UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE
LINGUAGEM
CARMEM ZIRR ARTUZO
A CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA DO PROFESSOR DE
LÍNGUA ESTRANGEIRA FRENTE À FORMAÇÃO
CONTINUADA ON-LINE
CUIABÁ - MT
2011
CARMEM ZIRR ARTUZO
A CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA DO PROFESSOR DE
LÍNGUA ESTRANGEIRA FRENTE À FORMAÇÃO
CONTINUADA ON-LINE
CUIABÁ – MT
2011
i
CARMEM ZIRR ARTUZO
A CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA DO PROFESSOR DE
LÍNGUA ESTRANGEIRA FRENTE À FORMAÇÃO
CONTINUADA ON-LINE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato
Grosso como parte dos requisitos para a obtenção do título
de Mestre em Estudos de Linguagem, sob a orientação do
Professor Dr. Dánie Marcelo de Jesus.
CUIABÁ – MT
2011
ii
iii
A792c
Artuzo, Carmem Zirr
A constituição identitária do professor de língua estrangeira frente à formação
continuada on-line / Carmem Zirr Artuzo – Cuiabá/MT – 2011.
X, 130 f.
Orientador: Prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus.
Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem). Universidade Federal de
Mato Grosso. Instituto de Linguagem. Programa de Pós-graduação em Estudos de
Linguagem, 2011.
Bibliografia: f. 105-110.
Inclui anexos.
1. Constituição identitária. 2. Formação de professores. 3. Professores – Língua
estrangeira. 4. Professores – Formação continuada – On-line. 5. Tecnologias digitais –
Formação de professores. 6. Linguistica Aplicada. I. Título.
CDU: 81‟33
iv
Dedico este trabalho aos meus filhos
Camile, Eduardo e Artur, por terem
tolerado minha ausência e ao José
Alberto, meu companheiro e encorajador
incondicional.
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço de maneira especial às seguintes pessoas que foram muito importantes
para minha pesquisa:
Ao meu orientador, Professor Doutor Dánie Marcelo de Jesus, pela preciosa
orientação, por ser amigo, paciente e, acima de tudo, por valorizar as pessoas de forma
humana durante esta jornada.
À Professora Dilma Mello, pela simpatia e por ter me apresentado caminhos na
qualificação, que minha inexperiência não me permitiu enxergar.
À Professora Doutora Ana Antonia Assis-Peterson, pelas sugestões e ensinamentos
no início do desenvolvimento deste trabalho.
Aos Professores Doutores, Maria Inês Pagliarini Cox, Sérgio Flores Pedroso,
Simone Padilha e Solange Barros Ibarra Papa, pelas reflexões que contribuíram para a
construção do conhecimento durante as disciplinas e que fizeram com que eu aprendesse
muito.
Às minhas queridas colegas de mestrado, Sandra Pinotti e Mônica Birchall, que
contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento das unidades didáticas do
curso on-line. Agradeço ainda, em especial, à minha companheira Sandra Pinotti, que
esteve sempre presente durante todo o percurso e em todos os momentos que precisei,
mesmo a distância.
Aos meus companheiros da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT,
que fazem parte do Projeto de Extensão Formação Continuada para Professores de LI,
Erika Regina e Helvio Moraes, pelo apoio prestado no curso e pela ajuda na universidade
durante o tempo que eu cursei o mestrado.
Às professoras-alunas, participantes da pesquisa, por terem colaborado na
construção das narrativas de histórias de ensino-aprendizagem de língua inglesa.
À professora e amiga Perla Haydée, pelo empenho e participação no curso on-line.
Aos dirigentes da Fundação de Amparo à Pesquisa – FAPEMAT, agradeço a bolsa
que me foi concedida e imprescindível para a realização desta pesquisa.
Muito obrigada!
vi
Enfim, enfim, quebrara-se realmente meu
invólucro, e sem limite eu era. Por não ser,
eu era. Até o fim daquilo que eu não era, eu
era. O que não sou eu, eu sou. Tudo estará
em mim, se eu não for; pois „eu‟ é apenas
um dos espasmos instantâneos do mundo
(LISPECTOR – A paixão segundo G. H, p.
178).
vii
RESUMO
O objetivo desta pesquisa é investigar e descrever os traços predominantes constitutivos do
processo de (re)constituição das identidades profissionais de professores de LI, durante a
participação em um curso de formação continuada em ambiente digital, com o objetivo de
compreender como ocorre o processo de constituição identitária. A partir de autobiografias
e entrevistas narrativas realizadas com três professoras participantes, analisei as narrativas
de história de vida levando em consideração os traços subjetivos que afloraram e as
transformações advindas da nova experiência de ensino-aprendizagem, como elemento
responsável pelas alterações dos percursos dessa constituição. O contexto da pesquisa foi
um curso de formação continuada on-line, oferecido no primeiro semestre de 2010, aos
professores de inglês da rede pública, através de um Projeto de Extensão da Universidade
do Estado de Mato Grosso – UNEMAT. As participantes da pesquisa foram três
professoras e eu. Este trabalho foi desenvolvido mediante os fundamentos teóricos sobre
Identidade e Linguagem, consoante Moita Lopes (2002; 2006), Hall (2005), Silva (2005) e
Rajagopalan (2006; 2008); A identidade do professor de línguas na sala de aula presencial
e digital, com base em Lévy (2001), Ramal (2002), Carmagnani (2006) e Nóvoa (2007); O
conceito de ambiente digital de ensino-aprendizagem e a relevância das TICs, de acordo
com Warschauer e Meskill (2000), Kleiman e Vieira (2006), Sharma & Barret (2007),
Kenski (2008), Vallin (2009), Alonso e Alegretti (2009), Paiva (2009) e Almeida e Prado
(2009). O percurso teórico-metodológico utilizado foi o da pesquisa narrativa, com o foco
na análise temática de narrativas, de acordo com os autores Riessman (1993; 2008),
Johnson & Golombeck (1993), Clandinin & Connelly (2000), Jovchelovitch & Bauer
(2002), Gaskell (2002) e Mello (2004), ao tomar como dados as histórias de vida das três
professoras participantes do curso de formação continuada on-line. A partir dos traços
apresentados nas narrativas das professoras, como insegurança, incompletude, incerteza,
desejo, descoberta, adesão, ação, autoconsciência, adaptação, organização e superação, foi
possível perceber que o processo de constituição da identidade docente ocorre através de
um processo dinâmico, como uma movimentação frenética, impetuosa, que emerge de
determinantes sócio-históricos, culturais e afetivos.
Palavras-chave: tecnologias digitais, formação de professores, constituição identitária.
viii
ABSTRACT
The objective of this research is to investigate and describe the predominant traits that
constitute the process of (re) constitution of professional identities of English Language
teachers, while participating in a continuing education course in the digital environment, in
order to understand how the process of identity construction occurs. From autobiographies
and narrative interviews conducted with the three teachers involved, I analyzed the
narratives of life history paying attention to subjective changes that arose and the
transformations coming from the new experience of teaching and learning as part of the
pathways responsible for changes of this constitution. The context of the research was an
online continuing education course offered in the first half of 2010 to English teachers of
public schools, through an Extension Project at the University of Mato Grosso – UNEMAT
and the participants were three teachers and myself. This work was developed based on the
theoretical foundations on Identity and Language, according to Moita Lopes (2002; 2006),
Hall (2005), Silva (2005) and Rajagopalan (2006; 2008); The identity of a language
teacher in the digital and face-to-face classroom, based on Lévy (2001), Ramal (2002),
Carmagnani (2006) and Nóvoa (2007); The concept of the digital environment for teaching
and learning and the relevance of ICTs, according to Warschauer and Meskill (2000),
Kleiman and Vieira (2006), Sharma & Barret (2007), Kenski (2008), Vallin (2009), Alonso
and Alegretti (2009), Paiva (2009) and Almeida and Prado (2009). The theoretical and
methodological course was the narrative research, with the focus on thematic analysis of
narratives, according to the authors Riessman (1993; 2008), Johnson & Golombeck (1993),
Clandinin & Connelly (2000), Jovchelovitch & Bauer (2002), Gaskell (2002) and Mello
(2004), when considering data the life stories of three teachers participating in the
continuing education online course. From the traces shown in the narratives of teachers
such as insecurity, incompleteness, uncertainty, desire, discovery, acceptance, action, selfawareness, adaptation, organization and resilience, it is noted that the process of formation
of teacher identity is a dynamic process, with a frantic drive, brash, emerging from social,
historical, cultural and affective determinants.
Keywords: digital technologies, teacher education, establishment of identity.
ix
SUMÁRIO
Introdução......................................................................................................11
CAPÍTULO I
1. ENREDOS TEÓRICOS
1.1 Linguagem e identidade........................................................................23
1.2 A identidade do professor de línguas na sala de aula presencial
e digital..................................................................................................30
1.3 Ambiente de ensino aprendizagem digital...........................................34
1.4 A relevância das TICS no processo de formação continuada para
professores de Língua Estrangeira...............................................................38
CAPÍTULO II
2. CENÁRIOS METODOLÓGICOS
2.1 Caracterização da pesquisa....................................................................41
2.2 O contexto da pesquisa..........................................................................47
2.3 As personagens da peça.........................................................................49
2.4 Procedimento da coleta e análise dos dados.........................................53
CAPÍTULO III
3. A PEÇA: DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
3.1 A abertura das cortinas e as três professoras: características e
subjetividades no enredo da autobiografia................................................. 58
3.2 Os traços característicos e o processo de constituição da identidade
profissional das professoras.........................................................................65
3.2.1 Ato I: A troca de experiências com o Outro...................................66
3.2.2 Ato II: A falta de fluência na língua alvo.......................................67
3.2.3 Ato III: A insegurança frente ao desconhecido..............................69
3.2.4 Ato IV: A organização do tempo e a disciplina.............................70
3.2.5 Ato V: O desejo de inserção no ambiente digital...........................72
3.2.6 Ato VI: A incompletude do sujeito professor.................................74
3.3. Discussão e interpretação....................................................................77
3.3.1 O processo de constituição da identidade profissional do professor
de LI........................................................................................................89
x
Considerações Finais: fechamento das cortinas
A constituição identitária do professor de LI em ambiente digital: em busca de
entendimento...................................................................................................93
Referências bibliográficas..........................................................................105
Anexos...........................................................................................................111
xi
11
INTRODUÇÃO
Inicio convidando os leitores para compartilhar um pouco da minha trajetória como
aprendiz e professora. Busco dar ênfase às minhas experiências por acreditar que essas
vivências delinearam minha constituição identitária profissional e podem dialogar com
mais coerência com a metodologia de pesquisa utilizada neste estudo. Para tanto, optei por
desenvolver este trabalho com base em metáforas referentes ao teatro porque elas explicam
o dinamismo e a volatilidade da constituição identitária como a encenação de uma peça
teatral na qual o enredo, os personagens, os espaços alteram-se à medida que a trama se
desenrola.
Passo agora a descrever um pouco da minha história de aprendiz e professora de
Língua Inglesa (doravante LI), com vistas a dar ênfase às experiências de vida, conforme a
perspectiva teórico-metodológica da pesquisa narrativa de Clandinin e Connelly (2000).
Em seguida relato o que eu considero como os bastidores desta pesquisa, apontando alguns
fatos introdutórios, como a organização da peça, as cenas que seguem, fatos que precedem
o enredo e a encenação desta peça teatral, enfim, compartilho ainda as minhas motivações
para encená-la.
Sou Carmem, professora na área de LI e pesquisadora-participante deste trabalho.
Tenho 37 anos, sou graduada em Letras – Português/Inglês pela Universidade Estadual do
Mato Grosso – UNEMAT, especialista em Ensino e Aprendizagem de Língua Estrangeira,
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC e discente do Mestrado em
Estudos da Linguagem pela Universidade Federal de Mato Grosso – MeEL.
Aos nove anos de idade comecei a estudar inglês em uma escola de idiomas, pois
era fascinada pela língua. Pela motivação e facilidade, aprendi muito rápido e passei a
gostar ainda mais do idioma. Então, escolhi o curso de Letras por desejar ser uma
professora de LI.
Iniciei o curso de Letras com 19 anos. Na primeira aula fiquei frustrada porque a
professora, apesar de muito simpática e de ser proficiente na língua-alvo, não possibilitava
a construção da aprendizagem como eu esperava. Mesmo assim, minha motivação em
relação à aprendizagem da LI era imensa e a universidade representava para mim o lugar
ideal para que isso se efetivasse.
Aquela primeira professora permaneceu conosco até o segundo semestre apenas. O
12
nível de língua que ela trabalhava era o básico, com atividades tradicionais e pouco
motivantes. O foco das aulas era apenas a estrutura e o livro didático direcionava tudo.
Contudo, no III semestre, um novo professor trouxe boas expectativas quanto à
aprendizagem de LI. Ele era dinâmico, extrovertido, possuía boa fluência e sua prática
pedagógica era ótima para mim. A ênfase nas suas aulas era a comunicação oral e escrita e
ele não seguia um material didático específico, mas diversificava as atividades,
contemplava todas as habilidades e os mais variados estilos de aprendizagem. Ele ainda
incentivava a leitura de livros literários na LI. Então, voltei a sonhar com a possibilidade
de falar inglês e de ser uma profissional da área.
A partir disso, a minha disciplina favorita continuou a me contagiar e a cada aula eu
ficava mais envolvida. Como gostava das aulas e já tinha facilidade em aprender o idioma,
sempre me destacava entre os demais discentes e o meu professor, que trabalhou até o VII
semestre, me elogiava e incentivava muito a seguir a carreira docente.
Ainda na graduação, admirei muito os meus professores de Literatura Inglesa e
Norte-americana e de Linguística Aplicada. O primeiro, pelo fato de ministrar todas as
aulas na língua-alvo, contribuiu de forma considerável para que eu melhorasse meu nível
de LI. O segundo, também muito querido por todos, me apresentou as diversas
possibilidades de abordagens teóricas e metodológicas que podem fundamentar a prática
pedagógica do professor de línguas. Esse contato com as pesquisas possibilitaram a minha
reflexão e percepção sobre elementos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem de
línguas que me angustiavam e que me despertaram ainda mais interesse pela profissão
docente.
No ano seguinte da minha graduação, comecei a fazer um curso de especialização
em ensino e aprendizagem de Inglês, na PUC de Minas Gerais. Nesse curso de dois anos,
ampliei muito meus horizontes profissionais, conheci várias pessoas interessantes e,
principalmente, desenvolvi a escrita acadêmica na LI. Os professores, em sua grande
maioria, foram encantadores e ministraram as aulas na língua-alvo. Foi nessa época que
tive o primeiro contato com a fonética da língua e com a tecnologia no processo de ensinoaprendizagem de LI. Fiquei deslumbrada com a possibilidade de trabalhar a língua-alvo
utilizando a Internet. Desde então, percebi o quanto eu ainda tinha para aprender e
desenvolver profissionalmente.
Agora passo a comentar sobre a minha atuação profissional, na peça em que enceno
o papel de professora.
13
Iniciei minha carreira de docente de LI em uma escola particular, ministrando aulas
no ensino fundamental e médio quando eu cursava o V semestre de Letras. Nesta escola, o
material apostilado era fundamentado na abordagem da gramática e tradução. Apesar de
tentar diferenciar as aulas com atividades interativas na LI, quando tinha que retomar a
apostila era extremamente cansativo e desestimulante, tanto para os alunos, quanto para
mim. Pelo fato do material de inglês estar incluso na apostila, que era paga pelos pais, o
professor não podia deixar de utilizá-lo até o final. Isso me trazia uma insatisfação imensa.
Cheguei até a fazer uma reunião com a coordenação da escola para tentar explicar que a
qualidade do material não era aquela que eles imaginavam. Também conversei com os pais
dos alunos para tentar adotar outro material, com um custo bem acessível. No entanto,
minhas tentativas não tiveram êxito, o que me tornou desacreditada em relação ao ensino
naquele contexto. Desta forma, após seis anos trabalhando nessa escola, a falta de
liberdade que o profissional tinha em sala de aula, me fez desistir.
No VI semestre de Letras, comecei a estudar e trabalhar na escola de idiomas do
meu professor de LI, que também dava aulas na universidade. Eu assistia às aulas no curso
avançado e ministrava aulas em cinco turmas, sendo uma delas infantil. Na época fiquei
entusiasmada com a LI e com a minha nova profissão. A perspectiva de ensino era
totalmente diferente e então comecei a comparar com o meu trabalho na escola de ensino
fundamental e médio. Na escola de idiomas, eu podia trabalhar exatamente como eu
gostaria, dentro da abordagem comunicativa. Na ocasião, recebi um bom treinamento
metodológico para utilizar o material didático da escola e os materiais extras. Logo fui
conquistando os meus alunos por realizar um bom trabalho, o que me motivou cada vez
mais a persistir na profissão.
Ao concluir o curso de Letras consegui passar no teste seletivo da universidade em
que me graduei. Minha experiência como docente de LI na graduação foi ótima, pois
percebi que a formação de professores era fascinante. Sempre me dediquei muito às
minhas turmas, me esforçando ao máximo para incentivar os alunos a respeito de serem
autônomos na aprendizagem de línguas. Apenas no primeiro mês de trabalho na
universidade os acadêmicos de uma turma do III semestre tentaram me testar conferindo
em dicionários algumas palavras que eu falava em inglês. Mas, logo perceberam que,
embora eu tivesse acabado de sair da graduação, meu nível de LI era bom o bastante para
ser uma docente do curso.
Após oito anos de trabalho como interina na área de LI, surgiu o concurso público
14
para ingressar na universidade. Felizmente, eu fui uma das professoras aprovadas e ao me
efetivar na universidade, deixei as demais escolas em que trabalhava, pois, apesar de ter
trabalhado com crianças e adolescentes por alguns anos, minha preferência profissional é
com alunos adultos. Outra questão que me motivava muito a trabalhar apenas no curso de
graduação era a possibilidade de continuar meus estudos na pós-graduação.
Pensando sobre essa narrativa de minha formação, percebo que este quadro cênico
que aqui descrevo teve suas origens no palco da sala de aula, primeiramente, apenas como
aluna e logo depois, além de aluna, como professora também. Neste mesmo palco eu
represento um dos meus variados papéis, ora em cena principal, ora em contracena. Viver
o personagem do ser aprendiz, e simultaneamente, do ser profissional professor sempre me
chamou a atenção, pois desde muito pequena já ensaiava esses papéis em brincadeiras
infantis, o que mostra o meu antigo desejo pelo magistério.
Nessa peça teatral, enquanto aprendiz, os diversos cenários educacionais que
vivenciei e os inúmeros modelos de docentes que passaram por mim, deixaram lembranças
que coloco em cena na performance da minha personagem atual. Às vezes pego-me nos
bastidores a vagar por tantos personagens, muitos encantadores e outros nem tanto. Parece
que as recordações escolhem-me para preencher minha memória e fundamentar minhas
encenações.
Nesse palco repleto de memórias e experiências positivas e negativas, vou
construindo meu eu, numa constante troca de cenas e papéis que me conduzem no enredo
da trama da minha identidade. Por mais que tente compreender o desfecho dessa história
não consigo abstrair a sua essência, porque sou constituída de forma abstrata, ampla,
dinâmica e até mesmo contraditória.
É exatamente isso que é o melhor do espetáculo, nem como espectadora de mim eu
consigo captar o que realmente sou e como minha própria história se constitui. Não posso
afirmar que sou isso ou aquilo, mas uma mistura de tudo que se constrói ao se apropriar de
um pouco de cada experiência, de cada outro, de cada momento, num movimento infinito
de constituição e reconstituição identitária.
Atualmente, no palco da vida, visto diversas personas como: docente, aprendiz,
coordenadora, pesquisadora, mulher, esposa, mãe, filha, dentre outros papéis que
desempenho. Cada um deles forma um todo que constitui a minha identidade, o meu eu em
cena. E em cada cenário tento representar um papel com suas particularidades, mas, às
vezes, sinto que um papel se entrecruza com o outro. Nesse momento enceno um papel
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mesclado, fértil e até contraditório.
Nesta miscelânea, percebi que traços como, paixão, frustração, sonhos, angústias,
persistência, descrença, fascínio, desânimo, desejo e superação são constituintes da minha
identidade profissional ao longo da encenação da minha peça.
Ao refletir sobre os bastidores da minha opção profissional, em que desempenho o
papel de professora de LI por quatorze anos, constatei que, além da paixão pela língua,
existe um espelho, um modelo profissional, que foi uma tia, muito vaidosa, independente e
amável. Ela representava o que eu gostaria de ser na vida futura. Com o passar dos atos, as
peças cênicas vieram à minha memória e pude perceber que dentre as razões da minha
escolha profissional, estavam algumas das características que minha tia possuía.
Também pude perceber que, desde o início da carreira docente, a minha meta
continua sendo a construção de conhecimento para desenvolver minha formação de
maneira contínua. Nesse sentido, compartilho com o pensamento de Nóvoa (2007) de que
nos tornamos professores ao longo da vida e, por sua vez, construímos a nossa história e
identidade via relações que se estabelecem no decorrer do nosso percurso. Por meio delas é
que percebemos o que nos faz igual e diferente, nesta construção simultânea de si e do
Outro, num fluir de eventos e experiências que resulta na soma de traços diversificados e
constituem nossas subjetividades.
Nos bastidores do meu ser, construído sócio-historicamente, passei por diversas
cenas, em diversos cenários e épocas, sendo constituída por essa diversidade de
experiências. A partir dessas vivências e de muitas mudanças sofridas, num constante ir e
vir, é que me interessei em investigar a constituição da identidade, conceito abstrato e
holístico que dá respaldo para compreensão de elementos complexos que formam um
processo multifacetado e intrigante.
Diante deste meu enredo, senti a necessidade de compreender melhor quem sou eu
no palco da minha vida profissional, em relação às experiências que vivi com as
tecnologias de informação e comunicação (doravante TICs), ao meu papel de formadora de
professores e ao meu processo de formação como professora e pesquisadora. Foram essas
cenas que me conduziram a refletir e investigar como acontece o processo de constituição
identitária dos professores. Além disso, o interesse por esse tema de pesquisa partiu das
minhas próprias incertezas e desejos de sentir-me pronta, preparada para apropriar-me da
tecnologia e atuar como professora em ambiente digital.
Na linha da investigação da constituição identitária do professor, o contexto deste
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trabalho é um curso de formação continuada em ambiente digital, sendo a primeira
experiência dos professores de ensino médio e fundamental, na modalidade de curso a
distância. Por ter como meta contribuir para a compreensão das transformações
identitárias, este estudo, por sua vez, pode apontar princípios mais apropriados para a
formação de futuros profissionais nessa modalidade de ensino.
Esta pesquisa partiu inicialmente do meu interesse pela formação de professores de
LI, como fruto de reflexões advindas da minha própria história profissional, marcada pela
busca de contínuo desenvolvimento, motivada por inúmeros questionamentos inerentes à
compreensão do atual contexto de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras e dos
fatores que o envolvem, como a prática docente, as dificuldades e incertezas oriundas do
contexto sócio-histórico que se apresenta.
Por ser professora-formadora de professores de LI, na Universidade do Estado de
Mato Grosso – UNEMAT – no Campus Universitário de Pontes e Lacerda, elaborei um
Projeto de Extensão com duração de dois anos, com o intuito de colaborar com a formação
continuada dos profissionais de ensino de LI da rede pública do município. Criado em
2008, o curso do Projeto de Extensão (Formação Continuada para Professores de Língua
Inglesa) teve início em 2009/2, com carga horária de 240 h/a, sendo 60 h/a semestrais,
subdivididas em 20 presenciais e 40 on-line.
Como coordenadora do Projeto de Extensão, redimensionei a parte on-line do curso
que fora elaborada em conjunto com algumas das minhas colegas do curso “Formação do
Educador de Língua Estrangeira e Produção de Materiais Didáticos para Contextos
Digitais” no decorrer das aulas do mestrado1 e decidi desenvolver esta pesquisa com os
professores participantes desse curso. Dentre os objetivos iniciais do Projeto de Extensão
de Formação Continuada, vislumbrava-se possibilitar a instrumentalização do professor
para aplicação das TICs na sua prática de ensino, melhorar a proficiência linguística, bem
como discutir questões de ordem teórica sobre o processo de ensino e aprendizagem de
língua estrangeira.
Ao ingressar como aluna regular no programa de Mestrado em Estudos
da Linguagem (MeEL) da UFMT – Campus de Cuiabá, em 2009, apresentei o meu préprojeto de pesquisa, que visava analisar se e como esse curso poderia servir de instrumento
para transformar as práticas dos professores de LI em relação ao ensino em ambiente
1
O curso foi ministrado pelos professores Doutores Dánie Marcelo de Jesus e Solange Barros Ibarra Papa no primeiro semestre de 2009.
17
digital ou à utilização da tecnologia no contexto presencial.
Após várias leituras e reflexões sobre o contexto digital de ensino-aprendizagem e
sobre a constituição de identidades, percebi a importância da investigação sobre a
constituição identitária do profissional de ensino de LI. Ao vivenciar um contexto novo de
ensino, que é o ambiente digital de ensino e aprendizagem, o professor, habituado ao
ensino presencial, pode sentir insegurança e/ou desconfiança frente ao desconhecido.
Acredito que, ao lidar com o diferente, o profissional pode passar por uma ressignificação,
por transformações no pensar e no agir, o que, por sua vez, reconstitui sua
identidade. Desta forma, repensei o curso, com vistas à instigar os professores a refletirem
sobre as suas identidades profissionais, fomentar uma visão mais ampla de letramento
digital e de rede de aprendizagem colaborativa, e delineei meus objetivos de pesquisa.
O objetivo desta pesquisa é investigar e descrever os possíveis traços constitutivos
do processo de (re)constituição das identidades profissionais de professores de LI, durante
a participação em um curso de formação continuada em ambiente digital, bem como
compreender como se dá esse processo.
As seguintes perguntas de pesquisa norteiam o estudo:
1 – Que traços constitutivos da identidade profissional dos professores de LI são
predominantemente desenvolvidos durante a participação em um curso de formação
continuada em ambiente digital?
2 – Como ocorre o processo de constituição da identidade profissional dos
professores de inglês da rede pública no decorrer de um curso de formação continuada em
ambiente digital?
É interessante ressaltar que embora existam muitos estudos relacionados à
formação contínua de professores de LI, inclusive em ambiente digital, como Celani
(2003), Carmagnani (2006), Bonotto (2007), o assunto da construção de identidades ainda
merece ser amplamente investigado e discutido nas produções acadêmicas referentes à
formação continuada de professores a distância, conforme o que me propus a fazer nesta
pesquisa.
Celani (2003), fundamentada nos construtos teóricos propostos por Fullan
(1996), analisa os conceitos de reculturação, reestruturação e reorganização temporal de
um programa de formação de professores em-serviço. A partir dos estudos de Fullan,
18
Celani (2003) defende a necessidade de formar um sistema de comunicação em rede
(networking) que possibilite a criação de elementos que tragam clareza e coerência sobre o
processo de formação dos professores. Para Celani (2003), é preciso criar espaço para o
intercâmbio de ideias e estimular lideranças, além de oferecer condições favoráveis para
que se efetivem mudanças profundas nos profissionais da educação. Segundo ela, o
surgimento dessa ambientação poderá ser possível apenas através de uma nova cultura de
ensinar e aprender. No entanto, a autora argumenta que não é simplesmente assumir papéis
e valores da cultura de outrem, mas se trata de um processo de reflexão que proporcione a
criação de novos valores.
Carmagnani (2006) busca compreender o impacto das novas tecnologias na
constituição das identidades dos envolvidos no processo de ensino de línguas on-line, bem
como a influência do contexto ciberespaço na organização dos textos didáticos para o
ensino de LI on-line. Carmagnani (2006) analisa três sites de escolas virtuais de inglês,
com foco nas características visuais, na relação entre os interlocutores e no funcionamento
do hipertexto, com base na premissa foucaultiana de que os nossos discursos e ações estão
rarefeitos, limitados a serem úteis, funcionais, e a não cometer excessos. Argumenta que os
discursos não são apenas influenciados pelas máquinas, mas sim criados em conjunto com
elas, e que seus usuários deixam pistas de suas constituições identitárias, seu perfil, seu
estilo de vida entre outras características. Para Carmagnani (2006), o ciberespaço exerce
influências na constituição identitária do sujeito usuário da rede, a qual mostra-se cada vez
mais como multifacetada, deslocada e fragmentada. A partir desse estudo, ela conclui que
o conteúdo dos materiais didáticos on-line e os dos livros didáticos são parecidos. O que
muda são as relações, os discursos estabelecidos entre os usuários da rede.
Bonoto (2007), como professora e pesquisadora em Educação a Distância – EAD, a
partir de um curso de formação continuada para professores de LE, que visava contribuir
na qualificação e capacitação dos participantes para o uso das TICs de modo consciente e
refletido, realiza uma pesquisa com base na perspectiva teórica sociocultural. A
pesquisadora utiliza quatro construtos no seu estudo que estão relacionados com a prática
pedagógica em ambiente digital: interação, aprendizagem, reflexão e mediação
pedagógica. Bonoto (2007) conclui que os professores que participam de programas de
formação continuada a distância necessitam conscientizar-se de que a aprendizagem é um
processo, até mesmo para si. Ela explica que a oportunidade de viver a experiência de
aluno pode ser benéfica aos professores, pelo fato de obterem a possibilidade de refletir
19
sobre o próprio aprendizado, bem como de se colocarem na mesma posição que a de seus
alunos.
Embora as pesquisas supracitadas sejam igualmente relevantes por contribuírem
com reflexões sobre o ambiente digital de ensino e aprendizagem de línguas e sobre a
formação de professores, elas diferem desta pesquisa por não problematizarem questões
específicas referentes à constituição da identidade do professor de LE nesse
ambiente.
Acredito que esse objeto de estudo seja relevante pelo fato de que a identidade do
professor de LI, que se constitui de forma processual e relacional, passa por
transformações significativas frente às constantes mudanças que se apresentam no contexto
de ensino-aprendizagem. Essa nova experiência certamente provoca alterações que afetam
a subjetividade do profissional professor, por questionar/deslocar crenças, valores, posturas
enraizadas em ensino presencial ou pelo simples fato de os professores pela primeira vez
lidarem com TICs.
Este estudo está igualmente inserido na área de Linguística Aplicada pelo fato de
ser na e pela linguagem que as identidades são constituídas. Trata-se de uma pesquisa de
natureza qualitativa, de cunho interpretativista, que utiliza alguns fundamentos
metodológicos da pesquisa narrativa desenvolvida pelos teóricos Riessman (1993; 2008),
Clandinin & Connelly (2000), Johnson e Golombeck (2002), Jovchelovitch & Bauer
(2002), Gaskell (2002), Telles (2002; 2004) e Mello (2004). Os dados desta investigação
serão as histórias de vida de três professoras participantes do curso de formação continuada
de professores de LI em ambiente digital. Pelo fato desse curso de formação continuada ter
sido em ambiente digital, pressupôs-se que essas professoras vivenciaram novas
experiências, o que implica diretamente sobre o processo de construção de novas formas de
subjetividades.
Por considerar que, na pesquisa narrativa, consoante Clandinin e Connelly (2000), o
pesquisador tem o compromisso de buscar novas linguagens, outras possibilidades de
escrita ao construir conhecimento, optei por desenvolver este trabalho com base em
arte, utilizando metáforas referentes ao teatro2, porque elas podem representar de forma
muito apropriada o dinâmico movimento da constituição identitária, que é volátil e pode
ser surpreendente no seu desenvolvimento, assim como a encenação de uma peça teatral.
Este estudo esta fundamentado em pressupostos teóricos acerca da identidade e
2
Utilizo neste trabalho vocabulários como bastidores, peça teatral, personagens, enredo, cenário, atos, entre outros.
20
linguagem, a partir dos estudos de autores como Moita Lopes, (2002; 2006), Hall (2005),
Silva (2005), Rajagopalan (2006; 2008). Esses estudiosos discutem sobre a forma dinâmica
do desenvolvimento das tecnologias, bem como apontam que elas geram nos sujeitos
outras concepções e valores na contemporaneidade. As identidades fogem da lógica,
advindas de valores, referências e comportamentos que estão em contínua metamorfose e
passam a ser reconstituídas constantemente nas interações (BAUMAN, 2005; CORACINI,
2006).
Esta pesquisa está pautada em uma concepção sociointeracionista e colaborativa de
ensino-aprendizagem, na qual não é compatível, no contexto contemporâneo, considerar o
sujeito como cartesiano, unificado, universal, aquele que se pauta na racionalidade e nas
dicotomias radicais e orientadoras da verdade. Essa forma de pensar o sujeito foi
descentrada nas releituras do pensamento marxista realizada por Althusser no estudo
acerca do inconsciente de Freud e Lacan, nos trabalhos do linguista Saussure, nas análises
de Foucault e na contribuição de vários movimentos da década de 60, mais
especificamente, o movimento feminista (HALL, 2005).
Sob a ótica da psicanálise, segundo Coracini (2006:151), a subjetividade não deve
ser mais tida como homogênea, pelo fato de estar estreitamente relacionada ao
inconsciente do sujeito, ou seja, “é via constituição de nossa forma de ser e de ver o mundo
e a nós mesmos que afirmarmos nossas intenções (que acreditamos ser conscientes),
nossos desejos e nossas ações, bem como fazemos planos futuros”.
Ainda consoante Bauman (2005:33), o mundo hoje é constituído de “oportunidades
fugazes”, sendo que “as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente
não funcionam.” Diante da “fluidez de tudo”, da fragmentação e da incerteza que nos
cerca, as identidades se (re)constroem constantemente, como uma sequência contínua de
transformações.
Assim, a constituição da identidade é um processo que as pessoas constroem a
partir de suas referências que são desenvolvidas socialmente. Nesse processo, as pessoas
influenciam e são influenciadas, se constituem e constituem a sociedade em que vivem na
medida em que agem sobre si mesmas e sobre o mundo em que estão inseridas.
Como o sujeito ao ser influenciado pelas transformações sociais passa a ser
reconstituído em decorrência delas, o momento sócio-histórico contemporâneo requer
simultaneamente outro tipo de conhecimento, conceitos realmente relevantes e relativos às
necessidades sociais. Isso inclui compreender as mudanças que ocorrem à nossa volta, bem
21
como as novas subjetividades3 que surgem a partir dessas transformações.
