IDENTIDADE E MEMÓRIA DE PROFESSORES/AS CONSTRUÍDAS EM RELATOS DE HISTÓRIAS DE VIDA Terezinha Bazé de Lima * RESUMO: Este artigo pretende abordar uma experiência em construção sobre o eixo temático “Identidade e Memória de Professores”, com base em histórias de vida de professores em formação no Curso de Pedagogia da UNIGRAN/Dourados, relatadas em forma de memorial. O memorial de vida dos acadêmicos de Pedagogia vem sendo realizado desde 2004, na disciplina de TCC e tem, como objetivo, proporcionar aos docentes em conclusão de curso a oportunidade de reverem suas memórias e práticas de vida e de formação, além de oportunizar uma experiência com a leitura e a produção de textos advinda de uma ação pesquisadora, possibilitando intervenção e elaboração própria que visem à auto-reflexão, em busca de melhoria do perfil profissional como docente e pesquisador em processo de formação. Os resultados apontam que os sujeitos/professores em formação constroem seus textos, denominados memórias de vida e formação, a partir da projeção de sonhos, expressando dificuldades, eternizando práticas e experiências. Partindo do banal, do singular, do repetitivo, descrevem o espetacular de sua vida, num itinerário que registra experiências relacionadas à família, à escola, aspectos religiosos e sociais até o casamento, chegando à universidade e, por conseqüência, à sua ação profissional. Se concordar com as sugestões/alterações que ofereço para o resumo, precisará rever o abstract. ABSTRACT: This article intends to approach an experience under construction on the themes Identity and Memory of teachers, based on histories of life of becoming teachers at the course of Pedagogy of UNIGRAN/Dourados, starting by their memorial. A memorial about histories of life of Pedagogy students has been carried out since 2004 in the academic discipline “TCC” and aims to offer to them the chance to review their praxis and memories of life and educational background and also offer to them a reading experience in order to practice reading and writing of texts with purpose of researching, with possibilities of intervention, aiming at self-reflection and searching for improvement in their professional profile as teacher and researcher in academic learning process. The results show that the Pedagogy students write their texts, called memories of life and formation, up from projection of dreams, expressing difficulties, eternalizing praxis and experiences. Starting by the banal one, the singular, the repetitive one, they describe the spectacular one of their lives, in an itinerary that registers experiences related to family, to school, religious and social aspects until the marriage until their college life and professional action. PALAVRAS-CHAVE: história de vida – memorial – formação. KEY-WORDS: history of life – memorial – formation. Este artigo foi elaborado por ocasião do III Seminário realizado na linha de pesquisa EDUCAÇÃO, PSICOLOGIA E PRÁTICA DOCENTE, no qual a autora participou como expositora na Mesa Redonda denominada “A pesquisa e o processo de formação”. Esse Seminário foi organizado pelos membros dos Grupos de Pesquisa, especificamente pelo GEMFIC – Grupo de Estudo, Memória, Identidade e Cultura ligado ao GEF † , componente do Núcleo de Estudos Interdisciplinar cadastrado no CNPq e de origem dos Cursos de Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Abordar experiências advindas de estudos sobre o tema “Identidade e memória de professores/as construídas em relatos de histórias de vida”, requer, como sugere a temática, além da construção de uma base teórica, uma construção da prática de envolvimento com o tema. Ao longo de oito anos, aproximadamente, tem-se desenvolvido uma proposta de intervenção por meio da elaboração do memorial descritivo, levando em conta o papel do sujeito e os acontecimentos e atos envolvidos em sua formação, uma vez que o professor também se forma mediante a apropriação de sua trajetória, “uma sensibilidade a história dos aprendentes e da sua relação com o saber”. (JOSSO, 2004, p.23) O estudo do tema é importante considerando que, atualmente, é inegável a presença, cada vez mais crescente, de estudos sobre história de vida de professores como fonte