UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM CARMEM ZIRR ARTUZO A CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA DO PROFESSOR DE LÍNGUA ESTRANGEIRA FRENTE À FORMAÇÃO CONTINUADA ON-LINE CUIABÁ - MT 2011 CARMEM ZIRR ARTUZO A CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA DO PROFESSOR DE LÍNGUA ESTRANGEIRA FRENTE À FORMAÇÃO CONTINUADA ON-LINE CUIABÁ – MT 2011 i CARMEM ZIRR ARTUZO A CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA DO PROFESSOR DE LÍNGUA ESTRANGEIRA FRENTE À FORMAÇÃO CONTINUADA ON-LINE Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem, sob a orientação do Professor Dr. Dánie Marcelo de Jesus. CUIABÁ – MT 2011 ii iii A792c Artuzo, Carmem Zirr A constituição identitária do professor de língua estrangeira frente à formação continuada on-line / Carmem Zirr Artuzo – Cuiabá/MT – 2011. X, 130 f. Orientador: Prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus. Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem). Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Linguagem. Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem, 2011. Bibliografia: f. 105-110. Inclui anexos. 1. Constituição identitária. 2. Formação de professores. 3. Professores – Língua estrangeira. 4. Professores – Formação continuada – On-line. 5. Tecnologias digitais – Formação de professores. 6. Linguistica Aplicada. I. Título. CDU: 81‟33 iv Dedico este trabalho aos meus filhos Camile, Eduardo e Artur, por terem tolerado minha ausência e ao José Alberto, meu companheiro e encorajador incondicional. v AGRADECIMENTOS Agradeço de maneira especial às seguintes pessoas que foram muito importantes para minha pesquisa: Ao meu orientador, Professor Doutor Dánie Marcelo de Jesus, pela preciosa orientação, por ser amigo, paciente e, acima de tudo, por valorizar as pessoas de forma humana durante esta jornada. À Professora Dilma Mello, pela simpatia e por ter me apresentado caminhos na qualificação, que minha inexperiência não me permitiu enxergar. À Professora Doutora Ana Antonia Assis-Peterson, pelas sugestões e ensinamentos no início do desenvolvimento deste trabalho. Aos Professores Doutores, Maria Inês Pagliarini Cox, Sérgio Flores Pedroso, Simone Padilha e Solange Barros Ibarra Papa, pelas reflexões que contribuíram para a construção do conhecimento durante as disciplinas e que fizeram com que eu aprendesse muito. Às minhas queridas colegas de mestrado, Sandra Pinotti e Mônica Birchall, que contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento das unidades didáticas do curso on-line. Agradeço ainda, em especial, à minha companheira Sandra Pinotti, que esteve sempre presente durante todo o percurso e em todos os momentos que precisei, mesmo a distância. Aos meus companheiros da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, que fazem parte do Projeto de Extensão Formação Continuada para Professores de LI, Erika Regina e Helvio Moraes, pelo apoio prestado no curso e pela ajuda na universidade durante o tempo que eu cursei o mestrado. Às professoras-alunas, participantes da pesquisa, por terem colaborado na construção das narrativas de histórias de ensino-aprendizagem de língua inglesa. À professora e amiga Perla Haydée, pelo empenho e participação no curso on-line. Aos dirigentes da Fundação de Amparo à Pesquisa – FAPEMAT, agradeço a bolsa que me foi concedida e imprescindível para a realização desta pesquisa. Muito obrigada! vi Enfim, enfim, quebrara-se realmente meu invólucro, e sem limite eu era. Por não ser, eu era. Até o fim daquilo que eu não era, eu era. O que não sou eu, eu sou. Tudo estará em mim, se eu não for; pois „eu‟ é apenas um dos espasmos instantâneos do mundo (LISPECTOR – A paixão segundo G. H, p. 178). vii RESUMO O objetivo desta pesquisa é investigar e descrever os traços predominantes constitutivos do processo de (re)constituição das identidades profissionais de professores de LI, durante a participação em um curso de formação continuada em ambiente digital, com o objetivo de compreender como ocorre o processo de constituição identitária. A partir de autobiografias e entrevistas narrativas realizadas com três professoras participantes, analisei as narrativas de história de vida levando em consideração os traços subjetivos que afloraram e as transformações advindas da nova experiência de ensino-aprendizagem, como elemento responsável pelas alterações dos percursos dessa constituição. O contexto da pesquisa foi um curso de formação continuada on-line, oferecido no primeiro semestre de 2010, aos professores de inglês da rede pública, através de um Projeto de Extensão da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT. As participantes da pesquisa foram três professoras e eu. Este trabalho foi desenvolvido mediante os fundamentos teóricos sobre Identidade e Linguagem, consoante Moita Lopes (2002; 2006), Hall (2005), Silva (2005) e Rajagopalan (2006; 2008); A identidade do professor de línguas na sala de aula presencial e digital, com base em Lévy (2001), Ramal (2002), Carmagnani (2006) e Nóvoa (2007); O conceito de ambiente digital de ensino-aprendizagem e a relevância das TICs, de acordo com Warschauer e Meskill (2000), Kleiman e Vieira (2006), Sharma & Barret (2007), Kenski (2008), Vallin (2009), Alonso e Alegretti (2009), Paiva (2009) e Almeida e Prado (2009). O percurso teórico-metodológico utilizado foi o da pesquisa narrativa, com o foco na análise temática de narrativas, de acordo com os autores Riessman (1993; 2008), Johnson & Golombeck (1993), Clandinin & Connelly (2000), Jovchelovitch & Bauer (2002), Gaskell (2002) e Mello (2004), ao tomar como dados as histórias de vida das três professoras participantes do curso de formação continuada on-line. A partir dos traços apresentados nas narrativas das professoras, como insegurança, incompletude, incerteza, desejo, descoberta, adesão, ação, autoconsciência, adaptação, organização e superação, foi possível perceber que o processo de constituição da identidade docente ocorre através de um processo dinâmico, como uma movimentação frenética, impetuosa, que emerge de determinantes sócio-históricos, culturais e afetivos. Palavras-chave: tecnologias digitais, formação de professores, constituição identitária. viii ABSTRACT The objective of this research is to investigate and describe the predominant traits that constitute the process of (re) constitution of professional identities of English Language teachers, while participating in a continuing education course in the digital environment, in order to understand how the process of identity construction occurs. From autobiographies and narrative interviews conducted with the three teachers involved, I analyzed the narratives of life history paying attention to subjective changes that arose and the transformations coming from the new experience of teaching and learning as part of the pathways responsible for changes of this constitution. The context of the research was an online continuing education course offered in the first half of 2010 to English teachers of public schools, through an Extension Project at the University of Mato Grosso – UNEMAT and the participants were three teachers and myself. This work was developed based on the theoretical foundations on Identity and Language, according to Moita Lopes (2002; 2006), Hall (2005), Silva (2005) and Rajagopalan (2006; 2008); The identity of a language teacher in the digital and face-to-face classroom, based on Lévy (2001), Ramal (2002), Carmagnani (2006) and Nóvoa (2007); The concept of the digital environment for teaching and learning and the relevance of ICTs, according to Warschauer and Meskill (2000), Kleiman and Vieira (2006), Sharma & Barret (2007), Kenski (2008), Vallin (2009), Alonso and Alegretti (2009), Paiva (2009) and Almeida and Prado (2009). The theoretical and methodological course was the narrative research, with the focus on thematic analysis of narratives, according to the authors Riessman (1993; 2008), Johnson & Golombeck (1993), Clandinin & Connelly (2000), Jovchelovitch & Bauer (2002), Gaskell (2002) and Mello (2004), when considering data the life stories of three teachers participating in the continuing education online course. From the traces shown in the narratives of teachers such as insecurity, incompleteness, uncertainty, desire, discovery, acceptance, action, selfawareness, adaptation, organization and resilience, it is noted that the process of formation of teacher identity is a dynamic process, with a frantic drive, brash, emerging from social, historical, cultural and affective determinants. Keywords: digital technologies, teacher education, establishment of identity. ix SUMÁRIO Introdução......................................................................................................11 CAPÍTULO I 1. ENREDOS TEÓRICOS 1.1 Linguagem e identidade........................................................................23 1.2 A identidade do professor de línguas na sala de aula presencial e digital..................................................................................................30 1.3 Ambiente de ensino aprendizagem digital...........................................34 1.4 A relevância das TICS no processo de formação continuada para professores de Língua Estrangeira...............................................................38 CAPÍTULO II 2. CENÁRIOS METODOLÓGICOS 2.1 Caracterização da pesquisa....................................................................41 2.2 O contexto da pesquisa..........................................................................47 2.3 As personagens da peça.........................................................................49 2.4 Procedimento da coleta e análise dos dados.........................................53 CAPÍTULO III 3. A PEÇA: DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 3.1 A abertura das cortinas e as três professoras: características e subjetividades no enredo da autobiografia................................................. 58 3.2 Os traços característicos e o processo de constituição da identidade profissional das professoras.........................................................................65 3.2.1 Ato I: A troca de experiências com o Outro...................................66 3.2.2 Ato II: A falta de fluência na língua alvo.......................................67 3.2.3 Ato III: A insegurança frente ao desconhecido..............................69 3.2.4 Ato IV: A organização do tempo e a disciplina.............................70 3.2.5 Ato V: O desejo de inserção no ambiente digital...........................72 3.2.6 Ato VI: A incompletude do sujeito professor.................................74 3.3. Discussão e interpretação....................................................................77 3.3.1 O processo de constituição da identidade profissional do professor de LI........................................................................................................89 x Considerações Finais: fechamento das cortinas A constituição identitária do professor de LI em ambiente digital: em busca de entendimento...................................................................................................93 Referências bibliográficas..........................................................................105 Anexos...........................................................................................................111 xi 11 INTRODUÇÃO Inicio convidando os leitores para compartilhar um pouco da minha trajetória como aprendiz e professora. Busco dar ênfase às minhas experiências por acreditar que essas vivências delinearam minha constituição identitária profissional e podem dialogar com mais coerência com a metodologia de pesquisa utilizada neste estudo. Para tanto, optei por desenvolver este trabalho com base em metáforas referentes ao teatro porque elas explicam o dinamismo e a volatilidade da constituição identitária como a encenação de uma peça teatral na qual o enredo, os personagens, os espaços alteram-se à medida que a trama se desenrola. Passo agora a descrever um pouco da minha história de aprendiz e professora de Língua Inglesa (doravante LI), com vistas a dar ênfase às experiências de vida, conforme a perspectiva teórico-metodológica da pesquisa narrativa de Clandinin e Connelly (2000). Em seguida relato o que eu considero como os bastidores desta pesquisa, apontando alguns fatos introdutórios, como a organização da peça, as cenas que seguem, fatos que precedem o enredo e a encenação desta peça teatral, enfim, compartilho ainda as minhas motivações para encená-la. Sou Carmem, professora na área de LI e pesquisadora-participante deste trabalho. Tenho 37 anos, sou graduada em Letras – Português/Inglês pela Universidade Estadual do Mato Grosso – UNEMAT, especialista em Ensino e Aprendizagem de Língua Estrangeira, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC e discente do Mestrado em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal de Mato Grosso – MeEL. Aos nove anos de idade comecei a estudar inglês em uma escola de idiomas, pois era fascinada pela língua. Pela motivação e facilidade, aprendi muito rápido e passei a gostar ainda mais do idioma. Então, escolhi o curso de Letras por desejar ser uma professora de LI. Iniciei o curso de Letras com 19 anos. Na primeira aula fiquei frustrada porque a professora, apesar de muito simpática e de ser proficiente na língua-alvo, não possibilitava a construção da aprendizagem como eu esperava. Mesmo assim, minha motivação em relação à aprendizagem da LI era imensa e a universidade representava para mim o lugar ideal para que isso se efetivasse. Aquela primeira professora permaneceu conosco até o segundo semestre apenas. O 12 nível de língua que ela trabalhava era o básico, com atividades tradicionais e pouco motivantes. O foco das aulas era apenas a estrutura e o livro didático direcionava tudo. Contudo, no III semestre, um novo professor trouxe boas expectativas quanto à aprendizagem de LI. Ele era dinâmico, extrovertido, possuía boa fluência e sua prática pedagógica era ótima para mim. A ênfase nas suas aulas era a comunicação oral e escrita e ele não seguia um material didático específico, mas diversificava as atividades, contemplava todas as habilidades e os mais variados estilos de aprendizagem. Ele ainda incentivava a leitura de livros literários na LI. Então, voltei a sonhar com a possibilidade de falar inglês e de ser uma profissional da área. A partir disso, a minha disciplina favorita continuou a me contagiar e a cada aula eu ficava mais envolvida. Como gostava das aulas e já tinha facilidade em aprender o idioma, sempre me destacava entre os demais discentes e o meu professor, que trabalhou até o VII semestre, me elogiava e incentivava muito a seguir a carreira docente. Ainda na graduação, admirei muito os meus professores de Literatura Inglesa e Norte-americana e de Linguística Aplicada. O primeiro, pelo fato de ministrar todas as aulas na língua-alvo, contribuiu de forma considerável para que eu melhorasse meu nível de LI. O segundo, também muito querido por todos, me apresentou as diversas possibilidades de abordagens teóricas e metodológicas que podem fundamentar a prática pedagógica do professor de línguas. Esse contato com as pesquisas possibilitaram a minha reflexão e percepção sobre elementos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem de línguas que me angustiavam e que me despertaram ainda mais interesse pela profissão docente. No ano seguinte da minha graduação, comecei a fazer um curso de especialização em ensino e aprendizagem de Inglês, na PUC de Minas Gerais. Nesse curso de dois anos, ampliei muito meus horizontes profissionais, conheci várias pessoas interessantes e, principalmente, desenvolvi a escrita acadêmica na LI. Os professores, em sua grande maioria, foram encantadores e ministraram as aulas na língua-alvo. Foi nessa época que tive o primeiro contato com a fonética da língua e com a tecnologia no processo de ensinoaprendizagem de LI. Fiquei deslumbrada com a possibilidade de trabalhar a língua-alvo utilizando a Internet. Desde então, percebi o quanto eu ainda tinha para aprender e desenvolver profissionalmente. Agora passo a comentar sobre a minha atuação profissional, na peça em que enceno o papel de professora. 13 Iniciei minha carreira de docente de LI em uma escola particular, ministrando aulas no ensino fundamental e médio quando eu cursava o V semestre de Letras. Nesta escola, o material apostilado era fundamentado na abordagem da gramática e tradução. Apesar de tentar diferenciar as aulas com atividades interativas na LI, quando tinha que retomar a apostila era extremamente cansativo e desestimulante, tanto para os alunos, quanto para mim. Pelo fato do material de inglês estar incluso na apostila, que era paga pelos pais, o professor não podia deixar de utilizá-lo até o final. Isso me trazia uma insatisfação imensa. Cheguei até a fazer uma reunião com a coordenação da escola para tentar explicar que a qualidade do material não era aquela que eles imaginavam. Também conversei com os pais dos alunos para tentar adotar outro material, com um custo bem acessível. No entanto, minhas tentativas não tiveram êxito, o que me tornou desacreditada em relação ao ensino naquele contexto. Desta forma, após seis anos trabalhando nessa escola, a falta de liberdade que o profissional tinha em sala de aula, me fez desistir. No VI semestre de Letras, comecei a estudar e trabalhar na escola de idiomas do meu professor de LI, que também dava aulas na universidade. Eu assistia às aulas no curso avançado e ministrava aulas em cinco turmas, sendo uma delas infantil. Na época fiquei entusiasmada com a LI e com a minha nova profissão. A perspectiva de ensino era totalmente diferente e então comecei a comparar com o meu trabalho na escola de ensino fundamental e médio. Na escola de idiomas, eu podia trabalhar exatamente como eu gostaria, dentro da abordagem comunicativa. Na ocasião, recebi um bom treinamento metodológico para utilizar o material didático da escola e os materiais extras. Logo fui conquistando os meus alunos por realizar um bom trabalho, o que me motivou cada vez mais a persistir na profissão. Ao concluir o curso de Letras consegui passar no teste seletivo da universidade em que me graduei. Minha experiência como docente de LI na graduação foi ótima, pois percebi que a formação de professores era fascinante. Sempre me dediquei muito às minhas turmas, me esforçando ao máximo para incentivar os alunos a respeito de serem autônomos na aprendizagem de línguas. Apenas no primeiro mês de trabalho na universidade os acadêmicos de uma turma do III semestre tentaram me testar conferindo em dicionários algumas palavras que eu falava em inglês. Mas, logo perceberam que, embora eu tivesse acabado de sair da graduação, meu nível de LI era bom o bastante para ser uma docente do curso. Após oito anos de trabalho como interina na área de LI, surgiu o concurso público 14 para ingressar na universidade. Felizmente, eu fui uma das professoras aprovadas e ao me efetivar na universidade, deixei as demais escolas em que trabalhava, pois, apesar de ter trabalhado com crianças e adolescentes por alguns anos, minha preferência profissional é com alunos adultos. Outra questão que me motivava muito a trabalhar apenas no curso de graduação era a possibilidade de continuar meus estudos na pós-graduação. Pensando sobre essa narrativa de minha formação, percebo que este quadro cênico que aqui descrevo teve suas origens no palco da sala de aula, primeiramente, apenas como aluna e logo depois, além de aluna, como professora também. Neste mesmo palco eu represento um dos meus variados papéis, ora em cena principal, ora em contracena. Viver o personagem do ser aprendiz, e simultaneamente, do ser profissional professor sempre me chamou a atenção, pois desde muito pequena já ensaiava esses papéis em brincadeiras infantis, o que mostra o meu antigo desejo pelo magistério. Nessa peça teatral, enquanto aprendiz, os diversos cenários educacionais que vivenciei e os inúmeros modelos de docentes que passaram por mim, deixaram lembranças que coloco em cena na performance da minha personagem atual. Às vezes pego-me nos bastidores a vagar por tantos personagens, muitos encantadores e outros nem tanto. Parece que as recordações escolhem-me para preencher minha memória e fundamentar minhas encenações. Nesse palco repleto de memórias e experiências positivas e negativas, vou construindo meu eu, numa constante troca de cenas e papéis que me conduzem no enredo da trama da minha identidade. Por mais que tente compreender o desfecho dessa história não consigo abstrair a sua essência, porque sou constituída de forma abstrata, ampla, dinâmica e até mesmo contraditória. É exatamente isso que é o melhor do espetáculo, nem como espectadora de mim eu consigo captar o que realmente sou e como minha própria história se constitui. Não posso afirmar que sou isso ou aquilo, mas uma mistura de tudo que se constrói ao se apropriar de um pouco de cada experiência, de cada outro, de cada momento, num movimento infinito de constituição e reconstituição identitária. Atualmente, no palco da vida, visto diversas personas como: docente, aprendiz, coordenadora, pesquisadora, mulher, esposa, mãe, filha, dentre outros papéis que desempenho. Cada um deles forma um todo que constitui a minha identidade, o meu eu em cena. E em cada cenário tento representar um papel com suas particularidades, mas, às vezes, sinto que um papel se entrecruza com o outro. Nesse momento enceno um papel 15 mesclado, fértil e até contraditório. Nesta miscelânea, percebi que traços como, paixão, frustração, sonhos, angústias, persistência, descrença, fascínio, desânimo, desejo e superação são constituintes da minha identidade profissional ao longo da encenação da minha peça. Ao refletir sobre os bastidores da minha opção profissional, em que desempenho o papel de professora de LI por quatorze anos, constatei que, além da paixão pela língua, existe um espelho, um modelo profissional, que foi uma tia, muito vaidosa, independente e amável. Ela representava o que eu gostaria de ser na vida futura. Com o passar dos atos, as peças cênicas vieram à minha memória e pude perceber que dentre as razões da minha escolha profissional, estavam algumas das características que minha tia possuía. Também pude perceber que, desde o início da carreira docente, a minha meta continua sendo a construção de conhecimento para desenvolver minha formação de maneira contínua. Nesse sentido, compartilho com o pensamento de Nóvoa (2007) de que nos tornamos professores ao longo da vida e, por sua vez, construímos a nossa história e identidade via relações que se estabelecem no decorrer do nosso percurso. Por meio delas é que percebemos o que nos faz igual e diferente, nesta construção simultânea de si e do Outro, num fluir de eventos e experiências que resulta na soma de traços diversificados e constituem nossas subjetividades. Nos bastidores do meu ser, construído sócio-historicamente, passei por diversas cenas, em diversos cenários e épocas, sendo constituída por essa diversidade de experiências. A partir dessas vivências e de muitas mudanças sofridas, num constante ir e vir, é que me interessei em investigar a constituição da identidade, conceito abstrato e holístico que dá respaldo para compreensão de elementos complexos que formam um processo multifacetado e intrigante. Diante deste meu enredo, senti a necessidade de compreender melhor quem sou eu no palco da minha vida profissional, em relação às experiências que vivi com as tecnologias de informação e comunicação (doravante TICs), ao meu papel de formadora de professores e ao meu processo de formação como professora e pesquisadora. Foram essas cenas que me conduziram a refletir e investigar como acontece o processo de constituição identitária dos professores. Além disso, o interesse por esse tema de pesquisa partiu das minhas próprias incertezas e desejos de sentir-me pronta, preparada para apropriar-me da tecnologia e atuar como professora em ambiente digital. Na linha da investigação da constituição identitária do professor, o contexto deste 16 trabalho é um curso de formação continuada em ambiente digital, sendo a primeira experiência dos professores de ensino médio e fundamental, na modalidade de curso a distância. Por ter como meta contribuir para a compreensão das transformações identitárias, este estudo, por sua vez, pode apontar princípios mais apropriados para a formação de futuros profissionais nessa modalidade de ensino. Esta pesquisa partiu inicialmente do meu interesse pela formação de professores de LI, como fruto de reflexões advindas da minha própria história profissional, marcada pela busca de contínuo desenvolvimento, motivada por inúmeros questionamentos inerentes à compreensão do atual contexto de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras e dos fatores que o envolvem, como a prática docente, as dificuldades e incertezas oriundas do contexto sócio-histórico que se apresenta. Por ser professora-formadora de professores de LI, na Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT – no Campus Universitário de Pontes e Lacerda, elaborei um Projeto de Extensão com duração de dois anos, com o intuito de colaborar com a formação continuada dos profissionais de ensino de LI da rede pública do município. Criado em 2008, o curso do Projeto de Extensão (Formação Continuada para Professores de Língua Inglesa) teve início em 2009/2, com carga horária de 240 h/a, sendo 60 h/a semestrais, subdivididas em 20 presenciais e 40 on-line. Como coordenadora do Projeto de Extensão, redimensionei a parte on-line do curso que fora elaborada em conjunto com algumas das minhas colegas do curso “Formação do Educador de Língua Estrangeira e Produção de Materiais Didáticos para Contextos Digitais” no decorrer das aulas do mestrado1 e decidi desenvolver esta pesquisa com os professores participantes desse curso. Dentre os objetivos iniciais do Projeto de Extensão de Formação Continuada, vislumbrava-se possibilitar a instrumentalização do professor para aplicação das TICs na sua prática de ensino, melhorar a proficiência linguística, bem como discutir questões de ordem teórica sobre o processo de ensino e aprendizagem de língua estrangeira. Ao ingressar como aluna regular no programa de Mestrado em Estudos da Linguagem (MeEL) da UFMT – Campus de Cuiabá, em 2009, apresentei o meu préprojeto de pesquisa, que visava analisar se e como esse curso poderia servir de instrumento para transformar as práticas dos professores de LI em relação ao ensino em ambiente 1 O curso foi ministrado pelos professores Doutores Dánie Marcelo de Jesus e Solange Barros Ibarra Papa no primeiro semestre de 2009. 17 digital ou à utilização da tecnologia no contexto presencial. Após várias leituras e reflexões sobre o contexto digital de ensino-aprendizagem e sobre a constituição de identidades, percebi a importância da investigação sobre a constituição identitária do profissional de ensino de LI. Ao vivenciar um contexto novo de ensino, que é o ambiente digital de ensino e aprendizagem, o professor, habituado ao ensino presencial, pode sentir insegurança e/ou desconfiança frente ao desconhecido. Acredito que, ao lidar com o diferente, o profissional pode passar por uma ressignificação, por transformações no pensar e no agir, o que, por sua vez, reconstitui sua identidade. Desta forma, repensei o curso, com vistas à instigar os professores a refletirem sobre as suas identidades profissionais, fomentar uma visão mais ampla de letramento digital e de rede de aprendizagem colaborativa, e delineei meus objetivos de pesquisa. O objetivo desta pesquisa é investigar e descrever os possíveis traços constitutivos do processo de (re)constituição das identidades profissionais de professores de LI, durante a participação em um curso de formação continuada em ambiente digital, bem como compreender como se dá esse processo. As seguintes perguntas de pesquisa norteiam o estudo: 1 – Que traços constitutivos da identidade profissional dos professores de LI são predominantemente desenvolvidos durante a participação em um curso de formação continuada em ambiente digital? 2 – Como ocorre o processo de constituição da identidade profissional dos professores de inglês da rede pública no decorrer de um curso de formação continuada em ambiente digital? É interessante ressaltar que embora existam muitos estudos relacionados à formação contínua de professores de LI, inclusive em ambiente digital, como Celani (2003), Carmagnani (2006), Bonotto (2007), o assunto da construção de identidades ainda merece ser amplamente investigado e discutido nas produções acadêmicas referentes à formação continuada de professores a distância, conforme o que me propus a fazer nesta pesquisa. Celani (2003), fundamentada nos construtos teóricos propostos por Fullan (1996), analisa os conceitos de reculturação, reestruturação e reorganização temporal de um programa de formação de professores em-serviço. A partir dos estudos de Fullan, 18 Celani (2003) defende a necessidade de formar um sistema de comunicação em rede (networking) que possibilite a criação de elementos que tragam clareza e coerência sobre o processo de formação dos professores. Para Celani (2003), é preciso criar espaço para o intercâmbio de ideias e estimular lideranças, além de oferecer condições favoráveis para que se efetivem mudanças profundas nos profissionais da educação. Segundo ela, o surgimento dessa ambientação poderá ser possível apenas através de uma nova cultura de ensinar e aprender. No entanto, a autora argumenta que não é simplesmente assumir papéis e valores da cultura de outrem, mas se trata de um processo de reflexão que proporcione a criação de novos valores. Carmagnani (2006) busca compreender o impacto das novas tecnologias na constituição das identidades dos envolvidos no processo de ensino de línguas on-line, bem como a influência do contexto ciberespaço na organização dos textos didáticos para o ensino de LI on-line. Carmagnani (2006) analisa três sites de escolas virtuais de inglês, com foco nas características visuais, na relação entre os interlocutores e no funcionamento do hipertexto, com base na premissa foucaultiana de que os nossos discursos e ações estão rarefeitos, limitados a serem úteis, funcionais, e a não cometer excessos. Argumenta que os discursos não são apenas influenciados pelas máquinas, mas sim criados em conjunto com elas, e que seus usuários deixam pistas de suas constituições identitárias, seu perfil, seu estilo de vida entre outras características. Para Carmagnani (2006), o ciberespaço exerce influências na constituição identitária do sujeito usuário da rede, a qual mostra-se cada vez mais como multifacetada, deslocada e fragmentada. A partir desse estudo, ela conclui que o conteúdo dos materiais didáticos on-line e os dos livros didáticos são parecidos. O que muda são as relações, os discursos estabelecidos entre os usuários da rede. Bonoto (2007), como professora e pesquisadora em Educação a Distância – EAD, a partir de um curso de formação continuada para professores de LE, que visava contribuir na qualificação e capacitação dos participantes para o uso das TICs de modo consciente e refletido, realiza uma pesquisa com base na perspectiva teórica sociocultural. A pesquisadora utiliza quatro construtos no seu estudo que estão relacionados com a prática pedagógica em ambiente digital: interação, aprendizagem, reflexão e mediação pedagógica. Bonoto (2007) conclui que os professores que participam de programas de formação continuada a distância necessitam conscientizar-se de que a aprendizagem é um processo, até mesmo para si. Ela explica que a oportunidade de viver a experiência de aluno pode ser benéfica aos professores, pelo fato de obterem a possibilidade de refletir 19 sobre o próprio aprendizado, bem como de se colocarem na mesma posição que a de seus alunos. Embora as pesquisas supracitadas sejam igualmente relevantes por contribuírem com reflexões sobre o ambiente digital de ensino e aprendizagem de línguas e sobre a formação de professores, elas diferem desta pesquisa por não problematizarem questões específicas referentes à constituição da identidade do professor de LE nesse ambiente. Acredito que esse objeto de estudo seja relevante pelo fato de que a identidade do professor de LI, que se constitui de forma processual e relacional, passa por transformações significativas frente às constantes mudanças que se apresentam no contexto de ensino-aprendizagem. Essa nova experiência certamente provoca alterações que afetam a subjetividade do profissional professor, por questionar/deslocar crenças, valores, posturas enraizadas em ensino presencial ou pelo simples fato de os professores pela primeira vez lidarem com TICs. Este estudo está igualmente inserido na área de Linguística Aplicada pelo fato de ser na e pela linguagem que as identidades são constituídas. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, de cunho interpretativista, que utiliza alguns fundamentos metodológicos da pesquisa narrativa desenvolvida pelos teóricos Riessman (1993; 2008), Clandinin & Connelly (2000), Johnson e Golombeck (2002), Jovchelovitch & Bauer (2002), Gaskell (2002), Telles (2002; 2004) e Mello (2004). Os dados desta investigação serão as histórias de vida de três professoras participantes do curso de formação continuada de professores de LI em ambiente digital. Pelo fato desse curso de formação continuada ter sido em ambiente digital, pressupôs-se que essas professoras vivenciaram novas experiências, o que implica diretamente sobre o processo de construção de novas formas de subjetividades. Por considerar que, na pesquisa narrativa, consoante Clandinin e Connelly (2000), o pesquisador tem o compromisso de buscar novas linguagens, outras possibilidades de escrita ao construir conhecimento, optei por desenvolver este trabalho com base em arte, utilizando metáforas referentes ao teatro2, porque elas podem representar de forma muito apropriada o dinâmico movimento da constituição identitária, que é volátil e pode ser surpreendente no seu desenvolvimento, assim como a encenação de uma peça teatral. Este estudo esta fundamentado em pressupostos teóricos acerca da identidade e 2 Utilizo neste trabalho vocabulários como bastidores, peça teatral, personagens, enredo, cenário, atos, entre outros. 