UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
MARIA CRISTINA DO AMARAL MOREIRA
A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM
CIÊNCIAS EM UMA COLEÇÃO DIDÁTICA DE CIÊNCIAS
RIO DE JANEIRO
2013
Maria Cristina do Amaral Moreira
A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM
CIÊNCIAS EM UMA COLEÇÃO DIDÁTICA DE CIÊNCIAS
Tese de doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação em Ciências e Saúde do
Núcleo de Tecnologia Educacional para
a Saúde da Universidade Federal do Rio
de Janeiro como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor em
Educação em Ciências e Saúde.
Orientador: Prof.ª Dr.ª Isabel Martins
RIO DE JANEIRO
2013
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial desta tese
para fins de estudo e pesquisa, desde que a fonte seja citada.
M838r Moreira, Maria Cristina do Amaral.
A recontextualização do discurso da pesquisa em educação
em ciências em uma coleção didática de ciências. / Maria Cristina
do Amaral Moreira. – Rio de Janeiro: UFRJ/NUTES, 2013.
169 p.; 30 cm.
Orientadora: Isabel Martins.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Programa de
Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde, Rio de
Janeiro, 2013.
Referências bibliográficas: f. 148-160.
1. Ensino de ciências. 2. Livro didático - Avaliação. 3.
Tecnologia Educacional em Saúde - Tese. I. Martins, Isabel. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, Pós-Graduação em Educação em
Ciências e Saúde. III. Título.
Maria Cristina do Amaral Moreira
A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM
CIÊNCIAS EM UMA COLEÇÃO DIDÁTICA DE CIÊNCIAS.
Tese de doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação em Ciências e Saúde do
Núcleo de Tecnologia Educacional para
a Saúde da Universidade Federal do Rio
de Janeiro como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor em
Educação em Ciências e Saúde.
Aprovada em ________________________.
__________________________________________________
Profa. Dra. Isabel Gomes Rodrigues Martins – UFRJ
__________________________________________________
Prof. Dr. Orlando Gomes de Aguiar Junior – UFMG
__________________________________________________
Profa. Dra. Sandra Lucia Escovedo Selles – UFF
__________________________________________________
Profa. Dra. Laísa Maria Freire dos Santos – UFRJ
__________________________________________________
Profa. Dra. Rita Vilanova Prata – UFRJ
Para
Jaime, Maria Helena e Fred
AGRADECIMENTOS
Finalizar um trabalho de tese é algo que tem uma dimensão muito solitária, com
muitos percalços no caminho, mas por outro lado esse trabalho não teria sido
concluído sem a ajuda de muitos professores, colegas, amigos e familiares.
Devo muito ao grupo LEME do NUTES/UFRJ, às muitas segundas-feiras de
extensos debates. Tratando-se de um grupo em formação, como integrante tenho
muito a agradecer, a começar pela professora Isabel Martins que acima de tudo
apostou em mim, incluindo-me no grupo como sua orientanda. Agradeço também
aos colegas Amanda Lima, Angélica Cosenza, Francine Pinhão, Mônica Lobo,
Simone Pinto, Téo Bueno, Laísa Freire, Cristina Cohen, Lucia Pralon, Luisa Vilardi,
Mirna Quesado, Lucia Lino, e aos professores(as) Guaracira Gouvêa, Luiz Rezende,
Flavia Rezende e Rita Vilanova que conviveram comigo mais de perto, tanto no
doutorado como em congressos, e muito contribuíram nas trocas de referenciais e
discussões sobre o meu trabalho.
Aos professores com os quais convivi nos cursos do NUTES: Miriam Struchiner e
Vera Helena de Siqueira, Alexandre Brasil, Flavia Rezende, Isabel Martins, Branca
Fallabela, o meu agradecimento.
Aos professores Orlando Aguiar Junior, Sandra Selles, Rita Vilanova, Laísa Freire
dos Santos e Guaracira Gouvêa, Simone Salomão e Isabel Martins vai um
agradecimento especial por contribuírem na arguição desta tese, aprimorando-a e
contribuindo para o campo de pesquisa em Educação em Ciências.
Aos professores(as)/autores(as) do livro didático Construindo Consciências, Carmen
De Caro; Mairy Loureiro dos Santos; Maria Emília de Castro Lima; Nilma Soares da
Silva; Ruth Schmitz de Castro e Selma Ambrozina de Moura Braga, Orlando Gomes
de Aguiar Junior e Helder de Figueiredo e Paula agradeço imensamente a
oportunidade de ter conhecido a obra que escreveram, de grande interesse para a
Educação em Ciências, em especial o meu reconhecimento aos dois últimos
professores pela disponibilidade de seu tempo, em participar de conversa preliminar
à realização da pesquisa.
Aos meus colegas de turma: Ana, Andrea, Carol, Juliana, Luziane, Marcus Vinicius e
Teo, companheiros sensacionais, um grupo aplicado com garra e disciplina para
acertar, a minha gratidão.
Aos funcionários da secretaria e de outros espaços do NUTES, Caio, Lúcia, Ricardo.
À minha instituição de trabalho, Escola Municipal José de Alencar, em especial as
diretoras Ana Paula e Heldenir e colegas que compreenderam o meu momento e
sempre me incentivaram, assim como os funcionários da escola.
Aos meus tios, Leda e José Golovac (agradecimento póstumo) pela paciência e
compreensão em todo esse momento de dor na família, todo o meu amor. A minha
prima Adriana e afilhada Nanda que se ressentiram da minha presença esses anos,
mas que respeitaram esse momento, o meu agradecimento. A Eliane
(agradecimento póstumo) e Luiz Felipe por estarem sempre por perto nas datas
mais marcantes de minha vida.
Ao meu amigo Marcus Vinicius Pereira que, além de parceiro nas discussões sobre
educação, foi meu companheiro, irmão, disponível em qualquer situação, o
agradecimento muito sincero.
Entre tantos amigos(as), gostaria de citar alguns que me ajudaram muito com suas
presenças, palavras e pensamentos positivos, como Renata, Tonico, Matti, Karin,
Maia, Andrea, Rô, Ciça, Fátima, Clarinha, Patrícia, Leila, Tânia, Juarez, Letícia,
Saulo, Silvana, Vicki, Angela Mascelani, Angela Dias, Mercedes, Gilda, Teca, Dirlei,
Tune, Ophélio, Cecy, Eduardo, Márcia, queridos, muito obrigada!
E, finalmente, aos meus pais e irmão (homenagem póstuma), fonte de admiração e
inspiração, a quem dedico essa tese.
Não é puro idealismo, acrescente-se, não esperar
que o mundo mude radicalmente para que se vá
mudando a linguagem. Mudar a linguagem faz
parte do processo de mudar o mundo. A relação
entre linguagem-pensamento-mundo é uma
relação dialética, processual, contraditória.
(FREIRE, 2001, p.68)
MOREIRA, Maria Cristina do Amaral. A recontextualização do discurso da pesquisa
em Educação em Ciências em uma coleção didática de ciências. Rio de Janeiro, 2013.
Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2013.
Adotando o enquadramento teórico-metodológico da Análise Crítica do Discurso
(ACD) de Chouliaraki e Fairclough (1999) e de Fairclough (2001, 2003), esta tese
investigou as relações entre a pesquisa em Educação em Ciências e o Ensino de
Ciências. Interessamo-nos pelos discursos da pesquisa e do ensino de ciências, na
centralidade do livro didático e no número expressivo desses materiais autorados
por pesquisadores do campo da pesquisa da Educação em Ciências. Nesse sentido,
a relação dialética entre pesquisa em Educação em Ciências e o Ensino de Ciências
nos permite entender práticas sociais em negociação. As trocas de ideias e opiniões
entre estas práticas sugerem bases de possíveis consensos, adesões, assim como
controvérsias, caracterizando limites e resistências entre discursos. A análise da
coleção didática Construindo consciências foi realizada em duas fases interligadas: a
análise de conjuntura, compreendendo a discussão das vertentes da pesquisa em
Educação em Ciências em confluência com políticas educacionais e influências do
mercado editorial, e a da análise textual, consistindo da busca por relações
intertextuais e interdiscursivas em seis excertos selecionados do livro didático.
Analisamos vocabulário, gramática, coesão textual e aspectos da linguagem que
caracterizam o discurso da ciência escolar em hibridização com os da pesquisa em
Educação em Ciências. Os resultados apontaram que pesquisas em Educação em
Ciências recontextualizadas no discurso da coleção didática contribuem para: a
inclusão da perspectiva do estudante; o entendimento do discurso da ciência como
prática social e institucional; a confluência de elementos da linguagem, tais como
agenciamento e processos relacionais, na dimensão social do conhecimento
científico; a valorização de atitudes emancipatórias coletivas; a aproximação
necessária entre linguagem científica e linguagem cotidiana, entre outros aspectos.
Observamos também consistentes articulações entre vertentes, tais como
Concepções Alternativas e Ciência-Tecnologia-Sociedade e o discurso da ciência
escolar, o que reflete uma hibridização de discursos em maior consolidação com
essas ideias para o Ensino de Ciências.
Palavras-chave: Análise crítica do discurso. Livro didático de ciências. Pesquisa em
educação em ciências. Educação em ciências. Hibridização de discursos.
MOREIRA, Maria Cristina do Amaral. The discourse of research in science education
embedded in the discourse of science textbook. Rio de Janeiro, 2013. Tese
(Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional
para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
The thesis examined the relationship between Science Education research and
Science Education, according to Chouliaraki and Fairclough (1999) and Fairclough
(2001, 2003) theoretical and methodological frameworks. We are interested in the
discourses of research and science education via textbook´s centrality and the
significant number of these materials authored by researchers from the field of
Science Education research. In this sense, the relationship between research in
Science Education and Science education is dialectic and, particularly, in this study,
constitutive of social practices in trading. Furthermore, the exchange of ideas and
opinions among these practices both suggest possible consensus, as expressed by
the bases of controversies characterizing limits and strengths, as well as adhesion
between discourses. The analysis aimed intertexts and interdiscourses in a textbook,
named Construindo Consciências for Elementary School (teacher's manual and
student´s book) through six excerpts from the book intersecting strands of research.
We analyzed vocabulary, grammar, cohesion and textual aspects of language that
characterize the discourse of school science in hybridization with the research in
Science Education. The results show that research in Science Education embedded
in the discourse of the textbook contributes to: the inclusion of student voice, the
possibility that the student has to learn socially, in understanding the discourse of
science as a social and institutional, in the various forms taken by the discourse of
science, at the confluence of language elements such as agency, relational
processes in the social dimension of scientific knowledge; in developing
emancipatory collective attitudes; approach required between the scientific language
and everyday language, among other things discussed in this thesis. We observed, in
our analysis that certain lines of research articulate better to the science school
discourse, which reflects a greater consolidation of ideas for the science education.
Keywords: Critical discourse analysis. Science textbook. Research in science
education. Science education. Hybridization of discourses.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1
Estratégias discursivas em cadeias intertextuais
38
Quadro 2
Tipos de processos relevantes na análise textual
41
Quadro 3
Livros didáticos autorados por pesquisadores do campo
da educação em ciências
44
Quadro 4
Formação acadêmica e ocupação dos autores de acordo com
48
a edição de 2010
Quadro 5
Os excertos selecionados para a análise da pesquisa
55
Quadro 6
Intertexto, pesquisador e estratégia discursiva da
assessoria pedagógica
97
Quadro 7
As ideias da pesquisa em educação em ciências no livro
didático
104
Quadro 8
Sequência de cientistas
115
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Percentagem de livros didáticos aprovados e autorados por
pesquisadores nos PNLD 2011 e 2012
22
Tabela 2
Número de páginas e distribuição em unidades e capítulos dos
volumes da coleção didática
52
Tabela 3
Número de ocorrências das seções na coleção didática 53
Construindo Consciências
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACD
Análise Crítica do Discurso
CTS
Ciência, Tecnologia e Sociedade
EC
Educação em Ciências
EJA
Educação de Jovens e Adultos
HCF
História da ciência e a filosofia
IBECC
Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura
IDEB
Índice de desenvolvimento da Educação Básica
LD
Livro Didático
LDB
Lei de Diretrizes e Bases
LDC
Livro Didático de Ciências
LSF
Linguística Sistêmico-funcional
MAST
Museu de Astronomia e Ciências afins
MCA
Movimento das concepções alternativas
PISA
Programme for International Student Assessment
PNLD
Programa Nacional do Livro Didático
PNLEM
Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
PUC
Pontifícia Universidade Católica
UFF
Universidade Federal Fluminense
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
SUMÁRIO
1
CONTEXTO E JUSTIFICATIVA
15
1.1
UM PERCURSO PESSOAL
15
1.2
SOBRE A PESQUISA E O ENSINO
17
2
O PROBLEMA DE PESQUISA E QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO
21
2.1
O PROBLEMA E OS OBJETIVOS DA PESQUISA
21
2.2
O QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO
27
2.2.1
A análise crítica do discurso de Fairclough
28
2.2.2
O papel da teoria sistêmica de Halliday no estudo
32
2.2.3
Ferramentas analíticas
35
2.2.3.1
As condições de produção do texto
36
2.2.3.1.1
Intertextualidade
36
2.2.3.1.2
Interdiscursividade
39
2.2.3.2
Categorias de análise textual
39
2.2.3.2.1
Léxicos e vocabulário
40
2.2.3.2.2
Transitividade
40
2.2.3.2.3
Coesão Textual
42
3
DESCRIÇÃO DO CORPUS
43
3.1
CRITÉRIOS PARA A DELIMITAÇÃO DO CORPUS DA PESQUISA
43
3.2
O LIVRO DIDÁTICO CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS
47
3.2.1
A autoria
47
3.2.2
Organização da coleção
50
3.2.2.1
Manual do professor
50
3.2.2.2
Livro do aluno
52
3.2.2.3
Excertos selecionados
54
3.2.2.3.1
Seções específicas
55
3.2.2.3.2
O contexto dos excertos selecionados
58
4
ANÁLISE DA CONJUNTURA
65
4.1
A INFLUÊNCIA DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS
65
4.1.1
As vertentes de pesquisa
67
4.1.1.1
Movimento das concepções alternativas
68
4.1.1.2
Modelos e modelagem
71
4.1.1.3
Natureza da Ciência e História e Filosofia da Ciência
74
4.1.1.4
Ciência, tecnologia e sociedade
78
4.1.1.5
Estudos da linguagem
81
4.2
INFLUÊNCIAS DOS SEGMENTOS SOCIAIS NO BRASIL
84
4.2.1
Políticas educacionais e recomendações curriculares oficiais
85
4.2.2
Produção e mercado editorial
88
5
ANÁLISE TEXTUAL
90
5.1
A ASSESSORIA PEDAGÓGICA
90
5.1.1
Interdiscurso na assessoria pedagógica
90
5.1.1.1
91
5.1.2
Um discurso institucional na assessoria pedagógica
O discurso do movimento das concepções alternativas, história e filosofia
da ciência e modelagem no ensino de ciências
Intertextualidade na assessoria pedagógica
5.1.2.1
Os pesquisadores e as ideias da pesquisa em educação em ciências
95
5.1.2.2
A concepção da obra na assessoria pedagógica
96
5.2
O LIVRO DO ALUNO
101
5.2.1
O discurso modalizado
102
5.2.2
As vertentes da pesquisa nos excertos
103
5.2.2.1
Movimento das concepções alternativas dos alunos (MCA)
105
5.2.2.2
História da ciência e natureza da ciência
111
5.2.2.3
CTS, risco e responsabilização, empoderamento e cidadania
116
5.2.2.4
Linguagem
119
6
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
127
6.1
O CARÁTER HÍBRIDO DO TEXTO
O DISCURSO DO ESTUDANTE REPRESENTADO NO DISCURSO DO
MOVIMENTO DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS
Antecipação do erro
A mescla entre o discurso do MCA, modelagem, pedagógico e o
discurso da ciência
O discurso normativo do professor e o discurso do MCA
O DISCURSO DO AGENCIAMENTO/DIALOGISMO NO DISCURSO DO
CONSTRUTIVISMO
O DISCURSO DO SOCIAL E O DISCURSO DA PESQUISA EM CTS
127
O discurso da confiança, risco e responsabilização
O discurso da ciência como prática humana em interseção com a
História da Ciência e CTS
135
O discurso do especialista da cidadania no discurso CTS
137
5.1.1.2
6.2
6.2.1
6.2.2
6.2.3
6.3
6.4
6.4.1
6.4.2
6.4.3
6.5
6.6
6.7
O DISCURSO DA CERTEZA E INCERTEZA NO DISCURSO DA
NATUREZA DA CIÊNCIA
O DISCURSO DO COTIDIANO EM ARTICULAÇÃO COM O DISCURSO
DA CIÊNCIA E CTS
O DISCURSO DA CULTURA EM ARTICULAÇÃO COMO DISCURSO DA
CIÊNCIA
93
95
130
131
132
133
133
134
136
138
139
140
6.8
O DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NO LIVRO
DIDÁTICO CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS
141
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
142
7.1
O LIMITE ESPERADO
145
7.2
ESTUDOS FUTUROS
146
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
148
ANEXOS
161
15
1
CONTEXTO E JUSTIFICATIVA
Mudança não é trabalho exclusivo de alguns
homens, mas dos homens que a escolhem [...]
(FREIRE, 1979, p.52).
1.1
UM PERCURSO PESSOAL
O cenário a ser descrito constitui uma preocupação pessoal desde a minha
formação como bióloga. O interesse no ensino de ciências foi se complexificando em
minha trajetória de vida, tanto do lugar de professora de ciências, de longa
caminhada, por inquietações geradas na sala de aula, como na posterior inserção na
pesquisa em Educação em Ciências, até chegar ao doutoramento.
Portanto, o primeiro motivo que me levou a pensar neste estudo e nas
questões que trago como reflexão tem relação com a minha prática em aulas de
ciências, em diferentes escolas privadas e públicas, principalmente com foco no
Ensino Fundamental, com alguma experiência no Ensino Médio e na Educação de
Jovens e Adultos (EJA). Portanto, questões do ensino e aprendizagem de ciências
permeiam os trinta e dois anos de minha experiência como profissional do ensino de
ciências, voltados à educação básica.
Um segundo motivo, o qual se evidencia no fazer desta pesquisa, está
associado ao movimento de formação acadêmica, iniciado há vinte e um anos,
desde a minha especialização em ensino de biologia em 1992, pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). Na época, interessava-me pelas concepções prévias e
alternativas de estudantes de 6º e 7º anos do Ensino Fundamental em relação à
teoria biológica da evolução. A abordagem teórica do construtivismo de Bachelard,
da psicogenética de Piaget e do socioconstrutivismo de Vygotsky, entre outros,
embasavam meus estudos.
Na sequência de minha formação como pesquisadora, o interesse modificouse para a experimentação/laboratório, no contexto escolar. Na dissertação de
mestrado o foco era entender como a experimentação/laboratório de ciências pode
contribuir para o ensino-aprendizagem desta disciplina. A pesquisa sobre
16
experimentação também analisou o papel da linguagem, em relatórios produzidos
pelos estudantes, em atividade de investigação, em aulas de laboratório escolar.
Atualmente, na presente tese, volto o olhar especificamente para aspectos do
estudo da linguagem, na capacidade que colocam a dialogar questões sociais, como
metas e programas educacionais, pesquisas em Educação em Ciências e outras
mais pontuais, tais como o discurso da ciência ensinado nas escolas. Fato é que,
cotidianamente, a maioria das ações/relações, em nossa sociedade, passa a ser
mediada por documentos/textos escritos manualmente ou digitalizados, integrando a
dimensão da linguagem com mais representatividade na contemporaneidade
(FAIRCLOUGH, 2003). Portanto, a linguagem passou a constituir um desafio por seu
enredamento no mundo social, constituindo uma robusta dimensão a estabelecer
sentidos nas tramas sociais estudadas por pesquisadores de diversas áreas, em
confluência com as ciências sociais.
A trajetória de pesquisa, aqui lembrada, é importante para que pudesse
distinguir a pesquisa que realizo hoje da que fiz anteriormente. Na primeira fase
(especialização/mestrado), entendo que foi possível articular questões relativas à
prática pedagógica em sala de aula, a partir do indivíduo ou aulas de ciências, em
situações de aprendizagem desta disciplina. Nesta tese, há um deslocamento no
foco central da pesquisa, ou seja, a busca volta-se para o aprofundamento de
questões da linguagem envolvendo o discurso, em livros didáticos de ciências,
entendendo a linguagem em uso do material educativo como parte constituinte do
discurso da ciência em sala de aula. Mesmo contendo interação com a prática
pedagógica, é preciso frisar que o foco da investigação não está nos professores e
estudantes. O fundamental no presente estudo é a racionalidade política, social,
cultural, ética e de valores voltada para a prática do ensino de ciências, configuradas
nas lutas de poder, ideias, situações, interpretações e outras dimensões sociais, que
juntas constituem e orientam o conjunto de questões, pressupostos da pesquisa e
do ensino nas sociedades contemporâneas.
Portanto, para além das inquietações da prática pedagógica, que por si só
não constituem um problema de pesquisa, a tese que se apresenta entende o
contexto social da pesquisa em Educação em Ciências pelos referenciais da
linguagem, ou seja, considera a própria linguagem o contexto social a ser estudado.
Neste sentido, trabalhemos com o discurso e o texto do livro didático de ciências,
eles mesmos como contexto social da pesquisa.
17
1.2
SOBRE A PESQUISA E O ENSINO
As preocupações com o ensino de ciências estão presentes no cotidiano de
vários profissionais, abrangendo um contingente grande de indivíduos da sociedade.
Estudos reforçam a necessidade de que a ciência, ensinada na escola, deva, acima
de tudo, alcançar a meta de uma formação mais cidadã, reflexiva, inclusiva e
igualitária para os estudantes na contemporaneidade (KRASILCHICK, 2000,
CACHAPUZ et al., 2005, FRACALANZA e MEGID NETO, 2006, NARDI, 2007,
MARTINS, 2006, 2007, 2011).
Apesar do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) ter atingido
em 2011 “as metas estabelecidas em todas as etapas do ensino básico - anos
iniciais e anos finais do ensino fundamental e ensino médio” (BRASIL, 2011)1, ainda
persistem preocupações como, por exemplo, o desempenho alcançado pelos
estudantes brasileiros no Programme for International Student Assessment (PISA)2.
O estudante brasileiro, nos anos de 2003 e 2006, em relação ao de outros países da
América Latina, não apresentou modificações no desenvolvimento de sua formação
científica. O nível de proficiência do estudante no Brasil foi um dos mais baixos
(proficiência nível 1), representando um conhecimento científico limitado, aquele que
em geral está associado e aplicado a poucas situações familiares, expressando
explicações científicas óbvias e quase sempre acompanhadas de evidências simples
(WAISELFISZ, 2009). Essa situação persistiu e não se modificou no último PISA,
ocorrido em 2009, no qual o Brasil ocupou a posição de 59º lugar, resultado
alcançado pelos estudantes em reposta aos índices de avalição do letramento
científico (nas disciplinas de matemática e ciências), ficando à frente somente de
dois países da América Latina, a saber, Argentina e Peru (OECD, 2009)3 .
Em geral, as pesquisas em educação, voltadas aos vários processos de
ensino-aprendizagem teóricos e metodológicos, costumam relacionar os resultados
ruins, alcançados em avaliações, testes e índices de aprendizagem às questões
internas da escola. Para Arroyo (2011), o foco no intraescolar ignora relações entre
educação e sociedade, empobrecendo a gestão de políticas, sua formulação,
1
IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Portal do MEC. Disponível em
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1 80&Itemid=336>.
2
O PISA realiza testes periódicos e semelhantes em diversos países (aproximadamente 57
participantes) para avaliar a qualidade da educação em diversos níveis de conhecimento incluindo as
competências de ciências.
3
Disponível em <http://dx.doi.org/10.1787/888932343342>.
18
avaliação e análise. Esta consideração é relevante por reforçar a necessidade de
incluir disputas extraescolares configuradas no âmbito educacional que, para esse
autor, ao invés de provocarem desânimo nos pesquisadores, deveriam, ao contrário,
instigar as pesquisas (ARROYO, 2011, p.11).
No campo da pesquisa em Educação em Ciências, as formas de melhorar4 o
ensino de ciências têm constituído foco de estudo de vários pesquisadores. Há,
neste campo, uma sólida discussão sobre os principais objetivos da pesquisa, seus
resultados e limites, ideias consolidadas, bem como a necessidade de entender,
sobretudo, processos que estimulam as pesquisas na sua relação com a educação.
Duit (2007) considera que há pelo menos alguns consensos entre os
pesquisadores da Educação em Ciências, em particular esses que dizem respeito à
ideia da melhoria do ensino. No entanto, mesmo apostando na melhoria do ensino,
pesquisadores consideram que questões, importantes para Educação em Ciências
no passado, têm retornado potencializadas, portanto, merecendo ser reexploradas
com compromisso duplicado entre os profissionais da educação, principalmente as
que se referem à natureza da ciência em contextos educacionais (FENSHAM, 2012).
Não obstante as inúmeras facetas de interação, a pesquisa e o ensino
constituem práticas sociais distintas e particulares, cada uma caracterizada por
atores, metas e compromissos próprios. As singularidades de espaços tão diversos,
como universidades, por um lado, e escolas, por outro, indicam que não é possível
uma aplicação direta dos resultados das investigações no ensino. Como, então,
devemos pensar as contribuições possíveis e reais da pesquisa em Educação em
Ciências para o ensino de ciências?
A escola é reconhecidamente o lugar onde o conhecimento pedagógico de
conteúdo relevante é produzido por professores (TARDIF, 2003). Portanto, ao
chegar ao espaço escolar, o conhecimento necessariamente passa por processos
de transformação, ou seja, não é acriticamente incorporado às práticas escolares.
Essas questões, corroboradas pelas pesquisas da linguagem (OGBORN et al., 1996;
KRESS et al., 2002) problematizam as formas pelas quais as contribuições, de uma
prática social são empregadas por outra. Em geral, passam por uma série de
4
Melhorar o ensino de ciências diz respeito aos resultados de pesquisa já consolidados do campo da
educação em ciências que procuram formas de promover o ensino aprendizagem do conhecimento
científico.
19
recontextualizações, movimentos de incorporação do conhecimento gerado numa
prática e mediado por outra.
Diferentes contextos servem de mediação para que a pesquisa de Educação
em Ciências chegue à sala de aula, por exemplo, por intermédio de artigos em
periódicos de formação de professores, cursos ou atividades de desenvolvimento
profissional, projetos envolvendo pesquisadores de diversas linhas de pesquisa e
instituições escolares e materiais educativos, compreendendo caminhos diversos de
recontextualizações.
Nesta pesquisa nos interessou o estudo dos materiais educativos como um
dos contextos de recontextualização da pesquisa no ensino. Mais especificamente,
interessou-nos o número crescente de livros didáticos de ciências, publicados no
Brasil e autorados por pesquisadores da Educação em Ciências sugerindo locus de
aproximação entre as práticas em investigação da pesquisa e do ensino. Essa
aproximação
pode
suscitar
simultaneamente
elementos
semelhantes
e
descontínuos, na forma particular de articular domínios especializados, análogos a
territórios em fronteiras (AKKERMAN e BAKKER, 2011).
Com base em Halliday (1993), podemos dizer que práticas sociais, tais como
a pedagógica e a acadêmica, configuram focos, objetivos, formas de lidar com seus
dilemas, pressupostos, formulações e métodos, bastante diferenciados. Os estudos
de linguagem entendem que essas práticas envolvem gêneros discursivos
específicos. Isso não significa pensar apenas nos impedimentos dos movimentos de
uma prática a outra, mas, para além dos obstáculos relacionados à reconstrução
verbal destas práticas, nos interessa, sobretudo, os aspectos que promovem a
aproximação entre a pesquisa e o ensino de ciências.
Portanto, nessa tese discutimos como os aspectos da pesquisa em Educação
Ciências são incorporados no texto do livro didático de ciências. O livro didático,
nesse sentido, pode ser considerado artefato que cumpre a função específica de
construir pontes entre práticas em interseção (AKKERMAN e BAKKER, 2011,
p.134). Se considerarmos que a mudança/recontextualização do ensino de ciências
realiza-se por transformações de linguagem, envolvendo o ensino, é possível inferir
que essa passa necessariamente por mudanças no livro didático.
Fairclough (2001) propõe a análise de discurso para compreender as
mudanças sociais e como essas mudanças estabelecem outras formas para a
estrutura social. Mudança para Fairclough (2004) se dá a partir de duas relevantes
20
orientações epistemológicas; a primeira delas está voltada à especificidade dos
eventos discursivos transformando práticas e ordens do discurso, e a segunda
entende as mudanças de práticas nos e através de domínios e instituições sociais
(FAIRCLOUGH, 2004).
A ideia de mudança não é objeto apenas dos estudos da linguagem. Pode ser
entendida de diversas maneiras. Por exemplo, mudança social para Paulo Freire é
assim entendida:
A rebeldia é ponto de partida indispensável, é deflagração da justa ira, mas
não é suficiente. A rebeldia enquanto denúncia precisa se alongar até uma
posição mais radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente
anunciadora. A mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia
da situação desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o
nosso sonho. É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil, mas é
possível, que vamos programar nossa ação politico-pedagógica, não
importa se o projeto com o qual nos comprometemos é de alfabetização de
adultos ou de criança, se a ação é sanitária, se é de evangelização, se de
formação de mão de obra técnica (FREIRE, 1999, p.88).
Na nossa concepção, a partir dessas contribuições, a mudança social
envolve, pelo menos em parte, mudanças identificadas nos textos, sobretudo no que
diz respeito à dialetização a que se refere Freire (1999), promovendo uma rebeldia
no sentido de resistência, oposição ao que está colocado como pronto, acabado.
Portanto, o sentido de mudança adotado nesta tese diz respeito à escolha, não
exatamente a um processo natural, mas a uma necessidade humana de
transformação e de atuação social consciente, crítica e organizada. O ensino
produtivo (textos e discursos) pode fazer da sala de aula um espaço que, embora
convivendo com ideias que reproduzam o status quo, possa estimular a
transformação de sentidos e de sujeitos (CARDOSO, 2005).
Portanto, interessa-nos saber o que vem a ser mudança na incorporação
possível dos discursos da pesquisa em Educação em Ciências, mesmo que em
pequenos nichos, no texto do livro didático.
Desta forma, estes conjuntos de questões levantadas, entre outras possíveis,
compreendem o cenário da pesquisa de tese. A linguagem é ponto de partida e, ao
mesmo tempo o de chegada nesse estudo, entendendo que essa não é a única,
mas, uma das escolhas possíveis, do amplo contexto social a que estamos
submetidas.
21
2
O PROBLEMA DE PESQUISA
METODOLÓGICO DE REFERÊNCIA
E
O
QUADRO
TEÓRICO-
A transformação de nossas ideias sobre a
realidade e a transformação da realidade são
processos que caminham juntos.
(LÖWY, 2010, p.29)
Nesse capítulo, a intenção é esclarecer o problema e os objetivos da
pesquisa, assim como os principais elementos da Análise Crítica do Discurso (ACD)
que foram levados em consideração no decorrer das análises. A ACD tem uma
variedade de escopos, o que pode levar naturalmente a métodos analíticos distintos
de pesquisa, isso quer dizer que os procedimentos privilegiados foram selecionados
de forma a responder satisfatoriamente ao problema de pesquisa específico da tese.
2.1
O PROBLEMA E OS OBJETIVOS DA PESQUISA
Neste item, assinalamos três dimensões fundamentais a serem exploradas na
construção do nosso problema de pesquisa: o livro didático, o ensino de ciências e a
pesquisa em Educação em Ciências.
Pode-se argumentar que o livro didático é o componente escolar que mais
contribui com práticas para o ensino de ciências, ou seja, com o que é ensinado
sobre ciências nas aulas de ciências. Para o ex-ministro da educação Cristovam
Buarque, há duas ações/gestões governamentais que realmente deram certo no
Brasil: uma é a merenda escolar, e a outra é a distribuição de livros didáticos,
realizada pelo governo federal5. No caso dos livros didáticos, consideramos que o
investimento governamental com o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)
representa em parte o nível de preocupação voltado a esse material didático
(Programa TV Senado, 2012).
5
Segundo Buarque (2012), esses projetos deram certo principalmente em relação à abrangência dos
mesmos no território nacional; são poucos os municípios que ainda não foram contemplados com a
implementação da merenda escolar e com a distribuição do livro didático. No entanto, o educador
considera que esses projetos ainda têm muito a melhorar.
22
Pautadas em estudos da educação, na relevância histórica, na produção,
circulação e consumo do livro didático na sociedade de um modo geral,
consideramos o texto do livro didático o principal representante do discurso6 da
ciência na escola.
O fenômeno social específico que estamos estudando refere-se ao crescente
número de pesquisadores da área de Educação em Ciências, que têm autorado
livros didáticos de ciências, biologia, química e física.
Em 2013, foram aprovadas 34 coleções didáticas no Sistema de Avaliação do
Livro Didático de Ciências 2011 e de Biologia, Física e Química 2012 (PNLD)7,
sendo que nove delas (aproximadamente 37% do total) têm pesquisadores da área
de Educação em Ciências entre seus autores (Tabela 1).
Tabela 1: Percentagem de livros didáticos aprovados e autorados por pesquisadores nos PNLD 2011
e 2012
PNLD
LIVROS APROVADOS
LIVROS AUTORADOS POR
PESQUISADORES
2011 - Ciências
11
3
2012 - Química
5
3
2012 - Física
10
2
2012 - Biologia
8
1
34 (100%)
9 (37%)
TOTAL
O destaque dado pelo PNLD aos livros dos pesquisadores nas avaliações, a
presença de pesquisadores entre seus autores, e a centralidade ocupada pelo livro
didático nas aulas das escolas brasileiras constituem aspectos que, reunidos,
apontam para a relevância do estudo desenvolvido na tese.
No Brasil, os livros didáticos são amplamente disponíveis e frequentemente
utilizados por professores, constituindo um poderoso recurso didático que
desempenha fundamental papel na estruturação das atividades de sala de aula
(MARTINS, 2006). Bittencourt (2003, p.5) assinala que
As pesquisas e reflexões sobre o livro didático permitem apreendê-lo em
sua complexidade. Apesar de ser um objeto bastante familiar e de fácil
identificação, é praticamente impossível defini-lo. Pode-se constatar que o
livro didático assume ou pode assumir funções diferentes, dependendo das
condições, do lugar e do momento em que é produzido e utilizado nas
diferentes situações escolares. Por ser um objeto de “múltiplas facetas”, o
6
7
Discurso no seu caráter semiótico e não só como texto escrito.
<http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=668&id=12391&option=com_content&view article>.
23
livro didático é pesquisado enquanto produto cultural; como mercadoria
ligada ao mundo editorial e dentro da lógica de mercado capitalista; como
suporte de conhecimentos e de métodos de ensino das diversas disciplinas
e matérias escolares; e, ainda, como veículo de valores, ideológicos ou
culturais.
A necessidade de educação científica para todos, aliada às dificuldades que
rondam o ensino de ciências, como o alto índice de fracasso escolar, a rejeição à
ciência por parte dos estudantes repercutem nos sucessivos movimentos de
renovação do ensino de Ciências, alguns já bastante explorados pelas investigações
da pesquisa em Educação em Ciências e que resumimos a seguir.
Krasilchick (1987, 2000) considera que a partir da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB) nº4061/61 houve a ampliação da participação das ciências no
currículo escolar e das disciplinas científicas (biologia, física e química) pelo
substancial aumento de carga horária, proporcionado a partir dela. Posteriormente,
com a LDB 5.692/71, a disciplina ciências passa a ser obrigatória para as oito séries,
do então chamado primeiro grau (KRASILCHICK, 1987, 2000).
Vilma Barra e Karl Lorenz (apud FERREIRA, 2007), em estudo realizado em
1986, consideraram a década de 1960 a fase de renovação mais ampla do ensino
de ciências. Nessa década, realizaram-se inúmeros investimentos na educação
através de centros e comitês americanos e ingleses, na produção de materiais
didáticos e no financiamento de projetos para o ensino de Ciências, que não só
foram traduzidos e utilizados no Brasil, mas também estimularam a produção de
projetos nacionais. Mesmo com pouca ressonância por encontrarem-se ainda
distantes do trabalho docente (FERREIRA, 2007), destacam-se nesta época as
ações propostas, por exemplo, pelo Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e
Cultura (IBECC-UNESCO).
Nos anos 1970, as demandas para o ensino de ciências relacionavam-se a
mudanças na forma de ensinar, questionando a excessiva ênfase na memorização
de termos científicos, valorizando aspectos da vivência dos estudantes e investindo
na superação de visões ingênuas sobre ciência8. Essas mudanças, bem como a
obrigatoriedade da disciplina Ciências, demandavam novos livros didáticos para
8
Maldaner, Zanon e Auth (2006) entendem que na década de 1970 “havia uma preocupação maior
com a estruturação do conhecimento científico (Física, Química e Biologia e Geologia)”, na
compreensão do que era ciência. A produção e validação desse conhecimento estavam fortemente
apoiadas em uma concepção positivista de ciência e na crença de que a aplicação de seus
resultados pudesse resolver os graves problemas que afligiam a humanidade, bem como prever e
evitar que novos problemas surgissem.
24
essa disciplina e inauguraram novas questões em relação ao livro didático como, por
exemplo, a do perfil diferenciado para o autor do livro, uma vez que os currículos de
ciências previam o ensino de, no mínimo, três grandes áreas do conhecimento
(biologia, física e química).
Nas décadas de 1970 e 1980, houve investimento relevante no livro didático
que, como instrumento escolar, passou a uniformizar o ensino de ciências por
diversas razões, entre elas a desqualificação da formação profissional, a criação das
licenciaturas curtas e a precarização das condições de ensino. Nessa fase é que
ocorre a consolidação da distribuição dos conteúdos nas várias coleções didáticas
como modelo hegemônico: no 6º ano (ambiente, sem vida, com ar-água-solo),
conteúdos de biologia no 7º e 8º anos (seres vivos e corpo humano) e física e
química no 9º ano (AGUIAR JUNIOR, 2004).