As teorias contemporâneas da linguagem postulam que a língua é consequência da
prática social e que ela muda para atender às necessidades que surgem a partir das
transformações sociais. Assim como a língua, a identidade é redefinida pelo contexto
sócio-histórico em que o sujeito está inserido. Identidade é um conceito oriundo da
volubilidade dos aspectos de que o sujeito é formado. As condições sociais, a história, os
eventos que marcaram nossa história de vida, as interações, as formas de lidar com alguns
aspectos sociais e como os outros nos veem, todos estes elementos produzem em conjunto
nossa identidade. Em suma, “A identidade é um significado - cultural e socialmente
atribuído” (SILVA, 2005:89).
No âmbito da educação, no atual contexto sócio-histórico, os professores enfrentam
desafios como o de incrementar a formação para que possam aprimorar conhecimentos já
construídos nas práticas presenciais, bem como de construir outros saberes que são
essenciais ao ambiente digital de ensino-aprendizagem, como a formação para a utilização
das TICs. Para discutir tais questões, este estudo está fundamentado em autores como
Warschauer e Meskill (2000), Lévy (2001), Ramal (2002), Carmagnani (2006), Kleiman e
Vieira (2006), Nóvoa (2007), Sharma & Barret (2007), Kenski (2008), Vallin (2009),
Alonso e Alegretti (2009), Paiva (2009) e Almeida e Prado (2009).
Tendo em vista as influências do “mundo virtual sobre a constituição identitária do
sujeito” (CORACINI, 2006:138), é imprescindível que os cursos de formação incorporem
no currículo o letramento digital ou múltiplos letramentos digitais, pois a maioria das
pessoas pode até valer-se das tecnologias, mas não possui habilidades para utilizá-las em
sala de aula ou em beneficio do ensino-aprendizagem. Então, esses letramentos podem ser
construídos de forma a beneficiar a prática pedagógica, visto que são essas as dificuldades
que os professores geralmente enfrentam. Ademais, a academia seria um lugar apropriado
para fomentar tais reflexões e contribuir de forma significativa para que os professores
sejam capazes de compreender os fenômenos sociais, buscar alternativas para entender as
problemáticas contemporâneas, bem como suas crises de identidades frente às demandas
3
Subjetividade é definida aqui a partir da abordagem sócio-histórica de Vygotsky, que toma como conceito chave a mediação
semiótica na constituição das subjetividades, ou seja, o processo pelo qual nos constituímos enquanto sujeitos passa pelo outro e pela
linguagem. A subjetividade é constituída de forma relacional, visto que o sujeito, ao interagir com o Outro é constituído e se constitui
simultaneamente. Isso significa que a subjetividade é multifacetada, heterogênea, decorrente de uma construção social e justificada pelo
momento histórico. Subjetividade é “a compreensão que temos sobre o nosso eu [...] envolve os pensamentos e as emoções conscientes e
inconscientes que constituem nossas concepções sobre quem nós somos” (WOODWARD, 2005:55).
22
educacionais na “era da comunicação” (CORACINI, 2006:141).
Esta dissertação está organizada em quatro capítulos, além da introdução. Na
Introdução, apresentei um breve relato da minha história de vida e trajetória profissional,
vislumbrando explicar a motivação para este estudo, que está alicerçado no conceito de
identidades
como
um
processo
dinâmico
e
contínuo,
construído
sócio-
historicamente. Descrevi ainda os pressupostos teóricos sobre o tema de estudo proposto e
a gênese da pesquisa, contemplando algumas das possíveis consequências das inovações
tecnológicas para a sociedade, bem como para a constituição identitária do sujeito e
introduzi as perguntas de pesquisa.
No capítulo I, fundamentação teórica, apresento os pilares teóricos para ancorar
esta pesquisa: conceito de linguagem e identidade, buscando suporte em pesquisadores que
abordam a constituição identitária a partir de teorias linguísticas críticas, como Moita
Lopes (2002, 2006), Rajagopalan (2006, 2008), entre outros. Também recorro aos teóricos
dos estudos culturais para definir o conceito de identidade, como Hall (2005). Esses
autores discutem identidade a partir de uma visão sócio-histórica e cultural, conforme
Vygotsky (1934/ 1993), que define o ser humano como um ser social e biológico, que se
constitui e se desenvolve como sujeito ao interagir com outros via linguagem. Nessa visão,
identidade é algo instável, que está em constante construção e transformação. Também
discuto a identidade do professor de língua na sala de aula presencial e digital, com base
em Nóvoa (2007), Lévy (2001), Ramal (2002) e Lemos (2002). Comento ainda, o conceito
de ambiente digital de ensino-aprendizagem, adotado nesta pesquisa e, finalmente, faço
uma breve discussão da relevância das TICs para o processo de ensino-aprendizagem.
No capítulo II, metodologia de pesquisa, justifico minha escolha metodológica,
descrevo o contexto, os participantes, os instrumentos de coleta e os procedimentos de
análise.
No capítulo III, análise e discussão dos dados, apresento e analiso as narrativas
coletadas.
Finalmente, no capítulo IV, considerações finais, faço reflexões e questionamentos
para trabalhos futuros, descrevo as limitações desta pesquisa, bem como aponto alguns
roteiros não escritos.
23
CAPÍTULO I
ENREDOS TEÓRICOS
Este capítulo tem por objetivo discutir os referenciais teóricos nos quais esta
pesquisa está fundamentada. Inicialmente defino o conceito de linguagem e identidade, em
seguida discorro sobre a identidade do professor de línguas na sala de aula presencial
e digital, bem como sobre as características do ensino-aprendizagem em ambiente digital.
Por último, destaco a relevância das TICs no processo de formação continuada de
professores de LE.
1.1 Linguagem e Identidade
Dentre as várias possibilidades de definições existentes, o termo identidade pode
ser definido como algo exatamente igual, ou como traços próprios, distintos e
característicos de um indivíduo, por possibilitar uma forma de identificação que vai além
de apenas diferenciar uma pessoa de outras. A definição de identidade que orienta este
estudo é aquela que não se limita ao idêntico, mas possui características que atribuem
individualidades diversificadas, heterogêneas, plurais, dinâmicas e antagônicas. Aquela
que se constitui de modo processual e relacional. Isso equivale à definição de identidade
como aquela que foge da norma do indivíduo uno e passa a ser considerada como algo
constituído entre o indivíduo e o social, de maneira multifacetada e em constante fluxo de
(re)construção.
Desde o século XX as sociedades têm passado por complexas transformações que
caracterizam o período da “pós-modernidade” ou “modernidade tardia” (HALL, 2005).
Esse mundo pós-moderno é problematizado pelos construtos das teorias culturais que
abordam uma noção contrária à essencialista de identidade. De acordo com as palavras de
Hall: “esta concepção de identidade não assinala aquele núcleo estável do eu que passa do
início ao fim, sem qualquer mudança, por todas as vicissitudes da história” (2005:108).
Hall (2005: 07) aponta que a construção das identidades está relacionada a
mudanças mais amplas, o “que está deslocando as estruturas e processos centrais das
sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma
24
ancoragem estável no mundo social”. Isso significa que o rápido processo de mudanças
sócio-históricas não produz mais uma referência cultural estável e segura, o que, por sua
vez, interfere na forma que os sujeitos compreendem a si mesmos como sujeitos
participantes de uma sociedade em constantes transformações. Assim, com essas mudanças
intensas e aceleradas, as identidades dos sujeitos passam a ser fragmentadas e até mesmo
podem entrar em “crise”.
Hall (2005:108) ressalta a importância de relacionar as reflexões acerca da
identidade aos:
[...] processos e práticas que tem perturbado o caráter relativamente
“estabelecido” de muitas populações e culturas: os processos de
globalização [...] e os processos de migração forçada (ou „livre‟) que têm
se tornado um fenômeno global do assim chamado mundo pós-colonial.
Sob a perspectiva de Hall (2005), além das identidades serem transformadas
constantemente no decorrer da história, construídas de múltiplas maneiras, em diferentes
discursos e posições sociais, elas são constituídas por meio de um processo de
identificação4 que é vinculado aos processos de transformação sócio-cultural. Ou seja, ao
identificar-se com as representações do mundo, de si mesmo e do outro, construindo a sua
realidade social e a cultura, o sujeito produz sentido e constrói sua identidade. Por isso, o
sujeito, sob a ótica do autor, é descentrado, por ser determinado pelas relações discursivas
sociais, culturais, ideológicas e de poder.
Além das identidades serem influenciadas pelo processo sócio-histórico e cultural,
o sujeito dividido convive com identidades diferentes, ou seja, desempenha várias
identidades no seu contexto cotidiano, sendo que essas podem entrar em contradição ou ser
antagônicas. Um sujeito possui várias identidades, que são diferentes, que se adaptam de
acordo com a necessidade, o contexto e conforme a comunidade em que ele estiver
interagindo. Nesse sentido, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman usa os termos „líquido‟,
„fluido‟, para descrever o contexto contemporâneo que temos vivenciado, pelo fato de que
tudo está em constante movimento, infinitamente dinâmico, como as nossas identidades:
Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo.
Enquanto os líquidos, diferentemente dos sólidos, têm dimensões
4
Identificação é definida aqui como algo em processo contínuo de construção, condicional, nunca determinada por completo podendo
ser mantida ou recusada. “a identificação é, pois, um processo de articulação, uma suturação, uma sobredeterminação, e não uma
subsunção. Há sempre “demasiado” ou “muito pouco”. (HALL, 2005:106)
25
espaciais claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a
significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou o tornam
irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão
constantemente prontos (e propensos) a mudá-la; assim, para eles, o que
conta é o tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar; espaço que,
afinal, preenchem apenas – por um momento. Em certo sentido, os
sólidos suprimem o tempo; para os líquidos, ao contrário, o tempo é o
que importa. Ao descrever os fluidos, deixar o tempo de fora seria um
grave erro. Descrições de líquidos são fotos instantâneas, que precisam
ser datadas (BAUMAN, 2001: 08).
Pelo fato de que as identidades não são estáticas, mas por mudarem constantemente
e assumirem diversos papéis é que podem ser comparadas com os “líquidos”, que se
movem, passam por transformações contínuas e se adaptam às diferentes situações em que
se encontram.
Hall (2005) define identidade como a noção que os sujeitos têm de si mesmos como
sujeitos socialmente integrados. Em outras palavras, para o referido autor, a construção da
identidade do sujeito acontece por meio de um processo de identificação com as
representações construídas nas práticas discursivas, a partir das interpretações dos sujeitos
de sua realidade social. Assim, pelo fato de que as identidades são apenas efeitos da
identificação com as representações construídas discursivamente, o autor afirma que as
identidades são ilusórias.
As identidades estão relacionadas, conforme Hall, com “quem nós podemos nos
tornar”, “como nós temos sido representados” e “como essa representação afeta a forma
como nós podemos representar a nós próprios”. E por estar suturada à história e surgir por
meio dela através do simbólico/imaginário, as identidades são construídas na “fantasia ou,
ao menos, no interior de um campo fantasmático” (2005:109).
Outra questão discutida por Hall (2005:110) é que as identidades são construídas
por intermédio das “diferenças”, pois, segundo o autor, essa construção (na qual o sujeito
passa a construir o que é: sua identidade) se efetiva via “relação com o Outro”. Esse
processo traz à tona elementos diferentes, surgindo então um sentimento de “falta” no
sujeito a partir de seu “exterior constitutivo”. Por exemplo, ao nos compararmos com o
Outro – o que é próprio do ser humano – temos a ilusão de ser incompletos quando
visualizamos características que outras pessoas possuem e passamos a desejar desenvolvêlas. Assim, passamos a moldar nossa identidade a partir do nosso exterior, do que está à
nossa volta.
Devido ao fato das identidades serem construídas “na diferença ou por meio dela,
26
sendo constantemente desestabilizadas por aquilo que deixam de fora” (HALL, 2005:111),
os indivíduos assumem determinadas identidades que lhe são impostas por serem
representações criadas mediante uma „falta‟. Assim, o autor utiliza o termo „identidade‟
com o sentido de:
[...] ponto de encontro, o ponto de sutura, entre, por um lado os discursos
e as práticas que tentam nos „interpelar‟, nos falar ou nos convocar para
que assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de discursos
particulares e, por outro lado, os processos que produzem subjetividades,
que nos constroem como sujeitos aos quais se pode „falar‟(HALL,
2005:111).
Por ser produzida por meio de relações de poder, a identidade gera diferença e
exclusão social, ao invés de produzir sentidos de unidade e igualdade, como características
de normal e idêntico.
Silva (2005) também corrobora com essa discussão, pois consoante ao ponto de
vista dele, ao problematizar a produção da identidade é fundamental que se leve em conta a
questão da diferença como um processo que ocorre de forma simultânea. Este autor
argumenta que a identidade e a diferença são interligadas e inseparáveis – ao afirmar que
“sou brasileiro”, também estou afirmando que existem pessoas que não são brasileiras – o
que significa expressar formas negativas de identidade e de diferenças. Assim, segundo
ele, a definição da identidade brasileira resulta da criação de variados e complexos atos
linguísticos que a diferenciam de outras identidades nacionais em um processo em que
geralmente a diferença deriva da identidade, sendo ela tomada como referência. O autor
aponta ainda que podemos perceber isso ao tomar “o que somos” como a norma pela qual
descrevemos “o que não somos” (2005: 82).
Segundo Saussure (apud SILVA, 2005:77), a linguagem também é considerada
como um sistema de diferenças, no qual os signos de uma língua não possuem valor
absoluto e não fazem sentido se considerados de maneira isolada. Da mesma forma, a
identidade e a diferença adquirem sentido nos sistemas de significação da cultura e dos
sistemas discursivos e simbólicos que a compõem.
Temos a necessária ilusão de ver no signo a presença do referente à “coisa” ou do
conceito, o que Derrida chama de “metafísica da presença”. Devido à presença que não se
concretiza, mas é adiada, o signo depende de um processo de diferença, ou seja, ele é o que
é por não ser outro. Assim, um signo não pode ser reduzido a si mesmo, à identidade. Isso
27
significa que a identidade e a diferença são caracterizadas pela instabilidade e
indeterminação, como a linguagem, pelo fato de o adiamento indefinido do significado e
sua dependência da diferenciação tornar o processo de significação indeterminado
(SILVA, 2005: 79).
Assim como no âmbito dos estudos culturais, os linguistas aplicados, como
Rajagopalan (2006, 2008) e Moita Lopes (2002, 2006) compartilham uma visão de
identidade pós-estruturalista. Eles não apoiam a concepção de identidade estática, pronta e
acabada, a partir de questionamentos de valores e de verdades absolutas e universais. Ao
ponderar o modo de pensar a identidade na pós-modernidade, período marcado pela
“descrença em relação a qualquer ontologia essencialista” (RAJAGOPALAN, 2006: 67),
quase tudo no mundo passa a ser discutido de maneira não-essencialista. A identidade não
possui mais um caráter íntegro e predisposto, bem como a linguagem deixa de ser
considerada “como um fenômeno pronto e acabado” (RAJAGOPALAN, 2006: 67). Para o
referido autor, não existe uma predisposição identitária fixa e imutável. A identidade do
indivíduo é construída a partir da língua, e assim como o indivíduo, encontra-se em
constante transformação e evolução. Ao apontar que a identidade de um ser humano se
constitui “na língua e através dela”, Rajagopalan (2006) quer dizer que, consequentemente,
a identidade e a linguagem são conceitos que precisam ser discutidos simultaneamente.
Dessa maneira, não é possível falar de identidade sem, necessariamente, pensar no
sujeito, na língua e no coletivo. O indivíduo constrói sua fala ancorada no discurso do
Outro (RAJAGOPALAN, 2006:41), e é a partir desse conflito entre falas que os
significados são construídos de forma conjunta. Sob a ótica de Rajagopalan (2008), a
interação cultural propiciada pela Internet cria traços culturais diversificados. Por sua vez,
essa nova cultura gera outras formas de subjetivação do sujeito, caracterizando outras
identidades e respectivamente outras diferenças. Impreterivelmente tudo tem relação direta
com a linguagem e com a língua, bem como, com os fatos históricos, sociais e culturais.
Assim, os fenômenos sociais da contemporaneidade têm implementado outras maneiras de
interações, que possibilitam novas formas de relações entre os povos.
Rajagopalan aponta as transformações da sociedade na contemporaneidade como:
“mudanças estonteantes, principalmente em nível social, geopolítico, e cultural, em curso
neste inicio de milênio” (2008: 25), destacando que esses novos rumos tomados pela
sociedade continuarão a se complexificar. Para ele, a linguagem, por sua vez, se adapta às
necessidades da sociedade que vivencia a „era da globalização‟ em que ocorrem diversas
28
modalidades de interação em uma miscelânea cultural.
Para Rajagopalan (2008), a globalização é um fenômeno inexorável que produz
efeitos significativos sobre as pessoas e sobre a língua que falam, bem como para os
linguistas e suas reflexões a respeito da língua. Também compartilho com a visão do autor,
pois não existe a possibilidade de esquivar-nos das influências desse fenômeno ininterrupto
que traz consigo inúmeros elementos originadores de alterações linguísticas e culturais,
tanto em nível macro, quanto em nível individual e subjetivo.
Com o advento da tecnologia, que trouxe o desenvolvimento da Internet, a
dinâmica da prática social tomou rumos diferentes e muito mais complexos. Esses
fenômenos interligados produzem efeitos diversos no cotidiano da humanidade, que por
sua vez, resultam em hábitos e costumes linguísticos inovadores e novas dimensões para a
constituição identitária das pessoas. Como a sociedade, que tem estado em pleno
desenvolvimento e passa por modificações, a identidade das pessoas é constantemente
transformada. Desta forma, os fenômenos sociais como a globalização trazem efeitos
diversos sobre a personalidade do sujeito, o que implica em um “eu” em constante
reformulação. Não podemos mais nos definir como seres constitutivos de maneira fixa e
imutável, mas o contexto que nos cerca nos influencia e por isso mudamos nossa
personalidade incessantemente. Ou seja, somos indivíduos influenciáveis, provenientes
desse complexo contexto sócio-histórico e a cada nova experiência nele vivida, somos
modificados. É a partir dessa visão que julgo ser relevante compreender como o
profissional professor de LI passa a constituir sua identidade.
Ainda consoante Rajagopalan (2008), é fato que o mundo globalizado faz surgir
uma identidade linguística diversificada, volúvel e instável. A esse respeito, o autor afirma:
“[...] nunca na história da humanidade a identidade linguística das pessoas esteve tão
sujeita como nos dias de hoje às influências estrangeiras” (2008: 59). Isso atribui a
“mestiçagem” à identidade linguística, que, consoante ao autor, toda língua está sujeita.
Esses fenômenos que ocorrem via linguagem influenciam as vidas e identidades das
pessoas. Dentre esses fenômenos estão o comércio livre internacional, o uso da língua
inglesa como a língua da comunicação mundial e o fato de viver na era da informação, na
qual as informações chegam por várias mídias, trazendo as notícias em tempo real sobre o
mundo todo. Rajagopalan explica que a crise identitária também pode ser desencadeada
devido ao excesso de informações que temos, bem como, pelas “[...] instabilidades e
contradições que caracterizam tanto a linguagem na era da informação como as próprias
29
relações entre os povos e as pessoas” (2008:59).
Moita Lopes (2006) também contribui com essa discussão. Sob sua ótica, as
identidades sociais são relacionais, são sempre construídas através de nossas práticas
discursivas em relação ao Outro. Isso significa que ao interagir via linguagem é que o
processo de constituição da subjetividade é desencadeado, a partir de como eu enxergo o
outro. O autor argumenta ainda que somos seres fragmentados por nos constituirmos
através da linguagem em diferentes contextos sociais, mas ao mesmo tempo, somos seres
únicos e integrantes de um todo. Nesse sentido, o termo fragmentado é entendido como
multifacetado, plural, e inacabado e não como algo isolado, desconectado do todo e
verdadeiro em si mesmo.
Para Moita Lopes (2002:198), é através da linguagem que as pessoas agem no
mundo e constroem significados, na relação com os demais participantes do discurso,
tornando-se assim, conscientes de si mesmas e construindo suas identidades. Isso significa
que não há construção identitária sem se considerar o discurso. Assim, a identidade do
professor se constrói nas diferentes práticas discursivas em que ele se engaja e pelas quais
se relaciona com o outro. Dessa maneira, segundo o autor, o indivíduo constitui-se no
movimento de vai e vem da percepção e da representação do outro sobre ele mesmo.
Em suma, a construção de uma identidade implica interação, negociação de
significado e de experiências com os participantes de uma determinada comunidade social,
cultural e histórica, e que, portanto, não pode ser única, completa e acabada, assim como
defendem todos os autores já citados. Apesar de compartilhar do ponto de vista destes
autores, suas pesquisas foram realizadas tendo como base o contexto presencial, enquanto
o contexto de investigação deste trabalho é o ambiente digital.
Este estudo está ancorado em uma abordagem processual da linguagem que postula
não existir identidades estáveis, pois elas sofrem alterações e são constituídas de acordo
com as experiências sociais vividas via linguagem. Assim como a linguagem significa
apenas através da história e situa o homem em um mundo sócio-historicamente construído,
o sujeito toma formas, ou seja, molda sua subjetividade em consonância com o momento
histórico em que se insere. Nessa perspectiva, compreendo que tanto a identidade do
sujeito quanto o seu conhecimento, são construídos de forma dialógica, isto é, num
processo de interação com o Outro na e pela linguagem.
Acredito que devido ao fato do atual momento sócio-histórico trazer novos rumos
para a prática social, a ciência da linguagem, por ser alicerçada nos fenômenos sociais,
30
precisa acompanhar constantemente os processos dinâmicos reconfigurados sóciohistoricamente. Por isso é relevante problematizar questões referentes à linguagem, ao
passo que todas as transformações na sociedade se dão via linguagem.
Partindo desses questionamentos, penso que seja relevante que as pesquisas na área
de Linguística Aplicada ao ensino de LE ultrapassem questões relacionadas à educação,
aos alunos, aos processos de ensino-aprendizagem, às competências do profissional e às
teorias de aquisição de línguas e tomem como problemáticas os elementos que constituem
a identidade do profissional de ensino de LE que atua na contemporaneidade. Ao buscar,
primeiramente, compreender como ocorre à constituição da identidade do professor no
ambiente mediado pelas TICs – seja a distância, semipresencial ou presencial – talvez
possamos chegar a uma melhor compreensão do processo de ensino-aprendizagem de
línguas nesse contexto.
1.2 A identidade do professor de línguas na sala de aula presencial e digital
Conforme Nóvoa (2007), a partir da segunda metade do século XX, as pesquisas na
área da educação investigavam as características do bom professor, o melhor método de
ensino ou a análise do ensino no contexto da sala de aula, abordando a dimensão técnica da
ação docente e excluindo as propriedades pessoais da profissão. Isso desencadeou, na sua
visão, uma crise de identidade docente e o processo de desprofissionalização. O autor
passa então a discutir a pesquisa sobre a ação e o saber docente a partir de abordagens
autobiográficas, relacionadas com objetivos teóricos, práticos e emancipatórios,
privilegiando as dimensões pessoais, práticas e profissionais dos professores, com a
finalidade de problematizar e resgatar a identidade do professor.
Segundo Nóvoa, o processo identitário do professor se constitui da sua adesão, ação
e autoconsciência. Enquanto a adesão significa que o professor adere a determinados
valores e princípios, a ação se dá através de decisões pessoais e profissionais que norteiam
o trabalho docente. Já a autoconsciência pode ser desenvolvida através do processo de
reflexão, que traz mudança e inovações pedagógicas. Esse processo identitário é definido
pelo autor como “a contínua construção de maneiras de ser e estar na profissão” (2007:
16). Por isso, a construção das identidades acontece pela apropriação da história pessoal e
profissional do professor e com o passar do tempo essa identidade é refeita, com a
31
finalidade de acomodar inovações e assimilar mudanças.
Parto da premissa de que a passagem do ambiente presencial para o contexto digital
de ensino-aprendizagem determina características que podem influenciar sobre a
reconstrução da identidade do professor, bem como de que a identidade do sujeito atual,
usuário da tecnologia, mais especificamente da Internet, mostra-se cada vez mais
multifacetada, deslocada e fragmentada (CARMAGNANI, 2006).
Enquanto surgem outros valores e padrões sociais, ao passo que o mundo se
desenvolve em todos os sentidos, a escola, sendo o ambiente de trabalho desse profissional,
continua fortemente atrelada à educação disciplinar, num modelo estrutural ultrapassado e
desmotivante. Com a utilização das TICs no ensino, é necessário que ocorra uma
reestruturação considerável do sistema escolar, bem como dos objetivos de ensino e
aprendizagem. Segundo Kenski (2008: 112): “Trata-se de uma nova cultura educacional,
que rompe com os tempos rígidos das disciplinas e com os espaços formais das salas de
aula presenciais. Um tempo de aprender colaborativamente”.
Ao discutir essas reorientações que a cultura digital exerce sobre a educação, em
que os papéis desempenhados pelos professores, alunos e pela escola são redimensionados,
não se pode deixar de problematizar a construção da identidade do professor mediante sua
prática em ambiente digital. Como o sujeito inserido no contexto pós-moderno é dividido,
convive com identidades diferentes e vozes conflitantes, ao viver novas experiências
surgem novas identificações, que, consciente ou inconscientemente, desencadeiam
processos de constituição de identidade (CARMAGNANI, 2006:315).
Ao pesquisar a influência do ciberespaço na constituição das identidades de sujeitos
envolvidos no processo de ensino de línguas on-line, Carmagnani (2006) aponta que os
usuários deixam pistas de suas constituições identitárias, seu perfil, seu estilo de vida entre
outras características na linguagem utilizada nas interações via Internet. Dentre as
mudanças que ocorrem no contexto digital, segundo a autora, estão as relações entre autorleitor, as noções de autoria e o funcionamento do hipertexto. As relações e os discursos
estabelecidos entre os usuários da rede são diferentes, devido à polifonia que parece se
apresentar de forma mais intensa no ciberespaço, onde reconstruímos nossa identidade o
tempo todo.
Sob a ótica de Kleiman e Vieira (2006), o sujeito multifacetado necessita de uma
escola que o ajude a lidar com o impacto das tecnologias, dando acesso à diversidade, à
qualidade e à funcionalidade das informações que estão disponíveis, sem esquecer,
32
entretanto, dos projetos que trabalhem com o letramento digital crítico 5, numa perspectiva
de preservação das diferenças e das individualidades. Portanto, isso justifica uma melhor
preparação do profissional a partir da reflexão, da conscientização do seu papel, bem como
do conhecimento sobre quem esse profissional ensina e das necessidades de seus alunos.
Apenas o conhecimento prático profissional (CONNELLY & CLANDININ, 2000;
MELLO, 2004), construído pela vivência do professor, não é o suficiente para que possa
contribuir de forma efetiva em auxiliar seus alunos, mas existem outras questões
relacionadas a uma formação mais condizente com o contexto sócio-histórico
contemporâneo.
Para atuar nesse novo paradigma de ensino, o professor necessita desenvolver uma
didática específica em relação à modalidade de ensino em contexto digital, pois, no que diz
respeito ao ensino-aprendizagem nesse ambiente, existem outros elementos envolvidos que
não fazem parte do ambiente presencial. Um deles é a “concepção de tempo e espaço” que
segundo Kleiman e Vieira (2006), é uma das influências mais significativas da atualidade
ocasionadas pelas TICs no comportamento individual e grupal dos sujeitos. Pelo fato de
proporcionar a interação entre sujeitos de diferentes realidades sociais, culturais, que falam
outras línguas, a Internet viabiliza um acesso muito rico à informação, um intercâmbio de
experiências, o que contribui com a construção do conhecimento.
Além de construir um conhecimento básico sobre o uso da tecnologia, dentre os
saberes e competências que o professor necessita aprender para ensinar em ambiente
digital, estão a aptidão para pesquisar a Web de forma eficiente, para criar atividades com
textos e gravuras, para avaliar materiais extraídos da Web, utilizar quadros interativos e
criar apresentações em Power Point, bem como conectar um datashow a um computador
para realizar uma apresentação em sala de aula. Já em um nível mais avançado, o professor
pode aprender a manusear as ferramentas para criar material on-line e utilizá-lo em um
ambiente digital de aprendizagem (SHARMA & BARRETT, 2007).
Ainda em relação à construção de saberes e competências, é importante que o
professor possa receber uma formação crítica para utilizar as tecnologias de forma
produtiva, explorar as possibilidades de reflexão sobre questões sociais, bem como mostrar
as ideologias existentes nos textos e discursos que permeiam a sociedade. Assim, poderá
5
Entendo que o letramento digital crítico é um conjunto de práticas sociais que podem ser inferidas dos eventos que são mediados por
textos escritos. Historicamente situado, pois existem diferentes letramentos associados com diferentes domínios da vida, sendo as
práticas de letramento padronizadas pelas instituições sociais e pelas relações de poder, e alguns letramentos mais dominantes, visíveis e
influentes que outros (BARTON; HAMILTON, 2000).
33
formar o aluno capaz de produzir e manipular as informações de forma consciente e crítica,
além de contribuir para a preparação do aluno para o atual mercado de trabalho. Outra
competência a ser desenvolvida pelo professor no ambiente digital, além de criar condições
que favoreçam a produção colaborativa de conhecimento, é a de atribuir significado para a
utilização dos recursos dos ambientes digitais via criação e recriação de estratégias
pedagógicas adequadas às necessidades e ao contexto dos alunos, bem como através da
avaliação e escolha dos materiais didáticos utilizados.
Com o uso das TICs dentro e fora de sala de aula, a relação entre professor-aluno
pode ser amplamente alterada, pois ao desenvolver um trabalho na Internet e responder as
dúvidas, o professor precisa estar próximo do aluno e desempenhar o papel de mediador e
parceiro na construção da aprendizagem. Nesse sentido, além de construir a
instrumentalização adequada para operar as ferramentas tecnológicas 6, muitas vezes, o
professor habituado ao ambiente presencial de ensino, necessita construir outros saberes e
competências para que possa desenvolver sua prática dentro de uma perspectiva
diversificada.
Além de considerar o modelo educacional atual, que não comporta as inovações
tecnológicas, veicula interesses e visões de mundo tradicionais, em que o professor é
geralmente tido como centralizador, autoritário, detentor do saber, ainda há que se
considerar que as transformações requerem muita insistência, perseverança e reflexões por
parte dos próprios profissionais da educação a respeito de suas concepções de ensinoaprendizagem. No que tange a essas mudanças de papéis e à compreensão da constituição
da identidade profissional do professor de LI em ambiente digital é fundamental que se
questione o professor acerca de quem ele é, que tipo de professor deseja ser e como vê seu
papel como professor/aluno no ambiente de ensino-aprendizagem digital.
Nesse sentido, é relevante que o professor que vive no contexto da pósmodernidade esteja disposto a mudar suas concepções, por reorganizar as noções de saber,
cultura, estrutura, tempo e linguagem. No entanto, para que esse processo reflexivo de
reestruturação ocorra, além de transformações no âmbito das políticas educacionais, é
essencial que sejam oferecidas oportunidades de formação profissional, seja inicial ou
continuada, com a finalidade de propiciar condições para que o professor possa refletir
sobre o seu papel de educador linguístico no contexto contemporâneo.
6
São os recursos de interação disponíveis no ambiente digital, como fórum ou lista de discussão, correio eletrônico, bate-papo (chat),
blog.
34
Tais transformações nas práticas didático-pedagógicas, bem como a capacitação
para lidar com a tecnologia, além do desafio de inserir-se no ambiente digital de ensinoaprendizagem, gera outras subjetividades no profissional professor, o que por sua vez, traz
reconfigurações identitárias. Por isso é importante que sejam investigadas e compreendidas
as constituições da identidade profissional, pois assim o professor poderá ser melhor
auxiliado frente à sua experiência com as TICs.
1.3 Ambiente de ensino-aprendizagem digital
É fato que o processo de ensino-aprendizagem em ambiente digital difere do
presencial, assim como o educador necessita desenvolver diferentes habilidades para atuar
nesse contexto em relação a apresentar a informação, ao planejamento, ao
desenvolvimento e à avaliação de estratégias de ensino. Nesse processo, professor e alunos
não estão fisicamente próximos, mas podem estar em diversos lugares distantes e, ainda
assim, constituir uma rede de comunicação em que ocorre a troca de experiências e a
aprendizagem coletiva7. A partir desse intercâmbio de conhecimentos e experiências com o
Outro, as identidades são reconstituídas via surgimento de novas formas de subjetividades.
Existe uma postura didática pedagógica específica para o professor e para o tutor,
bem como há distinções entre o professor utilizar um ambiente virtual de aprendizagem
(AVA), no qual desempenha o papel de um profissional atuante diretamente com os alunos
e o tutor que ministra cursos a distância, sem o contato físico com os alunos. No caso da
figura do tutor, a estrutura do curso é pensada para atender muitos alunos ao mesmo
tempo, o que torna inviável um contato mais direto.
Mesmo que o professor possua ampla experiência em ensino presencial, ao agir no
ambiente digital, necessitará desenvolver outros procedimentos de ensino. Isso está
relacionado com o perfil do professor em ambiente digital, que conforme a cultura de
ensino a distância, está calcada na interatividade e no processo de ensino-aprendizagem
colaborativo, sendo que o papel do professor deixa de ser o convencional para ser de
mediador (ALMEIDA e PRADO, 2009).
7
Aprendizagem coletiva refere-se aqui à co-construção do conhecimento, por meio de relações dialógicas e de trocas entre indivíduos
que compartilham os mesmos interesses.
35
O professor em ambiente digital pode desenvolver meios de estar presente mesmo
estando longe, ou seja, existe a possibilidade de gerar situações que demonstrem sua
participação virtual via interações, acompanhamentos e orientações. Isto fica evidente,
principalmente se o professor privilegiar a reflexão sobre o processo de aprendizagem,
com vistas a desenvolver a autonomia e a consciência de que é mais apropriado que o
aluno aprenda a aprender. Segundo Almeida e Prado (2009:76), “o papel do educador não
é necessariamente o de provedor de informações, mas principalmente de orientador e
parceiro na aprendizagem e novas descobertas, respeitando as ideias e estilos de trabalhos
dos alunos”.
É interessante que o professor em ambiente digital tenha noção de que a tecnologia
não é a única responsável pelo aprendizado bem sucedido, mas que as TICs possam fazer
parte de um processo cooperativo de aprendizagem, em que a interação e a participação de
todos sejam constantes (KENSKI, 2008).
Vallin (2009: 123) agrega a essa discussão os papéis do professor em ambiente
digital, por apontar que existem cobranças no sentido de contribuir para que o aluno
aprenda nesse contexto. Isso implica que o professor possa levantar problemas que
