CULTURA, EDUCAÇÃO E “SEGURANÇA PÚBLICA” OU BEM-VIVER SOCIAL
Maria Cristina da Silva Gioseffi1
RESUMO: O texto apresenta idéias de cultura para gestão e criação de novos sentidos para a
Educação. Trata-se de uma compreensão mais abrangente desses termos. Entender o que é
cultura depende de educação? Ou será o contrário? Atuando em uma Organização Social que
nasce em íntima relação com a arte teatral, percebemos a “descontinuidade”, entre esses
“planos de significados”: cultura e educação. O sentido de cultura permite desdobramentos:
Kultur, Culture, Civilisation, entre outros. No entanto, a compressão deste conceito se
distancia, cada vez mais, da sua etimologia: cultura deriva da natureza. Para K. Marx o ser
humano está alienado da natureza, dos outros homens e de si mesmo porque se tornou incapaz
de perceber o poder criativo do Trabalho. Então, pensamos a Educação, o Trabalho e a
Cultura como um Projeto Criativo para o Bem-Viver Social.
PALAVRAS-CHAVE: Educação, Culturas, Trabalho, Gestão Pública, Segurança.
INTRODUÇÃO
Diversos sentidos e definições são dados à palavra cultura. Cultura, culturas,
representações sociais, imaginário cultural: são formas de usar palavras como referência para
a compreensão dos acontecimentos ou manifestações culturais. A toda manifestação humana
se pode atribuir um significado cultural. Diante do desafio de conceituar as práticas sociais ou
as ações humanas que criam fatos, acontecimentos, tecnologias, enfim, que fazem história,
apresentar-se-ão o pensamento de alguns estudiosos. Entre eles, T. Eagleton (2005), R. Firth
(1975), C. Geertz (2001, 1997, 1989), S. Hall (2006, 2003), R. Laraia (1989), M. Mauss
(1974), M. Sahlins (1990), J. L. Santos (1991), M. Weber (s/d), Da Matta (1997, 1983).
Para a discussão central do termo o foco será a distinção entre as idéias de “Cultura” e
“culturas” ou, as idéias de civilização e de cultura. Destacando-se no pensamento de Eagleton
(2005), a trajetória histórica dessas duas ideologias ou concepções, seu aparente afastamento
pelos discursos nas diversas linhas de pensamento e sua inevitável aproximação, como
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Coordenadora de Projetos Sócio-culturais do Instituto Galpão da Gamboa. [email protected]
portadoras de âmbitos diferenciados de ação, identidade, reconhecimento e pertencimento
social.
Cultura e Educação para o Bem-Viver Social, tal indicação impõe perguntas: Como
tornar os sentidos de cultura um “consenso de significação” para que se criem ações do
Estado, dos estados e dos municípios, que revertam para um processo de identificação,
reconhecimento e preservação sócio-cultural ancoradas pelo exercício de cidadania? E como
fazer para que este “consenso” seja um estímulo que efetive mudanças de consciência, social
e individual, acerca das transformações que precisam ocorrer em relação às “reais” condições
de existência das populações marginalizadas ou de baixa renda?
Entende-se que a educação, como forma de conhecimento e autoconhecimento, seja o
estímulo ou a esperança necessária para qualquer transformação da existência individual e
social, embasada pelos sentidos de uma cidadania plena que reverta para um bem-viver a vida
social. Isto porque se acredita que somente indivíduos conscientes e críticos em relação ao seu
estado social podem transformar as condições de dominação e de opressão que se reproduzem
estruturalmente.
“Consenso de significação”, apenas para gerar ações integradas entre as diferentes
instâncias do poder. Algo que estabeleça certa unidade de pensamento no intuito de mobilizar
as vontades para que a vida seja melhor! Pensa-se no tema Educação/Cultura, para estabelecer
a possibilidade de diálogo. Para começar os termos dessa conversa em um clima que propicie
a empatia entre os agentes, contribuindo desta forma, para a cooperação entre todos os
envolvidos. E em se tratando de educação/cultura talvez sejam poucas as discordâncias sobre
a sua importância na vida ─ política, econômica e social ─ dos indivíduos.
