-se feitos pelo próprio preponente, salvo na hipótese de ter
o preposto agido de má-fé. Como regra geral de responsabilidade na relação de
preposição, o parágrafo único deste artigo (1.177 do CC) estabelece que haverá
responsabilidade objetiva da empresa quando o preposto venha a causar dano a
terceiro em decorrência de ato culposo, cabendo ao preponente indenizar os
prejuízos
causados,
com direito
a
promover
ação
regressiva
contra o
responsável"10.
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça assim decidiu:
"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DEPOIMENTO PESSOAL REQUERIDO PELA
PRÓPRIA PARTE. INADMISSIBILIDADE. EMPRESA DE CONTABILIDADE.
8
Direito de Empresa. 3 ed. RT, 2010. p. 694.
Bis, in idem, p. 695.
10
Ricardo Fiuza. Código Civil comentado. Regina Beatriz Tavares da Silva. 7. ed. Saraiva, 2010. p.
1.088.
9
5
DESVIO E APROPRIAÇÃO DE DINHEIRO DO CLIENTE. RESPONSABILIDADE
CIVIL DO CONTADOR CONFIGURADA.
Correto o indeferimento de audiência na qual a parte pretendia fosse colhido o seu
próprio depoimento pessoal, porquanto carente de suporte legal a sua pretensão.
Não há como negar a culpa do contador que, sem maiores questionamentos,
assina os documentos que são apresentados pelo auxiliar de contabilidade, o qual,
por seu turno, apropria-se indevidamente de importâncias que são entregues pelo
cliente para pagamento de impostos. (fl. 185) (...)"
Dessarte, no caso concreto não incidiu o disposto no art. 933 do Código
Civil, que cuida da responsabilidade objetiva das pessoas físicas ou jurídicas
elencadas no artigo precedente deste diploma legal11.
Ademais esta regra encontra-se mitigada frente à observação de alguns
autores, como é o caso de Ruy Rosado de Aguiar, que adverte:
"A regra atinge o empresário e o profissional liberal e, nesse ponto, contraria a
regra do Código de Defesa do Consumidor, que exige, para a responsabilidade do
profissional liberal, a demonstração de culpa."12
Aliás, este também é o entendimento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho, quando afirmam que a "disciplina geral de responsabilidade civil
dos profissionais liberais permanecerá de natureza subjetiva, por força do princípio
da especialidade”13. Vale dizer, "a responsabilidade pessoal dos profissionais
liberais será apurada mediante a verificação de culpa"14.
O Código Civil alemão, com as reformas operadas em 2007 e 2008, trata da
"responsabilidade dos auxiliares nas atividades negociais" no § 831, acentuando a
observação de diligência exigível no tráfico comum destes negócios15.
11
Art. 932 do Código Civil.
Apud Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Novo curso de Direito Civil. v. III.
Responsabilidade Civil. 8. ed. Saraiva, 2010. p. 250.
13
Ob. e pág. citadas.
14
Lei nº 8.078, de 11.09.90 (CDC), art. 14, § 4º.
15
Bürgerliches Gesetzbuch. Código Civil alemán. Madrid: Marcial Pons, 2008. Traducción Dr. Albert
Lamarca Marquès.
12
6
Por seu turno, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal também já se
posicionou sobre a desídia do contador e sua responsabilidade de indenizar pelos
prejuízos ocasionados ao cliente pela má prestação do serviço profissional, nos
seguintes termos:
"RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESTADOR DE SERVIÇOS CONTÁBEIS.
REVELIA. CONFISSÃO FICTA. DESÍDIA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
PREJUÍZO PARA A CLIENTE. DANO MATERIAL. DEVER DE INDENIZAR.
VALOR
ARBITRADO
COM
PROPORCIONALIDADE
E
RAZOABILIDADE.
SENTENÇA MANTIDA.
1. Não se modifica julgamento que, valorando eficientemente as provas carreadas
ao processo, reputou existente a ocorrência de danos materiais por defeito na
prestação de serviço.
2. O recorrente ficou revel ao não comparecer à audiência de conciliação, razão
pela qual houve a pena de confissão ficta, restando patente nos autos a desídia na
prestação de serviço contábil, pois não assessorou corretamente sua cliente e não
a informou devidamente como solucionar problema de regularização da empresa
junto ao governo distrital, resultando em prejuízo para a requerida, que teve a
inscrição junto ao GDF cancelada e foi autuada com multa.