instiguem a resolução, sem dar qualquer pista sobre os resultados. Segundo o autor, a
educação nessa modalidade pode estar direcionada “dentro de uma visão de educação que
favoreça o desenvolvimento de competências e não a memorização de conteúdos, uma
educação que favoreça o pensamento criativo e original e não para a simples reprodução de
pensamentos ou procedimentos”.
Para Alonso e Alegretti (2009: 166), dentre as características do ambiente digital de
ensino, estão a separação física entre professor-aluno e a flexibilidade que permitem ao
aluno escolher o tempo e o espaço mais adequados para estudar, bem como optar pelo
material extra de aprendizagem. O fato de o professor ter essa postura de orientador, não
controlador, pode contribuir para o desenvolvimento da autonomia do aluno. Além disso,
no ambiente digital, o professor pode ajustar melhor sua proposta a partir do conteúdo das
interações, bem como organizar o ambiente de aprendizagem para que estejam de acordo
com os propósitos, que podem ser alterados no decorrer do curso. Enquanto há a
possibilidade de o professor agir de forma autoritária e indiferente em relação ao aluno em
ambiente presencial, pode tornar-se bem acessível por estar sempre interagindo no
ambiente digital, de modo rápido e apropriado. Isso não significa que a situação possa ser
inversa em ambos os ambientes.
36
Para ser um ambiente de aprendizagem bem sucedido, o ambiente digital requer do
professor propostas e objetivos bem claros e definidos, além de um perfil provocador, com
vistas a promover a potencialização das interações do aprendiz com o conhecimento por
meio da tecnologia. Consoante Alonso e Alegretti (2009: 172), esta é uma perspectiva de
educação “ampla e atual em que educar é um ato relacional, portanto implica antes de mais
nada a comunicação, interação com o outro, tendo por mediador o próprio saber e as
circunstâncias dos sujeitos envolvidos”. Assim, o professor poderá atender os alunos de
acordo com os diferentes níveis e ritmos de compreensão, através de maior número de
interações e estimulando o pensamento conforme as particularidades de cada indivíduo.
É pertinente ressaltar que em ambos os ambientes de aprendizagem, o presencial e
o digital, existem estruturas e objetivos específicos, bem como as mais variadas
potencialidades e limitações. No entanto, podemos constatar nessas discussões que essa
modalidade de Ensino a Distância ou o ensino com a utilização das TICs tem potencial
para desencadear transformações que venham a contribuir para um resultado mais
satisfatório de construção de conhecimento no âmbito educacional.
Em relação ao ambiente digital de ensino-aprendizagem, o hipertexto é um exemplo
de uma proposta diferente de escrita e de construção de conhecimento, por possibilitar que
várias pessoas construam um texto juntas de forma interativa, e, consequentemente, pode
gerar uma coconstrução de identidades coletivas, possibilitada pelo intercâmbio de saberes
e de cultura nas interações entre pessoas diferentes. Diferente do texto impresso, o
hipertexto possui multimodalidades, como som e imagem, sendo que a multimodalidade
abrange o extra-linguístico, isto é, ritmo, entoação, tom de voz, elementos culturais, até
mesmo expressões faciais, olhares e movimentos corporais.
Ramal (2002) contribui com essa discussão ao sugerir que o uso de hipertextos na
educação poderia ser uma alternativa para formar o sujeito com perfil exigido pelo
contexto sócio-histórico atual, pois, segundo a autora, ele possibilita o dialogismo e a
participação ativa na construção do conhecimento, por meio de um processo colaborativo.
Assim, como um espaço de interação e de diálogos intersubjetivos, pode contribuir para
que os alunos de um curso cooperem uns com os outros e construam conhecimento e
coconstruam suas identidades, ao compartilhar suas experiências profissionais.
Por isso, Ramal (2002:171) aborda que o hipertexto por ser criado a partir de “nós
de um complexo diálogo”, pode ser pensado pelo professor como um diálogo num espaço
interativo onde todos os leitores participam e inúmeras textualidades de palavras, sons e
37
imagens integram uma rede. Além disso, no hipertexto se estabelece outra forma de
relação entre autor e leitor, devido ao fato de que cada leitor constrói seu percurso,
escolhendo entre múltiplas possibilidades e podendo reescrever os textos.8 Desta maneira,
não existe mais um autor original do texto, mas sujeitos autônomos que constroem na
Internet os hipertextos, e a partir disso, podem surgir novas formas de ver a realidade, de
pensar e de agir.
Enquanto o hipertexto faz parte de uma nova interface em que são construídas
relações de significação polissêmicas, consoante Ramal (2002:173), ele possibilita ao leitor
que seja protagonista nas suas estruturas não lineares. No hipertexto não há início, fim,
margens, nem caminhos marcados como nas formas fixas do texto escrito e impresso.
Devido ao fato de ser hipermídia, ele é mais rico em recursos do que o texto escrito (sons,
imagens, cores), por estar disponibilizado na rede9 e por obedecer outras configurações de
espaço e temporalidade, o processo de comunicação na Internet, via hipertextos, passa a ser
uma mistura de oralidade e escrita em tempo real.
Ao entrar no contexto digital e trocar o paradigma ultrapassado de transmissão de
conhecimento pela premissa de que alunos e professores constroem o conhecimento em
conjunto nas interações, o professor estará aderindo a uma nova cultura educacional, ou
seja, passará por transformações no desenvolvimento da sua „reculturação‟ (JESUS, 2007).
Não tenho a pretensão de afirmar que o contexto presencial de ensinoaprendizagem não possa ser adequado e apresentar resultados satisfatórios, bem como não
penso que não possa existir práticas pedagógicas tradicionais no contexto digital. O que
pretendo frisar aqui são os elementos constitutivos da identidade de quem está na fase de
passagem de um ambiente para o outro. Pois, a mudança do ambiente de ensinoaprendizagem – do presencial para o digital – traz alterações para o papel do professor e
pode influenciar seus posicionamentos de sujeito, enquanto seus conceitos podem ser
redimensionados por diversos fatores, e, por sua vez, as identidades são possivelmente
alteradas ou reconfiguradas.
8
Por exemplo, a autora cita os e-books, programas eletrônicos que oferecem a letra preferida pelos leitores, nos quais podem inserir
notas, comentários e desenhos no texto.
9
No ambiente digital, o termo rede é definido por Ramal (2002), como metáfora dos processos comunicacionais e cognitivos cuja
materialização é o hipertexto.
38
1.4 A relevância das TICs no processo de formação continuada para professores de
Língua Estrangeira
Conforme Sharma (2009), a tecnologia mudou para sempre o ensino e aprendizado
de língua inglesa. Os aprendizes de hoje têm acesso a várias atividades interativas na web,
desde exercícios de gramática e vocabulário, bem como muito mais oportunidades de
interagir com falantes proficientes e de ler assuntos que lhe interessam dentro de uma vasta
gama de textos autênticos na língua inglesa. Assim, pelo fato de a língua da Internet ser o
inglês, a aprendizagem dessa língua se torna cada vez mais necessária e também cada vez
mais acessível a um grande número de pessoas.
Em relação às várias oportunidades que a WWW (World Wide Web) dispõe para que
o aprendiz de LI possa receber input autêntico e interagir na língua, Warschauer e Meskill
(2000) argumentam que os professores de LI podem possibilitar aos seus alunos que
sintam parte das comunidades que falam a língua-alvo. Para que isso se efetive, é
necessário criar oportunidades de interações autênticas e significativas dentro e fora da sala
de aula, além de disponibilizar aos alunos as ferramentas para que explorem a Internet nos
âmbitos social, cultural e linguístico. Os autores argumentam que:
O computador é uma ferramenta poderosa para esses processos, como o
discurso internacional transcultural frequentemente esta ganhando espaço
no ambiente on-line. A principal vantagem das novas tecnologias é o fato
de que elas podem ser usadas para ajudar a preparar os alunos para os
tipos de comunicação internacional transcultural que são muito
requisitadas para se obter sucesso na academia, vocações ou na vida
pessoal 10 (tradução minha).
Warschauer e Meskill (2000) argumentam que as tecnologias on-line constituem
ferramentas poderosas aliadas à abordagem sociocognitiva de ensino de línguas. Os autores
salientam que nessa perspectiva os alunos são agentes colaborando no próprio processo de
aprendizagem. Explicitam ainda que a abordagem sociocognitiva enfatiza o aspecto social
da aquisição da linguagem. Isso significa que os professores podem oferecer aos alunos
oportunidades suficientes de interação social autêntica, não apenas para que recebam input
compreensível, mas para que possam praticar de forma efetiva o tipo de comunicação em
“The computer is a powerful tool for this process, as international cross-cultural discourse is frequently taking place in an on-line
environment. The main advantage of new technologies is thus that they can be used to help prepare students for the kinds of international
cross-cultural communication which are increasingly required for success in academic, vocational, or personal life” (p.11)
10
39
que vão se engajar na vida real.
No entanto, os autores fazem uma ressalva ao apontar que mesmo quando os
professores apoiam sua prática pedagógica nessa abordagem teórica, ensinar em ambiente
on-line pode colocar em dúvida todo o conhecimento e prática desses profissionais.
Warschauer e Meskill (2000) advertem que o mundo on-line representa desafios, e que
aprender como integrar as tecnologias digitais em sala de aula é um processo longo e
complexo.
Paiva (2001) também colabora com a reflexão dos autores supracitados ao ponderar
que usar a Internet no ensino de inglês é um desafio que demanda mudanças de atitude de
alunos e professores, pois no ambiente digital o aluno bem sucedido não é mais o que
armazena informações, mas aquele que se torna um bom usuário da informação. E o bom
professor não é mais o que tudo sabe, mas aquele que sabe criar ambientes que promovam
a autonomia do aprendiz e que os desafia a aprender com o(s) outro(s) através de
oportunidades de interação e de colaboração.
Paiva (2009), ao discutir as tecnologias na docência em línguas estrangeiras, aponta
que os órgãos governamentais estão criando políticas de inclusão digital e implementando
as tecnologias nas escolas brasileiras. A autora cita que dentre as políticas do MEC, por
exemplo, foram criados o Banco Internacional de Objetos Educacionais, a Universidade
Aberta do Brasil, o Portal da CAPES, a biblioteca virtual do Domínio Público e o ProInfo,
entre outras.
Entretanto, segundo Paiva (2009: 14), isso não é o suficiente para que o professor
de línguas utilize as tecnologias digitais. A autora propõe que “o componente do ensino
mediado por computador” deve ser institucionalizado nos cursos de formação de
professores, estarem inclusos nas práticas de estágio, bem como, devem ser criadas
“iniciativas institucionais para ampliar o conhecimento, acesso e uso das tecnologias”.
As opções atuais de formação inicial e continuada que abordam especificamente a
instrumentalização tecnológica são ainda insignificantes diante da demanda de
profissionais atuantes no ensino de línguas. Paiva (2009) argumenta que são poucas as
ações formadoras existentes no contexto brasileiro em relação à aplicação das TICs com
fins pedagógicos. Aponta ainda que esses cursos têm partido de alguns docentes
amparados por outros que possuem uma maior intimidade com a tecnologia, com material
gratuito extraído na web e via oficinas ou projetos de extensão institucionais.
Sendo assim, seria apropriado que as TICs fizessem parte dos currículos dos cursos
40
de Letras, para que os futuros professores pudessem estar tecnologicamente alfabetizados
para integrar essas novas formas de comunicação ao seu planejamento pedagógico. Além
de pensar como aprimorar a prática de ensino de LI, a partir da observação, pesquisa e
análise da realidade é preciso inovar. Dessa forma, é relevante que o professor se aproprie
efetivamente das potencialidades das TICs e passe a encarar a tecnologia como uma aliada
ao processo de ensino e aprendizagem de LI, com o intuito de que os alunos também se
apropriem da língua e das ferramentas para que possam utilizá-las como instrumento de
construção de conhecimento e ascensão social.
A formação contínua do professor é primordial para que acompanhe as mudanças
que a sociedade atravessa. O interessante é que essa formação seja um processo de busca
constante e que objetive a instrumentalização do professor quanto ao uso consciente das
TICs, bem como propicie a reflexão e a criticidade acerca da prática do ensino de LI
mediada pela Internet. Assim, ao demonstrar a busca pela formação condizente com as
perspectivas sociais contemporâneas, o professor estará tomando atitudes em relação à
situação precária de ensino que se perpetua em nossa cultura educacional.
No capítulo seguinte, procedo à explanação do processo metodológico e apresento
os principais pressupostos da pesquisa interpretativista. Em seguida, serão apresentados os
participantes deste estudo, o ambiente e os instrumentos de coleta das narrativas, bem
como as perguntas de pesquisa e os passos da análise.
41
CAPÍTULO II
CENÁRIOS METODOLÓGICOS
Considerando os pressupostos teóricos sobre identidade abordados no capítulo
anterior, inicio a discussão sobre os aspectos metodológicos da pesquisa. Inicialmente,
caracterizo-a como pesquisa qualitativa mediante análise de narrativas. Em seguida, abordo
o objetivo principal e as questões de pesquisa, descrevendo o contexto, o ambiente digital
de aprendizagem, a ação de extensão: Formação Continuada para Professores de Língua
Inglesa do município de Pontes e Lacerda - MT, e o perfil das professoras participantes.
Por fim, descrevo os procedimentos da coleta e análise dos dados propostos para investigar
os processos de constituição identitária profissional dos professores de Língua Inglesa em
ambiente digital, considerando os pressupostos sobre identidade abordados no capítulo
anterior.
2.1 Caracterização da Pesquisa
Este estudo caracteriza-se como pesquisa qualitativa de cunho interpretativo e
emprega a análise de entrevistas narrativas, como estratégia metodológica para investigar
quais são os possíveis traços predominantes da constituição identitária profissional do
docente de LI em ambiente digital. A entrevista narrativa é utilizada com a finalidade de
criar uma “situação que encoraje e estimule um entrevistado a contar a história sobre
algum acontecimento importante de sua vida e do contexto social” (JOVCHELOVITCH &
BAUER, 2002: 93). Na área de Linguística Aplicada, especificamente tratando de
questões relacionadas à constituição da identidade profissional do docente de línguas, é
imprescindível que as investigações partam de premissas qualitativas, pois os métodos
qualitativos são mais coerentes quando o fenômeno em estudo é complexo, de natureza
social. Ao pesquisar questões que envolvem o ser humano, por exemplo, é necessário
situá-lo dentro de um contexto social e cultural, além de pensar em imprevistos e
transformações que podem ocorrer durante o estudo (BORTONI-RICARDO, 2008).
42
Assim, a escolha do paradigma interpretativista se justifica pelo fato de considerar
o contexto sócio-histórico, bem como defender uma concepção de verdade enquanto algo
que é construído pelo agente da pesquisa, pois busca-se descrever e explicar os fenômenos
do ponto de vista dos participantes da pesquisa. Nesse sentido, Bortoni-Ricardo (2008:32)
aponta que os “postulados do paradigma interpretativista” exploram a ideia de que a
observação do mundo e dos fenômenos que nele se dão está diretamente vinculada às
práticas sociais e seus significados.
Este estudo emprega como metodologia a teoria de análise de narrativas, conforme
Riessman (1993; 2008), Jovchelovitch & Bauer (2002:91) que defendem que as pessoas
organizam suas experiências, constroem explicações para acontecimentos e manipulam
fatos constitutivos individuais e sociais, via narrativas. Esses autores argumentam que
através das histórias de vida as pessoas podem contar suas experiências de forma geral ou
“em termos indexados.” Os acontecimentos indexados são fatos reais contextualizados e
situados no tempo. Isso é interessante porque, ao relatarem experiências pessoais, os
informantes trazem à tona muitos detalhes que dão ênfase às ações e acontecimentos e que
consequentemente produzem efeitos avaliativos do resultado dos fatos narrados.
Utilizo os postulados teóricos da teoria da pesquisa narrativa (CONNELLY &
CLANDININ, 1990) apenas em relação à ênfase atribuída à experiência humana e pelo
fato de partir do princípio de que os seres humanos são contadores de histórias natos,
capazes de conduzir histórias vividas social e individualmente. O registro da história de
vida constitui um terreno muito fértil para ser explorado em relação à diversidade de
informações acerca das percepções individuais e coletivas, aspectos sociais, históricos e
culturais que fazem parte do contexto do narrador. Segundo Connelly & Clandinin (2000,
apud TELLES 2002:109), na pesquisa narrativa o pesquisador analisa as histórias com a
finalidade de entender os significados que os acontecimentos narrados possuem para o
participante, “chegando a unidades narrativas, isto é, núcleos temáticos que concatenam
determinados grupos de histórias e sintetizam os múltiplos significados”.
A abordagem metodológica de análise de narrativas se justifica ainda por auxiliar
na compreensão do desenvolvimento da constituição da identidade profissional do
professor de língua inglesa, como um processo contínuo, evidenciando o valor da reflexão
como elemento transformador de experiências de ensino e de aprendizagem. Sob a ótica de
Riessman (2008: 06), o uso de narrativas vem aumentando em pesquisas na área de
ciências sociais, devido à preocupação com a identidade.
43
Atualmente, o termo „narrativa‟ ultrapassa a área da literatura por se constituir em
uma metáfora, um novo paradigma de observação e compreensão ao dispor das pesquisas
no contexto educacional. Sem desmerecer quaisquer teorias metodológicas existentes, a
metodologia de análise da pesquisa narrativa passa a constituir outra forma de fazer ciência
social, mais centrada no significado atribuído via linguagem em contextos específicos. O
pesquisador narrativo dá primazia ao conhecimento pessoal e profissional e passa a compor
sentido a partir da sua experiência e do outro.
No âmbito da Linguística Aplicada, Barcelos (2006) aponta que o interesse por
Pesquisas Narrativas está crescendo no Brasil e no mundo. A autora ressalta que no
momento a maior parte dos estudos nessa área tem como foco as experiências e narrativas
de aprendizes e professores de línguas. Quanto aos estudos sobre formação de professores
podemos citar os trabalhos de Clandinin & Connelly (2000), Johnson e Golombeck (2002),
Telles (2002 e 2004). Entre esses pesquisadores, é fato que os saberes dos professores em
relação ao processo de ensino-aprendizagem são construídos socialmente por meio das
próprias experiências como aprendizes e professores de línguas.
Conforme Johnson e Golombeck (2002: 2), o aprendizado do professor é entendido
como normativo e contínuo, construído através das experiências em contextos sociais,
como participantes em programas de formação profissional e como membros de
comunidades de prática nas escolas onde lecionam. O desenvolvimento profissional é tido
como algo que ocorre em um processo de reconfiguração do conhecimento, crenças e
práticas do professor. Ainda segundo as autoras, as novas linhas de pesquisa, como as que
tomam como objeto as experiências profissionais e pessoais dos professores na construção
do conhecimento, estão se configurando como etapa principal na formação de professores.
Por considerar que as histórias de vida propiciam ao narrador que reflita sobre suas
ações e construa significados sobre suas experiências sociais, segundo Clandinin &
Connelly (2000), a pesquisa narrativa tem sido amplamente utilizada em investigações
acerca da formação do professor, tanto como método quanto como objeto de pesquisas.
Dentre as problemáticas investigadas pela pesquisa narrativa estão os processos de
constituição identitária profissional, como forma de embasar os projetos e propostas de
formação, com vistas a promover mudanças significativas das práticas educacionais.
Utilizo como instrumentos questionários semiestruturados, bem como questões para
suscitar que as participantes relatem suas experiências de ensino- aprendizagem de LI de
forma bem detalhada. Por meio destes instrumentos são produzidas as autobiografias e
44
narrativas orais, transcritas e analisadas em seguida. As narrativas orais foram
confeccionadas em coautoria com a pesquisadora e as professoras participantes do curso de
formação continuada em ambiente digital, contendo relatos de suas experiências e histórias
de vida, antes, durante e após o curso.
A narrativa é uma estrutura utilizada para construir significados pelo ato de narrar
histórias de vida. Segundo Riessman (1993), a linguagem utilizada na narrativa não pode
ser considerada como um meio transparente que reflete significados particulares, mas ser
entendida como constitutiva da realidade, ou seja, é pela linguagem que o narrador se
expressa criativamente e constrói seu mundo repleto de sentimentos, de sua compreensão e
interpretação.
Ao definir a narrativa como uma atividade humana natural de contar histórias
organizadas em acontecimentos consequentes no tempo passado, Riessman (1993:3)
afirma que: “Um contador de história em uma conversa conduz o ouvinte ao tempo
passado ou “mundo” e recapitula o que aconteceu então para transmitir algo importante,
geralmente uma questão moral”
11
(tradução minha). A autora postula que, ao narrar a
experiência particular de vida, geralmente relatamos episódios de disparidades entre o ideal
e o real, o individual e o coletivo. Isso traz à tona nossos desejos, angústias, ansiedades e
problemas vivenciados no cotidiano.
Ainda conforme Riessman (1993), ao contar nossa história de vida, construímos
textos em contextos particulares, descrevendo nossa experiência. Esse é um processo
interessante, pois ao narrar e reconstruir os acontecimentos da vida, relatamos a
experiência adquirida no nosso próprio contexto e construímos uma identificação. A partir
disso, é possível desvelar fatos significantes acerca da forma como constituímos a nossa
identidade profissional.
A relevância da pesquisa de cunho narrativo está relacionada à possibilidade de
crescimento profissional pelo fato de proporcionar reflexões acerca da docência e das
influências que a compõem, como conhecer-se e compreender-se um pouco mais,
principalmente do ponto de vista profissional. Nesse sentido, todos os envolvidos na
pesquisa narrativa se beneficiam, pois tanto os participantes quanto o pesquisador
11
“A teller in a conversation takes a listener into a past time or “world” and recapitulates what happened then to make a point, often a
moral one”.
45
interpretam e analisam juntos os dados e podem passar a se reconstruir profissionalmente.
É importante considerar que ao refletir sobre nossas experiências e sobre como
construímos sentidos através delas, via linguagem, o fazemos em relação ao meio
sociocultural e sócio-histórico, ou seja, a pesquisa narrativa permite ao indivíduo que
direcione o olhar para si mesmo e para as próprias atividades como socialmente e
historicamente situadas (JOHNSON e GOLOMBECK, 2002).
Em relação aos estudos acerca da compreensão da constituição da identidade
profissional do professor de línguas, Telles (2004 apud BARCELOS 2006:147) sugere a
Pesquisa Narrativa, por ser em suas palavras:
como uma abordagem adequada para investigação do pensamento e das
experiências dos professores [...] a pesquisa narrativa é importante, pois
permite que os professores reconstruam seus conhecimentos pessoais e
suas representações, colaborando para que os mesmos se tornem mais
conscientes e, consequentemente, agentes de sua própria prática.
Assim, as narrativas contribuem para a constituição identitária e suscitam a
autorreflexão, o que simultaneamente facilita a tomada de posição do sujeito em relação ao
outro e à sua própria experiência de vida profissional.
Ainda sob as lentes de Telles (2002:107), a pesquisa narrativa funciona como
contexto de produção de significados para os acontecimentos ocorridos na escola e na vida
dos professores, pois através das histórias pessoais e profissionais se desenvolve:
O processo emancipador de ação pedagógica para a educação de
professores [...] é um processo educacional de parceria. Nele, os
professores se associam aos seus colegas de trabalho e educadores de
professores em torno de dois objetivos comuns e interdependentes:
conhecerem-se pessoal e profissionalmente e desenvolverem a prática
pedagógica de sala de aula.
A partir da reflexão do docente sobre sua prática em relação ao ambiente digital,
via narrativas experienciais, ele pode passar a desenvolver perspectivas de um paradigma
emancipador. Mesmo que de maneira inconsciente, ele pode assumir uma posição de
professor enquanto agente empenhado em compreender sua identidade e as possíveis
implicações na sua prática pedagógica.
De acordo com Clandinin & Connelly (2000:18), a narrativa como instrumento e
método por excelência pode capturar a essência da experiência humana e,
46
consequentemente, da aprendizagem e mudança. Ainda argumentam que a narrativa referese ao fenômeno e ao método de se compreender experiências, sendo a experiência o objeto
de estudo, a palavra- chave na pesquisa narrativa. Para os autores, a narrativa é a melhor
forma de “representar e entender essa experiência”, porque pensar e escrever
narrativamente é uma forma de reviver e refletir sobre a experiência. Em outras palavras, a
experiência acontece narrativamente e a experiência educacional deve ser estudada
narrativamente.
Como resultado de uma investigação nessa modalidade de pesquisa, via narrativas,
os professores têm a oportunidade de tomar a palavra, trazendo à tona elementos que
indicam como sua identidade profissional é constituída ao entrar em um novo contexto de
ensino-aprendizagem. Ainda deixam transparecer suas teorias implícitas sobre suas
práticas pedagógicas e se tornam agentes de seu próprio desenvolvimento pessoal e
profissional. Consoante Riessman (2008:3), ao construir uma narrativa, o sujeito
seleciona, organiza, conecta e avalia fatos e ideias que considera serem mais relevantes e
significativos para que um determinado público compreenda o sentido que queira
transmitir. A autora destaca que as narrativas são compostas para um público particular e
num determinado momento na história, via discursos e valores que circulam em uma
cultura específica. Por isso, as narrativas exigem do analista uma interpretação minuciosa
do contexto sócio-histórico e cultural para que possa perceber o sentido de forma mais
próxima possível do que o narrador procurou construir.
Elementos substanciais são gerados na narração de histórias de vida do professor,
os quais contribuem para a compreensão da constituição de suas identidades, e estes, por
sua vez, fomentam simultaneamente a autorreflexão, tanto sobre seus conhecimentos,
quanto acerca das suas práticas pedagógicas. Desta forma, o processo identificatório
construído na linguagem, no momento que o professor relata quais eventos e pessoas
tiveram ou ainda têm importância na sua vida, bem como no processo de escritas de suas
biografias, proporciona um crescimento profissional desenvolvido pela compreensão do
seu self (de si mesmo), do seu papel e de sua prática profissional.
2.2 O Contexto da Pesquisa
Consoante Cox e Assis-Peterson (2008:50), os professores universitários do curso
47
de Letras têm a responsabilidade de colaborar para “tirar o ensino de LE da crise crônica
em que se encontra”. Nesse sentido, atuando como formadora de professores de LI,
acredito que possa incentivar os professores em formação inicial e/ou continuada a
construírem conhecimento de maneira colaborativa e a formar uma comunidade de
aprendizagem (WENGER, WHITE & SMITH: 2010) contínua com vistas a fomentar e
fortalecer o crescimento profissional, buscar problemáticas dentro do contexto escolar e
propor alternativas válidas para tentar amenizar as dificuldades dos professores de LI.
Tais perspectivas acerca de uma formação mais adequada em relação às
necessidades e problemáticas advindas do atual contexto sócio-histórico instigaram-me,
como docente de LI do curso de Letras, atuando na Universidade do Estado de Mato
Grosso – Campus Universitário de Pontes e Lacerda, a propor um Projeto de Extensão,
juntamente com os demais colegas da área de LI, destinado aos professores de inglês da
rede pública de ensino fundamental e médio do município, no primeiro semestre de 2009.
O objetivo do projeto era intervir de forma significativa na formação do professor, com
vistas a contribuir para uma melhorar proficiência na língua-alvo, bem como contribuir
com a práxis docente e possibilitar a integração das TICs no processo de ensinoaprendizagem da LI.
Devido ao fato da crescente adesão às TICs nos diversos setores da sociedade,
inclusive na educação, outro objetivo do curso era orientar os profissionais de ensino para
o uso delas como tecnologias interativas para que suas ações pudessem refletir no ensino
de língua inglesa nas escolas públicas. Portanto, além de promover reflexões teóricas
acerca da formação do professor, do seu papel crítico e reflexivo, o projeto visava
despertar o seu interesse pelas potencialidades do computador no ensino de línguas, a
WWW como comunicação e fonte de pesquisa, tida como um aspecto fundamental na
melhoria da educação.
Assim, de forma abrangente, este Projeto de Extensão viabiliza uma proposta de
curso semipresencial para professores de LI em serviço, na tentativa de desencadear
reflexões quanto à ressignificação de suas práticas educacionais, direcionadas às suas
necessidades de qualificação, tendo em vista a tecnologia no contexto contemporâneo.
Nesse processo, vislumbrou-se levar em consideração o contexto, a experiência, bem como
as necessidades dos professores de língua inglesa da Rede Pública de Pontes e Lacerda Mato Grosso - para que pudéssemos tentar atender seus desejos e preocupações.
Então, após a tramitação interna e aprovação do Projeto de Extensão de Formação
48
Continuada na Universidade, sob minha coordenação, os outros dois professores do
Campus iniciaram as aulas presenciais do curso no segundo semestre de 2009, que teve a
duração de 20 h/a. A carga horária total do curso foi de 240 horas, divididas em 4
semestres de 60 horas cada, subdividas em dois módulos, ou seja, dentre as 60 horas
semestrais, 20 horas foram presenciais e 40 on-line. Os professores trabalharam técnicas
para leitura de textos sob o viés da metodologia de leitura instrumental ou ESP (English for
Specific Porpouses), por considerar essa instrumentalização útil para futuras leituras e
reflexões a partir de textos em língua inglesa no ambiente digital.
Em relação à parte on-line do curso, com a duração de 40h/a, utilizamos o material
didático12 confeccionado ao término da disciplina Formação do Educador de Língua
Estrangeira e Produção de Material Didático para Contextos Digitais, do Programa de
Mestrado em Estudos da Linguagem – MeEL, na Universidade Federal de Mato Grosso –
Campus Universitário de Cuiabá. Esse material foi desenvolvido por nós mestrandos, em
alguns encontros presenciais e também a distância – via interações assíncronas – por
correio eletrônico, no primeiro semestre de 2009. O curso foi iniciado no final de 2009 e
concluído no primeiro semestre de 2010.
O Projeto de Extensão Formação Continuada de Ensino de Língua Inglesa foi
elaborado para atender uma necessidade premente de aperfeiçoamento de professores para
atuarem no ensino de língua inglesa. Com vistas a auxiliar esse profissional a desenvolver
uma maior compreensão dos processos de ensino-aprendizagem do inglês como língua
estrangeira, além de propiciar uma formação continuada na aquisição das competências
teóricas e metodológicas, este projeto visava contribuir para a proficiência na LI. Também
buscava realizar um trabalho dentro de uma perspectiva reflexiva, bem como oferecer uma
formação que possibilitasse ao professor fazer uso da tecnologia em benefício da sua
prática pedagógica no ensino de LI.
Para saber se esses objetivos foram alcançados, a participação dos professores em
formação continuada foi avaliada de forma quantitativa e qualitativa. Foram observadas a
frequência nas discussões e a demonstração de leitura dos textos e reflexão sobre o
conteúdo. Eles também realizaram autoavaliação através da elaboração de textos teóricoreflexivos sobre o processo de ensino e aprendizagem do professor. E como trabalho final
eles ainda produziriam e desenvolveriam um plano de um curso com a utilização das TICs
no ensino de LI, a ser aplicado nas escolas públicas em horários opostos aos que eles
12
O material do curso on-line encontra-se em anexo.
49
atuavam no primeiro semestre de 2011. Esse curso teria a duração de 20 h/a e seria
avaliado pelos cursistas e professores do Projeto de Extensão.
2.3 As personagens da peça
A partir de algumas informações obtidas no questionário semiestruturado (anexo1),
sugerido antes do início da aplicação da parte on-line do curso, foi possível constatar
alguns detalhes sobre o perfil das participantes. Ancorada nestas informações, passo a
delinear o perfil das professoras participantes deste estudo.
Os professores de inglês inscritos no curso de Formação Continuada totalizavam
15. Porém, a participação efetiva no módulo on-line que serviu de coleta de dados, foi de
05 professoras. Dentre elas, apenas três foram participantes desta investigação: Ely, Gisele
e Marisa (nomes fictícios), sendo todas licenciadas em Letras com habilitação em
Português/Inglês e suas respectivas literaturas.
A personagem Ely nasceu e continua vivendo em Pontes e Lacerda até hoje.
Concluiu o ensino médio em uma escola estadual no período vespertino, em 2001, o curso
de Letras na Universidade do Estado de Mato Grosso, no final de 2006, e terminou um
curso de especialização em Metodologia do Ensino da Língua Inglesa em uma faculdade
particular, também em Pontes e Lacerda, em 2009. Aos 26 anos de idade, possui quase oito
anos de experiência como profissional de ensino de LI na modalidade presencial, iniciou
sua carreira de professora de LI na rede pública de ensino estadual em 2003. Teve
experiência como professora de LI em uma escola de idiomas, e inclusive, ministrou aulas
como professora contratada em uma universidade estadual por um ano.
Em relação à sua formação linguística e profissional, Ely definia como “ótima”,
pois fez 5 anos de curso de LI em uma escola de idiomas, além da formação escolar e
universitária. Identificou-se como uma profissional que está sempre em busca de
aperfeiçoamento, de “fazer novos cursos para aprender mais a língua e sobre a língua”.
Essa foi a primeira experiência de Ely em um curso de formação continuada em
ambiente digital. A professora utilizou o próprio computador para fazer o curso on-line, em
horário de trabalho e fora dele. Na condição de usuário de computador, Ely alegou já
possuir algumas habilidades, pois ela utilizava bem os aplicativos do Word, correio
eletrônico e Internet, mas não usava o Excel e o Power Point usava razoavelmente.
50
No período da pesquisa, na escola que trabalhava, Ely tinha acesso razoável à TV,
DVD player, computador e Internet. Já em relação aos demais aparelhos, como
retroprojetor e datashow a professora não tinha acesso. Sua percepção sobre a própria
prática pedagógica em ambiente presencial era referida como a de uma “boa profissional”,
mas pretendia “buscar novos recursos e continuar estudando”.
Na época da pesquisa, Ely compreendia o processo de ensino-aprendizagem no
ambiente digital como uma forma atualizada de ensino, na qual poderia compartilhar
conhecimentos e desenvolver-se profissionalmente. E quanto às suas expectativas em
relação ao curso de formação continuada, Ely esperava aperfeiçoar seu conhecimento
teórico e prático e preparar-se para fazer um mestrado, além de prestar concursos. Além
disso, acreditava que o curso possibilitaria mudanças em relação à utilização das TICs em
sala de aula, conforme suas palavras: “com esse curso pretendo ter novas ideias de uso das
tecnologias disponíveis para poder colocá-las em prática”.
A personagem Gisele, hoje com 33 anos, nasceu em Jaurú – MT, e vive em Pontes
e Lacerda desde 1990. Concluiu o ensino médio em uma escola estadual no período
noturno, em 1995, o curso de Letras na Universidade do Estado de Mato Grosso, no final
de 2000, e terminou o curso de especialização em Psicopedagogia em uma faculdade
particular, também em Pontes e Lacerda, em 2003. É professora efetiva na rede pública
desde 2002. Na época da pesquisa, tinha 10 anos de experiência como profissional de
ensino de línguas na modalidade presencial e cumpria naquele momento com carga horária