É por isso que a ação e o debate cultural não podem desprender-se dos aspectos sócioculturais, das condições de vida da população, das carências vitais das comunidades. As
culturas sonham, as expressões culturais são a materialização dos sonhos humanos. São a
resistência e a esperança, mas a preservação da cultura, o ver-se a si mesmo em importância,
exige educação. Porque esta é a valorização e conscientização dos seres em suas muitas
dimensões e possibilidades.
A educação, como exercício de cidadania, resgata identidades, cria vínculos
comunitários. Ela ensina a reconhecer a importância dos laços tradicionais e, também, a partir
dela aprende-se a exigir reconhecimento, respeito, integridade, dignidade. Quando se fala em
preservação da cultura não se pode deixar de pensar em preservação dos tecidos sociais.
Preservar a dignidade humana faz com que uma nação tenha sentido de preservação.
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Ao permitirmos o abandono e a carência de cidadania de tantos jovens e crianças,
criamos seres que perderam o significado sobre a preservação da sua vida e, também, sobre a
dos outros. Então, o princípio básico de toda preservação é a auto-estima, pessoal e social. E
isso somente a educação ─ o conhecimento e o saber ─ faz.
Contextualmente, quer dizer, na realidade vivida, lidamos, permanentemente, com
conflitos, dissensões, desconexões ou descontinuidades entre planos de sentidos ou
expressões. Culturalmente lidamos com a descontinuidade entre “as palavras e as coisas”
(FOUCAULT, 1987, 1995). Descontinuidade entre posições, lugares, e topografias
historicamente construídas.
Socialmente, digamos assim, observam-se as diferenças de classes, suas dominações,
polarizações econômicas ou produtivas, hierarquizações salariais. Enfim, vivemos a história
das lutas de classe que a cada tempo se revigora adaptada às necessidades culturais, às
mudanças de subjetividades, às tecnologias de última geração, aos modos de viver. Neste
sentido, Karl Marx continua tendo razão, pois para este sociólogo, a maneira como as
sociedades produzem determinam as relações sociais.
Toda esta parafernália das tecnologias virtuais e de informação que, embasbacados,
com razão admiramos, provocou e provocam em cada dia, revoluções no modo de viver ou
nas culturas. Contudo, todo movimento social e político é, em última instância, econômico. A
idéia de “última instância” deve ser entendida como a ponta do iceberg, aquilo a que as
ciências políticas e sociais dão maior importância como sendo o aparato ideológico da classe
dominante: Estado + Capital. A superestrutura em contraposição a infraestrutura,
marxistamente falando.
E invertemos propositalmente o modelo marxista alocando o “econômico” também na
superestrutura devido ao avanço do Modo de Produção Capitalista, sua complexidade em
termos de hierarquização dos indivíduos, das classes econômicas e, principalmente, pelo
redimensionamento das subjetividades neste estágio atual do “capitalismo avançado”
(JAMESON, 1995).
Em se tratando de ideologias, se destaca as noções de “visão social de mundo” ou de
“orientações cognitivas” para falar sobre os sentidos sociais que movem as subjetividades
individuais (LÖWY, 1989).
Fredric Jameson (1995) utiliza o conceito de “mapeamento cognitivo”, que, segundo
ele, serve como uma “palavra código” para consciência de classe. Tal expressão se refere à
emergência de uma nova práxis capaz de efetivar estratégias políticas, sociais e econômicas
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que retomem as questões de representação e dos sentidos da comunidade; “uma nova visão de
comunidade e de solidariedade capazes de redirecionar um gesto utópico para o futuro” (p.
56).
O termo “mapeamento cognitivo” indica “a necessidade de uma consciência de classe
de um tipo novo e até então inimaginável” (JAMESON, 1995, idem). Para este pensador, o
conceito ressalta a importância dos diferentes níveis de abstração, modos de subjetividade e
experiência, que formam as consciências nas classes sociais dentro do modo de produção
capitalista em seu estágio atual.