3. Em que pese a responsabilidade do recorrente, também ficou evidente a
responsabilidade concorrente da requerida, que foi negligente no acompanhamento
do serviço contábil prestado pelo recorrido, motivo pelo qual a sentença
monocrática deve ser mantida na íntegra, pois valorou bem as provas constantes
nos autos e todas as circunstâncias do caso e arbitrou com razoabilidade e
proporcionalidade a indenização pelos danos materiais experimentados pela
recorrida." (Processo 2008.04.1.009969-9, ACJ, 0009969-80.2008.807.0004, Res.
65, CNJ, DF, j. 01.09.09, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito
Federal, Rel. Edmar Ramiro Correia)
Embora entenda que há responsabilidade subjetiva do contabilista ao cuidar
deste parágrafo em relação ao artigo acima mencionado, Maria Helena Diniz
arremata este tópico em sua obra com as seguintes considerações:
"Pelo RIR/99, art. 819, o contabilista deverá assinar as demonstrações contábeis,
indicando seu número de registro no CRC do local onde atua, e será
7
responsabilizado, juntamente com o empresário-contribuinte, por falsidade
documental e por irregularidade de escrituração praticada para burlar o Fisco.
Esclarece-nos, a respeito, Laúdio Camargo Fabretti que o contabilista somente
responderá pelas demonstrações contábeis e declarações fiscais que assinar, mas
não terá qualquer responsabilidade pela falta de idoneidade de documentos fiscais
ou comerciais que o empresário lhe entregou para realizar a escrituração."16
Portanto, como sinaliza Rui Stoco, "a responsabilidade dessas pessoas,
seja a empresa ou o contador, ou o técnico em contabilidade, como o profissional
liberal de prestação de serviços - que se dedicam ao mister de organizar e manter
a contabilidade de seus clientes -, é contratual e de resultado, pois se obrigam a
manter a escrituração em ordem, providenciar e organizar os pagamentos de
tributos
e
cumprir
as
obrigações
fiscais
e
tributárias
acessórias,
fazer
demonstrativos e balanços".
E continua aquele jurista: "assim, nos termos do art. 186 daquele Estatuto
(Código Civil), respondem por atos ilícitos que praticarem, apenas mediante
verificação de culpa"17.
Ao tratar da responsabilidade contratual do contabilista, Arnoldo Wald
ensina:
"Porém, no caso da prestação de serviços de contabilidade de forma terceirizada,
a responsabilidade continua sendo contratual, apesar da menção expressa à
necessidade de existência de culpa."18
Há, de fato, na hipótese acima ventilada, uma responsabilidade civil
subjetiva do contabilista, ou seja, não responde quando não houver obrado com
culpa no ato praticado a mando do empresário.
Em razão disto, ao comentar o art. 1.182 do Código Civil, diz Arnoldo Wald
que o "empresário ou a sociedade empresária é responsável pela escrituração
16
Curso de Direito Civil brasileiro. v. 8. Direito de Empresa. 3. ed. Saraiva, 2011. p. 878.
Rui Stoco. Tratado de responsabilidade civil, doutrina e jurisprudência. 8. ed. RT, 2011. p. 592.
18
Arnoldo Wald. Comentários ao novo Código Civil. v. XIV. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 819.
17
8
contábil, tendo, inclusive, a obrigação de firmar o balanço patrimonial e o de
resultado econômico (art. 1.184, § 2º, do CC). No caso de sociedade, a
responsabilidade recai sobre seu gerente e seus administradores"19.
Em nota de James Eduardo Oliveira a este dispositivo legal, vale ressaltar,
ao art. 1.182 do Código Civil, colhido em escólios doutrinários de Modesto
Carvalhosa, esta regra legal: "mantém a exigência de que um profissional das
Ciências Contábeis, inscrito no Conselho Regional de Contabilidade de seu
domicílio, após a aprovação do respectivo exame de suficiência, seja responsável
pela escrituração dos livros comerciais. Na remota hipótese de não existir
profissional habilitado no município, tal exigência é afastada, ficando o titular da
empresa como único responsável. Ademais, o Código Civil de 2002 inova ao
estabelecer que o ato de indicação do contador responsável, consistente em
mandato outorgado pelo comerciante a um de seus prepostos, deve ser submetido
a arquivamento no Registro do Comércio (art. 1.174)"20.
De fato. Impende sublinhar, à exaustão, na observação de Fran Martins,
insertos nos Comentários ao Código Civil Brasileiro, sob a coordenação de Arruda
Alvim e Thereza Alvim, ao se manifestar sobre o tema, tomando por base o hoje
revogado art. 77 do Código Comercial, que serviu de base para o artigo ora
comentado - art. 1.177 do CC - que "a escrituração deve ser realizada por
profissional qualificado, nos termos da legislação específica (Decreto-Lei nº 486,
art. 3º). Esse profissional qualificado é o contador, a que o código chamava guardalivros, e que pode ser empregado ou não da empresa. Hoje, regulamentada a
profissão dos contadores, devem os mesmos, para desempenhar suas funções, ser
inscritos nos Conselhos Regionais de Contabilistas".