20 linguagem, a partir dos estudos de autores como Moita Lopes, (2002; 2006), Hall (2005), Silva (2005), Rajagopalan (2006; 2008). Esses estudiosos discutem sobre a forma dinâmica do desenvolvimento das tecnologias, bem como apontam que elas geram nos sujeitos outras concepções e valores na contemporaneidade. As identidades fogem da lógica, advindas de valores, referências e comportamentos que estão em contínua metamorfose e passam a ser reconstituídas constantemente nas interações (BAUMAN, 2005; CORACINI, 2006). Esta pesquisa está pautada em uma concepção sociointeracionista e colaborativa de ensino-aprendizagem, na qual não é compatível, no contexto contemporâneo, considerar o sujeito como cartesiano, unificado, universal, aquele que se pauta na racionalidade e nas dicotomias radicais e orientadoras da verdade. Essa forma de pensar o sujeito foi descentrada nas releituras do pensamento marxista realizada por Althusser no estudo acerca do inconsciente de Freud e Lacan, nos trabalhos do linguista Saussure, nas análises de Foucault e na contribuição de vários movimentos da década de 60, mais especificamente, o movimento feminista (HALL, 2005). Sob a ótica da psicanálise, segundo Coracini (2006:151), a subjetividade não deve ser mais tida como homogênea, pelo fato de estar estreitamente relacionada ao inconsciente do sujeito, ou seja, “é via constituição de nossa forma de ser e de ver o mundo e a nós mesmos que afirmarmos nossas intenções (que acreditamos ser conscientes), nossos desejos e nossas ações, bem como fazemos planos futuros”. Ainda consoante Bauman (2005:33), o mundo hoje é constituído de “oportunidades fugazes”, sendo que “as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não funcionam.” Diante da “fluidez de tudo”, da fragmentação e da incerteza que nos cerca, as identidades se (re)constroem constantemente, como uma sequência contínua de transformações. Assim, a constituição da identidade é um processo que as pessoas constroem a partir de suas referências que são desenvolvidas socialmente. Nesse processo, as pessoas influenciam e são influenciadas, se constituem e constituem a sociedade em que vivem na medida em que agem sobre si mesmas e sobre o mundo em que estão inseridas. Como o sujeito ao ser influenciado pelas transformações sociais passa a ser reconstituído em decorrência delas, o momento sócio-histórico contemporâneo requer simultaneamente outro tipo de conhecimento, conceitos realmente relevantes e relativos às necessidades sociais. Isso inclui compreender as mudanças que ocorrem à nossa volta, bem 21 como as novas subjetividades3 que surgem a partir dessas transformações. As teorias contemporâneas da linguagem postulam que a língua é consequência da prática social e que ela muda para atender às necessidades que surgem a partir das transformações sociais. Assim como a língua, a identidade é redefinida pelo contexto sócio-histórico em que o sujeito está inserido. Identidade é um conceito oriundo da volubilidade dos aspectos de que o sujeito é formado. As condições sociais, a história, os eventos que marcaram nossa história de vida, as interações, as formas de lidar com alguns aspectos sociais e como os outros nos veem, todos estes elementos produzem em conjunto nossa identidade. Em suma, “A identidade é um significado - cultural e socialmente atribuído” (SILVA, 2005:89). No âmbito da educação, no atual contexto sócio-histórico, os professores enfrentam desafios como o de incrementar a formação para que possam aprimorar conhecimentos já construídos nas práticas presenciais, bem como de construir outros saberes que são essenciais ao ambiente digital de ensino-aprendizagem, como a formação para a utilização das TICs. Para discutir tais questões, este estudo está fundamentado em autores como Warschauer e Meskill (2000), Lévy (2001), Ramal (2002), Carmagnani (2006), Kleiman e Vieira (2006), Nóvoa (2007), Sharma & Barret (2007), Kenski (2008), Vallin (2009), Alonso e Alegretti (2009), Paiva (2009) e Almeida e Prado (2009). Tendo em vista as influências do “mundo virtual sobre a constituição identitária do sujeito” (CORACINI, 2006:138), é imprescindível que os cursos de formação incorporem no currículo o letramento digital ou múltiplos letramentos digitais, pois a maioria das pessoas pode até valer-se das tecnologias, mas não possui habilidades para utilizá-las em sala de aula ou em beneficio do ensino-aprendizagem. Então, esses letramentos podem ser construídos de forma a beneficiar a prática pedagógica, visto que são essas as dificuldades que os professores geralmente enfrentam. Ademais, a academia seria um lugar apropriado para fomentar tais reflexões e contribuir de forma significativa para que os professores sejam capazes de compreender os fenômenos sociais, buscar alternativas para entender as problemáticas contemporâneas, bem como suas crises de identidades frente às demandas 3 Subjetividade é definida aqui a partir da abordagem sócio-histórica de Vygotsky, que toma como conceito chave a mediação semiótica na constituição das subjetividades, ou seja, o processo pelo qual nos constituímos enquanto sujeitos passa pelo outro e pela linguagem. A subjetividade é constituída de forma relacional, visto que o sujeito, ao interagir com o Outro é constituído e se constitui simultaneamente. Isso significa que a subjetividade é multifacetada, heterogênea, decorrente de uma construção social e justificada pelo momento histórico. Subjetividade é “a compreensão que temos sobre o nosso eu [...] envolve os pensamentos e as emoções conscientes e inconscientes que constituem nossas concepções sobre quem nós somos” (WOODWARD, 2005:55). 22 educacionais na “era da comunicação” (CORACINI, 2006:141). Esta dissertação está organizada em quatro capítulos, além da introdução. Na Introdução, apresentei um breve relato da minha história de vida e trajetória profissional, vislumbrando explicar a motivação para este estudo, que está alicerçado no conceito de identidades como um processo dinâmico e contínuo, construído sócio- historicamente. Descrevi ainda os pressupostos teóricos sobre o tema de estudo proposto e a gênese da pesquisa, contemplando algumas das possíveis consequências das inovações tecnológicas para a sociedade, bem como para a constituição identitária do sujeito e introduzi as perguntas de pesquisa. No capítulo I, fundamentação teórica, apresento os pilares teóricos para ancorar esta pesquisa: conceito de linguagem e identidade, buscando suporte em pesquisadores que abordam a constituição identitária a partir de teorias linguísticas críticas, como Moita Lopes (2002, 2006), Rajagopalan (2006, 2008), entre outros. Também recorro aos teóricos dos estudos culturais para definir o conceito de identidade, como Hall (2005). Esses autores discutem identidade a partir de uma visão sócio-histórica e cultural, conforme Vygotsky (1934/ 1993), que define o ser humano como um ser social e biológico, que se constitui e se desenvolve como sujeito ao interagir com outros via linguagem. Nessa visão, identidade é algo instável, que está em constante construção e transformação. Também discuto a identidade do professor de língua na sala de aula presencial e digital, com base em Nóvoa (2007), Lévy (2001), Ramal (2002) e Lemos (2002). Comento ainda, o conceito de ambiente digital de ensino-aprendizagem, adotado nesta pesquisa e, finalmente, faço uma breve discussão da relevância das TICs para o processo de ensino-aprendizagem. No capítulo II, metodologia de pesquisa, justifico minha escolha metodológica, descrevo o contexto, os participantes, os instrumentos de coleta e os procedimentos de análise. No capítulo III, análise e discussão dos dados, apresento e analiso as narrativas coletadas. Finalmente, no capítulo IV, considerações finais, faço reflexões e questionamentos para trabalhos futuros, descrevo as limitações desta pesquisa, bem como aponto alguns roteiros não escritos. 23 CAPÍTULO I ENREDOS TEÓRICOS Este capítulo tem por objetivo discutir os referenciais teóricos nos quais esta pesquisa está fundamentada. Inicialmente defino o conceito de linguagem e identidade, em seguida discorro sobre a identidade do professor de línguas na sala de aula presencial e digital, bem como sobre as características do ensino-aprendizagem em ambiente digital. Por último, destaco a relevância das TICs no processo de formação continuada de professores de LE. 1.1 Linguagem e Identidade Dentre as várias possibilidades de definições existentes, o termo identidade pode ser definido como algo exatamente igual, ou como traços próprios, distintos e característicos de um indivíduo, por possibilitar uma forma de identificação que vai além de apenas diferenciar uma pessoa de outras. A definição de identidade que orienta este estudo é aquela que não se limita ao idêntico, mas possui características que atribuem individualidades diversificadas, heterogêneas, plurais, dinâmicas e antagônicas. Aquela que se constitui de modo processual e relacional. Isso equivale à definição de identidade como aquela que foge da norma do indivíduo uno e passa a ser considerada como algo constituído entre o indivíduo e o social, de maneira multifacetada e em constante fluxo de (re)construção. Desde o século XX as sociedades têm passado por complexas transformações que caracterizam o período da “pós-modernidade” ou “modernidade tardia” (HALL, 2005). Esse mundo pós-moderno é problematizado pelos construtos das teorias culturais que abordam uma noção contrária à essencialista de identidade. De acordo com as palavras de Hall: “esta concepção de identidade não assinala aquele núcleo estável do eu que passa do início ao fim, sem qualquer mudança, por todas as vicissitudes da história” (2005:108). Hall (2005: 07) aponta que a construção das identidades está relacionada a mudanças mais amplas, o “que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma 24 ancoragem estável no mundo social”. Isso significa que o rápido processo de mudanças sócio-históricas não produz mais uma referência cultural estável e segura, o que, por sua vez, interfere na forma que os sujeitos compreendem a si mesmos como sujeitos participantes de uma sociedade em constantes transformações. Assim, com essas mudanças intensas e aceleradas, as identidades dos sujeitos passam a ser fragmentadas e até mesmo podem entrar em “crise”. Hall (2005:108) ressalta a importância de relacionar as reflexões acerca da identidade aos: [...] processos e práticas que tem perturbado o caráter relativamente “estabelecido” de muitas populações e culturas: os processos de globalização [...] e os processos de migração forçada (ou „livre‟) que têm se tornado um fenômeno global do assim chamado mundo pós-colonial. Sob a perspectiva de Hall (2005), além das identidades serem transformadas constantemente no decorrer da história, construídas de múltiplas maneiras, em diferentes discursos e posições sociais, elas são constituídas por meio de um processo de identificação4 que é vinculado aos processos de transformação sócio-cultural. Ou seja, ao identificar-se com as representações do mundo, de si mesmo e do outro, construindo a sua realidade social e a cultura, o sujeito produz sentido e constrói sua identidade. Por isso, o sujeito, sob a ótica do autor, é descentrado, por ser determinado pelas relações discursivas sociais, culturais, ideológicas e de poder. Além das identidades serem influenciadas pelo processo sócio-histórico e cultural, o sujeito dividido convive com identidades diferentes, ou seja, desempenha várias identidades no seu contexto cotidiano, sendo que essas podem entrar em contradição ou ser antagônicas. Um sujeito possui várias identidades, que são diferentes, que se adaptam de acordo com a necessidade, o contexto e conforme a comunidade em que ele estiver interagindo. Nesse sentido, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman usa os termos „líquido‟, „fluido‟, para descrever o contexto contemporâneo que temos vivenciado, pelo fato de que tudo está em constante movimento, infinitamente dinâmico, como as nossas identidades: Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo. Enquanto os líquidos, diferentemente dos sólidos, têm dimensões 4 Identificação é definida aqui como algo em processo contínuo de construção, condicional, nunca determinada por completo podendo ser mantida ou recusada. “a identificação é, pois, um processo de articulação, uma suturação, uma sobredeterminação, e não uma subsunção. Há sempre “demasiado” ou “muito pouco”. (HALL, 2005:106) 25 espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou o tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la; assim, para eles, o que conta é o tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar; espaço que, afinal, preenchem apenas – por um momento. Em certo sentido, os sólidos suprimem o tempo; para os líquidos, ao contrário, o tempo é o que importa. Ao descrever os fluidos, deixar o tempo de fora seria um grave erro. Descrições de líquidos são fotos instantâneas, que precisam ser datadas (BAUMAN, 2001: 08). Pelo fato de que as identidades não são estáticas, mas por mudarem constantemente e assumirem diversos papéis é que podem ser comparadas com os “líquidos”, que se movem, passam por transformações contínuas e se adaptam às diferentes situações em que se encontram. Hall (2005) define identidade como a noção que os sujeitos têm de si mesmos como sujeitos socialmente integrados. Em outras palavras, para o referido autor, a construção da identidade do sujeito acontece por meio de um processo de identificação com as representações construídas nas práticas discursivas, a partir das interpretações dos sujeitos de sua realidade social. Assim, pelo fato de que as identidades são apenas efeitos da identificação com as representações construídas discursivamente, o autor afirma que as identidades são ilusórias. As identidades estão relacionadas, conforme Hall, com “quem nós podemos nos tornar”, “como nós temos sido representados” e “como essa representação afeta a forma como nós podemos representar a nós próprios”. E por estar suturada à história e surgir por meio dela através do simbólico/imaginário, as identidades são construídas na “fantasia ou, ao menos, no interior de um campo fantasmático” (2005:109). Outra questão discutida por Hall (2005:110) é que as identidades são construídas por intermédio das “diferenças”, pois, segundo o autor, essa construção (na qual o sujeito passa a construir o que é: sua identidade) se efetiva via “relação com o Outro”. Esse processo traz à tona elementos diferentes, surgindo então um sentimento de “falta” no sujeito a partir de seu “exterior constitutivo”. Por exemplo, ao nos compararmos com o Outro – o que é próprio do ser humano – temos a ilusão de ser incompletos quando visualizamos características que outras pessoas possuem e passamos a desejar desenvolvêlas. Assim, passamos a moldar nossa identidade a partir do nosso exterior, do que está à nossa volta. Devido ao fato das identidades serem construídas “na diferença ou por meio dela, 26 sendo constantemente desestabilizadas por aquilo que deixam de fora” (HALL, 2005:111), os indivíduos assumem determinadas identidades que lhe são impostas por serem representações criadas mediante uma „falta‟. Assim, o autor utiliza o termo „identidade‟ com o sentido de: [...] ponto de encontro, o ponto de sutura, entre, por um lado os discursos e as práticas que tentam nos „interpelar‟, nos falar ou nos convocar para que assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de discursos particulares e, por outro lado, os processos que produzem subjetividades, que nos constroem como sujeitos aos quais se pode „falar‟(HALL, 2005:111). Por ser produzida por meio de relações de poder, a identidade gera diferença e exclusão social, ao invés de produzir sentidos de unidade e igualdade, como características de normal e idêntico. Silva (2005) também corrobora com essa discussão, pois consoante ao ponto de vista dele, ao problematizar a produção da identidade é fundamental que se leve em conta a questão da diferença como um processo que ocorre de forma simultânea. Este autor argumenta que a identidade e a diferença são interligadas e inseparáveis – ao afirmar que “sou brasileiro”, também estou afirmando que existem pessoas que não são brasileiras – o que significa expressar formas negativas de identidade e de diferenças. Assim, segundo ele, a definição da identidade brasileira resulta da criação de variados e complexos atos linguísticos que a diferenciam de outras identidades nacionais em um processo em que geralmente a diferença deriva da identidade, sendo ela tomada como referência. O autor aponta ainda que podemos perceber isso ao tomar “o que somos” como a norma pela qual descrevemos “o que não somos” (2005: 82). Segundo Saussure (apud SILVA, 2005:77), a linguagem também é considerada como um sistema de diferenças, no qual os signos de uma língua não possuem valor absoluto e não fazem sentido se considerados de maneira isolada. Da mesma forma, a identidade e a diferença adquirem sentido nos sistemas de significação da cultura e dos sistemas discursivos e simbólicos que a compõem. Temos a necessária ilusão de ver no signo a presença do referente à “coisa” ou do conceito, o que Derrida chama de “metafísica da presença”. Devido à presença que não se concretiza, mas é adiada, o signo depende de um processo de diferença, ou seja, ele é o que é por não ser outro. Assim, um signo não pode ser reduzido a si mesmo, à identidade. Isso 27 significa que a identidade e a diferença são caracterizadas pela instabilidade e indeterminação, como a linguagem, pelo fato de o adiamento indefinido do significado e sua dependência da diferenciação tornar o processo de significação indeterminado (SILVA, 2005: 79). Assim como no âmbito dos estudos culturais, os linguistas aplicados, como Rajagopalan (2006, 2008) e Moita Lopes (2002, 2006) compartilham uma visão de identidade pós-estruturalista. Eles não apoiam a concepção de identidade estática, pronta e acabada, a partir de questionamentos de valores e de verdades absolutas e universais. Ao ponderar o modo de pensar a identidade na pós-modernidade, período marcado pela “descrença em relação a qualquer ontologia essencialista” (RAJAGOPALAN, 2006: 67), quase tudo no mundo passa a ser discutido de maneira não-essencialista. A identidade não possui mais um caráter íntegro e predisposto, bem como a linguagem deixa de ser considerada “como um fenômeno pronto e acabado” (RAJAGOPALAN, 2006: 67). Para o referido autor, não existe uma predisposição identitária fixa e imutável. A identidade do indivíduo é construída a partir da língua, e assim como o indivíduo, encontra-se em constante transformação e evolução. Ao apontar que a identidade de um ser humano se constitui “na língua e através dela”, Rajagopalan (2006) quer dizer que, consequentemente, a identidade e a linguagem são conceitos que precisam ser discutidos simultaneamente. Dessa maneira, não é possível falar de identidade sem, necessariamente, pensar no sujeito, na língua e no coletivo. O indivíduo constrói sua fala ancorada no discurso do Outro (RAJAGOPALAN, 2006:41), e é a partir desse conflito entre falas que os significados são construídos de forma conjunta. Sob a ótica de Rajagopalan (2008), a interação cultural propiciada pela Internet cria traços culturais diversificados. Por sua vez, essa nova cultura gera outras formas de subjetivação do sujeito, caracterizando outras identidades e respectivamente outras diferenças. Impreterivelmente tudo tem relação direta com a linguagem e com a língua, bem como, com os fatos históricos, sociais e culturais. Assim, os fenômenos sociais da contemporaneidade têm implementado outras maneiras de interações, que possibilitam novas formas de relações entre os povos. Rajagopalan aponta as transformações da sociedade na contemporaneidade como: “mudanças estonteantes, principalmente em nível social, geopolítico, e cultural, em curso neste inicio de milênio” (2008: 25), destacando que esses novos rumos tomados pela sociedade continuarão a se complexificar. Para ele, a linguagem, por sua vez, se adapta às necessidades da sociedade que vivencia a „era da globalização‟ em que ocorrem diversas 28 modalidades de interação em uma miscelânea cultural. Para Rajagopalan (2008), a globalização é um fenômeno inexorável que produz efeitos significativos sobre as pessoas e sobre a língua que falam, bem como para os linguistas e suas reflexões a respeito da língua. Também compartilho com a visão do autor, pois não existe a possibilidade de esquivar-nos das influências desse fenômeno ininterrupto que traz consigo inúmeros elementos originadores de alterações linguísticas e culturais, tanto em nível macro, quanto em nível individual e subjetivo. Com o advento da tecnologia, que trouxe o desenvolvimento da Internet, a dinâmica da prática social tomou rumos diferentes e muito mais complexos. Esses fenômenos interligados produzem efeitos diversos no cotidiano da humanidade, que por sua vez, resultam em hábitos e costumes linguísticos inovadores e novas dimensões para a constituição identitária das pessoas. Como a sociedade, que tem estado em pleno desenvolvimento e passa por modificações, a identidade das pessoas é constantemente transformada. Desta forma, os fenômenos sociais como a globalização trazem efeitos diversos sobre a personalidade do sujeito, o que implica em um “eu” em constante reformulação. Não podemos mais nos definir como seres constitutivos de maneira fixa e imutável, mas o contexto que nos cerca nos influencia e por isso mudamos nossa personalidade incessantemente. Ou seja, somos indivíduos influenciáveis, provenientes desse complexo contexto sócio-histórico e a cada nova experiência nele vivida, somos modificados. É a partir dessa visão que julgo ser relevante compreender como o profissional professor de LI passa a constituir sua identidade. Ainda consoante Rajagopalan (2008), é fato que o mundo globalizado faz surgir uma identidade linguística diversificada, volúvel e instável. A esse respeito, o autor afirma: “[...] nunca na história da humanidade a identidade linguística das pessoas esteve tão sujeita como nos dias de hoje às influências estrangeiras” (2008: 59). Isso atribui a “mestiçagem” à identidade linguística, que, consoante ao autor, toda língua está sujeita. Esses fenômenos que ocorrem via linguagem influenciam as vidas e identidades das pessoas. Dentre esses fenômenos estão o comércio livre internacional, o uso da língua inglesa como a língua da comunicação mundial e o fato de viver na era da informação, na qual as informações chegam por várias mídias, trazendo as notícias em tempo real sobre o mundo todo. Rajagopalan explica que a crise identitária também pode ser desencadeada devido ao excesso de informações que temos, bem como, pelas “[...] instabilidades e contradições que caracterizam tanto a linguagem na era da informação como as próprias 29 relações entre os povos e as pessoas” (2008:59). Moita Lopes (2006) também contribui com essa discussão. Sob sua ótica, as identidades sociais são relacionais, são sempre construídas através de nossas práticas discursivas em relação ao Outro. Isso significa que ao interagir via linguagem é que o processo de constituição da subjetividade é desencadeado, a partir de como eu enxergo o outro. O autor argumenta ainda que somos seres fragmentados por nos constituirmos através da linguagem em diferentes contextos sociais, mas ao mesmo tempo, somos seres únicos e integrantes de um todo. Nesse sentido, o termo fragmentado é entendido como multifacetado, plural, e inacabado e não como algo isolado, desconectado do todo e verdadeiro em si mesmo. Para Moita Lopes (2002:198), é através da linguagem que as pessoas agem no mundo e constroem significados, na relação com os demais participantes do discurso, tornando-se assim, conscientes de si mesmas e construindo suas identidades. Isso significa que não há construção identitária sem se considerar o discurso. Assim, a identidade do professor se constrói nas diferentes práticas discursivas em que ele se engaja e pelas quais se relaciona com o outro. Dessa maneira, segundo o autor, o indivíduo constitui-se no movimento de vai e vem da percepção e da representação do outro sobre ele mesmo. Em suma, a construção de uma identidade implica interação, negociação de significado e de experiências com os participantes de uma determinada comunidade social, cultural e histórica, e que, portanto, não pode ser única, completa e acabada, assim como defendem todos os autores já citados. Apesar de compartilhar do ponto de vista destes autores, suas pesquisas foram realizadas tendo como base o contexto presencial, enquanto o contexto de investigação deste trabalho é o ambiente digital. Este estudo está ancorado em uma abordagem processual da linguagem que postula não existir identidades estáveis, pois elas sofrem alterações e são constituídas de acordo com as experiências sociais vividas via linguagem. Assim como a linguagem significa apenas através da história e situa o homem em um mundo sócio-historicamente construído, o sujeito toma formas, ou seja, molda sua subjetividade em consonância com o momento histórico em que se insere. Nessa perspectiva, compreendo que tanto a identidade do sujeito quanto o seu conhecimento, são construídos de forma dialógica, isto é, num processo de interação com o Outro na e pela linguagem. Acredito que devido ao fato do atual momento sócio-histórico trazer novos rumos para a prática social, a ciência da linguagem, por ser alicerçada nos fenômenos sociais, 30 precisa acompanhar constantemente os processos dinâmicos reconfigurados sóciohistoricamente. Por isso é relevante problematizar questões referentes à linguagem, ao passo que todas as transformações na sociedade se dão via linguagem. Partindo desses questionamentos, penso que seja relevante que as pesquisas na área de Linguística Aplicada ao ensino de LE ultrapassem questões relacionadas à educação, aos alunos, aos processos de ensino-aprendizagem, às competências do profissional e às teorias de aquisição de línguas e tomem como problemáticas os elementos que constituem a identidade do profissional de ensino de LE que atua na contemporaneidade. Ao buscar, primeiramente, compreender como ocorre à constituição da identidade do professor no ambiente mediado pelas TICs – seja a distância, semipresencial ou presencial – talvez possamos chegar a uma melhor compreensão do processo de ensino-aprendizagem de línguas nesse contexto. 1.2 A identidade do professor de línguas na sala de aula presencial e digital Conforme Nóvoa (2007), a partir da segunda metade do século XX, as pesquisas na área da educação investigavam as características do bom professor, o melhor método de ensino ou a análise do ensino no contexto da sala de aula, abordando a dimensão técnica da ação docente e excluindo as propriedades pessoais da profissão. Isso desencadeou, na sua visão, uma crise de identidade docente e o processo de desprofissionalização. O autor passa então a discutir a pesquisa sobre a ação e o saber docente a partir de abordagens autobiográficas, relacionadas com objetivos teóricos, práticos e emancipatórios, privilegiando as dimensões pessoais, práticas e profissionais dos professores, com a finalidade de problematizar e resgatar a identidade do professor. Segundo Nóvoa, o processo identitário do professor se constitui da sua adesão, ação e autoconsciência. Enquanto a adesão significa que o professor adere a determinados valores e princípios, a ação se dá através de decisões pessoais e profissionais que norteiam o trabalho docente. Já a autoconsciência pode ser desenvolvida através do processo de reflexão, que traz mudança e inovações pedagógicas. Esse processo identitário é definido pelo autor como “a contínua construção de maneiras de ser e estar na profissão” (2007: 16). Por isso, a construção das identidades acontece pela apropriação da história pessoal e profissional do professor e com o passar do tempo essa identidade é refeita, com a 31 finalidade de acomodar inovações e assimilar mudanças. Parto da premissa de que a passagem do ambiente presencial para o contexto digital de ensino-aprendizagem determina características que podem influenciar sobre a reconstrução da identidade do professor, bem como de que a identidade do sujeito atual, usuário da tecnologia, mais especificamente da Internet, mostra-se cada vez mais multifacetada, deslocada e fragmentada (CARMAGNANI, 2006). Enquanto surgem outros valores e padrões sociais, ao passo que o mundo se desenvolve em todos os sentidos, a escola, sendo o ambiente de trabalho desse profissional, continua fortemente atrelada à educação disciplinar, num modelo estrutural ultrapassado e desmotivante. Com a utilização das TICs no ensino, é necessário que ocorra uma reestruturação considerável do sistema escolar, bem como dos objetivos de ensino e aprendizagem. Segundo Kenski (2008: 112): “Trata-se de uma nova cultura educacional, que rompe com os tempos rígidos das disciplinas e com os espaços formais das salas de aula presenciais. Um tempo de aprender colaborativamente”. Ao discutir essas reorientações que a cultura digital exerce sobre a educação, em que os papéis desempenhados pelos professores, alunos e pela escola são redimensionados, não se pode deixar de problematizar a construção da identidade do professor mediante sua prática em ambiente digital. Como o sujeito inserido no contexto pós-moderno é dividido, convive com identidades diferentes e vozes conflitantes, ao viver novas experiências surgem novas identificações, que, consciente ou inconscientemente, desencadeiam processos de constituição de identidade (CARMAGNANI, 2006:315). Ao pesquisar a influência do ciberespaço na constituição das identidades de sujeitos envolvidos no processo de ensino de línguas on-line, Carmagnani (2006) aponta que os usuários deixam pistas de suas constituições identitárias, seu perfil, seu estilo de vida entre outras características na linguagem utilizada nas interações via Internet. Dentre as mudanças que ocorrem no contexto digital, segundo a autora, estão as relações entre autorleitor, as noções de autoria e o funcionamento do hipertexto. As relações e os discursos estabelecidos entre os usuários da rede são diferentes, devido à polifonia que parece se apresentar de forma mais intensa no ciberespaço, onde reconstruímos nossa identidade o tempo todo. Sob a ótica de Kleiman e Vieira (2006), o sujeito multifacetado necessita de uma escola que o ajude a lidar com o impacto das tecnologias, dando acesso à diversidade, à qualidade e à funcionalidade das informações que estão disponíveis, sem esquecer, 32 entretanto, dos projetos que trabalhem com o letramento digital crítico 5, numa perspectiva de preservação das diferenças e das individualidades. Portanto, isso justifica uma melhor preparação do profissional a partir da reflexão, da conscientização do seu papel, bem como do conhecimento sobre quem esse profissional ensina e das necessidades de seus alunos. Apenas o conhecimento prático profissional (CONNELLY & CLANDININ, 2000; MELLO, 2004), construído pela vivência do professor, não é o suficiente para que possa contribuir de forma efetiva em auxiliar seus alunos, mas existem outras questões relacionadas a uma formação mais condizente com o contexto sócio-histórico contemporâneo. Para atuar nesse novo paradigma de ensino, o professor necessita desenvolver uma didática específica em relação à modalidade de ensino em contexto digital, pois, no que diz respeito ao ensino-aprendizagem nesse ambiente, existem outros elementos envolvidos que não fazem parte do ambiente presencial. Um deles é a “concepção de tempo e espaço” que segundo Kleiman e Vieira (2006), é uma das influências mais significativas da atualidade ocasionadas pelas TICs no comportamento individual e grupal dos sujeitos. Pelo fato de proporcionar a interação entre sujeitos de diferentes realidades sociais, culturais, que falam outras línguas, a Internet viabiliza um acesso muito rico à informação, um intercâmbio de experiências, o que contribui com a construção do conhecimento. Além de construir um conhecimento básico sobre o uso da tecnologia, dentre os saberes e competências que o professor necessita aprender para ensinar em ambiente digital, estão a aptidão para pesquisar a Web de forma eficiente, para criar atividades com textos e gravuras, para avaliar materiais extraídos da Web, utilizar quadros interativos e criar apresentações em Power Point, bem como conectar um datashow a um computador para realizar uma apresentação em sala de aula. Já em um nível mais avançado, o professor pode aprender a manusear as ferramentas para criar material on-line e utilizá-lo em um ambiente digital de aprendizagem (SHARMA & BARRETT, 2007). Ainda em relação à construção de saberes e competências, é importante que o professor possa receber uma formação crítica para utilizar as tecnologias de forma produtiva, explorar as possibilidades de reflexão sobre questões sociais, bem como mostrar as ideologias existentes nos textos e discursos que permeiam a sociedade. Assim, poderá 5 Entendo que o letramento digital crítico é um conjunto de práticas sociais que podem ser inferidas dos eventos que são mediados por textos escritos. Historicamente situado, pois existem diferentes letramentos associados com diferentes domínios da vida, sendo as práticas de letramento padronizadas pelas instituições sociais e pelas relações de poder, e alguns letramentos mais dominantes, visíveis e influentes que outros (BARTON; HAMILTON, 2000). 