Maldaner, Zanon e Auth (2006) consideram que pouco tem mudado nos livros
didáticos ao longo dos anos; apesar de todo o aparente investimento na sua
atualização, eles ainda preservam roteiros tradicionais de ensino configurados em
sequências lineares e fragmentadas de conteúdo (MALDANER, ZANON e AUTH,
2006).
Martins (2007) aponta que os livros didáticos expressam “a naturalização de
alguns formatos de apresentação” através das “estabilidades de certos enunciados e
configurações de organização”. Portanto, o ensino de ciências veiculado nos livros
apóia-se em “escolhas realizadas dentro de um conjunto possível de visões de
ensino e aprendizagem, que circulam na prática social de ensinar ciências na
escola” (MARTINS, 2007, p.111). Entre os fatores que influenciam estas visões
destacam-se o conhecimento produzido pela pesquisa em Educação em Ciências,
as avaliações de desempenho, as orientações curriculares oficiais e os programas
de formação continuada.
Nesta tese, optamos por analisar os livros didáticos com referência a dois
contextos recentes que têm marcado seu desenvolvimento: (i) a consolidação do
campo da pesquisa em Educação em Ciências e (ii) a presença de pesquisadores
entre seus autores.
A orientação da tese caminhou no sentido de entender se e como o
conhecimento produzido pelos pesquisadores, que circula nos congressos e é
veiculado nos periódicos especializados, está presente no livro didático de ciências,
nas ideias incorporadas no livro. O estudo analisou excertos da coleção didática
25
Construindo Consciências, escritos por oito autores (as), são eles (as): Carmen De
Caro Martins; Helder de Figueiredo e Paula; Mairy Loureiro dos Santos; Maria Emília
de Castro Lima; Nilma Soares da Silva; Orlando Gomes de Aguiar Junior; Ruth
Schmitz de Castro e Selma Ambrozina de Moura Braga.
Os pesquisadores não foram lembrados unicamente pelo seu papel de
especialistas da Educação em Ciências. Ressaltamos que a maioria dos autores da
coleção analisada possui vasta experiência em formação docente (ensino
fundamental, médio e superior), a dupla inserção na pesquisa e no ensino os habilita
sobremaneira a compreender o panorama cotidiano do ensino de ciências. Quer
dizer,
além
de
produtores
são
também
“consumidores,
transmissores
e
implementadores do conhecimento produzido em outras instâncias” (SANTOS, 2001,
p. 17). Em outras palavras, o tempo dedicado à pesquisa, à interseção que a maioria
deles tem com a formação de professores e à extensa prática pedagógica, todos
esses fatores somados fazem desses autores um grupo de particular identidade e
interesse. Nesse sentido, o livro didático selecionado é considerado produto social
vinculado à produção, circulação e recepção de textos por sujeitos participantes em
práticas discursivas relacionadas tanto à pesquisa como ao ensino.
O objetivo desse trabalho, então, foi o de compreender como aspectos da
pesquisa em Educação em Ciências, tais como suas problemáticas, bases teóricas
formulações, experiências, resultados relacionados etc, são recontextualizados e
incorporados na coleção didática foco da análise do estudo. Defendemos a tese de
que a hibridização dos discursos da pesquisa em Educação em Ciências no livro
didático precisa ser compreendida no sentido de identificar nos discursos presentes,
como estes constituem o ensino de ciências. De certa forma, essa pesquisa poderá
contribuir para a discussão assinalada por Martins (2007) na qual a autora entende
que “mudanças discursivas podem trazer mudanças nas atividades sociais
constituídas por estes discursos”.
Apresentar o problema de pesquisa dessa maneira permite-nos estabelecer a
constituição mútua entre discurso e sociedade, na qual a pesquisa dessa tese se
insere: os discursos e ideias do livro didático podem sugerir, refletir, refratar os
discursos da pesquisa em relação aos do ensino de ciências.
O discurso da pesquisa, não sendo o mesmo do ensino, uma vez que ambos
pertencem a práticas socioculturalmente diferentes, leva-nos a tentarentender como
o primeiro coloniza/não coloniza, negocia/não negocia com o segundo. Portanto, as
26
considerações que trazemos têm como foco os embates discursivos entre pesquisa
e ensino de ciências no livro didático num ciclo de recontextualizações de discursos
da pesquisa no âmbito escolar. Enfim, ao propor o estudo das relações entre eles,
afastamo-nos de uma perspectiva que estabelece uma relação normativa e
assimétrica entre discursos, embora reconheçamos que esta possa estar presente,
uma vez que são comuns estudos que identificam, por exemplo, pressões exercidas
pelo discurso da ciência sobre o discurso da ciência escolar (CHOULIARAKI e
FAIRCLOUGH, 1999; MARTINS, 2007).
No que diz respeito à pesquisa em Educação em Ciências, são muitos os
desafios que têm exigido da universidade uma ação no sentido da transformação da
sociedade. Embora o que se pense socialmente sobre a ciência não seja só reflexo
do que se aprende na escola, existe uma gama de relações sociais da qual a escola
faz parte e não pode furtar-se da responsabilidade social desse pertencimento.
Assim,
neste
estudo
problematizamos
alguns
destes,
relacionados
fundamentalmente a questões relativas à construção de uma linguagem da ciência
escolar que, ao se tornar hegemônica, implica um tipo de sociedade e de cidadão.
O reconhecimento de especificidades sociais nos levou a privilegiar o discurso
da pesquisa em Educação em Ciências brasileira que, não obstante, encontra-se
relacionado ao discurso da pesquisa em Educação em Ciências em nível
internacional.
A opção por quadro teórico e metodológico da ACD foi necessário para
explorar as dimensões mutuamente constitutivas entre pesquisa e ensino que se
dão principalmente no caso específico de livros didáticos, autorados por
pesquisadores da Educação em Ciências. Ao enfatizar a relação indissolúvel entre
práticas sociais e discursos (FAIRCLOUGH, 1992), a ACD pode discutir a mudança
discursiva como um produto, bem como um fator de promoção da mudança social.
Nossa principal hipótese é que a recontextualização e a incorporação das
ideias da pesquisa em Educação em Ciências nos livros didáticos materializa um
nicho de mudança discursiva, que desafia as abordagens tradicionais hegemônicos,
enfatizando a transmissão hierárquica e descontextualizada dos conteúdos
científicos no ensino de ciências. Dessa forma, entender as relações hegemônicas
como dialéticas faz muita diferença, quer dizer, as ideologias não são vistas como
aquelas que apenas sustentam relações de dominação, mas também nelas ocorrem
mudanças destas relações (FAIRCLOUGH, 2001).
27
O presente estudo mobiliza esse conjunto de interrelações na formulação do
problema a ser investigado.
2.2
O QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO
Para a ACD, o problema social de um estudo envolve mais do que a
formulação de uma questão de investigação. Com base na crítica explanatória de
Baskhar, a ACD compreende a realidade extradiscursivamente, entendendo que o
que pensamos sobre certo fenômeno social não pode ser considerado o fenômeno
social em si. Isso quer dizer que objetos que estão no mundo são mediados pelos
discursos nos textos aos quais temos acesso.
A base ontológica da abordagem teórico-metodológica da ACD é o realismo
crítico9. Nessa forma de entender o mundo social, estruturas sociais assumem status
de realidade, reconhecidas e estudadas pelos efeitos que causam no social
(BHASKAR, 1998). Nesse sentido, o conhecimento sobre as coisas é falível, sujeito
a reformulações.
Se o próprio mundo é um produto ou a construção de nosso conhecimento,
então nosso conhecimento certamente seria infalível, pois como poderíamos
errar sobre algo? Como dizer que as coisas não são como supomos que
sejam? Realismo é, portanto, necessariamente uma filosofia falível e que
deve ter cuidado com conceitos simples de correspondência com a verdade.
É preciso reconhecer que o mundo só pode ser conhecido a partir de
descrições particulares, em termos de discursos disponíveis, embora não se
entende daí que uma descrição ou explicação é melhor do que outra
(SAYER, 2000, p.2, tradução nossa).
A contribuição do realismo crítico na pesquisa é a de que, por meio dela, seja
possível imprimir à ciência social a crítica das práticas sociais, entendendo o mundo
social independentemente dos nossos pensamentos e conhecimento sobre ele, o
que não significa que conhecimentos não possam afetar o mundo. Desta forma,
nesta tese, assumimos a posição de pesquisadores visando tanto a uma dimensão
descritiva, como a outra performática, na linguagem formulada por intermédio dos
dados que criamos.
9
O realismo crítico adotado por Fairclough (2001) fundamenta-se nas ideias de Bhaskar. A força do
argumento de Bhaskar no seu livro Uma Teoria Realista da Ciência (1977) está relacionada à
distinção entre as dimensões da ontologia e epistemologia – dimensões intransitivas e transitivas,
respectivamente – e às implicações que essas distinções têm para o entendimento da prática
científica (LÓPEZ, 2003, p.76).
28
2.2.1 A análise crítica do discurso de Fairclough
No que diz respeito às diversas perspectivas teóricas sob o rótulo da ACD, a
adotada baseia-se na de Fairclough (2001, 2003). A escolha por essa perspectiva se
deu principalmente devido ao seu potencial como orientação teórica, tanto por
atribuir centralidade ao funcionamento da linguagem, como por incluir uma
abordagem social para a compreensão do discurso.
Um primeiro aspecto destacado por essa orientação teórico-metodológica diz
respeito à discussão do papel central ocupado pela linguagem na produção do novo
capitalismo, constituindo as instituições modernas (RESENDE e RAMALHO, 2006;
FAIRCLOUCH, 2003; GIDDENS, 2001). O novo capitalismo é, sobretudo, marcado
pela radicalização dos traços básicos da modernidade, tais como: separação-tempo
e espaço, mecanismos de desencaixe (como as rotinas desencaixadas das
tradições) e reflexividade institucional. A separação espaço-tempo é crucial nos
mecanismos de desencaixe, na qual as relações sociais são deslocadas dos seus
contextos locais de interação e reestruturadas em novas extensões de espaçotempo. No ensino de ciências, podemos considerar inúmeros mecanismos de
desencaixe no livro didático, por exemplo, o estudante que não se reconhece ao
estudar o próprio corpo, ou mesmo o ambiente do qual faz parte. Outro exemplo, a
ser citado em relação ao ensino de ciências é a possibilidade do estudante só
reconhecer, como animais, espécies não endêmicas do local onde vive, em
descrições da natureza como ambientes selvagens, relacionando-os aos retratados
em filmes ou desenhos animados.
Como assinalado no parágrafo anterior, outro aspecto importante do novo
capitalismo é a reflexividade10 que no contexto da modernidade recente11 baseia-se
em informações que vêm de fora dos indivíduos, ou seja, em conhecimento gerado
pelos sistemas de especialistas (RESENDE e RAMALHO, 2006). Para Giddens
(2002, p.10), “não só estudos acadêmicos, mas todo o tipo de manuais, guias, obras
10
A reflexividade é um dos elementos do dinamismo da modernidade que “consiste no fato de que as
práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre
estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter” (GIDDENS, 1991, p. 45).
11
Chouliaraki e Fairclough (1999) utilizam a expressão modernidade tardia no livro “Discurso na
modernidade tardia”. No entanto, são várias as tentativas de denominação para a teoria da sociedade
como diagnóstico de nosso tempo, tais como modernidade reflexiva, modernidade líquida, pósmodernidade. Optamos pelo uso de modernidade recente como expressão que engloba esse
conjunto de denominações e resume essa fase da modernidade que vivemos.
29
terapêuticas e de autoajuda contribuem para reflexividade da modernidade” por
constituírem, eles mesmos, processos sociais fundamentais ao entendimento
sintomático dos fenômenos sociais da atualidade. Nesse sentido, podemos
problematizar não só os textos de pesquisa, mas também os próprios livros didáticos
e respectivos manuais dirigidos ao professor como locus de produção de
conhecimentos, impactando a reflexividade.
Chouliaraki e Fairclough (1999) entendem que o discurso na modernidade
recente é sempre contraditório, complexo e ambivalente, no qual por um lado temos
as incertezas (risco, questões de segurança) e, por outro, a reflexividade. Por isso,
tanto a ambiguidade, como a ambivalência no discurso (que circula na prática social
significando uma ação social pela permanência ou pela modificação na forma de
agir) assemelham-se a formulações marxistas, como as que estabelecem que “na
medida em que lutamos para transformar a realidade quando a entendemos, e na
medida em que melhor a entendemos, mais lutamos para transformá-la” (LÖWY,
2010, p.29).
Widdowson (1996) sublinha que a importância da ACD está justamente no
entendimento das relações entre linguagem e sociedade, assim como na
compreensão do processo dialético que permeia essas relações. Segundo esse
autor, o maior potencial da ACD está na epistemologia desta abordagem que, de
forma sucinta, entende a linguagem como prática social.
Para Bakhtin (2003), toda manifestação linguística se dá como discurso
(enunciado) e diz respeito ao uso coletivo da língua, legitimada por alguma instância
na atividade humana socialmente organizada, ou seja, institucionalizada. Nesta
pesquisa o livro didático de ciências é considerado representante de disputas,
decisões e ações curriculares, uma vez que serve de roteiros oficiais para estruturar
a escolarização institucionalizada (GOODSON, 1998).
Assim, nesse estudo uma das principais preocupações é com as relações de
poder e com a construção ideológica no discurso das diversas esferas sociais,
entendendo-as como práticas políticas e ideológicas. Inscreve-se na esfera política
por estabelecer, manter e transformar as relações de poder, e na ideológica por
constituir, naturalizar, legitimar, reificar, transformar significados gerados na relação
de poder, tanto pelo exercício como na luta pelo poder.
Os discursos, portanto, são concebidos como lugar de investimentos sociais,
históricos e ideológicos por meio de sujeitos que interagem em situações concretas
30
de produção. A característica das transformações na modernidade recente, as quais
nos interessam, consiste no entendimento de que essas são transformações que
ocorrem na própria linguagem e, portanto, no discurso. A preocupação que temos
com a opacidade dos discursos, bem como com as transformações constantes dos
discursos na própria linguagem, são dependentes do entendimento da prática
comunicativa, e, nesse sentido, o discurso pode ser um excelente locus para
“esconder” ideologias.
Além do quadro de estabilidades e relações de poder, podemos encontrar
nesses espaços aspectos contrahegemônicos no discurso. Portanto, um aspecto a
destacar é o caráter dinâmico da análise que realizamos, não constituindo algo
definitivo, podendo ser comparada a uma fotografia do momento social na
articulação dos discursos encontrados nos excertos do livro didático.
No que tange ao nosso interesse e de acordo com a ACD, as relações entre
discursos e práticas sociais envolvem processos macrossociais, tais como o da
colonização de uma prática social pela outra, processo esse que contribui para a
hibridização de elementos das várias práticas sociais. A compreensão da relação
entre os processos de colonização e hibridização dos discursos, no livro didático,
são meios para entender a função social dos discursos nas práticas.
Respaldamo-nos no conceito de hibridização como um conjunto de
negociações (articulações) sem supressão das diferenças, ou seja, como o lugar da
renegociação (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). Entretanto, reconhecer
processos de colonização e hibridização é uma tarefa complexa, pelo fato de que
certos discursos encobrem outros, por intermédio de eufemismos, negação, conflito
entre muitos outros processos de ocultação. Essa tem sido a principal contribuição
da ACD que, em última instância, procura por intermédio da análise do discurso
desvelar os usos e abusos de poder em opacidade no discurso, tarefa nem sempre
alcançada pelo analista. A análise do livro didático foca neste aspecto híbrido dos
textos como norma da modernidade recente12 (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH,
1999).
12
Chouliaraki e Fairclough (1999) chamam o período recente da modernidade utilizando a expressão
“modernidade tardia” emprestada de Giddens (1997). Para Giddens, a modernidade tardia traz
consigo uma diferença nas relações vividas pelas pessoas, e que tem na razão o elemento que
promove a produção da confiança e elimina ou minimiza os riscos nas sociedades contemporâneas.
Entretanto, por se tratar de expressão não utilizada por muitos filósofos e sociólogos aderimos à
expressão modernidade recente.
31
Um conceito fundamental nesse estudo é o da recontextualização, sobretudo
a das diversas redes que vão constituindo os discursos, no amplo acesso dos
indivíduos ao conhecimento produzido por sistemas de especialistas (estilos de vida
e práticas em geral) (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). Quando a busca é
pela recontextualização de um discurso, esse pode ocorrer pela/na mediação de
recursos da mídia, periódicos acadêmicos especializados, entre outros, produzindo
formas pelas quais as pessoas se relacionam em suas vidas particulares com os
diversos aspectos políticos, econômicos, educacionais etc.
Recontextualização envolve processos pelos quais os discursos se articulam
em rede, na tendência do conhecimento em determinado contexto tomar
emprestado, reordenar, reconfigurar os sentidos de acordo com os princípios de
contexto emprestado (MARTIN e VEEL, 1978). Portanto, o discurso da pesquisa em
Educação em Ciências em que focamos é aquele recontextualizado no universo do
ensino de ciências e incorporado no texto do livro didático, que tanto pode estar
associado ao discurso da ciência escolar, ao pedagógico, em uma configuração que
mescla dois ou mais discursos, e ainda em composição com os outros tipos de
discursos (mídia, divulgação, institucionais etc.).
A dificuldade de reconhecimento de discursos colonizadores e hibridizados
em articulação diz respeito aos processos de ajuste do discurso recontextualizado e
incorporado ao texto, entendidos como aqueles que envolvem
pessoas particulares em relações particulares com recursos particulares,
aplicando tecnologias a materiais em determinadas relações sociais de
produção. [...] Toda a prática de produção é uma combinação de recursos
físicos e simbólicos, em níveis variados, e é sempre um momento
significativo porque todas as práticas são como dissemos, construçõesreflexivas de uma prática que é parte de uma prática (CHOULIARAKI e
FAIRCLOUGH, 1999, p.23, tradução nossa).
A definição acima nos ajuda a pensar o texto como uma tecnologia, isto é,
aparato material destinado a realizar um propósito social específico, através de uma
prática de produção e, nessa perspectiva, os livros didáticos são importantes
tecnologias discursivas. Entretanto, o sentido dado às condições sociais na
produção de texto não implica um determinismo inexorável.
Por fim, parece relevante explicar um pouco mais o sentido que conferimos à
mudança social. Em geral, a mudança envolve movimentos diferenciados, envolve
escolhas diferenciadas. Esses movimentos não são simples de se identificar – os
deslocamentos são sutis, ou seja, a mudança é tênue, e muitas vezes não é
32
evidenciada. É possível que a mudança esteja em cada palavra do texto e, ao
mesmo tempo, não seja marcada textualmente, aspecto este derivado da natureza
estratificada da linguagem.
Mudanças envolvem formas de transgressão e cruzamento de fronteiras,
como também a reunião de convenções existentes em novas combinações,
exploradas em ocorrências que comumente se coíbem. Em relação à dimensão
textual do discurso, as mudanças deixam marcas no texto que podem ser mesclas
de estilos, vocabulários (técnicos ou não), marcadores de autoridade e familiaridade,
formas sintáticas típicas (escrita, oralidade) etc.
ACD está interessada tanto em efeitos sociais sobre os textos, bem como
efeitos sociais dos textos, de forma coerente com a ideia de que pessoas respondem
a textos de uma forma ativa, interessada e transformadora (MARTINS, 2007). Neste
estudo, não estamos investigando os efeitos sociais dos textos, mas a dimensão na
qual eles podem atuar causalmente sobre estruturas, provocando mudanças,
pequenas mudanças, nichos de atuação que podem levar à transformação.
2.2.2 O papel da teoria sistêmica de Halliday no estudo
A perspectiva de linguagem adotada pela ACD apoia-se em muitos aspectos
na teoria linguística sistêmico-funcional de Michael Halliday. Nessa pesquisa ela foi
fundamental por dois aspectos: o primeiro deles diz respeito à caracterização de
texto, que para esse autor é produto de uma série de escolhas13, e o segundo, pela
possibilidade que essa linguística traz em tipificar o discurso canônico da ciência.
No que concerne à questão da escolha, essa perspectiva foi importante na
identificação dos sistemas representados (cada qual representando um tipo de
escolha)
em
relação
às
possibilidades de
escolhas
disponíveis.
Quando
empregamos uma linguagem, assumimos certos posicionamentos que podem ser
desvelados na análise. É desta forma que, na perspectiva do referencial teóricometodológico, processos ideológicos se atrelam ao funcionamento da linguagem e
permitem analisar relações de dominação no discurso.
13
Escolha, neste contexto, quer dizer “um ato inconsciente, guiado, por motivos individuais, segundo
nossas intenções, vontades, afetividade, subjetividade, mas também por razões sociais, históricas e
culturais, ditadas pelo contexto” (SARDINHA, 2007).
33
A linguística de Halliday contribuiu na identificação de elementos da
linguagem por intermédio de uma das três funções da linguagem, que segundo esse
autor agem juntamente. Para efeito de estudo desta tese o interesse voltou-se
preferencialmente para a função ideacional da linguagem. Para Fairclough (2001) a
função ideacional da linguagem e os sentidos ideacionais do discurso têm o papel
de fundamentalmente significar e referenciar (FAIRCLOUGH, 2001). Quer dizer, uma
vez que o discurso pode ser entendido como uma representação do mundo social,
ele é também um modo de ação no mundo, com possibilidades de agenciamento
(dimensão acional), ou seja, pessoas podem agir sobre o mundo e sobre outras
pessoas, por isso é também chamada de sistêmica.
Embora possa parecer que esse autor dê mais destaque para a linguagem
verbal e escrita por sua relevância social, o trabalho que realizou engloba outras
dimensões da linguagem. Compartilhado por Chouliaraki e Fairclough (1999), o texto
é uma categoria de mediação voltada não somente para o que está escrito, mas
considerado como uma dimensão multisemiótica, quer dizer, combinando o que está
escrito com imagens, esquemas, tabelas, gráficos etc., e, sobretudo, entendendo-o
como uma superfície visual, na qual está sendo trabalhado intrinsecamente o que é
escrito (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). Nessa tese, os textos serão
estudados a partir da dimensão multisemiótica, e não como um conjunto de
partículas de significados fixas e atemporais, mas antes de tudo, uma “forma textual
característica
de
participação
nas
relações
sociais”
(SMITH,
1990
apud
CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999, p.46). A semiótica qualifica os textos como
construções multimodais, isto é, como entidades que articulam “diferentes modos
semióticos, que refletem princípios e possibilidades de representação e interpretação
definidas pela cultura na qual se inscrevem” (MARTINS, 2007, p.97). Neste sentido a
análise permite compreender o evento social e o efeito de certos discursos no texto
como já assinalamos.
Para Halliday e Hasan (1976) a linguagem sendo um sistema de significados,
possui formas pelas quais é expressa, ou seja, embora deem importância ao léxico e
à gramática da linguagem usada, chamam atenção também para os mecanismos de
estruturação do texto. A linguagem é ela mesma uma semiótica social, ou seja, o
sistema social ou cultural, entendido como sistema de significados que forma a
realidade, em contexto sociocultural (HALLIDAY, 1978). Por exemplo, o discurso
canônico da ciência que envolve fazer, falar, pensar, ler e escrever ciência entre
34
outros, combina variadas maneiras de discurso verbal, de expressão matemática, de
representação gráfico-visual, operacionalizando-as simultaneamente no mundo. Em
geral, essas ações, em relação à ciência, embora presentes no cotidiano das aulas
não costumam ser ensinadas nas escolas (MARTIN, 1993) e, dessa forma, o livro
didático se torna a "principal fonte de modelos de linguagem científica escrita para a
maioria dos alunos" (WIGNELL e EGGINS, 1987 apud HALLIDAY e MARTIN, 1993,
p.167).
Portanto, a pesquisa, a ciência, o ensino, por pertencerem a sistemas
socioculturais diferenciados, apresentam descontinuidade na linguagem. As
formulações, contidas no livro didático, constituem texto que se origina e circula
nesta prática. A análise do discurso do livro didático, como momento da prática
social de ensinar ciências, permite, por exemplo, compreender processos culturais,
históricos e conceituais envolvendo esta prática.
A preocupação da tese não se restringe aos aspectos estruturais que
constrangem o livro didático, move-se para os de natureza dinâmica. Isso quer dizer
que nosso interesse volta-se também para aspectos não tão estruturais, ou seja,
aqueles capazes de sobrepor os aspectos formais e captar melhor os históricos e as
fronteiras presentes entre práticas sociais (MARCUSCHI, 2008). Por isso, além de
um modo de produção textual, e de constituir material empírico a ser estudado, o
livro didático é categoria discursiva que abre para o entendimento do problema de
pesquisa, tanto na dimensão do modo social quanto do linguístico (CHOULIARAKI e
FAIRCLOUGH, 1999).
A presença do discurso de uma vertente/linha de pesquisa da pesquisa em
Educação em Ciências pode ser significada em vários níveis de entendimento na
perspectiva da ACD: a que discursos ela costuma estar associada, qual o significado
desta associação, quais elementos são destacados e quais não têm sido articulados
a esse discurso no livro didático. A configuração final pode revelar um discurso da
vertente da pesquisa mais voltado às recomendações oficiais, ou às pesquisas da
área da Educação em Ciências, ou às necessidades da prática pedagógica, ou à
vida cotidiana das pessoas, de forma isolada como veremos pelas análises.
Portanto, os textos que analisamos nesse estudo, ao mesmo tempo em que
resultam das práticas sociais de seus produtores, traduzem desigualdades sociais,
fruto da própria sociedade. Os significados dos textos não são unilaterais; eles
35
simbolizam as interações entre produtores e leitores, e os traços linguísticos não são
arbitrários, constituindo discursos em opacidade.
2.2.3 Ferramentas analíticas
Na perspectiva da ACD, as análises são usualmente conduzidas em duas
fases interligadas: uma análise da conjuntura14 e uma análise textual15, permitindo
estabelecer relações entre as dimensões discursivas macro e micro sociais que
estão conectadas ao problema em questão.
A dimensão macro diz respeito à natureza das práticas sociais inerentes à
pesquisa, no caso a pesquisa em Educação em Ciências, e aos discursos altamente
contextualizados que a constituem. Além disso, essa dimensão implica também
aspectos sociais, históricos, políticos e econômicos envolvendo essa prática. Na
conjuntura da tese, os aspectos de estabilidade são os aspectos estruturais do
gênero que permitem entender ritualizações, controle;16 mas, como já dissemos, há
também pontos de tensão, instabilidade e flexibilidade não tão ritualizados. Portanto,
o livro didático é concebido como um gênero do discurso complexo, híbrido,
heterogêneo, intercalado por diferentes gêneros que o tematizam como gênero
discursivo, constitui objeto cultural que se (re)modela conforme demandas externas
e princípios epistemológicos para o ensino, preconizados em documentos oficiais e
saberes da prática docente. Desta forma, o problema social dessa e de qualquer
pesquisa é formulado a partir de um conjunto de fatos, não estáveis e diversificados
que compõem a conjuntura estrutural a ser analisada.
A dimensão micro é constituída por textos que são gerados e circulam nas
práticas sociais em questão, uma vez que os textos contêm marcadores discursivos
de seus processos sociais de construção e seu estudo nos esclarece sobre os
processos sociais em que estão vinculados (MARTINS, 2007).
14
“Conjunturas são conjuntos relativamente estáveis de pessoas, materiais, tecnologias e práticas,
em seu aspecto de permanência relativa, em torno de projetos sociais específicos” (CHOULIARAKI e
FAIRCLOUGH, 1999, p.22).
15
Na ACD há três tipos de análises que atuam juntas são elas análise da conjuntura, da prática
particular e do discurso. Como nessa pesquisa focamos na relação entre discursos à análise da
prática particular não foi fundamental, mas, de qualquer forma aspectos das práticas envolvidas foram
discutidos.
16
Ordem do discurso entendido como organização social e controle de variação linguística
(FAIRCLOUGH, 2003).
36
2.2.3.1
As condições de produção do texto
A primeira dimensão da análise textual diz respeito às condições de produção
do texto do livro didático e que se baseia na propriedade de que textos estão
repletos de fragmentos de outros textos mais ou menos implícitos, podendo
assimilar, contradizer, ressoar, ironizar esses fragmentos (FAIRCLOUGH, 2001).
As dimensões analíticas da intertextualidade e interdiscursividade são
utilizadas para identificar o conjunto de discursos da pesquisa presentes/ausentes
no livro didático de ciências (FAIRCLOUGH, 2001, 2003).
A distinção feita entre intertextualidade e interdiscursividade serve, no caso
desta tese, principalmente para o texto da assessoria pedagógica (manual do
professor), no qual a análise depende unicamente da forma como se constroem os
discursos entre si. Fairclough (2001) considera essas duas dimensões na categoria
da intertextualidade, distinguindo-as em manifesta e constitutiva respectivamente,
sendo que a primeira tem foco na dialogicidade, enquanto a segunda, na
heterogeneidade dos textos.
2.2.3.1.1 Intertextualidade
O termo intertextualidade foi cunhado por Kristeva no final dos anos 1960, em
trabalho realizado por Bakhtin. Segundo Bakhtin (1986), cada enunciado17 é um elo
na cadeia da comunicação, seja ele uma conversa, um romance ou um artigo
científico, só podendo ser entendido no contexto de cada um deles.
Textos e enunciados trazem uma dimensão comunicativa no sentido de
responderem a outros anteriores e, anteciparem o que estão por vir. Daí a noção de
intertexto, no qual todo texto é constituído de outros textos (FAIRCLOUGH, 2001).
Esse é um princípio importante que caracteriza o uso que fazemos da linguagem nas
comunidades das quais fazemos parte. O significado dado ao texto, ou seja, a
maneira como o construímos, depende deste pertencimento.
17
Há muita oscilação conceitual de termos como discurso, texto, enunciado e outros. Há tantas
definições quantas teorias a respeito, e, às vezes, até mesmo entre pesquisadores de uma mesma
linha teórica (FLORES e TEIXEIRA, 2005). Grosso modo, é possível dizer que enunciado, em certas
teorias, equivale à frase ou a sequências frasais, concebido como unidade da comunicação, de
significação, necessariamente contextualizado. Para Voloshinov (pseudônimo usado por Bakhtin),
(1926) os termos enunciação, enunciado concreto, enunciado estão diretamente ligados a discurso
verbal, à palavra e ao evento (BRAIT, 2005).
37
É nas práticas sociais que a comunidade constrói os vínculos intertextuais
fundamentais para a semântica do texto, a análise do discurso e, o estudo dos
sistemas sociais, como por exemplo, a pesquisa em Educação em Ciências permite
entender como a comunidade científica constrói seus intertextos nas diversas
vertentes/linhas de pesquisa em convergência com essa prática. Os vínculos
intertextuais, a serem desenvolvidos no capítulo que apresenta a análise da
conjuntura, podem aparentemente estar explícitos, quando identificamos que textos
incluem temas parecidos, ou de mesmo assunto, ou implícitos. Identificar
temas/tópicos linguisticamente semelhantes é uma tarefa complexa porque além de
da utilização de termos diferentes para significar a mesma coisa, nem sempre há
concordância do significado do que é um mesmo tema/tópico. Para avançar nessa
direção e outras relacionadas, deve-se incluir para além da sintaxe outras
dimensões linguísticas, tais como o entendimento de noções de gênero, tipo textual,
registro, discurso especializado, padrão temático, ideologia, vozes sociais entre
outros (LEMKE,1992).
A intertextualidade é ao mesmo tempo constitutiva e condição para a leitura
porque significar textos, quer dizer, construir sentido entre textos, não se faz a partir
de um único texto. O que significa que o analista constrói “sentidos, a partir das
relações que se estabelecem entre os diferentes discursos que atravessam o texto e
aqueles mobilizados pelo analista” (MARTINS, 2007, p.101).
A intertextualidade reforça a dialogicidade de um texto, ou seja, reúne a voz
de autores e outros indivíduos chamados no texto (FAIRCLOUGH, 2003). Em
relação às vozes do discurso representado (indireto/paráfrase/pressuposição) e do
discurso representador (direto/citação) presente no texto, pode-se dizer que existem,
entre os tipos de discurso, duas escalas que se sobrepõem: a primeira é aquela em
que o limite entre discurso representador e representado, está explícito e claramente
marcado; e a segunda, em que a extensão do discurso representado se traduz na
voz do discurso representador.
Dependendo do texto, seja ele artigo científico, palestra ou mesmo uma
conversa, há diferenças no que é citado, quando, como e por quê. Essa é uma
variável fundamental a respeito de como o discurso é representado e do
entendimento da representação que pode ir além do ideacional ou conteúdo da
'mensagem,' para incluir aspectos do estilo e do contexto dos enunciados
representados.
38
Por isso, no caso da assessoria pedagógica do livro didático em foco, para
compreender os discursos ressaltados em diálogo com a pesquisa em Educação em
Ciências, empregamos a categoria da intertextualidade na busca por esses
discursos representador ou representado. Na identificação da dimensão intertextual
utilizamos as estratégias discursivas desenvolvidas por Fairclough (2001) tais como,
citação, paráfrase e pressuposição apresentadas no Quadro 1.
Quadro 1: Estratégias discursivas em cadeias intertextuais
ESTRATÉGIAS
DISCURSIVAS
DEFINIÇÃO
REPRESENTAÇÃO DO
DISCURSO
Citação
Citações são representações diretas do
discurso, ou seja, reproduzem exatamente a
voz do pesquisador.
Direto
Paráfrase
A paráfrase não utiliza palavras exatas do
discurso representado, mas o discurso
reformulado pelo autor, ou seja, caracteriza a
representação discursiva indireta. A
paráfrase possibilita identificar mescla de
vozes no discurso.
Indireto
Pressuposição
A pressuposição é uma maneira intertextual
de mesclar ao discurso construído pelo autor
do texto “vozes já estabelecidas ou dadas”.
Essas informações dadas podem ser de
outros ou podem ser de textos prévios do (a)
produtor (a) do texto. Isso pode possibilitar o
entendimento de aspectos da constituição
ideológica dos textos.
Indireto
Além de citações, paráfrases e pressuposições, a intertextualidade pode estar
expressa de outras formas no livro didático de ciências, por exemplo, na inclusão de
desenhos feitos por estudantes de forma a mostrar diferentes maneiras de
representar, por exemplo, o ar (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 9º ano, p. 63).
Como veremos, no texto intitulado “Entre as partículas existem espaços vazios” são
apresentados desenhos com finalidade de comparação entre concepções dos
estudantes. A comparação, nesse caso, foca nas dificuldades que muitas vezes os
estudantes têm de conceber o espaço vazio entre as partículas do ar, aspecto
fundamental na compreensão do modelo científico para o entendimento da estrutura
da matéria.
39
2.2.3.1.2 Interdiscursividade
A dinâmica da interdiscursividade é interna, depende de mecanismos de
redundância textual, ou seja, de repetições de temas ou ideias de discursos
preexistentes. No que se referem às relações interdiscursivas, essas se concentram
principalmente em aspecto relevante da análise textual, a saber, a análise de
gêneros.
Um gênero opera como "um modo de atuação sociodiscursivo numa cultura e
não como um simples modo de produção textual" (MARCUSCHI, 2008, p.17). Em
outras palavras, é um formato discursivo estável, que está intrinsecamente
relacionado a uma prática social.
Assim, "gêneros são realizados em significados e formas acionais em textos"
(FAIRCLOUGH, 2003, p 67.), ritualizados em atividades com elementos previsíveis
que ocorrem em uma ordem previsível, podendo ocasionalmente variar incluindo
elementos novos (FAIRCLOUGH, 2003). Quer dizer, os gêneros não são apenas
“superestruturas
determinísticas,
mas
também
formações
interativas,
multimodalizadas e flexíveis de organização social e de produção de sentidos”
(MARCUSCHI, 2008, p.17).
Por exemplo, o livro didático de ciências é um gênero tipicamente relacionado
ao discurso científico, entremeado pelas demandas pedagógicas organizadas em
sequência didática (a apresentação da situação, questões conceituais, os módulos e
a produção final, exames, exercícios de compreensão). Constitui um tipo de texto
inequivocamente associado às atividades do discurso pedagógico realizadas em
sala de aula.
Nesse sentido, a decodificação da interdiscursividade também depende da
capacidade de leitura do sujeito leitor, por intermédio dos interdiscursos produzidos.
Dessa forma, a interdiscursividade pode ser compreendida nas escolhas lexicais, no
vocabulário específico utilizado no texto, na transitividade e na coesão lexical.
2.2.3.2 Categorias de análise textual
Juntamente com as condições de produção do texto que constituem uma
análise mais interpretativa, utilizamos uma análise mais descritiva com base nos
40
marcos linguísticos dos textos (FAIRCLOUGH, 2001). Em nossas análises textuais
três categorias nos serviram. São elas: o vocabulário, a gramática (transitividade) e
elementos de coesão textual.
2.2.3.2.1 Léxicos e vocabulário
Os léxicos e vocabulário expressam compromissos e adesão a certos
enquadramentos ou visões de mundo. A relação entre palavras e significados não é
fixa como já apontado anteriormente. Os significados potenciais são instáveis,
envolvem lutas entre atribuições conflitantes de significados, podendo ser vistos
como um fator de conflito ideológico (FAIRCLOUGH, 2003).
Há, por exemplo, diferenças quanto ao uso da expressão “aluno” ou "sujeitos
de aprendizagem" e cada uma delas compreende marcadores discursivos de
orientação teórica diferenciada. Quando utilizamos a palavra aluno, queremos dizer
no sentido metafórico “discípulo” e que na escola quer dizer aquele que está na
posição de quem recebe um aprendizado. Já “sujeito de aprendizagem” é uma
expressão entendida como sujeito que conhece (epistêmico) e pode se remeter, por
exemplo, à teoria do desenvolvimento e aprendizagem de Piaget para quem
aprendizagem é necessariamente um processo, no qual há interações entre o sujeito
e o mundo ao seu redor. Portanto, o que se escolhe como expressão, vocabulário,
citação, já inclui em parte o sentido que queremos atribuir ao texto.
2.2.3.2.2
Transitividade
Fairclough (2003), a partir das ideias de Halliday sobre as metafunções da
linguagem (ideacional, interpessoal e textual), propõe uma recontextualização para
essa perspectiva e sugere que há três significados principais presentes em todos os
textos: o identificacional, o representacional (ideacional) e o acional. Para o autor,
podemos encontrar ação, representação e identificação, simultaneamente, tanto na
análise de textos completos, como em pequenos trechos.