de pesquisa e subsídio para a formação. Este estudo traz, para debate, subsídios que fundamentam uma ação educativa com base na história de vida de professores, uma proposta para a formação inicial de acadêmicos do Curso de Pedagogia da UNIGRAN/Dourados. Utilizando a história de vida dos estudantes, investigando sobre a trajetória de vida acadêmica, o método visa a contribuir com o processo de formação por meio da pesquisa da história pessoal e profissional. Essa experiência vem sendo desenvolvida por meio de estudos em grupos, oficinas de construção de memorial e seminários. Essa é a forma encontrada para se romperem algumas barreiras, desinibir o professor para a elaboração e reconstrução de conhecimentos necessários à prática docente, tendo como ponto de partida sua trajetória de vida pessoal e profissional, além de propiciar a prática e construção de um primeiro texto científico: “o memorial”. Dessa forma, já existe, hoje, uma produção científica expressiva, digna de análise teórica e metodológica, sobre história de vida, memória e seus mais diversos entrecruzamentos. Os estudos sobre formação por meio de história de vida de professores, pessoa do professor, práticas dos professores e/ou profissão de professor na área da educação, têm-se manifestado sob as mais variadas modalidades e com perspectivas teóricas, metodológicas e objetivos mais diversificados. Essa experiência, em desenvolvimento, vem sendo construída a partir dos estudos de Dominicé (1988-1990), Nóvoa (1998-1992), Josso (1999), Bueno, Catani e Souza (2003) e Bastos (2003) que chamam atenção para o fato de que, ao trabalharem com história de vida como processo de formação e reapropriação, enfatizam seu papel por meio da pesquisa para identificar os processos de aquisição do saber e de revalorizar a epistemologia da noção de experiência. Os estudos de Josso (1988) abordam a teoria da atividade do sujeito, destacando o papel do formando como ator que se autonomiza e que assume as suas responsabilidades nas aprendizagens e no horizonte em que elas se abrem, e a possibilidade de desenvolver, por meio das biografias educativas, maior consciência da sua liberdade na interdependência comunitária como sujeito coletivo. Dominicé (1994, apud MIGNOT e CUNHA, 2003), em suas reflexões sobre o uso das histórias de vida, esclarece, com propriedade, essa concepção, afirmando que a história de vida é uma outra maneira de considerar a educação. Para a autora, não se trata de aproximar a educação da vida como nas perspectivas da educação nova ou da pedagogia ativa - mas de se considerar a vida como espaço de formação, já que a história de vida passa pela família, é marcada pela escolaridade recebida que se orienta para uma formação profissional, comprometida com a formação continuada. Segundo Nóvoa (1992), a elaboração de um memorial valoriza o professor como sujeito de sua história e da história da educação brasileira, já que essa modalidade de texto proporciona uma reflexão sobre a educação inscrita no cotidiano escolar. A ideia proposta na experiência em desenvolvimento é que cada professor refletisse sobre a sua própria história de vida, buscando conhecer o que Pierre Nora (1997) considera os elos entre a história que fez e a história que o fez. No Brasil, os estudos de Bueno, Catani e Souza (2003) apontam que é preciso compreender a formação do professor como um processo, cujo início situa-se muito antes do ingresso à academia. Nos estudos da experiência ora relatada foi considerado o percurso de formação e de trans-formação: origem familiar, trajetória escolar, trajetória profissional – formação, carreira, atividades e práticas docentes, participação no movimento estudantil, atualização profissional, leituras significativas realizadas durante o curso de formação, visões da sala de aula, da escola, da educação, das disciplinas cursadas, experiências de vida no curso, a construção de relação com os seus professores e o contexto sóciohistórico da caminhada,culminando com o projeto de pesquisa-ação para a realização do TCC - Trabalho de Conclusão do Curso. Ainda de acordo com Josso (2004), as abordagens das histórias de vida, tal como são desenvolvidas e dadas a conhecer pelos textos publicados nos