33 formar o aluno capaz de produzir e manipular as informações de forma consciente e crítica, além de contribuir para a preparação do aluno para o atual mercado de trabalho. Outra competência a ser desenvolvida pelo professor no ambiente digital, além de criar condições que favoreçam a produção colaborativa de conhecimento, é a de atribuir significado para a utilização dos recursos dos ambientes digitais via criação e recriação de estratégias pedagógicas adequadas às necessidades e ao contexto dos alunos, bem como através da avaliação e escolha dos materiais didáticos utilizados. Com o uso das TICs dentro e fora de sala de aula, a relação entre professor-aluno pode ser amplamente alterada, pois ao desenvolver um trabalho na Internet e responder as dúvidas, o professor precisa estar próximo do aluno e desempenhar o papel de mediador e parceiro na construção da aprendizagem. Nesse sentido, além de construir a instrumentalização adequada para operar as ferramentas tecnológicas 6, muitas vezes, o professor habituado ao ambiente presencial de ensino, necessita construir outros saberes e competências para que possa desenvolver sua prática dentro de uma perspectiva diversificada. Além de considerar o modelo educacional atual, que não comporta as inovações tecnológicas, veicula interesses e visões de mundo tradicionais, em que o professor é geralmente tido como centralizador, autoritário, detentor do saber, ainda há que se considerar que as transformações requerem muita insistência, perseverança e reflexões por parte dos próprios profissionais da educação a respeito de suas concepções de ensinoaprendizagem. No que tange a essas mudanças de papéis e à compreensão da constituição da identidade profissional do professor de LI em ambiente digital é fundamental que se questione o professor acerca de quem ele é, que tipo de professor deseja ser e como vê seu papel como professor/aluno no ambiente de ensino-aprendizagem digital. Nesse sentido, é relevante que o professor que vive no contexto da pósmodernidade esteja disposto a mudar suas concepções, por reorganizar as noções de saber, cultura, estrutura, tempo e linguagem. No entanto, para que esse processo reflexivo de reestruturação ocorra, além de transformações no âmbito das políticas educacionais, é essencial que sejam oferecidas oportunidades de formação profissional, seja inicial ou continuada, com a finalidade de propiciar condições para que o professor possa refletir sobre o seu papel de educador linguístico no contexto contemporâneo. 6 São os recursos de interação disponíveis no ambiente digital, como fórum ou lista de discussão, correio eletrônico, bate-papo (chat), blog. 34 Tais transformações nas práticas didático-pedagógicas, bem como a capacitação para lidar com a tecnologia, além do desafio de inserir-se no ambiente digital de ensinoaprendizagem, gera outras subjetividades no profissional professor, o que por sua vez, traz reconfigurações identitárias. Por isso é importante que sejam investigadas e compreendidas as constituições da identidade profissional, pois assim o professor poderá ser melhor auxiliado frente à sua experiência com as TICs. 1.3 Ambiente de ensino-aprendizagem digital É fato que o processo de ensino-aprendizagem em ambiente digital difere do presencial, assim como o educador necessita desenvolver diferentes habilidades para atuar nesse contexto em relação a apresentar a informação, ao planejamento, ao desenvolvimento e à avaliação de estratégias de ensino. Nesse processo, professor e alunos não estão fisicamente próximos, mas podem estar em diversos lugares distantes e, ainda assim, constituir uma rede de comunicação em que ocorre a troca de experiências e a aprendizagem coletiva7. A partir desse intercâmbio de conhecimentos e experiências com o Outro, as identidades são reconstituídas via surgimento de novas formas de subjetividades. Existe uma postura didática pedagógica específica para o professor e para o tutor, bem como há distinções entre o professor utilizar um ambiente virtual de aprendizagem (AVA), no qual desempenha o papel de um profissional atuante diretamente com os alunos e o tutor que ministra cursos a distância, sem o contato físico com os alunos. No caso da figura do tutor, a estrutura do curso é pensada para atender muitos alunos ao mesmo tempo, o que torna inviável um contato mais direto. Mesmo que o professor possua ampla experiência em ensino presencial, ao agir no ambiente digital, necessitará desenvolver outros procedimentos de ensino. Isso está relacionado com o perfil do professor em ambiente digital, que conforme a cultura de ensino a distância, está calcada na interatividade e no processo de ensino-aprendizagem colaborativo, sendo que o papel do professor deixa de ser o convencional para ser de mediador (ALMEIDA e PRADO, 2009). 7 Aprendizagem coletiva refere-se aqui à co-construção do conhecimento, por meio de relações dialógicas e de trocas entre indivíduos que compartilham os mesmos interesses. 35 O professor em ambiente digital pode desenvolver meios de estar presente mesmo estando longe, ou seja, existe a possibilidade de gerar situações que demonstrem sua participação virtual via interações, acompanhamentos e orientações. Isto fica evidente, principalmente se o professor privilegiar a reflexão sobre o processo de aprendizagem, com vistas a desenvolver a autonomia e a consciência de que é mais apropriado que o aluno aprenda a aprender. Segundo Almeida e Prado (2009:76), “o papel do educador não é necessariamente o de provedor de informações, mas principalmente de orientador e parceiro na aprendizagem e novas descobertas, respeitando as ideias e estilos de trabalhos dos alunos”. É interessante que o professor em ambiente digital tenha noção de que a tecnologia não é a única responsável pelo aprendizado bem sucedido, mas que as TICs possam fazer parte de um processo cooperativo de aprendizagem, em que a interação e a participação de todos sejam constantes (KENSKI, 2008). Vallin (2009: 123) agrega a essa discussão os papéis do professor em ambiente digital, por apontar que existem cobranças no sentido de contribuir para que o aluno aprenda nesse contexto. Isso implica que o professor possa levantar problemas que instiguem a resolução, sem dar qualquer pista sobre os resultados. Segundo o autor, a educação nessa modalidade pode estar direcionada “dentro de uma visão de educação que favoreça o desenvolvimento de competências e não a memorização de conteúdos, uma educação que favoreça o pensamento criativo e original e não para a simples reprodução de pensamentos ou procedimentos”. Para Alonso e Alegretti (2009: 166), dentre as características do ambiente digital de ensino, estão a separação física entre professor-aluno e a flexibilidade que permitem ao aluno escolher o tempo e o espaço mais adequados para estudar, bem como optar pelo material extra de aprendizagem. O fato de o professor ter essa postura de orientador, não controlador, pode contribuir para o desenvolvimento da autonomia do aluno. Além disso, no ambiente digital, o professor pode ajustar melhor sua proposta a partir do conteúdo das interações, bem como organizar o ambiente de aprendizagem para que estejam de acordo com os propósitos, que podem ser alterados no decorrer do curso. Enquanto há a possibilidade de o professor agir de forma autoritária e indiferente em relação ao aluno em ambiente presencial, pode tornar-se bem acessível por estar sempre interagindo no ambiente digital, de modo rápido e apropriado. Isso não significa que a situação possa ser inversa em ambos os ambientes. 36 Para ser um ambiente de aprendizagem bem sucedido, o ambiente digital requer do professor propostas e objetivos bem claros e definidos, além de um perfil provocador, com vistas a promover a potencialização das interações do aprendiz com o conhecimento por meio da tecnologia. Consoante Alonso e Alegretti (2009: 172), esta é uma perspectiva de educação “ampla e atual em que educar é um ato relacional, portanto implica antes de mais nada a comunicação, interação com o outro, tendo por mediador o próprio saber e as circunstâncias dos sujeitos envolvidos”. Assim, o professor poderá atender os alunos de acordo com os diferentes níveis e ritmos de compreensão, através de maior número de interações e estimulando o pensamento conforme as particularidades de cada indivíduo. É pertinente ressaltar que em ambos os ambientes de aprendizagem, o presencial e o digital, existem estruturas e objetivos específicos, bem como as mais variadas potencialidades e limitações. No entanto, podemos constatar nessas discussões que essa modalidade de Ensino a Distância ou o ensino com a utilização das TICs tem potencial para desencadear transformações que venham a contribuir para um resultado mais satisfatório de construção de conhecimento no âmbito educacional. Em relação ao ambiente digital de ensino-aprendizagem, o hipertexto é um exemplo de uma proposta diferente de escrita e de construção de conhecimento, por possibilitar que várias pessoas construam um texto juntas de forma interativa, e, consequentemente, pode gerar uma coconstrução de identidades coletivas, possibilitada pelo intercâmbio de saberes e de cultura nas interações entre pessoas diferentes. Diferente do texto impresso, o hipertexto possui multimodalidades, como som e imagem, sendo que a multimodalidade abrange o extra-linguístico, isto é, ritmo, entoação, tom de voz, elementos culturais, até mesmo expressões faciais, olhares e movimentos corporais. Ramal (2002) contribui com essa discussão ao sugerir que o uso de hipertextos na educação poderia ser uma alternativa para formar o sujeito com perfil exigido pelo contexto sócio-histórico atual, pois, segundo a autora, ele possibilita o dialogismo e a participação ativa na construção do conhecimento, por meio de um processo colaborativo. Assim, como um espaço de interação e de diálogos intersubjetivos, pode contribuir para que os alunos de um curso cooperem uns com os outros e construam conhecimento e coconstruam suas identidades, ao compartilhar suas experiências profissionais. Por isso, Ramal (2002:171) aborda que o hipertexto por ser criado a partir de “nós de um complexo diálogo”, pode ser pensado pelo professor como um diálogo num espaço interativo onde todos os leitores participam e inúmeras textualidades de palavras, sons e 37 imagens integram uma rede. Além disso, no hipertexto se estabelece outra forma de relação entre autor e leitor, devido ao fato de que cada leitor constrói seu percurso, escolhendo entre múltiplas possibilidades e podendo reescrever os textos.8 Desta maneira, não existe mais um autor original do texto, mas sujeitos autônomos que constroem na Internet os hipertextos, e a partir disso, podem surgir novas formas de ver a realidade, de pensar e de agir. Enquanto o hipertexto faz parte de uma nova interface em que são construídas relações de significação polissêmicas, consoante Ramal (2002:173), ele possibilita ao leitor que seja protagonista nas suas estruturas não lineares. No hipertexto não há início, fim, margens, nem caminhos marcados como nas formas fixas do texto escrito e impresso. Devido ao fato de ser hipermídia, ele é mais rico em recursos do que o texto escrito (sons, imagens, cores), por estar disponibilizado na rede9 e por obedecer outras configurações de espaço e temporalidade, o processo de comunicação na Internet, via hipertextos, passa a ser uma mistura de oralidade e escrita em tempo real. Ao entrar no contexto digital e trocar o paradigma ultrapassado de transmissão de conhecimento pela premissa de que alunos e professores constroem o conhecimento em conjunto nas interações, o professor estará aderindo a uma nova cultura educacional, ou seja, passará por transformações no desenvolvimento da sua „reculturação‟ (JESUS, 2007). Não tenho a pretensão de afirmar que o contexto presencial de ensinoaprendizagem não possa ser adequado e apresentar resultados satisfatórios, bem como não penso que não possa existir práticas pedagógicas tradicionais no contexto digital. O que pretendo frisar aqui são os elementos constitutivos da identidade de quem está na fase de passagem de um ambiente para o outro. Pois, a mudança do ambiente de ensinoaprendizagem – do presencial para o digital – traz alterações para o papel do professor e pode influenciar seus posicionamentos de sujeito, enquanto seus conceitos podem ser redimensionados por diversos fatores, e, por sua vez, as identidades são possivelmente alteradas ou reconfiguradas. 8 Por exemplo, a autora cita os e-books, programas eletrônicos que oferecem a letra preferida pelos leitores, nos quais podem inserir notas, comentários e desenhos no texto. 9 No ambiente digital, o termo rede é definido por Ramal (2002), como metáfora dos processos comunicacionais e cognitivos cuja materialização é o hipertexto. 38 1.4 A relevância das TICs no processo de formação continuada para professores de Língua Estrangeira Conforme Sharma (2009), a tecnologia mudou para sempre o ensino e aprendizado de língua inglesa. Os aprendizes de hoje têm acesso a várias atividades interativas na web, desde exercícios de gramática e vocabulário, bem como muito mais oportunidades de interagir com falantes proficientes e de ler assuntos que lhe interessam dentro de uma vasta gama de textos autênticos na língua inglesa. Assim, pelo fato de a língua da Internet ser o inglês, a aprendizagem dessa língua se torna cada vez mais necessária e também cada vez mais acessível a um grande número de pessoas. Em relação às várias oportunidades que a WWW (World Wide Web) dispõe para que o aprendiz de LI possa receber input autêntico e interagir na língua, Warschauer e Meskill (2000) argumentam que os professores de LI podem possibilitar aos seus alunos que sintam parte das comunidades que falam a língua-alvo. Para que isso se efetive, é necessário criar oportunidades de interações autênticas e significativas dentro e fora da sala de aula, além de disponibilizar aos alunos as ferramentas para que explorem a Internet nos âmbitos social, cultural e linguístico. Os autores argumentam que: O computador é uma ferramenta poderosa para esses processos, como o discurso internacional transcultural frequentemente esta ganhando espaço no ambiente on-line. A principal vantagem das novas tecnologias é o fato de que elas podem ser usadas para ajudar a preparar os alunos para os tipos de comunicação internacional transcultural que são muito requisitadas para se obter sucesso na academia, vocações ou na vida pessoal 10 (tradução minha). Warschauer e Meskill (2000) argumentam que as tecnologias on-line constituem ferramentas poderosas aliadas à abordagem sociocognitiva de ensino de línguas. Os autores salientam que nessa perspectiva os alunos são agentes colaborando no próprio processo de aprendizagem. Explicitam ainda que a abordagem sociocognitiva enfatiza o aspecto social da aquisição da linguagem. Isso significa que os professores podem oferecer aos alunos oportunidades suficientes de interação social autêntica, não apenas para que recebam input compreensível, mas para que possam praticar de forma efetiva o tipo de comunicação em “The computer is a powerful tool for this process, as international cross-cultural discourse is frequently taking place in an on-line environment. The main advantage of new technologies is thus that they can be used to help prepare students for the kinds of international cross-cultural communication which are increasingly required for success in academic, vocational, or personal life” (p.11) 10 39 que vão se engajar na vida real. No entanto, os autores fazem uma ressalva ao apontar que mesmo quando os professores apoiam sua prática pedagógica nessa abordagem teórica, ensinar em ambiente on-line pode colocar em dúvida todo o conhecimento e prática desses profissionais. Warschauer e Meskill (2000) advertem que o mundo on-line representa desafios, e que aprender como integrar as tecnologias digitais em sala de aula é um processo longo e complexo. Paiva (2001) também colabora com a reflexão dos autores supracitados ao ponderar que usar a Internet no ensino de inglês é um desafio que demanda mudanças de atitude de alunos e professores, pois no ambiente digital o aluno bem sucedido não é mais o que armazena informações, mas aquele que se torna um bom usuário da informação. E o bom professor não é mais o que tudo sabe, mas aquele que sabe criar ambientes que promovam a autonomia do aprendiz e que os desafia a aprender com o(s) outro(s) através de oportunidades de interação e de colaboração. Paiva (2009), ao discutir as tecnologias na docência em línguas estrangeiras, aponta que os órgãos governamentais estão criando políticas de inclusão digital e implementando as tecnologias nas escolas brasileiras. A autora cita que dentre as políticas do MEC, por exemplo, foram criados o Banco Internacional de Objetos Educacionais, a Universidade Aberta do Brasil, o Portal da CAPES, a biblioteca virtual do Domínio Público e o ProInfo, entre outras. Entretanto, segundo Paiva (2009: 14), isso não é o suficiente para que o professor de línguas utilize as tecnologias digitais. A autora propõe que “o componente do ensino mediado por computador” deve ser institucionalizado nos cursos de formação de professores, estarem inclusos nas práticas de estágio, bem como, devem ser criadas “iniciativas institucionais para ampliar o conhecimento, acesso e uso das tecnologias”. As opções atuais de formação inicial e continuada que abordam especificamente a instrumentalização tecnológica são ainda insignificantes diante da demanda de profissionais atuantes no ensino de línguas. Paiva (2009) argumenta que são poucas as ações formadoras existentes no contexto brasileiro em relação à aplicação das TICs com fins pedagógicos. Aponta ainda que esses cursos têm partido de alguns docentes amparados por outros que possuem uma maior intimidade com a tecnologia, com material gratuito extraído na web e via oficinas ou projetos de extensão institucionais. Sendo assim, seria apropriado que as TICs fizessem parte dos currículos dos cursos 40 de Letras, para que os futuros professores pudessem estar tecnologicamente alfabetizados para integrar essas novas formas de comunicação ao seu planejamento pedagógico. Além de pensar como aprimorar a prática de ensino de LI, a partir da observação, pesquisa e análise da realidade é preciso inovar. Dessa forma, é relevante que o professor se aproprie efetivamente das potencialidades das TICs e passe a encarar a tecnologia como uma aliada ao processo de ensino e aprendizagem de LI, com o intuito de que os alunos também se apropriem da língua e das ferramentas para que possam utilizá-las como instrumento de construção de conhecimento e ascensão social. A formação contínua do professor é primordial para que acompanhe as mudanças que a sociedade atravessa. O interessante é que essa formação seja um processo de busca constante e que objetive a instrumentalização do professor quanto ao uso consciente das TICs, bem como propicie a reflexão e a criticidade acerca da prática do ensino de LI mediada pela Internet. Assim, ao demonstrar a busca pela formação condizente com as perspectivas sociais contemporâneas, o professor estará tomando atitudes em relação à situação precária de ensino que se perpetua em nossa cultura educacional. No capítulo seguinte, procedo à explanação do processo metodológico e apresento os principais pressupostos da pesquisa interpretativista. Em seguida, serão apresentados os participantes deste estudo, o ambiente e os instrumentos de coleta das narrativas, bem como as perguntas de pesquisa e os passos da análise. 41 CAPÍTULO II CENÁRIOS METODOLÓGICOS Considerando os pressupostos teóricos sobre identidade abordados no capítulo anterior, inicio a discussão sobre os aspectos metodológicos da pesquisa. Inicialmente, caracterizo-a como pesquisa qualitativa mediante análise de narrativas. Em seguida, abordo o objetivo principal e as questões de pesquisa, descrevendo o contexto, o ambiente digital de aprendizagem, a ação de extensão: Formação Continuada para Professores de Língua Inglesa do município de Pontes e Lacerda - MT, e o perfil das professoras participantes. Por fim, descrevo os procedimentos da coleta e análise dos dados propostos para investigar os processos de constituição identitária profissional dos professores de Língua Inglesa em ambiente digital, considerando os pressupostos sobre identidade abordados no capítulo anterior. 2.1 Caracterização da Pesquisa Este estudo caracteriza-se como pesquisa qualitativa de cunho interpretativo e emprega a análise de entrevistas narrativas, como estratégia metodológica para investigar quais são os possíveis traços predominantes da constituição identitária profissional do docente de LI em ambiente digital. A entrevista narrativa é utilizada com a finalidade de criar uma “situação que encoraje e estimule um entrevistado a contar a história sobre algum acontecimento importante de sua vida e do contexto social” (JOVCHELOVITCH & BAUER, 2002: 93). Na área de Linguística Aplicada, especificamente tratando de questões relacionadas à constituição da identidade profissional do docente de línguas, é imprescindível que as investigações partam de premissas qualitativas, pois os métodos qualitativos são mais coerentes quando o fenômeno em estudo é complexo, de natureza social. Ao pesquisar questões que envolvem o ser humano, por exemplo, é necessário situá-lo dentro de um contexto social e cultural, além de pensar em imprevistos e transformações que podem ocorrer durante o estudo (BORTONI-RICARDO, 2008). 42 Assim, a escolha do paradigma interpretativista se justifica pelo fato de considerar o contexto sócio-histórico, bem como defender uma concepção de verdade enquanto algo que é construído pelo agente da pesquisa, pois busca-se descrever e explicar os fenômenos do ponto de vista dos participantes da pesquisa. Nesse sentido, Bortoni-Ricardo (2008:32) aponta que os “postulados do paradigma interpretativista” exploram a ideia de que a observação do mundo e dos fenômenos que nele se dão está diretamente vinculada às práticas sociais e seus significados. Este estudo emprega como metodologia a teoria de análise de narrativas, conforme Riessman (1993; 2008), Jovchelovitch & Bauer (2002:91) que defendem que as pessoas organizam suas experiências, constroem explicações para acontecimentos e manipulam fatos constitutivos individuais e sociais, via narrativas. Esses autores argumentam que através das histórias de vida as pessoas podem contar suas experiências de forma geral ou “em termos indexados.” Os acontecimentos indexados são fatos reais contextualizados e situados no tempo. Isso é interessante porque, ao relatarem experiências pessoais, os informantes trazem à tona muitos detalhes que dão ênfase às ações e acontecimentos e que consequentemente produzem efeitos avaliativos do resultado dos fatos narrados. Utilizo os postulados teóricos da teoria da pesquisa narrativa (CONNELLY & CLANDININ, 1990) apenas em relação à ênfase atribuída à experiência humana e pelo fato de partir do princípio de que os seres humanos são contadores de histórias natos, capazes de conduzir histórias vividas social e individualmente. O registro da história de vida constitui um terreno muito fértil para ser explorado em relação à diversidade de informações acerca das percepções individuais e coletivas, aspectos sociais, históricos e culturais que fazem parte do contexto do narrador. Segundo Connelly & Clandinin (2000, apud TELLES 2002:109), na pesquisa narrativa o pesquisador analisa as histórias com a finalidade de entender os significados que os acontecimentos narrados possuem para o participante, “chegando a unidades narrativas, isto é, núcleos temáticos que concatenam determinados grupos de histórias e sintetizam os múltiplos significados”. A abordagem metodológica de análise de narrativas se justifica ainda por auxiliar na compreensão do desenvolvimento da constituição da identidade profissional do professor de língua inglesa, como um processo contínuo, evidenciando o valor da reflexão como elemento transformador de experiências de ensino e de aprendizagem. Sob a ótica de Riessman (2008: 06), o uso de narrativas vem aumentando em pesquisas na área de ciências sociais, devido à preocupação com a identidade. 43 Atualmente, o termo „narrativa‟ ultrapassa a área da literatura por se constituir em uma metáfora, um novo paradigma de observação e compreensão ao dispor das pesquisas no contexto educacional. Sem desmerecer quaisquer teorias metodológicas existentes, a metodologia de análise da pesquisa narrativa passa a constituir outra forma de fazer ciência social, mais centrada no significado atribuído via linguagem em contextos específicos. O pesquisador narrativo dá primazia ao conhecimento pessoal e profissional e passa a compor sentido a partir da sua experiência e do outro. No âmbito da Linguística Aplicada, Barcelos (2006) aponta que o interesse por Pesquisas Narrativas está crescendo no Brasil e no mundo. A autora ressalta que no momento a maior parte dos estudos nessa área tem como foco as experiências e narrativas de aprendizes e professores de línguas. Quanto aos estudos sobre formação de professores podemos citar os trabalhos de Clandinin & Connelly (2000), Johnson e Golombeck (2002), Telles (2002 e 2004). Entre esses pesquisadores, é fato que os saberes dos professores em relação ao processo de ensino-aprendizagem são construídos socialmente por meio das próprias experiências como aprendizes e professores de línguas. Conforme Johnson e Golombeck (2002: 2), o aprendizado do professor é entendido como normativo e contínuo, construído através das experiências em contextos sociais, como participantes em programas de formação profissional e como membros de comunidades de prática nas escolas onde lecionam. O desenvolvimento profissional é tido como algo que ocorre em um processo de reconfiguração do conhecimento, crenças e práticas do professor. Ainda segundo as autoras, as novas linhas de pesquisa, como as que tomam como objeto as experiências profissionais e pessoais dos professores na construção do conhecimento, estão se configurando como etapa principal na formação de professores. Por considerar que as histórias de vida propiciam ao narrador que reflita sobre suas ações e construa significados sobre suas experiências sociais, segundo Clandinin & Connelly (2000), a pesquisa narrativa tem sido amplamente utilizada em investigações acerca da formação do professor, tanto como método quanto como objeto de pesquisas. Dentre as problemáticas investigadas pela pesquisa narrativa estão os processos de constituição identitária profissional, como forma de embasar os projetos e propostas de formação, com vistas a promover mudanças significativas das práticas educacionais. Utilizo como instrumentos questionários semiestruturados, bem como questões para suscitar que as participantes relatem suas experiências de ensino- aprendizagem de LI de forma bem detalhada. Por meio destes instrumentos são produzidas as autobiografias e 44 narrativas orais, transcritas e analisadas em seguida. As narrativas orais foram confeccionadas em coautoria com a pesquisadora e as professoras participantes do curso de formação continuada em ambiente digital, contendo relatos de suas experiências e histórias de vida, antes, durante e após o curso. A narrativa é uma estrutura utilizada para construir significados pelo ato de narrar histórias de vida. Segundo Riessman (1993), a linguagem utilizada na narrativa não pode ser considerada como um meio transparente que reflete significados particulares, mas ser entendida como constitutiva da realidade, ou seja, é pela linguagem que o narrador se expressa criativamente e constrói seu mundo repleto de sentimentos, de sua compreensão e interpretação. Ao definir a narrativa como uma atividade humana natural de contar histórias organizadas em acontecimentos consequentes no tempo passado, Riessman (1993:3) afirma que: “Um contador de história em uma conversa conduz o ouvinte ao tempo passado ou “mundo” e recapitula o que aconteceu então para transmitir algo importante, geralmente uma questão moral” 11 (tradução minha). A autora postula que, ao narrar a experiência particular de vida, geralmente relatamos episódios de disparidades entre o ideal e o real, o individual e o coletivo. Isso traz à tona nossos desejos, angústias, ansiedades e problemas vivenciados no cotidiano. Ainda conforme Riessman (1993), ao contar nossa história de vida, construímos textos em contextos particulares, descrevendo nossa experiência. Esse é um processo interessante, pois ao narrar e reconstruir os acontecimentos da vida, relatamos a experiência adquirida no nosso próprio contexto e construímos uma identificação. A partir disso, é possível desvelar fatos significantes acerca da forma como constituímos a nossa identidade profissional. A relevância da pesquisa de cunho narrativo está relacionada à possibilidade de crescimento profissional pelo fato de proporcionar reflexões acerca da docência e das influências que a compõem, como conhecer-se e compreender-se um pouco mais, principalmente do ponto de vista profissional. Nesse sentido, todos os envolvidos na pesquisa narrativa se beneficiam, pois tanto os participantes quanto o pesquisador 11 “A teller in a conversation takes a listener into a past time or “world” and recapitulates what happened then to make a point, often a moral one”. 45 interpretam e analisam juntos os dados e podem passar a se reconstruir profissionalmente. É importante considerar que ao refletir sobre nossas experiências e sobre como construímos sentidos através delas, via linguagem, o fazemos em relação ao meio sociocultural e sócio-histórico, ou seja, a pesquisa narrativa permite ao indivíduo que direcione o olhar para si mesmo e para as próprias atividades como socialmente e historicamente situadas (JOHNSON e GOLOMBECK, 2002). Em relação aos estudos acerca da compreensão da constituição da identidade profissional do professor de línguas, Telles (2004 apud BARCELOS 2006:147) sugere a Pesquisa Narrativa, por ser em suas palavras: como uma abordagem adequada para investigação do pensamento e das experiências dos professores [...] a pesquisa narrativa é importante, pois permite que os professores reconstruam seus conhecimentos pessoais e suas representações, colaborando para que os mesmos se tornem mais conscientes e, consequentemente, agentes de sua própria prática. Assim, as narrativas contribuem para a constituição identitária e suscitam a autorreflexão, o que simultaneamente facilita a tomada de posição do sujeito em relação ao outro e à sua própria experiência de vida profissional. Ainda sob as lentes de Telles (2002:107), a pesquisa narrativa funciona como contexto de produção de significados para os acontecimentos ocorridos na escola e na vida dos professores, pois através das histórias pessoais e profissionais se desenvolve: O processo emancipador de ação pedagógica para a educação de professores [...] é um processo educacional de parceria. Nele, os professores se associam aos seus colegas de trabalho e educadores de professores em torno de dois objetivos comuns e interdependentes: conhecerem-se pessoal e profissionalmente e desenvolverem a prática pedagógica de sala de aula. A partir da reflexão do docente sobre sua prática em relação ao ambiente digital, via narrativas experienciais, ele pode passar a desenvolver perspectivas de um paradigma emancipador. Mesmo que de maneira inconsciente, ele pode assumir uma posição de professor enquanto agente empenhado em compreender sua identidade e as possíveis implicações na sua prática pedagógica. De acordo com Clandinin & Connelly (2000:18), a narrativa como instrumento e método por excelência pode capturar a essência da experiência humana e, 46 consequentemente, da aprendizagem e mudança. Ainda argumentam que a narrativa referese ao fenômeno e ao método de se compreender experiências, sendo a experiência o objeto de estudo, a palavra- chave na pesquisa narrativa. Para os autores, a narrativa é a melhor forma de “representar e entender essa experiência”, porque pensar e escrever narrativamente é uma forma de reviver e refletir sobre a experiência. Em outras palavras, a experiência acontece narrativamente e a experiência educacional deve ser estudada narrativamente. Como resultado de uma investigação nessa modalidade de pesquisa, via narrativas, os professores têm a oportunidade de tomar a palavra, trazendo à tona elementos que indicam como sua identidade profissional é constituída ao entrar em um novo contexto de ensino-aprendizagem. Ainda deixam transparecer suas teorias implícitas sobre suas práticas pedagógicas e se tornam agentes de seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional. Consoante Riessman (2008:3), ao construir uma narrativa, o sujeito seleciona, organiza, conecta e avalia fatos e ideias que considera serem mais relevantes e significativos para que um determinado público compreenda o sentido que queira transmitir. A autora destaca que as narrativas são compostas para um público particular e num determinado momento na história, via discursos e valores que circulam em uma cultura específica. Por isso, as narrativas exigem do analista uma interpretação minuciosa do contexto sócio-histórico e cultural para que possa perceber o sentido de forma mais próxima possível do que o narrador procurou construir. Elementos substanciais são gerados na narração de histórias de vida do professor, os quais contribuem para a compreensão da constituição de suas identidades, e estes, por sua vez, fomentam simultaneamente a autorreflexão, tanto sobre seus conhecimentos, quanto acerca das suas práticas pedagógicas. Desta forma, o processo identificatório construído na linguagem, no momento que o professor relata quais eventos e pessoas tiveram ou ainda têm importância na sua vida, bem como no processo de escritas de suas biografias, proporciona um crescimento profissional desenvolvido pela compreensão do seu self (de si mesmo), do seu papel e de sua prática profissional. 