semanal de 30 h/a. Iniciou sua carreira de professora na rede pública de ensino estadual em
2000. Embora ministrasse aulas de língua portuguesa, apesar de preferir língua inglesa,
durante esta pesquisa, ela trabalhava com LI apenas.
Gisele definia sua formação linguística e profissional como “básica”, pois afirmou
ter feito 1 ano de curso de LI em uma escola de idiomas, além da formação escolar e
universitária. Identificava-se como uma profissional sempre em busca de “novos cursos
para aprender mais a língua e sobre a língua”.
Essa foi a primeira experiência de Gisele em um curso de formação continuada em
ambiente digital. A professora utilizou o próprio computador para fazer o curso on-line,
acessou o curso apenas fora do seu horário de trabalho. Na condição de usuária de
computador, Gisele possuía poucas habilidades, pois utilizava bem apenas o aplicativo do
Word, enquanto utilizava o Excel razoavelmente e tinha dificuldades em utilizar a Internet
e o Power Point. Porém, não usava o correio eletrônico.
51
Na escola que trabalhava na época, Gisele tinha acesso razoável à TV, DVD player,
computador, Internet e retroprojetor, enquanto possuía acesso restrito ao datashow. Sua
percepção sobre a própria prática pedagógica em ambiente presencial era referida como a
de uma profissional “um pouco ultrapassada perante toda a modernização que existe”, no
entanto, destacou que “tentava inovar o máximo que podia”.
Gisele compreendia o processo de ensino-aprendizagem no ambiente digital como
“algo mais dinâmico, moderno e mais próximo do gosto dos alunos. Aulas bem diferentes
do quadro negro e giz”. E quanto às suas expectativas em relação ao curso de formação
continuada, Gisele se mostrou muito positiva e foi bem enfática em relação às TICs ao
alegar que tinha “grandes esperanças de melhorar o uso da Internet (...) e principalmente
aprender melhor a língua inglesa”. Além disso, afirmava que o curso possibilitaria
mudanças em relação à utilização das TICs em sala de aula, por acreditar, conforme suas
palavras, “conseguir ser mais dinâmica e perder meu medo das minhas dificuldades na
língua inglesa.” Porém, apontou que era necessário levar em consideração a realidade da
sala de aula.
A personagem Marisa nasceu e ainda vivia em Pontes e Lacerda. Concluiu o ensino
médio (magistério) em uma escola estadual no período noturno, em 2002, e o curso de
Letras na Universidade do Estado de Mato Grosso no final de 2007. Fez um curso de
especialização em Metodologia do Ensino da Língua Inglesa em uma faculdade particular,
também em Pontes e Lacerda, concluindo-o em 2009. Iniciou sua carreira de professora de
LI em escolas de idiomas em 2005. Marisa tornou-se efetiva em 2010, mas tinha
experiência como professora de LI na modalidade presencial desde 2004, totalizando quase
6 anos de docência. Trabalhava, na época, com uma carga horária semanal de 40 horas,
sendo 20 h/a na rede pública e 20 h/a em uma escola particular de idiomas.
Em relação à sua formação linguística e profissional, Marisa a definia como “boa”,
pois havia feito 4 anos de curso de LI no Centro de Linguagens – Projeto de Extensão da
universidade do estado – pois afirmava ter muita dificuldade em aprender a língua na
escola. Identificou-se como uma profissional que estava sempre em busca de “fazer novos
cursos para aprender mais a língua e sobre a língua”.
Essa também foi a primeira experiência de Marisa em um curso de formação
continuada em ambiente digital. A professora utilizou o próprio computador para fazer o
curso on-line. Acessou o curso durante e fora do seu horário de trabalho. Na condição de
usuária de computador, Marisa alegou ter poucas habilidades, pois utilizava minimamente
52
o Excel e o Power Point, enquanto usava razoavelmente o aplicativo do Word, a Internet e
o correio eletrônico.
Na escola pública que trabalhava, Marisa tinha acesso razoável à TV, DVD player,
computador, datashow e retroprojetor e acesso restrito à Internet. Sua percepção sobre a
própria prática pedagógica em ambiente presencial era referida como a de uma profissional
que buscava “fazer o melhor”, no entanto, destacou que “sentia que havia o que melhorar”.
E quanto às suas expectativas em relação ao curso de formação continuada, Marisa
se mostrou muito otimista ao alegar que “são ótimas, espero aprender, refletir sobre minha
prática docente e melhorá-la.” Além disso, afirmou que visualiza mudanças em sua prática
pedagógica em relação ao curso, no sentido de poder trabalhar melhor com os alunos
desinteressados, conforme suas palavras: “Principalmente para lidar com os alunos,
(adolescentes) que não querem, que não gostam, que tem desvio de caráter [...]”.
Ainda acerca das personagens, é interessante destacar que essa foi a primeira
experiência das três professoras na modalidade de curso em ambiente digital. As
professoras Ely e Marisa utilizavam a Internet e o correio eletrônico de forma razoável,
mas a professora Gisele reconheceu que não estava familiarizada com essas ferramentas
computacionais e nem sequer possuía um e-mail.
Quanto às expectativas das professoras-alunas para esse curso on-line, todas
citaram como alvo obter experiência com a utilização da tecnologia, bem como melhorar a
proficiência na língua inglesa. Quanto ao domínio da língua-alvo, Ely e Marisa
apresentavam boa proficiência na língua inglesa, enquanto Gisele possuía pouca
proficiência no idioma.
Outro aspecto relevante obtido no questionário inicial, nas respostas das
participantes, com relação à compreensão do processo de ensino-aprendizagem em
ambiente digital, foi que todas elas consideravam-no difícil no ambiente proposto. No
entanto, mostraram disposição para aprender a lidar com as dificuldades no ambiente
digital, com a intenção de poder utilizar as ferramentas tecnológicas como algo motivante
no contexto ensino de LI.
A professora do curso on-line também é mestranda no MeEL – UFMT e tem
graduação em Letras – Português/Inglês. Ela é professora universitária de LI, fluente na
língua inglesa, com experiência em ensino presencial apenas. Os dois professores13 que
13
A minha função era apenas de coordenar o curso de Formação Continuada, mas também ministrei aulas. Além de mim, três
professores ministraram o curso. Além disso, sendo dois deles responsáveis pela parte presencial e um apenas pela parte on-line.
53
ministraram as 20 h/a de Inglês Instrumental, na modalidade presencial do curso de
formação continuada, de forma interposta, por seis finais de semana consecutivos são
professores da área de LI na Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT.
2.4 Procedimentos da coleta e análise dos dados
O objeto de análise foram os dados coletados referentes ao ambiente digital, ou
seja, à parte on-line (40 h)14 do Curso de Formação Continuada para professores de Língua
Inglesa em serviço da rede pública do município de Pontes e Lacerda – MT. Inicialmente,
foram coletados os dados biográficos e características específicas do cotidiano das três
professoras, por meio de questionários com perguntas fechadas e abertas. (anexos 1 e 4).
Em seguida, após a primeira unidade do curso on-line, realizei uma entrevista individual
(anexo 3) com as três professoras participantes, as quais geraram narrativas orais que
foram transcritas e posteriormente analisadas. Os tópicos centrais nessa primeira narração
foram acerca das suas expectativas em relação ao curso on-line e de suas motivações para
participar do curso de formação continuada para professores de Língua Inglesa a distância.
Outra narrativa (anexo 3) foi desenvolvida no final da terceira unidade do curso. Ao
término do módulo do curso on-line, apliquei mais um questionário com perguntas abertas,
(anexo 4) pedi uma autobiografia (anexo 2) das professoras e realizei novamente outra
entrevista narrativa individual (anexo 3), com todas as professoras informantes.
Em suma, por meio de uma narrativa individual,15 podemos extrair informações
aprofundadas e detalhadas a respeito de experiências pessoais e profissionais, decisões e
ações sequenciadas de cunho particular do informante. Assim, realizei as entrevistas
narrativas utilizando perguntas com o objetivo de incentivar as participantes a relatarem
suas experiências. As questões envolviam tópicos centrais para a pesquisa e encorajaram as
participantes a falar bastante. Também avisei que não era necessário que tivessem pressa
para que pudessem ter uma margem de tempo para refletir ao narrar suas histórias de forma
mais detalhada possível. As entrevistas tiveram a duração aproximada de uma hora e trinta
minutos e foram realizadas aos sábados, após o período das aulas do curso de formação
14
O período do curso foi entre março e junho de 2010.
Na pesquisa narrativa individual ou grupal, o pesquisador narrativo é um autor e investigador da história, pois para desenvolver esse
tipo de pesquisa ele tem que ser um participante ativo da experiência. Assim, pesquisador e participante são co-autores no processo de
construir significados da experiência compartilhada.
15
54
continuada.
Em relação à categoria de análise desta pesquisa, utilizei a entrevista narrativa
como técnica para coleta de dados das histórias de vida e tomei os pressupostos
metodológicos da análise temática de narrativas como procedimento analítico,
fundamentando este trabalho nos construtos teóricos de Jovchelovitch & Bauer (2002),
Gaskell (2002) e Riessman (2008).
Segundo Riessman (2008), a análise de narrativas é um processo lento e exige
diligência por parte do pesquisador. Requer atenção para sutis nuances de língua,
audiência, organização de um texto, contextos locais de produção e a formação discursiva
do informante que pode influenciar o que e de que modo está sendo narrado. A autora
classifica a metodologia de análise de narrativas em quatro formas: temática, estrutural,
dialógica ou de desempenho e visual.
Na análise temática, o conteúdo é o foco exclusivo. Nele são analisados os temas
(categorias), ou seja, a ênfase da investigação recai sobre “o que” é dito, ao invés de em
“como”, “a quem”, ou “para qual propósito” (RIESSMAN, 2008:53). A linguagem é vista
apenas como um recurso, contudo, caso o pesquisador resolva dar ênfase a algumas
escolhas de palavras, pode destacar e explorar as funções de metáforas no texto narrativo,
bem como os sentidos análogos que elas carregam.
Riessman (2008) argumenta que, por ser centrada no conteúdo do discurso, a
análise de narrativa temática pode gerar descobertas significativas, além de funcionar
socialmente na criação de possibilidades para ações e principalmente na construção de
identidades individuais e de grupos por meio de contar histórias. Nas palavras de YuvalDavis (apud RIESSMAN, 2008:8) “Identidades são narrativas, histórias que as pessoas
contam a si mesmas e aos outros sobre quem elas são (e quem não são)”
16
, (tradução
minha).
Ainda consoante Riessman (2008), as narrativas de identidade refletem a forma
fluida que a identidade toma ao ser produzida pelo processo de „ser e tornar-se, de
pertencer e desejar pertencer‟. Em outras palavras, as narrativas são estratégicas,
funcionais e propositais. Como instrumentos de criar sentidos, elas podem servir a
propósitos diferentes para indivíduos e grupos. Conforme a autora, as narrativas
16
“Identities are narratives, stories people tell themselves and others about who are (and who they are not)”.
55
individuais servem para relembrar, argumentar, justificar, persuadir, comprometer,
entreter, e até mesmo para confundir um determinado público.
Desta forma, utilizei a metodologia de análise temática para poder compreender
como as professoras constituem suas identidades profissionais, ao interpretar como os
sentidos são construídos nas narrativas a partir do conteúdo extraído delas.
Este estudo também está ancorado no referencial teórico de Jovchelovitch & Bauer
(2002:107), em relação à utilização do procedimento da análise de narrativas na forma
temática, na tentativa de generalizar ou condensar sentidos a partir das narrativas
individuais. Assim, procedi na análise da seguinte forma: inicialmente segui um processo
de reduzir o texto, sintetizando em parágrafos e em sentenças, os quais foram
posteriormente transformados em “palavras-chave”. Em seguida, criei categorias e
tematizei os textos narrativos para desenvolver a interpretação deles.
Sob a ótica de Gaskell (2002:73), ao tomar como técnica de pesquisa as entrevistas
narrativas, se desenvolve “um processo social, uma interação ou um empreendimento
cooperativo, em que as palavras são o meio principal de trocas.” Isso implica uma
interação entre o pesquisador e o informante, na qual ocorre um intercâmbio de ideias e
significados, gerando a construção de conhecimento por ambas as partes, a partir da
realidade de cada um. Por isso, esta técnica é coerente com o propósito desta pesquisa que
pretende investigar as representações ou constituições identitárias profissionais. Bauer e
Gaskell (1999) (apud GASKELL, 2002:74) apontam que a construção do sentido se
desenvolve a partir da interação de dois sujeitos que são influenciados mutuamente. Os
autores destacam ainda que “o sistema social mínimo implicado na representação é uma
tríade lógica: duas pessoas (sujeito 1 e sujeito 2) que estão preocupadas com um objeto (o)
em relação a um projeto (p), em uma dimensão de tempo.”
Outra consideração relevante sobre a narração, conforme Jovchelovitch & Bauer
(2002:92), é o fato de que contar histórias agrega “duas dimensões: a dimensão
cronológica, referente à narrativa como uma sequência de episódios, e a não cronológica,
que implica a construção de um todo a partir de sucessivos acontecimentos, ou a
configuração de um enredo”. Isso significa que numa narrativa os fatos são conectados em
relação ao tempo e ao significado, ou seja, ao narrar uma história é construído um „enredo‟
no qual podemos perceber o contexto das ações de seus personagens, com detalhes e
objetivos, contendo fronteiras, como início e fim.
Ainda consoante os autores é interessante destacar que o sentido subjaz a toda
56
narrativa, não simplesmente ao desfecho. Para abstraí-lo é preciso perceber não apenas os
acontecimentos em ordem cronológica, mas as funções e sentidos do enredo.
Outro ponto que Jovchelovitch & Bauer (2002:93) ressaltam é que a entrevista
narrativa deve suscitar no informante o gosto por contar uma história sobre um fato ou
acontecimento relevante que ele viveu em seu contexto social. Nesse caso, os autores
tomam como base a sistematização da técnica de Schütze (1977) que propõe “reconstruir
os acontecimentos sociais a partir da perspectiva dos informantes, tão diretamente quanto
possível”.
Por isso, é relevante instigar os informantes a narrarem o que eles próprios pensam
acerca de suas experiências como alunos e professores e procurar incentivar que
demonstrem seus sentimentos e reações mais profundas, a fim de extrair o sentido que
possuem em relação ao processo da constituição de suas identidades profissionais. Assim,
poderão compreender melhor seu papel e isso poderá desencadear o crescimento
profissional, indispensável para seu desempenho educacional na sociedade contemporânea.
Neste capítulo, expliquei a abordagem metodológica usada para a coleta dos dados
e como os pressupostos apresentados no background teórico foram incorporados para a
análise e interpretação. Acredito que essa descrição do processo da pesquisa tenha
explicitado ao leitor o que fiz, como, quando, onde e por que, além de possibilitar que
realize o próprio julgamento sobre o trabalho e os sentidos apurados.
No próximo capítulo, descrevo os dados gerados e os resultados da pesquisa. Inicio
apresentando, de maneira mais abrangente, os temas encontrados nas narrativas das
participantes da pesquisa e algumas considerações relevantes extraídas das minhas
anotações realizadas nas reuniões durante o período do curso, as quais contribuíram para a
minha interpretação. Passo então a relatar um pouco sobre a trajetória das personagens
individualmente, com base em suas autobiografias.
57
CAPÍTULO III
A PEÇA: DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Neste capítulo apresento, inicialmente, as autobiografias de cada uma das
personagens desta peça que nos dão suporte para uma melhor compreensão das dimensões
pessoais e profissionais, bem como das características temporais e contextuais das
experiências narradas. Em seguida, passo a expor os dados gerados via entrevistas
narrativas, realizadas no início, na metade e no final do curso on-line. Vislumbro perceber
através destas narrativas possíveis traços identitários que indiquem mudanças ao confrontar
as representações das professoras sobre quem são e sobre como consideram o processo de
ensino-aprendizagem no ambiente digital, mais especificamente, anterior e posteriormente
ao curso.
Para desenvolver a análise das narrativas de história de vida, procedi à leitura das
transcrições com vistas a identificar os temas gerados e, a partir deles, chegar aos traços
predominantes constitutivos do processo de constituição identitária profissional das
professoras. Então, a partir da percepção desses traços, agrupei as falas que tinham os
mesmos temas em eixos temáticos.
Na sequência, passo a descrever e analisar as narrativas em duas seções. Na
primeira seção, construída com base na Pergunta de Pesquisa 1, busco perceber quais
traços predominantes das personagens estão envolvidos na constituição das suas
identidades profissionais. Na segunda seção, apoiada na Pergunta de Pesquisa 2, com a
finalidade de compreender como ocorre o processo de constituição identitária desses
profissionais, vou além da descrição dos traços apresentados na primeira seção e realizo
uma reinterpretação com base em nova análise, explorando possíveis aspectos semelhantes
ou divergentes trazidos pelos pesquisadores na discussão teórica deste estudo.
58
3.1 A abertura das cortinas e as três personagens: características e subjetividades no
enredo da autobiografia
A seguir, passo a apresentar as autobiografias 17 das personagens desta peça,
iniciando pela Ely, depois Gisele e Marisa. Discuto alguns pontos que parecem contribuir
para a construção da identidade docente, bem como aponto os fatores que levaram às
identificações das professoras. Começo por Ely.
“Na realidade eu comecei o curso de Letras por vontade dos meus
pais, pois não tinha o menor interesse em sala de aula, mas sabia que o
curso poderia me fornecer uma grande bagagem de conhecimentos em
diversas áreas. Quanto à minha formação lingüística e profissional na
língua inglesa, estudei 5 anos no CCI - Centro de Comunicação Inglesa,
aqui de Pontes e Lacerda. Esses aninhos de curso me proporcionaram
muito conhecimento e gosto pela língua inglesa. Após terminar o nível
avançado, já cursando o IV semestre do curso de Letras, minha
professora e também proprietária do CCI, Dani, me convidou a dar aulas
para algumas turmas. Como nunca havia trabalhado antes, resolvi aceitar
o desafio. Para minha surpresa também fui convidada a lecionar em uma
escola particular regular, chamada XV de Abril (para o ensino médio), e
então, quando percebi já estava inserida onde eu menos esperava, e
estava gostando, rsrsr... O mundo dá voltas!
Eu me tornei uma professora por total acaso, ou melhor, por vontade
de Deus. Por um convite inesperado que me fez conhecer o mundo
docente e a gostar dele. Em relação à minha história, posso dizer que,
no início, sentia um certo friozinho na barriga e um pouco de
insegurança, que logo foram superados graças aos incentivos e
segurança que a Dani me passava. Além disso, ela me dava atenção
também sobre as aulas que eu dava na escola XV de Abril, me passava
materiais de apoio, trocávamos ideias etc. Assim, aos poucos fui
construindo meu estilo enquanto profissional e definindo minha
prática pedagógica, e, por conseguinte, ganhado admiração de meus
alunos, pais e demais. Hoje posso dizer que tenho uma boa experiência
tanto com crianças quanto com adultos, quando lecionei na UNEMAT –
Universidade do Estado de Mato Grosso, mas logicamente ainda tenho
muito a aprender e a percorrer em minha trajetória docente.
Bem, me definir como aprendiz... é meio estranho. Costumo dizer que
aprendo enquanto ensino, planejo minhas aulas, procuro algo novo para
levar para sala de aula e enquanto ouço os meus alunos. Dessa forma não
consigo separar o meu aprender do meu ensinar, pois acredito que as
duas coisas são como um casamento perfeito. A única coisa que
mudaria, ou melhor, faria com maior frequência é ler e ouvir mais em
inglês, bem como falar no sentido de manter comunicação oral, mesmo
porque quando nos tornamos professores de línguas, acabamos nos
acostumando com: nossas manias, nossas expressões, nosso sotaque etc.
Quanto à minha experiência no curso on-line, deixe me ver, como posso
explicar isso? Gosto e preciso ter contato direto com, principalmente,
“listening and speaking”, mas analisando o curso on-line, está sim dentro
do que se propõe a esse tipo de curso. O curso esta sendo bom para
17
As autobiografias foram produzidas no dia 20 de junho de 2010.
59
conhecer mais sobre outros professores da área, trocar experiências e, ao
mesmo tempo, nos forçar a aprender como lidar com essa questão das
“modernidades” e novas “necessidades” do mundo de hoje.
Em relação à minha vida profissional diante do uso da tecnologia,
ainda me sinto como um “passarinho em fase de treinamento para o
primeiro voo” rsrsrsr.... mas já percebo mudanças em torno dos meios de
ensino. Eu sempre pesquisei, utilizei e continuo me munindo de
tecnologias como um todo para o meu aprender, agora... para ensinar com
o auxilio dela é outra coisa. Preciso me preparar melhor para isso, para
essas novas cobranças, sobretudo educacionais.” (Ely)
“Como a maioria das pessoas da minha época, o que me levou a fazer
Letras foi a falta de opção. Aprendi muito na minha graduação, mas
ficaram muitas lacunas. Porque meu curso foi na época em que vários
professores estavam saindo para estudar. Depois corri atrás do prejuízo
do inglês e fiz um curso na Wizard, pena que só consegui fazer um ano.
Tive que mudar de cidade e em Pontes e Lacerda não tinha essa escola.
Então não fiz mais nenhum curso.
O meu primeiro contato com a profissão foi com a substituição de uma
professora, prima do meu marido, com uma 3ª série. A experiência foi
muito válida e foi ao mesmo tempo em que eu terminava minha
graduação. Logo depois eu prestei o concurso para professora em Jaurú.
Fiquei dois anos até conseguir minha remoção. Quando cheguei aqui, o
professor que tinha atribuído as aulas pegou todas as aulas de inglês.
A partir daí, nunca mais parei, pior, me apaixonei pela disciplina.
Como aprendiz eu poderia ser mais dedicada, como professora sou
exigente e dinâmica. Meu desejo é ser uma professora que meus
alunos pudessem dizer: “Eu consegui porque você me orientou”. Isso
seria o ponto máximo da minha realização como profissional.
Quanto à minha experiência no curso on-line, eu gostei, aprendi muitas
coisas que uma professora, em pleno século XXI, não sabia, mas
estou correndo atrás do prejuízo e cada dia que passa aprendo algo
novo.
Em relação à minha vida profissional diante do uso da tecnologia, percebi
a facilidade e rapidez que meus trabalhos foram realizados, sem falar no
entusiasmo dos alunos com algo diferente. As aulas se tornaram mais
dinâmicas e interessantes. A tecnologia é um estímulo muito útil para o
professor.” (Giseli)
“Decidi fazer o curso de Letras porque gosto de inglês. Passei a
gostar da língua, desde quando eu comecei a fazer o curso de língua
inglesa no curso de extensão da Unemat (eu estava com
aproximadamente 11 anos). Poderia ter sido melhor. Nada é perfeito e
sempre há o que melhorar. Eu nunca fiquei de prova final e nem reprovei,
só que nas aulas de língua inglesa, repetiam-se conteúdos, questões
gramaticais, que eu estava cansada de saber. Então não gostava da
maioria das aulas de inglês. Antes de começar o curso de Letras eu
imaginava aulas de nível avançado por se tratar de um nível superior, mas
não foi o que aconteceu, não por culpa dos professores. Mas, porque era
60
impossível, pois os alunos que saem do ensino médio não têm muita
experiência em língua inglesa e não estão prontos para participarem de
aulas avançadas. E outro problema é que os professores efetivos, a
maioria estava afastado estudando e a cada semestre era um professor
diferente. Então não tinha uma sequência, algumas questões
gramaticais eram estudadas duas vezes, outras nenhuma, enfim, não
foram as aulas que eu sonhava.
Quanto à minha carreira de professora, eu comecei muito cedo, eu estava
começando o segundo semestre do curso de Letras, quando peguei 10
salas para trabalhar com língua inglesa, desde ensino fundamental até
ensino médio. A minha professora, em quem eu me inspirava e que
tenho como exemplo, ensinou-me a fazer meu primeiro plano de aula,
pois eu ainda não tinha tido aula de metodologia na universidade. A
partir desta primeira experiência fui melhorando aos poucos com meus
próprios erros e ainda tenho muito o que melhorar.
Sou uma professora apaixonada pela minha profissão. Por isso sou
estudante. É impossível ser professor sem ser estudante. Nós aprendemos
em sala de aula com os alunos, estudamos para ensiná-los e precisamos
estar informados sobre a realidade atual.
Minha experiência no curso on-line atingiu as expectativas. Sempre
acredito que há o que melhorar, porém, neste semestre sobrecarreguei-me
de horas aulas, o que diminuiu meu tempo de estudo. Mas a proposta do
curso é ótima e os orientadores também, o que me faltou foi mais tempo.
Em relação à minha vida profissional diante do uso da tecnologia, eu
acho que muita coisa mudou em pouco tempo, as aulas podem ser mais
dinâmicas, sair um pouco do giz e quadro negro. Não temos como fugir
mais da tecnologia, mas precisamos lidar com ela. Então, eu espero
conseguir lidar com isso em sala de aula. Mas ainda há algumas
dificuldades, na escola não tem material suficiente, por exemplo, tem
apenas um datashow, isto quando não está estragado. Não temos ainda
nossos próprios instrumentos e não podemos confiar em planejar uma
aula para usar um certo aparelho, pois ele pode não estar funcionando no
dia que você precisa.” (Marisa)
Dentre os elementos que contribuem para a construção da identidade das três
professoras, fica evidente o processo de inserção não intencional no mundo da docência.
Por motivos como falta de opção e de interesse, nenhuma delas queria ser professora, o que
gera um fator complexo: o não querer ser e se tornar esse ser. Esse „não querer ser‟ ou „o
não desejo‟, como parte da constituição identitária docente, traz muitas implicações para o
desempenho da profissão. Por exemplo, na hora de preparar uma aula, preparar um
material ou interagir com os alunos, esse „não querer‟ pode tornar tais tarefas complicadas
e menos motivantes.
Apesar desse „não querer‟, as professoras também demonstram um sentimento
positivo, que passa pela ordem da paixão. Num certo momento há um despertar docente
ocasionado por uma paixão, ora pelo fato de perceber que é capaz de ser professor, ora
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porque teve uma experiência bem sucedida com um ex-professor, com aluno, ou ainda
mesmo, pelo gosto pela língua inglesa. Desta forma, acontece um processo de identificação
em que elas começam a sentir satisfação e se envolvem no ensino da LI. Esse processo é
possibilitado pela experiência ao longo da própria docência, pelo apoio e incentivo de
outros professores, bem como pela admiração de alunos e familiares.
Na vida profissional das personagens, a colaboração, a troca com o Outro é tida
como um auxílio fundamental para que o professor possa ter segurança no início de sua
prática, o que possibilita que ele construa sua experiência de maneira positiva. As
professoras deixam transparecer como sentem satisfação pela profissão, o que indica que
as experiências vividas, por serem apoiadas em relações de confiança e colaboração,
proporcionaram motivação, prazer por desempenhar sua função, o que consequentemente,
resulta em uma prática mais significativa por parte do profissional. Talvez a ausência de
redes de aprendizagem estabelecidas no nosso contexto profissional, possa ser uma das
razões do sentimento de solidão e de frustração que muitos professores apresentam.
As escolhas lexicais apresentadas nas autobiografias das personagens, como o
termo „casamento‟, por exemplo, nos dão uma ideia sobre a dimensão da imagem que elas
construíram sobre a profissão: Uma relação marcada pelo amor à docência e à LI. Esses
sentimentos, de certa forma, contribuem para a constituição profissional, pois despertam
um senso de capacidade e de competência pessoal que exercem influências em relação à
escolha profissional. Nesse sentido, concordo com Nóvoa (2007) sobre o fato de que as
dimensões pessoais do professor estão inter-relacionadas com suas dimensões
profissionais. Não há como desconsiderar a vivência, com todas as experiências que o
sujeito professor teve ao longo de toda a sua vida, pois são inerentes à sua constituição.
Ainda em relação à materialidade linguística, a personagem Ely, ao explicar como
se sente em relação à sua vida profissional diante do uso da tecnologia, utiliza metáforas
que exprimem a sua representação de principiante frente ao novo contexto de ensinoaprendizagem: “passarinho em fase de treinamento para o primeiro voo”. Essas metáforas
parecem significar que ela ainda se sente no ninho, não consegue voar, ou seja, a imagem
que ela construiu de si no ambiente digital é de uma professora dependente. Então, a
personagem precisa de alguém, de um modelo, necessita ser treinada para conseguir sua
independência no contexto digital.
Se nos remetermos à natureza, os pássaros não recebem treinamento, mas quando
se sentem preparados, pulam e voam. Se ainda não estiverem prontos para voar, caem e se
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puderem contar com a sorte de se salvar após a queda, tentam novamente. Caso contrário,
morrem, pois a natureza é mais cruel, não existe treinamento no ninho. O passarinho
aprende pela própria experiência e por ser exposto a ela.
Ao se projetar como professora no ambiente digital, a personagem enfrenta o
desafio e experimenta sentimentos de insegurança e incompletude, o que parece provocar
mais instabilidade na constituição da sua identidade profissional. É justamente a
representação sobre seu papel e sua atuação profissional que passa por uma desconstrução,
devido à mudança do ambiente presencial para o digital, o que reflete na sua imagem do
que é ser professor.
Ao se reportar à experiência no curso on-line, a professora Gisele utiliza metáforas
que representam um distanciamento do mundo da tecnologia, como se estivesse falando de
uma professora que não é ela: “Eu gostei, aprendi muitas coisas que uma professora, em
pleno século XXI, não sabia, mas estou correndo atrás do prejuízo e a cada dia que
passa aprendo algo novo”.
Outra questão que me chamou a atenção foi a sensação que a professora possui por
acreditar que está atrasada em relação ao advento das TICs. Então, ela se define como
alguém que está “correndo atrás do prejuízo”. No entanto, ela não vai alcançar nunca,
porque a tecnologia está sempre em movimento, avança constantemente. Talvez „correr
atrás‟ não resolva, mas seria mais apropriado tentar compreender esse caminho que ela está
percorrendo na tentativa de se apropriar do pouco de tecnologia que ela consegue. Além
disso, a ideia que a professora passa é de que um dia ela vai parar de correr. Assim, seria
mais sensato diminuir o ritmo, não correr tanto, mas começar a andar devagar e contemplar
o seu caminhar. Ela parece buscar apenas o produto, ao invés de considerar o seu processo
de inserção no ambiente digital.
Desta forma, o fato de ir em busca apenas do produto, desejar ter um ótimo
domínio de todas as tecnologias, parece distanciar a professora do seu objetivo mais
importante que é concentrar-se nos princípios e concepções acerca de ensinar e aprender.
Tais considerações são até mais relevantes do que a formação para utilizar a tecnologia
mais recente. Seria mais adequado não empenhar-se em saber usar apenas as últimas
tecnologias do momento sem levar em conta reflexões sobre o processo de ensinoaprendizagem.
O nosso objetivo, enquanto formadores de professores, não é que as pessoas fiquem
„correndo‟, mas que caminhem compassadamente, olhem para o seu caminhar e aprendam
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com cada passo que dão, sem a preocupação de alcançar algo, porque esse „alcançar‟ talvez
seja inalcançável. Se os professores estiverem pensando que tenham que ser mega
updated18, estão enganados. O fato de ser super high tech19 não significa que os professores
vão adotar uma postura de ensino não tradicional, inovadora e dinâmica.
Também é interessante a metáfora da fuga da tecnologia. Num momento elas estão
„correndo atrás‟ para alcançar a tecnologia, em outro estão „fugindo‟ dela para que ela não
passe por cima. Essa movimentação, ora no mesmo sentido, ora em sentido contrário,
demonstra que a constituição identitária das professoras passa por um processo dinâmico e
contraditório. Num determinado período, as professoras estão se constituindo como
atrasadas por perceberem a necessidade de correr atrás, logo depois se constituem como
vítimas porque a tecnologia pode passar por cima delas, caso não acompanhem o ritmo
acelerado em que ela avança. Enquanto isso, deixam de considerar a questão mais
relevante nesse caminhar, que não é correr atrás, nem fugir, mas buscar analisar e entender
o próprio passo em relação ao contexto global que se apresenta imbricado no contexto
local. Outra questão referente à constituição identitária docente no contexto digital, é
percebida quando a personagem Gisele descreve a postura que gostaria de ter em relação a
esse contexto:
Como aprendiz eu poderia ser mais dedicada, como professora sou
exigente e dinâmica. Meu desejo é ser uma professora em que meus
alunos pudessem dizer: „Eu consegui porque você me orientou‟, seria o
ponto máximo da minha realização como profissional.
Este excerto nos mostra a representação da professora em relação ao seus papéis de
aluna e professora. As metáforas nos apontam uma contradição nos diferentes papeis por
ela vividos, enquanto ela assume que não é uma aluna dedicada, ao mesmo tempo ela
afirma ser exigente enquanto profissional. Ela sente o desejo de ser uma profissional capaz
e completa para que possa receber o reconhecimento de seus alunos.
Ainda é relevante destacar que o fato de as professoras vivenciarem a situação de
alunas no curso on-line pode ter interferido na construção identitária delas. Essa mudança
de papéis é uma questão complexa, pois o fato de serem professoras e viverem um
momento de aluno traz alterações na identificação profissional delas. Por outro lado, talvez
por viver a experiência de aprendiz seja interessante para que o professor compreenda
melhor as necessidades e característica pessoais dos alunos.
18
19
Ser Mega updated significa ser alguém super atualizado em relação à tecnologia.
Ser alguém super high tech é ter domínio da alta tecnologia.
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Nas autobiografias também percebi que as professoras construíram suas imagens
profissionais espelhando-se nos modelos de suas ex-professoras de LI. Isso acontece
porque nos constituímos profissionalmente a partir das experiências vividas e das pessoas
que passam por nossa vida escolar e acadêmica, que acabam nos influenciando de forma
positiva ou negativa.
Ainda aparece outro elemento nestas autobiografias, o dano educacional (TELLES,
2004). Ao narrar sobre suas histórias de formação linguística e profissional, as personagens
demonstram um sentimento de insatisfação e frustração, devido ao fato de que o curso de
Letras não correspondeu às suas expectativas. Assim, incorporaram na sua constituição
identitária profissional essas experiências negativas vividas na aprendizagem de LI na
graduação, que podem influenciar sua prática pedagógica. Sob a ótica de Wojecki (2007,
apud Assis-Peterson & Silva, 2010: 165), “práticas de aprendizagem dolorosas (wounding
learning
practices)
marcam
profundamente
as
identidades
de
aprendizes
e,
consequentemente, de professores de línguas.”
Desta forma, além de não proporcionar a aprendizagem da LI, muitas vezes, o curso
de Letras não propicia o espaço adequado para a constituição identitária dos futuros
docentes. Além de fornecer espaços colaborativos para a reflexão de questões relacionadas
ao processo de ensino-aprendizagem, à prática docente e à linguagem, o curso de Letras,
como formação inicial do futuro professor é responsável por promover condições para
discutir elementos do campo pessoal, relacionados à subjetividade do docente pré-serviço.
A identidade docente precisa ser pensada como algo primordial no desenvolvimento
profissional do professor. Neste sentido, a universidade seria o lugar ideal para que essa
reflexão ocorresse. Haja vista que o desenvolvimento da identidade profissional – a
autoimagem do que é ser professor, também decorre das identificações que esses
profissionais constroem no decorrer do curso de graduação, as experiências vividas durante
a formação inicial podem provocar deslocamentos nas representações que os professores