últimos quinze anos, sugerem dois tipos de objetivos teóricos: 1. Assinalam um processo de mudança do posicionamento dos pesquisadores, por meio do apuramento de metodologias de pesquisaformação, articuladas à construção de uma história de vida. Esse apuramento visa diferenciar melhor as modalidades e os papéis assumidos durante o processo, as etapas e os projetos de conhecimento específicos da pesquisa-ação. 2. Demarcam, também, a contribuição do conhecimento dessas metodologias para o projeto de delimitação de um novo território de reflexão abrangendo a formação, a autoformação e as suas características, bem como os processos de formação específicos voltados para públicos específicos. É importante destacar que a metodologia utilizada na escrita da história de vida traz, em sua essência, um potencial de transformação do próprio sujeito que dela participa. Dessa forma, é um instrumento que, por suas próprias características, induz à auto-reflexão, à reconfiguração de sentidos e à aprendizagem. É impossível, por certo, alguém permanecer impassível à presença das próprias lembranças e não se sentir impelido a dialogar com elas. O que se deseja salientar, ainda, é que, à medida que o professor toma contato com os meandros da construção de sua identidade, ele a reconstrói e, nesse caminhar, a identidade profissional também se altera, pois esta emana e se alimenta da individual, tanto quanto a condiciona, também. Ressalte-se, ainda, que o autoconhecimento facilita o fluxo de interações entre identidade pessoal e profissional, podendo, esse processo, diminuir a dissonância entre ambas e, assim feita, o fluxo de mútua alimentação se perpetua, ampliando o nexo de significações e facilitando, novamente, o processo de autocompreensão. PRÁTICAS DE MEMORIAIS Falar de si mesmas, de suas experiências, significa expor-se a situações para as quais as pessoas, muitas vezes, não estão preparadas. É um momento, simultaneamente, de alegria e dor, de risos e soluços, de lembranças que podem e devem ser registradas; de lembranças que devem e podem apenas ser relembradas. Os sujeitos deixam “escapar” que nem tudo será publicado; há, portanto, uma seleção. Outro aspecto a ser considerado é a dificuldade que o aluno-professor tem do produzir textos que representem o registro de suas experiências e práticas, tendo o eixo da reflexão como parâmetro para o texto científico. Sendo assim, o trabalho do professor formador reside em contribuir para transformar cada professor em formação inicial em um escritor do seu próprio cotidiano - pessoal e profissional, orientando-o quanto à escrita da prática e da teoria, que transformará um material bruto (1ª versão) em um texto coerente, ético, reflexivo e que atenda às normas e exigências da ABNT. A experiência tem mostrado que, geralmente, a primeira leitura dos memoriais em construção provoca uma sensação de frustração em relação à tarefa proposta, considerando-se a ausência de textualidade, fragmentação temporal e estética textual. Os títulos dados pelas professoras em formação (acadêmicos) são significativos, como estes: - Caminhos trilhados na construção de uma pesquisadora (E.V.); Um degrau de cada vez: processo de construção entre o que fomos e o que somos (A. P.); História de vida pessoal e profissional: cada dia um novo recomeço (C. A. S.); O emprego do letramento nos textos espontâneos na segunda fase (3º e 4º anos) da Educação de Jovens e Adultos da Escola Municipal Veredas. Na maioria dos memoriais constata-se um silenciamento das experiências negativas ou frustrantes, tanto na trajetória escolar como na profissional, o que já foi observado por Bastos (2003, p. 179): “é natural a seleção e a exclusão do que não é desejado recordar”. Os depoimentos das autoras dos memoriais selecionados – os fragmentos que se transcrevem a seguir – conduzem à constatação de que o trabalho de escrever sobre si é um importante momento de reflexão e de ressignificação das práticas docentes e da identidade profissional; assim, percebem-se as marcas com as quais as professoras autoras de memoriais constituíram-se sujeitos na tessitura de suas histórias. [...] “Várias nuances de nossas vidas ficam perdidas pelo tempo passado. Embora minha história