2.2 O Contexto da Pesquisa Consoante Cox e Assis-Peterson (2008:50), os professores universitários do curso 47 de Letras têm a responsabilidade de colaborar para “tirar o ensino de LE da crise crônica em que se encontra”. Nesse sentido, atuando como formadora de professores de LI, acredito que possa incentivar os professores em formação inicial e/ou continuada a construírem conhecimento de maneira colaborativa e a formar uma comunidade de aprendizagem (WENGER, WHITE & SMITH: 2010) contínua com vistas a fomentar e fortalecer o crescimento profissional, buscar problemáticas dentro do contexto escolar e propor alternativas válidas para tentar amenizar as dificuldades dos professores de LI. Tais perspectivas acerca de uma formação mais adequada em relação às necessidades e problemáticas advindas do atual contexto sócio-histórico instigaram-me, como docente de LI do curso de Letras, atuando na Universidade do Estado de Mato Grosso – Campus Universitário de Pontes e Lacerda, a propor um Projeto de Extensão, juntamente com os demais colegas da área de LI, destinado aos professores de inglês da rede pública de ensino fundamental e médio do município, no primeiro semestre de 2009. O objetivo do projeto era intervir de forma significativa na formação do professor, com vistas a contribuir para uma melhorar proficiência na língua-alvo, bem como contribuir com a práxis docente e possibilitar a integração das TICs no processo de ensinoaprendizagem da LI. Devido ao fato da crescente adesão às TICs nos diversos setores da sociedade, inclusive na educação, outro objetivo do curso era orientar os profissionais de ensino para o uso delas como tecnologias interativas para que suas ações pudessem refletir no ensino de língua inglesa nas escolas públicas. Portanto, além de promover reflexões teóricas acerca da formação do professor, do seu papel crítico e reflexivo, o projeto visava despertar o seu interesse pelas potencialidades do computador no ensino de línguas, a WWW como comunicação e fonte de pesquisa, tida como um aspecto fundamental na melhoria da educação. Assim, de forma abrangente, este Projeto de Extensão viabiliza uma proposta de curso semipresencial para professores de LI em serviço, na tentativa de desencadear reflexões quanto à ressignificação de suas práticas educacionais, direcionadas às suas necessidades de qualificação, tendo em vista a tecnologia no contexto contemporâneo. Nesse processo, vislumbrou-se levar em consideração o contexto, a experiência, bem como as necessidades dos professores de língua inglesa da Rede Pública de Pontes e Lacerda Mato Grosso - para que pudéssemos tentar atender seus desejos e preocupações. Então, após a tramitação interna e aprovação do Projeto de Extensão de Formação 48 Continuada na Universidade, sob minha coordenação, os outros dois professores do Campus iniciaram as aulas presenciais do curso no segundo semestre de 2009, que teve a duração de 20 h/a. A carga horária total do curso foi de 240 horas, divididas em 4 semestres de 60 horas cada, subdividas em dois módulos, ou seja, dentre as 60 horas semestrais, 20 horas foram presenciais e 40 on-line. Os professores trabalharam técnicas para leitura de textos sob o viés da metodologia de leitura instrumental ou ESP (English for Specific Porpouses), por considerar essa instrumentalização útil para futuras leituras e reflexões a partir de textos em língua inglesa no ambiente digital. Em relação à parte on-line do curso, com a duração de 40h/a, utilizamos o material didático12 confeccionado ao término da disciplina Formação do Educador de Língua Estrangeira e Produção de Material Didático para Contextos Digitais, do Programa de Mestrado em Estudos da Linguagem – MeEL, na Universidade Federal de Mato Grosso – Campus Universitário de Cuiabá. Esse material foi desenvolvido por nós mestrandos, em alguns encontros presenciais e também a distância – via interações assíncronas – por correio eletrônico, no primeiro semestre de 2009. O curso foi iniciado no final de 2009 e concluído no primeiro semestre de 2010. O Projeto de Extensão Formação Continuada de Ensino de Língua Inglesa foi elaborado para atender uma necessidade premente de aperfeiçoamento de professores para atuarem no ensino de língua inglesa. Com vistas a auxiliar esse profissional a desenvolver uma maior compreensão dos processos de ensino-aprendizagem do inglês como língua estrangeira, além de propiciar uma formação continuada na aquisição das competências teóricas e metodológicas, este projeto visava contribuir para a proficiência na LI. Também buscava realizar um trabalho dentro de uma perspectiva reflexiva, bem como oferecer uma formação que possibilitasse ao professor fazer uso da tecnologia em benefício da sua prática pedagógica no ensino de LI. Para saber se esses objetivos foram alcançados, a participação dos professores em formação continuada foi avaliada de forma quantitativa e qualitativa. Foram observadas a frequência nas discussões e a demonstração de leitura dos textos e reflexão sobre o conteúdo. Eles também realizaram autoavaliação através da elaboração de textos teóricoreflexivos sobre o processo de ensino e aprendizagem do professor. E como trabalho final eles ainda produziriam e desenvolveriam um plano de um curso com a utilização das TICs no ensino de LI, a ser aplicado nas escolas públicas em horários opostos aos que eles 12 O material do curso on-line encontra-se em anexo. 49 atuavam no primeiro semestre de 2011. Esse curso teria a duração de 20 h/a e seria avaliado pelos cursistas e professores do Projeto de Extensão. 2.3 As personagens da peça A partir de algumas informações obtidas no questionário semiestruturado (anexo1), sugerido antes do início da aplicação da parte on-line do curso, foi possível constatar alguns detalhes sobre o perfil das participantes. Ancorada nestas informações, passo a delinear o perfil das professoras participantes deste estudo. Os professores de inglês inscritos no curso de Formação Continuada totalizavam 15. Porém, a participação efetiva no módulo on-line que serviu de coleta de dados, foi de 05 professoras. Dentre elas, apenas três foram participantes desta investigação: Ely, Gisele e Marisa (nomes fictícios), sendo todas licenciadas em Letras com habilitação em Português/Inglês e suas respectivas literaturas. A personagem Ely nasceu e continua vivendo em Pontes e Lacerda até hoje. Concluiu o ensino médio em uma escola estadual no período vespertino, em 2001, o curso de Letras na Universidade do Estado de Mato Grosso, no final de 2006, e terminou um curso de especialização em Metodologia do Ensino da Língua Inglesa em uma faculdade particular, também em Pontes e Lacerda, em 2009. Aos 26 anos de idade, possui quase oito anos de experiência como profissional de ensino de LI na modalidade presencial, iniciou sua carreira de professora de LI na rede pública de ensino estadual em 2003. Teve experiência como professora de LI em uma escola de idiomas, e inclusive, ministrou aulas como professora contratada em uma universidade estadual por um ano. Em relação à sua formação linguística e profissional, Ely definia como “ótima”, pois fez 5 anos de curso de LI em uma escola de idiomas, além da formação escolar e universitária. Identificou-se como uma profissional que está sempre em busca de aperfeiçoamento, de “fazer novos cursos para aprender mais a língua e sobre a língua”. Essa foi a primeira experiência de Ely em um curso de formação continuada em ambiente digital. A professora utilizou o próprio computador para fazer o curso on-line, em horário de trabalho e fora dele. Na condição de usuário de computador, Ely alegou já possuir algumas habilidades, pois ela utilizava bem os aplicativos do Word, correio eletrônico e Internet, mas não usava o Excel e o Power Point usava razoavelmente. 50 No período da pesquisa, na escola que trabalhava, Ely tinha acesso razoável à TV, DVD player, computador e Internet. Já em relação aos demais aparelhos, como retroprojetor e datashow a professora não tinha acesso. Sua percepção sobre a própria prática pedagógica em ambiente presencial era referida como a de uma “boa profissional”, mas pretendia “buscar novos recursos e continuar estudando”. Na época da pesquisa, Ely compreendia o processo de ensino-aprendizagem no ambiente digital como uma forma atualizada de ensino, na qual poderia compartilhar conhecimentos e desenvolver-se profissionalmente. E quanto às suas expectativas em relação ao curso de formação continuada, Ely esperava aperfeiçoar seu conhecimento teórico e prático e preparar-se para fazer um mestrado, além de prestar concursos. Além disso, acreditava que o curso possibilitaria mudanças em relação à utilização das TICs em sala de aula, conforme suas palavras: “com esse curso pretendo ter novas ideias de uso das tecnologias disponíveis para poder colocá-las em prática”. A personagem Gisele, hoje com 33 anos, nasceu em Jaurú – MT, e vive em Pontes e Lacerda desde 1990. Concluiu o ensino médio em uma escola estadual no período noturno, em 1995, o curso de Letras na Universidade do Estado de Mato Grosso, no final de 2000, e terminou o curso de especialização em Psicopedagogia em uma faculdade particular, também em Pontes e Lacerda, em 2003. É professora efetiva na rede pública desde 2002. Na época da pesquisa, tinha 10 anos de experiência como profissional de ensino de línguas na modalidade presencial e cumpria naquele momento com carga horária semanal de 30 h/a. Iniciou sua carreira de professora na rede pública de ensino estadual em 2000. Embora ministrasse aulas de língua portuguesa, apesar de preferir língua inglesa, durante esta pesquisa, ela trabalhava com LI apenas. Gisele definia sua formação linguística e profissional como “básica”, pois afirmou ter feito 1 ano de curso de LI em uma escola de idiomas, além da formação escolar e universitária. Identificava-se como uma profissional sempre em busca de “novos cursos para aprender mais a língua e sobre a língua”. Essa foi a primeira experiência de Gisele em um curso de formação continuada em ambiente digital. A professora utilizou o próprio computador para fazer o curso on-line, acessou o curso apenas fora do seu horário de trabalho. Na condição de usuária de computador, Gisele possuía poucas habilidades, pois utilizava bem apenas o aplicativo do Word, enquanto utilizava o Excel razoavelmente e tinha dificuldades em utilizar a Internet e o Power Point. Porém, não usava o correio eletrônico. 51 Na escola que trabalhava na época, Gisele tinha acesso razoável à TV, DVD player, computador, Internet e retroprojetor, enquanto possuía acesso restrito ao datashow. Sua percepção sobre a própria prática pedagógica em ambiente presencial era referida como a de uma profissional “um pouco ultrapassada perante toda a modernização que existe”, no entanto, destacou que “tentava inovar o máximo que podia”. Gisele compreendia o processo de ensino-aprendizagem no ambiente digital como “algo mais dinâmico, moderno e mais próximo do gosto dos alunos. Aulas bem diferentes do quadro negro e giz”. E quanto às suas expectativas em relação ao curso de formação continuada, Gisele se mostrou muito positiva e foi bem enfática em relação às TICs ao alegar que tinha “grandes esperanças de melhorar o uso da Internet (...) e principalmente aprender melhor a língua inglesa”. Além disso, afirmava que o curso possibilitaria mudanças em relação à utilização das TICs em sala de aula, por acreditar, conforme suas palavras, “conseguir ser mais dinâmica e perder meu medo das minhas dificuldades na língua inglesa.” Porém, apontou que era necessário levar em consideração a realidade da sala de aula. A personagem Marisa nasceu e ainda vivia em Pontes e Lacerda. Concluiu o ensino médio (magistério) em uma escola estadual no período noturno, em 2002, e o curso de Letras na Universidade do Estado de Mato Grosso no final de 2007. Fez um curso de especialização em Metodologia do Ensino da Língua Inglesa em uma faculdade particular, também em Pontes e Lacerda, concluindo-o em 2009. Iniciou sua carreira de professora de LI em escolas de idiomas em 2005. Marisa tornou-se efetiva em 2010, mas tinha experiência como professora de LI na modalidade presencial desde 2004, totalizando quase 6 anos de docência. Trabalhava, na época, com uma carga horária semanal de 40 horas, sendo 20 h/a na rede pública e 20 h/a em uma escola particular de idiomas. Em relação à sua formação linguística e profissional, Marisa a definia como “boa”, pois havia feito 4 anos de curso de LI no Centro de Linguagens – Projeto de Extensão da universidade do estado – pois afirmava ter muita dificuldade em aprender a língua na escola. Identificou-se como uma profissional que estava sempre em busca de “fazer novos cursos para aprender mais a língua e sobre a língua”. Essa também foi a primeira experiência de Marisa em um curso de formação continuada em ambiente digital. A professora utilizou o próprio computador para fazer o curso on-line. Acessou o curso durante e fora do seu horário de trabalho. Na condição de usuária de computador, Marisa alegou ter poucas habilidades, pois utilizava minimamente 52 o Excel e o Power Point, enquanto usava razoavelmente o aplicativo do Word, a Internet e o correio eletrônico. Na escola pública que trabalhava, Marisa tinha acesso razoável à TV, DVD player, computador, datashow e retroprojetor e acesso restrito à Internet. Sua percepção sobre a própria prática pedagógica em ambiente presencial era referida como a de uma profissional que buscava “fazer o melhor”, no entanto, destacou que “sentia que havia o que melhorar”. E quanto às suas expectativas em relação ao curso de formação continuada, Marisa se mostrou muito otimista ao alegar que “são ótimas, espero aprender, refletir sobre minha prática docente e melhorá-la.” Além disso, afirmou que visualiza mudanças em sua prática pedagógica em relação ao curso, no sentido de poder trabalhar melhor com os alunos desinteressados, conforme suas palavras: “Principalmente para lidar com os alunos, (adolescentes) que não querem, que não gostam, que tem desvio de caráter [...]”. Ainda acerca das personagens, é interessante destacar que essa foi a primeira experiência das três professoras na modalidade de curso em ambiente digital. As professoras Ely e Marisa utilizavam a Internet e o correio eletrônico de forma razoável, mas a professora Gisele reconheceu que não estava familiarizada com essas ferramentas computacionais e nem sequer possuía um e-mail. Quanto às expectativas das professoras-alunas para esse curso on-line, todas citaram como alvo obter experiência com a utilização da tecnologia, bem como melhorar a proficiência na língua inglesa. Quanto ao domínio da língua-alvo, Ely e Marisa apresentavam boa proficiência na língua inglesa, enquanto Gisele possuía pouca proficiência no idioma. Outro aspecto relevante obtido no questionário inicial, nas respostas das participantes, com relação à compreensão do processo de ensino-aprendizagem em ambiente digital, foi que todas elas consideravam-no difícil no ambiente proposto. No entanto, mostraram disposição para aprender a lidar com as dificuldades no ambiente digital, com a intenção de poder utilizar as ferramentas tecnológicas como algo motivante no contexto ensino de LI. A professora do curso on-line também é mestranda no MeEL – UFMT e tem graduação em Letras – Português/Inglês. Ela é professora universitária de LI, fluente na língua inglesa, com experiência em ensino presencial apenas. Os dois professores13 que 13 A minha função era apenas de coordenar o curso de Formação Continuada, mas também ministrei aulas. Além de mim, três professores ministraram o curso. Além disso, sendo dois deles responsáveis pela parte presencial e um apenas pela parte on-line. 53 ministraram as 20 h/a de Inglês Instrumental, na modalidade presencial do curso de formação continuada, de forma interposta, por seis finais de semana consecutivos são professores da área de LI na Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT. 2.4 Procedimentos da coleta e análise dos dados O objeto de análise foram os dados coletados referentes ao ambiente digital, ou seja, à parte on-line (40 h)14 do Curso de Formação Continuada para professores de Língua Inglesa em serviço da rede pública do município de Pontes e Lacerda – MT. Inicialmente, foram coletados os dados biográficos e características específicas do cotidiano das três professoras, por meio de questionários com perguntas fechadas e abertas. (anexos 1 e 4). Em seguida, após a primeira unidade do curso on-line, realizei uma entrevista individual (anexo 3) com as três professoras participantes, as quais geraram narrativas orais que foram transcritas e posteriormente analisadas. Os tópicos centrais nessa primeira narração foram acerca das suas expectativas em relação ao curso on-line e de suas motivações para participar do curso de formação continuada para professores de Língua Inglesa a distância. Outra narrativa (anexo 3) foi desenvolvida no final da terceira unidade do curso. Ao término do módulo do curso on-line, apliquei mais um questionário com perguntas abertas, (anexo 4) pedi uma autobiografia (anexo 2) das professoras e realizei novamente outra entrevista narrativa individual (anexo 3), com todas as professoras informantes. Em suma, por meio de uma narrativa individual,15 podemos extrair informações aprofundadas e detalhadas a respeito de experiências pessoais e profissionais, decisões e ações sequenciadas de cunho particular do informante. Assim, realizei as entrevistas narrativas utilizando perguntas com o objetivo de incentivar as participantes a relatarem suas experiências. As questões envolviam tópicos centrais para a pesquisa e encorajaram as participantes a falar bastante. Também avisei que não era necessário que tivessem pressa para que pudessem ter uma margem de tempo para refletir ao narrar suas histórias de forma mais detalhada possível. As entrevistas tiveram a duração aproximada de uma hora e trinta minutos e foram realizadas aos sábados, após o período das aulas do curso de formação 14 O período do curso foi entre março e junho de 2010. Na pesquisa narrativa individual ou grupal, o pesquisador narrativo é um autor e investigador da história, pois para desenvolver esse tipo de pesquisa ele tem que ser um participante ativo da experiência. Assim, pesquisador e participante são co-autores no processo de construir significados da experiência compartilhada. 15 54 continuada. Em relação à categoria de análise desta pesquisa, utilizei a entrevista narrativa como técnica para coleta de dados das histórias de vida e tomei os pressupostos metodológicos da análise temática de narrativas como procedimento analítico, fundamentando este trabalho nos construtos teóricos de Jovchelovitch & Bauer (2002), Gaskell (2002) e Riessman (2008). Segundo Riessman (2008), a análise de narrativas é um processo lento e exige diligência por parte do pesquisador. Requer atenção para sutis nuances de língua, audiência, organização de um texto, contextos locais de produção e a formação discursiva do informante que pode influenciar o que e de que modo está sendo narrado. A autora classifica a metodologia de análise de narrativas em quatro formas: temática, estrutural, dialógica ou de desempenho e visual. Na análise temática, o conteúdo é o foco exclusivo. Nele são analisados os temas (categorias), ou seja, a ênfase da investigação recai sobre “o que” é dito, ao invés de em “como”, “a quem”, ou “para qual propósito” (RIESSMAN, 2008:53). A linguagem é vista apenas como um recurso, contudo, caso o pesquisador resolva dar ênfase a algumas escolhas de palavras, pode destacar e explorar as funções de metáforas no texto narrativo, bem como os sentidos análogos que elas carregam. Riessman (2008) argumenta que, por ser centrada no conteúdo do discurso, a análise de narrativa temática pode gerar descobertas significativas, além de funcionar socialmente na criação de possibilidades para ações e principalmente na construção de identidades individuais e de grupos por meio de contar histórias. Nas palavras de YuvalDavis (apud RIESSMAN, 2008:8) “Identidades são narrativas, histórias que as pessoas contam a si mesmas e aos outros sobre quem elas são (e quem não são)” 16 , (tradução minha). Ainda consoante Riessman (2008), as narrativas de identidade refletem a forma fluida que a identidade toma ao ser produzida pelo processo de „ser e tornar-se, de pertencer e desejar pertencer‟. Em outras palavras, as narrativas são estratégicas, funcionais e propositais. Como instrumentos de criar sentidos, elas podem servir a propósitos diferentes para indivíduos e grupos. Conforme a autora, as narrativas 16 “Identities are narratives, stories people tell themselves and others about who are (and who they are not)”. 55 individuais servem para relembrar, argumentar, justificar, persuadir, comprometer, entreter, e até mesmo para confundir um determinado público. Desta forma, utilizei a metodologia de análise temática para poder compreender como as professoras constituem suas identidades profissionais, ao interpretar como os sentidos são construídos nas narrativas a partir do conteúdo extraído delas. Este estudo também está ancorado no referencial teórico de Jovchelovitch & Bauer (2002:107), em relação à utilização do procedimento da análise de narrativas na forma temática, na tentativa de generalizar ou condensar sentidos a partir das narrativas individuais. Assim, procedi na análise da seguinte forma: inicialmente segui um processo de reduzir o texto, sintetizando em parágrafos e em sentenças, os quais foram posteriormente transformados em “palavras-chave”. Em seguida, criei categorias e tematizei os textos narrativos para desenvolver a interpretação deles. Sob a ótica de Gaskell (2002:73), ao tomar como técnica de pesquisa as entrevistas narrativas, se desenvolve “um processo social, uma interação ou um empreendimento cooperativo, em que as palavras são o meio principal de trocas.” Isso implica uma interação entre o pesquisador e o informante, na qual ocorre um intercâmbio de ideias e significados, gerando a construção de conhecimento por ambas as partes, a partir da realidade de cada um. Por isso, esta técnica é coerente com o propósito desta pesquisa que pretende investigar as representações ou constituições identitárias profissionais. Bauer e Gaskell (1999) (apud GASKELL, 2002:74) apontam que a construção do sentido se desenvolve a partir da interação de dois sujeitos que são influenciados mutuamente. Os autores destacam ainda que “o sistema social mínimo implicado na representação é uma tríade lógica: duas pessoas (sujeito 1 e sujeito 2) que estão preocupadas com um objeto (o) em relação a um projeto (p), em uma dimensão de tempo.” Outra consideração relevante sobre a narração, conforme Jovchelovitch & Bauer (2002:92), é o fato de que contar histórias agrega “duas dimensões: a dimensão cronológica, referente à narrativa como uma sequência de episódios, e a não cronológica, que implica a construção de um todo a partir de sucessivos acontecimentos, ou a configuração de um enredo”. Isso significa que numa narrativa os fatos são conectados em relação ao tempo e ao significado, ou seja, ao narrar uma história é construído um „enredo‟ no qual podemos perceber o contexto das ações de seus personagens, com detalhes e objetivos, contendo fronteiras, como início e fim. Ainda consoante os autores é interessante destacar que o sentido subjaz a toda 56 narrativa, não simplesmente ao desfecho. Para abstraí-lo é preciso perceber não apenas os acontecimentos em ordem cronológica, mas as funções e sentidos do enredo. Outro ponto que Jovchelovitch & Bauer (2002:93) ressaltam é que a entrevista narrativa deve suscitar no informante o gosto por contar uma história sobre um fato ou acontecimento relevante que ele viveu em seu contexto social. Nesse caso, os autores tomam como base a sistematização da técnica de Schütze (1977) que propõe “reconstruir os acontecimentos sociais a partir da perspectiva dos informantes, tão diretamente quanto possível”. Por isso, é relevante instigar os informantes a narrarem o que eles próprios pensam acerca de suas experiências como alunos e professores e procurar incentivar que demonstrem seus sentimentos e reações mais profundas, a fim de extrair o sentido que possuem em relação ao processo da constituição de suas identidades profissionais. Assim, poderão compreender melhor seu papel e isso poderá desencadear o crescimento profissional, indispensável para seu desempenho educacional na sociedade contemporânea. Neste capítulo, expliquei a abordagem metodológica usada para a coleta dos dados e como os pressupostos apresentados no background teórico foram incorporados para a análise e interpretação. Acredito que essa descrição do processo da pesquisa tenha explicitado ao leitor o que fiz, como, quando, onde e por que, além de possibilitar que realize o próprio julgamento sobre o trabalho e os sentidos apurados. No próximo capítulo, descrevo os dados gerados e os resultados da pesquisa. Inicio apresentando, de maneira mais abrangente, os temas encontrados nas narrativas das participantes da pesquisa e algumas considerações relevantes extraídas das minhas anotações realizadas nas reuniões durante o período do curso, as quais contribuíram para a minha interpretação. Passo então a relatar um pouco sobre a trajetória das personagens individualmente, com base em suas autobiografias. 57 CAPÍTULO III A PEÇA: DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Neste capítulo apresento, inicialmente, as autobiografias de cada uma das personagens desta peça que nos dão suporte para uma melhor compreensão das dimensões pessoais e profissionais, bem como das características temporais e contextuais das experiências narradas. Em seguida, passo a expor os dados gerados via entrevistas narrativas, realizadas no início, na metade e no final do curso on-line. Vislumbro perceber através destas narrativas possíveis traços identitários que indiquem mudanças ao confrontar as representações das professoras sobre quem são e sobre como consideram o processo de ensino-aprendizagem no ambiente digital, mais especificamente, anterior e posteriormente ao curso. Para desenvolver a análise das narrativas de história de vida, procedi à leitura das transcrições com vistas a identificar os temas gerados e, a partir deles, chegar aos traços predominantes constitutivos do processo de constituição identitária profissional das professoras. Então, a partir da percepção desses traços, agrupei as falas que tinham os mesmos temas em eixos temáticos. Na sequência, passo a descrever e analisar as narrativas em duas seções. Na primeira seção, construída com base na Pergunta de Pesquisa 1, busco perceber quais traços predominantes das personagens estão envolvidos na constituição das suas identidades profissionais. Na segunda seção, apoiada na Pergunta de Pesquisa 2, com a finalidade de compreender como ocorre o processo de constituição identitária desses profissionais, vou além da descrição dos traços apresentados na primeira seção e realizo uma reinterpretação com base em nova análise, explorando possíveis aspectos semelhantes ou divergentes trazidos pelos pesquisadores na discussão teórica deste estudo. 58 3.1 A abertura das cortinas e as três personagens: características e subjetividades no enredo da autobiografia A seguir, passo a apresentar as autobiografias 17 das personagens desta peça, iniciando pela Ely, depois Gisele e Marisa. Discuto alguns pontos que parecem contribuir para a construção da identidade docente, bem como aponto os fatores que levaram às identificações das professoras. Começo por Ely. “Na realidade eu comecei o curso de Letras por vontade dos meus pais, pois não tinha o menor interesse em sala de aula, mas sabia que o curso poderia me fornecer uma grande bagagem de conhecimentos em diversas áreas. Quanto à minha formação lingüística e profissional na língua inglesa, estudei 5 anos no CCI - Centro de Comunicação Inglesa, aqui de Pontes e Lacerda. Esses aninhos de curso me proporcionaram muito conhecimento e gosto pela língua inglesa. Após terminar o nível avançado, já cursando o IV semestre do curso de Letras, minha professora e também proprietária do CCI, Dani, me convidou a dar aulas para algumas turmas. Como nunca havia trabalhado antes, resolvi aceitar o desafio. Para minha surpresa também fui convidada a lecionar em uma escola particular regular, chamada XV de Abril (para o ensino médio), e então, quando percebi já estava inserida onde eu menos esperava, e estava gostando, rsrsr... O mundo dá voltas! Eu me tornei uma professora por total acaso, ou melhor, por vontade de Deus. Por um convite inesperado que me fez conhecer o mundo docente e a gostar dele. Em relação à minha história, posso dizer que, no início, sentia um certo friozinho na barriga e um pouco de insegurança, que logo foram superados graças aos incentivos e segurança que a Dani me passava. Além disso, ela me dava atenção também sobre as aulas que eu dava na escola XV de Abril, me passava materiais de apoio, trocávamos ideias etc. Assim, aos poucos fui construindo meu estilo enquanto profissional e definindo minha prática pedagógica, e, por conseguinte, ganhado admiração de meus alunos, pais e demais. Hoje posso dizer que tenho uma boa experiência tanto com crianças quanto com adultos, quando lecionei na UNEMAT – Universidade do Estado de Mato Grosso, mas logicamente ainda tenho muito a aprender e a percorrer em minha trajetória docente. Bem, me definir como aprendiz... é meio estranho. Costumo dizer que aprendo enquanto ensino, planejo minhas aulas, procuro algo novo para levar para sala de aula e enquanto ouço os meus alunos. Dessa forma não consigo separar o meu aprender do meu ensinar, pois acredito que as duas coisas são como um casamento perfeito. A única coisa que mudaria, ou melhor, faria com maior frequência é ler e ouvir mais em inglês, bem como falar no sentido de manter comunicação oral, mesmo porque quando nos tornamos professores de línguas, acabamos nos acostumando com: nossas manias, nossas expressões, nosso sotaque etc. Quanto à minha experiência no curso on-line, deixe me ver, como posso explicar isso? Gosto e preciso ter contato direto com, principalmente, “listening and speaking”, mas analisando o curso on-line, está sim dentro do que se propõe a esse tipo de curso. O curso esta sendo bom para 17 As autobiografias foram produzidas no dia 20 de junho de 2010. 