Indivíduos estão imersos em produção cultural, em experiências e modos de
subjetividades espacialmente contextualizadas e relacionadas à estrutura temporal, aos
sentidos diacrônicos e sincrônicos das culturas. Estes sentidos remetem ao sistema e
constituem um mapa conceitual do mundo. Esse mapa conceitual da realidade orienta as
consciências em suas maneiras de interpretar os significados culturais ─ valores,
comportamentos, habitus ─ determinando as ações dos indivíduos na realidade.
Diferentes níveis de abstração, modos de subjetividade e experiência, tais noções
apontam, de certo modo, para sentidos “imateriais” e significações “interiores”. Apontam para
os imaginários das culturas. Aqui se observa que estes são também poderes liminares,
“marginais”, lúdicos e transgressores, que propiciam ou impõem, pelas “re-significações”
culturais, mudanças nas mentalidades (SAHLINS, 1990). As culturas, assim pensadas, podem
ser movimentos dos infernos, dos carnavais, dos malandros e dos heróis cotidianos. Daí as
resistências, as permanências, as mudanças e a esperança.
As ondas de renovação tecnológico-culturais são produtos do Modo de Produção
Capitalista, da oposição fundamental entre Trabalho e Capital. Esta contradição faz com que a
“existência” ainda se dê à custa do lucro pela exploração do trabalho humano: de homens,
mulheres e até, na pior das hipóteses, de crianças. Por isso, qualquer discussão para se vencer
a pobreza, a miséria, a opressão de uma vida marginal na qual os jovens são lançados,
unicamente, por falta de oportunidade ou opção, não pode ser resumida pela criação de
bolsas: salário, alimentação etc. Porque isso é maquiagem e na melhor das hipóteses medida
emergencial. Porque isso é reprodução da dominação e negação da tentativa de
transformação.
Por esta razão o objetivo principal é estudar o sentido de educação atrelado aos
significados culturais, às manifestações culturais, tecnologias, modos de viver e de sentir o
mundo. E pensar a educação em sua expressão de formação e de informação, criando
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oportunidade de decisão sobre os usos e desusos das habilidades humanas. Pensar a educação
como oportunidade de crescimento pessoal e social.
Socialmente os indivíduos pensam a educação também como preparação para o
trabalho produtivo ─ aquele que dá ao indivíduo reconhecimento social e que, por isso,
hierarquiza os indivíduos.
Entender o trabalho como possibilidade de liberdade e criação, e não apenas como
ferramenta para a dominação porque a maior parte dos indivíduos, no Modo de Produção
Capitalista, “tá dominado”, em algum nível, pelo capital e suas ideologias. E isso serve tanto
para o Estado de Bem Estar Social no Norte civilizado, quanto vale para as existências sociais
abaixo da linha do Equador. De formas diferenciadas os “homens” estão alienados da sua
condição produtiva, ou do seu trabalho.
Para K. Marx o trabalho é a expressão do espírito humano nas culturas, nos tempos e
nos espaços. É atividade vital: ação criativa e criadora de valores materiais e espirituais,
enfim, de cultura. Para este filósofo
(...) o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza,
processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e
controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a
natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de
seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos
da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana (MARX, 1985, p.
202)
Homens não são apenas natureza, ao transformá-la criam cultura. Criam as técnicas, as
máquinas, as tecnologias e desejos que empurram a vida e fazem história. Ainda de acordo
com K. Marx,
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera
mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior
arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de
transformá-la em realidade ao construir sua colméia. No fim do processo do
trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação
do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele
imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual
constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem que
subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do
esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se
manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho. (idem, p. 202)
Esta combinação entre consciência, ação e vontade torna a energia da força de trabalho
humano, esse dispêndio de forças “físicas e espirituais”, inigualável, incomparável. São
indivíduos em ação cultural.
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No entanto, Para Karl Marx o homem está alienado do produto do seu trabalho. Então,
ele diz que o trabalhador quanto mais riqueza produz, mais pobre se torna. Diz ainda, que o
trabalhador se transforma em mercadoria porque as ações humanas construtivas não são vistas
como criadoras de um mundo material. Assim, ao invés de valorizar o “mundo dos homens”
ou das coisas criadas pelos homens, valorizam-se o “mundo das coisas”. Dessa forma,
transforma-se o “mundo dos homens” em uma relação “fantasmagórica”, uma relação entre
coisas, entre mercadorias.