seja colocada no papel, ainda assim não será toda revelada; partes de nossas vidas ficam soltas em momentos vividos e já não mais representados em forma de letras e palavras”. (A.P.) “Acredito que essa emoção ficará para sempre em minha memória, detalhes desses esforços ficarão marcados como experiência para servir de alicerce, afinal tudo que é de suma importância fica registrado. [...] Pude perceber que o aluno não é um ser apenas cognitivo. Ele é corpo, linguagem, emoção, prazer e muitos outros sentimentos, foram experiências maravilhosas que pudi vivenciar nos momentos de faculdade, a minha identidade enquanto aluna e futura profissional está sendo reconstruída por meio deste memorial.” (A.P.) “Descrever o presente memorial me fez recordar, refazer, reconstruir imagens, idéias, sons, fatos e experiências com idéias e pensamentos de hoje, pois o passado não é o antecedente do presente, mas a principal fonte de vivenciar esses momentos agora na base educacional.” (E. V.) “Atualmente, faltando pouco tempo para esta etapa da caminhada chegar ao fim, revendo o meu percurso sei que muito aprendi, sei que muito ainda preciso aprender e é essa necessidade que me move, que faz de mim hoje uma pesquisadora iniciante. [...] A partir dessa experiência não sou a mesma profissional, compreendo melhor a real dimensão de minhas atitudes, do meu posicionamento enquanto educadora e levo comigo a relevância da pesquisa como garantia de crescimento, de conhecer o desconhecido e saber agir e pensar sobre ele.” (C.A.S.) “Percebe-se, no entanto, que o memorial tornou-se uma exigência para o professor pesquisador, pois o mesmo inicia sua pesquisa partindo de sua própria história de vida, usando-a como linha de pesquisa, refletindo e descrevendo sua trajetória como um educador reflexível e atuante em sua prática pedagógica. [...] Nunca havia pensado em pesquisar minha própria história de vida. Mas agora, posso dizer que estou trilhando caminhos para futuramente ser uma grande pesquisadora na área educacional, pois ao mesmo tempo que estou delineando, estou projetando minha trajetória de vida.” (E.V.) “Escrever o memorial é importante para relembrarmos o que fomos e aspiramos ser no futuro: nossas ações do passado precisam ser relembradas para serem moldadas posteriormente.” (M.L) “A professora Elvira foi uma educadora que me marcou muito e quando eu for trabalhar quero ser como ela, que contava histórias todos os dias, sabia a hora de dar carinho e a hora de dar bronca, além de inovar sempre e fazer o aluno perceber que tudo ali foi feito especialmente para ele. Lembro-me de uma atividade que ela realizou em sala de aula, que me fez desenvolver a autonomia, é a atividade dos feijõezinhos com algodão, hoje em dia essa atividade escolar pode não ser inovadora, mas se seu objetivo era esse, a professora conseguiu cumpri-lo.” (M.L.) “O professor de matemática mais uma vez me causava medo, não só em mim, mas em toda a turma, talvez não fosse ele e sim a matéria que ministrava. Acho que por eu não ter tido uma boa base nesta área fiquei um pouco retraída em refletir sobre a matemática e a vida cotidiana”. (M.L.) “No segundo ano da faculdade trabalhei como monitora, auxiliar do Projeto de Extensão da Educação de Jovens e Adultos da UNIGRAN e me identifiquei muito com essa área da educação, pois, percebi o interesse dos educandos pelos estudos. O que mais me chamou a atenção foi o modo como os professores devem preparar um plano de aula, envolvendo os alunos de modo a não haver evasão novamente, e algo que percebi, é que é preciso considerar sua vivência, sua cultura e sua experiência de vida. Então, decidi que meus sujeitos de pesquisa seriam os jovens e adultos e suas dificuldades de aprendizagem.” (M.L.) As experiências advindas dos escritos dos professores fazem acreditar que escrever sobre si mesmo é permitir escrever-se; é uma atividade de leitura e escrita sobre si próprio. É como se novamente se estivesse sentindo o vivido... vivendo, então, escrevivendo. Escrever sobre si mesmo, trazer à tona o que dá vida, movimento e ação, é sempre uma oportunidade para se questionarem os empreendimentos e as investidas que se realizam na reconstrução do ser pessoal e profissional. É