59 conhecer mais sobre outros professores da área, trocar experiências e, ao mesmo tempo, nos forçar a aprender como lidar com essa questão das “modernidades” e novas “necessidades” do mundo de hoje. Em relação à minha vida profissional diante do uso da tecnologia, ainda me sinto como um “passarinho em fase de treinamento para o primeiro voo” rsrsrsr.... mas já percebo mudanças em torno dos meios de ensino. Eu sempre pesquisei, utilizei e continuo me munindo de tecnologias como um todo para o meu aprender, agora... para ensinar com o auxilio dela é outra coisa. Preciso me preparar melhor para isso, para essas novas cobranças, sobretudo educacionais.” (Ely) “Como a maioria das pessoas da minha época, o que me levou a fazer Letras foi a falta de opção. Aprendi muito na minha graduação, mas ficaram muitas lacunas. Porque meu curso foi na época em que vários professores estavam saindo para estudar. Depois corri atrás do prejuízo do inglês e fiz um curso na Wizard, pena que só consegui fazer um ano. Tive que mudar de cidade e em Pontes e Lacerda não tinha essa escola. Então não fiz mais nenhum curso. O meu primeiro contato com a profissão foi com a substituição de uma professora, prima do meu marido, com uma 3ª série. A experiência foi muito válida e foi ao mesmo tempo em que eu terminava minha graduação. Logo depois eu prestei o concurso para professora em Jaurú. Fiquei dois anos até conseguir minha remoção. Quando cheguei aqui, o professor que tinha atribuído as aulas pegou todas as aulas de inglês. A partir daí, nunca mais parei, pior, me apaixonei pela disciplina. Como aprendiz eu poderia ser mais dedicada, como professora sou exigente e dinâmica. Meu desejo é ser uma professora que meus alunos pudessem dizer: “Eu consegui porque você me orientou”. Isso seria o ponto máximo da minha realização como profissional. Quanto à minha experiência no curso on-line, eu gostei, aprendi muitas coisas que uma professora, em pleno século XXI, não sabia, mas estou correndo atrás do prejuízo e cada dia que passa aprendo algo novo. Em relação à minha vida profissional diante do uso da tecnologia, percebi a facilidade e rapidez que meus trabalhos foram realizados, sem falar no entusiasmo dos alunos com algo diferente. As aulas se tornaram mais dinâmicas e interessantes. A tecnologia é um estímulo muito útil para o professor.” (Giseli) “Decidi fazer o curso de Letras porque gosto de inglês. Passei a gostar da língua, desde quando eu comecei a fazer o curso de língua inglesa no curso de extensão da Unemat (eu estava com aproximadamente 11 anos). Poderia ter sido melhor. Nada é perfeito e sempre há o que melhorar. Eu nunca fiquei de prova final e nem reprovei, só que nas aulas de língua inglesa, repetiam-se conteúdos, questões gramaticais, que eu estava cansada de saber. Então não gostava da maioria das aulas de inglês. Antes de começar o curso de Letras eu imaginava aulas de nível avançado por se tratar de um nível superior, mas não foi o que aconteceu, não por culpa dos professores. Mas, porque era 60 impossível, pois os alunos que saem do ensino médio não têm muita experiência em língua inglesa e não estão prontos para participarem de aulas avançadas. E outro problema é que os professores efetivos, a maioria estava afastado estudando e a cada semestre era um professor diferente. Então não tinha uma sequência, algumas questões gramaticais eram estudadas duas vezes, outras nenhuma, enfim, não foram as aulas que eu sonhava. Quanto à minha carreira de professora, eu comecei muito cedo, eu estava começando o segundo semestre do curso de Letras, quando peguei 10 salas para trabalhar com língua inglesa, desde ensino fundamental até ensino médio. A minha professora, em quem eu me inspirava e que tenho como exemplo, ensinou-me a fazer meu primeiro plano de aula, pois eu ainda não tinha tido aula de metodologia na universidade. A partir desta primeira experiência fui melhorando aos poucos com meus próprios erros e ainda tenho muito o que melhorar. Sou uma professora apaixonada pela minha profissão. Por isso sou estudante. É impossível ser professor sem ser estudante. Nós aprendemos em sala de aula com os alunos, estudamos para ensiná-los e precisamos estar informados sobre a realidade atual. Minha experiência no curso on-line atingiu as expectativas. Sempre acredito que há o que melhorar, porém, neste semestre sobrecarreguei-me de horas aulas, o que diminuiu meu tempo de estudo. Mas a proposta do curso é ótima e os orientadores também, o que me faltou foi mais tempo. Em relação à minha vida profissional diante do uso da tecnologia, eu acho que muita coisa mudou em pouco tempo, as aulas podem ser mais dinâmicas, sair um pouco do giz e quadro negro. Não temos como fugir mais da tecnologia, mas precisamos lidar com ela. Então, eu espero conseguir lidar com isso em sala de aula. Mas ainda há algumas dificuldades, na escola não tem material suficiente, por exemplo, tem apenas um datashow, isto quando não está estragado. Não temos ainda nossos próprios instrumentos e não podemos confiar em planejar uma aula para usar um certo aparelho, pois ele pode não estar funcionando no dia que você precisa.” (Marisa) Dentre os elementos que contribuem para a construção da identidade das três professoras, fica evidente o processo de inserção não intencional no mundo da docência. Por motivos como falta de opção e de interesse, nenhuma delas queria ser professora, o que gera um fator complexo: o não querer ser e se tornar esse ser. Esse „não querer ser‟ ou „o não desejo‟, como parte da constituição identitária docente, traz muitas implicações para o desempenho da profissão. Por exemplo, na hora de preparar uma aula, preparar um material ou interagir com os alunos, esse „não querer‟ pode tornar tais tarefas complicadas e menos motivantes. Apesar desse „não querer‟, as professoras também demonstram um sentimento positivo, que passa pela ordem da paixão. Num certo momento há um despertar docente ocasionado por uma paixão, ora pelo fato de perceber que é capaz de ser professor, ora 61 porque teve uma experiência bem sucedida com um ex-professor, com aluno, ou ainda mesmo, pelo gosto pela língua inglesa. Desta forma, acontece um processo de identificação em que elas começam a sentir satisfação e se envolvem no ensino da LI. Esse processo é possibilitado pela experiência ao longo da própria docência, pelo apoio e incentivo de outros professores, bem como pela admiração de alunos e familiares. Na vida profissional das personagens, a colaboração, a troca com o Outro é tida como um auxílio fundamental para que o professor possa ter segurança no início de sua prática, o que possibilita que ele construa sua experiência de maneira positiva. As professoras deixam transparecer como sentem satisfação pela profissão, o que indica que as experiências vividas, por serem apoiadas em relações de confiança e colaboração, proporcionaram motivação, prazer por desempenhar sua função, o que consequentemente, resulta em uma prática mais significativa por parte do profissional. Talvez a ausência de redes de aprendizagem estabelecidas no nosso contexto profissional, possa ser uma das razões do sentimento de solidão e de frustração que muitos professores apresentam. As escolhas lexicais apresentadas nas autobiografias das personagens, como o termo „casamento‟, por exemplo, nos dão uma ideia sobre a dimensão da imagem que elas construíram sobre a profissão: Uma relação marcada pelo amor à docência e à LI. Esses sentimentos, de certa forma, contribuem para a constituição profissional, pois despertam um senso de capacidade e de competência pessoal que exercem influências em relação à escolha profissional. Nesse sentido, concordo com Nóvoa (2007) sobre o fato de que as dimensões pessoais do professor estão inter-relacionadas com suas dimensões profissionais. Não há como desconsiderar a vivência, com todas as experiências que o sujeito professor teve ao longo de toda a sua vida, pois são inerentes à sua constituição. Ainda em relação à materialidade linguística, a personagem Ely, ao explicar como se sente em relação à sua vida profissional diante do uso da tecnologia, utiliza metáforas que exprimem a sua representação de principiante frente ao novo contexto de ensinoaprendizagem: “passarinho em fase de treinamento para o primeiro voo”. Essas metáforas parecem significar que ela ainda se sente no ninho, não consegue voar, ou seja, a imagem que ela construiu de si no ambiente digital é de uma professora dependente. Então, a personagem precisa de alguém, de um modelo, necessita ser treinada para conseguir sua independência no contexto digital. Se nos remetermos à natureza, os pássaros não recebem treinamento, mas quando se sentem preparados, pulam e voam. Se ainda não estiverem prontos para voar, caem e se 62 puderem contar com a sorte de se salvar após a queda, tentam novamente. Caso contrário, morrem, pois a natureza é mais cruel, não existe treinamento no ninho. O passarinho aprende pela própria experiência e por ser exposto a ela. Ao se projetar como professora no ambiente digital, a personagem enfrenta o desafio e experimenta sentimentos de insegurança e incompletude, o que parece provocar mais instabilidade na constituição da sua identidade profissional. É justamente a representação sobre seu papel e sua atuação profissional que passa por uma desconstrução, devido à mudança do ambiente presencial para o digital, o que reflete na sua imagem do que é ser professor. Ao se reportar à experiência no curso on-line, a professora Gisele utiliza metáforas que representam um distanciamento do mundo da tecnologia, como se estivesse falando de uma professora que não é ela: “Eu gostei, aprendi muitas coisas que uma professora, em pleno século XXI, não sabia, mas estou correndo atrás do prejuízo e a cada dia que passa aprendo algo novo”. Outra questão que me chamou a atenção foi a sensação que a professora possui por acreditar que está atrasada em relação ao advento das TICs. Então, ela se define como alguém que está “correndo atrás do prejuízo”. No entanto, ela não vai alcançar nunca, porque a tecnologia está sempre em movimento, avança constantemente. Talvez „correr atrás‟ não resolva, mas seria mais apropriado tentar compreender esse caminho que ela está percorrendo na tentativa de se apropriar do pouco de tecnologia que ela consegue. Além disso, a ideia que a professora passa é de que um dia ela vai parar de correr. Assim, seria mais sensato diminuir o ritmo, não correr tanto, mas começar a andar devagar e contemplar o seu caminhar. Ela parece buscar apenas o produto, ao invés de considerar o seu processo de inserção no ambiente digital. Desta forma, o fato de ir em busca apenas do produto, desejar ter um ótimo domínio de todas as tecnologias, parece distanciar a professora do seu objetivo mais importante que é concentrar-se nos princípios e concepções acerca de ensinar e aprender. Tais considerações são até mais relevantes do que a formação para utilizar a tecnologia mais recente. Seria mais adequado não empenhar-se em saber usar apenas as últimas tecnologias do momento sem levar em conta reflexões sobre o processo de ensinoaprendizagem. O nosso objetivo, enquanto formadores de professores, não é que as pessoas fiquem „correndo‟, mas que caminhem compassadamente, olhem para o seu caminhar e aprendam 63 com cada passo que dão, sem a preocupação de alcançar algo, porque esse „alcançar‟ talvez seja inalcançável. Se os professores estiverem pensando que tenham que ser mega updated18, estão enganados. O fato de ser super high tech19 não significa que os professores vão adotar uma postura de ensino não tradicional, inovadora e dinâmica. Também é interessante a metáfora da fuga da tecnologia. Num momento elas estão „correndo atrás‟ para alcançar a tecnologia, em outro estão „fugindo‟ dela para que ela não passe por cima. Essa movimentação, ora no mesmo sentido, ora em sentido contrário, demonstra que a constituição identitária das professoras passa por um processo dinâmico e contraditório. Num determinado período, as professoras estão se constituindo como atrasadas por perceberem a necessidade de correr atrás, logo depois se constituem como vítimas porque a tecnologia pode passar por cima delas, caso não acompanhem o ritmo acelerado em que ela avança. Enquanto isso, deixam de considerar a questão mais relevante nesse caminhar, que não é correr atrás, nem fugir, mas buscar analisar e entender o próprio passo em relação ao contexto global que se apresenta imbricado no contexto local. Outra questão referente à constituição identitária docente no contexto digital, é percebida quando a personagem Gisele descreve a postura que gostaria de ter em relação a esse contexto: Como aprendiz eu poderia ser mais dedicada, como professora sou exigente e dinâmica. Meu desejo é ser uma professora em que meus alunos pudessem dizer: „Eu consegui porque você me orientou‟, seria o ponto máximo da minha realização como profissional. Este excerto nos mostra a representação da professora em relação ao seus papéis de aluna e professora. As metáforas nos apontam uma contradição nos diferentes papeis por ela vividos, enquanto ela assume que não é uma aluna dedicada, ao mesmo tempo ela afirma ser exigente enquanto profissional. Ela sente o desejo de ser uma profissional capaz e completa para que possa receber o reconhecimento de seus alunos. Ainda é relevante destacar que o fato de as professoras vivenciarem a situação de alunas no curso on-line pode ter interferido na construção identitária delas. Essa mudança de papéis é uma questão complexa, pois o fato de serem professoras e viverem um momento de aluno traz alterações na identificação profissional delas. Por outro lado, talvez por viver a experiência de aprendiz seja interessante para que o professor compreenda melhor as necessidades e característica pessoais dos alunos. 18 19 Ser Mega updated significa ser alguém super atualizado em relação à tecnologia. Ser alguém super high tech é ter domínio da alta tecnologia. 64 Nas autobiografias também percebi que as professoras construíram suas imagens profissionais espelhando-se nos modelos de suas ex-professoras de LI. Isso acontece porque nos constituímos profissionalmente a partir das experiências vividas e das pessoas que passam por nossa vida escolar e acadêmica, que acabam nos influenciando de forma positiva ou negativa. Ainda aparece outro elemento nestas autobiografias, o dano educacional (TELLES, 2004). Ao narrar sobre suas histórias de formação linguística e profissional, as personagens demonstram um sentimento de insatisfação e frustração, devido ao fato de que o curso de Letras não correspondeu às suas expectativas. Assim, incorporaram na sua constituição identitária profissional essas experiências negativas vividas na aprendizagem de LI na graduação, que podem influenciar sua prática pedagógica. Sob a ótica de Wojecki (2007, apud Assis-Peterson & Silva, 2010: 165), “práticas de aprendizagem dolorosas (wounding learning practices) marcam profundamente as identidades de aprendizes e, consequentemente, de professores de línguas.” Desta forma, além de não proporcionar a aprendizagem da LI, muitas vezes, o curso de Letras não propicia o espaço adequado para a constituição identitária dos futuros docentes. Além de fornecer espaços colaborativos para a reflexão de questões relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem, à prática docente e à linguagem, o curso de Letras, como formação inicial do futuro professor é responsável por promover condições para discutir elementos do campo pessoal, relacionados à subjetividade do docente pré-serviço. A identidade docente precisa ser pensada como algo primordial no desenvolvimento profissional do professor. Neste sentido, a universidade seria o lugar ideal para que essa reflexão ocorresse. Haja vista que o desenvolvimento da identidade profissional – a autoimagem do que é ser professor, também decorre das identificações que esses profissionais constroem no decorrer do curso de graduação, as experiências vividas durante a formação inicial podem provocar deslocamentos nas representações que os professores possuem a respeito de si próprios, do processo de ensino-aprendizagem e da língua-alvo. 65 3.2 Os traços característicos e o processo de constituição da identidade profissional das professoras Inicialmente, procedi à seleção dos temas mais recorrentes, presentes nas narrativas das professoras, para possibilitar as respectivas respostas às questões que norteiam essa pesquisa: Que traços predominantes podem revelar o processo de constituição da identidade profissional dos professores de inglês ao participarem do curso de formação continuada em ambiente digital? Como ocorre o processo de constituição da identidade profissional dos professores de inglês da rede pública no decorrer de um curso de formação continuada em ambiente digital? Ao ponderar as motivações e razões das professoras de LI para participar do curso de Formação Continuada on-line, encontramos aspectos diversos como: a insegurança na utilização das TICs no ensino-aprendizagem, o desejo de trocar experiências profissionais, a busca pela fluência no idioma, a organização do tempo e a falta de disciplina, bem como a falta de oportunidades de cursos na área de Linguística Aplicada com foco na formação continuada de professores de LE, mais especificamente cursos em ambiente digital. É interessante que as professoras buscaram no curso on-line questões que não são exatamente pertinentes apenas ao ambiente digital, como é possível observar a partir dos temas apresentados nas entrevistas narrativas. Passo então a apresentar os temas que apareceram no discurso das três personagens desta pesquisa de modo geral. Em seguida, passo a discorrer sobre as categorias propostas por Nóvoa (2007): adesão, ação e autoconsciência, que caracterizam o processo de (re)constituição identitária das professoras de forma individual. Finalmente procedo à discussão dos dados, em que procuro compreender como ocorre o processo de constituição da identidade profissional dos professores de inglês em ambiente digital. É pertinente retomar que quando falo de tema, apoio-me nos estudos de Riessman (2008) em relação à análise temática de narrativa, na qual o conteúdo é o foco exclusivo, ou seja, são analisados os temas evidenciados no corpus com ênfase na investigação sobre “o que” é dito. 66 3.2.1 Ato I: A troca de experiências com o Outro Um dos traços característicos da constituição identitária profissional das professoras de LI é a troca de experiências com os colegas professores acerca da prática de ensino de LI. O visível desejo de entrosamento pode surgir devido a um sentimento de solidão, o que faz com que as professoras sintam a necessidade de ter maior convivência com outros profissionais da área, com vistas a crescer profissionalmente. Pude observar que antes do início do curso a professora Ely apontava seu trabalho como algo mais individual e isolado, pois ela relata a possibilidade de ter um contato maior com os outros professores quando afirma: Primeiro porque quando surgiu esse curso, eu acho assim, a gente precisa praticar e a gente não pratica a língua, é só aquilo na sala de aula, pesquisa em livro e na sala de aula. Eu acho que é bom ter esse entrosamento com os outros professores, ai a gente tem aquele contato e é gostoso isso, você aprende mais, aquela troca de experiência, isso ajuda muito no meu trabalho (Entrevista narrativa I, março de 2010). Esse sentimento também fica claro na narrativa da personagem Gisele, que exprime a sua necessidade de interagir e trocar experiências práticas com outros professores da área, com o objetivo de melhorar a prática pedagógica, conforme o excerto a seguir: Outra coisa é a troca de experiência quando você tem contato com os outros professores da mesma área. Eu espero além do certificado, aumenta o conhecimento, a experiência mesmo, porque a gente sozinha é difícil, porque a língua inglesa querendo ou não no ensino público ela é complicada, é bem restrita a forma de a gente trabalhar, e tendo contanto com outros professores às vezes a gente troca uma ideia, conversa pra ter novas ideias e tem expectativas de melhorar o trabalho, cada vez mais tá melhorando o trabalho, tenho muita insegurança ainda (Entrevista narrativa I, março de 2010). Tais sentimentos de solidão e desejo de entrosamento, até mesmo de pertencimento, são percebidos nas experiências relatadas pelas professoras. A solidão talvez seja uma das variantes que pode fazer com que alguns professores desistam da profissão, não tendo outras pessoas para dialogar, trocar experiências, acabam sentindo-se isolados e não prosseguem na carreira docente. 67 Estes mesmos sentimentos da personagem Gisele são compartilhados por Marisa que demonstra seu interesse pelo intercâmbio de experiências, via aprendizagem coletiva, para aperfeiçoar a prática de ensino em sala de aula: “Em busca de trocar experiências com outros professores para melhorar a prática” (Entrevista narrativa I, março de 2010). Isso significa que a relação com o Outro é imprescindível, pois além do intercâmbio de conhecimento e da aprendizagem coletiva, esse contato gera um certo conforto e sensação de pertencimento ao grupo, à coletividade. Precisamos do Outro para construir nossas identificações pessoais e profissionais. Sem esse contato próximo com o Outro seria como ser um professor sozinho, o único professor de LI na face da terra. Isso nos mostra que somos constituídos em relação ao Outro, o que Hall (2005) propõe em relação à construção das identidades. Segundo o autor, esse processo ocorre por meio de identificações construídas pelo indivíduo simultaneamente aos processos de transformação sócio-cultural. Assim, ao identificar-se com as representações do mundo, de si mesmo e do outro, construindo a sua realidade social e a cultura, o sujeito produz sentido e constrói sua identidade. 3.2.2 Ato II: A falta de fluência na língua-alvo Outro aspecto que é trazido à tona na entrevista inicial com as professoras de LI é o medo da falta de fluência na língua-alvo, o que nos mostra uma aparente insegurança por parte das professoras quanto à prática delas em sala de aula. Verificamos isso conforme os fragmentos da fala de Ely, nos quais ela evidencia suas motivações para fazer o curso: Eu prefiro a questão oral, por que eu acho que isso é o que me faz mais falta, a oralidade. Então assim, eu acho que o principal motivo foi isso, querer aprender mais, e ao mesmo tempo aproveitar, porque é diferente, é on-line, pra vê como é, e pra crescer na língua inglesa (Entrevista narrativa I, março de 2010). As professoras indiciam uma grande preocupação pela falta de fluência na LI e ainda possuem a imagem de que aprender língua é falar fluentemente. Podemos perceber, na fala da Gisele, a incessante busca pela boa proficiência linguística e o sentimento de frustração por não obtê-la, nesses dois excertos: O primeiro interesse assim, logo de cara é devido à língua inglesa, e eu ainda tenho muito que aprender e também que eu nunca fiz um curso a distância. (Entrevista narrativa I, março de 2010). O meu sonho mesmo, eu gostaria de ser aquela professora de inglês em que eu chegasse aqui e poderia falar com qualquer um em inglês, 68 eu não teria dificuldade. Só que acaba acontecendo uma coisa, acontecendo outra e isso acaba atrapalhando e aí eu vejo que não consigo alcançar o plano que eu queria e isso me deixa muito triste. Melhorar o nível de língua inglesa, eu já percebi que eu, de um tempo pra cá, agora que comecei a pega a coisa de novo, foi um tempo que eu fiquei parada demais, e isso me prejudicou (Entrevista narrativa II, maio de 2010). Ainda pude constatar esse tema na narrativa de Marisa, um dos mais comuns nas narrativas das professoras participantes do curso, que é o desejo pelo domínio da linguagem oral, quando ela relata suas motivações para participar do curso: “Em busca de trocar experiências com outros professores para melhorar a prática o objetivo mesmo em sala de aula, dinâmicas, metodologias, contextualizar a aula, num assunto bem atual e aperfeiçoar o inglês”. (Entrevista narrativa I, março de 2010). Considerando o nível de LI dos participantes, conforme a própria fala delas nas narrativas, Ely e Marisa têm um nível intermediário, enquanto Gisele está no básico. Parece que apenas a última está mais preocupada com o seu desempenho linguístico. Isso não significa que não seja importante buscar obter mais conhecimento linguístico e discursivo, mas que não é somente a questão de fluência que precisa ser considerada no desenvolvimento profissional do professor. As participantes desconsideram elementos indispensáveis para uma melhor preparação para atuar no ambiente digital de ensino e aprendizagem, como o que Sharma & Barrett, (2007) apontam entre os muitos saberes e competências que o professor necessita aprender, como uma boa aptidão para pesquisar a Web, para criar atividades com textos e gravuras, para avaliar materiais extraídos da Web, utilizar quadros interativos e criar apresentações em Power Point, bem como conectar um datashow a um computador para realizar uma apresentação em sala de aula, aprender a manusear as ferramentas para criar material on-line e utilizá-lo. Além disso, os autores citam que o professor precisa ter uma formação crítica para utilizar as TICs de forma produtiva, para explorar as possibilidades de reflexão sobre questões sociais, mostrar as ideologias que permeiam os textos e os discursos, criar condições que favoreçam a produção colaborativa de conhecimento, atribuir significado para a utilização dos recursos dos ambientes digitais, através da criação e recriação de estratégias pedagógicas adequadas às necessidades e ao contexto dos alunos, bem como através da avaliação e escolha dos materiais didáticos utilizados. Contudo, a ênfase na insegurança por não dominar bem o idioma representa como 69 as professoras constituem suas identidades profissionais fundamentadas no sentimento de incapacidade, pelo fato de terem construído a imagem de um professor de LI como um falante ideal, ou falante nativo da língua. Talvez as identificações delas sejam pautadas no modelo de professor que tem a obrigação de dominar tudo, ou seja, ser um verdadeiro “detentor do saber”. 3.2.3 Ato III: A insegurança frente ao desconhecido Outro traço característico da construção da identidade profissional no decorrer do curso on-line é a insegurança. A utilização das TICs no cotidiano das professoras representa algo complexo, pois ainda existe pouca familiaridade, certo receio referente ao novo, bem como resistência ao ensino a distância. Isso parece evidente na forma que Ely relata o contato com a parte on-line do curso: Olha, a gente sente um pouquinho de dificuldade e um pouquinho de medo quando não estamos acostumados a usar as TIC, eu fiz o blog, não entrei mais, então é aquilo que a gente não esta acostumado. Isso é uma coisa nova, a gente tem que começar a costumar a usar mais e eu espero assim, que no futuro, eu use mais, mas por enquanto eu sinto que estou tendo um pouquinho de barreira. Até eu preferia mais se fossem só os encontros presenciais, mas é o novo, e quando é novo, a gente fica com esse medo (Entrevista narrativa I, março de 2010). A professora Gisele, ao contradizer-se, aparenta estar insegura em relação ao uso das TICs com seus alunos, pois num primeiro momento ela o descreve como algo positivo e diferente e diz que os alunos gostaram. Porém, no segundo excerto já afirma que os alunos “querem sempre aquela aula presencial”. Ressalta também que terá dificuldades em se adaptar com a utilização das TICs em atividades extraclasse, conforme o excerto: Eu acho que eu seria bem dinâmica, do pouco que eu já usei, eu comecei com 8ª série, foi bem legal. Eles também gostaram, porque foi diferente. Até teve alguns alunos de outras séries que estavam na porta que passaram: Ah, mais porque que com a gente não tem isso? Você vê que chama a atenção, você vê que é diferente, então eu acho que eu seria bem dinâmica (Entrevista narrativa III, junho de 2010). Eles não estão vendo o on-line como uma aula, eles querem sempre aquela presencial. A minha maior dificuldade vai ser essa também, de me reeduca em sala de aula com os alunos pra eles fazerem tarefas e atividades fora de sala, além disso, eu vou ter que ter mais um agravante, porque, por exemplo, eu vou ter aluno que nem computador tem, então, 70 ele vai ter que estar indo na escola, usando o laboratório da escola (Entrevista narrativa III, junho de 2010). A personagem Marisa também compartilha do sentimento de insegurança das demais personagens. Parece que o fato de interagir com seus alunos via computador, sem estar face a face, não lhe agrada muito. Podemos perceber isso no fragmento de sua fala: “A não presença física da pessoa muda muita coisa, porque você estando ali com o aluno, eu adoro estar com meus alunos, então pra mim seria difícil me adaptar a esse curso a distancia com meus alunos”. Nesse excerto, parece que a personagem Marisa ainda não consegue lidar muito bem com a restrição física no ambiente digital. A forma diferenciada de interação entre professor e aluno nesse ambiente, consoante Kleiman e Vieira (2006), envolve outros elementos que não fazem parte do ambiente presencial, como a “concepção de tempo e espaço”, o que influi no comportamento do sujeito e, consequentemente, na constituição das identidades pessoais e profissionais. Isso explica o estranhamento da professora ao visualizar sua atuação no ambiente de ensino-aprendizagem digital. Esse traço indica que, ao mudar o contexto de ensino-aprendizagem, o professor sente certa apreensão, o que pode influenciar sobre a construção da sua identidade profissional, que ocorre de forma multifacetada, deslocada e fragmentada. Nesse sentido, concordo com Hall (2005) em relação ao fato do „ser professor‟ passar por uma „crise de identidades‟. Enquanto as TICs desencadeiam outros valores e padrões sociais, o profissional professor necessita passar pela reculturação, reestruturação e reorganização temporal20. Nessa fase de adaptação é que o sujeito entra em crise, pois surgem elementos que desestabilizam o seu eu, possibilitando outras formas de subjetividades e, consequentemente, desestabilizando e fragmentando sua identidade. Reculturação é o “processo de desenvolvimento de novos valores, crenças e normas que envolve a construção de novas percepções de instrução e novas formas de profissionalismo para os professores”. Reestruturação são as “mudanças nos papéis, estruturas e outros mecanismos que possibilitam o desenvolvimento de novas culturas”. A reorganização temporal é a “nova forma de estruturar o tempo no cotidiano escolar, com mais eficiência para o processo de mudanças” (FULLAN, 1996:422 apud JESUS, 2007:13). 20 71 3.2.4 Ato IV: A organização do tempo e a disciplina As professoras demonstraram ter problemas de ordem temporal e organizacional, pois alegavam a falta de tempo para realizarem as atividades do curso. Isso nos induz a compreender que não possuem ainda a disciplina e a responsabilidade que necessitam ter para fazer cursos em ambiente digital. De acordo com os dois excertos abaixo da fala de Ely, parece ficar evidente a falta de organização e disciplina: Eu acho que eu to meio assim, meio relax, com falta de tempo, não estou me dedicando muito, eu até estou com um pouco de medo de falar alguma coisa, os questionários que eu respondo, é tudo no último momento. Então assim, eu sempre chego em casa cansada, então esta me faltando um pouquinho de tempo também (I reunião com o grupo de professoras participantes do curso de formação continuada on-line, abril de 2010). Eu acredito que vai realmente melhorar o meu lado profissional, eu preciso de mais disciplina, o curso ok, ele tá aí pronto pra mim, eu que tenho que me prepara mais pra ele (Entrevista narrativa I, março de 2010). No excerto seguinte, a professora Gisele expõe sua dificuldade em relação à questão da organização do tempo e disciplina: Na minha opinião, pra mim ainda não esta sendo 100%, mais por motivo meu, devido a correria, o tempo, uma loucura danada, e você tem que realmente ser disciplinado ao extremo. No meu ver é assim, o conteúdo é legal, faz você correr atrás, faz você ter que se esforçar, mas também tem que ser disciplinado (Entrevista narrativa I, março de 2010). Marisa, no fragmento seguinte, destaca a desvantagem em relação ao tempo. No entanto, ela já percebe mudanças positivas no decorrer do curso on-line: Eu acho que estou melhorando em relação a mexer mesmo com a tecnologia, a Internet e tal. Melhora muito, porque igual você faz cursos de computação essas coisas, e depois não põe em prática, ai acaba não usando muito e não tem muito tempo e tal, e quando faz um curso online você precisa, não tem como correr, você acaba usando, praticando e ai vai melhorando, eu acho que eu melhorei bastante até agora (Entrevista narrativa II, maio de 2010). As três personagens puderam perceber a diferença da questão espaço-temporal no processo de ensino-aprendizagem no ambiente digital. Apresentaram dificuldades de adaptação, mas foram determinadas e acabaram conseguindo realizar as atividades do curso. Elas venceram esse impasse na reculturação, sendo bem sucedidas em relação à 72 disciplina e organização do tempo para se dedicar ao curso on-line, apesar de terem demorado um pouco para começar a interagir nas listas de discussão. Isso significa que fora iniciado o processo de letramento digital, o que revela mudanças positivas na capacitação para a docência on-line. Esses traços de adaptação e organização são constitutivos da identidade profissional das participantes no decorrer da experiência que vivenciaram no ambiente digital. Isso nos indica que os fenômenos sociais como o advento das TICs trazem efeitos diversos sobre a personalidade do sujeito, o que implica em um eu em constante reformulação. Tais traços corroboram com a visão dos autores mencionados no referencial teórico deste estudo, ao confirmar que é impossível definirmos as identidades como constituídas de maneira fixa e imutável. Somos indivíduos influenciáveis, provenientes desse complexo contexto sóciohistórico e mudamos a cada nova experiência vivida. Nesta pesquisa, pude perceber como o global reflete no local, ou seja, as participantes são influenciadas pelo fato de desejarem usar as tecnologias e os propósitos de ensino globais no contexto de ensino local delas. 3.2.5 Ato V: O desejo de inserção no ambiente digital No momento da segunda reunião presencial, percebi que as professoras já estavam um pouco mais familiarizadas com a noção de tempo e espaço. Contudo, demonstraram estar desapontadas com a falta de capacidade frente ao ambiente digital. Ao relatar os objetivos que pretendia alcançar com o curso de formação continuada on-line, Gisele demonstra ansiedade para desenvolver o seu letramento digital. Podemos perceber isso nas suas palavras: Interagir cada vez mais com a tecnologia, com o ambiente digital e estar sempre em contato com a língua. Ao final do curso, pretendo principalmente tentar alcançar o objetivo que é o contato melhor com a tecnologia digital. A questão da tecnologia tá aí, pra todos, e temos que nos adequar a isso. Não tem outro jeito, é isso mesmo e vamos lá. [...] Em relação à questão da informática e da tecnologia estou iniciando ainda, então, to num processo bem inicial mesmo, não tenho muito contato. Mas no final do curso, creio que já vou estar mais inteirada, por isso a gente tá aí sempre na batalha, tentando se adequar na realidade de hoje (II reunião com o grupo de professoras participantes do curso de formação continuada on-line, maio de 2010). No excerto seguinte da fala da Ely, entre os objetivos que ela pretende alcançar está o de construir competências relacionadas à tecnologia: 73 Eu almejo ser fluente e realmente ter domínio sobre o que tá à volta, sobre linguística, sobre cultura, sobre tudo relacionado às tecnologias, porque precisa e vai precisar mais ainda, então eu preciso disso, a fluência na língua, preciso de me preparar melhor, e principalmente quanto à tecnologia, que realmente é o campo que eu mais deixo a desejar, porque as únicas coisas que eu mexo são os artigos, outro material mais acessível, direto no Google, então precisa de mais um ensaio (Entrevista narrativa II, maio de 2010). A professora Ely demonstra um forte desejo de dominar a língua-alvo, os conhecimentos de Linguística Aplicada, bem como desenvolver habilidades para lidar com a tecnologia em benefício da prática profissional. Marisa também expõe sua preocupação quanto ao aperfeiçoamento das suas habilidades com a tecnologia, bem como parece pensar nas TICs como uma possível solução para adequar suas aulas ao contexto sócio-histórico, conforme os excertos a seguir: Nesses últimos anos que a gente vem se preocupando com essa questão de parar de usar só o quadro negro e o giz e tentar buscar essas tecnologias porque as crianças já vêm com isso da vida, do cotidiano e daí eles não querem mais saber daquela aula tradicional, e isso leva a essa preocupação, ai por isso que eu fiz esse curso. [...] a gente não tem como fugi mais da tecnologia e tem que lidar com isso, então eu espero conseguir lidar com isso em sala de aula (Entrevista narrativa III, junho de 2010). Essa preocupação mostra que as professoras estão adquirindo consciência sobre suas responsabilidades no atual contexto educacional. Elas começam a perceber que não podem mais adiar o domínio das ferramentas tecnológicas e da Internet para utilizá-las em benefício do processo de ensino-aprendizagem. Essa identificação seria construída devido às influências do contexto sócio-histórico contemporâneo, em que o advento das TICs é inevitável e, por sua vez gera transformações na subjetividade do ser professor. Segundo Hall (2005:106), a construção das identidades ocorre por meio de um processo de identificação que é variável, contínuo e inacabado, podendo ser mantido ou recusado. É um processo de articulação, uma suturação ao desenvolvimento das transformações sócio-culturais, que sempre ocorre de modo “demasiado” ou “muito pouco”. Isso significa que o sujeito produz sentido e constrói sua identidade ao identificarse com as representações do mundo, de si mesmo e do outro, construindo a sua realidade social e a cultura. 