Em nossa pesquisa, como já assinalamos, focalizamos em estratégias
analíticas voltadas ao significado representacional ou ideacional do discurso. A
dimensão ideacional pode, na linguística sistêmica de Halliday, ser apreendida por
41
meio de análises da transitividade. Esta é identificada a partir dos tipos de processos
codificados nas orações e seus elementos, ou seja, verbos e os participantes. Para
Fairclough (2001), há dois tipos principais de processos: um representado por
verbos que marcam uma relação entre os participantes e outros que marcam uma
ação de um participante sobre outro, direção a um determinado objetivo
(FAIRCLOUGH, 2001). Fairclough (2003) expande essa classificação como no
Quadro 2.
Quadro 2: Tipos de processos relevantes na análise textual (reproduzido de FAIRCLOUGH 2003
p.141)
TIPO DE PROCESSO
PARTICIPANTES-CHAVES
CIRCUNSTÂNCIAS
Material
Ator ou afetado
Material
Verbal
Ator
Verbal
Mental
Experimentador, Fenômeno
Mental
Relacional
Transportador, atributo, valor
Relacional (dois tipos)
Existencial
Existente
Existencial
Esse quadro traduz a ideia de que, para Fairclough (2001, 2003), as escolhas
são processos com significação cultural, política e ideológica. Assim, a análise da
transitividade permite identificar aspectos relacionados à agência, causalidade e
responsabilidades (implícitas ou explícitas).
Nossa opção por esta categoria analítica se justifica, uma vez que a
transitividade pode nos ajudar a entender, por intermédio de questões de
agenciamento, as formas de hibridização entre, por exemplo, o discurso científico e
discursos que expressam objetivos pedagógicos. Enquanto o primeiro geralmente
não indica agenciamento, o segundo tipicamente inclui formulações que deixam
claro o ponto de vista representado.
Outra característica relacionada à transitividade, e que nos interessa por estar
está muito presente – embora não exclusivamente - no discurso científico e em suas
recontextualizações, é o grau de nominalização ou a quantidade de grupos nominais
de uma oração. A nominalização é uma categoria discursiva na qual se observa a
conversão de processos em nomes. Nesta conversão, pode haver a omissão de
elementos semânticos, tais como tempo verbal ou exclusão de referências a
participantes (FAIRCLOUGH, 2001).
42
Para Thompson (1994), a nominalização é um tipo de metáfora gramatical
que realinha os elementos da mensagem. Assim, uma importante função da
nominalização é a de encapsulamento e, uma vez que o processo é um elemento
central na oração e os outros elementos são definidos a partir de sua relação com
eles, se for nominalizado, ocorrerá um inevitável efeito dominó sobre os outros
elementos. Quando um processo é expresso como uma coisa pela nominalização,
ela se tornará, então, um participante abstrato metafórico.
Halliday e Martin (1993) esclarecem que a metáfora gramatical está presente
na linguagem desde os gregos nos seus primeiros relatos científicos e que, ao longo
dos anos, foi se espalhando pelos países, tornando-se o que costumeiramente
chamamos de linguagem da ciência. Uma metáfora gramatical não é uma forma
diferente de falar o que seria dito numa forma congruente (literal). No literal, o nível
do sentido (semântico-discursivo) mapeia-se diretamente no nível da expressão
(léxico-gramatical), e vice-versa (SARDINHA, 2007). Na metáfora gramatical ocorre
uma tensão, um recurso da língua é usado como outro (exemplo: verbos que se
tornam nomes).
2.2.3.2.3 Coesão textual
A coesão textual diz respeito a como os períodos e parágrafos são
construídos no texto, ou seja, como orações são ligadas em frases e como essas se
unem para formar unidades maiores nos textos. Vocabulário de um mesmo campo
semântico, repetição de palavras, o uso de sinônimos próximos, conectivos como
conjunções, pronomes, artigos e expressões como sinonímia e hiponímia constituem
marcadores coesivos. A coesão textual forma o que denominamos a arquitetura do
texto, caracterizando um modo significativo de trabalho ideológico que ocorre em um
argumento, texto ou obra.
A partir dessa resumida exposição do referencial teórico-metodológico e das
categorias de análise decorrentes do mesmo, partimos para a descrição do corpus
de pesquisa que para a ACD está sempre aberto à ampliação e complementação.
43
3 DESCRIÇÃO DO CORPUS
Neste capítulo, o objetivo é esclarecer o conjunto de orientações, estratégias,
opções e percursos tomados na coleta de informações acerca da realidade
pesquisada. Descrevemos o corpus de pesquisa considerando três aspectos
relevantes da sua concepção. O primeiro trata da escolha da coleção didática entre
outras com características semelhantes; o segundo, da caracterização da obra
escolhida (livro do aluno e manual do professor, temáticas, unidades e capítulos,
ciência referência); e o terceiro, das seções específicas e dos excertos selecionados
do livro didático, que constituem o foco principal da análise textual. Esses aspectos,
relatados desta forma, não refletem exatamente um caminho cronológico
estabelecido nessa pesquisa, mas a ordem conferida diz respeito apenas ao caráter
da opção tomada para apresentação do material a ser analisado. Além disso, a
apresentação dos excertos já estabelece uma posição de análise, uma vez que a
abordagem usada emprega alguns elementos contextuais dos trechos selecionados
por meio da interpretação da pesquisadora.
3.1
CRITÉRIOS PARA A DELIMITAÇÃO DO CORPUS DA PESQUISA
Coleções novas de livros didáticos de ciências (ciências, química, física e
biologia) têm chegado às escolas nos últimos anos em ciclos trienais alternados
(ensino fundamental e ensino médio), conferidos pelos PNLD. Ao longo de nossa
prática docente, permeada pelo constante contato com estes materiais, identificamos
a “novidade” expressa de que algumas dessas coleções tinham como autores,
pesquisadores experientes do campo da Educação em Ciências.
Afirmamos isso, com base no conjunto de livros didáticos que possuem estas
características e estão listados no Quadro 3. Essas coleções de livros didáticos
foram avaliadas nos últimos PNLD (2011/2012),18 sendo que muitos desses livros já
estavam presentes em PNLD anteriores (2008/2009). O estudo que realizamos não
tem a intenção de comparar coleções e nem a pretensão de analisar todos os textos
18
Estamos nos referindo aos PNLD dos últimos anos do EF e do EM.
44
contidos nos compêndios, mas esse conjunto é importante para identificar a
representatividade dos textos em análise e da coleção selecionada para a tese.
Quadro 3: Livros didáticos autorados por pesquisadores do campo da Educação em Ciências
COLEÇÃO
AUTORIA
NÍVEL
EDITORA
CIÊNCIAS BJ
Nélio Bizzo e Marcelo Jordão
EF
Editora do
Brasil
CIÊNCIAS:
NATUREZA &
COTIDIANO
José Trivellato, Silvia Trivellato, Marcelo
Motokane, Julio Foschini Lisboa e Carlos
Kantor
EF
FTD S.A.
CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS
Carmen Maria De Caro, Helder de
Figueiredo e Paula, Mairy Barbosa Loureiro
dos Santos, Maria Emilia Caixeta de Castro
Lima, Nilma Soares da Silva, Orlando Aguiar
Junior, Ruth Schmitz de Castro e Selma
Ambrozina de Moura Braga.
EF
Scipione
EM
Edições
SM
SER
PROTAGONISTA
QUÍMICA
Julio Cesar Foschini Lisboa
QUÍMICA
Eduardo Fleury Mortimer e Andréa Horta
Machado
EM
Scipione
QUÍMICA PARA A
NOVA GERAÇÃO –
QUÍMICA CIDADÃ
Eliane Nilvana Ferreira de Castro, Gentil de
Souza Silva, Gerson de Souza Mól, Roseli
Takako, Matsunaga, Sálvia Barbosa Farias,
Sandra Maria de Oliveira Santos, Siland
Meiry França Dib, Wildson Luiz Pereira dos
Santos
EM
Editora
Nova
Geração
QUANTA FÍSICA
Carlos Aparecido Kantor, Lilio Alonso
Paoliello Junior, Luis Carlos de Menezes,
Marcelo de Carvalho Bonetti, Osvaldo
Canato Junior, Viviane Moraes Alves,
EM
Editora PD
FÍSICA EM
CONTEXTOS –
PESSOAL – SOCIAL
– HISTÓRICO
Alexander Pogibin, Maurício Pietrocola,
Renata de Andrade, Talita Raquel Romero
EM
Editora
FTD
NOVAS BASES DA
BIOLOGIA
Nélio Bizzo
EM
Ática
No Quadro 3, a lista de autores é composta de nomes de pesquisadores
ativos no campo e sistematicamente envolvidos em atividades de formação de
45
professores e que fazem parte do evento social, relativamente atual, no qual
pesquisadores têm ocupado a posição social de autores de livros didáticos.
Em análise preliminar, percebemos que as primeiras coleções de autores
pesquisadores surgem aproximadamente por volta de 10 anos atrás. Além disso, a
maioria delas (três coleções são exceções no Quadro 3) é escrita fugindo ao padrão
de um ou dois autores por coleção didática, demonstrando preocupação em montar
equipes multidisciplinares na elaboração das coleções didáticas (MOREIRA e
MARTINS, 2010).
Outro fato que consideramos importante relatar, e que se relaciona à escolha
da coleção para o corpus de pesquisa, é que, em princípio, tínhamos como objetivo
analisar mais de uma coleção do conjunto das obras mostradas no Quadro 3.
Contudo, ponderamos acerca da viabilidade da conclusão do estudo no prazo
pretendido, tendo em vista as demandas que se colocavam para o trabalho,
privilegiando análises de conjuntura articuladas às observações pormenorizadas de
fragmentos textuais. Mesmo se tivéssemos optado por trabalhar com mais de uma
coleção, mesmo que nos circunscrevendo a uma mesma disciplina (Física, Química
ou Ciências) ou nível de ensino (Fundamental ou Médio), a extensão do corpus
poderia ser excessiva.
Dessa forma, optamos por focalizar em apenas uma coleção e, além disso,
reduzir o corpus a excertos (de uma a duas páginas). A extensão e os critérios de
seleção do corpus foram, portanto, objetos de nossa preocupação, sobretudo no
contexto de algumas das críticas aos procedimentos analíticos da ACD. Por
exemplo,
[...] Por investigar, segundo Stubbs, apenas fragmentos de textos, os
analistas críticos do discurso deveriam prestar-se a explicações mais
plausíveis acerca dos motivos que os levam a selecionar os dados
randomicamente e a organizá-los de modo a extrair interpretações que
comprovem as hipóteses aventadas (RODRIGUES-JÚNIOR, 2009, p.107).
Um aspecto a ser esclarecido em relação à pesquisa que desenvolvemos diz
respeito às formulações a que chegamos ao decorrer da investigação realizada. A
busca não é exatamente por generalizações e comprovação de hipóteses, mas o
enfoque dado é na adoção de posicionamento visando e privilegiando a construção
histórica das relações de poder num viés mais exploratório, entendendo que estas
não são dadas, nem são possíveis de serem estabelecidas, exclusivamente por
meio da análise da materialidade do texto.
46
Nesse sentido, após considerar aspectos tais como: o perfil dos autores, o
contexto de elaboração da obra, as possibilidades de acesso aos mesmos para
eventuais consultas e a afinidade da pesquisadora com a disciplina ciências no
Ensino Fundamental, foi selecionada a coleção Construindo Consciências, composta
por quatro volumes (6º ao 9º ano do Ensino Fundamental).
Para determinar quais os excertos seriam analisados, optamos por consultar
os autores, com a finalidade de obter deles, sua visão sobre quais trechos do livro,
no momento da elaboração, tiveram influência de algum aspecto da pesquisa em
Educação em Ciências. Foram realizadas duas consultas, uma presencial e outra a
distância, com dois dos autores: os professores Orlando Aguiar Junior e Helder de
Figueiredo e Paula, respectivamente.
A partir destas consultas, estabelecemos um diálogo entre a informação
prestada pelos autores acerca dos trechos nos quais eles apontaram ter mobilizado
aspectos das pesquisas em Educação em Ciências e o conteúdo do livro didático.
Metodologicamente, a voz dos autores nos ajudou a fazer a seleção dos excertos do
livro didático que se constituiriam no corpus da tese, evitando que esta fosse
baseada unilateralmente na leitura e identificação de marcadores textuais pela
pesquisadora. De certa forma, esse foi um recurso de atentar à crítica, em geral
direcionada às pesquisas que se utilizam da ACD, de um grau de circularidade
inerente, na medida em que estas podem buscar dados que “refletem ideologias já
estabelecidas e, concomitantemente, as ideologias buscam dados que as
representem” (RODRIGUES-JÚNIOR, 2009, p.107).
Por essas razões, a consulta aos autores oportunizou uma escolha menos
arbitrária dos excertos a serem analisados19. Além disso, foi uma escolha que nos
pareceu acertada, uma vez que a fala dos(as) autores (as) do livro mobiliza
diferentes vozes sociais e intertextos relacionados às suas trajetórias profissionais,
leituras e pesquisas, evidencia a prioridade atribuída a determinadas linhas de
pesquisa, relaciona abordagens e conteúdos a resultados de pesquisa.
Esses aspectos também foram importantes para o desenvolvimento de uma
importante parte da análise, a saber, a análise de conjuntura, pois permitiram
19
Este procedimento de escolha do corpus de análise possibilitou vislumbrar algumas das maneiras
pelas quais os autores significavam o livro didático, em geral, e a coleção, em particular. Entretanto,
optamos por não tratar estas consultas como parte do material empírico por considerarmos que elas
encaminhavam a investigação na direção de outros objetivos, divergentes daqueles estabelecidos
inicialmente.
47
identificar quais dentre as diversas linhas de pesquisa do campo da Educação de
Ciências
necessitariam
ter
sua
história,
constituição
e
desenvolvimento
problematizados. O fato de termos conversado apenas com dois dos oito autores
não nos parece ter sido um limitante severo, na medida em que o grupo de oito
autores trabalha em colaboração há pelo menos dez anos e, apesar de trilharem
carreiras de pesquisa individuais, compartilham não só pressupostos teóricos, mas
também experiências de trabalho. Além disso, é importante ressaltar que não
buscamos
representatividade,
no
sentido
estatístico,
nem
exaustão
das
possibilidades de significação.
Consideramos ainda que a consulta aos autores permitiu o estabelecimento
de uma relação de troca entre pesquisadores. Assim, o fato da interação entre a
pesquisadora e os autores do material analisado não se dar somente quando da
conclusão da pesquisa permitiu explicitar objetivos, bem como dilemas, negociar
sentidos e estabelecer uma parceria na qual os autores não só contribuem, mas
também se implicam nas demandas da pesquisa.
3.2
O LIVRO DIDÁTICO CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS
Na descrição da coleção analisada, destacamos dois aspectos principais: a
autoria (formação acadêmica e profissional dos autores) e os aspectos da
organização da coleção didática (distribuição em unidades e capítulos, temáticas, e
sessões dos livros e excertos selecionados).
3.2.1 A autoria
De acordo com informação encontrada na própria coleção didática, a equipe
de autores possui envolvimento em projetos de pesquisa de ensino, reformulação
curricular e formação continuada de professores de Ciências, Biologia, Física e
Química. Além disso, segundo outras informações, também contidas no livro, os
quatro volumes do livro didático foram, previamente, entregues a professores de
quatro capitais brasileiras a fim de que fizessem críticas e observações e receberam
pareceres de especialistas de diversas áreas por meio de consultorias sobre a obra
48
didática. A equipe que integra os autores (as) desse livro didático compreende o
Grupo APEC – Ação e Pesquisa em Educação em Ciências- que realiza projetos
com foco na melhoria do ensino-aprendizagem de Ciências, em geral, vinculados à
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O Quadro 4, a seguir, apresenta tanto a formação acadêmica como as atuais
ocupações profissionais dos autores (as) da coleção didática.
Quadro 4: Formação acadêmica e ocupação dos autores de acordo com a edição de 2010
AUTOR
GRADUAÇÃO
MESTRADO
DOUTORADO
OCUPAÇÃO ATUAL
Carmen De
Caro
Ciências Biológicas
UNICAMP
Biologia Vegetal
– Genética
UNICAMP
Educação
UFMG
Professora do Colégio
Técnico e Curso de
Especialização do Cecimig
da UFMG
Helder de
Figueiredo
e Paula
Física UFMG
Educação
Tecnológica
CEFET-MG
Educação
UFMG
Professor do Colégio
Técnico da UFMG e do
Programa de pósGraduação da Faculdade
de Educação da UFMG
Mairy
Loureiro
dos Santos
História Natural
UFMG
Ecologia
UnB

Professor de Metodologia
de Ensino de Ciências em
escola de Ensino Superior
Maria
Emília
Caixeta de
Castro
Lima
Química
UFMG
Educação
UFMG
Educação
UNICAMP
Professora de Metodologia
de Ciências/Química da
UFMG
Educação
UFMG
Educação
UFMG
Diretora do Centro de
ensino de Ciências e
Matemática (CECIMIG) e
coordenadora do PIBID de
Química na Faculdade de
Educação na UFMG.
Professor de Metodologia
de Ensino de
Ciências/Física da
Faculdade de Educação
da UFMG
Nilma
Soares da
Silva
Química
UFMG
Orlando
Aguiar
Junior
Física
UFMG
Tecnologia
CEFET-MG
Educação em
Ciências
Leeds (England)
Ruth
Schmitz de
Castro
Física
UFMG
Ciências
USP

Coordenadora Pedagógica
da Escola Legislativo do
ALMG
Selma
Ambrozina
de Moura
Braga
Ciências - Hist.
Nat.
UFMG
Educação
UFMG
Professora de Ciências do
Centro Pedagógico e do
Curso de Especialização
em Ensino de Ciências,
Biologia, Física e Química.
Educação
PUC- SP
49
As informações do quadro corroboram a diversidade, competência e
experiência que o grupo apresenta nas disciplinas ciências, Educação em Ciências e
áreas afins.
De forma a entender a inserção dos pesquisadores como autores, fizemos
uma pesquisa em acervo, localizado na biblioteca da Faculdade de Educação da
USP, denominado LIVRES20. Esse estudo21, mesmo que de forma pouco
aprofundada e de caráter restrito, por tratar-se de um único acervo, teve
representatividade pelo grande número de livros que tivemos acesso. Nesse
levantamento foi possível caracterizar perfis de autores dos livros didáticos de
ciências no contexto sócio-histórico do desenvolvimento da disciplina escolar de
ciências. Encontramos que a maioria dos autores dos livros didáticos, em décadas
passadas, era oriunda do magistério ou profissionais com designação de técnicos
em educação. Outras profissões, em menor número, foram identificadas para os
autores de livro didático, tais como a de médicos e ainda pessoas relacionadas à
religião (padre).
Outro aspecto assinalado nesta pesquisa foi o fato de que os autores de livros
didáticos em geral assumiam papel de formadores de professores, relacionando “o
que” com “o como” a ser ensinado, o que ainda parece fazer parte da concepção
dos livros didáticos atuais, como apontaremos nas análises textuais (MOREIRA e
MARTINS, 2010).
A despeito dessas considerações, entendemos que autores de livro têm
realmente uma função relevante, no aspecto que vincula à concepção da obra ao
que é a obra, ou seja, o sujeito/autor reunindo na sua obra um modo de expressar,
imprimindo um estilo.
Aguiar Junior (2004) aponta para uma modificação nesse grupo de autores de
livro didático de ciências, os quais nos últimos anos e especialmente nos grupos que
ele qualifica de “alternativos”:
20
Banco de dados de livros escolares brasileiros de 1810 até 2005, projeto da professora Circe
Bittencourt da faculdade de Educação da USP. Disponível em: <http://paje.fe.usp.br/estrutura/livres/>.
21
O nosso interesse foi procurar saber se esse movimento de autoria era relativamente atual ou uma
tradição nessa área. Anotamos informações específicas acerca do autor do livro, sua formação,
atuação profissional, e vinculação institucional com base em dados (anotações e fotografias)
disponíveis nos próprios exemplares dos livros didáticos, tais como: edição, editora, ano de
publicação, os autores, profissão dos autores, equipe de autores, exemplar do professor ou do aluno,
série/ano letivo de destino, entre outras.
50
os autores são pesquisadores ou professores que estiveram muito próximos
da pesquisa acadêmica em educação em ciências. Além disso, vários
desses novos autores estiveram recentemente envolvidos com reformas
curriculares, atuando nestas, como consultores, produzindo materiais e
programas para formação continuada de professores (AGUIAR JUNIOR,
2004, p.6-7).
Há nessa citação a ideia de que, certos livros, por intermédio de seus autores,
disponibilizam inovações detalhadas para o uso do professor. O interessante nesse
artigo de Aguiar Junior (2004, p.7), e que converge para o que discutimos nessa
pesquisa, diz respeito ao grupo de autores e sua inserção na pesquisa de Educação
em Ciências, para o qual “o livro é assumido enquanto Projeto de Ensino aberto,
flexível, em permanente mudança”.
3.2.2 Organização da coleção
Os quatro volumes da coleção didática estão organizados da mesma forma
contendo: capa, autores, apresentação e sumário no início do livro. O texto é
disposto em unidades (4 a 5, dependendo do volume) e capítulos. Cada capítulo (1 a
5 por unidade) apresenta seções temáticas, além do texto principal, tais como
Trocando ideias, Mãos à obra, Faça em seu caderno, O que você aprendeu sobre,
cada uma delas voltadas aos objetivos específicos de aprendizagem. Ao final de
cada unidade há indicações de leituras (livros, artigos), vídeos e sites para a
consulta dos estudantes. A coleção analisada contém também uma bibliografia nas
últimas páginas do livro do aluno e outra no manual do professor (assessoria
pedagógica).
3.2.2.1 Manual do professor
Um ‘manual do professor’, como a própria denominação utilizada no âmbito
do PNLD indica, é um texto endereçado a esse grupo de profissionais que tem o
propósito de esclarecer aspectos do projeto editorial e da proposta curricular
pedagógica, bem como apresentar características específicas do livro em relação a
obras semelhantes, sugestões de atividades etc. O manual do professor, nessa
coleção didática, recebe o nome de “Assessoria Pedagógica” e localiza-se no final
do livro do aluno no exemplar destinado a este profissional.
51
O texto da Assessoria Pedagógica é dividido em cinco partes que
descreveremos a seguir. A primeira página, contendo uma apresentação da
proposta, tem o formato de uma carta endereçada aos professores (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.4). Em seguida, a segunda e a terceira
partes, denominadas ‘Nossa concepção de currículo e de educação em Ciências’
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.5-16) e ‘A estrutura e
os recursos da coleção’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica,
p. 17-24), respectivamente, compondo o texto comum aos quatro volumes (do 6º ao
9º anos). As páginas seguintes (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria
pedagógica, p. 25-89) envolvem sugestões sobre cada unidade a ser desenvolvida
e, por conseguinte, são diferentes para cada volume. Finalmente as páginas finais
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.90-92), são dedicadas
à listagem das referências utilizadas pelos autores. A assessoria pedagógica nos
quatro volumes, embora apresente pequenas diferenças, totaliza o mesmo número
de páginas.
Em nossas análises nos voltamos para a parte do texto que é idêntica nos
quatro volumes da obra (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica,
p.5-24). Além da extensão do texto da assessoria pedagógica (92 páginas em cada
livro), dois motivos nos levaram a focar nas primeiras vinte e quatro páginas deste
manual: o primeiro motivo diz respeito ao alcance que o texto comum tem na prática
escolar, compreendendo uma leitura endereçada a todos os professores das quatro
séries finais do Ensino Fundamental. Um segundo motivo, relaciona-se ao conteúdo
do texto, uma vez que envolve a parte da assessoria pedagógica que mais cita
pesquisadores do campo de pesquisa em Educação em Ciências, mesmo não
excluindo a possibilidade de identificar citações e comentários relacionados à
pesquisa e a pesquisadores em outras seções do manual.
O texto da assessoria pedagógica foi importante na discussão dessa pesquisa
pelas representações discursivas referidas à pesquisa em Educação em Ciências
encontradas. De fato, a referência explícita feita à pesquisa em Educação em
Ciências logo nas primeiras palavras, endereçadas aos professores, dimensiona a
importância que o grupo de autores confere à influência desse tema no que será
apresentado ao longo do livro didático.
A leitura dessa Assessoria pedagógica é importante. Apresentamos aqui
nossas opções fundamentadas nas pesquisas em educação em ciências,
52
discutimos algumas dificuldades que os professores podem encontrar ao
longo do seu trabalho e sugerimos formas de intervenção de modo que se
superem obstáculos (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria
pedagógica, p.4, grifo dos autores).
A análise que realizamos dos textos da assessoria pedagógica foi importante
como complementação do corpus de análise, tanto pela caracterização do texto do
livro didático pelos autores, quanto para a identificação de vários discursos
relacionados à pesquisa incorporados ao texto.
3.2.2.2 Livro do aluno
Numa visão geral, a quantidade de páginas, temas, unidades e capítulos
parecem estar distribuídos de forma equitativa entre os anos letivos do Ensino
Fundamental II (6º ao 9º ano), como podemos observar na Tabela 2.
Tabela 2: Número de páginas e distribuição em unidades e capítulos dos volumes da coleção didática
NÚMERO DE PÁGINAS
VOLUME
QUANTIDADE POR VOLUME
LIVRO DO
ALUNO
ASSESSORIA
PEDAGÓGICA
UNIDADES
CAPÍTULOS
6º ano
264
96
4
13
7º ano
248
96
5
11
8º ano
232
96
4
10
9º ano
264
96
5
11
Quanto à distribuição de temas por unidades, o livro do 6º ano, por exemplo, é
composto por quatro unidades com títulos diferenciados de acordo com o tema a ser
ensinado, como apresentado na Tabela 2.
Fizemos algumas associações entre os temas e as disciplinas a eles ligados e
identificamos uma discreta predominância dos relacionados à Biologia, seguido de
temas de Física e de Química. Além disso, destacamos a presença, em menor
quantidade, de tópicos relacionados à História da Ciência e às Ciências da Terra,
Biotecnologia, Agricultura e Astronomia.
Como o ensino de ciências é interdisciplinar, essas considerações são
importantes pela posição e espaço dos diferentes tópicos nos livros. Por exemplo,
tradicionalmente presente apenas em livros para o 9o ano (NASCIMENTO e
53
REZENDE JUNIOR, 2010), os conteúdos relacionados à Física são nesta coleção
didática apresentados de maneira melhor distribuída ao longo dos volumes
destinados aos quatro anos letivos, o que foge a um tipo de organização
considerado hegemônico quando se trata de Ensino Fundamental.
O projeto editorial organiza o livro em seções temáticas, descritas na Tabela
3. Todas essas seções são descritas na parte intitulada ‘Estrutura e recursos da
coleção’ da Assessoria Pedagógica (p.17). Entretanto, nem sempre estão todas elas
presentes em cada uma das unidades do livro. Por exemplo, no caso dos três
primeiros capítulos da Unidade I do livro do 6º ano, não há as seções “Ciência tem
história”;
“Ciência,
tecnologia
e
sociedade”;
“Entrevista”
e
“Investigação
compartilhada”.
Tabela 3: Número de ocorrências das seções na coleção didática Construindo Consciências
SEÇÃO
6º ano
7º ano
8º ano
9º ano
36
28
22
25
30
27
24
21
4
10
4
6
Trocando ideias
17
14
15
19
Para saber mais
12
14
11
10
O que você aprendeu sobre
13
11
10
11
Projeto de investigação
2
-
-
4
Investigação compartilhada
3
4
3
2
Entrevista
3
1
-
-
Pesquisando sobre
8
4
-
1
Ciência, tecnologia e sociedade
4
2
2
6
Ciência em debate
4
3
2
2
Ciência e arte
2
5
4
2
Ciência tem história
6
5
3
6
Faça em seu caderno
Mãos à obra (experimentos e atividades
práticas)
Praticando e avaliando a leitura
De forma geral, a exemplo do que podemos observar na Tabela 3, as seções
tais como “Faça no seu caderno” e “Mãos à obra” são as que aparecem em maior
54
número em todos os volumes da coleção, ao longo das unidades22. A seção “O que
você aprendeu sobre” corresponde à quantidade de capítulos encontrados em cada
volume da coleção. Embora o texto principal ainda seja o componente do livro que
se encontra em maior ocorrência, a presença das seções “Mãos à obra”,
“Investigação compartilhada”, “Trocando ideias”, entre outras, envolvendo a
participação dos estudantes em atividades, promovem uma forma de aprendizagem
que se afasta de uma transmissão conteudista, levando o estudante a trabalhar com
evidências empíricas, articulando-as com o que aprende nos textos científicos.
3.2.2.3 Excertos selecionados
Neste item apresentamos os excertos selecionados. Quatro deles foram
identificados após a conversa com o professor Orlando Aguiar Junior, e dois deles,
no contexto da conversa com o professor Helder de Figueiredo e Paula. Os excertos
estão representados no Quadro 5 e, como veremos, cada um deles encontra-se
associado a uma ou mais linhas de pesquisa da Educação em Ciências, como
descritos na apresentação de cada um deles.
O texto de cada um dos excertos pode ser acessado pela leitura dos anexos,
correspondendo cada um dos excertos do Quadro 5, aos ANEXOS 1 a 6,
respectivamente. Optamos por não fotocopiar o livro didático, uma vez que a
editora23 não nos concedeu a autorização para fazê-lo. Entramos em contato
algumas vezes24 com a editora por e-mail e explicamos as razões e o interesse em
copiar apenas esses excertos, selecionados para análise e, mesmo assim a
autorização não foi concedida.
O Quadro a seguir, mostra que o conjunto de excertos inclui pelo menos um
texto dos quatro volumes da coleção didática e diz respeito a três seções temáticas,
a saber: “Texto”, “Trocando ideias” e “Ciência tem história”.
22
Não contamos a ocorrência do texto principal, uma vez que serve de base para a inserção de todas
as seções que apresentamos na tabela. O texto principal ocupa a maior parte do livro didático em
estudo.
23
A editora que publica essa coleção é a Scipione que passou a fazer parte do Grupo Abril em
23
2004 , ano no qual esse grupo comprou duas editoras (Scipione e Ática) com tradição reconhecida
no mercado brasileiro de livros didáticos.
24
Entre os dias 30/03/2012 a 10/04/2013 quando do último e-mail negando a concessão de
reprodução de qualquer parte do livro.
55
Quadro 5: Os excertos selecionados para a análise
NÚMERO
DO
EXCERTO
TÍTULO DO EXCERTO
VOL.
SEÇÃO
TÍTULO DA
UNIDADE
TÍTULO DO
CAPÍTULO
Modos de ser
e de viver
dos
vertebrados
168-170
PÁG.
1
Vida de piaba
6º ano
Texto
A diversidade
da vida
2
A influência da Lua
7º ano
Trocando
ideias
Lua, Sol e
movimentos
da Terra
A Lua nossa
vizinha mais
próxima
202-203
3
Avaliando
evidências sobre a
nutrição dos
vegetais
7º ano
Ciência tem
história
Energia e
ambiente
O sol e a vida
na Terra
151-154
Luz e visão
165
4
O que sabemos
sobre luz e visão
8º ano
Trocando
ideias
O organismo
humano e
suas
interações
com o
ambiente
5
Entre as partículas
existem espaços
vazios
9º ano
Texto
Modelando
Materiais
O mundo que
não vemos
63-64
6
Viajando com
segurança
9º ano
Texto
Ciência,
Tecnologia e
sobrevivência
Viajando com
segurança
183-184
3.2.2.3.1 Seções específicas
De forma a entender as diferenças entre as seções das quais os excertos
foram selecionados para a análise, elaboramos um pequeno resumo explicativo de
cada uma delas, quais sejam: “Trocando ideias” e “Ciência tem história”. Optamos
por não descrever as que não tiveram representação no corpus.
a) Texto
O texto é apresentado pelos autores pela expressão texto principal. Para os
autores
56
o texto principal de cada capítulo é subdividido em subtítulos sendo
articulados com as diversas atividades e seções presentes em cada
capítulo. Em conjunto, uma grande diversidade de gêneros textuais é
oferecida aos estudantes de maneira que contribua para o desenvolvimento
de competências tais como as de leitura e escrita (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.18).
No corpus temos três textos principais, sendo eles: ‘Vida de piaba’
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p. 168-170), ‘Entre as
partículas existem espaços vazios’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do
aluno,
9º
ano,
p.63-64)
e
‘Viajando
com
segurança’
(CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p. 183 e 184). Compondo a seção
específica de texto principal, ‘Vida de piaba’ e ‘Entre as partículas existem espaços
vazios’ são subtítulos dos capítulos aos quais pertencem e se encontram entre as
primeiras quatro páginas dos mesmos. O excerto ‘Viajando com segurança’ é o texto
de abertura do capítulo. Os três possuem mais ou menos a mesma extensão no livro
didático, sendo que ‘Vida de piaba’, por apresentar um conjunto de cinco fotos e
desenhos, ocupa três páginas, enquanto os outros dois ocupam duas páginas.
b) Trocando ideias
Para os autores, a seção “Trocando ideias” é constituída por
questões utilizadas para levantamento e organização dos conhecimentos
prévios dos estudantes. São orientadas para estimular o estudante a
resgatar informação disponível e a fundamentar seus pontos de vista ao
interpretar fenômenos (ASSESSORIA PEDAGÓGICA, p. 17).
Em geral, a seção está localizada no início do capítulo, introduzindo um
assunto. Contudo, identificamos que esta não é uma regra, já que nos capítulos em
que essa seção ocorre quatro vezes, por exemplo, ela está presente inclusive no
final do capítulo.
O texto, intitulado ‘O que sabemos sobre luz e visão’ (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano, p.165), é um dos selecionados da seção
“Trocando ideias”. Está localizado na segunda página do capítulo oito da unidade 4
do terceiro volume da coleção (8º ano). O volume do 8º ano possui dez capítulos e a
seção “Trocando ideias” está presente em todos eles, ao menos uma vez, sendo
que, no capítulo cinco aparece três vezes e nos capítulos dois, sete, oito e dez,
comparece duas vezes, totalizando dezesseis ocorrências no volume como um todo.
57
O texto, ‘A influência da Lua’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do
aluno, 7º ano, p.202-203), também pertence à seção “Trocando ideias” e encontrase no livro do 7º ano, no qual foram identificadas treze ocorrências dessa seção.
Diferente do outro volume (do 8º ano), nem todos os capítulos apresentam essa
seção, estando presente apenas em algumas unidades (2, 5, 8 e 11). A seção
“Trocando ideias” ocorre quatro vezes no capítulo um; três vezes no capítulo dez, e
duas vezes no capítulo seis. Nos demais, ocorre uma única vez. O capítulo nove ‘A
Lua, nossa vizinha mais próxima’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,
7º ano, p.189), encontramos apenas uma seção do “Trocando ideias”, que é a do
excerto selecionado.
De qualquer forma, embora a distribuição não seja homogênea, entendemos
que essa é uma seção específica que tem grande representatividade nos quatro
volumes da coleção didática.
c) Ciência tem história
Essa seção temática do livro é descrita na assessoria pedagógica da seguinte
forma:
Referências e informações oriundas da história das ciências e da tecnologia.
Elas são encontradas ao longo do texto principal. Às vezes, entretanto,
torna-se conveniente reuni-las em um texto especial sucedido por questões
destinadas a promover reflexões sobre a natureza da atividade científica
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.17).
Portanto, os autores consideram que, alguns textos, como o excerto do
capítulo sete ‘Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais’, têm a história da
ciência em destaque e sua “a principal intenção não é a de identificar ‘grandes
personagens’ da história das ciências, nem fazer apologias ao conhecimento
científico”, e sim a de ilustrar caminhos “que caracterizam o processo de produção e
validação” do
conhecimento
da
ciência
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS,
assessoria pedagógica, p. 19).
No corpus de pesquisa, esse é o único texto da seção específica “Ciência tem
história”, pertencendo ao volume do 7º ano. Nesse volume do livro didático,
encontramos três ocorrências dessa seção nos capítulos três, sete e onze
respectivamente e duas no capítulo nove, totalizando cinco no volume como um
todo.
58
3.2.2.3.2 O contexto dos excertos selecionados
Outro aspecto que descreveremos nesse capítulo é o que denominamos
contexto do excerto, ou seja, os elementos que circundam os seis excertos,
compondo o corpus de pesquisa, tais como a justificativa para sua escolha, figuras e
desenhos, conteúdo a ser aprendido, entre outros.
a) Vida de Piaba25
O excerto 1 (ANEXO 1) foi escolhido por ter sido apontado pelo Professor
Orlando Aguiar Junior como um exemplo de texto do livro didático, que inclui
discursos relacionados às pesquisas sobre linguagem, especificamente sobre o
papel das narrativas, no ensino de ciências.
A unidade três, da qual o excerto faz parte, intitula-se “A diversidade da vida”
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.144-236) e tem por
objetivo o estudo dos seres vivos.
O primeiro capítulo dessa unidade (capítulo oito) trata de diferenças e
semelhanças entre os seres vivos. Para isso, é feita a comparação entre uma
biblioteca e sua organização, e a classificação dos seres vivos. Neste exemplo, o
que se procura é através da comparação (biblioteca) discutir a importância da
classificação (critérios) na vida do homem. Neste capítulo também é apresentada a
história da classificação dos seres vivos.
O capítulo nove, “Os modos de viver dos vertebrados”, explora a biologia dos
peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos. O que chama atenção nesse capítulo é a
forma de abordar o conteúdo “Seres vivos”, tradicionalmente ensinado no 7º ano do
Ensino Fundamental, e, nesta coleção, introduzido no 6º ano. Esse aspecto
evidencia o fato que apontamos anteriormente: a distribuição diferenciada de
conteúdos na coleção didática. As restrições impostas pela política educacional não
evitaram que essa coleção didática promovesse mudanças na prática discursiva26
pedagógica tradicional, respaldada pelos currículos oficiais de ciências.