nesse espaço e tempo de (re)lembranças que se encontra motivo para expor o que, com certeza, move cada ser. Trata-se de escrever o que “faz ser”, o que se é, e que cada vez mais impulsiona a dar prosseguimento ao continuum de sucessivas reconstruções em busca do próprio modo de ser e agir. Ao escrever sobre si mesmo, percebe-se o movimento do olhar recortando o todo, dando luz às nuanças das imagens, nas quais se redescobrem vivências e valores que perpassam a vida, que vão sendo reorganizados para serem compostos numa ordem como a academia solicita. Além disso, ressaltem-se as possibilidades de compreensões de significados vivenciados por um sujeito que diz querer ser sempre e antes de tudo um pesquisador. O impacto causado pelos depoimentos é grande e sugere enormes possibilidades e desafios. Desafio de colocar o sujeito à frente de seu ser, de seu poder “ter sido”, de seu poder “ser”. Desafio, porque coloca o sujeito a se compreender como agente construtor de sua história. Desafio, porque impõe um novo olhar ao que pode ser. Possibilidades de formação do professor, porque surge o espaço de parar e refletir; de aprender a ressignificar o vivido, de tomar consciência de seu papel na história. De acordo com Bastos (2003), a análise dos memoriais também permite conhecer a retórica de conformação do ser docente pelo discurso políticoideológico embutido no discurso técnico-pedagógico. Nessa perspectiva, o passado se faz presente, pois possibilita refletir sobre a identidade social forjada e herdada e operar um trabalho de construção histórica da formação profissional e prática cotidiana. Diante dessa realidade, passa-se a entender a formação do professor, que, agora, compreende-se como um processo contínuo que está sempre ocorrendo. Por isso, a dinâmica da história de vida oferece ao professor um instrumental para que ele continue refazendo seus percursos e reordenando suas rotas. Nesse ponto, cabe realçar que, quando se consegue, ao fim do processo, socializar os relatos e memoriais, mesclar em discussões as diversas histórias, houve um impacto formador maior, pois houve a oportunidade de se confrontar melhor com a coletividade de identidades e encaminhar com mais propriedade a análise da identidade coletiva. Então passa-se a ter: A reflexão sobre ações: ocorrida por ocasião dos relatos; A reflexão sobre a ação refletida: no momento em que se toma contato com a síntese reconstruída, as intervenções que se realizam, as alterações propostas, enfim, a reconfiguração dos sentidos; A apropriação de um instrumental de reflexão: não só o instrumental de olhar a própria história, mas as aprendizagens decorrentes das discussões e análises conjuntas; A autorreflexão foi importante aos docentes formadores, no sentido de rever suas práticas e para a Instituição no que se refere à avaliação e reestruturação do currículo do Curso de Pedagogia; Autoidentificação reconstruída, base do processo de transformação, na qual o sujeito, em contato com as amarras de sua subjetividade, pode reorientar suas ações. Essas condições bem contemplam as afirmações de Nóvoa (1995 b), quando afirma que a formação continuada do professor deve propiciar: “a reconstrução de suas identidades, estimulando-os a uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participada”. A produção de memoriais previu que o professor, ao escrever, utilizasse o seu próprio saber, como, também, se baseasse na experiência da prática e a utilizasse como documento para escrever a história da formação do professor e da educação brasileira; constatou-se, assim, que escrever, ler e pesquisar os memoriais dos acadêmicos possibilitou, também, ao professor formador, repensar a prática educativa na perspectiva de vida como lugar da educação e a história de vida o terreno sobre o qual se constrói a formação. Portanto, pode-se afirmar que o estudo do memorial é um recurso de reflexão, um processo de leitura diacrônica de mundo, de leitura do processo de construção de si e de seus acadêmicos. Toda essa reflexão conduz à seguinte concepção exarada por Freire (1997): “quem forma se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”. Nesse sentido, ensinar não é transferir conhecimentos e conteúdos para meramente