74 Além das identidades serem influenciadas pelo processo sócio-histórico e cultural, o sujeito dividido convive com identidades diferentes, múltiplas, desempenha várias identidades no seu contexto cotidiano, sendo que elas podem entrar em contradição ou serem antagônicas. No contexto do curso em ambiente digital, as professoras assumiram traços identitários diversos em relação ao uso das TICs, como desejos, medos, expectativas, enfrentamento e superação. Porém, todos esses traços fazem parte de um todo, que é a identidade das participantes do curso on-line, o que constitui o self delas. Dessa forma, mesmo possuindo múltiplas identidades, que são diferentes, que precisam adaptar-se de acordo com a necessidade e com a comunidade em que estiver interagindo, o mesmo self é constituído por vários traços diversificados, que formam suas respectivas identidades. Nesse sentido, ainda é pertinente retomar a descrição de Bauman a respeito do contexto contemporâneo em que vivemos. O autor utiliza os termos „líquido‟ e „fluido‟ pelo fato de que tudo está em constante movimento, infinitamente dinâmico, como nossas identidades. Assim, as identidades “não fixam o espaço nem prendem o tempo, [...] são fotos instantâneas, que precisam ser datadas” (BAUMAN, 2001: 08). Isso equivale a dizer que as identidades apenas são únicas, exatamente em cada momento, situação específica ou contexto vivido, ao passo que são extremamente cambiáveis, por mudarem a cada nova experiência, que por menor que seja, traz repercussões identitárias para o indivíduo. 3.2.6 Ato VI: A incompletude do sujeito professor Entre as temáticas presentes nas narrativas, parece que há sempre um desejo inalcançável, pois as professoras permanecem no querer. Isso é percebido na fala de Ely, quando ela justifica a sua decisão em fazer o curso e cita suas motivações: Eu acho assim, a primeira coisa, aqui tem pouca opção, na realidade não tem opção de curso, então o que aparece a gente tem que se interessar de alguma forma, mesmo não dominando muito bem os espaços on-line, a gente tem que aprender aos poucos. Então assim, eu acho que o principal motivo foi isso, querer aprender mais, e ao mesmo tempo aproveitar, porque é diferente, é on-line, pra vê como é, e pra crescer na língua inglesa (Entrevista narrativa I, março de 2010). A incompletude é caracterizada neste excerto da fala de Ely, pelo fato de ela afirmar enfaticamente a necessidade de ter que se interessar, ter que aprender, querer 75 aprender mais, como se existisse um enorme vazio que por ser tão imenso ela demonstra tamanha incompletude e anseio em preencher. Essa constante incompletude aparece também na narrativa da Gisele, quando ela descreve seu desejo pelo domínio da LI, de acordo com esses excertos: O meu sonho mesmo, eu gostaria de ser aquela professora de inglês em que eu chegasse aqui e poderia falar com qualquer um em inglês, eu não teria dificuldade. Só que acaba acontecendo uma coisa, acontecendo outra e isso acaba atrapalhando e aí eu vejo que não consigo alcançar o plano que eu queria e isso me deixa muito triste. [...] Melhorar o nível de língua inglesa, eu já percebi que eu, de um tempo pra cá, agora que comecei a pega a coisa de novo, foi um tempo que eu fiquei parada demais, e isso me prejudicou (Entrevista narrativa II, maio de 2010). Marisa deixa transparecer seus desejos de mudança, atualização e aperfeiçoamento profissional nos próximos excertos retirados das três narrativas: A gente busca sempre melhorar, porque nunca estamos prontos nem perfeitos, sempre cada dia é uma preocupação diferente, cada dia uma novidade diferente. Nem sempre você consegue estar acompanhando as mudanças da tecnologia, sempre tá faltando. Eu espero alcançar esses meus objetivos de mudança de melhorar minhas aulas, na pratica, no dia-a-dia, nas dinâmicas, a metodologia mesmo, uma gramática bem contextualizada e falando de assuntos atuais, coisas que interessam os alunos. A minha preocupação do lugar onde eu quero chegar é tentar nessas aulas trazer mais para a realidade, porque a realidade do dia a dia é a tecnologia, então, colocar essas minhas aulas na realidade, atualizar mesmo. Então eu quero ser alguém mais dentro da atualidade, utilizando mais os recursos, porque hoje já tem outras coisas, o CD player não tem mais tanta utilidade. Por mais que os alunos não tenham o computador, eles conseguem o acesso de qualquer jeito, ou na lan house, ou na escola ou usam o computador do amigo. (Entrevista narrativa III, junho de 2010). A incompletude parece estar marcada aqui pela utilização da metáfora lugar onde quero chegar, como se esse lugar fosse tão distante, e como se a realidade de mundo da professora estivesse muito aquém da realidade que ela deseja fazer parte. Esses traços de incompletude e desejos de desenvolvimento profissional podem ser desenvolvidos pela representação que as professoras construíram sobre o que é ser um bom profissional professor e sobre as competências e habilidades que precisam possuir. Esse 76 sentimento de se atualizar, buscar sempre fazer tudo que for possível para aperfeiçoar sua prática pedagógica, acaba provocando frustração no ser professor. Isso acontece porque construíram na sua experiência de aprendiz, pelas vivências que tiveram com os seus professores, uma concepção de professor que tenha o domínio do saber, para que seja capaz de responder qualquer pergunta que seus alunos fizerem. Esse traço constituinte da identidade profissional remete-nos à discussão de Hall (2005:110), de que o sujeito procede em construir o que é – sua identidade na “relação com o Outro”. Nesse processo, vêm à tona elementos diferentes, surgindo então um sentimento de “falta” no sujeito a partir de seu “exterior constitutivo”. Dessa forma, pelo fato de as identidades serem relacionais e construídas “na diferença ou por meio dela, sendo constantemente desestabilizadas por aquilo que deixam de fora” (HALL, 2005:111), os indivíduos assumem determinadas identidades que lhe são impostas por serem representações criadas mediante uma “falta”. Isso nos explica o desejo das professoras em atingir um maior crescimento profissional. A partir do que vivenciaram como aprendizes e profissionais no contexto educacional desde a infância, construíram a sua identidade profissional. Nesse movimento de reconstituição constante essas identidades entram em choque, gerando um conflito pessoal por não se sentirem completamente prontas para atuar profissionalmente como pensam que seja necessário. Aparentemente, persistem nesse sentimento de incompletude por não serem capazes de alcançar o padrão imaginário do que é ser um bom profissional, o que realmente é improvável, pois ninguém pode atingir essa perfeição e dominar todo o conhecimento que está sendo construído pela humanidade. As professoras, como sujeitos socialmente integrados, constroem suas identidades através de um processo de identificação com as representações construídas nas práticas discursivas, a partir das interpretações dos sujeitos de sua realidade social (HALL, 2005). Isto é, as três personagens participantes do curso de formação continuada em ambiente digital, inseridas em outro contexto social educacional, passam a reconstituir-se identitariamente, por meio das identificações que são criadas por elas nas interações – nesse caso através das narrativas de suas histórias de vida e autobiografias, de acordo com o ponto de vista das demais pessoas que integram o mesmo contexto profissional. Ainda pude perceber que as identidades estão relacionadas, conforme Hall (2005: 109), com “quem nós podemos nos tornar, como nós temos sido representados e como essa representação afeta a forma como nós podemos representar a nós próprios”. Isso justifica a 77 relação estabelecida entre os traços identitários que as professoras apresentaram em suas narrativas. Acreditam que podem vencer os obstáculos da atuação profissional no ambiente digital e se empenham por isso, mesmo enfrentando dificuldades oriundas da falta de familiarização com as TICs para se tornarem capazes de exercer a docência nesse outro ambiente. Além disso, o fato de serem geralmente representados na nossa sociedade como profissionais tradicionais, ultrapassados, que na maioria das vezes não contribuem com a formação dos alunos, está relacionado a uma busca excessiva por crescimento profissional, a uma preocupação com a adequação da sua prática pedagógica em relação às necessidades de formação do indivíduo que o contexto sócio-histórico contemporâneo requer. Todos esses fatos influenciam na autoimagem de professor, nas suas representações acerca do seu perfil profissional, desencadeando outras subjetividades e gerando identidades multifacetadas, em processo infinito de reconstrução. 3.3 Discussão e interpretação A partir da singularidade do enredo de cada personagem inserida no cenário digital, busquei interpretar e recontar as experiências vividas pelo profissional professor. Por meio desses percursos, tentei narrar o significado que a experiência no ambiente de ensinoaprendizagem digital teve para as participantes com intuito de compreender como as identidades profissionais foram constituídas. A análise das narrativas evidenciou os três elementos que caracterizam o processo de (re)constituição identitária do professor, apontados por Nóvoa (2007): adesão, ação e autoconsciência. A adesão significa que o professor adere a determinados valores e princípios. A ação se dá através de decisões pessoais e profissionais que norteiam o trabalho docente, enquanto a autoconsciência é desenvolvida através do processo de reflexão, que traz mudança e inovações pedagógicas. Gisele, na primeira narrativa, explicou que ainda não tinha se dedicado como deveria ao curso on-line, mas na segunda narrativa já apresentou no seu discurso características que indicam adesão às novas formas de ser professor de LI, como a percepção de sua falta de habilidade em lidar com as TICs e a possibilidade de utilizá-las na sua prática de ensino, conforme esses fragmentos: [...] pra mim ainda não está sendo 100%, mais por motivo meu, devido a correria, o tempo, uma loucura danada, e você tem que 78 realmente ser disciplinado ao extremo (Entrevista narrativa I, março de 2010). Eu nem tinha e-mail, na verdade nem tinha Internet, depois da última reunião eu corri lá na Sisproel e mandei coloca Internet na minha casa. [...] descobri que eu sou uma dinossaura, pré-histórica, ai depois, mas é aquela coisa, você vai mexendo, vai mexendo, até que vai aprendendo, tanto é que agora eu já vou ter retorno do curso, fui convidada pra ser professora de um outro curso on-line [...] Então, tá sendo interessante, porque eu ainda tenho que mexe em muita coisa ali, eu quero aprende a lida mais com a tecnologia, e se Deus quiser, a partir do 3° bimestre eu já vou tá trabalhando com meus alunos de uma maneira diferenciada. [...] eu queria vê se eu conseguia trabalha com eles de uma maneira mais on-line. Então assim, o curso também me deu ideias, eu não sabia como trabalhar exatamente, e ai esse curso foi legal por causa disso, ele me deu essas ideias (Entrevista narrativa II, maio de 2010). A ação é indicada na terceira narrativa, em que Gisele descreve algumas decisões pessoais e profissionais que pretende colocar em prática em breve, ainda descreve a sua representação como professora em ambiente digital: [...] foi uma maneira de ver uma outra metodologia pra trabalhar com os alunos, uma outra ferramenta que eu aprendi a usar, vai ter todo um remanejamento pra cada faixa etária, pra cada passo, mas da pra você utilizar pra trabalhar diferente, e talvez também de uma maneira que chame mais a atenção dos alunos. Eu percebo uma mudança sim, porque principalmente com o curso que foi uma unidade seguida da outra principalmente, aumentou um pouco mais o meu conhecimento na área, muita coisa que eu não sabia eu aprendi. Eu acho que eu seria bem dinâmica, do pouco que eu já usei, eu comecei com 8ª série, foi bem legal. Eles também gostaram, porque foi diferente. Até teve alguns alunos de outras séries que estavam na porta que passaram: „Ah, mais porque que com a gente não tem isso?‟ (Entrevista narrativa III, junho de 2010). A autoconsciência é perceptível quase ao final da terceira narrativa, realizada após o término do curso, em que Gisele demonstra um processo de reflexividade 21 sobre seu “Capacidade de voltar sobre si mesmo, sobre as construções sociais, sobre as intenções, representações e estratégias de intervenção. Supõe a possibilidade, ou melhor, a inevitabilidade e utilizar o conhecimento à medida que vai sendo produzido, para enriquecer e modificar não somente a realidade e suas representações, mas também as próprias intenções e o próprio processo de conhecer” PÉREZGOMEZ (1999: 29). 21 79 papel de professor no ambiente digital, que resulta em um princípio de mudança em sua prática pedagógica. No caso do papel, eu acho que só aumentou ainda mais a responsabilidade, a responsabilidade e também a questão de ter que procurar mais, estudar mais, porque, é igual todo mundo fala, quando você fala em tecnologia esses meninos batem de 10 a 0 em nós. Só que tem algumas coisas que eles sabem mexer, mas quando se trata pra estuda, pra procurar coisas nesse sentido eles ficam mais atrás, eles não tem maturidade. Então é aonde que eu vi que tem que ter um encaixe, e esse encaixe ai é que vai ser o mediador, que é o professor. Então é ai que a responsabilidade aumenta, porque além de você ter que também repassar o que você conhece, você também tem que ficar atento quanto ao que mostrar pra eles, tirar da cabeçinha deles que a tecnologia é só pra brincar, pra conversar, pra tirar fotos; que ela serve também pra outras coisas, como aprender de forma mais significativa. [...] sair um pouco daquele meio, trabalhar um pouco mais com expressões, e com coisas que vão ser mais úteis e não só mecânico. E eu acho que dentro da tecnologia fica mais fácil, do que só com livro ou só com algo impresso, eu acho que fica mais fácil e mais rápido também. E vai me auxiliá na preparação da aula, e em tomar a iniciativa (Entrevista narrativa III, junho de 2010). Marisa demonstra sua adesão a novos valores ao afirmar que pretende inserir-se na cibercultura, pelo fato de desejar ser capaz de utilizar a tecnologia em sala de aula. Além disso, relata ter outra concepção de correção de erros, conforme esses excertos de sua narrativa: E eu ainda acredito que eu precise de instruções básicas mesmo, de como utilizar, preciso continuar fazendo mais cursinhos para a orientação. E com este curso, que também esta me ajudando bastante, então eu acredito que vai ser uma grande mudança. Essas pesquisas que discutimos no curso a gente leva pros alunos, é bem interessante, e nas aulas geralmente não acontece mais a correção no quadro igual era antes, então, a gente não tem como fugi mais da tecnologia e tem que lidar com isso, então eu espero conseguir lidar com isso em sala de aula (Entrevista narrativa III, junho de 2010). A ação, na fala de Marisa, é percebida em seguida, quando ela descreve sua preocupação acerca do uso das tecnologias no ensino. Podemos observar que ela está iniciando seu processo de mudança pessoal e profissional por tomar decisões sobre sua prática em sala de aula: 80 [...] agente vem se preocupando com essa questão de parar de usar só o quadro negro e o giz e tentar buscar essas tecnologias porque as crianças já vêm com isso da vida, do cotidiano e daí eles não querem mais saber daquela aula tradicional, e isso leva a essa preocupação, ai por isso que eu fiz esse curso, e eu mudei sim, assim, um pouco das minhas aulas, já mudou se parar pra comparar as aulas anteriores com as de hoje. [...] Eu ainda estou no início dessa mudança, começando a mudar [...] mas esse é o caminho, e eu to caminhando (Entrevista narrativa III, junho de 2010). Marisa parece deixar pistas da sua autoconsciência ao apresentar apreciações valorativas sobre a importância da tecnologia e por construir sua identidade profissional orientada por expectativas positivas acerca do processo de ensino-aprendizagem no ambiente digital. É interessante que de uma maneira humilde a professora assume que iniciou seu processo de mudança. O fato de ela afirmar que esse é o caminho e que ela está caminhando é algo belo e traz uma sensação boa ao ouvir, pois esse era um dos nossos objetivos por meio do curso on-line, instigar o interesse do profissional professor para que ele começasse a utilizar as TICs na sala de aula de LI. Acredito que eu mesma, porque você tentava de um jeito e agora você passa a tentar de outro, parece que você não dava tanta importância à tecnologia. Antes do curso eu achava que a tecnologia era importante, mas às vezes não paramos pra pensar sobre. As coisas vão acontecendo e aí você não para pra refletir, se você não para pra pensar acaba passando despercebido. É um processo novo ainda que muitas pessoas encontram dificuldades, porém com muitos pontos positivos, e a tendência é só melhorar, e os alunos têm muito que nos transmitir ainda, eles vêm com muita bagagem, conhecimento, agente vai aprendendo também com eles (Entrevista narrativa III, junho de 2010). Pude constatar ainda nos dois excertos acima que Marisa demonstra ter uma postura de dificuldade ao vivenciar o papel de aprendiz no ambiente digital. Contudo, logo em seguida ela fala de pontos positivos, como a possibilidade de aprender com os próprios alunos. Assim, a personagem assume uma nova posição na sala de aula, parece estar desenvolvendo a idéia de grupo de aprendizagem, deixando o papel de detentora de conhecimento e iniciando uma postura diferente, de comunidade de aprendizagem. Ely demonstra sua adesão ao passar a vislumbrar a tecnologia como uma aliada à 81 sua trajetória profissional. Ao relatar que “tudo pode ser trabalhado por meio dum computador”, Ely está aderindo a novos princípios na sua profissão. Então, eu pretendo prestar bastante atenção agora, em relação ao crescimento on-line, de lidar com esse tipo de cursos. [...] No começo eu nem tinha mexido com isso, na realidade eu nem tinha interesse, sabia que era necessário, mas deixava pra depois. Eu almejo ser fluente e realmente ter domínio [...] sobretudo relacionado às tecnologias, porque precisa e vai precisar mais ainda, então eu preciso disso, a fluência na língua, preciso de me preparar melhor, e principalmente quanto à tecnologia, que realmente é o campo que eu mais deixo a desejar, porque as únicas coisas que eu mexo são os artigos, outro material mais acessível, direto no Google, então precisa de mais um ensaio. Eu acho que tudo pode ser trabalhado por meio dum computador [...] (Entrevista narrativa III, junho de 2010). Percebi que a experiência de Ely, como aluna no curso on-line, corrobora com a sua representação da ação, pois durante o curso ela planeja desenvolver possíveis atividades profissionais no ambiente digital. Isso evidencia que a construção da identidade docente ocorre por meio de anseios, desejos e planos que são orientados pelo desenvolvimento de uma melhor prática pedagógica. Eu desejo ser uma professora..., assim, eu ainda quero aprender muito mais coisas. Em contato com o ambiente digital, até que despertou uma vontade de mexer com mais alguma coisinha, então você é uma pessoa que vai realizar ideias e esperar o momento certo, mais pra frente tentar até um projeto, então é uma coisa que tem possibilidade, é preciso aprender mais e esperar o momento. O curso serviu pra despertar a vontade de explorar isso, então quando aparece a oportunidade, e essa foi a primeira (Entrevista narrativa III, junho de 2010). A autoconsciência de Ely parece evidente quando ela reflete sobre seu desenvolvimento positivo no curso e relata a representação que construiu sobre seu papel de professora no ambiente digital, bem como sobre a relação professor-aluno. Assim, Ely se constitui via experiências no ambiente digital de ensino-aprendizagem, o que, por sua vez, contribui para que ela vença os desafios postos pelo novo contexto de atuação profissional. Agora eu estou achando fácil, no começo é porque você tem que aprender, como que mexe, aonde que vai, mas agora eu estou achando fácil. Agora tá legal, a hora que você entra lá e percebe o que você 82 aprendeu. Você viu aquela sugestão pro próximo módulo que eu coloquei lá? No começo eu tinha dificuldade, mas eu me desenvolvi bem. [...] acho que eu seria uma professora bem questionadora e incentivaria muito a troca de opiniões entre os meus alunos. Eu já usei a Internet para dar referências para alunos, quero que você faz assim, tem um texto assim, eu quero que vocês deem uma olhada porque eu vou fazer duas perguntas. Com certeza eu ia ser desse jeito, porque dá mais liberdade para a pessoa e ela se sente mais aberta pra se expressar na realidade. Em um curso online, você pode, por exemplo, dá um link pra ela pesquisar, depois pede a opinião dela, lá ela vai ter certeza de que a ideia dela vai ser ouvida, não vai ser cortada. Porque ela tem tempo pra concluir o pensamento sem alguém cortar. A tutora no mínimo vai falar o que considera sobre a opinião dela, mesmo que o comentário seja apenas de acordo com o autor (Entrevista narrativa III, junho de 2010). As três professoras, mesmo em uma vivência em ambiente digital relativamente curta, apresentam indícios de (re)construção de suas identidades profissionais, ao passo que foram construindo representações sobre o processo de ensino-aprendizagem, sobre si mesmas, sobre a função do professor, bem como a relação professor-aluno no ambiente digital. Assim, a alteração de contextos de ensino – presencial para digital – revelou o desenvolvimento do professor, engajado na formação continuada tecnológica, por meio da construção de sentidos que se configurou nas experiências ao longo do curso. Observei nas narrativas das professoras um processo de incompletude que elas parecem vivenciar no contexto profissional, como o desejo por aprender inglês, o que nunca se concretiza, conforme esses excertos da fala da Ely: Eu prefiro a questão oral, por que eu acho que isso é o que me faz mais falta, a oralidade [...] Eu almejo ser fluente e realmente ter domínio sobre o que tá à volta, sobre linguística, sobre cultura, sobre tudo relacionado às tecnologias, porque precisa e vai precisar mais ainda, então eu preciso disso, a fluência na língua, preciso de me preparar melhor, e principalmente quanto à tecnologia, que realmente é o campo que eu mais deixo a desejar, porque as únicas coisas que eu mexo são os artigos, outro material mais acessível, direto no Google, então precisa de mais um ensaio (Entrevista narrativa II, maio de 2010). Tal processo me faz lembrar a afirmação de Riessman (2008), quando a autora diz que “as narrativas refletem a forma fluida que a identidade toma ao ser produzida pelo processo de ser e tornar-se, de pertencer e desejar pertencer”. Nesse sentido, eu compartilho com o pensamento de Riessman, porque a 83 professora, ao construir sua representação dos elementos que julga precisar aperfeiçoar na sua profissão, o faz de forma muito angustiante, de uma maneira muito rápida em que reflete sobre várias questões, que são divergentes, apesar de serem todas relacionadas com o conceito de bom profissional. Para mim, parece que a professora julga sua prática profissional, como falha em todos os sentidos. A impressão que eu tive é que a professora almeja sempre desenvolver seu lado profissional para que possa se tornar exatamente no que ela idealiza como o bom profissional, ou seja, o permanente anseio por pertencimento a uma determinada classe profissional que atinge determinados padrões de profissionalismo que a professora acredita serem ideais e necessários para uma docência de qualidade. Um dos traços marcantes que predominam no processo de constituição identitária das personagens é o sentimento de que sempre falta algo, pois apresentam a ideia de que necessitam estar em busca de aperfeiçoamento constante, por acreditar que nunca estão preparadas para ensinar. Contudo, penso que isso não é o que acontece de fato. Na realidade, o que mais importa é mostrar a relevância de aprender a aprender, de construir conhecimento de forma colaborativa e ter uma perspectiva de conhecimento como algo inacabado, por acompanhar o desenvolvimento da sociedade. O fato de dominar todo o conhecimento construído pela humanidade, além de ser simplesmente impossível, faz parte de um paradigma ultrapassado, positivista, baseado na concepção de professor como detentor e transmissor do saber. Vale destacar que o conhecimento construído nas experiências práticas22 também é válido, e que o conhecimento é construído o tempo todo, inclusive fora da sala de aula. Para Hall (2005) e Coracini (2006), a ilusão de incompletude do sujeito em fluxo ou a „falta‟ é um traço característico da constituição identitária do professor. Neste estudo, esses sentimentos de „incompletude‟ aparecem nas manifestações de elementos relativos à formação profissional, tanto pedagógica como linguística, e ainda no que se refere ao domínio da tecnologia para o ensino. Retomando a discussão de Hall (2005:110) de que o sujeito busca construir o que é – em outras palavras, sua identidade se constituindo via “relação com o Outro” – ele apenas percebe o que realmente é a partir de elementos diferentes que compõem o Outro. Surge então, um sentimento de “falta” no sujeito a partir de seu “exterior constitutivo”. Por Segundo Telles (2002, apud Clandinin & Connelly, 1995:7), o conhecimento prático pessoal é um conjunto de crenças e significados – conscientes ou inconscientes – resultantes das próprias experiências e circunstâncias da vida social, que são expressos pela prática do professor. 22 84 isso, muitas vezes, o sujeito professor almeja incessantemente alcançar a perfeição linguística, considerando que precisa imitar de maneira mais idêntica possível o falante nativo de LI. Não se atém ao fato de que para ser um bom profissional é necessário que desenvolva outros conhecimentos, ou seja, existem muitos outros elementos que são inerentes ao bom desempenho do profissional professor, que ultrapassam as questões linguísticas. No fragmento a seguir, da fala da professora Gisele, é perceptível a importância que ela atribui à fluência na língua-alvo, chegando a afirmar que isso faz parte de um “sonho”: O meu sonho mesmo, eu gostaria de ser aquela professora de inglês em que eu chegasse aqui e poderia falar com qualquer um em inglês, eu não teria dificuldade. Só que acaba acontecendo uma coisa, acontecendo outra e isso acaba atrapalhando e aí eu vejo que não consigo alcançar o plano que eu queria e isso me deixa muito triste (Entrevista narrativa II, maio de 2010). Além do discurso da „perfeição linguística‟ que permeia a sociedade, parece-me que o professor, na maioria das vezes, não tem tempo nem condições financeiras para buscar o desenvolvimento profissional. Acaba então, vivendo uma situação muito aflitiva, pois possui o desejo de crescimento profissional, de aperfeiçoar sua prática pedagógica, inclusive de melhorar a proficiência na LI, mas geralmente não sabe como pode concretizar seus planos. Notei também nos excertos abaixo que Gisele constitui sua identidade a partir de um desejo nunca realizado, pois a professora, de alguma forma, deseja mudanças e transformações, principalmente quanto ao domínio da LI. Melhorar o nível de língua inglesa, eu já percebi que eu, de um tempo pra cá, agora que comecei a pega a coisa de novo, foi um tempo que eu fiquei parada demais, e isso me prejudicou. Eu já não tenho tanta facilidade quanto eu tinha antes e eu acho que eu preciso retoma isso, a facilidade de pesquisa, de monta, de busca, se você me entrega uma coisa, e fala que é pra mim te entrega isso em tal dia, eu te garanto que eu entrego, mas eu vou fazer aos trancos e barrancos, e dar conta, mas não é com aquela facilidade que eu tinha antes. Eu acho que o que mais me prejudicou foi a estabilidade, quando a gente começa a estabilizar na profissão, a gente começa a relaxa, em minha opinião. Ah, eu quero ser uma professora aposentada, brincadeira. Antes de eu chegar a esse ponto, que ainda faltam 15 anos, a minha intenção seria me aperfeiçoar nessa área, mas não pra ficar em sala de aula, é muito complicado, e cada vez que passa fica pior, então eu quero, porque eu to tentando voltar a buscar, correr atrás, tentar tirar essas dificuldades porque eu quero, infelizmente, sair dessa função (Entrevista narrativa II, maio de 2010). 85 Nesses excertos, parece que Gisele constrói um ethos de não competência e de deficiência na estrutura escolar, ao deixar transparecer sua insatisfação em relação à sua proficiência na língua-alvo e a estagnação no seu crescimento profissional, que justifica ter sido um resultado da estabilidade na carreira docente. Gisele demonstra ainda o desejo de deixar a sala de aula, trocar sua função de professora por outra qualquer na escola, movida por um sentimento de frustração, que pode ocorrer também pelo fato de estar desmotivada com a falta de respaldo e de credibilidade que a educação possui na nossa sociedade. Através dessas questões somadas ao conflito pessoal que afeta de forma negativa a sua subjetividade, a professora chega ao ponto de cogitar o seu afastamento de uma profissão pela qual outrora julgou ser apaixonada, conforme narrou nesse excerto de sua autobiografia: “[...] prestei o concurso para professora em Jauru. Fiquei dois anos até que conseguir minha remoção e quando cheguei aqui o professor que tinha atribuído as aulas pegou todas as aulas de inglês e a partir daí nunca mais parei, pior, me apaixonei pela disciplina” (Autobiografia, junho de 2010). Isso nos aponta que a identidade do professor de LI tem se constituído de forma fragmentada, provavelmente devido às duras críticas que esse profissional recebe da sociedade em geral, bem como do governo. Este, por sua vez, se isenta da maior parcela de culpa pela atual condição da educação, normalmente por atribuir a responsabilidade aos professores, que são taxados de incompetentes. Isso faz com que o professor se sinta incapaz diante desse labirinto, em que há várias vozes exigindo mudanças e melhoria na qualidade de ensino. Contudo, as condições e oportunidades para que ele busque aperfeiçoamento profissional são mínimas. Como abordam Cox e Assis-Peterson (2008:46), o “aviltante salário do professor” geralmente exige que duplique ou triplique a sua jornada de trabalho, excluindo a possibilidade de continuar estudando. Então, além da identidade ser desgastada pela mídia, pais e alunos, esse professor que vive essa situação no ambiente presencial de ensino-aprendizagem, ainda precisa enfrentar o ambiente digital como novo contexto de atuação profissional, desafiador, estranho e que exige outras formas de conceber e construir o conhecimento, outras possibilidades de interação, além da instrumentalização para lidar com a tecnologia. Quando Ely argumenta que “de um jeito ou de outro” precisa dominar as ferramentas tecnológicas e aderir ao mundo digital, isso mostra que não é simplesmente 86 pelo desejo dela que pretende apropriar-se das TICs, mas é devido à tendência, às demandas sociais, ou seja, é o externo que molda. Na realidade é falta de costume, porque eu nunca usei com meus alunos ainda, já até passei alguma tarefinha, mas nunca deixei isso de cobrança, deixei mais como um passa tempo pra eles, mas acho que tá na hora mesmo de aprende, tenho que aprende agora, pra depois eu tá usando, porque agora a moda é essa, e vai tá cada vez mais presente. Então, de um jeito ou de outro, eu vou ter que aprender, e aprendendo assim numa hora que não precisa de tanta cobrança é melhor, porque aí você fica aliviada. Eu acredito que vai realmente melhorar o meu lado profissional, eu preciso de mais disciplina, o curso ok, ele tá aí pronto pra mim, eu que tenho que me prepara mais pra ele (Entrevista narrativa I, março de 2010). A expressão de Ely “agora a moda é essa” tem relação com a constituição da identidade dela no ambiente digital. Isso mostra o olhar estranho que ela possui em relação a esse ambiente, além do desencargo de consciência quando ela afirma: “aí você fica aliviada”. Em outras palavras, o desejo de acompanhar a moda, e não ficar aquém, vem do contexto sócio-histórico em que a pessoa está inserida. O sujeito é moldado pelo exterior. Desta forma, o simbólico que é construído na sociedade influi diretamente no modo de a professora conceber seus papéis e responsabilidades e tomar medidas no sentido de implementar sua formação profissional, mais especificamente, em relação ao domínio da tecnologia. Devido a essa vontade de mudar, crescer profissionalmente e acompanhar as tendências atuais na área da sua profissão, Ely apresenta desejo de fazer mais cursos de formação continuada. Contudo, a falta de oportunidade e os poucos laços que ela possui com a rede tornam essa experiência um tanto dolorosa. Podemos visualizar isso nestes dois excertos de sua fala: Então eu me vejo assim, tendo que buscar mais, ao mesmo tempo, aqui na cidade não tem onde buscar, então a saída que a gente tem ainda é o on-line, eu até já vi um curso muito bom também da PUC, que é on-line também. O curso serviu pra despertar a vontade de explorar isso, então quando aparece à oportunidade, e essa foi a primeira (Entrevista narrativa I, março de 2010). 