25
Piaba é um termo que vem do Tupi e quer dizer “pele manchada”. Assim são chamados pequenos
peixes brasileiros atingindo no máximo 20 centímetros. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Piaba>
26
Prática discursiva baseia-se em convenções que naturalizam relações particulares de poder e
ideologia, e essas convenções e as formas como elas são articuladas são foco de conflitos
(FAIRCLOUGH, 1992).
59
Outro exemplo de formas pelas quais a coleção em questão distingue-se de
abordagens tradicionais diz respeito à apresentação da biologia dos peixes. Este
tema costuma estar associado ao contexto da classificação dos seres vivos,
taxionomicamente distribuídos em reinos e a partir de um elenco de características
dos grupos.
Entretanto, no capítulo nove, “Modos de ser e de viver dos
vertebrados”, os autores não partem do grupo taxionômico para elencar suas
características, mas sim da referência a um tipo específico de peixe, chamado piaba.
Essas são questões importantes de serem entendidas, uma vez que estabilidades
ou transformações requeridas nos textos inserem-se de forma ampla (elementos
linguísticos e extralinguísticos) no contexto social da prática pedagógica e não
somente na materialidade dos textos didáticos. Para Halliday e Martin (1993), existe
diferença entre descrever e classificar na ciência na qual a descrição propõe-se a
falar sobre as coisas e a classificação a esclarecer os processos que envolvem as
coisas (HALLIDAY e MARTIN, 1993). Quer dizer, conhecer os seres vivos por
intermédio dos processos complexifica o entendimento dos estudantes, não apenas
pelo uso dos termos técnicos, mas por sua ordenação taxionômica.
Desta forma, o título “Vida de piabas”, ao utilizar o vocábulo “vida”
significando modos de vida, tempo de vida e referindo-se a um tipo de peixe, procura
escapar do padrão apontado. O apelo à vida parece vir de encontro ao apagamento
que em geral a linguagem científica promove aos processos a ela relacionados.
Piabas antes de serem peixes são seres com vida, ou seja, seres vivos. E o mesmo
ocorre com todos os vertebrados relacionados no capítulo nove, tais como em “Vida
de sapo e rã”, “Vida de serpentes”, “Vida das corujas-buraqueiras” e “Vida de
morcegos”.
Em geral, os livros didáticos, ao apresentam os seres vivos, principalmente
aqueles mais conhecidos (morcego, cobras, cães, etc.), promovem um afastamento
dos estudantes pelo uso de termos técnicos, tais como vertebrados, quirópteros,
ofídios, canídeos entre outras nomenclaturas. O vocábulo peixe pode ser entendido
como um termo da vida cotidiana dos estudantes. No entanto, este termo, no
contexto do livro didático de ciências, muitas vezes assume o status de grupo de
animais27 e não o significado dado ao mesmo na vida cotidiana.
27
A expressão peixes é utilizada com base na semelhança de vertebrados aquáticos e não
caracteriza uma unidade taxonômica. Para a biologia "Pisces" representa um táxon parafilético (parte
dos peixes apresenta maior parentesco com o grupo dos Tetrápoda do que com outros peixes), por
60
No
capitulo
dez,
“Conhecendo
os
invertebrados”
(CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.185-202) que sucede o capítulo dos
vertebrados, a estratégia adotada de utilizar nomes populares (vespas, aranhas,
escorpiões, piolhos, pulgas) para apresentar os seres vivos se repete, embora
tenhamos encontrado palavras ou termos técnicos, tais como artrópodes, anelídeos,
moluscos, etc.
O
capítulo
onze,
“A
diversidade
das
plantas”
(CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.203-216) e o doze, “Nem bichos nem
plantas,-,que seres são estes?” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,
6º ano, p.217-236) complementam a unidade que tem como objetivo a
aprendizagem dos diversos grupos de seres vivos.
b) A influência da Lua
A unidade 4 tem o título “Lua, Sol e movimentos da Terra” (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.166-206), e os capítulos oito e nove
tratam desses três astros, não exatamente nessa ordem; o capítulo oito relaciona-se
ao Sol e movimentos da Terra, e o capítulo nove, às questões do satélite Lua.
O excerto 2 (ANEXO 2) localiza-se no capítulo nove, cujo título é “A Lua,
nossa vizinha mais próxima” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º
ano, p.189-206), que após caracterizar o astro como satélite e compará-lo a outros
do sistema solar, apresenta uma seção intitulada “A Lua em nossa cultura”
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.199-206). Tanto o título
do capítulo, como o da seção citada, utilizam o pronome reflexivo “nossa” indicando
que os estudantes/interlocutores estão incluídos no que está dito. No primeiro caso,
o termo “nossa vizinha” indica uma proximidade e, no segundo, “nossa cultura” inclui
na relação identificada questões que em geral circundam o satélite, tais como
crenças e valores que se associam a essa vizinhança.
A parte intitulada “A lua em nossa cultura” traz uma discussão sobre as marés
e sua relação com a lua e suas fases. O texto “A influencia da Lua” aprofunda as
influências do satélite no planeta Terra, muitas delas consideradas crenças, mitos
populares sobre a lua, tais como crescimento do cabelo, nascimento de bebês entre
incluir
alguns
descendentes
de
um
ancestral
comum.
Disponível
em:
<http://www.educacaopublica.rj.gov.br/oficinas/ed_ciencias/peixes/porque/organizando/agrupamentos
_taxonomicos.html>.
61
outros acontecimentos da vida. Segundo o Professor Helder de Figueiredo e Paula,
esse texto foi mencionado por incluir questões da pesquisa, envolvendo
problemáticas da cultura na sua relação com o ensino de ciências.
c) Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais
Este excerto 3 (ANEXO 3) foi o escolhido por ter sido apontado pelo Professor
Orlando Aguiar Junior como exemplo de texto do livro didático, com o qual os
autores dialogaram utilizando discursos relacionados às linhas de pesquisa da
História da Ciência e Natureza da Ciência.
A unidade três, “Energia e ambiente” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro
do aluno, 7º ano, p.116-164) trata de diversos assuntos relacionados à energia, tanto
do ponto de vista conceitual (física, biologia) quanto dos problemas ambientais
relacionados às questões energéticas.
O capítulo seis, intitulado “Transformações de energia” (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p. 118-143), inicia fazendo um
levantamento das concepções sobre energia dos estudantes pelo recurso de
imagens. Os textos do capítulo seis discutem formas e fontes de energia, impactos
ambientais, usos de energia e a abordagem ao fim do capítulo compreende um
conjunto de conceitos da física (energia cinética, potencial, calorímetro).
O capítulo sete, “o Sol e a vida na Terra” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS,
livro do aluno, 7º ano, p.144-164), tem como objetivo relacionar sol e vida e,
portanto, tem como disciplina base a biologia. Logo de inicio é lembrada a música
Luz do Sol, de Caetano Veloso, para o estudo da fotossíntese.
O excerto é um texto que, segundo o autor, foi pensado para enfrentar o
problema da concepção equivocada dos estudantes sobre a nutrição dos vegetais.
Em geral, os estudantes pensam que plantas se alimentam de terra/solo e por isso
crescem e ficam mais pesadas. Kawasaki e Bizzo (2000) entendem que há nessa
forma de pensar a ênfase na ideia de que o solo é o meio que fornece todo tipo de
nutrientes, deixando de fora plantas que não crescem em solos e que mesmo assim
sobrevivem. Os autores do livro didático foram buscar na história da ciência
exemplos de experimentos e ideias que pudessem dar conta desta relevante
questão para o ensino da fotossíntese. Portanto, embora o capítulo sete seja
62
abrangente, o foco principal é a fotossíntese das plantas relacionando-a com a
energia solar.
d) O que sabemos sobre luz e visão
Este excerto 4 (ANEXO 4) foi escolhido por ter sido apontado pelo Professor
Orlando Aguiar Junior, como exemplo de texto que inclui discursos relacionados às
concepções alternativas sobre luz e visão e à história da Ótica. O autor considera a
atividade importante para que o estudante compreenda o modelo básico da ótica,
nas suas ideias estruturantes, e posteriormente dar sentido ao que vai ser ensinado.
Foram citados modelos de pesquisas em Educação em Ciências que,
categorizados, refletem três formas diferenciadas de modelar a visão (o modelo do
olho, do sol, e o físico) que se repetem quando estudantes são solicitados a explicar
esse fenômeno.
A unidade quatro, na qual está inserido esse excerto, é a denominada “O
organismo humano e suas interações com o ambiente” (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano, p.162-164), e compreende três capítulos: o
capítulo oito, “Luz e visão” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º
ano, p.164-190), o capítulo nove, “O controle da temperatura corporal dos seres
vivos (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.191-211), e o
capítulo dez, “O sistema nervoso e o efeito das drogas” (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.212-228).
e) Entre as partículas existem espaços vazios
O excerto 5 (ANEXO 5) da seção texto principal se insere na unidade dois do
volume do 9º ano de título “Modelando materiais”. Essa unidade inclui dois capítulos
intitulados, “O mundo que não vemos” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do
aluno, capítulo 3, 9º ano, p.60-76) e “A natureza elétrica dos materiais”
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, capítulo 4, 9º ano, p.77-105). A
escolha do texto desta unidade foi influenciada por tê-la mencionado o Professor
Orlando Aguiar Junior como uma das unidades da coleção que melhor caracteriza as
ideias da pesquisa em Educação em Ciências, sobretudo aquelas relacionadas ao
papel da linguagem e da modelagem no ensino de ciências. Nesse caso, segundo
este autor, a influência da pesquisa em Educação em Ciências diz respeito tanto ao
63
entendimento do ponto de vista dos estudantes, como à antecipação de dificuldades,
já estudadas, que viriam a ser suplantadas por intermédio de atividades dirigidas
(MOREIRA e MARTINS, 2011).
No início de cada unidade do livro há sempre duas páginas de apresentação,
as quais são compostas dos itens de aprendizagem, foco dos capítulos que as
sucedem, e no caso da unidade ‘Modelando materiais’ temos um pequeno texto
explicativo de 12 linhas, acompanhado de três imagens em pares, contendo fotoflecha-representação (moléculas da água em um jarro de vidro, partículas do ar em
um pneu da bicicleta e pente eletrizado com pedaços de papel).
O
capítulo
três,
“O
mundo
que
não
vemos”
(CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.60-76), ao invés de usar a expressão
mundo microscópico faz uso da explicação da mesma, referindo-se a um mundo que
não é visto a olho nu. Esse capítulo inicia trazendo a noção de modelos, na
perspectiva de construções mentais de forma abrangente, em texto de introdução a
modelos científicos. O capítulo três traz a proposta de discutir modelos, em geral, e
modelos de partículas, em particular o modelo cinético molecular. O excerto ‘Entre
partículas existem espaços vazios’ localiza-se na quarta página desse capítulo.
O capítulo quatro, “Natureza elétrica dos materiais,” também traz os modelos
como foco, desta vez, aqueles explicativos para fenômenos de eletrização. Os dois
capítulos fazem referência aos diversos exemplos da História da Ciência.
f) Viajando com segurança
O excerto 6 (ANEXO 6) pertence ao capítulo nove do livro do 9º ano e foi
selecionado por ter sido apontado pelo Professor Helder de Figueiredo e Paula,
como um exemplo de texto no qual se procurou incluir aspectos da linha de pesquisa
Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS).
A unidade do quarto volume, na qual o excerto está inserido, intitula-se
“Ciência, Tecnologia e Sobrevivência” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do
aluno, 9º ano, p. 148-207). O título dessa unidade faz uma alusão ao acrônimo CTS
(idêntico à linha de pesquisa e abordagem curricular Ciência, Tecnologia e
Sociedade), mas atribui significado diferente para a letra S. No caso da linha de
pesquisa CTS, a letra S significa sociedade e, no título dessa unidade do volume do
nono ano, a mesma letra significa sobrevivência. Essa vinculação sociedade-
64
sobrevivência parece apontar para a necessidade do cidadão atual relacionar
elementos da ciência e da tecnologia com questões envolvendo riscos e qualidade
de vida no cotidiano das pessoas. Suscita também a discussão acerca de temas
como riscos e sustentabilidade associada aos modos de organização e vida social.
Os três capítulos 7, 8 e 9 da unidade quatro intitulam-se “Estratégias de
defesa dos organismos”, (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano,
p.150-164) “Tecnologia e saúde” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,
9º ano, p.165-182) e “Viajando com segurança” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS,
livro do aluno, 9º ano, p.183-205).
O capítulo sete da unidade faz uso da metáfora dos mecanismos da evolução
biológica para dimensionar a capacidade de sobrevivência dos seres vivos, nas
formas de proteção desenvolvidas por eles, ao longo do tempo. A questão da
proteção parece estar organizada, de forma a servir de base à posterior
problematização da necessidade de segurança, no contexto de potenciais riscos e
danos causados por aparatos tecnológico-científicos, produtos da sociedade
problematizados nos capítulos oito e nove.
O capítulo oito vincula ciência e tecnologia à saúde, ao propor, por exemplo,
discussões sobre temas, tais como a aplicação/produção de vacinas e antibióticos
pelos laboratórios farmacêuticos, a proliferação de aparelhos de alta definição de
imagem para diagnósticos de doenças, o uso de técnicas de transplantes e de
próteses e das tecnologias de transformação, como a produção de transgênicos,
clones e células- tronco.
O capítulo nove, no qual o excerto se insere, configura um debate voltado aos
procedimentos de segurança no trânsito, no contexto da aprendizagem do conceito
científico de velocidade e na relação velocidade/equipamentos de segurança (cintos
de segurança, air bags, capacetes) com a qualidade de vida das pessoas. O excerto
6 pode ser caracterizado como o de introdução do capítulo nove, ou seja, aquele
que apresenta o que será tratado no capítulo de forma mais ampla.
A partir destes esclarecimentos prosseguiremos com a análise da conjuntura
na qual procuramos dar destaque às vertentes de pesquisa, especificamente a
pesquisa realizada no Brasil, escopo de preocupações dos pesquisadores da
Educação em Ciências nos últimos anos.
65
4
A ANÁLISE DA CONJUNTURA
A análise da conjuntura desta tese explora relações entre aspectos sociais e
históricos da (i) pesquisa em Educação em Ciências; (ii) das políticas educacionais e
recomendações curriculares oficiais e (iii) do mercado editorial brasileiro,
considerando-os por sua relevância, no contexto das condições de produção do livro
didático, nos últimos anos no Brasil.
4.1
A PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS
O campo de pesquisa em Educação em Ciências28 vem se estruturando e
consolidando desde a década de 1960. Fensham (2004) esclarece que nessa
década, os debates, as temáticas e as preocupações, presentes nos primeiros
trabalhos desse campo, enfatizavam a experimentação como forma de melhorar o
ensino de Ciências (FENSHAM, 2004). De lá para cá, o campo se expandiu,
constituindo uma natureza interdisciplinar, integrando contribuições provenientes de
áreas como “a própria Ciência, a Psicologia Educacional, a História e Filosofia da
Ciência, a Sociologia da Ciência e outros estudos sobre ciência” (CACHAPUZ et al.,
2008, p.33).
De acordo com Jenkins (2001), é possível distinguir duas tradições de
pesquisa como as mais proeminentes nos últimos 30 anos: a pedagógica e a
empírica. Segundo esse autor, a tradição pedagógica é aquela que foca no ensino
de conteúdos da ciência referência, enquanto a tradição empírica busca entender
aspectos próprios da ciência mais voltada a influenciar a situação escolar (JENKINS,
2001). Duit (2007) aponta que uma paridade entre essas duas tradições de
pesquisas possibilitaria um progresso maior no entender e aprender ciência.
Treagust (2004), ao discutir tendências de pesquisa nesse campo, entende
que mesmo com todo o aparente desenvolvimento de currículos para o ensino de
ciências e da consolidação e divulgação de pesquisa em Educação em Ciências,
28
Delizoicov, Slongo e Lorenzetti (2007) esclarecem que Cachapuz utiliza o termo “investigação em
didática das ciências” e não “pesquisa em Educação em Ciências”, caracterizando formas diferentes
de denominar o campo.
66
ainda é necessário aprofundar a relação entre estas práticas sociais. Esse
pesquisador também afirma que as investigações no campo da Educação em
Ciências reúnem inúmeras discordâncias no nível dos seus fundamentos, não
compreendendo paradigma único29, incluindo contribuições provenientes de
temas/perspectivas
variadas:
aprendizagem,
ensino,
tecnologia
educacional,
currículo, ambientes de aprendizagem, formação de professores, avaliação e história
e filosofia da ciência entre outros (TREAGUST, 2004).
Cachapuz et al. (2005) consideram que a pesquisa em Educação em Ciências
anterior à década de 1980 ainda se encontrava num período pré-paradigmático, e
que, entre os anos 1990 e 2000, configurou-se a virada discursiva pelos aspectos
que caracterizaram a pesquisa dessa década (1990), tais como o seu caráter não
linear, as frutíferas controvérsias e as orientações teóricas mais aprofundadas.
No contexto brasileiro, pesquisadores reconhecem que a pesquisa em
Educação em Ciências tem como marca o estudo da prática escolar, embora nem
sempre com objetivo de viabilizar estratégias de ensino (MORTIMER, 2002). Esse
fato parece estar relacionado à constatação de que discussões teóricas,
metodologias e resultados acumulados por essa pesquisa muitas vezes não chegam
à sala de aula e, quando chegam, nem sempre são apropriados pelos professores
(REZENDE e OSTERMANN, 2005). Delizoicov, Slongo e Lorenzetti (2007)
esclarecem que embora haja, no campo da Educação em Ciências, uma
preocupação com “o processo de difusão e apropriação do conhecimento científico
no âmbito da educação escolar”, ainda é necessário aprofundar relações entre
resultados de pesquisas e práticas educativas escolares, o que poderá contribuir
para a formulação de novos problemas às investigações. Estes aspectos a que nos
referimos retomam o que apontamos na introdução da tese, ou seja, a necessidade
de compreender a aplicação dos resultados das investigações pelo viés da
mediação e recontextualização em práticas escolares. Somado a isso, a escola
interage com o discurso instituído30 e possui a missão de levá-lo a diversos grupos
sociais. No Brasil, observa-se nesse campo de conhecimento um amplo
29
Corpo com coerência de conhecimentos (KOPFER, 1983 apud CACHAPUZ et al., 2005).
Cardoso (2005) realiza uma discussão sobre o que entende por “sujeito do discurso pedagógico”,
que de acordo com os pressupostos de Althusser (1970) é aquele produzido pela escola, considerado
importante elemento do aparelho ideológico do Estado. Esses sujeitos aceitam essa sujeição pela
instituição escolar e a não ser pela sujeição referida, são sujeitos totalmente desprovidos de
liberdade. Nesse sentido, fica caracterizada a impossibilidade de regimes de poder se realinhar pelo
entendimento que a estrutura social tem uma dimensão dinâmica, ou seja, os elementos diversos que
a compõem estão em estado de tensão permanente (CARDOSO, 2005, p.49-54).
30
67
crescimento, realçado nos inúmeros programas de pós-graduação, banco de teses e
dissertações, eventos, simpósios e congressos promovidos pelas diversas
universidades, revistas especializadas na divulgação da produção intelectual dos
programas de pós-graduação, assim como participações de pesquisadores
brasileiros em eventos internacionais. Este crescimento quantitativo é acompanhado
de um reconhecimento da qualidade dos trabalhos, bem como da sintonia entre suas
temáticas, referenciais e resultados, quando comparados a seus congêneres
internacionais. Entretanto, os pesquisadores reconhecem que mesmo com todo o
crescimento da produção do campo, este não tem expressado, em igual medida,
formas pelas quais os estudos efetivamente influem na comunidade escolar.
No item a seguir, contextualizaremos cada uma das vertentes da pesquisa em
Educação em Ciências, relevantes na conjuntura do estudo.
4.1.1 As vertentes de pesquisa
Existem formas diferenciadas de nomear e referenciar as linhas/vertentes de
pesquisa do campo em Educação em Ciências. Em geral, essas se relacionam à
tradição de pesquisa que podem ser mais desenvolvidas em certa região de um
país, ou divergirem de país para país. Melhor dizendo, embora pertencendo a uma
mesma prática social (mesmo campo semântico), a história, a cultura, os
investimentos, os grupos de pesquisa contribuem para o estabelecimento das linhas
de pesquisa, em suas particularidades.
Cachapuz et al. (2008), por exemplo, em um levantamento a partir de
revistas acadêmicas europeias, no qual analisam as mudanças e tendências das
pesquisas em Educação em Ciências, apresentam uma definição do que entendem
por linha de pesquisa. Para esses autores, a linha de pesquisa
representa tentativas da comunidade para alcançar mais e melhor
conhecimento, com base num conjunto de questões e num dado
enquadramento teórico aceite (por vezes cruzamento de vários),
procurando evidências, seguindo uma metodologia projetada para
responder o mais claramente possível às questões de pesquisa
(CACHAPUZ et al., 2008, p. 28).
Verifica-se que o artigo mencionado, mesmo que com base nas pesquisas
desenvolvidas na Europa, refere-se à conceituação de “linhas de pesquisas”, que
não se baseia em uma demarcação de natureza epistemológica, mas em uma
68
definição operacional que destaca temas e focos específicos das pesquisas, ou seja,
baseia-se no que “os pesquisadores fazem efetivamente” em seus gabinetes e em
grupos de pesquisas, inseridos numa comunidade bem definida, como a da
Educação em Ciências (CACHAPUZ et al., 2008, p. 28).
Complementando essa observação, acerca da definição de linha de pesquisa
e de acordo com o referencial teórico da ACD, questões, objetos, referenciais,
pressupostos, resultados de pesquisa de um campo específico de investigação são
entendidos como constituindo discursos em circularidade, e, portanto, expressam
diferenças quanto à pesquisa realizada fora e dentro do Brasil.
Assim, justificamos a opção por não enumerar uma lista de linhas de
pesquisa, tal como expressa em uma ou outra publicação, nacional ou internacional
e, dessa forma, trabalhar com a noção de vertente, ou seja, um conjunto de ideias
que guarda terminologia e referências comuns. Nesse sentido, as vertentes
selecionadas para compreender a conjuntura da tese foram aquelas explicitamente
apontadas
como
relevantes
pelos
autores
do
livro
didático
‘Construindo
Consciências’ no contexto de elaboração do texto, servindo como fontes de
discursos a serem apreciadas na análise que realizamos, tanto do manual do
professor quanto do livro do aluno. São elas: o movimento das concepções
alternativas, natureza da ciência e história da ciência, modelo e modelagem, CTS e
linguagem, o que não exclui a correspondência de algumas delas às linhas de
pesquisa mencionadas em muitos trabalhos de revisão, ou de estado da arte
importantes para o campo da Educação em Ciências. Além disso, embora
separadas
por
suas
especificidades,
há
grande
afinidade
entre
essas
linhas/vertentes de pesquisas, que dialogam entre si e apresentam aspectos
semelhantes no que diz respeito às questões filosóficas e pedagógicas.
4.1.1.1 Movimento das concepções alternativas
A vertente do movimento das concepções alternativas (MCA)31 nasce no âmbito das
ideias construtivistas sobre ensino e aprendizagem. Contudo, o construtivismo32
31
Os estudos acadêmicos compreendem inúmeras denominações das concepções dos estudantes
para interpretar fenômenos das Ciências Naturais, tais como, concepções alternativas, prévias,
espontâneas entre outras. Certos autores utilizam concepções prévias, como uma denominação geral
para esse corpo de ideias, outros preferem usar a expressão, concepções alternativas para distingui-
69
centrou esforços em estudar as concepções dos estudantes, do ponto de vista de
sua origem e do seu desenvolvimento (OSBORNE, 1996). Como já assinalado, o
construtivismo tem, para o campo da Educação em Ciências, uma dimensão
paradigmática; suas ideias, pressupostos, proposições, métodos geraram inúmeras
mudanças repercutindo no ensino. Inúmeros trabalhos dos anos 1980, liderados
pelo movimento das concepções alternativas (MCA) consideraram estudar as
concepções dos estudantes em relação a diversos conceitos científicos, sendo um
dos trabalhos pioneiros sobre o assunto, organizado por três grandes nomes da
Educação em Ciências: Rosalind Driver, Edith Guesne e Andrée Thibergen,
intitulado “Children’s ideas in science”, em 1985.
Segundo Moraes (2000), dois artigos foram seminais para a vertente do MCA,
no âmbito dos trabalhos internacionais: o de Novak (1977) e o de Driver e Easley
(1978), ambos por ressaltarem a importância das ideias dos estudantes “como
sistema complexo de referências e significados sobre os conceitos científicos” no
contexto do ensino (MORAES, 2000, p.144).
No caso das pesquisas brasileiras, consideramos que as perspectivas
ausubelianas sobre a aprendizagem significativa (NOVAK 1997, MOREIRA, 1999,
2000, 2006), o estruturalismo de Piaget e a epistemologia construtivista foram os
principais fundamentos teóricos que balizaram as discussões do MCA. Ausubel
contribuiu com a discussão acerca do papel dos conhecimentos prévios dos
estudantes na aprendizagem de conteúdos formais. Moreira (2010), baseando-se na
teoria de aprendizagem significativa de Ausubel, Novak e Hanesian (1980), destaca
que o conhecimento prévio é a variável que mais influencia a aprendizagem do
estudante. Em suas palavras,
sabemos que a aprendizagem significativa caracteriza-se pela interação
cognitiva entre o novo conhecimento e o conhecimento prévio. Nesse
processo, que é não-literal e não-arbitrário, o novo conhecimento adquire
significados para o aprendiz e o conhecimento prévio fica mais rico, mais
diferenciado, mais elaborado em termos de significados, e adquire mais
estabilidade (MOREIRA, 2010, p.4).
las de erros conceituais (SILVA e NÚÑEZ, 2007). Nessa tese, mantivemos as denominações usadas
pelos autores citados.
32
A abordagem do construtivismo não representa exatamente uma vertente da pesquisa em
Educação em Ciências, mas um conjunto de visões que se faz presente em várias delas. Nesse
sentido, o construtivismo será tratado como uma abordagem que constituiu e influenciou as pesquisas
e não como uma vertente de investigação propriamente dita. Bastos (2002) esclarece que há muitas
acepções de construtivismo como a de Piaget, Vygotsky, Carl Rogers e Paulo Freire, todas elas
compreendendo a ideia principal “de construção”, porém contendo uma heterogeneidade de
perspectivas teóricas, muitas vezes incomensuráveis.
70
Os estudos baseados em Jean Piaget foram fundamentais na compreensão
da construção do conhecimento, principalmente em termos de compreensão das
funções e dos processos mentais na constituição do sujeito e do mundo físico. Esses
estudos compreendem o que se passou a chamar de ‘construtivismo pedagógico,’
que pode ser caracterizado a partir de ideias de dois grandes pensadores da
educação: Piaget e Vygotsky.
Piaget apoiava-se numa epistemologia, construtivista e estruturalista da
psicologia genética33, na qual o conhecimento é privado ou pessoal, dando ênfase à
construção e estruturação do conhecimento no indivíduo (RAMOS, 2000). Os
princípios da teoria de Piaget foram aplicados tanto à pesquisa como ao próprio
ensino de ciências, constituindo suporte para a identificação e a caracterização dos
pensamentos concreto e formal dos estudantes (MORAES, 2000).
No Brasil, o trabalho de Piaget, em colaboração com Rolando Garcia
(PIAGET e GARCIA, 1987), também teve grande influencia nas pesquisas do
campo, principalmente no que diz respeito à relação entre ontogênese e
sociogênese, contextualizada por intermédio de exemplos retirados da história da
ciência. Na perspectiva do MCA, o foco volta-se para comparações e analogias entre
ideias históricas e tendências no raciocínio espontâneo dos estudantes (VILLANI
1990,1992; FILOCRE 1991).
A tradição vygotskiana sucedeu à piagetiana como fundamentação das
investigações do campo. O construtivismo sociohistórico (também pedagógico),
baseado nas ideias de Vygotsky, tem como principal aporte entender a consciência
humana como situada social, cultural e historicamente; portanto a ênfase dada é na
interação social34. Nesta perspectiva, a linguagem passa a ocupar lugar central,
pois, de acordo com Vygotsky, aprendemos no meio cultural e linguístico em que
vivemos (MORAES, 2000).
A maior contribuição da vertente do MCA, com grande influência sobre a
comunidade de pesquisa brasileira, foi aquela que se converteu nos estudos da
mudança conceitual. O rótulo de mudança conceitual compreende muitas versões
distintas no campo de pesquisa (MORTIMER, 1996, AGUIAR JUNIOR e FILOCRE,
33
O conhecimento está associado ao processo de formação do sujeito na sua relação com o objeto
de forma progressiva, dinâmica e diacrônica, com uma estrutura evolutiva (RAMOS, 2000).
34
A escola, nesse caso, atua colocando em movimento processos de desenvolvimento interno
desencadeado pela interação do estudante com outras pessoas do seu meio (colegas de sala,
professores, pais, entre outros).
71
1997). Apesar de ter se constituído como importante programa de pesquisa na
década de 1980, não superou críticas acerca das dificuldades em produzir
evidências de sua ocorrência, na identificação de mudança na visão ou no
acréscimo de mais uma ideia no repertório do estudante, em situações de
aprendizagem de determinado fenômeno científico (AGUIAR JUNIOR e FILOCRE,
1997).
No cenário da pesquisa brasileira, novos estudos surgem como alternativa à
mudança conceitual, baseados na construção do conhecimento científico por
intermédio da investigação do processo de aprendizagem, levando em conta
obstáculos epistemológicos a essa aprendizagem. O conceito de perfil conceitual
(MORTIMER, 1995,1996), baseado na noção de perfil epistemológico bachelardiano,
é uma profícua tentativa de explicar certas características da coexistência de
conflito, em perspectivas epistemológicas, associadas às ideias dos estudantes.
Alguns pesquisadores entendem que o maior subsídio da vertente do MCA,
nos mais diversos países ao redor do mundo, foi o de mostrar um padrão das
concepções dos estudantes em relação aos conceitos científicos investigados,
respaldado pela totalidade, recursividade das pesquisas produzidas (MORTIMER,
1996).
4.1.1.2 Modelos e modelagem
Na Educação em Ciências, o termo modelo aparece com frequência
assumindo diversos sentidos, abrangendo muita polissemia (KRAPAS et al., 1997).
A noção de modelos mentais (JOHNSON-LAIRD, 1983) surgiu na literatura, em
oposição à versão operativa e formal, do funcionamento cognitivo proposto
principalmente por Piaget. Para Johnson-Laird (1983), psicólogo cognitivo, as
representações mentais, assim como os modelos mentais, são análogos estruturais
do mundo tal qual é percebido ou conceituado.
O modelo mental, ou representação pessoal interna, tem como característica
fundamental a capacidade de ser gerativo, ou seja, visto para além do caráter
descritivo, podendo gerar predições e novas ideias (FRANCO e COLINVAUX, 2000).
Portanto, as pessoas ao explicarem o mundo físico utilizam modelos, quer dizer,
72
modelos relacionam-se com o conhecimento humano do mundo e como ele
funciona. Colinvaux (2004) distingue modelos de modelagem, compreendendo que
modelos indicam caminhos e pontes que permitem articular os sistemas
teóricos, de alto nível de abstração/generalização, com os sistemas
empíricos, multi-variados e sempre específicos; e a modelagem, por sua
vez, se refere aos processos de formação e uso dos modelos (COLINVAUX,
2004, p.113).
Estudos dessa vertente entendem que o modelo mental não é acessado
totalmente, é representado no todo ou em parte e, por isso, denominado de modelo
expresso (GILBERT e BOULTER, 1995). A palavra “representação”, nesse caso, é
usada no sentido de aspectos visuais, processados na entidade modelada, embora
possa abranger outros aspectos (MORRISON e MORGAN, 1999).
Modelos
expressos
(textos,
orais,
símbolos,
desenhos)
podem
ser
trabalhados coletivamente em situações de ensino, especificamente em atividades
de modelagem. Portanto, processos de modelagem têm relação com a criação de
modelos e, nesta perspectiva, aprender ciências é a capacidade que o estudante
tem de articular aspectos teóricos e empíricos envolvendo os fenômenos científicos,
compreendendo as relações analógicas do modelo em estudo (DUIT e GLYNN,
1996).
Há ainda outras formas de conceituar modelos, por exemplo: modelos
mentais e conceituais (consensuais), sendo o modelo conceitual concebido como
produto de um processo de modelagem compartilhado por uma comunidade
científica, podendo referir-se tanto a um objeto concreto como à representação do
mesmo (KRAPAS et al., 1997). Justi e Gilbert (2006) esclarecem que a explicação
mais aceita para modelo, entre os pesquisadores, é aquela que o apresenta como a
representação de uma ideia, objeto, acontecimento, processo ou sistema, criado
com um objetivo específico de aprendizagem (GILBERT, BOULTER e ELMER,
2000).
Na Educação em Ciências um aspecto bastante explorado por vários estudos
dessa vertente procurou entender a forma pela qual os estudantes elaboram seus
modelos mentais/expressos ao estudar determinado fenômeno científico, não
havendo, no entanto, o acompanhamento pormenorizado das etapas subsequentes
desta construção (NERSESSIAN, 1992; VOSNIADOU, 1994; MOREIRA e GRECA,
1996; MOREIRA, 1997).
73
No Brasil, Franco e Colinvaux (2000), baseando-se no trabalho de Nersessian
(1992), passam a dar destaque às analogias no ensino de ciências, não apenas
como guias do pensamento para a resolução de problemas (por inferências lógicas),
mas considerando-as como trabalho de inferência e geradoras de solução aos
problemas das aulas de ciências. Moreira (1997), outro pesquisador brasileiro que
aprofundou estudos nessa vertente, considera que essa foi uma tendência nas
investigações de alguns pesquisadores, associando o sentido de analogia às suas
pesquisas com modelos mentais, ou seja, como uma ferramenta de raciocínio para
explicar o fenômeno.
No campo da química, Monteiro e Justi (2000) analisaram livros didáticos
visando entender a extensão das analogias como bons modelos de ensino. Justi e
Gilbert (2006) reconhecem que há no ensino a ideia de que os modelos
apresentados por intermédio dos livros didáticos tem uma correspondência com a
verdade nas explicações dos professores, por serem análogos aos modelos
científicos. No entanto, há duas incorreções nessa visão: a primeira, de que a
ciência pode ser entendida como a única resposta para um determinado problema, e
a segunda, a de que os modelos de ensino são de fato modelos científicos.
A diversidade e a extensão da produção não nos permitem explorar, nesta
análise de conjuntura, todos os trabalhos realizados sobre esta temática no Brasil.
Não
obstante,
captura
aspectos
relevantes
desta
vertente
que
possuem
ressonância, tanto no trabalho dos professores quanto nos livros didáticos. Os
modelos de ensino (pedagógicos) não são idênticos aos modelos da ciência a serem
ensinados, embora o modelo de ensino deva resguardar o núcleo conceitual do
modelo científico.
Mesmo que tenhamos muitos exemplos de modelos mobilizados no ensino de
ciências (átomo, célula, ciclo da água), esses nem sempre têm apontadas ou
entendidas as limitações da própria natureza desses modelos (FERREIRA, 2006). E,
como já referido, embora os modelos da ciência tenham papel fundamental na
Educação em Ciências, muitas vezes o foco está na narrativa do professor, na do
livro didático, ou ainda no modelo consensual a ser ensinado, o que depende das
negociações entre as visões dos estudantes e o conhecimento a ser construído.
Pesquisadores consideram que o ideal é o equilíbrio entre as quatro formas de
modelos, mental, expresso, consensual e pedagógico em sala de aula, no
74
entendimento do papel, natureza e limitações de cada um deles para professores e
estudantes em aulas de ciências (GILBERT e BOULTER, 1998).
4.1.1.3 Natureza da Ciência e História e Filosofia da Ciência
Para Harres (2000) o ensino de ciências deveria ter como principal escopo
desenvolver nos estudantes um entendimento da natureza da ciência. No entanto,
essa finalidade parece ser uma tarefa complexa a atingir, por isso muito
problematizada em pesquisas em interseção com a investigação de livros didáticos
(MORTIMER, 1988; PIMENTEL,1998; MARQUES e CALUZI, 2003; MARTINS, 2006;
BITTENCOURT e PRESTES, 2011) e
com as concepções de professores e
estudantes (MORTIMER, 1995, TEODORO, 2000). Muitas das noções veiculadas
nos livros e ideias de estudantes e professores de ciências representam correntes
filosóficas diferenciadas e excludentes entre si.
Uma visão comum sobre a natureza da ciência é a baseada numa concepção
empirista-indutivista35, na qual o conhecimento científico é entendido como único,
verossímil, de validade independente do contexto, e atrelado ao método científico a
ser aplicado e definido por algoritmo (HARRES, 2000). Os críticos dessa visão
empiricista-indutivista entendem que, ao contrário dessa ideia, a ciência possui uma
variedade de métodos e conceitos relacionados às suas práticas, tais como:
evidência, controle de variáveis, geração de hipótese, reconhecimento e medição de
fontes de erros, distinção entre teorias, parâmetros esses que permitem a distinção
entre ciência e pseudociência (OSBORNE, 1996).
Os debates que se colocam em relação à natureza da ciência referem-se às
concepções realista e relativista, no estatuto dado por essas visões do que
representa o real para a ciência. O realismo (não crítico) entende que o mundo é
como a ciência o vê e, quando uma teoria é descartada, isso ocorre justamente
porque ela não se encaixa no mundo real. A visão realista envolve a noção de
verdade, a partir de teorias verdadeiras que descrevem exatamente como o mundo
é, ou seja, na correspondência direta entre teoria e real (CHALMERS, 1997).
35
A razão pela qual a “concepção empirista-indutivista parece ter ficado tão profundamente arraigada
à investigação científica é que os cientistas a utilizaram como critério de demarcação entre ciência e
não ciência. Isto é, ela ensejou a convicção de que o conhecimento científico derivado dos dados da
experiência é um conhecimento objetivo e confiável porque é provado” (KÖHNLEIN e PEDUZZI,
2002, p.3).
75
Epistemólogos como Barchelard afastam-se desta visão entendendo que “a ciência
não trabalha com o que se pode encontrar no visível”, ao contrário, ela procura
através da razão aproximar-se do real (COSTA, 2000, p.85).