possuem a respeito de si próprios, do processo de ensino-aprendizagem e da língua-alvo.
65
3.2 Os traços característicos e o processo de constituição da identidade profissional
das professoras
Inicialmente, procedi à seleção dos temas mais recorrentes, presentes nas narrativas
das professoras, para possibilitar as respectivas respostas às questões que norteiam essa
pesquisa: Que traços predominantes podem revelar o processo de constituição da
identidade profissional dos professores de inglês ao participarem do curso de formação
continuada em ambiente digital? Como ocorre o processo de constituição da identidade
profissional dos professores de inglês da rede pública no decorrer de um curso de formação
continuada em ambiente digital?
Ao ponderar as motivações e razões das professoras de LI para participar do curso
de Formação Continuada on-line, encontramos aspectos diversos como: a insegurança na
utilização das TICs no ensino-aprendizagem, o desejo de trocar experiências profissionais,
a busca pela fluência no idioma, a organização do tempo e a falta de disciplina, bem como
a falta de oportunidades de cursos na área de Linguística Aplicada com foco na formação
continuada de professores de LE, mais especificamente cursos em ambiente digital. É
interessante que as professoras buscaram no curso on-line questões que não são exatamente
pertinentes apenas ao ambiente digital, como é possível observar a partir dos temas
apresentados nas entrevistas narrativas.
Passo então a apresentar os temas que apareceram no discurso das três personagens
desta pesquisa de modo geral. Em seguida, passo a discorrer sobre as categorias propostas
por Nóvoa (2007): adesão, ação e autoconsciência, que caracterizam o processo de
(re)constituição identitária das professoras de forma individual. Finalmente procedo à
discussão dos dados, em que procuro compreender como ocorre o processo de constituição
da identidade profissional dos professores de inglês em ambiente digital.
É pertinente retomar que quando falo de tema, apoio-me nos estudos de Riessman
(2008) em relação à análise temática de narrativa, na qual o conteúdo é o foco exclusivo,
ou seja, são analisados os temas evidenciados no corpus com ênfase na investigação sobre
“o que” é dito.
66
3.2.1 Ato I: A troca de experiências com o Outro
Um dos traços característicos da constituição identitária profissional das
professoras de LI é a troca de experiências com os colegas professores acerca da prática de
ensino de LI. O visível desejo de entrosamento pode surgir devido a um sentimento de
solidão, o que faz com que as professoras sintam a necessidade de ter maior convivência
com outros profissionais da área, com vistas a crescer profissionalmente. Pude observar
que antes do início do curso a professora Ely apontava seu trabalho como algo mais
individual e isolado, pois ela relata a possibilidade de ter um contato maior com os outros
professores quando afirma:
Primeiro porque quando surgiu esse curso, eu acho assim, a gente precisa
praticar e a gente não pratica a língua, é só aquilo na sala de aula,
pesquisa em livro e na sala de aula. Eu acho que é bom ter esse
entrosamento com os outros professores, ai a gente tem aquele
contato e é gostoso isso, você aprende mais, aquela troca de
experiência, isso ajuda muito no meu trabalho (Entrevista narrativa I,
março de 2010).
Esse sentimento também fica claro na narrativa da personagem Gisele, que
exprime a sua necessidade de interagir e trocar experiências práticas com outros
professores da área, com o objetivo de melhorar a prática pedagógica, conforme o excerto
a seguir:
Outra coisa é a troca de experiência quando você tem contato com os
outros professores da mesma área. Eu espero além do certificado,
aumenta o conhecimento, a experiência mesmo, porque a gente sozinha é
difícil, porque a língua inglesa querendo ou não no ensino público ela é
complicada, é bem restrita a forma de a gente trabalhar, e tendo contanto
com outros professores às vezes a gente troca uma ideia, conversa
pra ter novas ideias e tem expectativas de melhorar o trabalho, cada
vez mais tá melhorando o trabalho, tenho muita insegurança ainda
(Entrevista narrativa I, março de 2010).
Tais sentimentos de solidão e desejo de entrosamento, até mesmo de pertencimento,
são percebidos nas experiências relatadas pelas professoras. A solidão talvez seja uma das
variantes que pode fazer com que alguns professores desistam da profissão, não tendo
outras pessoas para dialogar, trocar experiências, acabam sentindo-se isolados e não
prosseguem na carreira docente.
67
Estes mesmos sentimentos da personagem Gisele são compartilhados por Marisa
que demonstra seu interesse pelo intercâmbio de experiências, via aprendizagem coletiva,
para aperfeiçoar a prática de ensino em sala de aula: “Em busca de trocar experiências com
outros professores para melhorar a prática” (Entrevista narrativa I, março de 2010).
Isso significa que a relação com o Outro é imprescindível, pois além do intercâmbio
de conhecimento e da aprendizagem coletiva, esse contato gera um certo conforto e
sensação de pertencimento ao grupo, à coletividade. Precisamos do Outro para construir
nossas identificações pessoais e profissionais. Sem esse contato próximo com o Outro seria
como ser um professor sozinho, o único professor de LI na face da terra.
Isso nos mostra que somos constituídos em relação ao Outro, o que Hall (2005)
propõe em relação à construção das identidades. Segundo o autor, esse processo ocorre por
meio de identificações construídas pelo indivíduo simultaneamente aos processos de
transformação sócio-cultural. Assim, ao identificar-se com as representações do mundo, de
si mesmo e do outro, construindo a sua realidade social e a cultura, o sujeito produz sentido
e constrói sua identidade.
3.2.2 Ato II: A falta de fluência na língua-alvo
Outro aspecto que é trazido à tona na entrevista inicial com as professoras de LI é o
medo da falta de fluência na língua-alvo, o que nos mostra uma aparente insegurança por
parte das professoras quanto à prática delas em sala de aula. Verificamos isso conforme os
fragmentos da fala de Ely, nos quais ela evidencia suas motivações para fazer o curso:
Eu prefiro a questão oral, por que eu acho que isso é o que me faz mais
falta, a oralidade. Então assim, eu acho que o principal motivo foi isso,
querer aprender mais, e ao mesmo tempo aproveitar, porque é diferente, é
on-line, pra vê como é, e pra crescer na língua inglesa (Entrevista
narrativa I, março de 2010).
As professoras indiciam uma grande preocupação pela falta de fluência na LI e
ainda possuem a imagem de que aprender língua é falar fluentemente. Podemos perceber,
na fala da Gisele, a incessante busca pela boa proficiência linguística e o sentimento de
frustração por não obtê-la, nesses dois excertos:
O primeiro interesse assim, logo de cara é devido à língua inglesa, e
eu ainda tenho muito que aprender e também que eu nunca fiz um
curso a distância. (Entrevista narrativa I, março de 2010).
O meu sonho mesmo, eu gostaria de ser aquela professora de inglês
em que eu chegasse aqui e poderia falar com qualquer um em inglês,
68
eu não teria dificuldade. Só que acaba acontecendo uma coisa,
acontecendo outra e isso acaba atrapalhando e aí eu vejo que não consigo
alcançar o plano que eu queria e isso me deixa muito triste. Melhorar o
nível de língua inglesa, eu já percebi que eu, de um tempo pra cá, agora
que comecei a pega a coisa de novo, foi um tempo que eu fiquei parada
demais, e isso me prejudicou (Entrevista narrativa II, maio de 2010).
Ainda pude constatar esse tema na narrativa de Marisa, um dos mais comuns nas
narrativas das professoras participantes do curso, que é o desejo pelo domínio da
linguagem oral, quando ela relata suas motivações para participar do curso: “Em busca de
trocar experiências com outros professores para melhorar a prática o objetivo mesmo em
sala de aula, dinâmicas, metodologias, contextualizar a aula, num assunto bem atual e
aperfeiçoar o inglês”. (Entrevista narrativa I, março de 2010).
Considerando o nível de LI dos participantes, conforme a própria fala delas nas
narrativas, Ely e Marisa têm um nível intermediário, enquanto Gisele está no básico.
Parece que apenas a última está mais preocupada com o seu desempenho linguístico. Isso
não significa que não seja importante buscar obter mais conhecimento linguístico e
discursivo, mas que não é somente a questão de fluência que precisa ser considerada no
desenvolvimento profissional do professor.
As participantes desconsideram elementos indispensáveis para uma melhor
preparação para atuar no ambiente digital de ensino e aprendizagem, como o que Sharma
& Barrett, (2007) apontam entre os muitos saberes e competências que o professor
necessita aprender, como uma boa aptidão para pesquisar a Web, para criar atividades com
textos e gravuras, para avaliar materiais extraídos da Web, utilizar quadros interativos e
criar apresentações em Power Point, bem como conectar um datashow a um computador
para realizar uma apresentação em sala de aula, aprender a manusear as ferramentas para
criar material on-line e utilizá-lo. Além disso, os autores citam que o professor precisa ter
uma formação crítica para utilizar as TICs de forma produtiva, para explorar as
possibilidades de reflexão sobre questões sociais, mostrar as ideologias que permeiam os
textos e os discursos, criar condições que favoreçam a produção colaborativa de
conhecimento, atribuir significado para a utilização dos recursos dos ambientes digitais,
através da criação e recriação de estratégias pedagógicas adequadas às necessidades e ao
contexto dos alunos, bem como através da avaliação e escolha dos materiais didáticos
utilizados.
Contudo, a ênfase na insegurança por não dominar bem o idioma representa como
69
as professoras constituem suas identidades profissionais fundamentadas no sentimento de
incapacidade, pelo fato de terem construído a imagem de um professor de LI como um
falante ideal, ou falante nativo da língua. Talvez as identificações delas sejam pautadas no
modelo de professor que tem a obrigação de dominar tudo, ou seja, ser um verdadeiro
“detentor do saber”.
3.2.3 Ato III: A insegurança frente ao desconhecido
Outro traço característico da construção da identidade profissional no decorrer do
curso on-line é a insegurança. A utilização das TICs no cotidiano das professoras
representa algo complexo, pois ainda existe pouca familiaridade, certo receio referente ao
novo, bem como resistência ao ensino a distância. Isso parece evidente na forma que Ely
relata o contato com a parte on-line do curso:
Olha, a gente sente um pouquinho de dificuldade e um pouquinho de
medo quando não estamos acostumados a usar as TIC, eu fiz o blog,
não entrei mais, então é aquilo que a gente não esta acostumado. Isso é
uma coisa nova, a gente tem que começar a costumar a usar mais e eu
espero assim, que no futuro, eu use mais, mas por enquanto eu sinto
que estou tendo um pouquinho de barreira. Até eu preferia mais se
fossem só os encontros presenciais, mas é o novo, e quando é novo, a
gente fica com esse medo (Entrevista narrativa I, março de 2010).
A professora Gisele, ao contradizer-se, aparenta estar insegura em relação ao uso
das TICs com seus alunos, pois num primeiro momento ela o descreve como algo positivo
e diferente e diz que os alunos gostaram. Porém, no segundo excerto já afirma que os
alunos “querem sempre aquela aula presencial”. Ressalta também que terá dificuldades em
se adaptar com a utilização das TICs em atividades extraclasse, conforme o excerto:
Eu acho que eu seria bem dinâmica, do pouco que eu já usei, eu
comecei com 8ª série, foi bem legal. Eles também gostaram, porque
foi diferente. Até teve alguns alunos de outras séries que estavam na
porta que passaram: Ah, mais porque que com a gente não tem isso?
Você vê que chama a atenção, você vê que é diferente, então eu acho que
eu seria bem dinâmica (Entrevista narrativa III, junho de 2010).
Eles não estão vendo o on-line como uma aula, eles querem sempre
aquela presencial. A minha maior dificuldade vai ser essa também, de
me reeduca em sala de aula com os alunos pra eles fazerem tarefas e
atividades fora de sala, além disso, eu vou ter que ter mais um agravante,
porque, por exemplo, eu vou ter aluno que nem computador tem, então,
70
ele vai ter que estar indo na escola, usando o laboratório da escola
(Entrevista narrativa III, junho de 2010).
A personagem Marisa também compartilha do sentimento de insegurança das
demais personagens. Parece que o fato de interagir com seus alunos via computador, sem
estar face a face, não lhe agrada muito. Podemos perceber isso no fragmento de sua fala:
“A não presença física da pessoa muda muita coisa, porque você estando ali com o aluno,
eu adoro estar com meus alunos, então pra mim seria difícil me adaptar a esse curso a
distancia com meus alunos”.
Nesse excerto, parece que a personagem Marisa ainda não consegue lidar muito
bem com a restrição física no ambiente digital. A forma diferenciada de interação entre
professor e aluno nesse ambiente, consoante Kleiman e Vieira (2006), envolve outros
elementos que não fazem parte do ambiente presencial, como a “concepção de tempo e
espaço”, o que influi no comportamento do sujeito e, consequentemente, na constituição
das identidades pessoais e profissionais. Isso explica o estranhamento da professora ao
visualizar sua atuação no ambiente de ensino-aprendizagem digital.
Esse traço indica que, ao mudar o contexto de ensino-aprendizagem, o professor
sente certa apreensão, o que pode influenciar sobre a construção da sua identidade
profissional, que ocorre de forma multifacetada, deslocada e fragmentada. Nesse sentido,
concordo com Hall (2005) em relação ao fato do „ser professor‟ passar por uma „crise de
identidades‟. Enquanto as TICs desencadeiam outros valores e padrões sociais, o
profissional professor necessita passar pela reculturação, reestruturação e reorganização
temporal20. Nessa fase de adaptação é que o sujeito entra em crise, pois surgem elementos
que desestabilizam o seu eu, possibilitando outras formas de subjetividades e,
consequentemente, desestabilizando e fragmentando sua identidade.
Reculturação é o “processo de desenvolvimento de novos valores, crenças e normas que envolve a construção de novas percepções de
instrução e novas formas de profissionalismo para os professores”. Reestruturação são as “mudanças nos papéis, estruturas e outros
mecanismos que possibilitam o desenvolvimento de novas culturas”. A reorganização temporal é a “nova forma de estruturar o tempo no
cotidiano escolar, com mais eficiência para o processo de mudanças” (FULLAN, 1996:422 apud JESUS, 2007:13).
20
71
3.2.4 Ato IV: A organização do tempo e a disciplina
As professoras demonstraram ter problemas de ordem temporal e organizacional,
pois alegavam a falta de tempo para realizarem as atividades do curso. Isso nos induz a
compreender que não possuem ainda a disciplina e a responsabilidade que necessitam ter
para fazer cursos em ambiente digital. De acordo com os dois excertos abaixo da fala de
Ely, parece ficar evidente a falta de organização e disciplina:
Eu acho que eu to meio assim, meio relax, com falta de tempo, não
estou me dedicando muito, eu até estou com um pouco de medo de falar
alguma coisa, os questionários que eu respondo, é tudo no último
momento. Então assim, eu sempre chego em casa cansada, então esta me
faltando um pouquinho de tempo também (I reunião com o grupo de
professoras participantes do curso de formação continuada on-line, abril
de 2010).
Eu acredito que vai realmente melhorar o meu lado profissional, eu
preciso de mais disciplina, o curso ok, ele tá aí pronto pra mim, eu que
tenho que me prepara mais pra ele (Entrevista narrativa I, março de
2010).
No excerto seguinte, a professora Gisele expõe sua dificuldade em relação à
questão da organização do tempo e disciplina:
Na minha opinião, pra mim ainda não esta sendo 100%, mais por
motivo meu, devido a correria, o tempo, uma loucura danada, e você
tem que realmente ser disciplinado ao extremo. No meu ver é assim, o
conteúdo é legal, faz você correr atrás, faz você ter que se esforçar, mas
também tem que ser disciplinado (Entrevista narrativa I, março de 2010).
Marisa, no fragmento seguinte, destaca a desvantagem em relação ao tempo. No
entanto, ela já percebe mudanças positivas no decorrer do curso on-line:
Eu acho que estou melhorando em relação a mexer mesmo com a
tecnologia, a Internet e tal. Melhora muito, porque igual você faz cursos
de computação essas coisas, e depois não põe em prática, ai acaba não
usando muito e não tem muito tempo e tal, e quando faz um curso online você precisa, não tem como correr, você acaba usando, praticando e
ai vai melhorando, eu acho que eu melhorei bastante até agora
(Entrevista narrativa II, maio de 2010).
As três personagens puderam perceber a diferença da questão espaço-temporal no
processo de ensino-aprendizagem no ambiente digital. Apresentaram dificuldades de
adaptação, mas foram determinadas e acabaram conseguindo realizar as atividades do
curso. Elas venceram esse impasse na reculturação, sendo bem sucedidas em relação à
72
disciplina e organização do tempo para se dedicar ao curso on-line, apesar de terem
demorado um pouco para começar a interagir nas listas de discussão. Isso significa que
fora iniciado o processo de letramento digital, o que revela mudanças positivas na
capacitação para a docência on-line.
Esses traços de adaptação e organização são constitutivos da identidade profissional
das participantes no decorrer da experiência que vivenciaram no ambiente digital. Isso nos
indica que os fenômenos sociais como o advento das TICs trazem efeitos diversos sobre a
personalidade do sujeito, o que implica em um eu em constante reformulação. Tais traços
corroboram com a visão dos autores mencionados no referencial teórico deste estudo, ao
confirmar que é impossível definirmos as identidades como constituídas de maneira fixa e
imutável. Somos indivíduos influenciáveis, provenientes desse complexo contexto sóciohistórico e mudamos a cada nova experiência vivida. Nesta pesquisa, pude perceber como
o global reflete no local, ou seja, as participantes são influenciadas pelo fato de desejarem
usar as tecnologias e os propósitos de ensino globais no contexto de ensino local delas.
3.2.5 Ato V: O desejo de inserção no ambiente digital
No momento da segunda reunião presencial, percebi que as professoras já estavam
um pouco mais familiarizadas com a noção de tempo e espaço. Contudo, demonstraram
estar desapontadas com a falta de capacidade frente ao ambiente digital.
Ao relatar os objetivos que pretendia alcançar com o curso de formação continuada
on-line, Gisele demonstra ansiedade para desenvolver o seu letramento digital. Podemos
perceber isso nas suas palavras:
Interagir cada vez mais com a tecnologia, com o ambiente digital e
estar sempre em contato com a língua. Ao final do curso, pretendo
principalmente tentar alcançar o objetivo que é o contato melhor
com a tecnologia digital. A questão da tecnologia tá aí, pra todos, e
temos que nos adequar a isso. Não tem outro jeito, é isso mesmo e
vamos lá. [...] Em relação à questão da informática e da tecnologia
estou iniciando ainda, então, to num processo bem inicial mesmo, não
tenho muito contato. Mas no final do curso, creio que já vou estar mais
inteirada, por isso a gente tá aí sempre na batalha, tentando se
adequar na realidade de hoje (II reunião com o grupo de professoras
participantes do curso de formação continuada on-line, maio de 2010).
No excerto seguinte da fala da Ely, entre os objetivos que ela pretende alcançar está
o de construir competências relacionadas à tecnologia:
73
Eu almejo ser fluente e realmente ter domínio sobre o que tá à volta,
sobre linguística, sobre cultura, sobre tudo relacionado às tecnologias,
porque precisa e vai precisar mais ainda, então eu preciso disso, a
fluência na língua, preciso de me preparar melhor, e principalmente
quanto à tecnologia, que realmente é o campo que eu mais deixo a
desejar, porque as únicas coisas que eu mexo são os artigos, outro
material mais acessível, direto no Google, então precisa de mais um
ensaio (Entrevista narrativa II, maio de 2010).
A professora Ely demonstra um forte desejo de dominar a língua-alvo, os
conhecimentos de Linguística Aplicada, bem como desenvolver habilidades para lidar com
a tecnologia em benefício da prática profissional.
Marisa também expõe sua preocupação quanto ao aperfeiçoamento das suas
habilidades com a tecnologia, bem como parece pensar nas TICs como uma possível
solução para adequar suas aulas ao contexto sócio-histórico, conforme os excertos a seguir:
Nesses últimos anos que a gente vem se preocupando com essa questão
de parar de usar só o quadro negro e o giz e tentar buscar essas
tecnologias porque as crianças já vêm com isso da vida, do cotidiano e
daí eles não querem mais saber daquela aula tradicional, e isso leva a
essa preocupação, ai por isso que eu fiz esse curso. [...] a gente não tem
como fugi mais da tecnologia e tem que lidar com isso, então eu espero
conseguir lidar com isso em sala de aula (Entrevista narrativa III, junho
de 2010).
Essa preocupação mostra que as professoras estão adquirindo consciência sobre
suas responsabilidades no atual contexto educacional. Elas começam a perceber que não
podem mais adiar o domínio das ferramentas tecnológicas e da Internet para utilizá-las em
benefício do processo de ensino-aprendizagem. Essa identificação seria construída devido
às influências do contexto sócio-histórico contemporâneo, em que o advento das TICs é
inevitável e, por sua vez gera transformações na subjetividade do ser professor.
Segundo Hall (2005:106), a construção das identidades ocorre por meio de um
processo de identificação que é variável, contínuo e inacabado, podendo ser mantido ou
recusado. É um processo de articulação, uma suturação ao desenvolvimento das
transformações sócio-culturais, que sempre ocorre de modo “demasiado” ou “muito
pouco”. Isso significa que o sujeito produz sentido e constrói sua identidade ao identificarse com as representações do mundo, de si mesmo e do outro, construindo a sua realidade
social e a cultura.
74
Além das identidades serem influenciadas pelo processo sócio-histórico e cultural,
o sujeito dividido convive com identidades diferentes, múltiplas, desempenha várias
identidades no seu contexto cotidiano, sendo que elas podem entrar em contradição ou
serem antagônicas. No contexto do curso em ambiente digital, as professoras assumiram
traços identitários diversos em relação ao uso das TICs, como desejos, medos,
expectativas, enfrentamento e superação. Porém, todos esses traços fazem parte de um
todo, que é a identidade das participantes do curso on-line, o que constitui o self delas.
Dessa forma, mesmo possuindo múltiplas identidades, que são diferentes, que
precisam adaptar-se de acordo com a necessidade e com a comunidade em que estiver
interagindo, o mesmo self é constituído por vários traços diversificados, que formam suas
respectivas identidades. Nesse sentido, ainda é pertinente retomar a descrição de Bauman a
respeito do contexto contemporâneo em que vivemos. O autor utiliza os termos „líquido‟ e
„fluido‟ pelo fato de que tudo está em constante movimento, infinitamente dinâmico, como
nossas identidades. Assim, as identidades “não fixam o espaço nem prendem o tempo, [...]
são fotos instantâneas, que precisam ser datadas” (BAUMAN, 2001: 08). Isso equivale a
dizer que as identidades apenas são únicas, exatamente em cada momento, situação
específica ou contexto vivido, ao passo que são extremamente cambiáveis, por mudarem a
cada nova experiência, que por menor que seja, traz repercussões identitárias para o
indivíduo.
3.2.6 Ato VI: A incompletude do sujeito professor
Entre as temáticas presentes nas narrativas, parece que há sempre um desejo
inalcançável, pois as professoras permanecem no querer. Isso é percebido na fala de Ely,
quando ela justifica a sua decisão em fazer o curso e cita suas motivações:
Eu acho assim, a primeira coisa, aqui tem pouca opção, na realidade não
tem opção de curso, então o que aparece a gente tem que se interessar
de alguma forma, mesmo não dominando muito bem os espaços on-line,
a gente tem que aprender aos poucos. Então assim, eu acho que o
principal motivo foi isso, querer aprender mais, e ao mesmo tempo
aproveitar, porque é diferente, é on-line, pra vê como é, e pra crescer na
língua inglesa (Entrevista narrativa I, março de 2010).
A incompletude é caracterizada neste excerto da fala de Ely, pelo fato de ela
afirmar enfaticamente a necessidade de ter que se interessar, ter que aprender, querer
75
aprender mais, como se existisse um enorme vazio que por ser tão imenso ela demonstra
tamanha incompletude e anseio em preencher.
Essa constante incompletude aparece também na narrativa da Gisele, quando ela
descreve seu desejo pelo domínio da LI, de acordo com esses excertos:
O meu sonho mesmo, eu gostaria de ser aquela professora de inglês
em que eu chegasse aqui e poderia falar com qualquer um em inglês,
eu não teria dificuldade. Só que acaba acontecendo uma coisa,
acontecendo outra e isso acaba atrapalhando e aí eu vejo que não
consigo alcançar o plano que eu queria e isso me deixa muito triste.
[...] Melhorar o nível de língua inglesa, eu já percebi que eu, de um
tempo pra cá, agora que comecei a pega a coisa de novo, foi um tempo
que eu fiquei parada demais, e isso me prejudicou (Entrevista narrativa II,
maio de 2010).
Marisa deixa transparecer seus desejos de mudança, atualização e aperfeiçoamento
profissional nos próximos excertos retirados das três narrativas:
A gente busca sempre melhorar, porque nunca estamos prontos nem
perfeitos, sempre cada dia é uma preocupação diferente, cada dia uma
novidade diferente. Nem sempre você consegue estar acompanhando as
mudanças da tecnologia, sempre tá faltando.
Eu espero alcançar esses meus objetivos de mudança de melhorar
minhas aulas, na pratica, no dia-a-dia, nas dinâmicas, a metodologia
mesmo, uma gramática bem contextualizada e falando de assuntos
atuais, coisas que interessam os alunos.
A minha preocupação do lugar onde eu quero chegar é tentar nessas
aulas trazer mais para a realidade, porque a realidade do dia a dia é a
tecnologia, então, colocar essas minhas aulas na realidade, atualizar
mesmo.
Então eu quero ser alguém mais dentro da atualidade, utilizando
mais os recursos, porque hoje já tem outras coisas, o CD player não tem
mais tanta utilidade. Por mais que os alunos não tenham o computador,
eles conseguem o acesso de qualquer jeito, ou na lan house, ou na escola
ou usam o computador do amigo. (Entrevista narrativa III, junho de
2010).
A incompletude parece estar marcada aqui pela utilização da metáfora lugar onde
quero chegar, como se esse lugar fosse tão distante, e como se a realidade de mundo da
professora estivesse muito aquém da realidade que ela deseja fazer parte.
Esses traços de incompletude e desejos de desenvolvimento profissional podem ser
desenvolvidos pela representação que as professoras construíram sobre o que é ser um bom
profissional professor e sobre as competências e habilidades que precisam possuir. Esse
76
sentimento de se atualizar, buscar sempre fazer tudo que for possível para aperfeiçoar sua
prática pedagógica, acaba provocando frustração no ser professor. Isso acontece porque
construíram na sua experiência de aprendiz, pelas vivências que tiveram com os seus
professores, uma concepção de professor que tenha o domínio do saber, para que seja
capaz de responder qualquer pergunta que seus alunos fizerem.
Esse traço constituinte da identidade profissional remete-nos à discussão de Hall
(2005:110), de que o sujeito procede em construir o que é – sua identidade na “relação com
o Outro”. Nesse processo, vêm à tona elementos diferentes, surgindo então um sentimento
de “falta” no sujeito a partir de seu “exterior constitutivo”. Dessa forma, pelo fato de as
identidades serem relacionais e construídas “na diferença ou por meio dela, sendo
constantemente desestabilizadas por aquilo que deixam de fora” (HALL, 2005:111), os
indivíduos assumem determinadas identidades que lhe são impostas por serem
representações criadas mediante uma “falta”.
Isso nos explica o desejo das professoras em atingir um maior crescimento
profissional. A partir do que vivenciaram como aprendizes e profissionais no contexto
educacional desde a infância, construíram a sua identidade profissional. Nesse movimento
de reconstituição constante essas identidades entram em choque, gerando um conflito
pessoal por não se sentirem completamente prontas para atuar profissionalmente como
pensam que seja necessário. Aparentemente, persistem nesse sentimento de incompletude
por não serem capazes de alcançar o padrão imaginário do que é ser um bom profissional,
o que realmente é improvável, pois ninguém pode atingir essa perfeição e dominar todo o
conhecimento que está sendo construído pela humanidade.
As professoras, como sujeitos socialmente integrados, constroem suas identidades
através de um processo de identificação com as representações construídas nas práticas
discursivas, a partir das interpretações dos sujeitos de sua realidade social (HALL, 2005).
Isto é, as três personagens participantes do curso de formação continuada em ambiente
digital, inseridas em outro contexto social educacional, passam a reconstituir-se
identitariamente, por meio das identificações que são criadas por elas nas interações –
nesse caso através das narrativas de suas histórias de vida e autobiografias, de acordo com
o ponto de vista das demais pessoas que integram o mesmo contexto profissional.
Ainda pude perceber que as identidades estão relacionadas, conforme Hall (2005:
109), com “quem nós podemos nos tornar, como nós temos sido representados e como essa
representação afeta a forma como nós podemos representar a nós próprios”. Isso justifica a
77
relação estabelecida entre os traços identitários que as professoras apresentaram em suas
narrativas. Acreditam que podem vencer os obstáculos da atuação profissional no ambiente
digital e se empenham por isso, mesmo enfrentando dificuldades oriundas da falta de
familiarização com as TICs para se tornarem capazes de exercer a docência nesse outro
ambiente. Além disso, o fato de serem geralmente representados na nossa sociedade como
profissionais tradicionais, ultrapassados, que na maioria das vezes não contribuem com a
formação dos alunos, está relacionado a uma busca excessiva por crescimento profissional,
a uma preocupação com a adequação da sua prática pedagógica em relação às necessidades
de formação do indivíduo que o contexto sócio-histórico contemporâneo requer. Todos
esses fatos influenciam na autoimagem de professor, nas suas representações acerca do seu
perfil
profissional,
desencadeando
outras
subjetividades
e
gerando
identidades
multifacetadas, em processo infinito de reconstrução.
3.3 Discussão e interpretação
A partir da singularidade do enredo de cada personagem inserida no cenário digital,
busquei interpretar e recontar as experiências vividas pelo profissional professor. Por meio
desses percursos, tentei narrar o significado que a experiência no ambiente de ensinoaprendizagem digital teve para as participantes com intuito de compreender como as
identidades profissionais foram constituídas.
A análise das narrativas evidenciou os três elementos que caracterizam o processo
de (re)constituição identitária do professor, apontados por Nóvoa (2007): adesão, ação e
autoconsciência. A adesão significa que o professor adere a determinados valores e
princípios. A ação se dá através de decisões pessoais e profissionais que norteiam o
trabalho docente, enquanto a autoconsciência é desenvolvida através do processo de
reflexão, que traz mudança e inovações pedagógicas.
Gisele, na primeira narrativa, explicou que ainda não tinha se dedicado como
deveria ao curso on-line, mas na segunda narrativa já apresentou no seu discurso
características que indicam adesão às novas formas de ser professor de LI, como a
percepção de sua falta de habilidade em lidar com as TICs e a possibilidade de utilizá-las
na sua prática de ensino, conforme esses fragmentos:
[...] pra mim ainda não está sendo 100%, mais por motivo meu,
devido a correria, o tempo, uma loucura danada, e você tem que
78
realmente ser disciplinado ao extremo (Entrevista narrativa I, março de
2010).
Eu nem tinha e-mail, na verdade nem tinha Internet, depois da última
reunião eu corri lá na Sisproel e mandei coloca Internet na minha casa.
[...] descobri que eu sou uma dinossaura, pré-histórica, ai depois, mas
é aquela coisa, você vai mexendo, vai mexendo, até que vai
aprendendo, tanto é que agora eu já vou ter retorno do curso, fui
convidada pra ser professora de um outro curso on-line [...] Então, tá
sendo interessante, porque eu ainda tenho que mexe em muita coisa ali,
eu quero aprende a lida mais com a tecnologia, e se Deus quiser, a
partir do 3° bimestre eu já vou tá trabalhando com meus alunos de
uma maneira diferenciada. [...] eu queria vê se eu conseguia trabalha
com eles de uma maneira mais on-line. Então assim, o curso também
me deu ideias, eu não sabia como trabalhar exatamente, e ai esse curso foi
legal por causa disso, ele me deu essas ideias (Entrevista narrativa II,
maio de 2010).
A ação é indicada na terceira narrativa, em que Gisele descreve algumas decisões
pessoais e profissionais que pretende colocar em prática em breve, ainda descreve a sua
representação como professora em ambiente digital:
[...] foi uma maneira de ver uma outra metodologia pra trabalhar com os
alunos, uma outra ferramenta que eu aprendi a usar, vai ter todo um
remanejamento pra cada faixa etária, pra cada passo, mas da pra você
utilizar pra trabalhar diferente, e talvez também de uma maneira que
chame mais a atenção dos alunos.
Eu percebo uma mudança sim, porque principalmente com o curso que
foi uma unidade seguida da outra principalmente, aumentou um
pouco mais o meu conhecimento na área, muita coisa que eu não
sabia eu aprendi.
Eu acho que eu seria bem dinâmica, do pouco que eu já usei, eu
comecei com 8ª série, foi bem legal. Eles também gostaram, porque
foi diferente. Até teve alguns alunos de outras séries que estavam na
porta que passaram: „Ah, mais porque que com a gente não tem isso?‟
(Entrevista narrativa III, junho de 2010).
A autoconsciência é perceptível quase ao final da terceira narrativa, realizada após
o término do curso, em que Gisele demonstra um processo de reflexividade 21 sobre seu
“Capacidade de voltar sobre si mesmo, sobre as construções sociais, sobre as intenções, representações e estratégias de intervenção.
Supõe a possibilidade, ou melhor, a inevitabilidade e utilizar o conhecimento à medida que vai sendo produzido, para enriquecer e
modificar não somente a realidade e suas representações, mas também as próprias intenções e o próprio processo de conhecer” PÉREZGOMEZ (1999: 29).
21
79
papel de professor no ambiente digital, que resulta em um princípio de mudança em sua
prática pedagógica.
No caso do papel, eu acho que só aumentou ainda mais a
responsabilidade, a responsabilidade e também a questão de ter que
procurar mais, estudar mais, porque, é igual todo mundo fala, quando
você fala em tecnologia esses meninos batem de 10 a 0 em nós. Só que
tem algumas coisas que eles sabem mexer, mas quando se trata pra
estuda, pra procurar coisas nesse sentido eles ficam mais atrás, eles não
tem maturidade. Então é aonde que eu vi que tem que ter um encaixe, e
esse encaixe ai é que vai ser o mediador, que é o professor. Então é ai
que a responsabilidade aumenta, porque além de você ter que também
repassar o que você conhece, você também tem que ficar atento quanto ao
que mostrar pra eles, tirar da cabeçinha deles que a tecnologia é só pra
brincar, pra conversar, pra tirar fotos; que ela serve também pra outras
coisas, como aprender de forma mais significativa.
[...] sair um pouco daquele meio, trabalhar um pouco mais com
expressões, e com coisas que vão ser mais úteis e não só mecânico. E eu
acho que dentro da tecnologia fica mais fácil, do que só com livro ou
só com algo impresso, eu acho que fica mais fácil e mais rápido também.
E vai me auxiliá na preparação da aula, e em tomar a iniciativa
(Entrevista narrativa III, junho de 2010).
Marisa demonstra sua adesão a novos valores ao afirmar que pretende inserir-se na
cibercultura, pelo fato de desejar ser capaz de utilizar a tecnologia em sala de aula. Além
disso, relata ter outra concepção de correção de erros, conforme esses excertos de sua
narrativa:
E eu ainda acredito que eu precise de instruções básicas mesmo, de como
utilizar, preciso continuar fazendo mais cursinhos para a orientação. E
com este curso, que também esta me ajudando bastante, então eu acredito
que vai ser uma grande mudança.
Essas pesquisas que discutimos no curso a gente leva pros alunos, é bem
interessante, e nas aulas geralmente não acontece mais a correção no
quadro igual era antes, então, a gente não tem como fugi mais da
tecnologia e tem que lidar com isso, então eu espero conseguir lidar
com isso em sala de aula (Entrevista narrativa III, junho de 2010).
A ação, na fala de Marisa, é percebida em seguida, quando ela descreve sua
preocupação acerca do uso das tecnologias no ensino. Podemos observar que ela está