87 No excerto abaixo, é perceptível também a projeção identitária de professor tradicional, pois Ely faz referência ao divino como algo que pode solidificar o seu saber. Isso nos mostra que a identidade profissional do professor de LI ainda está fortemente calcada na tradição, na disciplina e no controle do professor sobre o aluno, dentro de um ambiente presencial, fechado, com horário determinado para acontecer. Além disso, o fato de afirmar estar sempre bem preparada para responder tudo o que os alunos perguntam nos remete a um conceito de professor como um detentor de todo o saber. A personagem Ely demonstra sua representação de professor como transmissor de conhecimento, como aquele que o detém, no excerto seguinte: “[...] depende muito de como os alunos estão na aula daquele dia, eu procuro me preparar ao máximo, acho que assim, nunca deixei de responder nada que aluno me perguntou, sempre respondi tudo, graças a Deus”. Ao construir sua autoimagem de professor, Ely descreve ao mesmo tempo o que ela é e o que não é. Ela estabelece diferenças a respeito do que é ser um professor bem preparado e simultaneamente, o que é ser um professor despreparado. É perceptível aqui que a identidade da professora é constituída a partir do diferente. Assim, conforme Silva (2005: 82), a produção da identidade da diferença ocorre de forma simultânea, pois ambas são interligadas e inseparáveis – ao afirmar que “sou preparada”, também estou afirmando que existem profissionais que não são preparados – o que significa expressar formas negativas de identidade e de diferenças. A definição de uma identidade resulta da criação de variados e complexos atos linguísticos que a diferenciam de outras identidades em um processo em que geralmente a diferença deriva da identidade, sendo a identidade tomada como referência. Podemos perceber isso ao tomar “o que somos” como a norma pela qual descrevemos “o que não somos”. Às vezes, o fato de o professor ter uma concepção de profissional tradicional, acontece geralmente porque a academia apenas diz como o profissional deveria ser, mas não dá subsídios para que ele tenha uma formação mais reflexiva. Isso significa que ser ou não tradicional está relacionado com a vivência, não pode ficar apenas no discurso. Tomando as particularidades dos dois contextos, o presencial e o digital, percebemos que as professoras constroem uma imagem do ambiente digital como algo mais complexo, que demanda mais preparação do professor. Isso pode acontecer devido ao advento das TICs, que garante a interação de pessoas de diferentes e distantes lugares, por 88 meio de sons e imagens quase em tempo real, o que influencia nas concepções de ensino e aprendizagem dos professores. Ainda existe a cobrança da sociedade que recai sobre “os ombros” do professor, como o maior responsável pelo processo de tecnologização dos alunos, o que pode ser extremamente preocupante e gerar ansiedades extras no profissional professor. No excerto abaixo, Ely fala da diferença que percebe entre os dois contextos de ensino, evidenciando sua insegurança para atuar como professora no contexto digital: Eu acho que deva ter alguma diferença sim, você estando presente, você tá ouvindo as dúvidas no exato momento, você tá tirando, e no online não, você tem que se prepara melhor ainda do que se você fosse dar aula presencial, porque você tem que tentar esclarecer todas as dúvidas previamente, você tem que pensa tudo o que o aluno pode ter dúvida, pra já tá passando pra ele porque não vai ter outra oportunidade de responde pra eles, então tem que ser uma coisa melhor planejada do que a presencial na realidade, então o professor tem que tá mais preparado ainda (Entrevista narrativa II, maio de 2010). Nesse excerto, é perceptível também que a professora Ely traz à tona a sua identidade constituída em contexto presencial, que de certa forma, é centrada no modelo de professor que possui domínio de todo o conhecimento para ser capaz de responder todas as perguntas dos seus alunos. Em outro momento, Ely narra suas representações sobre como desempenharia seu papel de professora no ambiente digital. Aparentemente, assume mudanças superficiais, mas não são transformações profundas. Parece que ela sente a necessidade de mudar, porém não incorporou as mudanças, porque ainda não utilizou o ambiente digital na sua prática de ensino, conforme expresso no fragmento abaixo: De acordo com o digital eu não sei como responder, porque eu não usei ainda, eu só tenho experiência no presencial, e com colegas de curso, não enquanto professor e aluno. Mas acho que eu seria uma professora bem questionadora e incentivaria muito a troca de opiniões entre os meus alunos. Eu já usei a Internet para dar referências para alunos, „quero que você faz assim, tem um texto assim, eu quero que vocês deem uma olhada porque eu vou fazer duas perguntas‟, mas é assim, usar aquele espaço do curso realmente não. Mas eu acho que na realidade uma coisa é ligada com a outra, porque lá você pode dar palpite, você sabe aonde ir, onde estudar, é que lá você resolve totalmente on-line, então você faz as perguntas on-line que quiser e coloca sua opinião on-line, e no caso eu já dei o endereço e digo a resposta no presencial. (Entrevista narrativa III, junho de 2010). 89 Nesse trecho de sua fala, pude perceber a constituição identitária emergindo no decorrer do curso on-line, devido à dimensão acentuada que Gisele atribui à sua transformação, ao declarar que era “uma dinossaura pré-histórica” antes do curso, pois nem sequer possuía uma conta de e-mail. No entanto, parece que ocorreu uma mudança de postura, que é perceptível pelo fato de ela ter contratado os serviços de um provedor de Internet em uma empresa da cidade, bem como por ter demonstrado interesse em se apropriar das tecnologias e até ter feito planos para utilizá-las na sua prática pedagógica. Além disso, está visivelmente empolgada por ter sido convidada para ministrar um curso on-line no CEFAPRO. Eu nem tinha e-mail, na verdade nem tinha Internet, depois da última reunião eu corri lá na Sisproel e mandei coloca Internet na minha casa. [...] descobri que eu sou uma dinossaura pré-histórica, ai depois, mas é aquela coisa, você vai mexendo, vai mexendo, até que vai aprendendo, tanto é que agora eu já vou ter retorno do curso, fui convidada pra ser professora de um outro curso on-line, e vai me ajuda nisso daí, coisa que se eu não tivesse entrado no curso eu estaria perdida. Então, tá sendo interessante, porque eu ainda tenho que mexe em muita coisa ali, eu quero aprende a lida mais com a tecnologia, e se Deus quiser, a partir do 3° bimestre eu já vou tá trabalhando com meus alunos de uma maneira diferenciada. Eu queria vê assim nada de um monte de papel, eu queria vê se eu conseguia trabalha com eles de uma maneira mais on-line (Entrevista narrativa II, maio de 2010). 3.3.1 O processo de constituição da identidade profissional do professor de LI Parece evidente que a Internet, como parte do ambiente digital, ainda faz com que as professoras sintam receio, o que é normal, pelo fato de que essa modalidade de interação ainda não faz parte do cotidiano delas. Assim, como um território que ainda não foi explorado causa certa estranheza por exigir outras formas de lidar com o tempo e espaço, dentre diversas outras características inerentes a esse contexto de ensino-aprendizagem. Além disso, para apropriar-se do que é oferecido pela rede é necessário reformular os conceitos estabelecidos em relação às novas formas de aprendizagem no contexto da cibercultura. Quando algo provoca estranheza, consequentemente pode causar mudança. É justamente pelo fato de que algo nos incomoda de alguma forma que acabamos não sendo 90 as mesmas pessoas, mas passamos a sofrer transformações nas nossas subjetividades. Enquanto as identidades dessas professoras eram constituídas apenas no contexto presencial de ensino-aprendizagem, de certa forma, a experiência que possuíam propiciava um certo conforto, porém, ao adentrarem no contexto digital, a crise de suas identidades foi provocada pelas incertezas e pelo medo de explorar esse contexto novo sem alcançar sucesso. Segundo Hall (2005: 07), esse processo de (re)construção das identidades está relacionado às influências da sociedade de um modo mais amplo, como o advento das TICs, o que por sua vez, pode desestabilizar os pontos de referência estáveis que dão suporte às subjetividades das pessoas. Em outras palavras, o rápido e intenso processo de mudanças sócio-históricas e culturais faz com que as identidades dos sujeitos passem a ser fragmentadas e até mesmo cheguem a entrar em “crise”. Isso se deve ao fato de que a referência instável e insegura interfere na forma que os sujeitos compreendem a si mesmos como sujeitos participantes de uma sociedade em constantes transformações. Ao enfrentar o desafio que está posto pelo desconhecido e ressignificar a noção de tempo e espaço, a partir do curso on-line, o professor inicia um processo de compreensão da dimensão cultural digital, que por sua vez, redimensiona o modo através do qual o sujeito percebe a si mesmo, o Outro e o mundo. As novas dimensões espaciais e temporais, aliadas ao desejo, ao medo e à insegurança de trilhar caminhos diferentes no processo de ensino e aprendizagem dentro do contexto digital, desencadeiam processos identificatórios e de representações diversos, devido ao fato de alterar as subjetividades dos que se arriscam ao novo, ao desconhecido. Nesse sentido, as bases em que foram constituídas as suas identificações ao longo de muitos anos – o ambiente presencial – são abaladas no novo contexto de atuação do professor. Então, a (re)constituição da identidade profissional no ambiente digital passa a ser ressignificada em um processo longo que é desencadeado via construção de novos significados oriundos de outro contexto de interação, a Internet. As palavras de Jesus (2007:24) corroboram com essa discussão: “Portanto, navegar pelo ciberespaço, apropriadamente, significa para o usuário neófito repensar sua identidade que, na interação face a face, acarretou vários anos até que fosse constituída”. No início do curso on-line, ao perceber a dificuldade das professoras participantes em organizar o tempo, bem como em situar-se em relação ao espaço de construção de conhecimento, realizei duas reuniões presenciais para conversarmos sobre suas angústias e 91 inseguranças causadas pelo novo contexto. Em uma dessas ocasiões, com a grande maioria presente, várias professoras argumentaram a falta de tempo e disciplina própria para participar efetivamente das atividades e discussões on-line do curso. Dentre elas, Ely afirmou categoricamente que preferia que o curso fosse presencial. Assim ela se justifica: [...] daí nós tiramos o tempo para fazer o curso porque tem aquela hora marcada. Então deixamos de fazer outras coisas para estar presente, mas na Internet não é assim, sempre deixo para depois e acabo não fazendo as coisas direito, não funciona muito bem pra mim. (I reunião com o grupo de professoras participantes do curso de formação continuada on-line, abril de 2010). Isso se deve ao fato de que para utilizar a Internet em um curso a distância exige-se disciplina introjetada, ao passo que o ambiente presencial configura uma cobrança externa. Apesar de todas as participantes estarem conscientes da impreterível necessidade de inserir-se no ciberespaço e dominar a tecnologia a fim de possuir uma aliada na construção do conhecimento, deixaram transparecer a complexidade que isso significa para elas em termos de manuseio da tecnologia, principalmente quanto à Internet. Assim, devido às muitas dúvidas por parte das professoras participantes do curso, trabalhei presencialmente com aquelas que não conseguiam utilizar os instrumentos para participar das discussões on-line, bem como criar seus blogs e postar as atividades do curso neles. Nesse contato bem próximo, pude detectar o enorme nível de dificuldade que as professoras apresentavam. Diante disso, me coloquei à disposição delas sempre que precisassem de auxílio para lidar com as ferramentas digitais utilizadas no curso. O fato de buscar compreender como nos tornamos profissionais professores ao longo da vida nos possibilita também visualizar as cenas da profissão do Outro com as lentes da nossa vivência. Interpretamos e compomos significados a partir do que somos no cenário da profissão, influenciados pelo contexto que nos cerca, inseridos em um determinado espaço geográfico e tempo específico. Construímos nossa identificação a respeito do que fomos no passado, somos no presente e desejamos ser no futuro, criando, inclusive, condições para planejar melhor nossas ações profissionais do momento presente e para o futuro. Em relação à minha experiência no decorrer do curso on-line de formação continuada do Projeto de Extensão e desta pesquisa, percebia algumas características em mim, que até então, eram desconhecidas. Por exemplo, ao planejar as unidades didáticas do 92 curso, não imaginava que ficaria tão insegura quando fosse lidar com a criação do espaço virtual do curso, com a aplicação dessas unidades e com o imprevisto de precisar atuar como professora deste curso também. Ao longo deste curso e nas análises das narrativas das três professoras participantes, pude perceber que esses sentimentos vividos por mim não eram diferentes daqueles que elas vivenciavam, ou seja, no convívio com as tecnologias eu compartilhei dos mesmos anseios e angústias dos demais professores, os quais precederam sentimentos de superação e realização profissional. Quanto às angústias relacionadas com a pesquisa, com o desfecho deste trabalho, penso que esse sentimento seja natural, pois ao almejar cumprir uma determinada tarefa, principalmente quando ela visa o nosso desenvolvimento profissional, bem como o de outrem, como esta, desejamos dar o melhor de nós. Nesta peça, que desempenhei com a contribuição de outros personagens, passei momentos de alegria, ao sentir que o caminho era esse. Na busca da construção do conhecimento, percebi como as experiências de autoconhecimento proporcionam mais sentido para nossa atuação profissional, pois segundo Nóvoa (2007:17), “[...] as opções que cada um de nós tem de fazer como professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar e desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser. É impossível separar o eu profissional do eu pessoal”. Assim, a reflexão sobre como nos constituímos como pessoas e profissionais, a partir de nossas experiências vividas no passado, contribui para a (re)construção de nós mesmos enquanto indivíduos singulares, bem como enquanto professores, para o desenvolvimento profissional, o que por sua vez, pode trazer reflexos para a qualidade da educação. Esse quadro cênico, que apresento ao público, emergiu a partir do meu envolvimento e inquietação com o enredo da constituição da própria identidade e pelos mistérios desse labirinto, que fizeram aflorar em mim essa atração. Ao desempenhar os papéis de mestranda, pesquisadora iniciante, docente e coordenadora do Projeto de Formação Continuada Semipresencial, vivi muitas inseguranças, angústias, alegrias, desejos, superei o medo da incapacidade, venci desafios e passei por obstáculos que não sabia que era capaz. Ao participar da experiência da construção dessa peça, fui completamente transformada em outra personagem, mais consciente, mais complexa, mais envolvida com os sentidos que contemplam a essência do ser humano, das tramas que formam o todo do ser profissional professor. 93 No próximo capítulo, dou sequência na minha tentativa de compreender como se dá o processo de constituição profissional do professor de LI em ambiente digital. Relato ainda minhas considerações finais, apontando as limitações, as contribuições desta pesquisa e as possibilidades para dar continuidade a esse estudo. 94 CONSIDERAÇÕES FINAIS FECHAMENTO DAS CORTINAS A constituição identitária do professor de LI em ambiente digital: em busca de entendimento Após estabelecer algumas interlocuções com o background teórico que fundamenta este estudo e acompanhar as trajetórias das personagens, pude perceber o processo de constituição das identidades profissionais. Esse processo é desenvolvido primeiramente mediante as transformações vivenciadas no contexto sócio-histórico macro, em que as mudanças na sociedade de modo geral – o fenômeno da globalização e o desenvolvimento tecnológico – refletem no modo particular do sujeito pensar, agir e interagir no seu contexto pessoal e consequentemente na maneira de atuar profissionalmente. As participantes aspiravam a uma melhor proficiência na LI, bem como almejavam aprimorar sua formação teórica, não apenas incorporar as TICs na sua prática de ensinoaprendizagem. Contudo, mesmo a partir desses pensamentos equivocados acerca da finalidade central do curso, observou-se que emergiram outras subjetividades nesse ambiente. Nesse sentido, o que chamou mais a atenção foi o fato de as professoras, na maioria das vezes, demonstrarem sentimentos e agirem como se estivessem no contexto presencial de ensino-aprendizagem. Isso nos aponta duas conclusões: Que a carga horária do curso foi insuficiente23 para uma vivência significativa no ambiente digital; Que as professoras remetem seus pensamentos, ações e sentimentos ao ambiente presencial, por ser onde construíram suas identidades profissionais ao longo de anos de trabalho. No entanto, é pertinente abordar a questão de que qualquer experiência nos modela interiormente, nunca passamos por algo diferente e continuamos a ser a mesma pessoa. É indiscutível que a nossa identificação ressurge com outras características, outras 23 Acredito que a carga horária adequada para o curso proposto seria de no mínimo 120 h/a. 95 subjetividades, ao passo que tudo ao nosso redor, o Outro, a situação e o contexto nos influenciam. Assim, com a utilização das TICs no ensino, além do sistema escolar, é necessário que ocorra uma reestruturação dos objetivos de ensino e aprendizagem, o que envolve também outra postura no profissional da educação. Segundo Kenski (2008: 112), o contexto atual é “uma nova cultura educacional, que rompe com os tempos rígidos das disciplinas e com os espaços formais das salas de aula presenciais. Um tempo de aprender colaborativamente”. No processo vivido, o contexto digital despertou sentimentos diferentes e novas percepções nas personagens, o que por sua vez, pode ter desencadeado a consciência sobre os papéis que precisam desempenhar ao adotar a cultura específica desse ambiente. Isso significa que iniciaram um processo de ressignificação, construindo novos papéis sociais exigidos pela cibercultura, em que seus conceitos e subjetividades são abalados pelos significados diferentes do que é ser professor na era da informação. Assim, pudemos constatar, por meio desta pesquisa, que as identidades profissionais são constituídas entre fases de insegurança, medo, desejo e superação. Contudo, ao analisar as histórias de vida das professoras participantes do curso, os dados evidenciam que o processo de constituição da identidade profissional das professoras de LI, não ocorreu apenas a partir do novo contexto de formação continuada. As sequências narrativas que trazem as experiências vividas no decorrer do curso em ambiente digital, nos mostraram que as personagens se constituem de forma infinita tomando principalmente como cenário a experiência profissional no ambiente presencial, onde estiveram envolvidas a maior parte de suas vidas profissionais. Isso nos remete ao pensamento de Kenski (2008), que corrobora com a ideia de que a rememorização traz efeitos positivos ao ser utilizada na formação do professor. É a partir da significação social da profissão, da revisão constante dos seus significados e das demandas sociais que as identidades profissionais se constituem. Dentre esses fatores, além do confronto entre as identidades fundadas no passado e no presente, estão as TICs na área da educação, que passam a ser social e culturalmente significativas por suprirem as necessidades contemporâneas da sociedade. Constatamos ainda que as professoras explicitam seus sonhos e, simultaneamente, indicam que eles são irrealizáveis devido as atuais possibilidades. Assim, aparecem nas narrativas e autobiografias vozes marcadas pelo confronto entre o ideal e o real, o que de acordo com Riessman (1993) pode ocorrer nas histórias de vida. Isso significa que ao 96 narrar experiências de vida é comum relatar episódios de disparidades entre o ideal e o real, o individual e o coletivo, o que traz à tona nossos desejos, angústias, ansiedades e problemas vivenciados no cotidiano. Algo que chamou a atenção, constatado nas entrevistas com todas as professoras, é a busca pelo modelo de falante ideal, mais próximo do nativo. Além disso, existe um movimento constante de frustração, um desejo de mudar, mas na realidade o professor parece não saber ao certo o que necessita fazer. Esse tipo de sentimentos antagônicos é próprio da identidade em constituição. Parece que há um contínuo processo dinâmico, mudanças constantes, que na verdade vão além do instrumental tecnológico, do computador em si e atingem a própria concepção do que é ser professor. Essas incertezas observadas nas narrativas talvez sejam por conta das diversas dúvidas que ainda pairam a respeito do sentido que tem o ambiente digital de ensino-aprendizagem e das suas implicações na vida pessoal e profissional dos professores. Percebi, através da interpretação das narrativas das professoras, que antes do curso on-line, a constituição identitária profissional das professoras de LI foi conflituosa e contraditória. Primeiramente, porque a inserção delas no mundo docente não foi intencional, ocorreu a partir de um „não desejo‟ de exercer a profissão. Porém, logo que iniciaram a carreira, as professoras construíram uma imagem positiva, por meio de um sentimento de paixão e amor à docência e à LI. O processo de constituição identitária docente desenvolvido durante a experiência em ambiente digital passa por momentos de desconstrução e de certa confusão. Esse processo é evidenciado por uma divergência de representações relacionadas aos papéis de docente e aprendiz, como aluna não dedicada e indisciplinada, profissional dinâmica e exigente, aluna principiante e dependente, aliadas à necessidade de um modelo profissional e de treinamento para conseguir a tão desejada independência no contexto digital. As narrativas das professoras sugerem traços de instabilidade e intensa movimentação, marcados por um processo dinâmico e contraditório. Esses traços surgiram em decorrência de um deslocamento nas identificações das professoras, que ora se constituem como professoras atrasadas e correndo atrás, ora como vítimas e fugindo da tecnologia. Isso nos indica que a constituição identitária profissional das professoras transpassa a experiência de aprendizagem, chegando ao nível macro, ao contexto global das TICs e o que elas representam na sociedade globalizada. A identidade profissional do sujeito professor, como fonte de significado e 97 resultado das experiências inéditas no decorrer do curso on-line, demonstrou ser construída a partir de traços compartilhados como, insegurança, incompletude, incerteza, instabilidade, contradição, fluidez, desejo, descoberta, adesão, ação, autoconsciência, adaptação, organização e superação. A constituição identitária profissional ocorre mediante uma relação estabelecida em um determinado período de tempo, no contexto de formação continuada, entre sujeitos sedentos pela mudança, com muitos anseios e conquistas, com um objetivo comum – o desenvolvimento profissional do ser professor de LI. Não tenho a intenção de afirmar que existem características corretas ou erradas. O que eu pretendo é compreender teoricamente quais traços são predominantemente constitutivos das identidades profissionais dos professores de LI, de que maneira ocorre o processo de constituição identitária no contexto digital, e por sua vez, como planejar e desenvolver um curso de formação continuada on-line, a partir do entendimento acerca da reconstituição das identidades desses profissionais. Tenho a consciência de que a formação contínua e o desenvolvimento profissional do sujeito professor dependem de questões que ultrapassam as competências tecnológicas e demais convicções inerentes ao processo de ensino-aprendizagem no ambiente digital. Acredito que isso envolve constantes revisões sobre ser e tornar-se professor inserido em um determinado contexto sócio-histórico, por meio de um processo em que as identidades possam ser problematizadas, compreendidas e reorganizadas. De forma holística, mediante cenários pessoais em seus mais variados papéis sociais, via reflexão crítica sobre a própria prática, o ser professor pode ressignificar sua experiência e construir sentidos concretos a respeito da sua atuação profissional. É pertinente mencionar que ao final do curso on-line permaneceram apenas cinco professoras-alunas, sendo que sete participantes desistiram. Dentre as alegações que justificaram a desistência estão: não possuir um computador em casa, falta de disciplina e responsabilidade para cumprir com o programa do curso a distância, falta de tempo devido às muitas tarefas desempenhadas na profissão de professor, bem como dificuldade com a língua inglesa e com a tecnologia. Parece que entre essas questões, o fato de ter dificuldade para lidar com as ferramentas do contexto digital é tido como uma enorme barreira pelo professor. Cheguei a essa conclusão porque os desistentes alegaram se sentirem incapazes de manusear os instrumentos tecnológicos que faziam parte do curso on-line. Talvez devesse ter realizado um curso de letramento digital antes de iniciarmos o curso propriamente dito. 98 Penso que o fato de o professor desistir de um curso em ambiente digital, devido às dificuldades de lidar com a tecnologia ou até mesmo por desconhecer as mudanças que a apropriação das TICs acarretam em sua prática pedagógica, pode resultar do medo de enfrentar o desafio de interagir e dialogar com outras realidades, num contexto que vai além do escolar, além do conhecido por ele e pelos seus alunos, como seus parceiros na construção colaborativa do conhecimento. No entanto, o fato de continuar, mesmo com dificuldades, pode significar que o professor está insatisfeito com sua identidade atual e, em virtude disso, pretende apropriar-se de novas formas de pensar e agir no seu contexto profissional, ou seja, vislumbra reconstruir sua identidade a partir de uma nova postura. Retomando a metáfora utilizada por uma das personagens, é pertinente destacar que o que mais importa é se arriscar, voar e continuar se arriscando com autonomia e buscar os inúmeros ninhos disponíveis no ambiente digital. No entanto, é imprescindível que se compreenda o próprio vôo. Na busca de compreender como a identidade do Outro se constitui no ambiente de ensino-aprendizagem digital, a partir das trajetórias das personagens, pude refletir e perceber como ocorreu o meu processo de formação e a constituição da minha identidade profissional. Nesse percurso em que construímos nossa “imagem” de professor em ambiente digital, percebi que compartilho das mesmas angústias e anseios que os demais professores. Também possuo sentimentos semelhantes em relação a superar as dificuldades e inseguranças, para finalmente satisfazer os desejos e anseios de incorporar outras “maneiras de ser e estar na profissão”. Quanto à constituição da minha, ou seja, da nossa identidade profissional, não é diferente. Ela é fragmentada, dinâmica, fluida, ressurge a cada situação de forma infinita ao longo da nossa jornada de transformações nos mais diversos cenários, enredos, e nos personagens vividos nos palcos dos espetáculos, onde fluem as mais inesperadas possibilidades de traços que constituem nosso self. Nessa performance dos atores sociais, os traços característicos de suas subjetividades pessoais e profissionais, que fazem parte de um todo complexo e ainda como reflexo da alteridade na multiplicidade de vozes que constituem o sujeito, acabam constituindo o ser professor, inacabado, mas sempre disposto a aprender e ensinar a aprender. Acredito que seja imprescindível que nós professores, ao longo das nossas trajetórias de experiência educacional, tenhamos oportunidades de construir nossos próprios sentidos na profissão, como repensar a própria compreensão do que é ser 99 professor, do que é ensinar e do que é desenvolvimento profissional. Nesse sentido, a narrativa é um instrumento muito valioso para examinar a si mesmo, a própria prática de ensino e construir conceitos alternativos sobre o desenvolvimento pessoal e profissional. Em outras palavras, a partir desse processo de ressignificação de seus conhecimentos, práticas, valores e crenças, o professor (re)constitui sua identidade profissional, e simultaneamente, segue construindo e reconstruindo suas maneiras de ser e tornar-se professor de LI. Como destaca Silva (2010: 330): A construção da identidade do profissional professor é o resultado de um diálogo constante consigo mesmo e com o Outro e que, a todo momento, precisa ser revista, repensada e refletida, para que não se perca de vista o objetivo do professor: crer no ensino e, acima de tudo crer em si mesmo e no ser humano. Dentre os roteiros que não foram escritos e os personagens que não foram interpretados, passo a discutir algumas limitações do curso no ambiente digital e dessa pesquisa. Considerando que esse curso on-line foi a primeira experiência para todos os professores e participantes envolvidos tanto no planejamento como na elaboração das sequências didáticas e desenvolvimento, temos que apontar algumas limitações que ficaram evidentes. Dentre as dificuldades que surgiram, uma delas foi logo no início do curso, para organizar o site que o hospedaria. Primeiramente, a tentativa de dois sites não foi bem sucedida, pois ambos apresentaram um grau de complexidade que impedia a participação dos professores de LI. Apenas na terceira tentativa, no Hotmail, conseguimos iniciar as atividades on-line do curso. Os participantes recebiam as unidades por e-mail, realizavam as atividades sugeridas e enviavam-nas novamente para o e-mail do curso. Também postavam algumas atividades em seus blogs, criados no começo do curso, e publicaram algumas reflexões sugeridas no decorrer do curso nas listas de discussão do grupo. A dificuldade apresentada por parte dos professores ao lidar com as ferramentas do site atrapalhou o desenvolvimento dessas discussões, as quais seriam um espaço privilegiado para trocas de experiências entre todos, professores e participantes. De fato, esse foi um dos pontos problemáticos que surgiram no curso, pois as interações assíncronas acabaram ocorrendo minimamente e quase no final do curso. Em relação a essa falha, acredito que além do respaldo para instrumentalizar melhor os participantes, em relação às 100 ferramentas necessárias para as interações do grupo nas listas de discussão, talvez um pouco mais de cobrança por parte da professora que ministrou o curso pudesse ter incentivado uma maior participação dos professores de LI. Contudo, a professora24 também sem experiência de ensino no ambiente digital, demorou para interagir com a turma e não deu sequência nos encaminhamentos até o término do curso. Assim, para que o curso online não fosse interrompido, além de alimentá-lo com as unidades, passei então a interagir com os participantes juntamente com uma colega do mestrado que se dispôs a colaborar com o papel de professora na parte on-line do curso de formação continuada. Uma possibilidade para resolver esse entrave seria fazer um curso de letramento digital, presencial ou a distância, antes de iniciar o curso em ambiente digital propriamente dito, com vistas a reduzir as dificuldades e instrumentalizar melhor os participantes em relação às habilidades necessárias para uma participação mais efetiva na parte on-line do curso. Além disso, devido às poucas postagens dos cursistas nas listas de discussão, talvez tivesse sido necessário estabelecer critérios mais pontuais sobre a quantidade e qualidade das participações nas reflexões do grupo para que os cursistas pudessem ter interagido e discutido mais. O fato de as unidades do curso estarem redigidas em língua inglesa caracterizou outro obstáculo para uma participação mais efetiva. Percebi que os professores participantes sentiram certo receio para desenvolver as atividades escritas por não dominarem muito bem a língua-alvo. Ainda em relação à falta de uma maior participação – por meio da escrita na LI – penso que os professores talvez ficassem preocupados por saber que tudo o que fosse enviado ficaria registrado no espaço virtual do curso. Tenho a noção de que o período do curso on-line (40 horas) e o conteúdo trabalhado nesse espaço de tempo não foram suficientes para que os objetivos fossem integralmente atingidos. Consequentemente, as mudanças provocadas nas subjetividades das professoras não poderiam ser maiores ou mais perceptíveis nesse percurso curto. Contudo, penso que a experiência tenha sido válida para todos, principalmente para aqueles que não desistiram e chegaram até o fim, e, por sua vez, transformações nunca deixam de ser desencadeadas quando vivemos novas experiências, sejam elas pequenos ensaios/tentativas ou experimentos práticos/concretos. Percebi que as cinco professoras que persistiram em enfrentar o desafio de conhecer essa nova realidade, tornaram-se mais 24 Neste estudo, o contexto analisado possui um professor, como responsável pelo curso, não existe a presença do tutor. 