No que diz respeito à Educação em Ciências, as visões empiristas, idealistas,
realistas e relativistas, entre outras, trazem consequências importantes por
compreenderem epistemologias, influenciando o currículo nas decisões sobre quais
conteúdos ensinar e não ensinar e a respeito das estratégias metodológicas a adotar
(HARRES, 2000), vide exemplo, do excerto 1 “Vida de piabas” descrito no corpus.
Portanto, a inclusão das perspectivas histórica e filosófica na Educação em Ciências
é considerada fundamental por oferecer subsídios à aprendizagem, sobretudo, da
natureza da ciência (GIL PÉREZ, 1993; MATTHEWS, 1994).
Nos anos 1980, a História da Ciência e a Filosofia (HCF), segundo Matthews
(1995), estavam mais afastadas do ensino de ciências do que nos anos 1990, pelo
menos no âmbito internacional. No Brasil, as primeiras publicações envolvendo a
perspectivas de HCF no ensino são datadas da década de 1980, aproximadamente
em 1985, ampliando-se sobremaneira as pesquisas dessa vertente a partir dos anos
2000.
No cenário brasileiro, a tradição da HCF, na sua origem, envolveu um
conjunto
de
professionais de diversos
campos de pesquisa,
tais como,
historiadores36, filósofos da ciência e educadores tendo na pesquisa em Ensino da
Física as primeiras iniciativas neste sentido. Teixeira, Greca e Freire (2009)
consideram que “há uma comunidade relativamente numerosa de pesquisadores
trabalhando com uso didático de HFC no Ensino de Ciências” e que, tanto no Brasil,
como internacionalmente, há pouca investigação no que diz respeito às intervenções
didáticas em aulas de ciências para o alcance dos objetivos de parâmetros
apontados pelas pesquisas.
Na biologia, o livro Biological Sciences Curriculum Study – BSCS (1983) foi
um material curricular que se preocupou com a contextualização histórica da ciência,
mas veiculava uma visão empirista da ciência, sobretudo por enfatizar o método
científico. Algumas abordagens já foram pensadas por pesquisadores da Educação
em Biologia, na perspectiva da História da Ciência, como modelo didático na
36
Embora os historiadores da ciência realizem pesquisas em sua área pura, muitas delas trazem
consequências à educação, por isso o aumento do interesse dos historiadores. (PEDUZZI, MARTINS
e FERREIRA, 2012)
76
organização de atividades de ensino. Trivelato Junior (1995, p.94), por exemplo, se
pautou nas “alterações conceituais que os cientistas experimentaram em épocas
passadas como processo de aprendizagem e conflitos” e, portanto, a serem
vivenciadas pelos estudantes, contribuindo para a aprendizagem de certo conceito
científico. Entretanto, autores como Bizzo (1993) advertem quanto às consequências
indevidas de um paralelismo direto entre História da Ciência e ensino, explorando
possibilidades e limites dessa contribuição, sobretudo no que diz respeito às
demandas conceituais que se colocam para os professores de ciências (BIZZO,
1993; MOREIRA, SALOMÃO e COLINVAUX, 2006).
Carvalho e Vannucchi (1996) consideram que a HCF, além de muito ter
contribuído para a discussão sobre a mudança conceitual, favoreceu outras
dimensões do ensino de ciências. A HCF proporciona aos estudantes “captarem
algo dos aspectos intelectuais que estão em jogo nestes assuntos, que vejam que
há perguntas a fazer” e que para além das respostas pensem em possíveis
respostas e evidências que as respaldem (CARVALHO e VANNUCHI, 1996, p.5).
As razões apontadas na citação como aspectos intelectuais referem-se à
compreensão da natureza da ciência, tais como os conceitos e teorias da ciência, a
superação dos obstáculos e dificuldades dos estudantes em compreender as
disciplinas científicas, assim como a concepção de ciência como empreendimento
coletivo, histórico, tecnológico, cultural e social (CARVALHO e VANNUCCHI, 1996).
Independentemente da narrativa histórica oferecida no ensino, há sempre uma
concepção sobre o funcionamento e construção da ciência; portanto, o confronto dos
objetivos formativos e epistemológicos buscados é fundamental para entender
visões comunicadas por estas narrativas históricas.
Forato, Martins e Pietrocola (2012) aprofundam os propósitos do uso da HFC
no ensino, articulando-os com os do Letramento Científico, por entenderem a
epistemologia da ciência como fundamental ao letramento científico, ao
desenvolvimento da capacidade crítica dos estudantes e à compreensão
dos processos sócio-históricos da construção do conhecimento científico,
entretanto, pesquisas têm apontado desafios e dificuldades – em diferentes
esferas –, para se efetivar propostas concretas na sala de aula, tanto na
formação de professores das ciências quanto na escola básica. Dentre tais
dificuldades estão os problemas e riscos trazidos pelas abordagens
anacrônicas sobre os processos de construção das ciências, tais como a
pseudo-história, ainda presentes no ambiente escolar e social dos
estudantes (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012, p.123)
77
Portanto, Forato, Martins e Pietrocola (2012) identificam certas dificuldades
quando há transposição de saberes desta perspectiva para a escola básica. Muitas
questões aparecem como desafios, tais como: a negociação entre domínios
histórico-epistemológicos, exigências de projetos educacionais nas possibilidades de
aplicação em sala de aula, reflexões sobre a natureza da ciência, e principalmente
sobre concepções de ciência subjacentes às atividades de ensino.
No âmbito das pesquisas brasileiras, há um esforço na menção da ideia da
ciência como atividade humana influenciada pelo contexto sociocultural da época e
pela utilização de exemplos históricos como fatores extracientíficos, influenciando os
conteúdos da ciência a serem ensinados. Parece haver, nessa preocupação, a
intenção de afastar o anacronismo presente nas visões históricas, seja pelo uso de
fontes primárias da HCF, ou na construção de textos para estudantes, cujo
significado dos termos novos é realizado por intermédio de exemplos históricos. De
fato, diversas críticas advertem para os perigos de algumas abordagens, que ao
optarem por uma reconstrução linear de fatos históricos, em geral, estereotipam
atores e simplificam fatos (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012), criando
mais problemas do que soluções.
O que apontamos parece repercutir na discussão atual sobre a natureza da
ciência introduzida por Fensham (2012) em pesquisa recente. Esse pesquisador
considera que a ideia da incerteza tem sido recorrentemente difundida pela mídia no
tratamento de problemas sociocientíficos. Segundo o autor, a mídia tem mostrado os
feitos da ciência, sobretudo os que envolvem questões sociocientíficas, na forma de
“conhecimento em competição”, ou seja, constituindo um dilema37. No cotidiano,
inúmeros exemplos experimentam o mesmo tratamento, tais como os riscos
associados ao uso de telefones celulares, à ingestão de alimentos transgênicos, à
influência dos agrotóxicos na saúde humana, ao uso da energia nuclear, entre
outros. Para Fensham,
houve uma queda generalizada no interesse dos alunos em ciências e
matemática nas escolas e na qualidade de matrículas em universidades em
cursos voltados para a ciência, especialmente na física. Estudantes que
obtém elevados resultados em ciências e matemática escolar têm escolhido
cursos não científicos, como o comércio, economia e direito. Essas
mudanças na escola e na ciência da universidade influem diretamente na
qualidade e na quantidade de estudantes em preparação para o ensino de
ciências da escola como uma carreira. Há sintomas que incluem [...] uma
37
Em geral, um dilema é considerado uma situação difícil e apresentada na de escolha entre
alternativas contraditórias, antagônicas. <http://www.dicionarioinformal.com.br/dilema/>
78
queda na confiança política e pessoal da autoridade da ciência, e na
identificação de questões urgentes da ciência e tecnologia envolvendo a
incerteza da ciência (FENSHAM, 2012, p. 7-8, tradução nossa).
Segundo Fensham (2012), além de afastar os jovens das profissões
científicas, a visão de ciência como incerta compreende dois grandes equívocos. Em
primeiro lugar, no domínio científico, as interpretações dadas pelos cientistas para
uma mesma questão envolvendo resultados contraditórios não configuram
incertezas. O argumento da ciência é o de que o conhecimento produzido por ela
não é incerto, mas cético38. O sentido da incerteza é acompanhado de certo
relativismo que tolera um pluralismo de ideias e valores. O cético, ao contrário,
afasta-se de questões de juízo, ou seja, combate crenças que impregnam os
valores. Assim, este primeiro equívoco conduziria a opinião pública a uma descrença
na ciência. O segundo equívoco tem a ver com o valor dado para as descobertas
científicas em nossa sociedade. Ao serem reduzidas ao status de opiniões ou
interpretações sobre um determinado fenômeno, não são identificadas como
hipóteses científicas falseáveis (FENSHAM, 2012).
De qualquer forma, pelo exposto, há várias justificativas para a inclusão da
vertente da Natureza da Ciência e HFC no ensino.
4.1.1.4 Ciência, tecnologia e sociedade
A linha de pesquisa Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) tem seu advento
no pós-guerra, no contexto da sociedade industrializada, fundando-se nos
questionamentos voltados aos aspectos ambientais, tecnológicos, éticos, políticos e
de cidadania, todos direcionados às profundas mudanças econômicas e sociais que
tiveram início nesta fase da história (SANTOS e MORTIMER, 2002; CHOULIARAKI
e FAIRCLOUGH, 1999).
A escola, instituição tradicional da sociedade, tem socializado, segundo
Aikenhead (2005), uma forma específica de pensar e crer na ciência. Este fato
parece estar estreitamente relacionado ao endereçamento do conhecimento
escolarizado a uma elite social, na medida em que o conhecimento escolar serve a
38
O ceticismo se refere a uma posição crítica à determinada situação, que envolve validade de ideias,
sobretudo por meio de evidência empírica (ceticismo científico). Contrapondo-se ao dogmatismo, o
ceticismo é uma doutrina que tem como base questionar o que lhe apresentado como verdade
(ceticismo filosófico). <http://www.dicionarioinformal.com.br/ceticismo/>
79
uma visão de mundo, atrelada especialmente a uma ciência universitária e a
programas de engenharia que buscam formar cientistas.
Sob a ótica de uma análise de conjuntura realizada com base em princípios
da ACD, esta vertente estaria relacionada às questões de poder pela incorporação
do viés da luta hegemônica. Por exemplo, a sequência clássica dos conteúdos de
ciências nos currículos e livros didáticos pressupõe tomar certos significados como
tácitos e apresentar interesses específicos como gerais (RESENDE e RAMALHO,
2009). Em outras palavras, as escolhas por determinados conteúdos e sequências
didáticas nas práticas escolares de ciências, ao se construírem como hegemônicas
adquirem caráter universal, ou seja, de que existe apenas uma forma de se ensinar
ciências, aspecto também dimensionado na vertente da natureza da ciência. Para a
abordagem CTS, no entanto, não existe uma ciência única e, por isso, não há uma
única forma de ensinar ciências (AIKENHEAD, 2005).
Para autores como Santos (2005), a perspectiva da vertente CTS permite
superar visões universalistas e, para atingir esse objetivo, o conhecimento
escolarizado deve articular-se preferencialmente com os saberes da população não
acadêmica. Esta visão converge para uma concepção em que a ciência deixa de ser
exclusividade de um público restrito. Além disso, esclarece que uma vertente que
enfatiza articulações entre ciência, tecnologia, sociedade e situações cotidianas
permite também o estabelecimento de debates éticos e culturais. Para o autor, as
diferentes matrizes de racionalidade (científica, tecnológica, social, cultural), que no
cotidiano são inseparáveis, podem estar mais presentes em abordagens de ensino
de ciências alinhadas aos pressupostos CTS (SANTOS, 2005).
De acordo com a ACD, essas são questões que contribuem para o debate de
aspectos tais como os da modernidade recente, descritos no capítulo da abordagem
teórico-metodológica. Por exemplo, pela reflexividade é possível expor a ideologia,
por
intermédio
da
fragmentação,
desconstrução
e
resistência
às
ideias
naturalizadas. Em geral, argumentos de credibilidade são dependentes das
autoconstruções
reflexivas,
influenciadas
pelo
mundo
cada
vez
mais
tecnologizado/informatizado (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999; RESENDE e
RAMALHO, 2009).
O movimento CTS, no Brasil, remonta ao início dos anos 1990 e, em parte,
sofreu influências de tradições de pesquisa europeias e anglo-americanas
(AIKENHEAD, 2003). No entanto, no caso específico da pesquisa brasileira, a
80
filosofia educacional de Paulo Freire tem sido apontada como forma particular de se
pensar as abordagens CTS, principalmente por tratar de questões que ligam a
ciência à desigualdade social (SANTOS, 2005) a democracia (AULER e
DELIZOICOV, 2004), tendo a preocupação em retratar o ensino de ciências como
um projeto crítico-emancipatório para a sociedade.
Abreu, Fernandes e Martins (2013), em estudo da produção brasileira no
âmbito CTS/CTSA entre os anos 1980 e 2008, fizeram levantamento das
características específicas desta vertente, no desenvolvimento do pensamento
brasileiro no campo da Educação em Ciências. No levantamento realizado,
esclarecem que há uma defasagem entre a produção internacional e a nacional.
Enquanto na primeira a produção é mais intensa nas décadas de oitenta e noventa,
na brasileira a emergência e o crescimento dos artigos, sobre CTS, se dão
principalmente a partir do ano de 2001. Nos resultados obtidos, estes pesquisadores
também identificam que a produção acadêmica em CTS/CTSA tem se voltado para
relatos de pesquisa empírica numa variedade de temáticas e abordagens. Há a
confirmação de que o marco teórico que mais contribui para as pesquisas da linha
CTS, no Brasil, é o do pensamento humanístico de Paulo Freire, consolidando uma
forma crítica de CTS nacional, mesmo com a forte inspiração das investigações
brasileiras nas perspectivas teóricas internacionais (ABREU, FERNANDES e
MARTINS, 2013).
Amaral et al. (2006) consideram importante trabalhar a ciência como atividade
humana,
como
assinalado
na
perspectiva
da
HFC,
incluindo
cenários
socioeconômicos e culturais das descobertas científicas, bem como nas suas interrelações com a tecnologia e a sociedade. Santos e Mortimer (2002), analisando os
pressupostos teóricos da perspectiva CTS, entendem que, no caso brasileiro, a
ênfase está na preparação dos estudantes para o exercício da cidadania e a
aquisição do letramento científico, caracterizados por uma abordagem dos
conteúdos científicos no seu contexto social. Esta visão é corroborada e expandida
pelas análises de Prata (2011) ao considerar que, sobretudo, em contextos
contemporâneos, a formação para a cidadania passa a integrar a agenda de vários
projetos educacionais brasileiros, projetos esses em que a formação do cidadão
assume a posição de finalidade última da educação.
Outro aspecto da vertente CTS, fundamental à discussão situada na
modernidade recente, é a formação para a cidadania, tanto no que concerne a
81
constituição da identidade individual, como coletiva. Um ensino de ciências pautado
na desnaturalização de formas de ensinar, possibilitando a reflexividade e
contribuindo para a construção de identidades na diversidade, sobretudo no
reconhecimento das diferenças, oferece possibilidade de diálogo mais democrático,
necessário às sociedades atuais.
O letramento científico tem uma dimensão mais interdisciplinar no que diz
respeito às vertentes aqui assinaladas, ou seja, compreende uma série de
parâmetros interconectados, advindos de cada uma das vertentes assinaladas e de
outras não incluídas nessa discussão.
4.1.1.5 Estudos da linguagem
Estudos que associam linguagem e ensino de ciências têm sido cada vez
mais frequentes na Educação em Ciências no Brasil. O tema, suas variações,
interações em sala de aula, argumentação, análise do conteúdo e do discurso da
ciência constituem enquadramentos teóricos da linguagem presentes nos trabalhos
no campo da pesquisa em Educação em Ciências, com amplo interesse e
crescimento de produção no Brasil.
Inicialmente, a análise do discurso (AD) francesa (PECHÊUX 1969; ORLANDI
2001; MAINGENEAU 1994) forneceu as bases teóricas para as primeiras
investigações sobre a natureza e as inter-relações entre o discurso científico, o
discurso da ciência escolar e compreensão pública da ciência (ALMEIDA, 2003).
No que diz respeito às diferenças entre a AD e a ACD, em geral, essas estão
relacionadas à concepção de discurso que cada uma das correntes apresenta para
o conceito. A AD está vinculada ao materialismo de Althusser (1970), no qual o
discurso molda o sujeito no seio dos meios de produção da vida social
(ALTHUSSER, 1970). Portanto, para a AD o sujeito é resultado das ideologias que
aparelham as instituições. No que diz respeito à ACD, o discurso é entendido como
prática social reprodutora ou transformadora da realidade social (ou das realidades).
Portanto, o sujeito tanto é moldado como transforma o discurso, configurando a
relação dialética entre discurso e realidade social (MELO, 2009).
Alguns estudos da linguagem foram desenvolvidos em colaboração entre
pesquisadores brasileiros e britânicos, explorando perspectivas anglo-saxônicas
82
para o estudo do discurso, como a Linguística Crítica (KRESS, 1989, FAIRCLOUGH,
1992, 2001), os estudos de multimodalidade (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996),
forneceram bases para o desenvolvimento de ferramentas analíticas na construção
de explicações na aula de ciências (OGBORN et al., 1996).
Podemos citar outras parcerias entre autores brasileiros e britânicos, no
contexto dos estudos da linguagem que, com base no sociointeracionismo
vygotskiano e em perspectivas bakhtinianas para o estudo da linguagem, foram
fundamentais na proposição de ferramentas analíticas para interações discursivas
em sala de aula (MORTIMER e SCOTT, 2002; AGUIAR JUNIOR, 1998).
Entre muitos aspectos, essa vertente de pesquisa tem contribuído com
análises envolvendo dados de linguagem, destacando os movimentos discursivos e
trânsitos de significados que se instalam no desenvolvimento de atividades e de
interações discursivas em sala de aula. Além disso, a linguagem científica passa a
ser considerada em sua natureza sociohistórica, o que implica os seus contextos de
produção e circulação (PINHÃO e MARTINS, 2009).
Nesses estudos, em geral, há o reconhecimento e a compreensão da
importância da dimensão linguística nas dinâmicas de construção de conhecimentos
e, também, evidências das tensões que se instalam entre a linguagem cotidiana e a
linguagem científica no ensino de ciências.
Alguns estudos brasileiros, publicados em periódicos, anais de congressos e
encontros do campo de Educação em Ciências, concentraram-se nessas questões
anteriormente levantadas e na análise dos conteúdos e abordagens dos livros
didáticos, ou seja, em questões referentes à acuidade conceitual e à forma de
apresentação dos conteúdos (CASSAB e MARTINS, 2003; FERREIRA e SELLES,
2003; FRACALANZA, 1993). Ainda em relação ao livro didático, Braga e Mortimer
(2003), estudando autores de livros por intermédio de seus textos, consideram que
estes, ao escreverem um texto, criam o novo, algo que não é mera transposição de
sentidos entre textos, e sim um deslocamento de interpretação, ou seja, a
interpretação dos discursos em outra forma discursiva, produzindo efeitos de
sentidos que lhes são característicos (BRAGA e MORTIMER, 2003).
Outros contextos importantes, nos quais as relações entre linguagem e ensino
de ciências foram problematizadas na pesquisa brasileira, são os de marco teórico
da análise do discurso didático no ensino de ciências (EL-HANI, 2006; MARTINS,
83
2006, 2007) e os de leitura e escrita de textos científicos relacionados à sala de aula
(MOREIRA, 2005, ANDRADE e MARTINS, 2006).
Os estudos na perspectiva do livro didático têm diversificado a investigação
do e sobre o texto, tais como:
práticas de leitura (verbal e imagético) do livro didático de ciências
(MARTINS e GOUVÊA, 2003); leituras e critérios para escolha do livro por
professores de ciências (CASSAB e MARTINS, 2003); influências históricoculturais (SELLES e FERREIRA, 2004); análises de imagens e ilustrações
(MARTINS et al., 2003; OTERO e GRECA, 2004, CARNEIRO, 1997;
FREITAS et al., 2004); representações do livro presentes nos ideários de
professores e pesquisadores e nos currículos oficiais (MEGID NETO e
FRACALANZA, 2003); análises dos gêneros discursivos que compõem o
livro didático (BRAGA, 2003) e de aspectos retóricos subjacentes ao livro
didático (NASCIMENTO, 2003), as visões de ciência veiculadas pelos livros
didáticos (QUESADO, 2005); representações do livro presentes nos ideários
de professores e pesquisadores e nos currículos oficiais (MEGID NETO e
FRACALANZA, 2003); análises dos gêneros discursivos (BRAGA, 2003);
análise do caráter multimodal do texto dos livros didáticos (MARQUEZ ,
IZQUIERDO e ESPINET, 2003), análises que integram aspectos do
conteúdo, valores e práticas sociais (CLÉMENT et al.,2005) (MARTINS,
2006, p.120).
Especificamente em relação ao livro didático, Martins (2006) entende que
estudos do discurso favorecem um conjunto de questões mais abrangentes do papel
da linguagem, tanto como obstáculo como facilitadora da ação social (HALLIDAY e
MARTIN, 1993). Halliday (1992; 1998), em suas pesquisas, identificou algumas das
características do discurso científico-escolar, sugerindo que a chamada linguagem
da ciência deve ser vista como resultado da reconstrução (semiótica) da experiência
humana. Para Martin e Veel (1998) os livros didáticos de ciências naturais
representam, em primeiro plano, o discurso da ciência, ou seja, compartilham
códigos linguísticos e semióticos próprios do discurso científico (HALLIDAY, 1992;
HALLIDAY e MARTIN, 1993; MARTIN e VEEL, 1998; MARTINS, 2007). Para estes
pesquisadores, além das questões de vocabulário (léxicos específicos), o discurso
científico é prioritariamente constituído por uma gramática com características
próprias tais como: definições integradas, taxonomia técnica, expressões especiais,
densidade léxica, ambiguidade sintática, metáfora gramatical e descontinuidade
semântica (HALLIDAY e MARTIN, 1993).
As dificuldades de legibilidade e de interpretação do texto científico por parte
dos estudantes não se devem somente às especificidades gramaticais, léxicas ou
sintáticas do texto, fato este que tem muito a dizer da linguagem da ciência
contemporânea. Christie (1998) salienta que o que determina o conhecimento da
ciência nas escolas não é apenas a lógica interna da disciplina, mas também a
84
lógica da atividade pedagógica (CHRISTIE, 1998). Em outras palavras, “a
aprendizagem da ciência envolve contextos da ciência, bem como uma série de
valores, atitudes e formas de trabalho”, que são relevantes para as práticas sociais
aprovadas e operadas na sociedade (CHRISTIE, 1998, p.152).
Essas ideias também levam a caracterizar o ensino de ciências veiculado nos
livros didáticos com base em “escolhas feitas dentro de um conjunto de visões
possíveis de ensino e aprendizagem, que circulam na prática social do ensino de
ciências na escola” (MARTINS, 2007, p.111).
Na aprendizagem de ciências, a dimensão estrutural coloca em primeiro plano
algumas possibilidades para a organização do currículo, enquanto outras
permanecem ocultas. Por exemplo, no Brasil, é possível identificar ideias sobre o
papel da experimentação e da História da Ciência como relacionada tanto com a
América do Norte e Europa, a partir dos materiais curriculares de ensino de
desenvolvimento de projetos (por exemplo, PSSC, BSCS, ChemStudy, Nuffield etc.)
(KRASILCHICK, 1987). Isso nos leva a perceber os livros didáticos como
instrumentos que respondem a exigências da sociedade e não como componentes
inquestionáveis, na observância da consolidação de modelo hegemônico de
conteúdos em coleções diferentes (AGUIAR JUNIOR, 2004).
Há também nas escolhas vinculações com o mercado nas práticas de
produção editorial, a serem comentadas mais adiante, expressando uma relação de
“decisão” muito comum nas práticas sociais contemporâneas, textualmente
mediadas.
4.2
INFLUÊNCIAS DE OUTROS SEGMENTOS SOCIAIS NO BRASIL
As pesquisas em Educação em Ciências são incorporadas aos livros
didáticos, assim como esse material recebe outras influências de diversos
segmentos sociais, entre elas, as políticas educacionais, a atuação das editoras e
autores de livro didático (FRACALANZA e MEGID NETO, 2006). Em geral, o elevado
grau de investimento intelectual e financeiro das políticas educacionais expressam
expectativas, centralidade, legibilidade e controle do poder expressando o que pode
ou, não pode ser “ensinado” em ciências por intermédio do livro didático. Em termos
bernsteinianos, podemos caracterizar o livro didático como um aparelho pedagógico
85
no qual estão presentes mecanismos simbólicos de controle pedagógico
(CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999).
Dessa forma, entendemos que esses aspectos fazem parte das condições de
produção do discurso do livro didático e, portanto, devem ser compreendidos como
parte do discurso da pesquisa em Educação em Ciências. O que chamamos atenção
nestas considerações diz respeito à rede de discursos pela qual uma ideia da
pesquisa vai sendo incorporada ao discurso oficial (PNLD e Parâmetros Curriculares
Nacionais - PCN) do livro didático, do professor em sala de aula, e do mercado
editorial.
4.2.1 Políticas educacionais e recomendações curriculares oficiais
O controle exercido pelo Estado sobre o sistema educacional não se dá
apenas via definição das políticas curriculares, mas também pelos índices de
avaliação e distribuição de livros didáticos, entre outras modalidades. Há alguns
anos, e como atestam alguns documentos oficiais, o Estado passou a ser um
comprador dessas obras didáticas para estudantes (BITTENCOURT, 2010).
Os programas governamentais de regulamentação, avaliação, produção,
distribuição do livro didático que vêm se sucedendo através dos anos resultam em
políticas educacionais de inegável interferência sobre o sistema educacional e, por
consequência direta, sobre o livro didático (BITTENCOURT, 2010). Essa é uma
interferência que, segundo a autora, se remete à legislação de 1827 na qual, o
material educativo, especificamente o livro didático, passa a ser objeto de interesse
político. Assim, as leis e programas de avaliação que organizam e interferem no
currículo, definindo disciplinas e matérias a serem ensinadas, trazem inúmeras
restrições ao texto, caracterizando o controle do Estado na esfera da circulação do
livro didático.
Segundo Torres (2007), tanto as políticas educacionais, de um modo geral,
quanto o PNLD, refletem orientações do Banco Mundial (BM) em associação às do
Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), que nos últimos
anos vêm ocupando o espaço que antes pertencia a UNESCO (Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em assuntos concernentes
à educação. Torres (2007, p.126) esclarece que o BIRD tem interesse, sobretudo, na
86
qualidade da escola básica e, para isso, estabelece uma lista de nove prioridades
escolares em relação aos insumos a ela direcionada. Nessa lista de prioridades, o
livro didático39 ocupa o quarto lugar, ficando atrás apenas dos itens: biblioteca,
tempo de instrução e tarefa de casa (FRACALANZA e MEGID NETO, 2006;
TORRES, 2007). Essa questão é importante quando dimensionamos o projeto
educacional dessas agências fomentadoras, que ao conferir prioridade ao livro
didático, em detrimento aos outros aspectos, tais como o da formação/qualificação
do professor, parece promover um projeto de sociedade que vai ao encontro dos
ideais neoliberais focados “nos mecanismos de produção, de formação para o
trabalho e de promoção à adequação social” (PINHÃO e MARTINS, 2012, p.346).
Em contextos recentes, em 1985, o programa do Livro Didático passa a ser
chamado PNLD em todo o território nacional, e a primeira avaliação do conteúdo de
ciências (1ª a 4ª séries), na forma de guias de livros recomendados, foi publicada em
1997. Nessa fase, o principal mote das avaliações focalizava os erros conceituais
dessas publicações, o que levou a uma série de modificações, necessárias e
apontadas em pesquisas acadêmicas, como assinalado na vertente da linguagem
(BIZZO,1996, PIMENTEL, 2006).
Após a década de 1997, a produção da pesquisa em Educação em Ciências
deu uma guinada, incluindo questões de saúde e educação ambiental, voltadas ao
ensino de ciências, o que, de certa forma, interferiu nas políticas educacionais
(PINHÃO e MARTINS, 2010) e consequentemente nos materiais educativos, foco
dessas políticas.
No que diz respeito às pesquisas em Educação em Ciências, várias de suas
vertentes têm sido representadas nas políticas educacionais, como exemplo,
destacamos os discursos CTS. Estas inserções, que contribuem na caracterização
de pluralidade metodológica e variedade legítima de abordagens de ensino ciências,
são identificadas no texto do edital do PNLD para 2014, como na seguinte
recomendação:
o estudante deve ser direcionado para a investigação de fenômenos e
temas que evidenciem a utilidade da ciência para o bem estar social e para
a formação social dos cidadãos aptos a responder aos questionamentos
com que frequentemente nos defrontamos. Assim, deve valorizar temas e
39
Para o Banco Mundial, livros didáticos são expressões operativas do currículo e compensam os
baixos níveis de formação docente. A recomendação é de que a produção e, distribuição desses
livros seja feita pelo setor privado além da capacitação e elaboração de guias didáticos para
professores (FRANCALANZA e MEGID NETO, 2006).
87
práticas contextualizadas, próximas da realidade e do dia a dia dos alunos,
favorecendo a compreensão de como a ciência e a tecnologia são
produzidas e afetam nossa sociedade. (BRASIL, 2014, p.53).
Nesta recomendação há o pedido expresso para a contextualização do
conteúdo de ciências na vida diária dos estudantes, pelo estabelecimento de
relações entre ciência, tecnologia e as experiências cotidianas. Este é um exemplo
de discurso híbrido, envolvendo a interconexão entre recomendações oficiais e
discursos CTS, claramente relacionado à educação para a cidadania.
No bojo desde movimento, entendemos que as recentes avaliações do PNLD
têm se mostrado positivas em relação às coleções de pesquisadores em ensino de
ciências, no qual muitos dos avaliadores já tiveram ou têm inserção na pesquisa
desse campo. Uma análise dos textos do catálogo do PNLD 2011 (à época da
redação deste texto, o penúltimo produzido para séries finais do Ensino
Fundamental) revela a valorização de algumas ideias e conceitos explorados na
pesquisa acadêmica por meio de sua inclusão como parâmetros de avaliação. Na
seção “abordagem pedagógica”, o documento esclarece que dá importância à
utilização do conhecimento prévio dos alunos no encaminhamento das
atividades e como os diferentes conteúdos podem ser trabalhados para
permitir ao aluno o desenvolvimento das habilidades necessárias à
compreensão da Ciência” (BRASIL, 2011, p.13).
Esse
trecho
enfatiza
a
importância
do
conhecimento
prévio
no
desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, tema bem explorado pela
vertente do MCA na comunidade de pesquisa em Educação em Ciências.
Na década de 2005, a exemplo do que já ocorria no Ensino Fundamental, a
avaliação passa a ser realizada no Ensino Médio, sendo que os livros contemplados
pelo programa, nessa fase, foram apenas os de Português e Matemática. O livro de
Biologia só entrou no programa em 2007 e o de Química em 2008, portanto, há
relativamente cinco anos atrás. De forma análoga, ao exemplo que trouxemos
retirado do PNLD 2011, na ficha de avaliação do Guia Didático do PNLD 2012 para
a disciplina de química, especificamente no bloco três “Abordagem teórico–
metodológica e proposta didático-pedagógica,” identificamos no item 3.6 a seguinte
formulação: “a obra apresenta discussões entre ciência, tecnologia e sociedade,
criando condições para que os jovens entrem em contato com a cultura científica
atual” (PNLD QUÍMICA, 2012, p.15), chamando atenção para a dimensão CTS do
ensino da química.
88
Os PCN, criados nos anos 1996 no âmbito das políticas educacionais de
Ciências, são fundamentais como instrumentos de controle curricular. Pino,
Ostermann e Moreira (2004), discutindo as concepções epistemológicas veiculadas
aos PCN específicos para a área de Ciências Naturais reconhecem a falta de
comprometimento desse documento oficial com a pesquisa no campo da Educação
em Ciências. Para esses autores, os PCN apresentam a ciência de forma acrítica,
podendo muitas vezes reforçar a “ideia de que a maneira certa de se fazer ciência
segue um programa empirista-indutivista”, e, ao contrário, o que o documento oficial
deveria apresentar seria uma explícita rejeição a essa concepção de ciência (PINO,
OSTERMANN, MOREIRA, 2004, p.13).
Barcelos e Martins (2011) consideram que estudar os livros didáticos na
perspectiva de suas transformações contribui para o entendimento da história da
educação, para a sua relação com as políticas educacionais e a correlata prática
escolar. Portanto, se por um lado temos o discurso da pesquisa em Educação em
Ciências articulado com alguns documentos, temos também aqueles que nem
sempre se articulam com novos discursos e problematizações desse campo de
pesquisa.
4.2.2 Produção e mercado editorial
Mesmo com um percurso que se caracteriza pela ampla interferência do
Estado no sistema educacional, editoras têm igualmente atuado influenciando o livro
didático na esfera social, desde o século XIX.
Atualmente, as disputas entre as editoras nacionais e internacionais, em
relação às dimensões regulamentadoras colocadas para o livro didático, têm
crescido a partir dos PNLD. Especificamente, no Brasil, Choppin (2004) chama
atenção para o lugar ocupado pelo livro didático no mercado editorial, que no início
do século XX já representava dois terços da produção nacional e no ano de 1996
aproximadamente 61% (CHOPPIN, 2004). Gatti Junior (2000) esclarece que na
França, as editoras, neste mesmo ano e nicho de mercado, concentraram
aproximadamente 20% do negócio editorial e que as editoras norte-americanas, em
1980, concentravam 25% dos seus negócios no ramo dos livros escolares, o que,
em valores absolutos, alcançou 1,5 bilhões de dólares. No Brasil, além da
89
estabilidade do mercado envolvendo o livro didático, esse percentual muito alto na
sua produção é um diferencial se comparado a outros países. Aguiar Junior (2004)
assinala que,
(...) entre 1994 e 2004, o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático)
adquiriu, para utilização nos anos letivos de 1995 a 2005, 1,026 bilhão de
unidades de livros distribuídos entre alunos matriculados do sistema público
do Ensino Fundamental tendo investido, nesse período, R$ 3,7 bilhões
(AGUIAR JUNIOR, 2004, p.2).
Certas editoras, atraídas pelo lucro da produção de obras didáticas,
especializaram-se nesse tipo de produto. A maior razão é justamente por constituir
um mercado que, a princípio, não sofre nenhuma redução de consumo e distribuição
pela constante presença de um comprador, o Estado (BITTENCOURT, 2010).
Somado a isso, o caráter compulsório do livro garante a sua reimpressão contínua.
Portanto, a única pressão a qual editoras estão submetidas parece proceder do seu
comprador principal, o Estado (FRACALANZA e NETO, 2006).
E, reforçando resultados já apontados por pesquisas educacionais, as
editoras, acabam por definir os parâmetros do que pode e não pode estar presente
nesses livros. Atualmente, por exemplo, levando em consideração as tendências
colocadas no mercado de escolas mais conservadoras e outras exigindo mudanças,
essas editoras estão produzindo obras de uma mesma disciplina voltadas a públicos
diferenciados. Além disso, cada vez mais identificamos um endereçamento do livro
didático às exigências do PNLD que, como dissemos, afina-se em muitos aspectos
às questões trazidas do campo da pesquisa em Educação em Ciências.
No que se referem às escolhas dos autores, as editoras realizam uma
primeira seleção através de projetos encaminhados a elas, embora muitas vezes
parta da própria editora o convite para que profissionais exerçam a tarefa de autores
de livros didáticos muito de acordo com o perfil encontrado.
Além dessa escolha, existe a escolha que o governo faz entre editoras que
submetem livros ao PNLD e que atualmente concentram-se em quatro grupos
empresariais, a saber: FTD, Abril Educação, Santillana e Saraiva40.
40
Disponível em: <http://www.observatoriodaeducacao.org.br/>.
90
5
A ANÁLISE TEXTUAL
Neste capítulo apresentamos a análise do manual do professor (assessoria
pedagógica) e do livro do aluno da coleção didática “Construindo Consciências”.
Começamos pelo manual do professor por se tratar de texto que pode nos dar a
ideia global das concepções de ensino e aprendizagem, pressuposições, aportes
teóricos dos autores do livro didático de ciências. Posteriormente, discutimos a
relação entre as pesquisas em Educação em Ciências e os excertos selecionados
do livro do aluno. Importante salientar que a análise textual realizada procura dar
ênfase à identificação e discussão das relações intertextuais dos discursos
recontextualizados nos
excertos
selecionados
da
coleção
didática
e
dos
interdiscursos, buscando quais e como aspectos relacionados à pesquisa (temas,
resultados, metodologias etc.) são incorporados ao texto.
5.1
A ASSESSORIA PEDAGÓGICA
O texto da Assessoria Pedagógica é composto, tanto por referências aos
pesquisadores do campo da Educação em Ciências, em enunciados na forma de
citações, paráfrases e pressuposições, como por interdiscursos que aludem à
pesquisa e outras influências sociais em rede de discursos. É um texto com
extensão de 92 páginas, com subdivisões e seções descritas no capítulo do corpus,
que variam de conteúdo de volume a volume, de acordo com o ano escolar. As
análises, como já mencionamos, focaram somente o texto em comum para os quatro
volumes (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.5-24),
especialmente os textos que, de alguma forma, nos ajudam a entender a relação da
pesquisa com o ensino.
5.1.1 Interdiscurso no texto da Assessoria Pedagógica
A primeira observação, no que diz respeito a interdiscursos, tem a ver com o
título e com a posição ocupada pelo texto do manual do professor no próprio livro
91
didático. Afirmamos, na análise da conjuntura, que o livro didático compreende um
conjunto de discursos internalizados e que tradicionalmente circulam nos
documentos das políticas educacionais, tais como os do PNLD, PCN, entre outros,
sofrendo influências dos ditames das editoras, em processos mediados pela autoria.
Por isso, levando em consideração esses aspectos, iniciamos a análise textual com
questões relacionadas ao discurso institucional, marcado por movimentos de
inclusão de elementos novos e da manutenção de outros, próprios do discurso do
livro didático. Em seguida, apresentamos os interdiscursos presentes no manual do
professor que se relacionam com tipos de discurso da pesquisa em Educação em
Ciências e elementos no texto do livro didático.