iniciando seu processo de mudança pessoal e profissional por tomar decisões sobre sua
prática em sala de aula:
80
[...] agente vem se preocupando com essa questão de parar de usar só o
quadro negro e o giz e tentar buscar essas tecnologias porque as crianças
já vêm com isso da vida, do cotidiano e daí eles não querem mais saber
daquela aula tradicional, e isso leva a essa preocupação, ai por isso
que eu fiz esse curso, e eu mudei sim, assim, um pouco das minhas
aulas, já mudou se parar pra comparar as aulas anteriores com as de
hoje. [...] Eu ainda estou no início dessa mudança, começando a mudar
[...] mas esse é o caminho, e eu to caminhando (Entrevista narrativa III,
junho de 2010).
Marisa parece deixar pistas da sua autoconsciência ao apresentar apreciações
valorativas sobre a importância da tecnologia e por construir sua identidade profissional
orientada por expectativas positivas acerca do processo de ensino-aprendizagem no
ambiente digital.
É interessante que de uma maneira humilde a professora assume que iniciou seu
processo de mudança. O fato de ela afirmar que esse é o caminho e que ela está
caminhando é algo belo e traz uma sensação boa ao ouvir, pois esse era um dos nossos
objetivos por meio do curso on-line, instigar o interesse do profissional professor para que
ele começasse a utilizar as TICs na sala de aula de LI.
Acredito que eu mesma, porque você tentava de um jeito e agora você
passa a tentar de outro, parece que você não dava tanta importância à
tecnologia. Antes do curso eu achava que a tecnologia era importante,
mas às vezes não paramos pra pensar sobre. As coisas vão
acontecendo e aí você não para pra refletir, se você não para pra pensar
acaba passando despercebido.
É um processo novo ainda que muitas pessoas encontram
dificuldades, porém com muitos pontos positivos, e a tendência é só
melhorar, e os alunos têm muito que nos transmitir ainda, eles vêm
com muita bagagem, conhecimento, agente vai aprendendo também
com eles (Entrevista narrativa III, junho de 2010).
Pude constatar ainda nos dois excertos acima que Marisa demonstra ter uma postura
de dificuldade ao vivenciar o papel de aprendiz no ambiente digital. Contudo, logo em
seguida ela fala de pontos positivos, como a possibilidade de aprender com os próprios
alunos. Assim, a personagem assume uma nova posição na sala de aula, parece estar
desenvolvendo a idéia de grupo de aprendizagem, deixando o papel de detentora de
conhecimento e iniciando uma postura diferente, de comunidade de aprendizagem.
Ely demonstra sua adesão ao passar a vislumbrar a tecnologia como uma aliada à
81
sua trajetória profissional. Ao relatar que “tudo pode ser trabalhado por meio dum
computador”, Ely está aderindo a novos princípios na sua profissão.
Então, eu pretendo prestar bastante atenção agora, em relação ao
crescimento on-line, de lidar com esse tipo de cursos. [...] No começo
eu nem tinha mexido com isso, na realidade eu nem tinha interesse, sabia
que era necessário, mas deixava pra depois.
Eu almejo ser fluente e realmente ter domínio [...] sobretudo
relacionado às tecnologias, porque precisa e vai precisar mais ainda,
então eu preciso disso, a fluência na língua, preciso de me preparar
melhor, e principalmente quanto à tecnologia, que realmente é o
campo que eu mais deixo a desejar, porque as únicas coisas que eu
mexo são os artigos, outro material mais acessível, direto no Google,
então precisa de mais um ensaio. Eu acho que tudo pode ser
trabalhado por meio dum computador [...] (Entrevista narrativa III,
junho de 2010).
Percebi que a experiência de Ely, como aluna no curso on-line, corrobora com a sua
representação da ação, pois durante o curso ela planeja desenvolver possíveis atividades
profissionais no ambiente digital. Isso evidencia que a construção da identidade docente
ocorre por meio de anseios, desejos e planos que são orientados pelo desenvolvimento de
uma melhor prática pedagógica.
Eu desejo ser uma professora..., assim, eu ainda quero aprender muito
mais coisas. Em contato com o ambiente digital, até que despertou uma
vontade de mexer com mais alguma coisinha, então você é uma pessoa
que vai realizar ideias e esperar o momento certo, mais pra frente tentar
até um projeto, então é uma coisa que tem possibilidade, é preciso
aprender mais e esperar o momento. O curso serviu pra despertar a
vontade de explorar isso, então quando aparece a oportunidade, e essa foi
a primeira (Entrevista narrativa III, junho de 2010).
A autoconsciência de Ely parece evidente quando ela reflete sobre seu
desenvolvimento positivo no curso e relata a representação que construiu sobre seu papel
de professora no ambiente digital, bem como sobre a relação professor-aluno. Assim, Ely
se constitui via experiências no ambiente digital de ensino-aprendizagem, o que, por sua
vez, contribui para que ela vença os desafios postos pelo novo contexto de atuação
profissional.
Agora eu estou achando fácil, no começo é porque você tem que
aprender, como que mexe, aonde que vai, mas agora eu estou achando
fácil. Agora tá legal, a hora que você entra lá e percebe o que você
82
aprendeu. Você viu aquela sugestão pro próximo módulo que eu coloquei
lá? No começo eu tinha dificuldade, mas eu me desenvolvi bem.
[...] acho que eu seria uma professora bem questionadora e
incentivaria muito a troca de opiniões entre os meus alunos. Eu já
usei a Internet para dar referências para alunos, quero que você faz assim,
tem um texto assim, eu quero que vocês deem uma olhada porque eu vou
fazer duas perguntas.
Com certeza eu ia ser desse jeito, porque dá mais liberdade para a pessoa
e ela se sente mais aberta pra se expressar na realidade. Em um curso online, você pode, por exemplo, dá um link pra ela pesquisar, depois pede a
opinião dela, lá ela vai ter certeza de que a ideia dela vai ser ouvida, não
vai ser cortada. Porque ela tem tempo pra concluir o pensamento sem
alguém cortar. A tutora no mínimo vai falar o que considera sobre a
opinião dela, mesmo que o comentário seja apenas de acordo com o autor
(Entrevista narrativa III, junho de 2010).
As três professoras, mesmo em uma vivência em ambiente digital relativamente
curta, apresentam indícios de (re)construção de suas identidades profissionais, ao passo
que foram construindo representações sobre o processo de ensino-aprendizagem, sobre si
mesmas, sobre a função do professor, bem como a relação professor-aluno no ambiente
digital. Assim, a alteração de contextos de ensino – presencial para digital – revelou o
desenvolvimento do professor, engajado na formação continuada tecnológica, por meio da
construção de sentidos que se configurou nas experiências ao longo do curso.
Observei nas narrativas das professoras um processo de incompletude que elas
parecem vivenciar no contexto profissional, como o desejo por aprender inglês, o que
nunca se concretiza, conforme esses excertos da fala da Ely:
Eu prefiro a questão oral, por que eu acho que isso é o que me faz mais
falta, a oralidade [...] Eu almejo ser fluente e realmente ter domínio sobre
o que tá à volta, sobre linguística, sobre cultura, sobre tudo relacionado às
tecnologias, porque precisa e vai precisar mais ainda, então eu preciso
disso, a fluência na língua, preciso de me preparar melhor, e
principalmente quanto à tecnologia, que realmente é o campo que eu
mais deixo a desejar, porque as únicas coisas que eu mexo são os
artigos, outro material mais acessível, direto no Google, então precisa de
mais um ensaio (Entrevista narrativa II, maio de 2010).
Tal processo me faz lembrar a afirmação de Riessman (2008), quando a autora diz
que “as narrativas refletem a forma fluida que a identidade toma ao ser produzida pelo
processo de ser e tornar-se, de pertencer e desejar pertencer”.
Nesse sentido, eu compartilho com o pensamento de Riessman, porque a
83
professora, ao construir sua representação dos elementos que julga precisar aperfeiçoar na
sua profissão, o faz de forma muito angustiante, de uma maneira muito rápida em que
reflete sobre várias questões, que são divergentes, apesar de serem todas relacionadas com
o conceito de bom profissional. Para mim, parece que a professora julga sua prática
profissional, como falha em todos os sentidos. A impressão que eu tive é que a professora
almeja sempre desenvolver seu lado profissional para que possa se tornar exatamente no
que ela idealiza como o bom profissional, ou seja, o permanente anseio por pertencimento
a
uma
determinada
classe
profissional
que
atinge
determinados
padrões
de
profissionalismo que a professora acredita serem ideais e necessários para uma docência de
qualidade.
Um dos traços marcantes que predominam no processo de constituição identitária
das personagens é o sentimento de que sempre falta algo, pois apresentam a ideia de que
necessitam estar em busca de aperfeiçoamento constante, por acreditar que nunca estão
preparadas para ensinar. Contudo, penso que isso não é o que acontece de fato. Na
realidade, o que mais importa é mostrar a relevância de aprender a aprender, de construir
conhecimento de forma colaborativa e ter uma perspectiva de conhecimento como algo
inacabado, por acompanhar o desenvolvimento da sociedade. O fato de dominar todo o
conhecimento construído pela humanidade, além de ser simplesmente impossível, faz parte
de um paradigma ultrapassado, positivista, baseado na concepção de professor como
detentor e transmissor do saber.
Vale destacar que o conhecimento construído nas
experiências práticas22 também é válido, e que o conhecimento é construído o tempo todo,
inclusive fora da sala de aula.
Para Hall (2005) e Coracini (2006), a ilusão de incompletude do sujeito em fluxo
ou a „falta‟ é um traço característico da constituição identitária do professor. Neste estudo,
esses sentimentos de „incompletude‟ aparecem nas manifestações de elementos relativos à
formação profissional, tanto pedagógica como linguística, e ainda no que se refere ao
domínio da tecnologia para o ensino.
Retomando a discussão de Hall (2005:110) de que o sujeito busca construir o que é
– em outras palavras, sua identidade se constituindo via “relação com o Outro” – ele
apenas percebe o que realmente é a partir de elementos diferentes que compõem o Outro.
Surge então, um sentimento de “falta” no sujeito a partir de seu “exterior constitutivo”. Por
Segundo Telles (2002, apud Clandinin & Connelly, 1995:7), o conhecimento prático pessoal é um conjunto de crenças e significados –
conscientes ou inconscientes – resultantes das próprias experiências e circunstâncias da vida social, que são expressos pela prática do
professor.
22
84
isso, muitas vezes, o sujeito professor almeja incessantemente alcançar a perfeição
linguística, considerando que precisa imitar de maneira mais idêntica possível o falante
nativo de LI. Não se atém ao fato de que para ser um bom profissional é necessário que
desenvolva outros conhecimentos, ou seja, existem muitos outros elementos que são
inerentes ao bom desempenho do profissional professor, que ultrapassam as questões
linguísticas. No fragmento a seguir, da fala da professora Gisele, é perceptível a
importância que ela atribui à fluência na língua-alvo, chegando a afirmar que isso faz parte
de um “sonho”:
O meu sonho mesmo, eu gostaria de ser aquela professora de inglês
em que eu chegasse aqui e poderia falar com qualquer um em inglês,
eu não teria dificuldade. Só que acaba acontecendo uma coisa,
acontecendo outra e isso acaba atrapalhando e aí eu vejo que não consigo
alcançar o plano que eu queria e isso me deixa muito triste (Entrevista
narrativa II, maio de 2010).
Além do discurso da „perfeição linguística‟ que permeia a sociedade, parece-me
que o professor, na maioria das vezes, não tem tempo nem condições financeiras para
buscar o desenvolvimento profissional. Acaba então, vivendo uma situação muito aflitiva,
pois possui o desejo de crescimento profissional, de aperfeiçoar sua prática pedagógica,
inclusive de melhorar a proficiência na LI, mas geralmente não sabe como pode
concretizar seus planos. Notei também nos excertos abaixo que Gisele constitui sua
identidade a partir de um desejo nunca realizado, pois a professora, de alguma forma,
deseja mudanças e transformações, principalmente quanto ao domínio da LI.
Melhorar o nível de língua inglesa, eu já percebi que eu, de um tempo
pra cá, agora que comecei a pega a coisa de novo, foi um tempo que eu
fiquei parada demais, e isso me prejudicou. Eu já não tenho tanta
facilidade quanto eu tinha antes e eu acho que eu preciso retoma isso, a
facilidade de pesquisa, de monta, de busca, se você me entrega uma
coisa, e fala que é pra mim te entrega isso em tal dia, eu te garanto que eu
entrego, mas eu vou fazer aos trancos e barrancos, e dar conta, mas não é
com aquela facilidade que eu tinha antes.
Eu acho que o que mais me prejudicou foi a estabilidade, quando a
gente começa a estabilizar na profissão, a gente começa a relaxa, em
minha opinião. Ah, eu quero ser uma professora aposentada, brincadeira.
Antes de eu chegar a esse ponto, que ainda faltam 15 anos, a minha
intenção seria me aperfeiçoar nessa área, mas não pra ficar em sala de
aula, é muito complicado, e cada vez que passa fica pior, então eu quero,
porque eu to tentando voltar a buscar, correr atrás, tentar tirar essas
dificuldades porque eu quero, infelizmente, sair dessa função
(Entrevista narrativa II, maio de 2010).
85
Nesses excertos, parece que Gisele constrói um ethos de não competência e de
deficiência na estrutura escolar, ao deixar transparecer sua insatisfação em relação à sua
proficiência na língua-alvo e a estagnação no seu crescimento profissional, que justifica ter
sido um resultado da estabilidade na carreira docente.
Gisele demonstra ainda o desejo de deixar a sala de aula, trocar sua função de
professora por outra qualquer na escola, movida por um sentimento de frustração, que pode
ocorrer também pelo fato de estar desmotivada com a falta de respaldo e de credibilidade
que a educação possui na nossa sociedade. Através dessas questões somadas ao conflito
pessoal que afeta de forma negativa a sua subjetividade, a professora chega ao ponto de
cogitar o seu afastamento de uma profissão pela qual outrora julgou ser apaixonada,
conforme narrou nesse excerto de sua autobiografia: “[...] prestei o concurso para
professora em Jauru. Fiquei dois anos até que conseguir minha remoção e quando cheguei
aqui o professor que tinha atribuído as aulas pegou todas as aulas de inglês e a partir daí
nunca mais parei, pior, me apaixonei pela disciplina” (Autobiografia, junho de 2010).
Isso nos aponta que a identidade do professor de LI tem se constituído de forma
fragmentada, provavelmente devido às duras críticas que esse profissional recebe da
sociedade em geral, bem como do governo. Este, por sua vez, se isenta da maior parcela de
culpa pela atual condição da educação, normalmente por atribuir a responsabilidade aos
professores, que são taxados de incompetentes. Isso faz com que o professor se sinta
incapaz diante desse labirinto, em que há várias vozes exigindo mudanças e melhoria na
qualidade de ensino. Contudo, as condições e oportunidades para que ele busque
aperfeiçoamento profissional são mínimas. Como abordam Cox e Assis-Peterson
(2008:46), o “aviltante salário do professor” geralmente exige que duplique ou triplique a
sua jornada de trabalho, excluindo a possibilidade de continuar estudando.
Então, além da identidade ser desgastada pela mídia, pais e alunos, esse professor
que vive essa situação no ambiente presencial de ensino-aprendizagem, ainda precisa
enfrentar o ambiente digital como novo contexto de atuação profissional, desafiador,
estranho e que exige outras formas de conceber e construir o conhecimento, outras
possibilidades de interação, além da instrumentalização para lidar com a tecnologia.
Quando Ely argumenta que “de um jeito ou de outro” precisa dominar as
ferramentas tecnológicas e aderir ao mundo digital, isso mostra que não é simplesmente
86
pelo desejo dela que pretende apropriar-se das TICs, mas é devido à tendência, às
demandas sociais, ou seja, é o externo que molda.
Na realidade é falta de costume, porque eu nunca usei com meus alunos
ainda, já até passei alguma tarefinha, mas nunca deixei isso de cobrança,
deixei mais como um passa tempo pra eles, mas acho que tá na hora
mesmo de aprende, tenho que aprende agora, pra depois eu tá
usando, porque agora a moda é essa, e vai tá cada vez mais presente.
Então, de um jeito ou de outro, eu vou ter que aprender, e aprendendo
assim numa hora que não precisa de tanta cobrança é melhor, porque aí
você fica aliviada. Eu acredito que vai realmente melhorar o meu lado
profissional, eu preciso de mais disciplina, o curso ok, ele tá aí pronto pra
mim, eu que tenho que me prepara mais pra ele (Entrevista narrativa I,
março de 2010).
A expressão de Ely “agora a moda é essa” tem relação com a constituição da
identidade dela no ambiente digital. Isso mostra o olhar estranho que ela possui em relação
a esse ambiente, além do desencargo de consciência quando ela afirma: “aí você fica
aliviada”. Em outras palavras, o desejo de acompanhar a moda, e não ficar aquém, vem do
contexto sócio-histórico em que a pessoa está inserida. O sujeito é moldado pelo exterior.
Desta forma, o simbólico que é construído na sociedade influi diretamente no modo de a
professora conceber seus papéis e responsabilidades e tomar medidas no sentido de
implementar sua formação profissional, mais especificamente, em relação ao domínio da
tecnologia.
Devido a essa vontade de mudar, crescer profissionalmente e acompanhar as
tendências atuais na área da sua profissão, Ely apresenta desejo de fazer mais cursos de
formação continuada. Contudo, a falta de oportunidade e os poucos laços que ela possui
com a rede tornam essa experiência um tanto dolorosa. Podemos visualizar isso nestes dois
excertos de sua fala:
Então eu me vejo assim, tendo que buscar mais, ao mesmo tempo,
aqui na cidade não tem onde buscar, então a saída que a gente tem ainda é
o on-line, eu até já vi um curso muito bom também da PUC, que é on-line
também.
O curso serviu pra despertar a vontade de explorar isso, então quando
aparece à oportunidade, e essa foi a primeira (Entrevista narrativa I,
março de 2010).
87
No excerto abaixo, é perceptível também a projeção identitária de professor
tradicional, pois Ely faz referência ao divino como algo que pode solidificar o seu saber.
Isso nos mostra que a identidade profissional do professor de LI ainda está fortemente
calcada na tradição, na disciplina e no controle do professor sobre o aluno, dentro de um
ambiente presencial, fechado, com horário determinado para acontecer. Além disso, o fato
de afirmar estar sempre bem preparada para responder tudo o que os alunos perguntam nos
remete a um conceito de professor como um detentor de todo o saber.
A personagem Ely demonstra sua representação de professor como transmissor de
conhecimento, como aquele que o detém, no excerto seguinte:
“[...] depende muito de como os alunos estão na aula daquele dia, eu
procuro me preparar ao máximo, acho que assim, nunca deixei de
responder nada que aluno me perguntou, sempre respondi tudo,
graças a Deus”.
Ao construir sua autoimagem de professor, Ely descreve ao mesmo tempo o que ela
é e o que não é. Ela estabelece diferenças a respeito do que é ser um professor bem
preparado e simultaneamente, o que é ser um professor despreparado. É perceptível aqui
que a identidade da professora é constituída a partir do diferente. Assim, conforme Silva
(2005: 82), a produção da identidade da diferença ocorre de forma simultânea, pois ambas
são interligadas e inseparáveis – ao afirmar que “sou preparada”, também estou afirmando
que existem profissionais que não são preparados – o que significa expressar formas
negativas de identidade e de diferenças.
A definição de uma identidade resulta da criação de variados e complexos atos
linguísticos que a diferenciam de outras identidades em um processo em que geralmente a
diferença deriva da identidade, sendo a identidade tomada como referência. Podemos
perceber isso ao tomar “o que somos” como a norma pela qual descrevemos “o que não
somos”. Às vezes, o fato de o professor ter uma concepção de profissional tradicional,
acontece geralmente porque a academia apenas diz como o profissional deveria ser, mas
não dá subsídios para que ele tenha uma formação mais reflexiva. Isso significa que ser ou
não tradicional está relacionado com a vivência, não pode ficar apenas no discurso.
Tomando as particularidades dos dois contextos, o presencial e o digital,
percebemos que as professoras constroem uma imagem do ambiente digital como algo
mais complexo, que demanda mais preparação do professor. Isso pode acontecer devido ao
advento das TICs, que garante a interação de pessoas de diferentes e distantes lugares, por
88
meio de sons e imagens quase em tempo real, o que influencia nas concepções de ensino e
aprendizagem dos professores. Ainda existe a cobrança da sociedade que recai sobre “os
ombros” do professor, como o maior responsável pelo processo de tecnologização dos
alunos, o que pode ser extremamente preocupante e gerar ansiedades extras no profissional
professor. No excerto abaixo, Ely fala da diferença que percebe entre os dois contextos de
ensino, evidenciando sua insegurança para atuar como professora no contexto digital:
Eu acho que deva ter alguma diferença sim, você estando presente, você
tá ouvindo as dúvidas no exato momento, você tá tirando, e no online não, você tem que se prepara melhor ainda do que se você fosse
dar aula presencial, porque você tem que tentar esclarecer todas as
dúvidas previamente, você tem que pensa tudo o que o aluno pode ter
dúvida, pra já tá passando pra ele porque não vai ter outra oportunidade
de responde pra eles, então tem que ser uma coisa melhor planejada
do que a presencial na realidade, então o professor tem que tá mais
preparado ainda (Entrevista narrativa II, maio de 2010).
Nesse excerto, é perceptível também que a professora Ely traz à tona a sua
identidade constituída em contexto presencial, que de certa forma, é centrada no modelo de
professor que possui domínio de todo o conhecimento para ser capaz de responder todas as
perguntas dos seus alunos.
Em outro momento, Ely narra suas representações sobre como desempenharia seu
papel de professora no ambiente digital. Aparentemente, assume mudanças superficiais,
mas não são transformações profundas. Parece que ela sente a necessidade de mudar,
porém não incorporou as mudanças, porque ainda não utilizou o ambiente digital na sua
prática de ensino, conforme expresso no fragmento abaixo:
De acordo com o digital eu não sei como responder, porque eu não usei
ainda, eu só tenho experiência no presencial, e com colegas de curso, não
enquanto professor e aluno. Mas acho que eu seria uma professora bem
questionadora e incentivaria muito a troca de opiniões entre os meus
alunos. Eu já usei a Internet para dar referências para alunos, „quero que
você faz assim, tem um texto assim, eu quero que vocês deem uma
olhada porque eu vou fazer duas perguntas‟, mas é assim, usar aquele
espaço do curso realmente não. Mas eu acho que na realidade uma coisa é
ligada com a outra, porque lá você pode dar palpite, você sabe aonde ir,
onde estudar, é que lá você resolve totalmente on-line, então você faz as
perguntas on-line que quiser e coloca sua opinião on-line, e no caso eu já
dei o endereço e digo a resposta no presencial. (Entrevista narrativa III,
junho de 2010).
89
Nesse trecho de sua fala, pude perceber a constituição identitária emergindo no
decorrer do curso on-line, devido à dimensão acentuada que Gisele atribui à sua
transformação, ao declarar que era “uma dinossaura pré-histórica” antes do curso, pois nem
sequer possuía uma conta de e-mail. No entanto, parece que ocorreu uma mudança de
postura, que é perceptível pelo fato de ela ter contratado os serviços de um provedor de
Internet em uma empresa da cidade, bem como por ter demonstrado interesse em se
apropriar das tecnologias e até ter feito planos para utilizá-las na sua prática pedagógica.
Além disso, está visivelmente empolgada por ter sido convidada para ministrar um curso
on-line no CEFAPRO.
Eu nem tinha e-mail, na verdade nem tinha Internet, depois da
última reunião eu corri lá na Sisproel e mandei coloca Internet na
minha casa.
[...] descobri que eu sou uma dinossaura pré-histórica, ai depois, mas
é aquela coisa, você vai mexendo, vai mexendo, até que vai aprendendo,
tanto é que agora eu já vou ter retorno do curso, fui convidada pra
ser professora de um outro curso on-line, e vai me ajuda nisso daí,
coisa que se eu não tivesse entrado no curso eu estaria perdida. Então,
tá sendo interessante, porque eu ainda tenho que mexe em muita coisa ali,
eu quero aprende a lida mais com a tecnologia, e se Deus quiser, a partir
do 3° bimestre eu já vou tá trabalhando com meus alunos de uma maneira
diferenciada. Eu queria vê assim nada de um monte de papel, eu queria vê
se eu conseguia trabalha com eles de uma maneira mais on-line
(Entrevista narrativa II, maio de 2010).
3.3.1 O processo de constituição da identidade profissional do professor de LI
Parece evidente que a Internet, como parte do ambiente digital, ainda faz com que
as professoras sintam receio, o que é normal, pelo fato de que essa modalidade de interação
ainda não faz parte do cotidiano delas. Assim, como um território que ainda não foi
explorado causa certa estranheza por exigir outras formas de lidar com o tempo e espaço,
dentre diversas outras características inerentes a esse contexto de ensino-aprendizagem.
Além disso, para apropriar-se do que é oferecido pela rede é necessário reformular os
conceitos estabelecidos em relação às novas formas de aprendizagem no contexto da
cibercultura.
Quando algo provoca estranheza, consequentemente pode causar mudança. É
justamente pelo fato de que algo nos incomoda de alguma forma que acabamos não sendo
90
as mesmas pessoas, mas passamos a sofrer transformações nas nossas subjetividades.
Enquanto as identidades dessas professoras eram constituídas apenas no contexto
presencial de ensino-aprendizagem, de certa forma, a experiência que possuíam propiciava
um certo conforto, porém, ao adentrarem no contexto digital, a crise de suas identidades foi
provocada pelas incertezas e pelo medo de explorar esse contexto novo sem alcançar
sucesso.
Segundo Hall (2005: 07), esse processo de (re)construção das identidades está
relacionado às influências da sociedade de um modo mais amplo, como o advento das
TICs, o que por sua vez, pode desestabilizar os pontos de referência estáveis que dão
suporte às subjetividades das pessoas. Em outras palavras, o rápido e intenso processo de
mudanças sócio-históricas e culturais faz com que as identidades dos sujeitos passem a ser
fragmentadas e até mesmo cheguem a entrar em “crise”. Isso se deve ao fato de que a
referência instável e insegura interfere na forma que os sujeitos compreendem a si mesmos
como sujeitos participantes de uma sociedade em constantes transformações.
Ao enfrentar o desafio que está posto pelo desconhecido e ressignificar a noção de
tempo e espaço, a partir do curso on-line, o professor inicia um processo de compreensão
da dimensão cultural digital, que por sua vez, redimensiona o modo através do qual o
sujeito percebe a si mesmo, o Outro e o mundo. As novas dimensões espaciais e temporais,
aliadas ao desejo, ao medo e à insegurança de trilhar caminhos diferentes no processo de
ensino e aprendizagem dentro do contexto digital, desencadeiam processos identificatórios
e de representações diversos, devido ao fato de alterar as subjetividades dos que se
arriscam ao novo, ao desconhecido.
Nesse sentido, as bases em que foram constituídas as suas identificações ao longo
de muitos anos – o ambiente presencial – são abaladas no novo contexto de atuação do
professor. Então, a (re)constituição da identidade profissional no ambiente digital passa a
ser ressignificada em um processo longo que é desencadeado via construção de novos
significados oriundos de outro contexto de interação, a Internet. As palavras de Jesus
(2007:24) corroboram com essa discussão: “Portanto, navegar pelo ciberespaço,
apropriadamente, significa para o usuário neófito repensar sua identidade que, na interação
face a face, acarretou vários anos até que fosse constituída”.
No início do curso on-line, ao perceber a dificuldade das professoras participantes
em organizar o tempo, bem como em situar-se em relação ao espaço de construção de
conhecimento, realizei duas reuniões presenciais para conversarmos sobre suas angústias e
91
inseguranças causadas pelo novo contexto. Em uma dessas ocasiões, com a grande maioria
presente, várias professoras argumentaram a falta de tempo e disciplina própria para
participar efetivamente das atividades e discussões on-line do curso. Dentre elas, Ely
afirmou categoricamente que preferia que o curso fosse presencial. Assim ela se justifica:
[...] daí nós tiramos o tempo para fazer o curso porque tem aquela hora
marcada. Então deixamos de fazer outras coisas para estar presente, mas
na Internet não é assim, sempre deixo para depois e acabo não fazendo as
coisas direito, não funciona muito bem pra mim. (I reunião com o grupo
de professoras participantes do curso de formação continuada on-line,
abril de 2010).
Isso se deve ao fato de que para utilizar a Internet em um curso a distância exige-se
disciplina introjetada, ao passo que o ambiente presencial configura uma cobrança externa.
Apesar de todas as participantes estarem conscientes da impreterível necessidade de
inserir-se no ciberespaço e dominar a tecnologia a fim de possuir uma aliada na construção
do conhecimento, deixaram transparecer a complexidade que isso significa para elas em
termos de manuseio da tecnologia, principalmente quanto à Internet. Assim, devido às
muitas dúvidas por parte das professoras participantes do curso, trabalhei presencialmente
com aquelas que não conseguiam utilizar os instrumentos para participar das discussões
on-line, bem como criar seus blogs e postar as atividades do curso neles. Nesse contato
bem próximo, pude detectar o enorme nível de dificuldade que as professoras
apresentavam. Diante disso, me coloquei à disposição delas sempre que precisassem de
auxílio para lidar com as ferramentas digitais utilizadas no curso.
O fato de buscar compreender como nos tornamos profissionais professores ao
longo da vida nos possibilita também visualizar as cenas da profissão do Outro com as
lentes da nossa vivência. Interpretamos e compomos significados a partir do que somos no
cenário da profissão, influenciados pelo contexto que nos cerca, inseridos em um
determinado espaço geográfico e tempo específico. Construímos nossa identificação a
respeito do que fomos no passado, somos no presente e desejamos ser no futuro, criando,
inclusive, condições para planejar melhor nossas ações profissionais do momento presente
e para o futuro.
Em relação à minha experiência no decorrer do curso on-line de formação
continuada do Projeto de Extensão e desta pesquisa, percebia algumas características em
mim, que até então, eram desconhecidas. Por exemplo, ao planejar as unidades didáticas do
92
curso, não imaginava que ficaria tão insegura quando fosse lidar com a criação do espaço
virtual do curso, com a aplicação dessas unidades e com o imprevisto de precisar atuar
como professora deste curso também.
Ao longo deste curso e nas análises das narrativas das três professoras
participantes, pude perceber que esses sentimentos vividos por mim não eram diferentes
daqueles que elas vivenciavam, ou seja, no convívio com as tecnologias eu compartilhei
dos mesmos anseios e angústias dos demais professores, os quais precederam sentimentos
de superação e realização profissional.
Quanto às angústias relacionadas com a pesquisa, com o desfecho deste trabalho,
penso que esse sentimento seja natural, pois ao almejar cumprir uma determinada tarefa,
principalmente quando ela visa o nosso desenvolvimento profissional, bem como o de
outrem, como esta, desejamos dar o melhor de nós.
Nesta peça, que desempenhei com a contribuição de outros personagens, passei
momentos de alegria, ao sentir que o caminho era esse. Na busca da construção do
conhecimento, percebi como as experiências de autoconhecimento proporcionam mais
sentido para nossa atuação profissional, pois segundo Nóvoa (2007:17), “[...] as opções
que cada um de nós tem de fazer como professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser
com a nossa maneira de ensinar e desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira
de ser. É impossível separar o eu profissional do eu pessoal”. Assim, a reflexão sobre como
nos constituímos como pessoas e profissionais, a partir de nossas experiências vividas no
passado, contribui para a (re)construção de nós mesmos enquanto indivíduos singulares,
bem como enquanto professores, para o desenvolvimento profissional, o que por sua vez,
pode trazer reflexos para a qualidade da educação.
Esse quadro cênico, que apresento ao público, emergiu a partir do meu
envolvimento e inquietação com o enredo da constituição da própria identidade e pelos
mistérios desse labirinto, que fizeram aflorar em mim essa atração. Ao desempenhar os
papéis de mestranda, pesquisadora iniciante, docente e coordenadora do Projeto de
Formação
Continuada
Semipresencial,
vivi
muitas
inseguranças,
angústias,
alegrias, desejos, superei o medo da incapacidade, venci desafios e passei por obstáculos
que não sabia que era capaz. Ao participar da experiência da construção dessa peça, fui
completamente transformada em outra personagem, mais consciente, mais complexa, mais
envolvida com os sentidos que contemplam a essência do ser humano, das tramas que
formam o todo do ser profissional professor.
93
No próximo capítulo, dou sequência na minha tentativa de compreender como se dá
o processo de constituição profissional do professor de LI em ambiente digital. Relato
ainda minhas considerações finais, apontando as limitações, as contribuições desta
pesquisa e as possibilidades para dar continuidade a esse estudo.
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
FECHAMENTO DAS CORTINAS
A constituição identitária do professor de LI em ambiente digital: em busca de
entendimento
Após estabelecer algumas interlocuções com o background teórico que fundamenta
este estudo e acompanhar as trajetórias das personagens, pude perceber o processo de
constituição das identidades profissionais. Esse processo é desenvolvido primeiramente
mediante as transformações vivenciadas no contexto sócio-histórico macro, em que as
mudanças na sociedade de modo geral – o fenômeno da globalização e o desenvolvimento
tecnológico – refletem no modo particular do sujeito pensar, agir e interagir no seu
contexto pessoal e consequentemente na maneira de atuar profissionalmente.
As participantes aspiravam a uma melhor proficiência na LI, bem como almejavam
aprimorar sua formação teórica, não apenas incorporar as TICs na sua prática de ensinoaprendizagem. Contudo, mesmo a partir desses pensamentos equivocados acerca da
finalidade central do curso, observou-se que emergiram outras subjetividades nesse
ambiente. Nesse sentido, o que chamou mais a atenção foi o fato de as professoras, na
maioria das vezes, demonstrarem sentimentos e agirem como se estivessem no contexto
presencial de ensino-aprendizagem. Isso nos aponta duas conclusões:
 Que a carga horária do curso foi insuficiente23 para uma vivência significativa no
ambiente digital;
 Que as professoras remetem seus pensamentos, ações e sentimentos ao ambiente
presencial, por ser onde construíram suas identidades profissionais ao longo de
anos de trabalho.
No entanto, é pertinente abordar a questão de que qualquer experiência nos modela
interiormente, nunca passamos por algo diferente e continuamos a ser a mesma pessoa. É
indiscutível que a nossa identificação ressurge com outras características, outras
23
Acredito que a carga horária adequada para o curso proposto seria de no mínimo 120 h/a.
95
subjetividades, ao passo que tudo ao nosso redor, o Outro, a situação e o contexto nos
influenciam. Assim, com a utilização das TICs no ensino, além do sistema escolar, é
necessário que ocorra uma reestruturação dos objetivos de ensino e aprendizagem, o que
envolve também outra postura no profissional da educação. Segundo Kenski (2008: 112), o
contexto atual é “uma nova cultura educacional, que rompe com os tempos rígidos das
disciplinas e com os espaços formais das salas de aula presenciais. Um tempo de aprender
colaborativamente”.
No processo vivido, o contexto digital despertou sentimentos diferentes e novas
percepções nas personagens, o que por sua vez, pode ter desencadeado a consciência sobre
os papéis que precisam desempenhar ao adotar a cultura específica desse ambiente. Isso
significa que iniciaram um processo de ressignificação, construindo novos papéis sociais
exigidos pela cibercultura, em que seus conceitos e subjetividades são abalados pelos
significados diferentes do que é ser professor na era da informação. Assim, pudemos
constatar, por meio desta pesquisa, que as identidades profissionais são constituídas entre
fases de insegurança, medo, desejo e superação.
Contudo, ao analisar as histórias de vida das professoras participantes do curso, os
