1 O GERATIVISMO E A LÍNGUA DE SINAIS: UMA DEMANDA POR “ TERRITÓRIOS ” NA POLÍTICA DE INCLUSÃO André Luís Batista Martins (Cemepe) [email protected] Ao abordar os processos de aquisição das línguas naturais, segundo a ótica de sua teoria Gerativo­transformacional, Chomsky (1971:36) diz ser inconcebível que uma língua altamente abstrata, específica e estritamente organizada surja por acidente na mente de uma criança. Ele defende a existência de restrição inata para a forma da gramática. A mente possuiria, portanto, princípios intrínsecos propiciadores de estruturas invariantes como pré­requisito para a experiência lingüística. Da mesma forma, acolhendo este parecer, não se pode conceber que esta restrição inata capaz de moldar as estruturas de uma língua tenha algum valor sem o concurso de uma experiência lingüística. Estamos nos referindo ao caso das pessoas que nascem surdas ou adquirem a surdez sem terem tido a oportunidade de vivenciar qualquer experiência lingüística. Neste caso, como esta faculdade inata para a aquisição de uma língua poderia ser ativada? O único sistema lingüístico viável para a constituição de uma língua, a partir desta hipótese inatista, seria por meio da exposição à língua de sinais. Isso, porque o artificialismo de treinar a pessoa surda para uma língua de base oral tem se mostrado inócuo e pouco adequado, quer para o processo de aquisição lingüística, quer para fins didáticos de alfabetização e letramento do surdo. Nesse sentido, cabe lembrar que a escrita não pode ser considerada um meio de comunicação natural, mas um meio de representação alternativo para a manifestação da língua. Repito: um meio alternativo. Assim sendo, para que o modelo proposto por Chomsky de uma gramática gerativa tenha validade, no que diz respeito às pessoas surdas, teríamos apenas de aceitar a mudança da natureza do canal lingüístico, passando de sonoro para gesto­ visual? Mas seria coerente argumentar, aceitando os pressupostos de uma Gramática Universal (GU) que a memória lingüística, em uma língua de sinais, se estrutura em um padrão diferenciado?
2 Na concepção gerativista, o pré­requisito da linguagem é a faculdade inata que todo falante­ouvinte tem para adquirir informalmente uma língua, apenas pela exposição. Partindo, pois, deste pressuposto teórico é que podemos chegar a uma obviedade que muitos estudiosos da surdez e da língua de sinais relutam em aceitar: surdos privados, desde nascimento, da experiência lingüística de ouvir a voz humana não podem transitar com naturalidade em línguas de natureza oral­alditiva, mesmo que apenas no seu meio escrito, pois esse uma convenção representativa da primeira e como tal não possui autonomia lingüística. A partir dessa reflexão teórica, podemos dizer que, assim como o oralismo (defesa da oralização do surdo como condição sine quae non) e o bimodalismo (a visão de uma possibilidade de transposição literal de uma estrutura oral para um gestual e vice­versa) o bilingüismo (a possibilidade dos surdos terem na língua de sinais a sua L1 e na língua escrita da comunidade ouvinte a sua L2 )parece estar encaminhando­se para ingressar na esteira de fracassos da educação dos surdos, formada pelas duas outras propostas, porque com a perda da função do canal auditivo, falar em bilingüismo para pessoa surda, impossibilitada de qualquer experiência lingüística desde seu nascimento, é apostar em algo da ordem da impossibilidade. Significa também vender uma utopia lingüística aos surdos, generalizando as identidades surdas. Enfatizamos, mais uma vez, que não estamos tratando de surdos que adquiriram a surdez após alguns anos de experiência lingüística, nem de surdos com resíduos auditivos (o que possibilita um treinamento fonoaudiológico e para os quais uma prótese auditiva tenha serventia). Vejam, o que faz a falta de uma sensibilidade lingüística aliada à tendências homogeneizantes. Em um primeiro momento, se aposta em uma oralização irracional, coibindo a legítima manifestação da comunicação gestual. Em seguida, promete­se a aquisição da modalidade escrita de uma língua oral, como se fora uma segunda