5.1.1.1 Um discurso institucional na assessoria pedagógica
Nessa coleção o nome dado ao manual do professor é o de ‘assessoria
pedagógica’, que inclui uma escolha lexical a ser analisada. Em geral, essa parte
dos livros didáticos pode ser chamada de manual do professor, orientações para o
professor, entre outras designações. Não sabemos se intencionalmente ou não, a
denominação para o manual do professor coincide com a de outros livros didáticos
comercializados pela mesma editora.
Usualmente, os títulos são componentes especiais de um livro, revista, artigo
entre outros. A posição que ocupam no texto e a função de sintetizar o argumento,
as ideias, o objeto principal do texto adiantam para o leitor o que será lido, buscando
atrai-lo e levá-lo à leitura.
A denominação assessoria pedagógica, entre outros sentidos, nos remete ao
seu significado originário do latim, assessore, que significa aquele(a) que auxilia um
cargo superior por intermédio de suas funções, correspondendo, também, ao
sinônimo de adjunto(a). Em geral, a função de assessoria pedagógica nas escolas
brasileiras é diferente daquela exercida pelo(a) professor(a), exigindo algum tipo de
pós-graduação ou especialidade. No entanto, essa é uma função praticamente
extinta na escola, o que pode demonstrar a falta de interesse neste cargo/função,
dando a ideia de ineficácia da ocupação profissional.
O fato é que o manual do professor, sendo chamado de assessoria
pedagógica, nos remete a essa função e a seu papel no contexto escolar estando
92
fundamentalmente relacionado à ação de trazer propostas e concepções de
atividades endereçadas à sala de aula. Assim, se, por um lado, o texto da assessoria
pedagógica justifica as escolhas das atividades sugeridas pelos autores baseadas
nas pesquisas em Educação em Ciências, por outro, pode contribuir para um
apagamento do discurso do professor.
Um primeiro aspecto, diz respeito à autonomia do professor, ou seja, à real
necessidade do professor de ciências utilizar uma
assessoria pedagógica.
Se
pensarmos na história do papel do livro didático e no aumento de sua importância no
contexto das críticas à formação do professor, a escolha pela denominação pode
indicar uma postura, por parte das editoras, no sentido de suprir déficits ou lacunas
na formação destes profissionais. Quer dizer, a assessoria reflete um conjunto de
expectativas das editoras, das políticas oficiais, das pesquisas em ensino, da prática
pedagógica nas demandas por melhorias/renovações/inovações do ensino operado
nas escolas.
Portanto, podemos pensar o assessor(a) identificado(a) como um(a) agente
que sugere mudanças no “que fazer” e “como fazer” em sala de aula. Entretanto,
como sugerem Amaral et al. (2006), esta tarefa não se esgota no papel do assessor,
pois quanto mais o livro didático de ciências distanciar-se das práticas tradicionais
de veiculador de conhecimentos prontos e acabados, mais relevante é o papel do(a)
professor(a) e, portanto, do livro a ele endereçado (manual do professor). Outro
aspecto relevante relaciona-se com a proposta do livro que, por apresentar
ordenamentos e estratégias de ensino diferenciadas, requer maior mediação por
parte dos autores com os docentes.
Essas questões que identificamos relacionam-se à prática da assessoria na
sua interação com os profissionais da escola que, em geral, se dá numa única
direção (livro para professor), caracterizando a separação espaço-tempo, aspecto
preponderante das relações na modernidade recente. Mesmo assim, consideramos
que essa forma de denominar o manual do professor configura uma maior
aproximação entre a concepção da obra por parte dos autores e o professor.
Estas e outras questões contribuem para o debate instaurado na
modernidade recente, recorrentemente apontado pela ACD, ou seja, a apreensão
em relação à naturalização das situações das dinâmicas sociais. As questões de
poder dependem da relação de confiança depositada, por exemplo, em livros
didáticos e seus textos, na estabilidade de seus conteúdos, nos níveis de
93
organização desse aparato, de significantes e significados que constituem o texto.
Em suma, a forma de denominar o manual do professor pode ser vista como mais
um exemplo do impacto das instituições modernas na sociedade, provocada pelo
deslocamento/desencaixe “das relações sociais dos contextos locais e a sua
rearticulação através de partes indeterminadas de espaço-tempo” (GIDDENS, 2002).
5.1.1.2 O discurso do movimento das concepções alternativas, história e filosofia da
ciência e modelagem no ensino de ciências
Para Fairclough (2001), é possível identificar os elementos que compõem as
ordens do discurso articulados nos tipos de discurso. Por exemplo, o vocabulário
particular nos remete a certos discursos.
Identificamos na assessoria pedagógica o “discurso da abordagem do
construtivismo pedagógico e da vertente do MCA,” tanto pelo emprego de
expressões tais como “sujeito do processo ensino-aprendizagem”, “ideias prévias”,
“conflito”, “obstáculos à aprendizagem,” bem como pela referência ao caráter
histórico
do
desenvolvimento
do
conhecimento
científico
(CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.5).
Há nesse livro uma seção específica, intitulada “Trocando ideias,” que tem
como objetivo “explicitar e organizar os conhecimentos prévios dos estudantes”
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.19). A retórica da
organização do texto e a proposta de atividade (social) que o texto coloca para o
leitor, entre outros aspectos, indicam ênfase e importância sendo atribuídas às
abordagens pedagógicas que valorizam as ideias dos estudantes como relevantes
para a aprendizagem e como merecedoras de explicação (isto é, possuidoras de
uma lógica, coerência passível de inteligibilidade). Valorizam também sua
articulação com as ideias escolarizadas, de forma menos assimétrica do que em
pedagogias não construtivistas, que consideram o aluno como tábula rasa e o
conhecimento como algo que pode ser transmitido.
Outra dimensão importante identificada no texto diz respeito a diferenciação
evidenciada entre racionalidade científica e conhecimento comum ou de opinião,
realçada
na
preocupação
dada
à
ciência,
com
os
seus
pressupostos
epistemológicos. Essa diferença foi observada na distinção entre linguagens e suas
características semânticas, tanto na assessoria pedagógica, como nos exemplos do
94
livro do aluno que apresentaremos. Como se lê em trecho da assessoria
pedagógica,
Ao procurar estabelecer relações entre as ideias prévias dos estudantes e
os conhecimentos científicos, consideramos as inúmeras diferenças entre
esses dois sistemas de conhecimento (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS,
assessoria pedagógica, p.5).
É possível identificar nessa formulação a sugestão de valor epistemológico
diferenciado para as ideias dos estudantes, salientando a sua dimensão pedagógica
no texto. No livro do aluno, encontramos as diferenças entre os dois sistemas de
conhecimento, exemplificadas quando os autores discutem aspectos da linguagem
do senso comum e da linguagem da ciência, como no trecho a seguir:
Alguns estudantes acreditam, erroneamente, que os átomos de chumbo são
densos, que as partículas que constituem o permanganato de potássio (um
sólido cor roxa) são roxas e que, quando um se funde barra de ferro, os
átomos de ferro também se fundem. Preste atenção! Todas essas
conclusões estão erradas As partículas (sejam elas átomos ou moléculas)
não têm as propriedades da substância à qual elas pertencem
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9 º ano, p.62).
Por exemplo, a ideia de “densidade” e “cor” como propriedades específicas da
matéria (átomos de chumbo são densos, partículas de permanganato de potássio
são roxas e átomos de ferro como capazes de fusão), representada discursivamente
dessa forma, é decorrente de resultados de investigação das concepções dos
estudantes sobre os componentes da matéria, sua estrutura e propriedades
(MORTIMER, 1994; CHASSOT, 1996, GARNETT, GARNETT e HACKLING, 1995),
bem explorados na literatura como obstáculos à aprendizagem.
Evidenciamos também o uso de diferentes recursos linguísticos (comparação,
analogia, metonímia) nas explicações de conceitos científicos, para além das formas
tradicionalmente caracterizadas pela metáfora gramatical e por conjuntos de
nominalizações. Um exemplo de analogia está no texto denominado “os materiais
são formados de um grande número de pequeníssimas partículas,” que aparece no
livro antecedendo o excerto 5 (“Entre partículas existem espaços vazios”). Ali
identificamos uma abordagem que salienta esses recursos discursivos (analogia)
para o ensino das estruturas moleculares, por intermédio de construções feitas por
peças de plástico interligadas, tal como no enunciado “os átomos são como peças
de um joguinho de montar que formam peças maiores” (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.62). Nesse caso, estruturas e blocos de
construção são comparados a moléculas e átomos, em referência visual a um
95
brinquedo para crianças, bastante conhecido, de forma a facilitar a compreensão
das estruturas abstratas pelos estudantes, além de explicar que algumas das
propriedades observadas em objetos feitos de certos átomos, como a densidade,
referem-se à estrutura molecular e não ao próprio átomo (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.62). Em geral, a analogia ajuda a criar um
modelo que tanto caracteriza partes constituintes da matéria como também sugere
algo sobre a dinâmica da interação entre elas (blocos como átomos e pinos como
ligações).
Notamos também a hibridização de diferentes formas de comunicar ciência,
por intermédio da variação de gêneros textuais proposta na assessoria pedagógica,
no contexto de referências a textos argumentativos, descritivos, relatos de
experimentos, entrevistas, narrativas, produções literárias e artísticas entre outros
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica).
5.1.2 Intertextualidade na assessoria pedagógica
A manifestação de outros textos na assessoria pedagógica foi analisada em
duas etapas. A primeira diz respeito à menção de nomes de pesquisadores no texto
e a segunda, à representação do discurso de pesquisadores na forma de citações
ou paráfrases.
5.1.2.1 Os pesquisadores e as ideias da pesquisa em Educação em Ciências
Nessa seção, procuramos caracterizar, por intermédio dos intertextos, as
ideias da pesquisa em Educação em Ciências, identificadas as referências a autores
e pesquisadores estrangeiros e brasileiros.
Entre os autores internacionais citados, identificamos dois grupos. Há aqueles
que são mundialmente conhecidos pelo trabalho em áreas diferentes da Educação
em Ciências, tais como literatura, filosofia e psicologia cognitiva. São eles: Bruner,
Bachelard, Tolstoi e Vygotsky,além de outros nomes de experientes pesquisadores
em Educação em Ciências, como: Peter Fensham, Robin Millar, Jonathan Osborne,
cuja contribuição remonta à fase em que várias das linhas e vertentes do campo se
constituíram e, sistematicamente, foram retratados na origem, história, pressupostos,
questões e epistemologia da pesquisa de campo.
96
No caso dos pesquisadores brasileiros, um fato que destacamos é a
referência aos pesquisadores do estado de Minas Gerais, mais especificamente de
Belo Horizonte, cidade na qual a maioria dos autores reside e onde se situa a
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Esse fato parece convergir para as
vertentes de pesquisa selecionadas. De fato, alguns dos pesquisadores citados na
assessoria pedagógica são os próprios autores do livro didático, por exemplo, Lima e
Paula.
Há nas referências aos pesquisadores uma costura toda própria que está
presente nas concepções de ensino e aprendizagem de ciências que o grupo de
autores deposita no texto do livro didático e que é realizada discursivamente por
meio de citações, paráfrases e pressuposições presentes na assessoria pedagógica.
O Quadro 6 apresentado a seguir mostra intertextos associados a enunciados de
pesquisadores, e o tipo de estratégia discursiva usada pelos autores para inseri-los
no texto.
5.1.2.2 A concepção da obra na assessoria pedagógica
Há múltiplas maneiras de articulação intertextual e, em todas elas, aqueles
que produzem o texto escolhem “quais vozes terão ou não destaque, o que pode ser
utilizado estrategicamente na direção dos discursos que se pretende sustentar”
(SANTOS e RESENDE, 2012, p.156). Por isso, Fairclough (2003, p. 55) aponta que
“a intertextualidade é inevitavelmente seletiva em relação ao que é incluído e ao que
é excluído dos eventos e textos representados”.
Encontramos onze referências à pesquisa em Educação em Ciências nas
primeiras vinte quatro páginas do texto (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS,
assessoria pedagógica, p.1-24). De forma geral, todas elas incluem exemplos de
intertextualidade explícita por terem mencionado a fonte do intertexto, por intermédio
do nome do autor ou autores. Entretanto, a diferença entre elas está na forma como
o fragmento articula-se ao texto, quais os enunciadores, incluindo ou não as vozes
dos autores, no destaque dado ao argumento, entre outros aspectos identificados no
texto. Referências podem ser atribuídas a outros enunciadores e retomadas por
adesão, discordância, contestação, pressuposição, nos intertextos (KOCH, BENTES
e CAVALCANTE, 2008).
Quadro 6: Intertexto, pesquisador e estratégia discursiva da assessoria pedagógica
INTERTEXTO
PESQUISADOR
Aprender ciências implica, em larga medida, aprender a se comunicar com linguagens científicas.
A definição é o momento de síntese, de compreensão sintética, acabada e formal.
Ao investigar a construção dos conceitos, Vygotsky afirma que o ensino direto de conceitos é impossível e
infrutífero:
Quando ela [a criança] ouve ou lê uma palavra desconhecida numa frase, de resto compreensível, e a lê em
outra frase, começa a ter uma ideia vaga de um novo conceito: mais cedo ou mais tarde, ela [a criança] [...]
sentirá a necessidade de usar essa palavra- e uma vez que a tenha usado a palavra e o conceito lhe
pertencem [...] Mas transmitir deliberadamente novos conceitos ao aluno [...] é, estou convencido, tão
impossível e inútil quanto ensinar uma criança a andar apenas por meio das leis do equilíbrio.
Ao questionar os professores de Ciências sobre seus principais objetivos, Lemke (2002) relata que sempre
se depara com respostas tais como: “contribuir para que os alunos compreendam os conceitos básicos da
Física, da Química e da Biologia”. A objeção deste autor a essa declaração, com a qual concordamos, é que
os termos “compreender” e “conceitos” impõem graves e desnecessárias limitações às diversas
contribuições que a Educação em Ciências pode apresentar para a formação dos estudantes.
Exigem divergências entre os filósofos, historiadores e sociólogos que se perguntam sobre o que constitui a
natureza da atividade científica. Para além dessas divergências, existe razoável consenso entre os
especialistas que se ocupam da educação em Ciências acerca de quais reflexões sobre esse tema devem
ser desenvolvidas no Ensino fundamental.
Os conceitos de materiais e transformações funcionam como estruturadores do pensamento químico, aos
quais é possível remeter quase todos os conceitos químicos abordados no Ensino Médio e Fundamental. A
esses dois conceitos ligam-se diretamente os conceitos de substância e de reação química que, interrelacionados, podem funcionar como aglutinadores lógicos para todos os demais conceitos químicos.
O estudo dos modelos atômicos desconectados do estudo dos fenômenos conduz a uma falsa
compreensão dos conceitos químicos. É comum, por exemplo, que os estudantes concluintes da educação
básica confundam os conceitos de átomos e moléculas e não entendam sua relação com os elementos
químicos e compostos. Mesmo os estudantes capazes de usar estes termos com relativa facilidade atribuem
a eles significados que estão distantes dos atribuídos pela Química.(...) Por essa razão, nossa opção nesta
obra foi pela introdução ao estudo do átomo com parcimônia, no livro do 9º ano.
Como nos diz Bachelard (1993) o conhecimento científico sempre nasce de uma pergunta.
Compondo produções artísticas, textos argumentativos, relatos de experimentos e textos descritivos, a
diversidade dos gêneros textuais se completa com o uso de textos narrativos. Bruner (2002) reúne
evidências de que a narrativa é a forma de organização textual mais elementar que estrutura o pensamento
humano.
Os seres humanos aprendem narrando, muito embora os textos científicos se orientem por um gênero
discursivo no qual os sujeitos não têm lugar.
Mortimer (2000)
Lima e Silva (2005)
ESTRATÉGIA
DISCURSIVA
Paráfrase
Paráfrase
Vygotsky (1971)
Paráfrase
7
Tolstoi (1903) apud
Vygotsky (1991)
Citação
7
Lemke (2002)
Citação/Paráfrase
7
Millar and Osborne
(1998); Osborne et al.
(2003) and Paula (2004a)
Pressuposição
9
Gomes (1998)
Citação
12
Fensham (1994)
Paráfrase
12
Bachelard (1993)
Paráfrase
19
Bruner (2002)
Paráfrase
23
Lima (2005)
Paráfrase
23
PÁG.
6
6
98
a) O que foi citado
Citações ou representações diretas do discurso, que reproduzem exatamente
a voz do pesquisador citado, foram menos frequentes com três ocorrências em onze
casos.
O Quadro 6 mostra que, embora tratem de problemáticas diferentes da
pesquisa em Educação em Ciências, existe um sentido que as reúne, pois todas
elas se voltam para a questão de como se dá a aprendizagem de ciências pelos
estudantes.
Na citação de Tolstoi e Vygotsky é estabelecida uma relação entre construção
do
conhecimento,
aprendizagem
e
apropriação
de
conceitos
(ideia
do
pertencimento). A citação de Gomes (1998), ainda relacionada à aprendizagem,
afasta-se do sentido mais amplo de aprendizagem e diz respeito à aprendizagem
específica da química. Esta citação sugere um sentido de aprendizagem organizada
a partir de ideias estruturadoras (aglutinadores lógicos) da química, fundamentais
para aprendizagem dessa disciplina ao longo da escolaridade dos estudantes. As
ideias estruturadoras foram muito estudadas, por exemplo, na pesquisa acerca dos
chamados modelos mentais, sobretudo no contexto da discussão sobre modelos
consensuais (aqueles a serem aprendidos por representarem conceitos das
ciências), e modelos expressos (aqueles que os estudantes apresentam em
situações de ensino) (GILBERT e BOULTER, 1998). Essa forma de entender o
ensino parece convergir para o sentido de aprendizagem como construção,
mobilizado também em outras citações, configurando construções específicas e
mais elaboradas, na medida em que combinam as diferentes influências da
pesquisa.
No caso das referências ao trabalho de Jay Lemke, há duas formas de
expressar suas ideias: uma pela citação, indicada entre aspas, e outra por meio de
paráfrase que, além de explicitar a citação do pesquisador, traz a voz dos autores
por
meio
da
expressão
“com
a
qual
concordamos”
(CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.7). As referências problematizam ainda
a ênfase exagerada dada por alguns professores na aprendizagem conceitual, o que
levaria a uma concepção de aprendizagem acrítica. A estratégia, de completar a
citação tem como objetivo inserir a opinião dos autores na forma de anuência. O
léxico “objeção,” utilizado para qualificar o texto de Lemke, parece reforçar esta
concordância dos autores.
99
Em síntese, consideramos que o conjunto de citações aqui reunidas, ao trazer
a voz dos teóricos mencionados produz como efeito o sentido de valorizar uma
aprendizagem que não está alicerçada na memorização de conceitos, fórmulas e
definições, mas sim na construção pessoal. A partir da análise que fizemos
anteriormente do título Assessoria Pedagógica, essas considerações indicam uma
pluralidade discursiva entre título e conteúdo.
b) Retomando o dizer do outro
A paráfrase foi a estratégia discursiva mais frequente, contabilizando sete
ocorrências em 11 casos. Diferente da citação, a paráfrase não utiliza palavras
exatas do discurso representado, mas o discurso é reformulado pelo autor,
caracterizando-se assim uma representação discursiva indireta. A paráfrase
igualmente possibilita identificar mescla de vozes dos autores referenciados e dos
autores do livro, no discurso. No Quadro 6, podemos identificar pelo menos duas
vozes na paráfrase aludindo à Fensham: a do próprio pesquisador e a dos autores,
evidenciada pelo uso da expressão “nossa opção”.
Bachelard, filósofo da ciência, frequentemente mobilizado como referencial da
pesquisa em Educação em Ciências, é trazido de forma explícita em uma das
paráfrases do Quadro 6, de forma a valorizar a pergunta como princípio do processo
de construção do conhecimento. Para Bachelard, o importante é romper com o
conhecimento comum e uma boa pergunta em sala de aula sobre determinado
problema faz brotar uma nova racionalidade, diferente, por exemplo, da opinião (eu
acho, eu acredito que, etc.). Trabalhar a relação entre questionamento e
conhecimento parece constituir um aspecto da perspectiva construtivista, relevante
para os autores do livro analisado na construção de uma racionalidade científica.
Na paráfrase de Mortimer (2000), os autores reforçam a ideia de que a ciência
pode ser concebida como uma forma de linguagem. Esse aspecto também nos
remete ao socioconstrutivismo analisado na conjuntura. Não identificamos, na
paráfrase do texto de Mortimer a mescla de vozes dos autores do livro, devido à
escolha pelo emprego do verbo aprender no modo infinitivo. Entendemos que essa
escolha textual aproxima os autores da visão de Mortimer que, em última análise,
promove uma recontextualização das ideias do construtivismo social ao colocar a
linguagem em primeiro plano na aprendizagem.
100
A paráfrase de Lima e Silva apresenta as definições em ciências como
síntese e não como ponto de partida na aprendizagem. Esta ideia, que também é
reforçada pela paráfrase de Vygotsky, vai de encontro a uma opção didática, muito
difundida em alguns livros didáticos, nos quais se apresenta uma definição, seguida
de exercícios de memorização ou aplicação de fórmulas.
A paráfrase de Fensham converge para questões da química e a importância
da construção dos conceitos (modelos consensuais de átomos e moléculas) nessa
disciplina. O autor chama atenção para o fato de que os estudantes podem
responder de forma adequada às questões objetivas sobre átomos e moléculas, sem
entendê-las de fato. Ou seja, uma vez que o conceito não é construído pelo
estudante, ele é usado apenas para responder as questões de avaliação. Essa é
uma dimensão bem aprofundada pelas pesquisas em Educação em Ciências que
pautaram a discussão acerca da mudança conceitual. No entanto, como
ressaltaremos nas análises do livro do aluno e no capítulo da discussão,
entendemos que, mesmo apostando na construção do conhecimento, o foco da
aprendizagem no livro didático em análise não se dá na mudança conceitual.
A paráfrase da ideia de Bruner, acerca da potência do pensamento narrativo,
é articulada com a importância atribuída a diferentes tipos de texto na aprendizagem
de ciências. Esta discussão relaciona-se às críticas dirigidas à linguagem usual do
livro de ciências, que compreende processos excessivos de nominalizações e
metáforas gramaticais, considerados entraves para o entendimento da disciplina em
geral e da linguagem científica, em particular (HALLYDAY e MARTIN, 1993;
MARTIN e VEEL, 1998). Análises subsequentes mostram a maneira pela qual os
autores consideram o uso de narrativas, como no excerto 1, texto sobre peixes para
o 6º ano, que por intermédio da vida de um tipo específico de peixe (piaba),
elaboram uma estratégia discursiva que escapa dos processos abstratos deste tipo
de linguagem.
c) Questões ideológicas no dizer
O texto da assessoria pedagógica também apresenta articulações na forma
de pressuposição, na qual o significado está implícito. É uma maneira textual de
mesclar ao discurso construído pelo autor do texto “vozes já estabelecidas ou
dadas,” o que pode possibilitar o entendimento de aspectos da constituição
ideológica dos textos.
101
Na forma de pressuposição, as ideias de Millar, Osborne e de Lima e Paula
são recontextualizadas na legitimação de um conjunto de ideias das pesquisas, em
detrimento de outras, sobre o que se deve ensinar em ciências no Ensino
Fundamental. A escolha da palavra “consenso” e a referência aos especialistas
parecem confluir, reforçando essa legitimação. Temos, mais uma vez, um exemplo
de confiabilidade, voltada aos discursos acadêmicos que, hibridizados aos
pedagógicos, realçam a autoridade dada aos especialistas (em Educação em
Ciências) necessariamente como a melhor escolha dentre num conjunto de
possibilidades. Em outras palavras, o consenso como ideia hegemônica não é
resposta para todas as situações. Por outro lado, o texto reforça o potencial de
estudos sistemáticos e aprofundados na construção de estratégias de enfrentamento
e superação de alguns obstáculos. Não obstante, alertamos para o fato de que a
palavra consenso, no caso de ideias para sala de aula, não garante em si a resposta
apropriada em todos os contextos desta prática.
Em síntese, podemos dizer que, de forma geral, as referências diretas e
indiretas (citações, paráfrases e pressuposições), que encontramos para ideias
relacionadas às pesquisas como fontes legítimas e confiáveis, sobre as quais as
escolhas pedagógicas podem ser justificadas, foram corroboradas por escolhas
lexicais típicas, como nos exemplos assinalados.
5.2
O LIVRO DO ALUNO
O livro do aluno, diferentemente da assessoria pedagógica, não apresenta o
discurso relatado. Por isso, o foco volta-se para a compreensão do jogo dialógico
entre os textos instalados no discurso, ou seja, para a dinâmica interna textual,
dependente de mecanismos de redundância textual, do discurso que repete temas
ou ideias associadas a discursos preexistentes, entre outros fatores.
O objetivo, como apontado no capítulo do quadro teórico metodológico, foi o
de identificar os interdiscursos por intermédio dos elementos de retórica,
transitividade, metáfora gramatical, nominalizações, vocabulário e escolhas lexicais.
102
5.2.1 O discurso modalizado
A pesquisa que realizamos tem foco na função ideacional do discurso, ou
seja, no papel do discurso na significação e na referência. Entretanto, como afirma
Fairclough (2001), essa é uma questão a ser enfatizada porque outras funções
discursivas podem coincidir no discurso. Por exemplo, a modalidade, ou nível de
comprometimento do falante/escritor com suas proposições, pode ser considerado
como interseção entre a função ideacional do discurso e a interpessoal, ou seja,
entre a significação do discurso e a representação das relações sociais
(FAIRCLOUGH, 2001). Não obstante, optamos por enfatizar a dimensão ideacional,
uma vez que o objetivo são as formas de representação que o discurso da pesquisa
assume no texto do livro didático, e seus distintos efeitos de sentido.
Sabemos que autores de um livro têm posição relevante no aspecto que
vincula a concepção da obra ao que é a obra, ou seja, aquilo que o sujeito/autor
reúne na sua obra constitui um modo de expressar, imprime um estilo particular ao
texto/discurso. O livro didático, mesmo considerado um gênero discursivo, associado
a tipos particulares de discursos, pode ser compatível com estilos alternativos
(FAIRCLOUGH, 2001). Portanto, mesmo mantendo o foco desse estudo na
representação do discurso, consideramos o aspecto da modalidade importante para
caracterizar transformação nos padrões, em geral, encontrados para o livro didático
de ciências.
No caso da coleção em análise, aspectos tais como o emprego do presente
durativo, do gerúndio e das nominalizações e metáforas gramaticais caracterizam
uma mudança no livro didático de ciências. Por exemplo, o título da obra,
“Construindo Consciências”, assim como alguns títulos de unidades (por exemplo,
Modelando
os
materiais/9º
ano),
capítulos
(por
exemplo,
“Viajando
com
segurança”/9º ano) ou seções do livro (por exemplo, “Trocando ideias”) parecem
contribuir para marcar o comprometimento dos autores com o envolvimento do
leitor/estudante, por meio de referência a uma ação presente, contínua e conjunta,
caracterizada pelo emprego do verbo no gerúndio.
A unidade “Modelando materiais” é um bom exemplo para representar a
estilização a qual nos referimos nos seus vários subtítulos, tais como: “Enchendo um
balão sem soprar” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.64),
“Interpretando alguns fenômenos” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,
103
9º
ano,
p.71)
e
“Construindo
modelos
explicativos”
(CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.79) que, no conjunto, implica ações
contínuas e conjuntas ao longo das leituras sugeridas pela unidade.
O uso do gerúndio é relevante porque ele sozinho assume a função de
advérbio, que tem relação com o ‘como fazer’. No título “Construindo Consciências”,
essa forma nominal do verbo denota a perspectiva de aprendizagem em progressão,
em construção que, como dissemos, parece assumida para o conjunto da obra
didática.
Além disso, a construção no plural: “consciências”, nos remete ao
significado dessa palavra, que pode ser entendida como um sentimento do que a
pessoa tem daquilo que ocorre com ela mesma, quer dizer, “construir consciências”
seria construir autoconhecimento, mas também pode significar “estar ciente” de algo,
ou seja, construir um saber. Há ainda outro sentido nesse título do livro: o de que
esse conhecimento a ser construído é relacionado à ciência (consciências).
Desta forma, o título do livro, além de representar um estilo que acompanha
toda a obra, compreende em si uma concepção de aprendizagem, uma forma de
pensar, própria dos autores do livro.
5.2.2 As vertentes da pesquisa nos excertos
Em nossas análises, decidimos apresentar as vertentes mencionadas pelos
autores do livro didático, as quais tiveram forte impacto na constituição da
comunidade de pesquisa do campo em Educação em Ciências no Brasil. Elas
correspondem às vertentes desenvolvidas na seção ligada à análise da conjuntura e
são ilustradas por trechos específicos, tanto da assessoria pedagógica como do livro
do aluno, selecionados para análise dos dados apresentados no Quadro 7.
Os exemplos que constam no Quadro 7 referem-se ao corpus descrito no
capítulo 3 da tese, e a análise que apresentamos a seguir procurou relacionar as
ideias desenvolvidas na análise da conjuntura com os aspectos textuais encontrados
no livro do aluno.
Quadro 7: Caracterização das vertentes da pesquisa em Educação em Ciências em fragmentos textuais da assessoria pedagógica e do livro do aluno
VERTENTE
TENDÊNCIA
ASSESSORIA PEDAGÓGICA
LIVRO DO ALUNO
As ideias que temos sobre o assunto serão o ponto de partida
para nosso estudo sobre luz e visão (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano).
Movimento das
Concepções Alternativas
História da Ciência e
Natureza da ciência
Modelagem
CTS
Linguagem
Ao procurar estabelecer relações entre as ideias prévias dos estudantes e
os conhecimentos científicos consideramos as inúmeras diferenças entre
esses dois sistemas de conhecimento (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS,
p.5).
A ciência desenvolve formas de investigação que são continuamente
renovadas em função de mudanças em seus propósitos e de sua evolução
conceitual. ... Não há um “método científico” universal e infalível, mas
metodologias que são a todo tempo criadas no curso das investigações e
submetidas às críticas da comunidade científica. A ciência não é
meramente “técnica” nem “neutra” e solitária. Pelo contrário, é um
empreendimento social e cultural como diversas outras atividades humanas
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, p.9).
VOLUME, UNIDADE,
CAPÍTULO E TEXTO
Unidade: "O organismo humano e suas interações
com o ambiente" do 8º ano (p.162-229).
Capítulo "Luz e visão" (p.164-190).
Texto: O que sabemos sobre luz e visão (p.165)
Os modelos (C) e (D) sugerem explicações diferentes para o
fenômeno da dilatação. Para o modelo (C), são as partículas
que se dilatam. Para o modelo (D), as partículas não sofrem
modificação no tamanho quando aquecidas. Elas apenas se
afastam umas das outras, o que significa que passam a existir
maiores vazios entre elas (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 9º
ano, p. 63).
Ciência se faz com perguntas e com muita investigação. É
resultado de um grande esforço coletivo, além de uma vontade
enorme de conhecer o mundo que nos cerca. Uma pergunta
pode receber várias respostas diferentes até se chegar a uma
resposta aceitável, o que pode demorar muitos anos, já que
podem ser cometidos muitos erros, e são tantas as idas e vindas
que parecem não ter fim. A história das investigações sobre a
fotossíntese mostra alguns desses aspectos da investigação
científica (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 7º ano, p. 151).
...na Unidade 2 - Modelando os materiais, fornecer uma explicação atômico
molecular para a diversidade dos materiais, suas propriedades e usos. Isso
é feito por meio da construção de modelos para esse mundo que não
vemos, do estudo da natureza elétrica dos materiais e de uma introdução à
teoria de ligações químicas. (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, p.13).
Como decidir qual o modelo, entre (C) e (D), melhor representa
a dilatação do gás? Ambos parecem razoáveis. Qual deles você
escolheria? (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 9º ano, p.63)
Com outras atividades e leituras propostas na coleção, as seções que
discutem as ciências e as suas relações com a tecnologia, o ambiente e a
sociedade forma concebidas para sofisticar a compreensão dos estudantes
sobre a ciência como empreendimento cultural e social (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, p.20).
Muito está para ser feito do ponto de vista da educação das
pessoas para lidar com os dispositivos tecnológicos e conviver
em uma sociedade que tem cada vez mais pressa. O que a
ciência tem a nos dizer sobre isso? (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, 9º ano, p.184).
Um exemplo disso refere-se à mudança do foco descritivo do ensino da
Zoologia e Botânica para ao tratar da história da vida de alguns animais e
plantas, comtemplar conteúdos em situações próximas dos estudantes.
Aprender ciências implica, em larga medida aprender a se comunicar com
as linguagens científicas (MORTIMER, 2000). Essa aprendizagem envolve
uma apropriação de formas específicas de falar sobre o mundo: a ciência
se comunica por meio de gráficos, tabelas, diagramas, esquemas,
equações, definições cuja leitura não é trivial. Procuramos, portanto,
elaborar atividades que permitam aos estudantes familiarizar-se com essas
linguagens e apropriar-se delas (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, p.6).
Conhecendo as piabas, é possível identificar muitas
características dos peixes. Piabas são peixes pequenos de água
doce encontrados em corredeiras e riachos em todo o Brasil.
Possuem brânquias localizadas atrás de uma espécie de tampa
chamada opérculo. Movimentam-se na água sem muito esforço.
Como todo peixe, possuem nadadeiras e um formato de corpo
que facilita o deslocamento na água (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, 6º ano, p.168).
Unidade: "Modelando materiais" do 9º ano (p.60105).
Capítulo 3 "O mundo que não vemos" (p.60-76).
Texto:. ”Entre as partículas existem espaços vazios”
(p.63-64)
Unidade: “Energia e ambiente” do 7º ano (p.116-165)
Capítulo 7: “O sol e a vida na Terra” (p.144-165)
Texto: Avaliando evidências sobre a nutrição dos
vegetais (p.151-154).
Unidade: "Modelando materiais" do 9º ano (p.60105).
Capítulo 3 "O mundo que não vemos" (p.60-76).
Texto: Entre as partículas existem espaços vazios
(p.63).
Unidade: "Ciência, tecnologia e sobrevivência" do 9º
ano (p. 148-207).
Capítulo 9: "Viajando com segurança".
Texto: Viajando com segurança (p.183-184).
Unidade 3 “A diversidade da vida” (144-237).
Capítulo 9: “Modos de ser e de viver dos
vertebrados” (168-184).
Texto: Vida de Piaba
( p.168-170).
105
5.2.2.1 Movimento das concepções alternativas dos alunos (MCA)
A primeira parte desta seção volta-se para a incorporação da vertente do
MCA no livro didático. Consideramos que as ideias dessa vertente foram
introduzidas em diálogo com outras vertentes, tais como modelagem e história da
ciência, fortemente marcadas em capítulos do livro do aluno, cujo mote é a
construção de conceitos científicos. Esses aspectos parecem remeter a um enfoque
bastante desenvolvido pelas pesquisas nacionais.
Os excertos 4 e 5 (“O que sabemos sobre luz e visão” e “Entre as partículas
existem espaços vazios) são exemplos dos que mais contribuíram na discussão da
vertente do MCA na atribuição direta das concepções alternativas aos estudantes, o
que torna mais fácil para o mesmo se identificar como aquele(a) que sustenta essas
ideias. Apesar de qualificadas como erradas, as concepções alternativas/prévias são
referidas como produto da reflexão e do processo mental dos estudantes/leitores, ou
seja, conferindo um valor positivo às ideias.
Nos excertos selecionados (1 a 6), identificamos que as concepções dos
estudantes são utilizadas como antecipações ao erro, embora não explicitamente
com o objetivo direcionado à mudança conceitual, como já assinalamos
anteriormente. Além disso, como vimos, na análise da conjuntura, a identificação
das concepções dos estudantes pode ser relevante como diagnóstico preliminar ao
aprendizado, caracterizando um perfil conceitual (MORTIMER, 1995,1996) para
ensinar conceitos e, a partir dele, propor reflexão e atividades de construção do
conhecimento científico.
Observamos também que o modo retórico assumido no capítulo 3 do nono
ano intitulado "O mundo que não vemos" (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro
do aluno, 9º ano, p.60-76) parece explicitar ideias alternativas, desafiá-las por meio
da exposição de seus limites explicativos e, consequentemente, evidenciar a
necessidade de possíveis reelaborações. Este modo pode ser identificado, no plano
interdiscursivo, com orientações piagetianas que inspiraram abordagens para
promoção da mudança conceitual, na progressiva construção de estruturas
conceituais mais elaboradas.
a)
Sistemas de conhecimento e mudança conceitual
O excerto 4 (ANEXO 4), “O que sabemos sobre luz e visão,” (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano, p.165) faz parte da seção ‘Trocando ideias’,
106
na qual é sugerido um conjunto de atividades a serem realizadas, em grupo, pelos
estudantes.
Logo de início identificamos a presença do discurso pedagógico pelo
oferecimento de informações, tais como: “as ideias que temos sobre o assunto serão
o ponto de partida para nosso estudo sobre luz e visão”. Essa informação parece
contribuir para que os estudantes entendam que precisam aprimorar suas ideias,
pensar em novas formas para explicar os temas luz e visão.
O excerto 4 é marcado por uma série de comandos ao longo do texto, tais
como: “leia as questões com atenção”, “faça um esboço”, “explique”, “utilize setas
para complementar sua explicação,” entre outros. Esses comandos associados à
argumentação
contendo
instruções
a
serem
realizadas
numa
ordem
preestabelecida, indicada pelo uso do conectivo “depois disso” e pela numeração
das perguntas de um a cinco, são estratégias próprias do discurso pedagógico com
conotação mais normativa. Embora com essa conotação, a atividade toda é
conduzida de forma a garantir espaço ao estudante para expor suas concepções
sobre luz e visão, por meio das respostas às diversas perguntas formuladas.
Somado a isso, o título do excerto 4, “O que sabemos sobre luz e visão,”
emprega um pronome interrogativo “ que” seguido do verbo transitivo direto “saber”
no plural, buscando estabelecer algo em comum aos leitores/estudantes. Embora
pareça uma pergunta, o enunciado está escrito na forma de uma afirmação. O “que
sabemos” ainda vai ser dito e estimulado pelas questões em sequência ao título.