Como se disse, continua aquele inolvidável doutrinador, "os contadores
podem ou não ser empregados da empresa; o mais comum é que não sejam, o
que os possibilita a prestar seus serviços em várias empresas (algumas empresas,
entretanto, possuem seções ou departamentos de contabilidade, chefiados por um
contabilista, quase sempre empregados nas mesmas). Note-se que, da escrita feita
19
Ibidem, p. 829.
Apud James Eduardo Oliveira. Código Civil anotado. 1. ed. Forense, 2009. p. 832 (Modesto
Carvalhosa. Comentários ao Código Civil. v. 13. Saraiva, 2003. p. 788-789).
20
9
pelo contador à vista dos documentos fornecidos pelo comerciante, resulta
responsabilidade para este. Assim, fica o contador isento de responsabilidade por
atos fraudulentos praticados pelo comerciante, desde que a escrituração tenha sido
feita em face dos documentos fornecidos por este"21.
Em artigo doutrinário sob o título da "Responsabilidade Civil e Penal do
Perito e o Profissional de Contabilidade na Nova Legislação Civil e Falimentar",
Celso Marcelo de Oliveira, em suas conclusões finais assevera: "impõe para
determinada conduta, independentemente de qualquer outro vínculo. Com base
nessas premissas e considerando o avantajado conjunto de atividades dos
profissionais de contabilidade, suas responsabilidades profissionais podem ser
enquadradas em cinco modalidades distintas: a) responsabilidade técnica ou éticoprofissional; b) responsabilidade civil no direito empresarial; c) responsabilidade
penal; d) responsabilidade em crime falimentar; e) responsabilidade tributária"22.
A hipótese prevista na letra "c" está plasmada nos arts. 342 e 343 do Código
Penal Brasileiro.
Ao comentar o art. 343 do Código Penal, Guilherme de Souza Nucci adverte
que se exige "no entanto, que a pessoa destinatária do dinheiro ou da vantagem
ostente a condição de testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete no
momento da conduta típica"23.
De outro giro, "o art. 178 da Lei nº 11.109, de 9 de fevereiro de 2005, define
como crime falimentar a omissão dos documentos contábeis obrigatórios. Assim,
deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que
decretar a falência ou a recuperação judicial, os documentos de escrituração
contábil obrigatórios tipifica uma pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos e
multa, se o fato não constitui crime mais grave"24.
21
Oscar Ivan Prux, Luiz Antonio Soares Hentz e Marcus Elidius Michelli de Almeida. Comentários
ao Código Civil brasileiro. v. X. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 367.
22
Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, ano I, n. 4, p. 57.
23
Código Penal comentado. 9. ed. RT, 2009. p. 1.160.
24
Celso Marcelo de Oliveira. Revista e artigo citado, p. 57.
10
Por fim, penso que a responsabilidade tributária se origina quando o sujeito
passivo da obrigação principal é "responsável, quando sem revestir a condição de
contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei"25.
De consequência, entendo que o seguro destes profissionais é tema
imperioso. Dessarte, as Condições Gerais de Responsabilidade Civil profissional
de Empresas de Contabilidade definem como objeto do seguro o pagamento e/ou
reembolso, a título de perdas e danos, devido a terceiros pelo segurado, a título de
reparação de danos, estipuladas por tribunal civil ou acordo aprovado pela
sociedade seguradora, desde que (i) os danos tenham ocorrido durante o período
de vigência da apólice ou (ii) nos prazos prescricionais em vigor26.
Para José de Aguiar Dias, encontramos a definição do seguro de
responsabilidade civil no direito pátrio, referindo-se ao Código Civil anterior a 1916,
adaptando o art. 1.432 daquele diploma legal, nos seguintes termos: "Seguro de
responsabilidade é o contrato em virtude do qual, mediante o prêmio ou prêmios
estipulados, o segurador garante ao segurado o pagamento da indenização que
porventura lhe seja imposta com base em fato que acarrete sua obrigação de
reparar o dano".
Atualmente essa definição está expressamente prevista nos arts. 787 e 788
do Código Civil de 2002.
A garantia é a tônica dessa definição, cuja subsunção legal arrosta a
condicionalidade e a álea como elementos principais de sua característica.