No modo de produção capitalista a divisão social do trabalho impede que o empregado
perceba o valor da quantidade do seu trabalho em cada mercadoria. As etapas do processo
produtivo fracionam a percepção do trabalhador como criador de uma “mercadoria completa”,
digamos assim. Segundo Marx, “a própria atividade social [o trabalho] possui a forma de uma
atividade das coisas sob cujo controle se encontram, ao invés de as controlarem” (1985, p.
83). Por esta razão ele escreveu que os homens encontram-se alienados da natureza e das
relações com os outros homens porque os indivíduos estão alienados da sua força-de-trabalho.
Os indivíduos não são “donos” do seu trabalho porque este se encontra alienado na
forma de um salário, as ações humanas construtivas não são vistas como criadoras de um
mundo material. Por este motivo Marx disse ainda, que no modo de produção capitalista as
coisas ou mercadorias assumem o “controle” do mundo humano. Os homens não se vêm
como criadores das mercadorias. A inversão da realidade ocorre porque as mercadorias
produzidas pelos homens passam a “possuí-los”. Elas se transformam em “entidades” criadas
por uma força “superior”, que chamam de Mercado. Este passa a reger a vontade e os desejos
humanos. Trata-se, segundo ele, de uma relação metafísica e teológica, uma relação
“fantasmagórica” com os objetos que os próprios homens criam.
Então, o que se quer ressaltar em termos de trabalho humano é o seu sentido
filosófico, sua condição ontológica para a experiência da liberdade humana/social. O trabalho
em sua dimensão criativa, como fonte de mudança em relação à natureza, aos outros homens e
a si - mesmo. O trabalho como produção. O produto do trabalho como criação, dispêndio de
energia física e espiritual.
Por esta razão o objetivo específico deste estudo é pensar a escola como difusora de
Cultura e de culturas, agente civilizador e fonte estimulante das diversas expressões artísticas
e culturais da vida e dos contextos sociais.
A escola prepara os indivíduos para o trabalho, para se tornarem seres produtivos, para
fazerem parte da engrenagem capitalista. Seria hipocrisia omitir este fato. Os filhos de classes
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sociais diversas se preparam para ocuparem seu lugar na cadeia de produção. E o que
acontece é que os filhos das classes mais necessitadas não podem se preparar de maneira
satisfatória, ou em condições iguais. Por isso a escola pública deve inovar reunindo as idéias
de Cultura e culturas, seduzindo meninos e meninas para permanecerem nas escolas.
Aprendendo a ver o conhecimento como única possibilidade de mudança. Tornando a vida
arte e cada menino/menina um artista, criador do seu destino.
O termo cultura estimula muitos sentidos e sentimentos, faz pensar sobre diversas
coisas o que, inevitavelmente, cria expectativas variadas. Conseqüentemente, as expectativas
geradas impõem idéias a serem colocadas em prática. O que exige um maior cuidado dos
gestores em geral, e neste caso, das pessoas ligadas à Cultura. O difícil é encontrar maneiras
mais apropriadas e eficazes para se gestarem as idéias, os sentidos e significados das práticas
culturais. Gerir e produzir ações que não se oponham aos sentidos criados socialmente. É
preciso, então, dialogar com certas concepções de cultura.
Nas Ciências Sociais, fala-se em cultura no sentido da diversidade humana. Para o
pesquisador social todos os povos criam cultura, quer dizer que criam formas de organizar e
manter a vida-em-comum. Ao pensar em cultura é preciso ter em mente os aspectos humanos
“em toda a sua riqueza e multiplicidade de formas de existência” (Santos, 1991, p. 7).
No final do século XVIII e no princípio do século XIX, o termo germânico Kultur, era
empregado para significar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, podendo ser
traduzido por civilização. Em francês, a palavra civilisation é referida ao “ato de civilizar-se”,
ou diz respeito, “ao conjunto de características próprias à vida intelectual, artística, moral e
material de uma sociedade” (Dicionário Larousse, 1990).