Espera-se talvez que nesse dizer apareçam formas diferentes daquelas associadas
ao conhecimento científico. Por outro lado, as palavras do título parecem evocar
justamente o contrário do que anuncia, ou seja, o que não sabemos sobre luz e
visão. Ou seja, as ideias sobre luz e visão pertencem ao senso comum e, em geral,
se afastam das explicações que a ciência tem para estes conceitos.
As nuances entre perguntas de opinião e que indicam incentivo à participação
dos estudantes, a troca de ideias, diagnose das concepções prévias dos alunos são
estratégias que sugerem a existência de elementos presentes no texto, respaldados
pelas pesquisas de abordagem construtivista e socioconstrutivista.
b)
MCA e modelos expressos na construção do conhecimento
Outro exemplo relacionado aos aspectos da construção do conhecimento por
parte do estudante refere-se à análise do excerto 5 (ANEXO 5) “Entre partículas
existem espaços vazios” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano,
107
p.63). A análise desse texto tem como objetivo, entender como uma atividade
incorpora o discurso do construtivismo pedagógico, para ensinar o modelo de
espaço entre moléculas. Os efeitos das escolhas verbais promovem implicações,
nos processos codificados nas orações, ao longo dos enunciados. O texto citado
compreende dois tipos de processos, o relacional e o agenciamento41. Por meio da
transitividade vamos analisar um exemplo de texto que possui foco no
agenciamento.
O excerto 5, considerando-o no seu todo, apresenta dois tipos de discursos
em sequência: um discurso pedagógico construtivista, na página 63 do volume do 9º
ano e, outro, científico escolar, na página 64 do mesmo volume.
No discurso pedagógico construtivista, correspondendo à primeira parte do
excerto, os acontecimentos envolvendo os verbos “ao propor”, “supondo que”, “como
decidir”,
“qual
você
escolheria”
indicam
agenciamento,
constituem
ações
intencionadas do leitor. Esse tipo de discurso se aproxima de uma conversa
parecida com a que ocorre em sala de aula (discurso pedagógico) e se afasta da
que chamamos de discurso científico (metafórico). No entanto, com o decorrer do
texto o discurso da sala de aula (pedagógico) acaba dando espaço ao discurso
científico, como veremos pela análise em sequência do texto.
O texto começa indicando uma proposta para o leitor, pelo emprego do verbo
no modo transitivo direto (“ao propor”, CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do
aluno, 9º ano, p.63). Esse verbo, no modo transitivo direto, representa uma ação que
implica o leitor/estudante em um processo relacional, ou seja, estabelece um diálogo
entre, o professor, e seu estudante, chamando-o a tornar-se ativo, no processo de
aprendizagem.
O texto, ainda no início, expõe para o estudante/leitor quatro modelos do “ar”,
na forma de desenhos, compostos por dois frascos com balões presos aos gargalos
A, B, C e D (representações do ar). Mostra, igualmente, que os frascos do desenho
(de cada modelo) apresentam temperaturas diferentes, dois sem aquecer e dois,
aquecidos.
É
possível
relacionar
os
desenhos
apresentados
neste
trecho
às
representações feitas por estudantes em pesquisas do campo, configurando
estratégia de aproximação do conhecimento teórico à realidade concreta do sujeitoaprendiz, por intermédio da ação discente, na construção do conhecimento.
41
Optamos neste item por apresentar a análise completa.
108
O texto, “ao propor modelos para o ar” (relacionados aos desenhos), faz uso
da estratégia de interlocução direta, criando com isso uma situação hipotética
importante na a construção de um conhecimento julgado relevante para o estudante.
Na continuação, os verbos utilizados na expressão “podemos pensar” tornam
o estudante cúmplice do processo de construção do conhecimento. Com esse
recurso, marca-se, além do agenciamento, o dialogismo próprio do discurso
pedagógico, mediado pelo texto. Além disso, o uso do verbo “pensar” no trecho: “ao
propor modelos para o ar, podemos pensar em diversas maneiras de representar
seus componentes” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.63)
parece sugerir ambiência de construção coletiva do conhecimento.
No trecho: “nos modelos (A) e (B) os estudantes não admitem a existência de
partículas. Sabemos que o ar é uma mistura de diferentes substâncias, como gás
nitrogênio, oxigênio e outros” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º
ano, p.63), estes modelos expressam processos semelhantes pelas seguintes
convergências. Em primeiro lugar, o destaque dado às representações dos
estudantes, focando na ausência das partículas (em geral representadas pelos
estudantes por bolinhas), elementos importantes para entender o ar como uma
mistura de gases. Em segundo lugar, torna o estudante cúmplice das afirmações
ligadas ao emprego do verbo “saber”. Essa estratégia na construção do texto
configura, do mesmo modo, o dialogismo apontado anteriormente. Desconstrói-se o
discurso monológico e fechado, típico do discurso científico (BAKHTIN, 2003), em
nome do diálogo constante com o estudante, num processo de elaboração conjunta
do conhecimento.
Chamou-nos atenção o uso do artifício da comparação para facilitar a
visualização dos fenômenos por parte dos estudantes, como no trecho: “os dois
primeiros modelos, (A) e (B), apresentam uma visão do ar como algo contínuo. O ar
aparece como uma nuvem”. Nesse caso, na sentença que se segue há o
deslocamento do “modelo A” para o início da sentença, na forma de topicalização,
para frisar a ideia de que, apesar de um aspecto particular atinente a esse elemento
(sua mudança de lugar depois de aquecido), suas características básicas se
mantêm inalteradas (“seu volume total não se altera”). Aliás, o uso do marcador
“apenas” no trecho “ele apenas muda de lugar”, de visível valor argumentativo,
minimiza a importância dessa particularidade para o entendimento do fenômeno,
valorizando a ideia de “continuidade” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do
aluno, 9º ano, p.63). Estas estratégias discursivas valorizam um movimento de
109
construção de ideias pelos estudantes, levando-os a descartar os modelos que não
representam fenômenos científicos.
Nas sentenças: “em (C) o ar é representado por pequenas bolinhas, e
podemos supor que cada uma delas representa uma partícula das substâncias do
ar”. Nesse modelo, as bolinhas aumentam de tamanho quando o ar é aquecido e
diminuem quando ele é resfriado” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,
9º ano, p.63), o ar é comparado a/representado por bolinhas que incham quando
aquecidas. Os verbos “supor” e “sugerir” representam os modelos como construções
conceituais e não como representações ou reificações.
Usa-se o recurso do contraste para que fique mais fácil a visualização das
diferenças entre os modelos A e B (de um lado) e C e D (de outro). A locução “ao
contrário de” é responsável por agenciar tal contraste. O uso da expressão
“bolinhas” contribui também, por meio de um elemento de linguagem cotidiana e
afetiva, para uma maior aproximação com o leitor/interlocutor.
Na continuidade, examinando-se ainda o excerto 5: “Entre as partículas
existem espaços vazios,” o estudante é convidado a escolher, entre os modelos, o
que melhor representa a dilatação do ar. O uso do “como” pede por uma decisão
entre os modelos C e D para a dilatação, descartando os modelos A e B. A
interrogação é mais um elemento que aponta para o diálogo com o estudante no
processo de construção do conhecimento.
O uso do verbo “parecer”, na frase: “ambos parecem razoáveis. Qual deles
você escolheria?” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.63)
relativiza o ponto de vista apresentado. Além disso, solicita-se do estudante uma
escolha, no sentido de valorizar sua contribuição no processo de construção do
conhecimento.
Essa atividade, montada com base em modelos expressos com desenhos de
estudantes, procura num primeiro momento a compreensão das relações analógicas
do modelo em estudo, realizada coletivamente na situação de ensino, e fundamentase nas perspectivas teóricas da modelagem. Portanto, processos de modelagem
têm relação com a criação de modelos e nesta perspectiva aprender ciências é a
capacidade que o estudante tem de relacionar aspectos teóricos e empíricos, o que
fica bem evidente em toda essa primeira parte (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS,
livro do aluno, 9º ANO, p.63) da atividade do texto “entre partículas existem espaços
vazios”.
110
A segunda parte do texto promove uma mudança na linguagem. A primeira
parte, como vimos, privilegiou mais os aspectos da construção do conhecimento
pela modelagem, por intermédio de uma linguagem dialógica e com agenciamento.
A segunda parte apresenta conceituações e definições. A linguagem passa a se
estruturar de forma mais categórica, configurando a verdade científica, na forma de
definição, tal qual no enunciado: “em geral, sólidos quando aquecidos, dilatam-se e
quando esfriados, contraem-se” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,
9º ano, p.64).
O excerto 5 permite-nos constatar que o discurso dialógico prepara o da
linguagem da ciência. A linguagem da ciência aparece caracterizada como discurso
científico escolar na página 64, com o objetivo de nitidamente dar um fechamento
para a atividade proposta pelo texto. Esse exemplo de análise demonstrou
coincidência entre a concepção trazida na assessoria pedagógica, na qual as
definições e conceituações são pontos de chegada da construção do conhecimento
e o texto no livro do aluno.
c)
MCA e História da Ciência
Outra forma de explorar as concepções alternativas e prévias dos estudantes
está relacionada às referências feitas à História da Ciência. Em geral, como
apontamos na análise da conjuntura, a História da Ciência no Ensino de Ciências é
uma vertente que apresenta estudos vinculados à filosofia da ciência e que,
recentemente, relaciona-se com discussões sobre concepções de natureza da
ciência.
Identificamos em trecho anteriormente analisado, que versou sobre a ligação
química, a exploração dos pressupostos da História da Ciência, na contraposição de
ideias antigas, implicitamente caracterizadas como não exatamente corretas,
agregando ideias novas, subentendidas como mais elaboradas ou com maior grau
de correção ("uma ideia antiga era a de os átomos possuíam espécies de ganchos
que se encaixavam uns aos outros", CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do
aluno, 9º ano, p.62). Nesse exemplo, por intermédio das ideias associadas à História
da Ciência, procurou-se afastar o estudante de certas analogias incorretas, que
associam ligação química com o mecanismo envolvendo ganchos.
O padrão de contraposição de ideias, em vários exemplos de temáticas do
ensino de ciências, em associação com a História da Ciência, tais como no debate
acerca do geocentrismo e heliocentrismo, do lamarquismo e darwinismo, pode
111
induzir a um anacronismo (gaiolas epistemológicas42), o que nem sempre é recomendado pelas pesquisas como um recurso adequado e eficaz para a
compreensão da natureza da ciência (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012).
Nesse caso, diferente do assinalado, a proposta do livro foi a de mostrar para o
estudante a ideia incorreta (pinos e ganchos) como uma sugestão identificada nas
pesquisas da Educação em Ciências, que visa a lidar com dificuldades de
aprendizagem, considerando seu valor epistemológico e pedagógico na construção
de explicação dos fenômenos/conceitos científicos.
5.2.2.2 História da ciência e natureza da ciência
Outro aspecto associado à História da Ciência e à natureza da própria
História da Ciência é aquele que promove a aprendizagem por intermédio de
narrativas históricas. As narrativas, históricas ou não, pressupõem sequências de
eventos estruturados no tempo43 e as ações que nelas ocorrem, podem, ou não, ser
determinadas por mecanismos de causa e efeito, ou seja, são formas de apresentar
o discurso compreendendo contradições e questionamentos (CORREIA, 2003).
Portanto, o uso de narrativas para explorar a HFC, conforme apontamos na
conjuntura da tese, implica uma simplificação da história contada e, portanto,
“qualquer narrativa histórica reverbera uma concepção sobre o funcionamento e
construção da ciência” (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012).
O excerto 3 (ANEXO 3), intitulado “Avaliando evidências sobre a nutrição dos
vegetais” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.151-154),
inserido na seção do livro didático chamada de “Ciência tem história”, utiliza
elementos da História da Ciência para construir uma narrativa que, em primeiro
lugar, explicita o que é a ciência, para depois apresentar algumas ideias do passado
sobre a nutrição dos vegetais.
De acordo com o que expusemos na conjuntura de pesquisa, as ideias de
antigos pesquisadores podem corresponder a algumas das concepções prévias dos
estudantes, embora como apontado pela literatura do campo, nem sempre haja
correspondência epistemológica entre elas. No entanto, nos parece que no caso
específico do excerto 3, o objetivo desse tipo de exposição é o de possibilitar a
aprendizagem do conhecimento científico (sobre a nutrição dos vegetais), por
42
Cada período histórico compreende características próprias à produção e divulgação do
conhecimento (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012).
43
Possibilitando avançar ou voltar no tempo.
112
intermédio da narrativa histórica e de evidências de experimentos do passado.
Assim, ao ler sobre a História da Ciência, os estudantes estruturam os seus
conhecimentos.
Um aspecto a destacar na análise do excerto 3 diz respeito à caracterização
da natureza da ciência, que especificamente antecede à narrativa histórica. O texto
“Avaliando evidências sobre a nutrição” inicia-se da seguinte forma
Ciência se faz com perguntas e com muita investigação. É resultado de um
grande esforço coletivo, além de uma vontade enorme de conhecer o
mundo que nos cerca. Uma pergunta pode receber várias respostas
diferentes até se chegar a uma resposta aceitável, o que pode demorar
muitos anos, já que podem ser cometidos muitos erros, e são tantas as idas
e vindas que parecem não ter fim. A história das investigações sobre a
fotossíntese mostra alguns desses aspectos da investigação científica.
As perguntas pareciam ser simples: De onde vêm os nutrientes de um
vegetal? Como uma planta se desenvolve? De onde os vegetais retiram as
substâncias necessárias ao seu desenvolvimento? (CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, 2010, p.151).
A primeira frase do parágrafo: “ciência se faz com perguntas e com muita
investigação” simboliza um sujeito indeterminado, por meio do uso da partícula ”se”,
ou seja, não deixando explícito quem são o/os participante(s) da ação. Em outras
palavras, não há neste excerto menção aos participantes da atividade ciência, aos
cientistas/pessoas, nem aos seus processos, por meio do emprego de verbos tais
como perguntar ou investigar. Nesse sentido, a ausência de agentes não favorece o
esclarecimento sobre quais são os elementos causais e a responsabilidade da ação
em curso.
O trecho seguinte (“é resultado de um grande esforço coletivo, além de uma
vontade enorme de conhecer o mundo que nos cerca”), embora pareça não conter
agenciamento, emprega a expressão “esforço coletivo”. Ao atribuir o processo do
“esforço” explicitamente a sujeitos, permite identificar que se trata de um grupo, pelo
uso do termo ‘coletivo’.
No entanto, há nesse trecho um processo de nominalização traduzido pelo
empacotamento de informações (por exemplo, dos tipos de participantes e de que
tipo de esforço). Ainda no que concerne ao léxico “coletivo”, que significa
agrupamento, conjunto (contrário a individual), esse é um termo que aparece
associado à prática social da ciência, sujeito do texto. Entretanto, esse léxico pode
dar ideia de um único coletivo, na direção contrária a que assistimos na sociedade
atual, na qual interesses de financiamento entre grupos e laboratórios fazem
diferença naquilo que é pesquisado e entendido como ciência.
113
Quando o texto se remete à expressão: “além de uma vontade enorme de
conhecer o mundo que nos cerca”, há intenção de inserção dos leitores, evidenciada
pelo uso do pronome “nos”, mas não necessariamente implica no esforço coletivo,
sugerido no texto. Então, neste caso, “vontade enorme de conhecer o mundo que
nos cerca” parece significar um movimento secundário ao do esforço coletivo,
sugerido na frase anterior. Certas linearidades do texto, nas escolhas que fazemos
na ordem com que as palavras são apresentadas, expressam lutas de poder
inseridas no próprio discurso, que muitas vezes fogem à intenção do autor.
Outro aspecto relacionado à natureza da ciência diz respeito ao enunciado do
trecho: “já que podem ser cometidos muitos erros,” atribuindo-se à ciência estes
erros.
O trecho inicia-se com o período: “uma pergunta pode receber várias
respostas diferentes até se chegar a uma resposta aceitável, o que pode demorar
muitos anos”, correspondendo ao efeito esperado da causa identificada. Essa é uma
questão que esbarra num problema de credibilidade da ciência na sociedade atual.
Como problematizado na conjuntura, Fensham (2012) pondera que incertezas têm
sido associadas à prática social da ciência, considerada contraditória e contendo
muitos dilemas.
Outra situação diz respeito ao trecho final desta oração “e são tantas as idas
e vindas que parecem não ter fim”. A expressão “idas e vindas” contém o sentido de
algo que oscila entre ideias, posições ou atitudes, sem chegar a uma decisão
definitiva de qual adotar ou rejeitar. A complementação: “parece não ter fim” sugere
uma conotação de ação infinita. Este parece ser um exemplo de formulação que
reforça o dilema de incompletude conferido ao conhecimento científico (Fensham
2012).
O próximo texto, igualmente retirado do excerto 3 e intitulado “Primeiras ideias
sobre a nutrição dos vegetais”, como sugerido nas palavras do título, traz um
conjunto de ideias sobre a temática da nutrição dos vegetais, numa versão histórica.
Esta parte do texto tem como objetivo enfrentar questões da compreensão do
estudante em relação a como plantas se alimentam e ao papel da alimentação no
seu desenvolvimento (KAWASAKI e BIZZO, 2000), e para isso o texto apresenta
uma série de cientistas, suas ideias e experimentos.
O primeiro cientista citado é Van Helmont, no contexto da ideia por ele
proposta de que “não lhe parecia correto que as plantas retirassem do solo os
nutrientes
necessários
para
o
seu
desenvolvimento”
(CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.151) e, na sequência do texto, esclarece
114
que “para avaliar suas ideias, ele realizou um experimento importante com uma
planta chamada salgueiro” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º
ano, p.151).
Há neste trecho uma pressuposição da negação do cientista ao modelo
vigente, pelo emprego do “não lhe parecia correto”. O modelo vigente enfatizava o
pensamento aristotélico no qual “a chave para a compreensão de plantas estava
para ser encontrada no estudo dos animais”44 (KAWASAKI e BIZZO, 2000, p. 27). O
cientista problematiza essa visão apresentando a atividade experimental como
importante para a prática da ciência, seguida da ponderação de que “muitas vezes é
assim que os cientistas agem: realizam experimentos para testar suas hipóteses”
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ANO, p.151). Esta observação,
mesmo que em certa medida possa ser considerada empírico-indutivista, no sentido
de que, ao verificar ou falsear uma hipótese, o cientista chega a uma resposta ao
problema, relativiza, em alguma medida, o papel do experimento ao sugerir outras
maneiras de agir cientificamente.
O trecho seguinte: “contudo, em ciências não existe a última palavra, a
verdade final. Tem sempre alguém que enxerga os fatos de outra maneira, que
pensa de modo diferente” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano,
p.152) aponta para um sentido de que a reformulação, ou a existência de um ponto
de vista diferente sobre uma dada questão, não significa que a primeira não seja
válida ou pertinente. A expressão “tem sempre alguém” realiza essa ideia pela
constância dada ao sentido pelo emprego do “sempre”.
Mais adiante é descrito o experimento de Woodward no trecho: “ele cultivou
plantas em água com amostras diferentes de solo dissolvido. Verificou com isso que
as plantas que apresentavam maior desenvolvimento eram aquelas que foram
colocadas em soluções de água com maior quantidade de terra dissolvida”
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.152). Esse experimento
não é representado com o mesmo detalhamento que o anterior (Van Helmont),
contendo desenhos e legendas, o que contribui para que certos experimentos sejam
mais conhecidos ou mais relevantes do que outros.
44
Para Aristóteles as plantas se alimentavam passivamente dos nutrientes oferecidos pelo solo e o
desenvolvimento era entendido nos moldes do crescimento de um cristal. O solo era comparado a um
estômago dos animais (aquele que prepara o alimento). Para Kawasaki e Bizzo (2000) o modelo
predominante entre estudantes é bem semelhante ao modelo aristotélico (KAWASAKI e BIZZO,
2000).
115
O
texto
“Avaliando
evidências
sobre
a
nutrição
dos
vegetais”
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.151-154) apresenta
uma narrativa por intermédio de seis ideias representadas por cientistas, suas
respectivas datas de nascimento e morte, ao lado de um conjunto de ideias a eles
atribuídas, mostradas no Quadro 8.
Quadro 8: Sequência de cientistas e suas proposições à cerca da nutrição vegetal
IDEIA EM RELAÇÃO À RETIRADA DE
NUTRIENTES FEITA POR VEGETAIS
NOME DO CIENTISTA
Van Helmont (1544-1644)
Retiram nutrientes da água
John Woodward (1665-1728)
Retiram nutrientes do solo
Stephen Hales (1677-1761)
Investigou o crescimento da planta. Plantas modificam a atmosfera.
Joseph Priestley (1733-1804)
Investigou os gases envolvidos na vida vegetal.
Jan Ingenhouz (1739-1799)
Restauração do ar na presença da luz nas porções verdes das
plantas
Julio Sachs (1832-1897)
Sais minerais eram importantes para o desenvolvimento das plantas
e que elas os obtinham do solo.
O texto discute como, por exemplo, John Woodward, que não concordava
com Van Helmont, “trouxe de volta ao debate a antiga explicação de que os vegetais
retiram seus nutrientes do solo” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno,
7º ano, p.152). Neste caso, as ideias são colocadas como contrárias, sem que haja
menção de que uma delas tenha vencido o debate. Mais à frente (excerto 3 a seguir
ao título “o papel dos minerais na nutrição dos vegetais”) encontramos, na página
154, do volume do 7º ano, o seguinte trecho: “desse modo, o papel do solo parecia
ter sido resolvido”. Se por um lado, a alternância de visões ilustra o caráter tentativo
e aberto dos processos de produção de conhecimento científico, a apresentação da
sequência corre o risco de encaminhar um sentido de fechamento, ao contrário do
sentido de conhecimento provisório, de que a história continua, e de que essas são,
hoje, as respostas que temos.
Forato, Martins e Pietrocola (2012) consideram que a inserção da história da
ciência nas aulas é fundamental, mas que a abordagem recortada de episódios
históricos não deve perder de vista a compreensão panorâmica da história. Esse é,
sem dúvida, um grande desafio a enfrentar no ensino de ciências. Inserir a HFC no
texto didático, como visto no exemplo que analisamos, é relevante. O ideal é que as
116
narrativas históricas sejam utilizadas para confrontar objetivos formativos e
epistemológicos como no caso apresentado o de, sobretudo, enfrentar/suplantar a
concepção prévia dos estudantes.
5.2.2.3 CTS, risco e responsabilização, empoderamento e cidadania
O excerto 6 (ANEXO 6), analisado nesse item, tem o título “Viajando com
segurança”. Podemos identificar, nesse excerto, uma questão a ser tratada como
relevante à reflexão nas sociedades na modernidade recente. A principal
preocupação do texto é com o conceito de velocidade que, geralmente, é trabalhado
nas escolas de forma descontextualizada. Por exemplo, aprende-se a calcular a
velocidade ou a aceleração de móveis (carros, ônibus, caminhões, aviões, trens e
etc.) que, embora tendo representação na vida real, não constituem exemplos
reconhecidos pelos estudantes.
O trecho do Quadro 7, pelo qual iniciaremos a análise, corresponde ao final
do excerto em questão. Nesse excerto 6, há portanto a preocupação significativa
com a relação que se estabelece entre velocidade e cotidiano do estudante. O
trecho do Quadro 7 responsabiliza os seres humanos, e não a indústria
automobilística, como agentes do aumento da velocidade, tal como no enunciado
“muito está para ser feito do ponto de vista da educação das pessoas para lidar com
os dispositivos tecnológicos e conviver em uma sociedade que tem cada vez mais
pressa” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.184). Como
resposta
à
questão
do
excesso
de
velocidade,
no
contexto
do
agenciamento/implicação, são “os seres humanos” que devem criar técnicas de
proteção/segurança. A responsabilidade parece ser individual, relacionada ao
comportamento humano, no sentido de se proteger usando cinto de segurança e
comprando carros equipados com air bags, entre outras ações.
Esse enunciado parece incluir dois movimentos: aproxima o leitor quando se
remete às possibilidades de uso da tecnologia e, ao mesmo tempo, o afasta por não
tomar parte na sua produção. Desta forma, favorece o entendimento de que a
questão da segurança e das possibilidades de adotar comportamentos seguros
envolve diferentes níveis de implicação, a saber, individual, institucional e
mercadológica.
117
Outro aspecto a ser mencionado sobre o excerto 6, diz respeito à pergunta
localizada no início do excerto, próxima ao título, a saber, “como a ciência pode nos
ajudar a compreender os dispositivos e procedimentos de segurança no trânsito?”
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.183) que configura uma
forma de interrogação direta requerendo uma decisão/posicionamento do leitor, num
modelo interativo de construção discursiva. Por meio desse modelo interativo, o
estudante torna-se alguém, necessitado em compreender questões relacionadas à
segurança no trânsito, portanto, implicado na questão em jogo. O emprego do
“como” chama atenção para o modo pelo qual a ciência pode ajudar na
compreensão das questões relacionadas à segurança, ou seja, ao processo que a
ciência favorece a inteligibilidade de determinadas questões. Ao mesmo tempo,
ocorre, nessa pergunta, uma nominalização, na utilização do termo “ciência” que
condensa a ideia de um processo de construção de inteligibilidade. Uma
consequência imediata evidenciada por essa nominalização é a supressão de um
conjunto de processos e dos participantes envolvidos no enunciado.
Há também, nessa pergunta, um exemplo de modalização no trecho: “pode
nos ajudar a compreender” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º
ano, p.183). Aqui temos três verbos seguidos: poder, ajudar e compreender.
O
verbo “poder” é um verbo que implica a possibilidade da ação que se segue; o
“ajudar” relaciona-se com “nós/leitores” e, o “compreender” está modalizado pelo
verbo ajudar, implicando a possibilidade de ajuda, mas não necessariamente a
garantia da compreensão. Portanto, essas formas de apresentar a relação entre
ciência, tecnologia e sociedade, tanto no início como no final do excerto 6, nos
exemplos apresentados, servem de base para ressaltar a centralidade que a ciência
ocupa no contexto da discussão.
No caso da linha de pesquisa CTS, dois aspectos, inter-relacionados, foram
selecionados por nós de forma a problematizá-los, quando o objetivo é a
incorporação da vertente nas atividades didáticas, são eles: o contexto social como
modo de produção do conhecimento e a construção da cidadania na implicação do
sujeito, escolhidos por representarem aspectos fundamentais na promoção do
letramento científico no ensino de ciências (MARTINS, 2011).
O excerto 6 analisado traz como cenário a velocidade caracterizada, de forma
complexa, como imposição, benefício e fator de risco na vida dos cidadãos.
Entendemos que o cenário proposto no texto, aproxima três dimensões do
conhecimento: a do estudante, a da ciência (estatísticas oficiais) e a da tecnologia
118
(máquinas automotoras). Além disso, a própria configuração do texto, apresentado
na forma de debate, como estilo discursivo, é uma estratégia pedagógica
amplamente alinhada aos pressupostos do CTS. Esta proposta, como já
mencionada, diverge de abordagens tradicionais nas quais, em geral, o estudante
estuda o conceito velocidade envolvendo aplicações de fórmulas, tal qual a da razão
entre variação de espaço e de tempo, sem problematizá-la como questão social.
Santos e Mortimer (2002) entendem que disponibilizar representações que
permitam ao cidadão agir, tomar decisão e compreender o que está em jogo no
discurso dos especialistas, tem sido a principal proposição dos currículos com
ênfase em CTS.
No que diz respeito à implicação da ciência no problema social da velocidade
na vida das pessoas, em geral, os estudantes entendem a ciência como
inerentemente positiva. A discussão da velocidade vinculada ao social (riscos,
aumento populacional, tecnologia das máquinas) e das consequências negativas
associadas à possibilidade de atingir altas velocidades, devido ao avanço da
tecnologia, pode permitir articulações que não eram pensadas para o ensino deste
conceito físico.
Para além das questões postas, em relação aos indivíduos como motoristas,
pedestres, moradores das cidades, há aquelas em que as influências e
consequências das inovações científico-tecnológicas são de cunho social, político e,
portanto, entendidas como impulsionadas por motivos econômicos (por exemplo, na
referência aos planos de saúde) e não por motivos democráticos (JENKINS, 1999).
Somado a isso, no caso das questões sociocientíficas levadas às salas de aula é
relevante pensar no grau de importância dada a elas pelos estudantes, algumas
questões parecem importadas dos professores ou dos livros didáticos, não sendo de
fato problemas para a faixa etária que debate a temática.
A proposta CTS tem como mote a formação da cidadania e a promoção do
letramento científico visando à apropriação de conceitos fundamentais da disciplina
pelo estudante, prioritariamente por meio da leitura, interpretação e análise crítica
dos problemas do cotidiano, relacionados aos conceitos aprendidos (SANTOS e
MORTIMER, 2002; SANTOS, 2007).
O texto analisado trata uma temática que, em geral, não constitui conflito nas
aulas de ciências, a velocidade e o trânsito nas grandes cidades. São muitas as
questões a enfrentar na relação com essa temática na Educação em Ciências, ou
seja, dar possibilidades de questionar os sistemas de especialistas, as referências
119
às estatísticas oficiais, o discurso biológico como argumento de “autoridade” (tal
como utilizado no excerto 6) e fatos sociais (vítimas, hospitais, pacientes, plano de
saúde, dor e morte) relevantes para a retórica das consequências da velocidade no
trânsito.
No entanto, e de acordo com o exposto, para outras vertentes de pesquisa a
incorporação dos resultados de pesquisa em estratégias de ensino ainda constitui
um desafio para os educadores.
5.2.2.4 Linguagem
Já vimos, em outros itens analisados, que as questões da linguagem estão
presentes o tempo todo na discussão. Além disso, não é fácil separar nas análises
cada uma das vertentes das pesquisas em Educação em Ciências. Por essas
razões, nesse item discutimos aspectos que, embora considerados relacionados à
linguagem, interagem com as demais vertentes da pesquisa, tais como o discurso
científico escolar, a metáfora gramatical e cultura e discurso científico.
a)
Discurso científico escolar
Partindo do princípio de que o eixo principal dessa vertente é a ideia de que
aprender ciências é aprender a ler, falar, escrever e praticar ciência, a análise se
voltou a entender com que outras dimensões do discurso, o discurso científico da
ciência se hibridiza e que implicações tem esse conjunto de ideias no discurso
científico escolar (SANMARTI,1997).
Já apontamos também que um dos aspectos incorporados à pesquisa é a
construção do conhecimento individual e coletivo pelos estudantes. O livro tem, em
muitos trechos já mostrados, uma abordagem que promove agenciamento,
alcançado pelo modo dialógico da linguagem, fato esse que se afasta da
univocidade, por vezes identificada com o discurso científico.
Encontramos no livro do aluno, em trecho que precede o excerto 5 o uso da
expressão "prestar atenção", que parece fazer parte da formulação oral de
professores em sala de aula, quando o que é explicado merece mais reflexão. A voz
do professor, nesse sentido, não representa a lógica do discurso da ciência, mas sim
da atividade pedagógica em jogo. Nesse caso, a atividade parece ser a do estudante
120
aprender e a do professor, ensinar algo, produzindo posições de sujeitos
pedagógicos específicos.
A interseção do discurso pedagógico é presente em várias situações do livro
tal como, o trecho destacado do excerto 5 (ANEXO 5) “Entre partículas existem
espaços vazios”, mediando a linguagem científica, reproduzido a seguir.
As bolinhas dos modelos representam as substâncias que compõem o ar.
Entre elas existem apenas espaços vazios. Ao longo da história da ciência,
não foi fácil admitir a existência do vazio. Da mesma forma essa ideia
pode perecer estranha para você (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro
do aluno, 9º ano, p.63, grifo nosso).
Nos trechos: “ao longo da história da ciência, não foi fácil admitir a existência
do vazio” e “da mesma forma essa ideia pode parecer estranha para você” além de
recorrer ao termo ‘vazio’, parece haver uma preocupação em relacionar à dificuldade
enfrentada pela ciência (em sua história) com aquela que o estudante experimentará
para entender este conceito. Ora, a ideia de que antigas visões sobre teorias
científicas possam ser retomadas por estudantes durante a aprendizagem das
mesmas constituiu uma perspectiva de outras análises que já realizamos nesse
capítulo (item 5.2.2.1, ideias antigas e história da ciência) e recorrentes no livro do
aluno.
Além disso, há nesse trecho uma aproximação entre autores e leitores
antecipando uma dificuldade que os estudantes poderão passar para entender o
conceito foco do ensino (vazio/vácuo). O enunciado parece representar a voz do(a)
professor(a), como uma preocupação relacionada ao estudante que não entende o
assunto logo de início, devido a sua complexidade.
b)
Metáfora gramatical
Outro aspecto relacionado a essa vertente que ficou evidente na análise foi a
forma de abordar termos técnicos e classificação científica frequente no ensino de
ciências, como no trecho do Quadro 7, intitulado “Vida de piabas”, do excerto 1
(ANEXO 1). A começar pelo título que adjetiva a vida pela expressão “vida de
piabas”, já se apresentando esse aspecto diferente do que costumamos encontrar
nos livros didáticos, remetendo a questões mais concretas para o estudante. Por
meio da adjetivação de vida, aproxima-se o sentido de vida cotidiana ao da biologia,
sentido este excedendo a qualquer lista de características que possa ser ensinada
ao estudante. Ao incluir o nome do peixe piaba no texto, o capítulo “Modo de ser e
de viver dos vertebrados” aproxima o entendimento de aspectos da ciência a estes
121
seres com vida, ou seja, à compreensão do termo “seres vivos”, antes mesmo de
entendê-los como pertencendo ao grupo dos peixes.
Outra questão relacionada ao excerto 1 “Vida de piaba,” que reforça aspectos
de análises anteriores, é a caracterização de um discurso dialógico presente em
inúmeros excertos do livro didático em estudo.
O excerto 1 “Vida de piabas” inicia-se com o enunciado “conhecendo as
piabas”, sendo possível identificar muitas características dos peixes, e o emprego
do verbo no gerúndio (aspecto de estilo do grupo autoral) implica uma ação
presente, contínua e conjunta envolvimento o leitor/estudante. Além disso, há nesse
início de texto uma sugestão de ambiência de construção coletiva do conhecimento.
Portanto, a metáfora gramatical45 (neste exemplo, pelo uso do verbo conhecer na
frente do nome piaba) parece colocar em evidência o conhecimento prévio do leitor
para o entendimento do que vem a seguir.
Diferentemente do que costumamos ver em outros livros didáticos, o excerto
1 procura não apresentar de forma excessiva os processos e atividades que
envolvem os seres vivos na forma de metáfora gramatical. Neste excerto há um
esforço voltado para a descrição do ser vivo (piaba) como, por exemplo, numa série
de elementos que caracterizam o tipo particular de peixe, como no enunciado
“piabas são peixes pequenos de água doce, encontrados em corredeiras de rios e
riachos em todo o Brasil” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ANO,
p.168), ao invés de utilizar expressão do tipo “peixes ósseo” (osteíctes) a escolha foi
a de realizar o caminho inverso, afastando os termos técnicos e o excesso de
nominalizações.
No entanto, no período: “possuem brânquias localizadas atrás de uma
espécie de tampa chamada de opérculo”, não há um sujeito presente (elipse)
referindo-se a peixes ou a piabas. Essa foi uma escolha que visou privilegiar a
palavra “brânquias,” convertendo a atividade de possuir brânquias em um estado, o
que vem a caracterizar uma nominalização neste período. Na continuidade do texto
e na inserção de um segundo termo técnico denominado “opérculo”, houve a
intenção de suavizá-lo na comparação com uma “tampa”, palavra de uso cotidiano
(recurso metadiscursivo).
O último período do primeiro parágrafo: “como todo peixe, possuem
nadadeiras e um formato de corpo que facilita o deslocamento na água”
45
A gramática da oração, em especial a metáfora gramatical, se traduz numa forma de entender
como um tipo de processo pode ser substituído pela gramática típica de outro (HALLIDAY e MARTIN,
1993).
122
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ANO, p.168) faz uma analogia,
transferindo o sujeito particular fonte, para um sujeito particular alvo (uso da
conjunção “como”), na tentativa de aproximar a piaba ao grupo dos peixes para o
entendimento da classificação biológica destes animais. Estas são questões que
para Fairclough (2001) relacionam-se a estratégias retóricas envolvendo a produção
do texto. Esta forma de apresentação antecipa a informação pela maneira como as
piabas se locomovem, contribuindo para a construção do conhecimento pelo
estudante, de forma a prepará-lo ao que vem a seguir.
O texto continua utilizando a mesma estratégia discursiva da comparação
pelo emprego da expressão “assim como muitos peixes...” partindo do menos
familiar (a classe dos peixes) ao mais familiar (piabas). Observa-se que, nesse caso,
não são apontadas diferenças, apenas as semelhanças (escamas e glândulas com
muco),
caracterizando
a
comparação
retórica
pela
qual
são
elencadas
características da classe dos peixes.
A seguir, no excerto 1, temos outra comparação, neste caso envolvendo a
bexiga natatória comparada a um saco de ar. O terceiro período do terceiro
parágrafo completa a informação com a metáfora gramatical “quando a bexiga
natatória está com grande quantidade de ar, o peixe flutua com pouco esforço
muscular,” por oferecer eventos conectados numa cadeia causa-efeito, localizados
num único espaço semiótico, o do próprio texto. Este é um artefato linguístico o qual
elenca eventos ocorrendo de forma linear no meio natural.
No quarto parágrafo, o foco volta-se para um fenômeno traduzido pelo termo
técnico “piracema” no qual o processo em si é relegado a um segundo plano
(reprodução com desova após subida de rio). O próximo período promove um corte
de linguagem de aspectos mais objetivos (piabas/peixes) para mais abstratos
(gametas), característicos do discurso científico.
No quinto parágrafo, a metáfora gramatical “milhares de ovos são formados”
dá ênfase à quantidade de ovos associada à garantia da espécie. Muitos eventos
importantes são omitidos, tais como o fato de os ovos serem formados pelos peixes
(fêmeas e machos), quando se encontram no acasalamento etc., caracterizando a
linguagem científica. Outra metáfora é entendida pela expressão “muitos ovos e
filhotes... são comidos,” na realização indireta cujo sentido não pode ser mapeado
diretamente.