dados evidenciam que o processo de constituição da identidade profissional das
professoras de LI, não ocorreu apenas a partir do novo contexto de formação continuada.
As sequências narrativas que trazem as experiências vividas no decorrer do curso em
ambiente digital, nos mostraram que as personagens se constituem de forma infinita
tomando principalmente como cenário a experiência profissional no ambiente presencial,
onde estiveram envolvidas a maior parte de suas vidas profissionais.
Isso nos remete ao pensamento de Kenski (2008), que corrobora com a ideia de que
a rememorização traz efeitos positivos ao ser utilizada na formação do professor. É a partir
da significação social da profissão, da revisão constante dos seus significados e das
demandas sociais que as identidades profissionais se constituem. Dentre esses fatores,
além do confronto entre as identidades fundadas no passado e no presente, estão as TICs na
área da educação, que passam a ser social e culturalmente significativas por suprirem as
necessidades contemporâneas da sociedade.
Constatamos ainda que as professoras explicitam seus sonhos e, simultaneamente,
indicam que eles são irrealizáveis devido as atuais possibilidades. Assim, aparecem nas
narrativas e autobiografias vozes marcadas pelo confronto entre o ideal e o real, o que de
acordo com Riessman (1993) pode ocorrer nas histórias de vida. Isso significa que ao
96
narrar experiências de vida é comum relatar episódios de disparidades entre o ideal e o
real, o individual e o coletivo, o que traz à tona nossos desejos, angústias, ansiedades e
problemas vivenciados no cotidiano.
Algo que chamou a atenção, constatado nas entrevistas com todas as professoras, é
a busca pelo modelo de falante ideal, mais próximo do nativo. Além disso, existe um
movimento constante de frustração, um desejo de mudar, mas na realidade o professor
parece não saber ao certo o que necessita fazer. Esse tipo de sentimentos antagônicos é
próprio da identidade em constituição. Parece que há um contínuo processo dinâmico,
mudanças constantes, que na verdade vão além do instrumental tecnológico, do
computador em si e atingem a própria concepção do que é ser professor. Essas incertezas
observadas nas narrativas talvez sejam por conta das diversas dúvidas que ainda pairam a
respeito do sentido que tem o ambiente digital de ensino-aprendizagem e das suas
implicações na vida pessoal e profissional dos professores.
Percebi, através da interpretação das narrativas das professoras, que antes do curso
on-line, a constituição identitária profissional das professoras de LI foi conflituosa e
contraditória. Primeiramente, porque a inserção delas no mundo docente não foi
intencional, ocorreu a partir de um „não desejo‟ de exercer a profissão. Porém, logo que
iniciaram a carreira, as professoras construíram uma imagem positiva, por meio de um
sentimento de paixão e amor à docência e à LI.
O processo de constituição identitária docente desenvolvido durante a experiência
em ambiente digital passa por momentos de desconstrução e de certa confusão. Esse
processo é evidenciado por uma divergência de representações relacionadas aos papéis de
docente e aprendiz, como aluna não dedicada e indisciplinada, profissional dinâmica e
exigente, aluna principiante e dependente, aliadas à necessidade de um modelo profissional
e de treinamento para conseguir a tão desejada independência no contexto digital.
As narrativas das professoras sugerem traços de instabilidade e intensa
movimentação, marcados por um processo dinâmico e contraditório. Esses traços surgiram
em decorrência de um deslocamento nas identificações das professoras, que ora se
constituem como professoras atrasadas e correndo atrás, ora como vítimas e fugindo da
tecnologia. Isso nos indica que a constituição identitária profissional das professoras
transpassa a experiência de aprendizagem, chegando ao nível macro, ao contexto global
das TICs e o que elas representam na sociedade globalizada.
A identidade profissional do sujeito professor, como fonte de significado e
97
resultado das experiências inéditas no decorrer do curso on-line, demonstrou ser construída
a partir de traços compartilhados como, insegurança, incompletude, incerteza,
instabilidade, contradição, fluidez, desejo, descoberta, adesão, ação, autoconsciência,
adaptação, organização e superação. A constituição identitária profissional ocorre mediante
uma relação estabelecida em um determinado período de tempo, no contexto de formação
continuada, entre sujeitos sedentos pela mudança, com muitos anseios e conquistas, com
um objetivo comum – o desenvolvimento profissional do ser professor de LI.
Não tenho a intenção de afirmar que existem características corretas ou erradas. O
que eu pretendo é compreender teoricamente quais traços são predominantemente
constitutivos das identidades profissionais dos professores de LI, de que maneira ocorre o
processo de constituição identitária no contexto digital, e por sua vez, como planejar e
desenvolver um curso de formação continuada on-line, a partir do entendimento acerca da
reconstituição das identidades desses profissionais.
Tenho a consciência de que a formação contínua e o desenvolvimento profissional
do sujeito professor dependem de questões que ultrapassam as competências tecnológicas e
demais convicções inerentes ao processo de ensino-aprendizagem no ambiente digital.
Acredito que isso envolve constantes revisões sobre ser e tornar-se professor inserido em
um determinado contexto sócio-histórico, por meio de um processo em que as identidades
possam ser problematizadas, compreendidas e reorganizadas. De forma holística, mediante
cenários pessoais em seus mais variados papéis sociais, via reflexão crítica sobre a própria
prática, o ser professor pode ressignificar sua experiência e construir sentidos concretos a
respeito da sua atuação profissional.
É pertinente mencionar que ao final do curso on-line permaneceram apenas cinco
professoras-alunas, sendo que sete participantes desistiram. Dentre as alegações que
justificaram a desistência estão: não possuir um computador em casa, falta de disciplina e
responsabilidade para cumprir com o programa do curso a distância, falta de tempo devido
às muitas tarefas desempenhadas na profissão de professor, bem como dificuldade com a
língua inglesa e com a tecnologia. Parece que entre essas questões, o fato de ter dificuldade
para lidar com as ferramentas do contexto digital é tido como uma enorme barreira pelo
professor. Cheguei a essa conclusão porque os desistentes alegaram se sentirem incapazes
de manusear os instrumentos tecnológicos que faziam parte do curso on-line. Talvez
devesse ter realizado um curso de letramento digital antes de iniciarmos o curso
propriamente dito.
98
Penso que o fato de o professor desistir de um curso em ambiente digital, devido às
dificuldades de lidar com a tecnologia ou até mesmo por desconhecer as mudanças que a
apropriação das TICs acarretam em sua prática pedagógica, pode resultar do medo de
enfrentar o desafio de interagir e dialogar com outras realidades, num contexto que vai
além do escolar, além do conhecido por ele e pelos seus alunos, como seus parceiros na
construção colaborativa do conhecimento. No entanto, o fato de continuar, mesmo com
dificuldades, pode significar que o professor está insatisfeito com sua identidade atual e,
em virtude disso, pretende apropriar-se de novas formas de pensar e agir no seu contexto
profissional, ou seja, vislumbra reconstruir sua identidade a partir de uma nova postura.
Retomando a metáfora utilizada por uma das personagens, é pertinente destacar que
o que mais importa é se arriscar, voar e continuar se arriscando com autonomia e buscar os
inúmeros ninhos disponíveis no ambiente digital. No entanto, é imprescindível que se
compreenda o próprio vôo.
Na busca de compreender como a identidade do Outro se constitui no ambiente de
ensino-aprendizagem digital, a partir das trajetórias das personagens, pude refletir e
perceber como ocorreu o meu processo de formação e a constituição da minha identidade
profissional. Nesse percurso em que construímos nossa “imagem” de professor em
ambiente digital, percebi que compartilho das mesmas angústias e anseios que os demais
professores. Também possuo sentimentos semelhantes em relação a superar as dificuldades
e inseguranças, para finalmente satisfazer os desejos e anseios de incorporar outras
“maneiras de ser e estar na profissão”.
Quanto à constituição da minha, ou seja, da nossa identidade profissional, não é
diferente. Ela é fragmentada, dinâmica, fluida, ressurge a cada situação de forma infinita
ao longo da nossa jornada de transformações nos mais diversos cenários, enredos, e nos
personagens vividos nos palcos dos espetáculos, onde fluem as mais inesperadas
possibilidades de traços que constituem nosso self. Nessa performance dos atores sociais,
os traços característicos de suas subjetividades pessoais e profissionais, que fazem parte de
um todo complexo e ainda como reflexo da alteridade na multiplicidade de vozes que
constituem o sujeito, acabam constituindo o ser professor, inacabado, mas sempre disposto
a aprender e ensinar a aprender.
Acredito que seja imprescindível que nós professores, ao longo das nossas
trajetórias de experiência educacional, tenhamos oportunidades de construir nossos
próprios sentidos na profissão, como repensar a própria compreensão do que é ser
99
professor, do que é ensinar e do que é desenvolvimento profissional. Nesse sentido, a
narrativa é um instrumento muito valioso para examinar a si mesmo, a própria prática de
ensino e construir conceitos alternativos sobre o desenvolvimento pessoal e profissional.
Em outras palavras, a partir desse processo de ressignificação de seus conhecimentos,
práticas, valores e crenças, o professor (re)constitui sua identidade profissional, e
simultaneamente, segue construindo e reconstruindo suas maneiras de ser e tornar-se
professor de LI. Como destaca Silva (2010: 330):
A construção da identidade do profissional professor é o resultado de um
diálogo constante consigo mesmo e com o Outro e que, a todo momento,
precisa ser revista, repensada e refletida, para que não se perca de vista o
objetivo do professor: crer no ensino e, acima de tudo crer em si mesmo e no ser
humano.
Dentre os roteiros que não foram escritos e os personagens que não foram
interpretados, passo a discutir algumas limitações do curso no ambiente digital e dessa
pesquisa.
Considerando que esse curso on-line foi a primeira experiência para todos os
professores e participantes envolvidos tanto no planejamento como na elaboração das
sequências didáticas e desenvolvimento, temos que apontar algumas limitações que
ficaram evidentes. Dentre as dificuldades que surgiram, uma delas foi logo no início do
curso, para organizar o site que o hospedaria. Primeiramente, a tentativa de dois sites não
foi bem sucedida, pois ambos apresentaram um grau de complexidade que impedia a
participação dos professores de LI. Apenas na terceira tentativa, no Hotmail, conseguimos
iniciar as atividades on-line do curso. Os participantes recebiam as unidades por e-mail,
realizavam as atividades sugeridas e enviavam-nas novamente para o e-mail do curso.
Também postavam algumas atividades em seus blogs, criados no começo do curso, e
publicaram algumas reflexões sugeridas no decorrer do curso nas listas de discussão do
grupo.
A dificuldade apresentada por parte dos professores ao lidar com as ferramentas do
site atrapalhou o desenvolvimento dessas discussões, as quais seriam um espaço
privilegiado para trocas de experiências entre todos, professores e participantes. De fato,
esse foi um dos pontos problemáticos que surgiram no curso, pois as interações assíncronas
acabaram ocorrendo minimamente e quase no final do curso. Em relação a essa falha,
acredito que além do respaldo para instrumentalizar melhor os participantes, em relação às
100
ferramentas necessárias para as interações do grupo nas listas de discussão, talvez um
pouco mais de cobrança por parte da professora que ministrou o curso pudesse ter
incentivado uma maior participação dos professores de LI. Contudo, a professora24 também
sem experiência de ensino no ambiente digital, demorou para interagir com a turma e não
deu sequência nos encaminhamentos até o término do curso. Assim, para que o curso online não fosse interrompido, além de alimentá-lo com as unidades, passei então a interagir
com os participantes juntamente com uma colega do mestrado que se dispôs a colaborar
com o papel de professora na parte on-line do curso de formação continuada.
Uma possibilidade para resolver esse entrave seria fazer um curso de letramento
digital, presencial ou a distância, antes de iniciar o curso em ambiente digital propriamente
dito, com vistas a reduzir as dificuldades e instrumentalizar melhor os participantes em
relação às habilidades necessárias para uma participação mais efetiva na parte on-line do
curso. Além disso, devido às poucas postagens dos cursistas nas listas de discussão, talvez
tivesse sido necessário estabelecer critérios mais pontuais sobre a quantidade e qualidade
das participações nas reflexões do grupo para que os cursistas pudessem ter interagido e
discutido mais.
O fato de as unidades do curso estarem redigidas em língua inglesa caracterizou
outro obstáculo para uma participação mais efetiva. Percebi que os professores
participantes sentiram certo receio para desenvolver as atividades escritas por não
dominarem muito bem a língua-alvo. Ainda em relação à falta de uma maior participação –
por meio da escrita na LI – penso que os professores talvez ficassem preocupados por
saber que tudo o que fosse enviado ficaria registrado no espaço virtual do curso.
Tenho a noção de que o período do curso on-line (40 horas) e o conteúdo
trabalhado nesse espaço de tempo não foram suficientes para que os objetivos fossem
integralmente atingidos. Consequentemente, as mudanças provocadas nas subjetividades
das professoras não poderiam ser maiores ou mais perceptíveis nesse percurso curto.
Contudo, penso que a experiência tenha sido válida para todos, principalmente para
aqueles que não desistiram e chegaram até o fim, e, por sua vez, transformações nunca
deixam de ser desencadeadas quando vivemos novas experiências, sejam elas pequenos
ensaios/tentativas ou experimentos práticos/concretos. Percebi que as cinco professoras
que persistiram em enfrentar o desafio de conhecer essa nova realidade, tornaram-se mais
24
Neste estudo, o contexto analisado possui um professor, como responsável pelo curso, não existe a presença do tutor.
101
conscientes da importância de se aventurar no contexto digital, compreenderam a
importância e a utilidade das TICs na prática de ensino de LI.
Apesar das diversas limitações e do mínimo entrosamento entre as professoras
participantes, observei que o curso foi proveitoso no sentido de proporcionar um melhor
manuseio das ferramentas tecnológicas no ambiente digital, bem como por despertar a
motivação das participantes para incorporar as TICs na prática de ensino delas.
O módulo on-line do curso foi limitado em relação ao curto período de tempo de
vivência no contexto digital. Talvez se a prática tivesse sido mais extensa poderíamos
perceber mais traços constitutivos da identidade profissional do professor. Porém, mesmo
com essas limitações de período reduzido de tempo e pouca experiência por parte dos
professores, tivemos uma ideia de quem é o professor nesse ambiente ainda pouco
explorado.
Tenho consciência de que as discussões e reflexões acerca da constituição da
identidade profissional do professor de LI desenvolvidas neste estudo não foram esgotadas,
mas podem ser (re)interpretadas e complementadas de muitas outras formas, assim como
as identidades que se mostraram ser multifacetadas e constantemente ressignificadas.
Esta dissertação é semelhante ao processo de constituição da identidade profissional
do professor, bem como à formação contínua do profissional professor, que ao longo de
sua vida e trajetória docente se desenvolve de forma inconclusa e é lapidada pelas
experiências pessoais e profissionais. São essas vivências que atribuem formas
diversificadas de subjetividades e possibilitam o brilho no ser professor, sujeito
multifacetado, plural, inacabado, em fluxo constante de (re)construção.
Este estudo conseguiu trazer uma pequena contribuição para a área de formação de
professores, seja inicial ou continuada, tendo em vista o contexto sócio-histórico em que
vivemos e o enorme desafio que a educação atravessa para acompanhar o desenvolvimento
tecnológico da sociedade. A formação de professores merece muita atenção,
principalmente porque esses profissionais têm uma imensa responsabilidade pela formação
de cidadãos.
A partir da compreensão de como ocorre o processo de constituição da identidade
do professor de LI em ambiente digital no decorrer de um curso de Formação Continuada,
podemos pensar de maneira mais apropriada em que características e conteúdos seriam
mais adequados para pensar um curso com a finalidade de contemplar, de forma mais
abrangente, as necessidades de formação do atual profissional de ensino de LE.
102
Nesse sentido, penso que um programa de formação continuada para professores na
modalidade digital poderia contemplar questões relativas à mediação nos cursos, ao papel
da reflexão no crescimento profissional, à relevância da compreensão de quem é o aluno,
suas necessidades e seu contexto, além de possibilitar a discussão acerca de conceitos de
linguagem, interação, processo de ensino-aprendizagem e construção colaborativa de
conhecimento. No entanto, não é possível deixar de oferecer a instrumentalização
necessária para aqueles professores que ainda não tiveram nenhum, ou mínimo contato
com o ambiente digital.
Academicamente falando, é importante compreender a constituição da identidade
profissional do docente para que seja possível contribuir mais com o seu desenvolvimento
profissional. Acredito que a construção da identidade profissional poderia constituir o foco
primordial, sendo o ponto central para todas as demais ações direcionadas à formação
inicial e/ou continuada do profissional professor. A subjetividade é inerente às relações
humanas, assim como o processo de ensino-aprendizagem acontece exclusivamente na
interação entre sujeitos impregnados por suas subjetividades. Assim, nada mais apropriado
do que compreender como ocorre a constituição identitária do profissional professor de LI,
para poder conceber como ocorre o processo de ensino-aprendizagem em si. Em outras
palavras, para compreender melhor como otimizar a construção do conhecimento,
precisamos conhecer os sujeitos que estão envolvidos no processo de ensino-aprendizagem
de forma mais plena possível, isto é, desde o seu interior, o que constitui o seu self, o que
faz com que ele pense e atue da forma que o faz.
É por meio dessa compreensão que poderíamos fundamentar as propostas de
formação, com o intuito de proporcionar ao profissional que seja o protagonista de sua
formação. Isso significa dar voz aos professores, ouvir o que pensam sobre as questões que
envolvem o processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, a proposta teria que oferecer
oportunidades para que o professor construísse e reconstruísse representações acerca da
linguagem, do processo de ensinar e aprender línguas, além de seu self, ou seja,
compreender os próprios valores e crenças, os seus conceitos profissionais, bem como a
sua subjetividade, a forma que enxerga o mundo, as relações sociais e políticas e o seu
papel pessoal e profissional dentro do contexto de sua atuação. Além disso, é importante
fomentar espaços para promover interações com o Outro, como a criação de comunidades
de aprendizagem colaborativa.
Durante o curso, as professoras tiveram a oportunidade de experimentar um
103
processo de auto-compreensão, que ocorreu por meio de inúmeros questionamentos sobre
questões relacionadas com a vida pessoal e profissional delas. Nesses momentos de
reflexão e interação com os demais colegas elas tiveram a oportunidade de repensar suas
representações e perceber alguns traços constitutivos das próprias identidades
profissionais.
É relevante que o processo de (re)construção da identidade profissional aconteça de
acordo com os princípios de formação crítico-reflexiva, em que a conscientização do
professor quanto à sua prática reflexiva seja vista como vital para o seu desenvolvimento
profissional. Para Pimenta (2000), o conceito de professor reflexivo envolve a reflexão do
docente, como um intelectual crítico-reflexivo, sobre o seu fazer em sala de aula,
pesquisando suas ações, partindo de uma análise crítica das práticas e ressignificando as
teorias. A teoria possui papel importante na formação de professores porque permite a
aquisição de conhecimentos necessários para uma ação contextualizada, além de permitirlhes compreender os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e
principalmente a si próprios como profissionais.
Pude constatar ainda neste estudo, que a narrativa de história de vida é um valioso
instrumento para compreensão do processo de constituição das identidades profissionais do
professor, considerando o processo reflexivo que pode propiciar. De acordo com Riessman
(1993), a linguagem utilizada na narrativa deve ser entendida como constitutiva da
realidade, ou seja, é por meio dela que o narrador se expressa criativamente e constrói seu
mundo repleto de sentimentos, de sua compreensão e interpretação. Assim, a partir dos
significados construídos pelo ato de narrar histórias de vida pude compreender melhor
como as identidades profissionais foram constituídas no contexto do curso on-line.
Talvez a mais importante contribuição ocasionada pelo desenvolvimento desta
pesquisa foi ter a oportunidade de compor sentidos da própria história e das histórias das
três professoras. Neste exercício pude tomar conhecimento do inestimável valor que tem a
experiência prática pessoal construída durante nossa vida, nos contextos de aprendizagem
formal e informal, em todas as vivências que nos proporcionam momentos significativos
de crescimento pessoal e profissional. Percebi o entrelaçar do eu no âmbito profissional, a
impossibilidade de separar essas dimensões no processo de constituição de nossas
identidades profissionais.
A experiência que vivi no curso de formação continuada on-line foi
recompensadora para mim porque posso visualizar agora, de forma mais holística, algumas
104
das necessidades e dificuldades dos professores de LI em relação às TICs. Pude perceber
ainda que compartilho os mesmos sentimentos dos professores da rede pública quanto ao
ambiente de ensino-aprendizagem digital.
Acredito que tenha aprendido a ser e a tornar-me outra pessoa, outra profissional,
mais centrada nas peculiaridades que envolvem o ser aprendiz e o processo de aprender a
aprender. Hoje, mesmo ciente da minha incompletude, me sinto mais consciente quanto à
relevância do conhecimento prático, do autoconhecimento, da autorreflexão para o
desenvolvimento pessoal e profissional. Talvez esteja mais preparada para trabalhar com a
formação inicial e continuada de professores de LI em ambientes presencial e digital. Esta
construção de conhecimento provocou algumas transformações em mim, que podem ser
comparadas com as identidades que se constituem em ritmo ininterrupto, enquanto os
traços identitários são reconstituídos de forma infinita nas experiências vividas, que
produzem alterações na constituição do self.
Algo que me motiva muito a continuar compondo sentidos na vida profissional é
que nos transformamos sempre, não passamos por nenhuma experiência sem ser alterados
e ressignificados, e ainda temos a chance de nos tornar melhores como seres humanos. Por
isso, concordo com Clandinin e Connelly (2000:189), quando afirmam que, ao narrar
nossas histórias de vida, temos a oportunidade de reviver, tomar novos rumos e fazer as
coisas de novas maneiras.
Ao encenar esta peça, surgiram alguns questionamentos que podem servir como
sugestões para enredos futuros. Passo agora a discutir alguns destes enredos.
Retomando o fato de que os professores já vivenciaram a experiência como
participante/aprendiz no curso on-line de formação continuada, o que lhes possibilitou
compreender melhor o que é ser aluno nesse contexto. No próximo módulo poderão ser
acrescentadas atividades que contemplem a relevância da docência de forma crítica e
reflexiva e o papel do docente no ambiente digital, bem como reflexões para que o
professor possa utilizar a tecnologia e a Internet na criação e avaliação de material
didático, atividades, planejamento e organização, para construir subsídios a fim de utilizar
de maneira mais consciente os instrumentos e ferramentas tecnológicas na sua prática
pedagógica.
A partir da continuidade e aprofundamento de aspectos pertinentes à formação do
profissional professor de LI, bem como de uma melhor capacitação para que possa atuar no
105
contexto digital de ensino-aprendizagem, este estudo poderá ser ampliado com vistas a
compreender como continua o processo de constituição da identidade profissional das
professoras participantes do curso, ao conduzirem sua docência no ambiente de ensino
digital. Outra possibilidade de um trabalho futuro seria acompanhar as professoras
participantes deste estudo para saber se elas incorporaram as TICs na sua prática
pedagógica e investigar de que forma elas usam a tecnologia em benefício de suas aulas de
LI.
Mediante o desenvolvimento da docência em ambiente digital e dos estudos acerca
da compreensão identitária dos docentes, seria interessante analisar a constituição
identitária dos alunos de LI de ensino fundamental e médio, que forem contemplados com
a oportunidade de inclusão digital e receberem uma formação que possibilite o letramento
digital.
Como uma atriz iniciante, fui uma pesquisadora que encenou sua primeira peça. A
falta de experiência e a insegurança podem ter atrapalhado um pouco o meu desempenho.
Contudo, esta peça ainda pode ser complementada, mexida, remexida, desconstruída e
reconstruída, por mim, por nós ou por quem desejar.
Esta peça é de fato minha, mas sem os demais atores eu não teria desempenhado o
papel de pesquisadora-participante. Seria impossível de encená-la sem a valiosa
contribuição de todos, tanto nos palcos como nos bastidores. Acredito que a experiência
obtida pelo caminho da encenação, que levou quase um ano para ser trilhado, vai repercutir
no meu eu enquanto existir fôlego de vida.
Essa peça encenada é apenas um intervalo entre as partes de um espetáculo muito
movimentado, que assim como a constituição identitária acontece em ritmo frenético,
indefinido e inconcluso. Almejei muito chegar ao fim desta peça, mas agora percebi que
ela não tem fim, o show terminou, mas o espetáculo continua...
106
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112
ANEXOS
113
Anexo 1
Questionário semiestruturado enviado para os participantes por e-mail antes do início do
curso on-line:
Prezado(a) Professor(a),
Temos o prazer de confirmar sua inscrição no curso de Formação Continuada
para Professores de LI a distância, realizado pela Unemat – Campus Universitário de
Pontes e Lacerda-MT.
Estamos trabalhando para que este curso contribua para sua prática pedagógica e
temos a convicção de que, nos encontros presenciais e nos virtuais, as interações e
atividades que se desenvolverão, serão muito significativas para todos nós.
Assim, para que possamos melhor atender suas expectativas em relação ao curso,
gostaríamos de conhecer um pouco sobre sua formação, razão pela qual segue em anexo,
um questionário que pedimos a gentileza de que você responda e nos envie por e-mail.
Agradecemos sua colaboração e colocamo-nos a seu dispor para quaisquer
esclarecimentos adicionais.
A equipe do projeto.
SOBRE A PRÁTICA NA SUA ESCOLA
1 - Na sua escola, qual o acesso que você tem a (marque um X na resposta):
Acesso razoável
Acesso restrito
Não há acesso
TV
( )
( )
( )
DVD Player
( )
( )
( )
Biblioteca
( )
( )
( )
Computador
( )
( )
( )
Internet
( )
( )
( )
Retroprojetor
( )
( )
( )
Datashow
Jornal
( )
( )
( )
( )
( )
( )
Revistas/Periódicos ( )
( )
( )
114
SOBRE SUA PRÁTICA EM SALA DE AULA
(Marque com um X ou explicite a informação solicitada)
Atua em escola: rede estadual ( ) rede municipal ( )
Carga Horária semanal (total): ___________
Número médio de alunos por sala: _________
Faixa etária dos alunos: ___________
Livro(s) didático(s) que usa: __________
SOBRE SUA FORMAÇÃO
(Marque um X ou explicite a informação solicitada)
Ensino Médio
Escola: Estadual (
) Municipal ( ) Particular ( ) Supletivo( ) Magistério( )
Período: Matutino ( ) Vespertino( ) Noturno( )
Cidade: _______________________
Instituição: ____________________ Ano de conclusão: __________
Curso Superior
Universidade: Estadual ( ) Federal ( ) Municipal ( ) Particular ( )
Período: Matutino ( )
Vespertino( )
Noturno( )
Cidade:______________________
Instituição:___________________
Ano de conclusão:_____________
Se você fez especialização, indique:
Curso_______________________
Instituição__________________
Cidade____________________________
Ano de conclusão_____________
Se for o caso, cite outros cursos que você já fez e considera relevantes para sua vida
profissional.
____________________________________________________________________
115
SOBRE VOCÊ, PROFISSIONAL:
Onde trabalha: ________________________________________________________
Tempo de prática docente: ________________
Que computador você utiliza (rá) para fazer esse curso semipresencial?
Da escola ( )
o seu ( )
de outro local ( )
Na condição de usuário de computador, você utiliza que aplicativos (marque um “x”)?
Aplicativos
Não uso
Uso pouco
Uso razoavelmente
Uso bem
Word
( )
( )
( )
( )
Excel
( )
( )
( )
( )
Internet
( )
( )
( )
( )
Correio Eletrônico ( )
( )
( )
( )
Power Point
( )
( )
( )
( )
Outros (especificar) ___________________________________________________
13- Indique em qual horário (preferencialmente) você acessará o curso.
( ) Horário de trabalho.
( ) Fora do horário de trabalho.
( ) Em ambos.
14-Você já participou de algum curso de Formação Continuada a Distância?
Sim ( )
Não ( )
Se sim, especifique: Nome do curso: ___________________________________
Ambiente do curso:_________________________________
116
Anexo 2
Questões para gerar autobiografia, enviadas por e-mail ao término do curso on-line:
O que o levou a fazer Letras? Como foi sua formação linguística e profissional? Como
você se tornou um profissional professor? Relate um pouco da sua história, experiência
escolar, prática pedagógica e relação à língua inglesa.
Nesse processo descreva quem é você como aprendiz e professor de língua inglesa e como
gostaria de ser. Explique suas razões.
Fale sobre sua experiência no curso on-line, se atingiu suas expectativas ou não e explique
por que.
Como se sente em relação à sua vida profissional diante do uso da tecnologia? Percebeu
alguma mudança? Explique de que forma.
117
Anexo 3
Perguntas utilizadas nas entrevistas narrativas com os professores-alunos, antes, na metade
e no final do curso on-line:
Primeira entrevista – antes do curso - 15 de março de 2010
1. Poderia dizer-me quais foram suas motivações para participar do curso de formação
continuada para professores de Língua Inglesa a distância?
2. Poderia contar-me quais são as suas expectativas em relação ao curso on-line?
Segunda entrevista – na metade do curso - 28 de maio de 2010
1.
Você acredita que existe diferença na prática pedagógica de um docente em
ambiente digital e presencial? Explique a partir do que vivenciou.
2.
Como educador de língua inglesa, de que forma descreveria quem é você, o
que você poderia ser e quem você quer ser?
Terceira entrevista - ao final do curso - 28 de junho de 2010
1. Como você compreende quem você é enquanto um profissional, professor de LI?
2. Quais eventos e pessoas tiveram ou ainda têm importância na sua vida profissional?
3. Como vê seu papel como professor/aluno no ambiente de ensino-aprendizagem
digital?
4. Como você compreende seu papel e sua prática profissional após o curso on-line?
5. Que tipo de professor deseja ser? Por quê?
118
Anexo 4
Perguntas enviadas por e-mail no início do curso on-line:
Caro professor,
Conto com a sua participação para relatar sua opinião e experiência profissional. Se
desejar, acrescente qualquer fato que julgue ser necessário ou importante na sua
trajetória de aluno e professor de Língua Inglesa. Agradeço a sua colaboração.
Questionário 1 - 28 de fevereiro de 2010
1. Como foi sua formação linguística e profissional?
2. Como você define sua prática pedagógica atual?
3. O que significar ensinar para você?
4. Quais são suas expectativas em relação a esse curso?
Questionário 2
1. Qual é sua experiência em relação a cursos a distância? Fez algum curso em
ambiente digital ou semipresencial?
2. Com que frequência você utiliza a Internet dentro e fora da escola e para quê?
3. Participa de alguma comunidade na Internet, como Orkut ou Facebook?
4. Como você acha que é estudar e ser professor em curso a distância?
5. Quais as possíveis dificuldades você poderá encontrar?
6. Quais são as possíveis vantagens de um curso mediado por computador?
119
Projeto de Extensão – UNEMAT – Campus Universitário de Pontes e Lacerda
CURSO ON-LINE PARA PROFESSORES DE INGLÊS
DA REDE PÚBLICA DE PONTES E LACERDA
Introdução: Este curso visa oferecer possibilidades de ampliar os conhecimentos teóricos
e práticos, bem como, propiciar reflexões acerca de questões cruciais ao bom desempenho
didático-metodológico e linguístico do professor de Língua Inglesa.
Justificativa: Viabilizar uma proposta de curso on-line para professores de língua inglesa
em pré-serviço e em serviço da Rede Pública de Ensino Estadual e Municipal da cidade de
Pontes e Lacerda-MT, que propõe reflexões quanto à ressignificação de suas práticas
educacionais, que venha ao encontro de suas necessidades de qualificação.
Objetivos:
 Possibilitar a reflexão dos professores sobre suas identidades: quem são e no que
acreditam em relação à educação, linguagem e processo de ensino-aprendizagem;
 Oferecer aos professores a oportunidade de reflexão e autoconsciência sobre seus
papéis no ensino de LI, tendo em vista as TICs e as mudanças no contexto sóciohistórico contemporâneo;
 Criar situações de aprendizagem com foco na construção de um processo
colaborativo de conhecimento, em que o papel do professor seja o de mediador.
 Contribuir para uma melhor capacitação tecnológica dos professores, para que
possam explorar ferramentas on-line e sites para fins didáticos em benefício de sua
prática pedagógica.
120
Unit 1- 1st week = Sharing
1 - Profile: Getting to know each other.
As this is our first meeting we feel the need to know a bit about each other. So, let‟s
complete on our blog some personal information.
1- I have been teaching for more than _______ years;
2- I like teaching______________ ( kids/adults );
3- I learned English at __________________ ( a Language School/somewhere
else);
4- I believe speaking English in class______________ ( is/isn‟t ) necessary;
5- I have taken part in a ___________( Distant Teaching Training Course/other
one);
6- I _____________________( feel / don‟t feel) comfortable dealing with
technology;
7- I_____________( enjoy/don‟t like) learning about technology classroom
strategies;
8- I feel ___________( comfortable/embarrassed ) learning technology
from
students;
9- I _______________( enjoy/don‟t like) reading English magazines and
newspapers;
10- I ___________________________ ( take / don‟t take ) part in on-line
community.
2 - Now take a look at your colleagues’ blogs to find out interesting things about them.
3 - Reflective diary: Based on the information shared write a paragraph in English about
the things you have in common with your friends. Send it to your tutor‟s e-mail.
121
3.1 - Then, write your biography on your blog considering the same ideas. Add some
information you think is interesting to mention.
4 - Read the text: Carta aos Professores by Paulo Freire, on this site:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142001000200013
4.1 - Then, write a text considering in which ways the text is related with your pedagogical
practice. Send it to your tutor‟s e-mail.
Unit 2 - 2nd week = Caring & Meaning
What made me me?
Reminder: Last unit we did an activity, which helped you to know a bit about each other.
Now, let‟s think a little about teaching!
“Stories and narratives, whether personal or fictional, provide meaning and belonging in
our lives. They attach us to others and to our own histories by providing a tapestry rich
with threads of time, place, character, even advice on what we might do with our lives. The
story fabric offers us images, myths, and metaphors that are normally resonate and
contribute both to our knowing and our being known... The narrator too has a story, one
that is embedded in his or her culture, language, gender, beliefs and life story. This
embeddedness lies at the core of the teaching-learning experience.”
(Witherell & Noddings, Stories Lives Tell, 1991)
1 - Teaching - Learning stories:
Complete the following sentences for yourself. Then check if you can add a sentence of
your own. Later, go to the discussion list and write about three of the sentences.