O “ato de civilizar-se” denota, também, uma idéia de refinamento. Tomada neste
sentido, algumas pessoas consideram que ter cultura é poder desfrutar de práticas que se
relacionam com o poder aquisitivo de certos grupos ou camadas sociais mais abastadas. Por
exemplo, viagens ao exterior, concertos de música clássica, visitas a museus e assistir à ópera,
são considerados aquisição de cultura. Desta forma, separa-se a “cultura erudita” da “cultura
popular”, sendo Cultura apenas a primeira. Esta maneira de pensar cria uma hierarquização e
uma separação, distinguindo as manifestações artísticas populares como se estas não fossem
formas de representação artística.
Edward Tylor (1832-1917), antropólogo inglês, sintetizou no vocábulo Culture a
complexidade da palavra, “que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou
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qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma
sociedade” (Tylor, 1871, p. 1, apud, LARAIA, 1989, p. 25).
Para sociólogos e antropólogos, cultura é um conceito abrangente, “que diz respeito à
humanidade como um todo e ao mesmo tempo a cada um dos povos, nações, sociedades e
grupos humanos” (SANTOS, 1991, p. 8). Os sentidos ou significados culturais estão referidos
às práticas, aos hábitos e costumes de uma comunidade. Santos (idem), explica que,
(...) cada realidade cultural tem sua lógica interna, a qual devemos procurar
conhecer para que façam sentido as suas práticas, costumes, concepções e as
transformações pelas quais estas passam. É preciso relacionar a variedade de
procedimentos culturais com os contextos em que são produzidos
(SANTOS, 1991, p.8).
Uma cultura deve ser pensada como um “sistema” multirreferencial onde entram em
relações campos abrangentes de significação ou sentidos sociais, sejam eles: econômicos,
artísticos, religiosos, educativos, afetivos, familiares, etc. A este sistema de interações
significativas — ou sistemas culturais — damos o nome de “realidade”, ou realidade social.
Eagleton (2005), ao demonstrar a complexidade do termo cultura, lembra por diversas
referências etimológicas, que o conceito de cultura deriva do conceito de natureza. Então,
aquilo que pensamos ser a expressão máxima das capacidades artefáticas, artísticas,
tecnológicas e espirituais dos seres humanos; transverte-se desnudada em natureza. Em
formas que se pensam “puras” ou rudes, agrestes, indomadas, silvícolas, incivilizadas. ”Nossa
palavra para a mais nobre das atividades humanas, assim, é derivada de trabalho e agricultura,
colheita e cultivo” (EAGLETON, 2005, p.9-10).
Esse sentido de cultura como trabalho e natureza, como produção e possibilidade,
razão e paixão, racionalidade e espontaneidade, aproxima o pensamento de Eagleton e de
Marx, no sentido de criar um campo de compreensão para a educação, a cultura e o trabalho
como atividades criativas, artísticas e, porque não dizer, produtivas. Além disso, a idéia de
cultura e de natureza observadas como conceitos que se derivam e se complementam em suas
ambivalências, transversões e transgressões, atualiza o sentido ontológico da história ou do
fazer político. Neste sentido, “o que a cultura faz, então, é destilar nossa humanidade comum
a partir de nossos eus políticos sectários, resgatando dos sentidos o espírito, arrebatando do
temporal o imutável, e arrancando da diversidade a unidade” (EAGLETON, 2005, p.18).
Os sentidos sociais se representam pelas atitudes e pelos comportamentos. E os
valores que movem os indivíduos dizem respeito tanto à objetividade quanto às subjetividades
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humanas. Manifestações culturais são as formas dinâmicas de todo processo histórico porque
é ação humana.
Ações criam significados, constituem fatos e promovem mudanças quando
possibilitam o conhecimento. Por isso, o entendimento sobre o que é cultura, e sobre a sua
importância para um povo, depende da educação. A educação cria a ponte entre os desníveis,
entre os diversos desnivelamentos sociais. A educação cria oportunidade entre as diferenças
de recursos, de acesso, de realidades. Ela cria possibilidade, que é esperança realizável,
porque torna meios em fins; diferentemente de dar os fins sem permitir que se escolham os
caminhos.
Educar é estimular a descoberta dos meios, dos modos diversos de se fazerem coisas.