Camilo Viterbo formula uma definição, que denomina de "provisória", assim
exposta: "O seguro da responsabilidade civil (haftpfichtverzicherung - assurance de
la responsabilité civile) é aquela espécie de seguro na qual o segurador se obriga a
25
In: Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172/66, inciso II, do parágrafo único do art. 121.
Condições Gerais de Responsabilidade Civil profissional de Empresas de Contabilidade (Apólice
à base de Ocorrência).
26
11
indenizar o segurado do dano patrimonial que este sofra como consequência legal
de uma responsabilidade civil - não penal - em que haja incorrido".
Por fim, a Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010, alterou alguns dispositivos
do Decreto-Lei nº 9.295/1946 e outros inserindo no art. 76 algumas mudanças que
merecem ser ressaltadas, a saber: (i) a fiscalização do exercício da profissão
contábil; (ii) o exercício da profissão; (iii) o pagamento das anuidades e a
respectiva jurisdição deste ato; (iv) a execução dos serviços contábeis em mais de
um Estado; (v) as penalidades ético-disciplinares por infração ao exercício legal da
profissão, assim como a prestação anual dos Conselhos Federal e Regionais de
Contabilidade de suas contas aos seus registrados.
Talvez, dentre estas alterações a que merece destaque, diz respeito ao art.
12 daquele Decreto-Lei, de vez que exigiu como requisito para a emissão da
Carteira e Registro Profissional à aprovação em Exame de Suficiência, com
redação vazada nos seguintes termos:
"Os profissionais a que se refere este Decreto-Lei somente poderão exercer a
profissão após a regular conclusão do curso de Bacharelado em Ciências
Contábeis, reconhecido pelo Ministério da Educação, aprovação em Exame de
Suficiência e registro no Conselho Regional de Contabilidade a que estiverem
sujeitos."
Dessarte, apesar da declaração de nulidade da Resolução CFC nº 853/99,
os Conselhos Federal e Regionais de Contabilidade encontram-se autorizados a
aplicar o exame de suficiência, por força do art. 76 da Lei nº 12.249/201027. Cuidase de uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de dezembro de
2010.
Ao ensejo do tema e, inclusive, em homenagem à efeméride dos 23 anos
que completa este mês a nossa Constituição Federal de 1988, é de se invocar o
preceito constitucional inserto no art. 5º, inciso XIII de que "é livre o exercício de
27
Extraído do site: <http://www.editoramagister.com>. Acesso em: 29 ago. 2010.
12
qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que
a lei estabelecer".
Ademais, consoante se colhe em artigo doutrinário da lavra de Luiz Olavo
Baptista, que dissertou sobre o Exame de Ordem para o exercício da advocacia, "a
experiência mostra que a maioria dos que têm diploma não o merecia, e nem têm a
qualificação necessária para o exercício de uma profissão"28.
Pois, segundo o eminente jurista acima citado, "a Constituição não diz que é
livre o exercício de qualquer profissão a quem tenha um diploma. Ela diz
claramente que o exercício dessa liberdade é condicionado ao preenchimento dos
requisitos da lei para proteger o interesse público"29.
Dessarte, em conclusão, o contador tem o dever de probidade na condução
de sua atividade profissional, tanto que o antigo Código de Comércio, hoje
revogado nesta parte, já preconizava em seu art. 78 que haveria responsabilidade
dos agentes de comércio perante seus preponentes "por todo e qualquer dano que
lhes causarem por malversação, negligência culpável ou falta de exata e fiel
execução das suas ordens e instruções, competindo até contra eles ação criminal
no caso de malversação" 30.
Pois bem. A regra acima exarada pelo vetusto Código de 1850 vale até
nossos tempos, já que a confiança, a fidúcia, é o norte que deve presidir as
relações entre o contador e o seu preponente, porquanto como verdadeiro
mandatário aquele pratica atos que obrigam ou co-obrigam seu mandante.
Portanto, as omissões de escrita, a falta de apresentação das declarações
notadamente na seara fiscal pode desaguar no mais completo infortúnio do
empresário e do próprio contabilista, em face das severas e muitas vezes
excessivas sanções aplicadas pelos órgãos de fiscalização.
28
29
Constituição e Exame de Ordem. Caderno Direito & Justiça, 3 de outubro de 2011.
Bis in idem.
13
É por isso que o contador deve estar atento no exercício de sua atividade
profissional, sem descuidar que, acima de tudo, tem o dever de se conduzir com
zelo e transparência, o que, em ligeira síntese, se traduz nos princípios de
probidade e boa-fé, nos quais os contratantes são obrigados a guardar, tanto na
conclusão do contrato como em sua execução.
14
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A RESPONSABILIDADE DO CONTABILISTA