língua, partindo­se do pressuposto da contextualização promovida pela língua de sinais. Para que isso fosse verdade, o aprendizado do código escrito teria que gozar de autonomia plena, a ponto de não pressupor a aquisição prévia de uma língua natural. Voltando nossa atenção para o lingüista em questão, Chomsky chama atenção para dois pontos significativos relacionados à percepção que o falante nativo adquire espontaneamente. Sem que haja qualquer treinamento específico, ele sabe julgar e compreender enunciados da própria língua, mesmo que sejam novos. Os enunciados seriam interpretados instantânea e uniformemente de acordo com princípios estruturais
3 que são conhecidos de maneira tácita, intuitiva e inconsciente. O primeiro ponto significativo refere­se ao fato de que a estrutura superficial de uma sentença pode não revelar ou refletir de imediato a sua estrutura sintática profunda que não é representada diretamente pelo signo lingüístico. O segundo ponto diz respeito ao alto nível de abstração das regras que determinam a estrutura profunda e superficial, bem como as inter­relações em casos particulares. Levando­se em consideração estes pontos levantados pelo gerativismo chomskiamo, podemos compreender que a impossibilidade auditiva de uma pessoa dentro das características levantadas (surdez profunda sem experiência lingüística prévia) limite o aprendizado pleno de uma língua de base oral­auditiva, mesmo que apenas em sua manifestação escrita. Nestes casos, antes de querer vender falsas promessas de letrar um aluno surdo, dever­se­ia, antes, garantir meios para que a sua faculdade para uma língua plena, ou seja, comunicativa, seja desenvolvida. Isso garantiria o surgimento de uma identificação lingüística mais acentuada. Certamente, por meio da língua de sinais, o surdo poderá ser introduzido no mundo da escrita, potencializando o paralelismo entre os dois sistemas. Mas a escrita só passará a ser significativa se puder ser contextualizada a partir de esquemas conceituais e valores a serem desenvolvidos na língua que se pretende dominar. Para tanto, voltamos aos pontos relacionados à percepção que falante nativo adquire espontaneamente, e que para o aprendizado de uma segunda língua só é viável a partir de um outro referencial lingüístico. Neste caso, a saída que se delineia é o domínio de uma gramática comparada para que haja a possibilidade de uma releitura de textos sob este prisma e um maior contato entre as línguas gesto­visuais e as línguas oral­auditivas, para que as fronteiras entre as duas línguas possam ser alargadas, possibilitando um trânsito maior. Mas isso só seria possível pela adoção de políticas educacionais que propiciem, primeiramente, a aglutinação dos alunos surdos, pois há demandas na sociedade para a criação de “territórios” onde a língua de sinais seja “falada” efetivamente (a criação de salas especiais dentro do ensino regular atenderia esta demanda por “território” sem ferir a política de inclusão);e para que eles possam ter, como os ouvintes, a alegria de comunicarem com seus pares em uma língua que lhes é “própria” e viável; em segundo lugar, a adoção curricular da língua de sinais para os alunos ouvintes em escolas onde se adote o paradigma da inclusão. Isso porque os ouvintes podem se tornar bilíngües (na real acepção da palavra) e transitar nas duas
4 línguas, propiciando a transferência de estruturas de uma língua para a outra de maneira mais intensa e informal, porque apenas na formalidade das aulas o aprendizado será lento e sem garantias de sucesso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, A educação de sur dos. Brasília: MEC/SEESP, 1997. BERNARDINO, Elidéa Lúcia. Absur do ou lógica. Os sur dos e sua pr odução lingüística. Belo Horizonte: Profetizando Vida, 2000. CHOMSKY, Nooan. Novas per spectivas lingüísticas. Petrópolis: Vozes, 1971 MARTINS, André Luís Batista. O Gerativismo e a língua de sinais: uma demanda por 'ter r itór ios' na política de inclusão. O Progresso ­ expressão regional, Imperatriz, MA, v. 11689, p. C1­6 ­ C1­6, 08 abr. 2003.
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