Educar é estimular a criatividade para que os indivíduos se descubram cidadãos. É cultivar a
esperança. É ensinar um povo sobre a sua maturidade, quer dizer, ensinar a se perceber
historicamente. Uma nação madura simplesmente porque aprendeu a fazer escolhas: O que
preservar? O que valorizar? Que história contar sobre nós mesmos? Que escolhas fazer? O
que ser quando crescer? Como saber sem educar?!
Para criar, mover, produzir e crescer é preciso encontrar o sentido ontológico do
conceito de trabalho em Marx. Entender sobre o que une os homens enquanto entes, para
compreender o que os afasta enquanto seres culturais. Então, pode-se olhar a colcha de
retalhos da história, o bricolage de tecidos, de texturas e de cores, e perceber as diferenças, as
emendas, os espaços mal preenchidos ou os vazios a serem aproveitados pelo uso, pela lida e
pela “eterna” contradição entre os principais termos da estrutura social. Atentar para as
rupturas, as rusgas e, principalmente, para os consentimentos de ajuste. Ver a colcha e os
retalhos que a compõem, o universal e o contextual, “Civilização” e cultura (EAGLETON,
2005). Aprender a jogar este jogo da vida e da morte, do sempre e do agora, do global e do
local.
Para afastar qualquer dúvida sobre o que está sendo dito e proposto (1) de que o
trabalho é força criativa, produtiva e artística e, principalmente, (2) de que a educação aliada à
cultura pode transformar a maneira de como os jovens, principalmente de baixa renda
percebem a escola e se percebem como cidadãos, ou seja, como indivíduos que se
reconhecem e são reconhecidos culturalmente, o que provocaria uma mudança positiva na
estima pessoal e social. É importante explicitar algumas questões críticas do texto “As Prisões
da Miséria”, de Löic Wacquant (2001), que contrapõem, como um sinal de alerta, certas
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idéias que aqui se destacam. Entre elas, sobre o trabalho como condição transformadora e
sobre os sentidos de “segurança pública”.
Logo no princípio do livro, em sua “Nota aos leitores brasileiros”, Wacquant assinala
um paradoxo do sistema econômico vigente; trata-se, segundo ele, da “penalidade neoliberal:
“um ‘mais Estado’ policial e penitenciário” para “o ‘menos Estado’ econômico e social que é
a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os
países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo” (2001, p.7).
O Estado é, primordialmente, a expressão do poder coercitivo. Wacquant observa que
a ideologia de combate a delinqüência reafirma a “onipotência do Leviatã no domínio restrito
da manutenção da ordem pública” (2001, p. 7). Esse sentido coercitivo torna-se, então, mais
aparente e obtuso diante da incapacidade do Estado “de conter a decomposição do trabalho
assalariado” (idem). Decomposição esta causada principalmente pela “hipermobilidade do
capital” (ibidem). Nestas circunstâncias toda a sociedade é desestabilizada.
O estado de insegurança gerado pela “ideologia do mercado-total vinda dos Estados
Unidos” provoca, nas elites, uma reação de compensação ─ aliada à necessidade de autoconservação e manutenção do status, dos poderes etc. ─ que exige cada vez mais “segurança”.
Assim, as funções do Estado econômico e social são minorizados pela glorificação do Estado
penal. A idéia de segurança se resume “à mera dimensão criminal”, ignorando no sentido da
palavra segurança qualquer resquício que denote um esforço comum, guiado pelos valores de
justiça social e solidariedade, para se tratar o problema da miséria (Wacquant, 2001, p.7-p.8).
Em se tratando da sociedade brasileira o autor citado diz que o perigo é ainda maior,
(...) a penalidade neoliberal ainda é mais sedutora e mais funesta quando
aplicada em países ao mesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de
condições e de oportunidades de vida e desprovidos de tradição democrática
e de instituições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do
trabalho e do indivíduo no limiar do novo século (Wacquant, 2001, p.7).