formar o cidadão; é, sim, uma ação à qual o sujeito dá forma e estilo, não se reduzindo à condição de objeto um do outro – quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Nessa visão, a formação docente faz deslocar sempre o pensamento e a ação, pois a reflexão do pensar, aliada ao fazer, tem possibilitado, dia a dia, incorporar a análise de saberes fundamentais advindos da prática pedagógica e, sobretudo, a convicção necessária de que retornar à temática não é simplesmente repetir o que já foi anunciado, mas, especialmente, considerar a relevância do como e do porquê se volta à realidade e quais conjuntos de objetos estão direcionando, nesse momento, a curiosidade – a (in)certeza das possibilidades e dos limites que vão ampliando as noções e convicções, o que se constrói pela pesquisa quando entrelaçada ao estudo permanente (o ler e o escrever) como possibilidade de se fazer história e de se anunciar no mundo. Compreende-se, então, que entre estar professor e se fazer professor há um espaço que deve ser preenchido reflexivamente, conscientemente. Um espaço mobilizador dos saberes da experiência, como alerta Pimenta (1997); um espaço que irá, por certo, permitir a busca de novos significados ao fazer docente, com autonomia e responsabilidade, num processo emancipatório crescente. Destarte, os professores serão considerados como parte essencial na construção de uma escola que inclua, acima de tudo, as crianças e os jovens e que os eduque com qualidade, propiciando-lhes um desenvolvimento cultural que lhes assegure a formação para enfrentar as exigências do mundo contemporâneo. É premente a existência de condições para que, com base na análise e na valorização das práticas, criem-se novas formas de aula, de trabalho dos professores e dos alunos, que sejam coletivas, com currículos interdisciplinares, enfim, uma escola rica de material e experiências, com espaço de formação contínua. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados preliminares apontam que a história de vida dos sujeitos passa pela valorização da família, é marcada pela trajetória escolar, mediada pela religiosidade e revela as dificuldades no registro de sua própria história. Os memoriais analisados trazem marcas dos teóricos, das atividades e docentes que marcaram a trajetória acadêmica e apontam indicativos para avaliação e reflexão sobre a necessidade de reorganização da proposta pedagógica e de formação de professores formadores e professores em formação no Curso de Pedagogia. Esse processo interativo ocorrido entre pesquisador e pesquisado foi um caminhar eminentemente pedagógico, uma vez que permitiu, ao pesquisado, construir novos significados à sua existência, por meio da consciência que foi tomando das diversas mediações que ocorreram na construção de sua existência. O processo permitiu, ao professor, reordenar o pensamento e reconstruir novos modos de agir pela reconfiguração de sentidos que, necessariamente, decorre de um processo compreensivo. Enfim, investigar a memória de professoras e professores por meio de memoriais sobre seus primeiros tempos de vida na escola constitui uma tentativa de captar semelhanças e diferenças nos seus modos de rememoração, servindo de base, não no sentido de mostrar-lhes o como fazer, mas colaborar para que esses professores em formação e/ou em serviços possam encontrar motivação para reinventarem e reconstruírem suas práticas pedagógicas por meio da pesquisa formação. REFERÊNCIAS: BASTOS, Maria Helena Camara. Memoriais de professoras: reflexões sobre uma proposta. IN: MIGNOT, Ana Chrystina V.; CUNHA, Maria Teresa Santos (Org.). Práticas de memória docente. São Paulo: Cortez, 2003. p. 167. CATANI, Denice Bárbara. et al. Docência, memória e gênero. 4ª. Ed. São Paulo: Escrituras, 2003. FREIRE, Paulo. 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Campinas, SP: V.18, n. 2, maio/ago, 2007. Professora Doutora e Pró reitora de Ensino e Extensão do Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN – MS. * Grupo coordenado pela Professora Doutora Lucrécia Stringueta Melo, orientadora na linha de pesquisa nos Cursos de Pós Graduação Stricto Sensu de Mestrado e Doutorado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. 1