As a teacher, the type of activity I most enjoy is…

One type of activity I think students learn a lot is…
122

The kind of change I would like to make in my teaching is…

One technique I would like to try out in class is…

What is effective teaching?

Is teaching a unidirectional process?

Is it my problem if the students don‟t learn?

Do I involve students actively in the teaching-learning process?

Do I do my best to teach effectively?
2 - Read the text: Towards Reflective Teaching by Jack C. Richards on this link:
http://www.tttjournal.co.uk/uploads/file/back_articles/towards_reflective_teaching.pdf
Suggestions on how to read:
It would be nice if you read the whole text once just to have a general idea of it. If you
need you can read it twice, try not to use the dictionary guessing the meaning of the
unknown words from the context. After reading it twice, have a look at the questions and
make sure that you understand them, then go back to the text and try to find the answers
there. While doing this activity feel free to solve your doubts with your colleagues or your
tutor.
3 - Answer according to the author and send it to your tutor’s e-mail.
 What is reflection?
 How does reflection take place?
 Which approaches to critical reflection does the author mention in the text?

Which of the approaches mentioned would you like to make use of if you had a
chance? And why?
123
Unit 3 - 3rd week: Teaching Narratives.
Reminder: Last week you had the opportunity to think about reflective teaching.
Now, let‟s write about your own teaching experience.
1 - Reflective Diary: In this activity you will have the chance to read three narratives
from English Teachers. This may give you some inspiration to start reflecting about your
own teaching story. We‟d like you to read and listen to these stories:
 Number 1 from Paula: http://www.veramenezes.com/profaudioing1.htm;
 Number 2 from unknown writer: http://www.veramenezes.com/profaudioing2.htm;
 Number 3 from Karoline: http://www.veramenezes.com/profaudioing5.htm.
After reading the narratives think about what are the similarities with your learning teaching experience. And exchange your impressions with your colleagues on the
discussion list.
2 - Now that you’ve learned about people’s learning and teaching experiences, it’s
time for writing about your own experience.
Have a look at the questions below as a guideline to help you elaborate your own narrative
on your blog. Answer all the questions.
Identities:

What kinds of things have been important to you?

What is your life right now?

What do you care about, think about?

If you were to tell yourself who you really are, how would you do that?
Teaching:

Why did you choose to become a teacher?

What is your personal teaching philosophy?
124

What is your definition of “teaching”?

What is your definition of “knowledge”?

Have your beliefs about teaching English changed over the years?

Do you plan to be an inclusive teacher?
Learning:

How did you learn English in Elementary School?

How did you learn English in High School?

Did you study in a language institute and how was it?

Did you learn English outside the classroom?

Have your beliefs about learning English changed over the years? Why?

What role your teachers and other people played in your learning process?

What did you use to do/ usually to improve your English?

Have you traveled abroad and how much you learned during your trips?

Why did you become a teacher?

Have your beliefs about teaching English changed over years learning?
Culture:

How do you define culture?

How they interplay among language, genre, power, find its way into your life,
classroom, school, or lives of your students?

What role might social justice and social change play in your school curricula?
All right, now you probably have a nice story about yourself to be published!
Go to your blog and write it down.
125
Unit 4 - 4th week = Reflective & Collaborative work
Reminder: Last week you had the chance to write and publish your own narrative.
1 - Reflective Diary: Now it‟s time for you to have a look at your colleagues‟ stories and
reflect about them using the questions below:
 Is your narrative similar to the other teacher‟s stories?
 In what ways is your story similar or different?
 Have you and all the teachers whose stories you read learned English the same way?
 What has actually helped you and other teachers learn English?
 What roles have teacher‟s played in the students‟ learning process?
 What do all the stories reveal concerning beliefs about education?
 What do all stories reveal concerning beliefs about language learning?
 What do the reveal concerning beliefs about language teaching?
2 - Let’s share your impressions about the inquiries above on the list discussion.
126
Unit 5 - 5th Week: Reflecting about Teaching Environment
Reminder: Last week you reflected about your friend‟s narratives and teaching role.
1 - Reflective Diary: Now let‟s exchange ideas about our schools. Have a look at the
photos below and choose the one/ones that best describe(s) your teaching environment.
To visualize them better: Ctrl + clic.
1.1 – After choosing it/them, write about the similarities you consider the most important
ones and send it to your tutor by e-mail.
2 – Make a description of the physical structure of your school and class, the number of
students in each class, the school and class facilities (library, sport center, study room,
127
reading corner, posters on the wall, boarders, sports court?, the classroom arrangement and
whatever you want to mention.
3 – Now, post it on your blog for sharing information about your school.
Use the questions below as a guideline:

What kind of school do you work for?

What are the resources and restrictions of this school?

Does it have a policy manual or handbook?

Who is the director? Do you have an easy access to him/her?

How many students are there?

How many teachers?

Do you know all the teachers and the staff there?

Are there other English teachers? If so, do you get together to exchange ideas?

How would you describe your classroom?
4 - Read about: Role Effectiveness Profile - Julian Edge on the site:
http://oz.plymouth.edu/~lsandy/effective.html
5 - Write on your blog a paragraph talking about your role as an English teacher at
your school.
6 - What about having a look at your friends’ work?
Have a look at your friends‟ work on their blogs and make comments on them.
128
Unit 6 - 6th week: Talking about learners
Who are/were your students?
Reminder: Last two weeks, we had the opportunity to reflect on your teaching environment
and your role as a teacher.
This week we would like to take you on a journey again through your teaching
environment, but this time the focus is on your students.
1 - Think about your teaching groups and choose one to focus on.
Think about the students of this group and write down on your blog their perception on the
topics below (feel free to add some more topics if it‟s necessary):

What are they like?

How old are they?

How do they feel about their English lessons?

What are their learning preferences?

What are their learning styles?

What‟s learning English for them?

What are their language concepts? And learning teaching concepts?

What are their favorite learning themes?
2 - Based on the perceptions you had on the students’ answers; tell us through e-mail
your impressions about the topics below:

What information surprised you as their teacher?

Were there things that you didn‟t know about the students? If so, which were they?

Are your students learning preferences in consonance with your teaching
preferences? If not, would you find it possible to change your teaching approach
to meet their expectations? In what ways would you do that?
129
3 - Reflective diary: By email, share some ideas with your colleagues on ways you can
enhance your teaching practice.
E.g.: by reading academic books on learning and teaching approaches, on-line journal and
teaching magazines subscriptions, seminars, lectures, teaching/learning congress like
APLIEMT, Bras -TESOL, sharing ideas with the other colleagues taking part in continuum
teaching courses.
4 - Look for a text on the Internet about a teacher describing his/her students
learning preferences, learning styles, etc, and a text in which teachers mention the
strategies they use to improve their teaching. Then add it on your blog and send it for
your classmates.
Unit 7 - 7th week: Talking about a Teaching Unit and a Lesson
Reminder: You‟ve shared a lot of information about your teaching knowledge and
experience, the environment you work in and your students´ profiles.
Now, it‟s time for you to focus on one of your teaching lesson.
1 - How about choosing a lesson that you either taught or will teach the group of
students you mentioned on Unit 6 and describe it to us.
In your description we suggest you to mention your students‟ profile again, the objective of
the lesson, its length, the type of activities, the material used, etc.
2 - Reflective diary: Read some reflective follow up Case Study and choose one of them
and make some comments on our discussion list. Go to the site:
http://books.google.com.br/books?id=zIhFAuWxRsMC&pg=PA32&lpg=PA32&dq=reflec
tive+teacher+describing+a+lesson+taught&source=bl&ots=eMoixDkOGq&sig=BYxrBtQ
D3iZraOgoMl7hMZcspYI&hl=ptBR&ei=hB_TSuScMsWJuAff7riFCQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=4&ved
=0CB4Q6AEwAw#v=onepage&q=&f=false
130
3 - Post your lesson on your blog.
4 - Now take a look at your friends’ and make some comments about their lessons.
5 - Go to the discussion list and add your impressions about the lessons in order to
improve them.

How were the students‟ reactions to the lesson?

Are there things that you would do differently? Why?
Unit 8 - 8th week: Talking about your Future Plans
Reminder: Last unit we focused on teaching lessons.
Now, let‟s think about your future English teaching practice.
1 - Reflective diary: what are your aims in your teacher career?
Answer the questions below on the discussion list:

What are your professional perspectives?

What kind of competences would you like to develop to improve your teaching
practice? In which ways can you do that?

What are your expectations for your future teaching - learning practice?

In which ways this course contributed to your teaching/learning approaches?
2 - On your e-mail answer these questions about your experience during the
participation on the course.
 What do all the stories reveal concerning beliefs about education?
 And about language learning?
 What did you learn from writing your narrative?
131
 And for sharing these narratives?
 Has your writing being affected by the narrative assignment? If so, how?
 Will the writing of narrative influence your future as a teacher? If so, how?
3 - Now post on your blog the general evaluation about the whole course. Feel free to
make all the relevant comments you want to. If you can give us some suggestions to
enhance the course, we‟ll be grateful.
Thank you very much!
Best wishes!
Prof.ª Carmem Zirr Artuzo
Coordenadora do Projeto de Extensão
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