Para Wacquant (2001), europeus e americanos sofrem os efeitos de uma “escalada
moral” contra os pobres. Tal escalada moral embasada pelos apelos de segurança pública, que
na América do Norte foi representada pelo slogan de “tolerância zero”, exibida pelo prefeito
de Nova York, Rudolph Giuliani, seria a grande empreitada contra a delinqüência juvenil ou
contra a “propensão” para a marginalidade que se observa em relação às classes de baixo
poder aquisitivo. Tal ideologia se apóia na concepção de que “lutando passo a passo contra os
pequenos distúrbios cotidianos que se faz recuar as grandes patologias sociais” (p.25).
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Para esses ideólogos do Mercado-Total ou neoliberais, as “patologias sociais”, entre
elas, a “incivilidade”, a delinqüência juvenil e a violência urbana, podem ser facilmente
localizadas nos bairros pobres das grandes cidades. E a causa desses desvios é o excesso de
generosidade do Estado providência, americano e europeu, “que recompensa a inatividade e
induz a degenerescência moral das classes populares” (Wacquant, 2001, p.22).
O Marketing Neoliberal da “tolerância zero” cruzou os oceanos e arrematou
simpatizantes em todo canto do globo. Em Paris, Londres, Estocolmo, Brasília, Buenos Aires,
Frankfurt. No ano de 1998, o presidente do México, apresenta a “‘Cruzada nacional contra o
crime’”; na Itália a “‘moda repressive’” faz sucesso desde 1997. Os governos da África do
Sul, Nova Zelândia, Áustria e Canadá aderem a esse movimento implacável de guerra à
pobreza: delinqüentes, sem-tetos, mendigos, invasores estrangeiros e outros marginais.
Essa onda de normatização e punição para a “natural” tendência criminosa dos pobres
estimulou, uma vez mais na América, a idéia de que as desigualdades raciais e de classe se
refletem nas diferenças de capacidade cognitiva dos indivíduos. Cabe destacar Wacquant
(2001), no intuito de elucidar a parafernália ideológica que alicerça tal argumento,
Segundo The Bell Curve, o quociente intelectual determina não apenas
quem entra e tem êxito na universidade, mas ainda quem se torna mendigo
ou milionário, quem vive nos sacramentos do matrimônio em vez de numa
união livre (‘as uniões ilegítimas ─ um dos mais importantes problemas
sociais de nossa época ─ estão fortemente ligadas ao nível de inteligência’),
se uma mãe educa convenientemente seus filhos ou se os ignora, e quem
cumpre conscienciosamente seus deveres cívicos (‘as crianças mais
inteligentes de todas as classes sociais, mesmo entre os mais pobres,
aprendem mais rápido como funciona o Estado e são mais suscetíveis de se
informar e discutir assuntos políticos e deles participar) (p.24).
A citação acima, às avessas, remete às questões de oportunidade, exercício da
cidadania, reconhecimento e dignidade social. Dissemos sobre a importância da Educação
para os indivíduos e, principalmente, para os meninos/meninas das classes menos
privilegiadas. Diferentemente dessa ideologia do QI (quociente de inteligência e não “quem
indica”, porque esta se adéqua melhor a nossa realidade), estamos reforçando a importância
da igualdade de oportunidade educacional, porque compreendemos que esta é a melhor (ou
talvez única) forma de diminuir os déficits provocados pela situação de carência social,
política e econômica de alguns grupos sociais.
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Outro ponto destacado pelo autor supracitado e que atravessa diretamente nossas
proposições acerca da importância do trabalho como fonte de oportunidade, criação e escolha,
deve ser observado.
Wacquant (2001) explica que juntamente com a visão penal e punitiva para a pobreza,
a elite estatal, quer dizer, as classes dominantes (remetendo para a concepção marxista Estado
+ Capital), ignoraram a concepção do Estado Social ─ de seguridade e garantia sobre as
condições do bem-estar comum na educação, na saúde, na proteção aos menos favorecidos ─
e transformaram a ideologia e todo o arcabouço institucional do welfare em workfare. Assim,
(...) se o estado deve evitar ajudar materialmente os pobres, deve todavia
sustentá-los moralmente obrigando-os a trabalhar; eis o tema, canonizado
desde então por Tony Blair, das ‘obrigações da cidadania’, que justifica a
mutação do welfare em workfare e a instituição do trabalho assalariado
forçado em condições que ferem o direito social e o direito trabalhista para
as pessoas dependentes das ajudas do estado (...) (p.43).