101 conscientes da importância de se aventurar no contexto digital, compreenderam a importância e a utilidade das TICs na prática de ensino de LI. Apesar das diversas limitações e do mínimo entrosamento entre as professoras participantes, observei que o curso foi proveitoso no sentido de proporcionar um melhor manuseio das ferramentas tecnológicas no ambiente digital, bem como por despertar a motivação das participantes para incorporar as TICs na prática de ensino delas. O módulo on-line do curso foi limitado em relação ao curto período de tempo de vivência no contexto digital. Talvez se a prática tivesse sido mais extensa poderíamos perceber mais traços constitutivos da identidade profissional do professor. Porém, mesmo com essas limitações de período reduzido de tempo e pouca experiência por parte dos professores, tivemos uma ideia de quem é o professor nesse ambiente ainda pouco explorado. Tenho consciência de que as discussões e reflexões acerca da constituição da identidade profissional do professor de LI desenvolvidas neste estudo não foram esgotadas, mas podem ser (re)interpretadas e complementadas de muitas outras formas, assim como as identidades que se mostraram ser multifacetadas e constantemente ressignificadas. Esta dissertação é semelhante ao processo de constituição da identidade profissional do professor, bem como à formação contínua do profissional professor, que ao longo de sua vida e trajetória docente se desenvolve de forma inconclusa e é lapidada pelas experiências pessoais e profissionais. São essas vivências que atribuem formas diversificadas de subjetividades e possibilitam o brilho no ser professor, sujeito multifacetado, plural, inacabado, em fluxo constante de (re)construção. Este estudo conseguiu trazer uma pequena contribuição para a área de formação de professores, seja inicial ou continuada, tendo em vista o contexto sócio-histórico em que vivemos e o enorme desafio que a educação atravessa para acompanhar o desenvolvimento tecnológico da sociedade. A formação de professores merece muita atenção, principalmente porque esses profissionais têm uma imensa responsabilidade pela formação de cidadãos. A partir da compreensão de como ocorre o processo de constituição da identidade do professor de LI em ambiente digital no decorrer de um curso de Formação Continuada, podemos pensar de maneira mais apropriada em que características e conteúdos seriam mais adequados para pensar um curso com a finalidade de contemplar, de forma mais abrangente, as necessidades de formação do atual profissional de ensino de LE. 102 Nesse sentido, penso que um programa de formação continuada para professores na modalidade digital poderia contemplar questões relativas à mediação nos cursos, ao papel da reflexão no crescimento profissional, à relevância da compreensão de quem é o aluno, suas necessidades e seu contexto, além de possibilitar a discussão acerca de conceitos de linguagem, interação, processo de ensino-aprendizagem e construção colaborativa de conhecimento. No entanto, não é possível deixar de oferecer a instrumentalização necessária para aqueles professores que ainda não tiveram nenhum, ou mínimo contato com o ambiente digital. Academicamente falando, é importante compreender a constituição da identidade profissional do docente para que seja possível contribuir mais com o seu desenvolvimento profissional. Acredito que a construção da identidade profissional poderia constituir o foco primordial, sendo o ponto central para todas as demais ações direcionadas à formação inicial e/ou continuada do profissional professor. A subjetividade é inerente às relações humanas, assim como o processo de ensino-aprendizagem acontece exclusivamente na interação entre sujeitos impregnados por suas subjetividades. Assim, nada mais apropriado do que compreender como ocorre a constituição identitária do profissional professor de LI, para poder conceber como ocorre o processo de ensino-aprendizagem em si. Em outras palavras, para compreender melhor como otimizar a construção do conhecimento, precisamos conhecer os sujeitos que estão envolvidos no processo de ensino-aprendizagem de forma mais plena possível, isto é, desde o seu interior, o que constitui o seu self, o que faz com que ele pense e atue da forma que o faz. É por meio dessa compreensão que poderíamos fundamentar as propostas de formação, com o intuito de proporcionar ao profissional que seja o protagonista de sua formação. Isso significa dar voz aos professores, ouvir o que pensam sobre as questões que envolvem o processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, a proposta teria que oferecer oportunidades para que o professor construísse e reconstruísse representações acerca da linguagem, do processo de ensinar e aprender línguas, além de seu self, ou seja, compreender os próprios valores e crenças, os seus conceitos profissionais, bem como a sua subjetividade, a forma que enxerga o mundo, as relações sociais e políticas e o seu papel pessoal e profissional dentro do contexto de sua atuação. Além disso, é importante fomentar espaços para promover interações com o Outro, como a criação de comunidades de aprendizagem colaborativa. Durante o curso, as professoras tiveram a oportunidade de experimentar um 103 processo de auto-compreensão, que ocorreu por meio de inúmeros questionamentos sobre questões relacionadas com a vida pessoal e profissional delas. Nesses momentos de reflexão e interação com os demais colegas elas tiveram a oportunidade de repensar suas representações e perceber alguns traços constitutivos das próprias identidades profissionais. É relevante que o processo de (re)construção da identidade profissional aconteça de acordo com os princípios de formação crítico-reflexiva, em que a conscientização do professor quanto à sua prática reflexiva seja vista como vital para o seu desenvolvimento profissional. Para Pimenta (2000), o conceito de professor reflexivo envolve a reflexão do docente, como um intelectual crítico-reflexivo, sobre o seu fazer em sala de aula, pesquisando suas ações, partindo de uma análise crítica das práticas e ressignificando as teorias. A teoria possui papel importante na formação de professores porque permite a aquisição de conhecimentos necessários para uma ação contextualizada, além de permitirlhes compreender os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e principalmente a si próprios como profissionais. Pude constatar ainda neste estudo, que a narrativa de história de vida é um valioso instrumento para compreensão do processo de constituição das identidades profissionais do professor, considerando o processo reflexivo que pode propiciar. De acordo com Riessman (1993), a linguagem utilizada na narrativa deve ser entendida como constitutiva da realidade, ou seja, é por meio dela que o narrador se expressa criativamente e constrói seu mundo repleto de sentimentos, de sua compreensão e interpretação. Assim, a partir dos significados construídos pelo ato de narrar histórias de vida pude compreender melhor como as identidades profissionais foram constituídas no contexto do curso on-line. Talvez a mais importante contribuição ocasionada pelo desenvolvimento desta pesquisa foi ter a oportunidade de compor sentidos da própria história e das histórias das três professoras. Neste exercício pude tomar conhecimento do inestimável valor que tem a experiência prática pessoal construída durante nossa vida, nos contextos de aprendizagem formal e informal, em todas as vivências que nos proporcionam momentos significativos de crescimento pessoal e profissional. Percebi o entrelaçar do eu no âmbito profissional, a impossibilidade de separar essas dimensões no processo de constituição de nossas identidades profissionais. A experiência que vivi no curso de formação continuada on-line foi recompensadora para mim porque posso visualizar agora, de forma mais holística, algumas 104 das necessidades e dificuldades dos professores de LI em relação às TICs. Pude perceber ainda que compartilho os mesmos sentimentos dos professores da rede pública quanto ao ambiente de ensino-aprendizagem digital. Acredito que tenha aprendido a ser e a tornar-me outra pessoa, outra profissional, mais centrada nas peculiaridades que envolvem o ser aprendiz e o processo de aprender a aprender. Hoje, mesmo ciente da minha incompletude, me sinto mais consciente quanto à relevância do conhecimento prático, do autoconhecimento, da autorreflexão para o desenvolvimento pessoal e profissional. Talvez esteja mais preparada para trabalhar com a formação inicial e continuada de professores de LI em ambientes presencial e digital. Esta construção de conhecimento provocou algumas transformações em mim, que podem ser comparadas com as identidades que se constituem em ritmo ininterrupto, enquanto os traços identitários são reconstituídos de forma infinita nas experiências vividas, que produzem alterações na constituição do self. Algo que me motiva muito a continuar compondo sentidos na vida profissional é que nos transformamos sempre, não passamos por nenhuma experiência sem ser alterados e ressignificados, e ainda temos a chance de nos tornar melhores como seres humanos. Por isso, concordo com Clandinin e Connelly (2000:189), quando afirmam que, ao narrar nossas histórias de vida, temos a oportunidade de reviver, tomar novos rumos e fazer as coisas de novas maneiras. Ao encenar esta peça, surgiram alguns questionamentos que podem servir como sugestões para enredos futuros. Passo agora a discutir alguns destes enredos. Retomando o fato de que os professores já vivenciaram a experiência como participante/aprendiz no curso on-line de formação continuada, o que lhes possibilitou compreender melhor o que é ser aluno nesse contexto. No próximo módulo poderão ser acrescentadas atividades que contemplem a relevância da docência de forma crítica e reflexiva e o papel do docente no ambiente digital, bem como reflexões para que o professor possa utilizar a tecnologia e a Internet na criação e avaliação de material didático, atividades, planejamento e organização, para construir subsídios a fim de utilizar de maneira mais consciente os instrumentos e ferramentas tecnológicas na sua prática pedagógica. A partir da continuidade e aprofundamento de aspectos pertinentes à formação do profissional professor de LI, bem como de uma melhor capacitação para que possa atuar no 105 contexto digital de ensino-aprendizagem, este estudo poderá ser ampliado com vistas a compreender como continua o processo de constituição da identidade profissional das professoras participantes do curso, ao conduzirem sua docência no ambiente de ensino digital. Outra possibilidade de um trabalho futuro seria acompanhar as professoras participantes deste estudo para saber se elas incorporaram as TICs na sua prática pedagógica e investigar de que forma elas usam a tecnologia em benefício de suas aulas de LI. Mediante o desenvolvimento da docência em ambiente digital e dos estudos acerca da compreensão identitária dos docentes, seria interessante analisar a constituição identitária dos alunos de LI de ensino fundamental e médio, que forem contemplados com a oportunidade de inclusão digital e receberem uma formação que possibilite o letramento digital. Como uma atriz iniciante, fui uma pesquisadora que encenou sua primeira peça. A falta de experiência e a insegurança podem ter atrapalhado um pouco o meu desempenho. Contudo, esta peça ainda pode ser complementada, mexida, remexida, desconstruída e reconstruída, por mim, por nós ou por quem desejar. Esta peça é de fato minha, mas sem os demais atores eu não teria desempenhado o papel de pesquisadora-participante. Seria impossível de encená-la sem a valiosa contribuição de todos, tanto nos palcos como nos bastidores. Acredito que a experiência obtida pelo caminho da encenação, que levou quase um ano para ser trilhado, vai repercutir no meu eu enquanto existir fôlego de vida. Essa peça encenada é apenas um intervalo entre as partes de um espetáculo muito movimentado, que assim como a constituição identitária acontece em ritmo frenético, indefinido e inconcluso. Almejei muito chegar ao fim desta peça, mas agora percebi que ela não tem fim, o show terminou, mas o espetáculo continua... 106 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AIRES, C. J.; LOPES, R. G. F. Gestão na educação a distância. In: SOUZA, A. M.; FIORENTINI, L. M. R.; RODRIGUES, M. A. M. (Orgs.) 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Agradecemos sua colaboração e colocamo-nos a seu dispor para quaisquer esclarecimentos adicionais. A equipe do projeto. SOBRE A PRÁTICA NA SUA ESCOLA 1 - Na sua escola, qual o acesso que você tem a (marque um X na resposta): Acesso razoável Acesso restrito Não há acesso TV ( ) ( ) ( ) DVD Player ( ) ( ) ( ) Biblioteca ( ) ( ) ( ) Computador ( ) ( ) ( ) Internet ( ) ( ) ( ) Retroprojetor ( ) ( ) ( ) Datashow Jornal ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) Revistas/Periódicos ( ) ( ) ( ) 114 SOBRE SUA PRÁTICA EM SALA DE AULA (Marque com um X ou explicite a informação solicitada) Atua em escola: rede estadual ( ) rede municipal ( ) Carga Horária semanal (total): ___________ Número médio de alunos por sala: _________ Faixa etária dos alunos: ___________ Livro(s) didático(s) que usa: __________ SOBRE SUA FORMAÇÃO (Marque um X ou explicite a informação solicitada) Ensino Médio Escola: Estadual ( ) Municipal ( ) Particular ( ) Supletivo( ) Magistério( ) Período: Matutino ( ) Vespertino( ) Noturno( ) Cidade: _______________________ Instituição: ____________________ Ano de conclusão: __________ Curso Superior Universidade: Estadual ( ) Federal ( ) Municipal ( ) Particular ( ) Período: Matutino ( ) Vespertino( ) Noturno( ) Cidade:______________________ Instituição:___________________ Ano de conclusão:_____________ Se você fez especialização, indique: Curso_______________________ Instituição__________________ Cidade____________________________ Ano de conclusão_____________ Se for o caso, cite outros cursos que você já fez e considera relevantes para sua vida profissional. ____________________________________________________________________ 115 SOBRE VOCÊ, PROFISSIONAL: Onde trabalha: ________________________________________________________ Tempo de prática docente: ________________ Que computador você utiliza (rá) para fazer esse curso semipresencial? Da escola ( ) o seu ( ) de outro local ( ) Na condição de usuário de computador, você utiliza que aplicativos (marque um “x”)? Aplicativos Não uso Uso pouco Uso razoavelmente Uso bem Word ( ) ( ) ( ) ( ) Excel ( ) ( ) ( ) ( ) Internet ( ) ( ) ( ) ( ) Correio Eletrônico ( ) ( ) ( ) ( ) Power Point ( ) ( ) ( ) ( ) Outros (especificar) ___________________________________________________ 13- Indique em qual horário (preferencialmente) você acessará o curso. ( ) Horário de trabalho. ( ) Fora do horário de trabalho. ( ) Em ambos. 14-Você já participou de algum curso de Formação Continuada a Distância? Sim ( ) Não ( ) Se sim, especifique: Nome do curso: ___________________________________ Ambiente do curso:_________________________________ 116 Anexo 2 Questões para gerar autobiografia, enviadas por e-mail ao término do curso on-line: O que o levou a fazer Letras? Como foi sua formação linguística e profissional? Como você se tornou um profissional professor? Relate um pouco da sua história, experiência escolar, prática pedagógica e relação à língua inglesa. Nesse processo descreva quem é você como aprendiz e professor de língua inglesa e como gostaria de ser. Explique suas razões. Fale sobre sua experiência no curso on-line, se atingiu suas expectativas ou não e explique por que. Como se sente em relação à sua vida profissional diante do uso da tecnologia? Percebeu alguma mudança? Explique de que forma. 117 Anexo 3 Perguntas utilizadas nas entrevistas narrativas com os professores-alunos, antes, na metade e no final do curso on-line: Primeira entrevista – antes do curso - 15 de março de 2010 1. Poderia dizer-me quais foram suas motivações para participar do curso de formação continuada para professores de Língua Inglesa a distância? 2. Poderia contar-me quais são as suas expectativas em relação ao curso on-line? Segunda entrevista – na metade do curso - 28 de maio de 2010 1. Você acredita que existe diferença na prática pedagógica de um docente em ambiente digital e presencial? Explique a partir do que vivenciou. 2. Como educador de língua inglesa, de que forma descreveria quem é você, o que você poderia ser e quem você quer ser? Terceira entrevista - ao final do curso - 28 de junho de 2010 1. Como você compreende quem você é enquanto um profissional, professor de LI? 2. Quais eventos e pessoas tiveram ou ainda têm importância na sua vida profissional? 3. Como vê seu papel como professor/aluno no ambiente de ensino-aprendizagem digital? 4. Como você compreende seu papel e sua prática profissional após o curso on-line? 5. Que tipo de professor deseja ser? Por quê? 118 Anexo 4 Perguntas enviadas por e-mail no início do curso on-line: Caro professor, Conto com a sua participação para relatar sua opinião e experiência profissional. Se desejar, acrescente qualquer fato que julgue ser necessário ou importante na sua trajetória de aluno e professor de Língua Inglesa. Agradeço a sua colaboração. Questionário 1 - 28 de fevereiro de 2010 1. Como foi sua formação linguística e profissional? 2. Como você define sua prática pedagógica atual? 3. O que significar ensinar para você? 4. Quais são suas expectativas em relação a esse curso? Questionário 2 1. Qual é sua experiência em relação a cursos a distância? Fez algum curso em ambiente digital ou semipresencial? 2. Com que frequência você utiliza a Internet dentro e fora da escola e para quê? 3. Participa de alguma comunidade na Internet, como Orkut ou Facebook? 4. Como você acha que é estudar e ser professor em curso a distância? 5. Quais as possíveis dificuldades você poderá encontrar? 6. Quais são as possíveis vantagens de um curso mediado por computador? 119 Projeto de Extensão – UNEMAT – Campus Universitário de Pontes e Lacerda CURSO ON-LINE PARA PROFESSORES DE INGLÊS DA REDE PÚBLICA DE PONTES E LACERDA Introdução: Este curso visa oferecer possibilidades de ampliar os conhecimentos teóricos e práticos, bem como, propiciar reflexões acerca de questões cruciais ao bom desempenho didático-metodológico e linguístico do professor de Língua Inglesa. Justificativa: Viabilizar uma proposta de curso on-line para professores de língua inglesa em pré-serviço e em serviço da Rede Pública de Ensino Estadual e Municipal da cidade de Pontes e Lacerda-MT, que propõe reflexões quanto à ressignificação de suas práticas educacionais, que venha ao encontro de suas necessidades de qualificação. Objetivos: Possibilitar a reflexão dos professores sobre suas identidades: quem são e no que acreditam em relação à educação, linguagem e processo de ensino-aprendizagem; Oferecer aos professores a oportunidade de reflexão e autoconsciência sobre seus papéis no ensino de LI, tendo em vista as TICs e as mudanças no contexto sóciohistórico contemporâneo; Criar situações de aprendizagem com foco na construção de um processo colaborativo de conhecimento, em que o papel do professor seja o de mediador. Contribuir para uma melhor capacitação tecnológica dos professores, para que possam explorar ferramentas on-line e sites para fins didáticos em benefício de sua prática pedagógica. 120 Unit 1- 1st week = Sharing 1 - Profile: Getting to know each other. As this is our first meeting we feel the need to know a bit about each other. So, let‟s complete on our blog some personal information. 1- I have been teaching for more than _______ years; 2- I like teaching______________ ( kids/adults ); 3- I learned English at __________________ ( a Language School/somewhere else); 4- I believe speaking English in class______________ ( is/isn‟t ) necessary; 5- I have taken part in a ___________( Distant Teaching Training Course/other one); 6- I _____________________( feel / don‟t feel) comfortable dealing with technology; 7- I_____________( enjoy/don‟t like) learning about technology classroom strategies; 8- I feel ___________( comfortable/embarrassed ) learning technology from students; 9- I _______________( enjoy/don‟t like) reading English magazines and newspapers; 10- I ___________________________ ( take / don‟t take ) part in on-line community. 2 - Now take a look at your colleagues’ blogs to find out interesting things about them. 3 - Reflective diary: Based on the information shared write a paragraph in English about the things you have in common with your friends. Send it to your tutor‟s e-mail. 121 3.1 - Then, write your biography on your blog considering the same ideas. Add some information you think is interesting to mention. 4 - Read the text: Carta aos Professores by Paulo Freire, on this site: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142001000200013 4.1 - Then, write a text considering in which ways the text is related with your pedagogical practice. Send it to your tutor‟s e-mail. Unit 2 - 2nd week = Caring & Meaning What made me me? Reminder: Last unit we did an activity, which helped you to know a bit about each other. Now, let‟s think a little about teaching! “Stories and narratives, whether personal or fictional, provide meaning and belonging in our lives. They attach us to others and to our own histories by providing a tapestry rich with threads of time, place, character, even advice on what we might do with our lives. The story fabric offers us images, myths, and metaphors that are normally resonate and contribute both to our knowing and our being known... The narrator too has a story, one that is embedded in his or her culture, language, gender, beliefs and life story. This embeddedness lies at the core of the teaching-learning experience.” (Witherell & Noddings, Stories Lives Tell, 1991) 1 - Teaching - Learning stories: Complete the following sentences for yourself. Then check if you can add a sentence of your own. Later, go to the discussion list and write about three of the sentences. As a teacher, the type of activity I most enjoy is… One type of activity I think students learn a lot is… 122 The kind of change I would like to make in my teaching is… One technique I would like to try out in class is… What is effective teaching? Is teaching a unidirectional process? Is it my problem if the students don‟t learn? Do I involve students actively in the teaching-learning process? Do I do my best to teach effectively? 2 - Read the text: Towards Reflective Teaching by Jack C. Richards on this link: http://www.tttjournal.co.uk/uploads/file/back_articles/towards_reflective_teaching.pdf Suggestions on how to read: It would be nice if you read the whole text once just to have a general idea of it. If you need you can read it twice, try not to use the dictionary guessing the meaning of the unknown words from the context. After reading it twice, have a look at the questions and make sure that you understand them, then go back to the text and try to find the answers there. While doing this activity feel free to solve your doubts with your colleagues or your tutor. 3 - Answer according to the author and send it to your tutor’s e-mail. What is reflection? How does reflection take place? Which approaches to critical reflection does the author mention in the text? Which of the approaches mentioned would you like to make use of if you had a chance? And why? 123 Unit 3 - 3rd week: Teaching Narratives. Reminder: Last week you had the opportunity to think about reflective teaching. Now, let‟s write about your own teaching experience. 1 - Reflective Diary: In this activity you will have the chance to read three narratives from English Teachers. This may give you some inspiration to start reflecting about your own teaching story. We‟d like you to read and listen to these stories: Number 1 from Paula: http://www.veramenezes.com/profaudioing1.htm; Number 2 from unknown writer: http://www.veramenezes.com/profaudioing2.htm; Number 3 from Karoline: http://www.veramenezes.com/profaudioing5.htm. After reading the narratives think about what are the similarities with your learning teaching experience. And exchange your impressions with your colleagues on the discussion list. 2 - Now that you’ve learned about people’s learning and teaching experiences, it’s time for writing about your own experience. Have a look at the questions below as a guideline to help you elaborate your own narrative on your blog. Answer all the questions. Identities: What kinds of things have been important to you? What is your life right now? What do you care about, think about? If you were to tell yourself who you really are, how would you do that? Teaching: Why did you choose to become a teacher? What is your personal teaching philosophy? 124 What is your definition of “teaching”? What is your definition of “knowledge”? Have your beliefs about teaching English changed over the years? Do you plan to be an inclusive teacher? Learning: How did you learn English in Elementary School? How did you learn English in High School? Did you study in a language institute and how was it? Did you learn English outside the classroom? Have your beliefs about learning English changed over the years? Why? What role your teachers and other people played in your learning process? What did you use to do/ usually to improve your English? Have you traveled abroad and how much you learned during your trips? Why did you become a teacher? Have your beliefs about teaching English changed over years learning? Culture: How do you define culture? How they interplay among language, genre, power, find its way into your life, classroom, school, or lives of your students? What role might social justice and social change play in your school curricula? All right, now you probably have a nice story about yourself to be published! Go to your blog and write it down. 125 Unit 4 - 4th week = Reflective & Collaborative work Reminder: Last week you had the chance to write and publish your own narrative. 1 - Reflective Diary: Now it‟s time for you to have a look at your colleagues‟ stories and reflect about them using the questions below: Is your narrative similar to the other teacher‟s stories? In what ways is your story similar or different? Have you and all the teachers whose stories you read learned English the same way? What has actually helped you and other teachers learn English? What roles have teacher‟s played in the students‟ learning process? What do all the stories reveal concerning beliefs about education? What do all stories reveal concerning beliefs about language learning? What do the reveal concerning beliefs about language teaching? 2 - Let’s share your impressions about the inquiries above on the list discussion. 126 Unit 5 - 5th Week: Reflecting about Teaching Environment Reminder: Last week you reflected about your friend‟s narratives and teaching role. 1 - Reflective Diary: Now let‟s exchange ideas about our schools. Have a look at the photos below and choose the one/ones that best describe(s) your teaching environment. To visualize them better: Ctrl + clic. 1.1 – After choosing it/them, write about the similarities you consider the most important ones and send it to your tutor by e-mail. 2 – Make a description of the physical structure of your school and class, the number of students in each class, the school and class facilities (library, sport center, study room, 127 reading corner, posters on the wall, boarders, sports court?, the classroom arrangement and whatever you want to mention. 3 – Now, post it on your blog for sharing information about your school. Use the questions below as a guideline: What kind of school do you work for? What are the resources and restrictions of this school? Does it have a policy manual or handbook? Who is the director? Do you have an easy access to him/her? How many students are there? How many teachers? Do you know all the teachers and the staff there? Are there other English teachers? If so, do you get together to exchange ideas? How would you describe your classroom? 4 - Read about: Role Effectiveness Profile - Julian Edge on the site: http://oz.plymouth.edu/~lsandy/effective.html 5 - Write on your blog a paragraph talking about your role as an English teacher at your school. 6 - What about having a look at your friends’ work? Have a look at your friends‟ work on their blogs and make comments on them. 128 Unit 6 - 6th week: Talking about learners Who are/were your students? Reminder: Last two weeks, we had the opportunity to reflect on your teaching environment and your role as a teacher. This week we would like to take you on a journey again through your teaching environment, but this time the focus is on your students. 1 - Think about your teaching groups and choose one to focus on. Think about the students of this group and write down on your blog their perception on the topics below (feel free to add some more topics if it‟s necessary): What are they like? How old are they? How do they feel about their English lessons? What are their learning preferences? What are their learning styles? What‟s learning English for them? What are their language concepts? And learning teaching concepts? What are their favorite learning themes? 2 - Based on the perceptions you had on the students’ answers; tell us through e-mail your impressions about the topics below: What information surprised you as their teacher? Were there things that you didn‟t know about the students? If so, which were they? Are your students learning preferences in consonance with your teaching preferences? If not, would you find it possible to change your teaching approach to meet their expectations? In what ways would you do that? 129 3 - Reflective diary: By email, share some ideas with your colleagues on ways you can enhance your teaching practice. E.g.: by reading academic books on learning and teaching approaches, on-line journal and teaching magazines subscriptions, seminars, lectures, teaching/learning congress like APLIEMT, Bras -TESOL, sharing ideas with the other colleagues taking part in continuum teaching courses. 4 - Look for a text on the Internet about a teacher describing his/her students learning preferences, learning styles, etc, and a text in which teachers mention the strategies they use to improve their teaching. Then add it on your blog and send it for your classmates. Unit 7 - 7th week: Talking about a Teaching Unit and a Lesson Reminder: You‟ve shared a lot of information about your teaching knowledge and experience, the environment you work in and your students´ profiles. Now, it‟s time for you to focus on one of your teaching lesson. 1 - How about choosing a lesson that you either taught or will teach the group of students you mentioned on Unit 6 and describe it to us. In your description we suggest you to mention your students‟ profile again, the objective of the lesson, its length, the type of activities, the material used, etc. 2 - Reflective diary: Read some reflective follow up Case Study and choose one of them and make some comments on our discussion list. Go to the site: http://books.google.com.br/books?id=zIhFAuWxRsMC&pg=PA32&lpg=PA32&dq=reflec tive+teacher+describing+a+lesson+taught&source=bl&ots=eMoixDkOGq&sig=BYxrBtQ D3iZraOgoMl7hMZcspYI&hl=ptBR&ei=hB_TSuScMsWJuAff7riFCQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=4&ved =0CB4Q6AEwAw#v=onepage&q=&f=false 130 3 - Post your lesson on your blog. 4 - Now take a look at your friends’ and make some comments about their lessons. 5 - Go to the discussion list and add your impressions about the lessons in order to improve them. How were the students‟ reactions to the lesson? Are there things that you would do differently? Why? Unit 8 - 8th week: Talking about your Future Plans Reminder: Last unit we focused on teaching lessons. Now, let‟s think about your future English teaching practice. 1 - Reflective diary: what are your aims in your teacher career? Answer the questions below on the discussion list: What are your professional perspectives? What kind of competences would you like to develop to improve your teaching practice? In which ways can you do that? What are your expectations for your future teaching - learning practice? In which ways this course contributed to your teaching/learning approaches? 2 - On your e-mail answer these questions about your experience during the participation on the course. What do all the stories reveal concerning beliefs about education? And about language learning? What did you learn from writing your narrative? 131 And for sharing these narratives? Has your writing being affected by the narrative assignment? If so, how? Will the writing of narrative influence your future as a teacher? If so, how? 3 - Now post on your blog the general evaluation about the whole course. Feel free to make all the relevant comments you want to. If you can give us some suggestions to enhance the course, we‟ll be grateful. Thank you very much! Best wishes! Prof.ª Carmem Zirr Artuzo Coordenadora do Projeto de Extensão