Impor o trabalho assalariado de miséria seria, então, a missão do “Estado Punitivo
Paternalista”, acrescenta Wacquant (2001). E para elucidar ainda mais o que se quer propor,
em contraposição ferrenha ao que nos apresenta criticamente este autor, citamos
(...) essa visão ultraliberal coexiste curiosamente com a concepção
autoritarista de um estado paternal que deve ao mesmo tempo fazer respeitar
‘civilidades’ elementares e impor o trabalho assalariado desqualificado e mal
remunerado àqueles que não o desejem. Trabalho social e trabalho policial
obedecem assim a uma mesma lógica de controle e re-educação das condutas
dos membros fracos ou incompetentes da classe trabalhadora
(WACQUANT, 2001, p. 47).
Daí a importância de se explicitar a idéia de Cultura como civilização e de cultura
como manifestação artística e criativa, como poder de resistência e transgressão.
A idéia aqui defendida é para que a Educação-pública inove em suas práticas
formativas e informativas, que não desconsidere os contextos culturais, mas que pelo
contrário, valorize as expressões comunais e as diversidades culturais das populações e que
respeite os currículos tanto quanto as vocações artísticas e culturais dos indivíduos. Uma
educação crítica voltada para o exercício da cidadania, para este aprendizado de ser ouvido,
reconhecido, estimado e, principalmente, estimulado pelos ganhos sócio-econômicos de ser
um “cidadão de bem”. Afastando das famílias de comunidades carentes o fantasma, ou na pior
das hipóteses o veredicto, da reprodução da pobreza (não apenas econômica, mas daquela que
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impossibilita tentar, sonhar, conhecer, ser), da marginalidade ou da morte prematura de seus
filhos.
Se tal idéia parece conservadora ela é, porque também se educam os filhos das classes
médias e altas, para conservarem a estrutura social. Para “vencerem” economicamente, “para
ser alguém”. Em uma palavra para serem reconhecidos socialmente. Educam-se os filhos para
afastá-los da marginalidade. Então, o que se propõe é igualdade de oportunidade no presente,
para que escolhas possam ser feitas no futuro.
O tema Cultura, Educação e “Segurança Pública” ou Bem-Viver Social, se refere a
esta dimensão das possibilidades re-significativas das culturas. Precisamos reinventar a
educação brasileira. Inventar nossa maneira de ser educacional com os parâmetros históricos
da nossa gente. Desta forma, a idéia de segurança não se resume “à mera dimensão criminal”,
o que se privilegia no sentido da palavra segurança são os valores de justiça social e de
solidariedade, para tratar o problema da miséria. Ao usar o termo “segurança pública” se está
referindo ao desejo de paz social, ao respeito à diferença, às diversidades e aos contextos, em
prol de um bem-viver que todos merecem.
Precisamos casar urgentemente educação e culturas. Trata-se de um novo tipo de
união onde as diferenças sejam respeitadas e aceitas, e não disputadas, nem eliminadas. É
preciso encontrar outras formas de educar, onde se escute os anseios dos jovens e se respeite
seus saberes geracionais, além das suas condições sociais. É preciso encontrar maneiras de
facilitar esses diálogos entre educadores e jovens. E que seja realmente um diálogo, ao invés
de um monólogo. Sem dúvida, os interesses e as expressões culturais são capazes de criar
links ou planos de entendimento, facilitando o início da conversa: criando assuntos, empatias,
afinidades; enfim, gerando encontros e conhecimentos partilhados, compartilhados.
Aprendidos em comum.
Não existem etapas a serem cumpridas. Nosso processo educacional já demonstrou
que é preciso uma revolução criativa. Uma revolução à maneira dos artistas de toda arte:
artesãos, músicos, repentistas, cantadores de cordéis, rappers, pintores, bonequeiras,
rendeiras, escritores, compositores, tocadores, foliões, sambistas, passistas etc.
A educação pode se tornar também um fazer criativo, uma força de resistência e de
preservação do nosso melhor patrimônio: a genialidade de ser brasileiro. Criando cultura para
fazer a diferença.
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CULTURA, EDUCAÇÃO E “SEGURANÇA PÚBLICA