Há no sexto parágrafo, novamente, o uso da comparação retórica entre
piabas e peixes, que, nesse caso, parece não explicitar como piabas usam os
123
órgãos dos sentidos. Além disso, o emprego de certas expressões técnicas, como
“órgãos dos sentidos” que nem sempre são de domínio dos estudantes, pode
acarretar alguma fragmentação na compreensão do texto, considerando-se que
peixes se diferenciam de outros grupos no que diz respeito à forma como sentem o
ambiente.
Pelos aspectos da linguagem entendemos que os elementos retóricos, termos
técnicos e nominalizados geraram uma tensão entre descrição, narração e
linguagem científica.
A intenção de ensinar o tema peixes, a partir do contexto de vida de um tipo
específico como as piabas, pode ser analisada de duas formas. No seu aspecto
positivo, a menção do nome piaba e os exemplos de modo de vida desse peixe foi
uma
estratégia
discursiva
que
procurou
evitar
processos
excessivos
de
nominalizações e metáforas gramaticais, mas que mesclados com outros gêneros
textuais podem constituir entraves para o entendimento da linguagem em geral e, da
científica, em particular.
Por outro lado, percebemos que a estratégia de contar a vida das piabas é
interessante quando mesclada à linguagem científica. A estratégia da analogia nos
pareceu importante nesta aproximação, porém parece não ter dado conta da
aproximação em todos os elementos do texto. O que talvez pudesse ser resolvido é
a apresentação dos dois textos separadamente, um com a história de vida da piaba
e o outro texto científico, aludindo ao texto da história do peixe. A tessitura, nesse
caso, parece nos mostrar de forma semelhante com o que encontramos no texto que
dá ênfase à natureza da ciência, que certas formas de dizer são incompatíveis com
outras.
O texto científico faz uso de um conjunto de metáforas gramaticas/
nominalizações que, em geral, pode estar ligado às coerções do próprio gênero, ou
seja, no qual muitas informações precisam ser dadas com um número reduzido de
palavras. A narrativa/descrição, ao contrário, não está presa a esta questão, e o que
vale é descrever com mais detalhes sobre algo ou alguém. Por isso, a junção de
dois gêneros textuais com essas características configura formas que não se
combinam linguisticamente.
124
c) Cultura e discurso da ciência
O título do texto da seção “Trocando ideias” do excerto 2 (ANEXO 2) é “A
influência da Lua,” no qual o verbo influenciar (forma não metafórica) torna-se o
nome “influência,” caso típico de uma metáfora gramatical. Nesse título não é
revelado o tipo de influência sobre o que, ou a quem é feita a referência. No caso do
título do texto “A influência da lua” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do
aluno, 8º ANO, p.202), parece haver uma tensão entre estratos da gramática, no
qual o sentido semântico-discursivo não é mapeado ao nível léxico-gramatical e
vice-versa. Portanto, este é um exemplo do que assinalamos sobre a estratificação
da gramática, característica importante de análise para a linguística sistêmicofuncional. Uma forma não metafórica (congruente) para este título seria “A lua
influencia a Terra/a nossa vida” que, neste caso, mapeia a expressão léxicogramatical pelo sentido semântico-discursivo. Este aspecto é relevante quando nos
referimos a livros didáticos que, em geral, possuem pouca continuidade semânticodiscursiva; quer dizer, os textos nem sempre têm uma sucessão encadeada,
buscando ampliação do entendimento. Como já dito, inúmeras vezes, o discurso
científico escolar procura condensar uma série de relações cognitivas/informações
em um número reduzido de palavras.
O excerto 2 começa associando cultura popular às histórias e crenças de
influências da lua sobre a vida das pessoas. A própria expressão “cultura popular”
condensa um conjunto de informações que não aparecem para o leitor/estudante.
Por exemplo, as culturas são locais, algumas mais hegemônicas que outras e a
própria ciência também pode ser entendida como cultura, embora não popular. Além
disso, a “cultura popular” está associada a histórias e crenças construídas por um
agente desconhecido que provavelmente é subtendido pelo termo popular, como
sendo aquela que pertence ao povo.
O termo “popular” pode ter alguns sentidos contraditórios, e ao mesmo tempo
em que pode estar associado a algo democrático, conhecido de todos, pode ser
igualmente entendido como aquilo que é vulgar, de menos importância. No entanto,
o uso da palavra cultura antecedente o termo “ popular” pode trazer um sentido mais
positivo à palavra.
De qualquer forma, trazer para o texto didático à discussão das crenças
parece fundamental. Mas qual o lugar da cultura/conhecimento popular na sua
relação com o conhecimento científico? Em geral, o conhecimento popular é
entendido como diferente/impeditivo ao conhecimento científico, como neste
125
exemplo em que o estudo científico (apresentado no excerto) parece concluir que o
nascimento de crianças não tem relação com as fases da lua e, ao contrário, a
crença popular indica essa influência.
O excerto 2 apresenta dois discursos de forma comparativa. Por exemplo, no
primeiro parágrafo é explicitado o conhecimento popular e, no segundo, o
conhecimento científico. Os dois discursos podem aparentar a mesma força
discursiva, mas apresentam assimetrias, tais como, por exemplo, no segundo
parágrafo o conhecimento científico ser mostrado na pessoa de um pesquisador de
uma instituição de ensino federal, o que lhe atribui o status de especialista.
Além disso, as ações sugeridas pelos verbos nos parágrafos são diferentes.
O verbo “construir,” no primeiro parágrafo, associado à cultura popular, parece ter o
sentido de criar histórias e as causas levantadas para estas ideias baseiam-se em
consultas do calendário lunar e as sensações, experimentadas pelas pessoas
(“cicatrizes antigas ardem”). No segundo parágrafo, temos uma ação do cientista
que “resolveu verificar”. Verificar no primeiro parágrafo tem o sentido de consultar
um calendário; neste segundo, tem o sentido de confirmar, procurar a verdade,
corroborar, etc.
Esses dois verbos: “resolveu verificar” são considerados uma locução
perifrástica, ou seja, aquela que transmite certo valor (aspecto, tempo, modo) às
informações suplementares em relação à ação designada (verificar). O verbo
resolver pode ter duas interpretações: achar uma solução ou fazer desaparecer
pouco a pouco (as dúvidas), mas, neste caso, modaliza o discurso veiculando uma
vontade ou desejo.
O trecho “resolveu verificar se as fases da lua realmente influenciam no
nascimento dos bebês” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano,
p.202) passa por uma vontade do especialista de dissipar a dúvida e, sobretudo, em
buscar o que é verdadeiro pelo sentido dado pelo “realmente” (verdadeiramente).
Os próximos trechos compreendem novas ações (analisar, construir gráfico)
para o alcance da verificação realizada pelo especialista. O verbo “analisar” quer
dizer estudar, examinar, investigar as datas de aniversário e sua relação com a lua
do dia. O emprego de gráficos representa a linguagem científica em combinação
com o discurso verbal, da escrita, de expressões matemáticas, representações
gráficas e visuais e operações motoras no mundo natural, próprias dessa linguagem
(LEMKE, 1998a, 1998c).
126
Embora as questões das crenças e cultura popular estejam presentes no
excerto analisado, entendemos que os dois primeiros parágrafos contrapõem estes
conhecimentos (popular e científico) de forma assimétrica pelos motivos expostos.
127
6.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Nesse capítulo, vamos apresentar a discussão geral dos excertos (casos da
linguagem em uso) do livro didático em articulação com os tradicionais discursos
encontrados no livro (ciência escolar, mídia, pedagógico, senso comum), e com os
considerados discursos da pesquisa. São eles: (i) o discurso do estudante,
representado no discurso do movimento das concepções alternativas, (ii) o discurso
do agenciamento na construção de conceitos científicos, (iii) o discurso
sociocientífico no estudo do conceito físico da velocidade, (iv) o discurso da certeza
e incerteza no discurso da natureza da ciência, (v) o discurso da linguagem
científica, em diálogo com a linguagem pedagógica (vi) o discurso da ciência e a
cultura popular, entre outros.
6.1
O CARÁTER HÍBRIDO DO TEXTO
Na análise que realizamos não associamos um tipo de discurso da pesquisa a
cada excerto do corpus de análise, embora a lembrança de inclusão de cada um
deles, feita pelos autores, tenha levado em consideração essa relação mais
específica. Além disso, não é possível, segundo Fairclough (2001, p.226), assumir
como dado o papel dos discursos na prática social. Esse papel só é estabelecido por
intermédio da análise. Portanto, essas relações só puderam ficar mais claras, a
partir da análise da conjuntura e da análise textual.
Verificamos na análise da conjuntura que muitas vertentes de pesquisa,
embora separadas por seus componentes teóricos e metodológicos, têm
pressupostos que se assemelham, por exemplo, o diálogo entre movimento das
concepções alternativas e a abordagem do construtivismo, movimento das
concepções alternativas e a vertente de estudo dos modelos mentais e modelagem,
abordagem do construtivismo sociohistórico e a história da ciência. Em geral, várias
destas vertentes aparecem na história, no campo de pesquisa em Educação em
Ciências, com enquadramento teórico emprestado de outro campo de pesquisa.
Por estes motivos, embora possamos entender que discursos permeiam
certas vertentes de pesquisa, alguns estão mesclados de tal forma que sua
identificação objetiva com uma determinada vertente/linha de pesquisa não se torna
128
possível. Se nos ativéssemos apenas aos sentidos da linguagem textual
(perspectiva parcial), estaríamos alcançando uma parte da imagem total, da relação
entre essas práticas sociais. Nesse caso, a análise da conjuntura trouxe a dimensão
do contexto social, plano semiótico que a análise, focada somente no texto, não
contemplaria. A seguir, procuramos mostrar a fusão e as principais ideias da
pesquisa em Educação em Ciências recontextualizadas no livro.
No que pudemos identificar na assessoria pedagógica, os intertextos
analisados têm como principal tema a aprendizagem, ou seja, a forma como se
aprende ciências, e as principais informações envolveram o entendimento da
aprendizagem de ciências como linguagem, numa construção do conhecimento em
oposição à aprendizagem por meio de definição e, portanto, com ênfase no
processo da aprendizagem como chegada. Os sentidos associados a essa forma de
aprender
envolvem
liberdade
no
aprendizado,
caminhos
diferenciados,
idiossincrasias. Portanto, a intertextualidade demostra a colonização das ideias da
pesquisa, sobretudo das vertentes do MCA, modelo e modelagem no livro didático,
embora apresentando de forma mais focalizada as demais vertentes analisadas na
tese.
No que diz respeito aos conceitos da ciência, a assessoria pedagógica já
apontava uma maneira diferente para o quesito da memorização, ou seja, uma
abordagem mais voltada à construção do conceito pelo sujeito. Este movimento foi
observado tanto nas formulações discursivas, que estimulavam a construção
individual, como nos processos que sugeriam elaboração conjunta do conhecimento.
Nesse sentido parece haver negociação com a prática pedagógica que tem o
compromisso com a aprendizagem dos estudantes.
Identificamos duas formas de enfrentar questões relacionadas aos termos
técnicos, conceitos ou definições no livro do aluno. A primeira delas procurou
articular o discurso da pesquisa ao movimento das concepções alternativas em
associação com a construção individual ou coletiva dos estudantes (por exemplo, no
excerto 4), e a segunda, com o uso da História da ciência ressaltando os obstáculos
enfrentados pelos cientistas (excerto 3).
Os atores sociais, representados nos textos da assessoria pedagógica, são
os alunos/estudantes, os professores e acadêmicos. Há formas diferentes de se
referir a esses atores, alguns deles são referidos a um grupo como o caso da
expressão
“ao
questionar
professores”
(CONSTRUINDO
CONSCIÊNCIAS,
assessoria pedagógica, p.7), o que pode representar a regulamentação de práticas e
129
consensos próprios do grupo. Nesse caso parece que levantamentos de concepções
dos professores da pesquisa tiveram mais relevância do que as ações pedagógicas.
No caso do estudante, identificamos diferentes formas de referências a esses
atores sociais, tais como: alunos, estudantes e crianças. Teriam esses atores o
mesmo status social? Outro aspecto complementar a esse diz respeito à associação
entre criança e aluno. Por exemplo, a referência ao texto de Vygotsky explicita como
a criança aprende por intermédio de uma diferenciação, entre aprender no cotidiano
e aprender ciências (leis do equilíbrio). Essa preocupação nos pareceu ser a de
apontar para as questões específicas da aprendizagem da ciência.
Um aspecto relevante a ser mencionado nessa discussão diz respeito à
linguagem empregada no livro “Construindo Consciências,” que parece delinear uma
configuração diferenciada da que, em geral, encontramos em outros livros didáticos
de ciências. O ordenamento hegemonicamente presente no livro didático perfila uma
série de conceitos teóricos e abstratos, por intermédio de uma linguagem repleta de
metáforas gramaticais e nominalizações. Ao contrário, os excertos analisados do
livro Construindo Consciências apresentam uma linguagem que evita certas formas
de nominalizações, termos técnicos, e que procura dialogar com o estudante,
levando-o a refletir sobre os conceitos a serem aprendidos, propondo a construção
constante de ideias, em contraste com a memorização e aprendizagem por
definições, como já assinalamos. Nesse sentido identificamos uma negociação entre
os discursos da pesquisa da vertente linguagem em diálogo com a linguagem
científica.
Além da questão de evitar um número grande de nominalizações foi possível
identificar que nominalizações foram usadas para outras funções que não a de
conformar teorias científicas. Por constituírem realinhamentos de estratos da
linguagem, as metáforas são tradicionalmente empregadas para transformar
léxicos46 o que não acontece com as metáforas gramaticais, pois ao contrário dos
léxicos envolvem movimentos gramaticais que mantêm o significado, diferindo os
significantes (MARTIN e VEEL, 1998). A nominalização “conhecendo piabas”
realinha o verbo conhecer em nome (gerúndio forma nominal do verbo), estendendo
o potencial de sentido tanto do léxico, como também das outras palavras que se
organizam ao redor dele. A função da metáfora, nesse caso, não foi a de expressar
uma teoria científica ou um conceito, mas a de incluir os leitores como conhecedores
de um assunto que servirá de base para aprender sobre o estudo dos peixes.
46
Um mesmo significante sugere diferentes significados (MARTIN e VEEL, 1998).
130
Mesmo que tenhamos reconhecido uma instabilidade entre a linguagem na sua
forma narrativa e a na sua forma metafórica, há nesse excerto a colonização da
pesquisa da vertente da linguagem no texto didático.
As escolhas lexicais empregadas de modo geral no conjunto de excertos do
livro didático constituem também aspectos fundamentais para se entender essa
coleção nos aspectos do seu estilo discursivo. O emprego do gerúndio como:
construindo, modelando, viajando, entre outros exemplos citados na análise,
caracteriza a obra didática por uma preocupação com a aprendizagem processual e
contínua. Dessa forma, foi possível entender que os excertos analisados têm a
marca da pesquisa em Educação em Ciências no formato mais dialógico, por incluir
a voz do estudante, concepções alternativas, o discurso do social, da
responsabilização, o discurso da ciência como atividade humana, mutável e em
construção.
Consideramos que o livro didático ciências “Construindo Consciências” revela
mudanças que envolvem formas de transgressão e cruzamento de fronteiras, o que
também não excluiu a reunião de convenções existentes em novas combinações, ou
a sua exploração em ocorrências que comumente se coíbem. Por estas questões,
arriscamos afirmar que a ordem do discurso da ciência foi transformada num
desenho mais democrático e menos categórico no texto do livro analisado.
A seguir, apresentaremos a discussão de alguns dos discursos identificados e
os efeitos de sentido no diálogo entre pesquisa e ensino.
6.2
O DISCURSO DO ESTUDANTE REPRESENTADO NO DISCURSO DO
MOVIMENTO DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS
Em geral, livros didáticos não incluem no corpo do texto ou nas atividades
propostas a voz do estudante, a não ser quando, em algum exercício, ao final da
aula
ou
do
capítulo
do
livro,
é
pedido
que
exercício/questionamento sobre o que foi ensinado.
ele(a)
responda
algum
Esse é um aspecto a se
considerar por dizer respeito a questões de poder instauradas no discurso. A sala de
aula (de ciências), assim como outros espaços educativos, ainda compreende
relações muito assimétricas, tanto pela valorização do discurso da ciência, quanto
na voz do professor que o detém. Como mencionamos na análise conjuntural e
textual, o movimento das concepções alternativas procura modificar essa relação e,
131
de alguma forma, incluir a voz do estudante no que é ensinado e aprendido em
ciências na escola.
Pelos resultados obtidos, observamos que o livro em questão inclui a voz do
estudante de diversas formas, com objetivos diferenciados e a partir de estratégias
diversas.
6.2.1 Antecipação do erro
Incluir as ideias dos estudantes é tensionar o conhecimento científico pela
desigualdade, assimetria, na proposta de outra racionalidade. Na inclusão do
discurso do outro (em geral minoria), é possível democratizar o espaço de sala de
aula, não havendo apenas um único discurso.
A questão da inclusão de respostas possíveis dos estudantes a problemas
envolvendo
o
conhecimento
científico
em
antecipação
permite
descartar/problematizar respostas não desejáveis como solução ao problema
específico. Essas são questões muito estudadas e com vasta produção na literatura
acadêmica. O estudante passa a entender que as respostas que trazem não são
inéditas, já foram estudadas, se repetem, têm resistência, dizem respeito à faixa
etária, e que podem desmobilizar enfrentamentos, embates cognitivos, embora não
totalmente descartáveis.
Tanto o excerto 4, “O que sabemos sobre luz e visão”, quanto o excerto 5,
“Entre partículas existem espaços vazios,” são exemplos do que estamos discutindo.
Os estudos, envolvendo as ideias prévias e alternativas dos estudantes, na sua
relação com os conceitos científicos, contribuíram muito na sua incorporação, em
aulas de ciências, portanto, não há como desconsiderá-los no que é dito e feito em
sala de aula.
Há, porém, pequenas diferenças entre os dois excertos, os quais, como já
dissemos, estão voltados para a construção do conhecimento. O excerto 5 tem um
endereçamento individual (“qual deles você escolheria?, pode parecer estranha para
você”), enquanto no excerto 4 o endereçamento parece oscilar entre um
comportamento coletivo e o individual.
Consideramos importante problematizar discursos alternativos como sistemas
à parte, como aqueles que não constituem a linguagem da ciência e, portanto, não
autorizados na prática da ciência. Quando, no quadro teórico metodológico, nos
132
referimos a ensinar ciências na capacidade do aprendiz em falar, ler e escrever
ciência e antecipar erros nos parece uma primeira etapa para se alcançar esses
objetivos.
6.2.2 A mescla entre o discurso do MCA, modelagem, pedagógico e o
discurso da ciência
De certa forma, este item já foi mencionado no anterior, quer dizer, entender
que a solução encontrada não é a única para o problema e que muitas vezes pode
não respondê-lo é algo que precisa ser dito e ensinado aos estudantes nas aulas de
ciências. O excerto 5, “Entre partículas existem espaços vazios,” além de preparar o
estudante para entender a ideia de vazio entre moléculas, ensina que respostas
diferentes a um problema são modelos explicativos, que os estudantes apresentam
modelos diferentes para um determinado fenômeno, compreendendo também que a
ciência tem o seu próprio modelo, para o mesmo fenômeno. Além disso, há para
cada modelo uma discussão sobre o fato de que estes não atendem à resposta
dada pela ciência. Nesse caso, houve uma combinação do discurso do MCA com o
de modelos e modelagem, ambos transformados em discurso pedagógico, ao
ressaltar o que falta e o que é representado de forma equivocada nos desenhos,
servindo de demonstração no excerto.
Aprofundando um pouco mais a questão dos sistemas de conhecimento, é
importante entender que respostas diferentes como sistemas de saber pode oferecer
outro entendimento para o ensino. Em geral, pensa-se que o que se sabe sobre
determinado assunto está relacionada à subjetividade de alguém. Existe uma forma
de pensar que entende que o discurso pertence à pessoa que o enuncia, o que para
ACD não corresponde ao que ocorre. Aquele que enuncia está condicionado pelo
campo semântico dado pela situação da enunciação.
Além disso, há confusão entre o que é um saber de conhecimento e um saber
da crença, sendo que o segundo refere-se a julgamentos e a valores que atribuímos
ao mundo. Na análise que realizamos, identificamos que, ao saltar da linguagem das
concepções alternativas e modelagem para a linguagem da ciência, há uma ruptura
devido ao apagamento do agenciamento, as abstrações nas generalizações,
questões nem sempre percebidas pelo leitor. Portanto, entender o discurso da
ciência como um sistema de saber pode contribuir nas distinções que se fazem
necessárias aos saberes que concorrem com o ensino de ciências.
133
6.2.3 O discurso normativo do professor e o discurso do MCA
O discurso normativo é um discurso que permeia a sala de aula todos os dias.
Pode ser traduzido como aquele discurso que vem do “legislador” dotado de poder e
autoridade. No caso da sala aula, vem representado no discurso do professor
(preste atenção; faça isso, não aquilo; silêncio, por favor). Em geral, esse discurso
regulamenta as condutas na realização de uma tarefa social. Identificamos esse
discurso em articulação com o da voz do aluno em confluência com ideias
alternativas.
A forma de incluir a voz do professor associada ao discurso do estudante
(ideias prévias) parece afastar alguns dos comentários que fizemos nos dois itens
anteriores. Diferentemente da antecipação ao erro e do entendimento da ciência
como sistema de conhecimento, o discurso normativo pretende convencer pela
coerção, prescrição, como no exemplo, “preste atenção! Todas essas conclusões
estão erradas (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9 º ano, p.62).
Não há, neste trecho, explicação, algum tipo de raciocínio esclarecendo as
razões de certas ideias estarem erradas, como realizado nos exemplos anteriores. A
base para argumentação, nesse caso, foi o certo e o errado, portanto não está claro
para o leitor(a) por que fenômenos observados macroscopicamente não têm
correspondência no mundo microscópico, como no exemplo analisado. A
aproximação do discurso das ideias alternativas e o discurso normativo do professor
parecem tensionar a relação entre conhecimento científico e ideias que os
estudantes trazem sobre os fenômenos científicos.
6. 3 O DISCURSO DO AGENCIAMENTO/DIALOGISMO NO DISCURSO DO
CONSTRUTIVISMO
Muito se fala da linguagem da ciência como aquela que, além de excluir o
agenciamento, compreende um conjunto de entidades (por exemplo, brânquias,
moléculas, velocidade) que dificultam a aprendizagem. A ausência de agência pode
contribuir com o não entendimento da causa e responsabilização da ação
envolvendo a informação a ser comunicada.
O
discurso
do
construtivismo
pedagógico
mostrou-se
contrário
à
nominalização comum nos textos didáticos de ciências. O excerto 5, “Entre
partículas existem espaços vazios,” parece aclarar o que destacamos. Como vimos
134
nas análises, a primeira etapa deste excerto envolveu a desconstrução de ideias,
significando um conjunto de conhecimentos prévios dos estudantes, por intermédio
de modelos, para depois, por meio de poucas nominalizações, apresentar o
conhecimento científico e responder ao modelo molecular das substâncias. Isso
significa que a intenção foi se afastar do movimento do discurso da ciência escolar
(que acompanha o movimento da linguagem da ciência), o qual a maioria das coisas
ocorrendo no mundo se transforma em nomes, um mundo feito de coisas, ao invés
de um mundo de acontecimentos. Halliday e Martin (1993) apontam que os
estudantes reagem a essa realidade imposta pela linguagem da ciência.
Dessa forma, gostaríamos de argumentar que os textos do livro didático não
necessariamente acompanham as formas linguísticas da linguagem da ciência, e
nem por isso deixam de ensinar o conhecimento da ciência. Mesclar textos de outras
formas linguísticas tais como o que inclui agenciamento e diálogo com os estudantes
ameniza e é um contraponto para a aprendizagem da linguagem metafórica da
ciência.
O fato dos excertos analisados mesclarem elementos discursivos voltados ao
diálogo, agenciamento do leitor, interação entre os interlocutores, aspectos da
pesquisa em Educação em Ciências (história da ciência, construção do
conhecimento, concepções alternativas entre outros) e o discurso da ciência,
possibilita uma submersão maior, tanto na aprendizagem da ideia de espaço entre
as moléculas como no entendimento de modelos científicos aspecto fundamental da
natureza da ciência.
6.4
O DISCURSO DO SOCIAL E O DISCURSO DA PESQUISA EM CTS
A vertente da pesquisa chamada CTS, como mostramos na conjuntura da
tese, nasce com a responsabilidade interdisciplinar de agregar ciência, tecnologia e
sociedade e atualmente tem incluído também a dimensão ambiente em suas
preocupações.
Em geral, a ciência parece não se envolver com dimensões da vida social,
nos problemas sociais e suas soluções; por exemplo, no que se referem às questões
ambientais, as resoluções quase sempre se expressam mais na forma de controle
de consequências coletivas de danos às comunidades.
A linha de pesquisa CTS, concebida a partir de visão interdisciplinar, procura
dar conta dessas dimensões sociais não presentes no conhecimento científico.
135
Portanto, visa ao questionamento e inclusão de disciplinas, que associadas às
científicas, contribuiriam no avanço das problemáticas envolvendo o trânsito nas
grandes cidades, o uso do celular e o perigo dos transgênicos para a saúde humana
etc.
Pode ser que textos que incluam questões sociais em interseção com o
discurso da ciência devam tangenciar questões ausentes (o indiscutível) nos
debates em nossas sociedades. Por exemplo, qual o lugar da lentidão, da vagareza
no trânsito?
Parece-nos relevante salientar o aspecto presente no excerto 6, “Viajando
com segurança”, que faz sentido na discussão da pressa, rapidez em nossa
sociedade, nem sempre explícita no tema velocidade. A concepção de velocidade
parece não incluir graduações, tais como, pouca, média e nenhuma velocidade. O
que aparenta ficar de fora é a principal razão da discussão, a de que para realizar
deslocamentos humanos, de forma rápida, há a exigência de poder aquisitivo (carro
próprio, aviões). Portanto, quem não pode se deslocar dessa forma por não ter como
pagar vive em transportes públicos que, por funcionarem de forma precária,
contribuem para a pouca eficiência espaço-tempo de trabalhadores das grandes
cidades.
Por esse e outras motivos consideramos os textos que buscam incluir
aspectos do discurso CTS ainda inconclusos para as problemáticas sociocientíficas.
Por outro lado, a ideia de discutir velocidade, para além do conceito da física, nos
pareceu uma mudança discursiva bem recortada e não identificada em perspectivas
de ensino, no campo da Educação em Ciências.
Tal como apontado por Martins (2007), a ausência de questões estéticas,
intuitivas e emocionais da criatividade científica nos materiais educativos tem
contribuído para um sério afastamento entre a ciência e as questões sociais
(MARTINS, 2007).
6.4.1 O discurso da confiança, risco e responsabilização
Em geral, as habilidades de avaliar evidências e formular conclusões são
importantes ao letramento científico. Ainda assim, mesmo tendo acesso às
evidências sobre o uso de tecnologias, as pessoas acabam deferindo aos
especialistas julgar a confiabilidade das fontes, uma vez que certos conceitos e
conhecimentos científicos são muito difíceis ao público leigo (CHRISTENSEN,
136
2007). Tomar decisão tem sido uma tarefa mais complexa do que parece,
principalmente pelos aspectos que já discutimos das incertezas que rondam a
ciência. Alguns estudos consideram, por exemplo, que o principal item que as
pessoas avaliam como risco relaciona-se diretamente ao grau de possíveis danos
que certas tecnologias ou procedimentos acarretam à sua integridade física,
deixando de lado outras facetas do problema.
O texto “Viajando com segurança” é um excerto que pode contribuir com essa
discussão na questão do trânsito. O excerto 6 dirige a maioria das perguntas a
posicionamentos individuais e é bem possível que a maioria das soluções oferecidas
pelos estudantes, possa estar vinculada aos danos individuais como assinalamos. O
que identificamos é que, mesmo com todos os esforços de incluir na pauta os
problemas sociocientíficos, a maioria dos textos que buscam um discurso social,
ainda propõe uma postura de responsabilização voltada para o indivíduo, mais do
que para o coletivo, ou seja, com pouca interferência social e institucional.
Portanto a aposta feita, ao final do excerto 6, relacionando pessoas educadas
com melhor possibilidade de lidar com dispositivos tecnológicos pode nem sempre
dar conta do letramento científico almejado. Talvez seja interessante pensar se o
contrário, por exemplo, pessoas com pouca escolaridade teriam igualmente
condições de tomar decisões, em relação às questões científicas com implicações
sociais. Há que se perguntar com que reflexões o ensino de ciências tem contribuído
para a tomada de decisão nas sociedades atuais?
6.4.2 O discurso da ciência como prática humana em interseção com a
História da Ciência e CTS
Consideramos pela análise realizada que mesclar características da
linguagem científica (nominalização, apagamento do agenciamento) afasta a
possibilidade de
construir um sentido de ciência
como prática humana.
Consideramos igualmente que, focar nos cientistas e em seus experimentos,
embora relevante por trazer a dimensão da ciência como prática humana, ainda
inclui o risco de configurar uma abordagem recortada de episódios históricos,
desmembrados de uma panorâmica da história, pela ausência de aspectos
socioculturais a influir no que se pesquisa e produz em ciência.
Pareceu-nos que, comparando os dois excertos 6 (Viajando com segurança”)
voltado para a vertente CTS, e o 3 (Avaliando evidências sobre a nutrição dos
137
vegetais) voltado para a História da Ciência, o primeiro apresentou melhores
condições de interseção com o discurso da ciência como prática humana.
Arriscamos uma razão para o fato do discurso da ciência como prática
humana configurar melhor aderência ao discurso CTS: parece-nos que discurso,
nessa vertente, possibilita articular “o conhecimento científico com o seu uso social
como modos elaborados de resolver problemas humanos” (SANTOS, 2007, p.487).
Mesmo assim, entendemos que tanto o discurso do CTS, como o da História
da Ciência ainda precisam ser mais explorados no aspecto discutido e nas suas
potencialidades em relação ao ensino de ciências.
6.4.3 O discurso do especialista x da cidadania no discurso CTS
Implicar os estudantes de forma a que pensem sobre as questões rotineiras
com estranhamento permite abalar a estrutura de confiança nos sistemas de
especialistas, possibilitando requalificação e empoderamento (GIDDENS, 2002,
p.134). Para Giddens (2002), vivemos
num sistema sem autoridades definitivas, mesmo as crenças mais
acalentadas subjacentes aos sistemas especializados estão abertas à
revisão, e comumente alteradas de maneira regular. O empoderamento está
disponível para o leigo como parte da reflexividade da modernidade, mas
muitas vezes há problemas sobre como esse empoderamento se traduz em
convicções e em ação (GIDDENS, 2002, p. 133).
Os sistemas de especialistas, as referências às estatísticas oficiais, o discurso
biológico são utilizados para construir os argumentos de “autoridade” e fatos sociais
(vítimas, hospitais, pacientes, plano de saúde, dor e morte) relevantes para a
retórica das consequências da velocidade no trânsito.
Esta perspectiva nos leva a problematizar em que medida tem ocorrido o
desenvolvimento da formação cidadã, uma vez que ainda continuamos a delegar a
um grupo pequeno aquilo que é bom para a maioria das pessoas, assinalado como
naturalização e universalização de discursos. Nesse contexto, o empoderamento se
constrói
pela
dissolução
do
consenso
naturalizado,
proporcionando
maior
reflexividade por parte do estudante. O estudante é levado a considerar os diversos
aspectos da educação para compreender, por exemplo, no conceito de velocidade,
tanto aquilo que constitui sua parcela individual como no que é do âmbito das
instituições ao formular as leis, na construção de estradas de qualidade, na
formação de profissionais que controlem o trânsito, entre outros aspectos.
138
6.5
O DISCURSO DA CERTEZA E INCERTEZA NO DISCURSO DA NATUREZA
DA CIÊNCIA
O excerto 3, “Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais”
(CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, p.151- 154), parece conformar
uma visão realista da ciência, ou seja, aquela que apresenta uma correspondência
entre teoria e realidade. Esse tipo de visão está associado ao que é certo e errado,
atual ou imaginário, fato ou ficção. Em geral, o realismo tem como base o ceticismo,
e certo objetivismo de que o mundo independe do conhecimento que dele temos.
Essa forma de pensar leva o estudante à ideia de que discurso e conhecimento não
são autoreferenciados e, por isso, falíveis. No caso das ciências sociais, essa visão
não faz sentido, uma vez que o fenômeno social é conceitualmente dependente e as
teorias influem na prática social; por isso, o social não tem como ser independente
do conhecimento que temos sobre ele.
Para o realista o conhecimento é útil porque é verdadeiro e, no caso da
ciência, este aspecto é mais do que útil, uma vez que o conhecimento se faz bem
sucedido, ou seja, a verdade tem a ver com adequação prática. Essa questão tem
relação com a linguagem que não apenas descreve o mundo, mas ela mesma é
performática, ou seja, cria objetos que passam a fazer parte do mundo.
No caso do excerto 3 estudado, a questão da natureza da ciência surge
quando a relação estabelecida no texto entre respostas diferentes a um mesmo
problema é representada com sentido de erro. Parece-nos que, se conferimos às
narrativas históricas e ideias passadas o status de erros, duas consequências
podem influir no ensino: a primeira a de que há o pressuposto de que o que se
busca na ciência é pelo certo/verdadeiro e, nesse caso, voltamos à ideia de uma
ciência empírico-dedutiva e, segundo, que ideias erradas do passado conferem a
esses estudos uma visão de incerteza.
A tarefa de falar sobre a ciência em textos didáticos não é simples, há limites
impostos pela própria linguagem. Alguns limites dizem respeito às visões que
confundem (a) o caráter tentativo das explicações científicas com indefinição e (b)
incerteza com ceticismo. Identificamos também que algumas formulações de
explicações científicas nos livros didáticos, especialmente as que possuem
características típicas da linguagem da ciência - altamente metaforizada, com baixa
complexidade gramatical e alta densidade léxica -, podem favorecer estas visões.
Quer dizer, ao tratar as atividades da ciência como entidades científicas, os aparatos
139
usados na linguagem metaforizada da ciência são incorporados ao texto,
transformando a própria prática da ciência em teoria.
Dessa forma, entendemos que, por um lado, a discussão sobre a natureza da
ciência do excerto 3 e nos léxicos empregados apontou para a ideia de incerteza na
produção do conhecimento científico; no entanto, a forma como o texto está
configurado (indeterminação do sujeito e falta de agenciamento) parece mostrar um
sentido contrário a essa ideia, tendo como produto uma ambivalência de sentido no
texto.
Podemos atribuir à ambivalência identificada a inerente complexidade dos
textos didáticos analisados. O fato de que as produções discursivas resultam da
articulação de discursos diversos, tais como o do cotidiano, o cientifico e o discurso
da pesquisa, permite afirmar que, de acordo com a ACD, articulados, esses
discursos produzem textos híbridos que negociam visões de mundo nem sempre
consensuais.
6.6
O DISCURSO DO COTIDIANO EM ARTICULAÇÃO COM O DISCURSO DA
CIÊNCIA E CTS
Uma forma de enfrentar os problemas da aprendizagem do conhecimento
científico é fazer com que os estudantes entendam que a linguagem da ciência é
diferente da linguagem cotidiana. Já dissemos que o livro em questão enfrenta esse
problema, suavizando o emprego de nominalizações e metáfora gramaticais. No
entanto, a linguagem científica tem que ser aprendida. Não é possível transformá-la
em outra qualquer.
Muitos foram os exemplos nos quais identificamos a articulação entre os
discursos da ciência e o do cotidiano. O excerto 1, “Vida de piabas,” nos pareceu a
tentativa que mais caracteriza as diferenças entre esses discursos, por isso uma
estratégia interessante na articulação entre diferentes visões de mundo ou sistemas
de crença.
No entanto, pelos aspectos da linguagem, os elementos retóricos e
nominalizados geraram uma tensão entre os dois gêneros textuais e por isso
consideramos que para entender essas mudanças na linguagem o (a) professor(a)
precisa estar ciente da assessoria pedagógica, de forma a mediar ativamente a
passagem de uma linguagem à outra, ao lidar com o texto em sala de aula.
140
No que diz respeito ao discurso CTS o excerto 6, “Viajando com segurança,”
inclui o discurso do cotidiano hibridizado ao discurso da ciência menos tensionado,
incorporando fundamentos do discurso CTS, quais sejam, a ênfase dada aos
compromissos da ciência/tecnologia e o municiamento dos estudantes com
argumentos, informações e posições críticas em relação ao problema da segurança
no trânsito, na vida das pessoas e, na sua própria vida.
6.7
O DISCURSO DA CULTURA EM ARTICULAÇÃO COMO DISCURSO DA
CIÊNCIA
O excerto 2, “A influência da Lua”, parece ter sido o único caso da
incorporação do discurso da cultura em articulação com o discurso da ciência. Em
relação à análise desenvolvida, entendemos que a articulação não se deu de forma
harmoniosa, devido à questão do lugar dos atores sociais e seus poderes; de um
lado, o conhecimento adquirido pela vivência, permeado de valores e crenças das
pessoas comuns, e de outro, o conhecimento legitimado do pesquisador.
Esse discurso contém em si mesmo um desnivelamento de poder indicado
por posicionamentos ideológicos, nas atividades dos atores sociais no texto.
Segundo Resende e Ramalho (2009), quando discursos entram em competição em
um texto, um deles ocupa o lugar do protagonista e outro o do antagonista. E a
articulação, nesse caso, se faz na negação de um dos discursos em relação ao
outro.
Entendemos que uma parte, a dos atores sociais (pessoas), teve agência
ofuscada, enquanto a outra (pesquisador brasileiro) sobressaída no texto. Por isso,
consideramos que as questões que problematizam o texto podem dar a entender
que respostas associadas às crenças populares não tem lugar no conhecimento
humano.
O ensino de ciências, cada vez mais, abarca responsabilidades que, se por
um lado aumentam a importância desse campo disciplinar, por outro, podem
inviabilizar competências para sua efetivação. Questões interdisciplinares sugeridas
como formas de trabalhar certos conceitos, nas diversas disciplinas, nos parecem
ainda pouco viáveis no ensino, uma vez que não há exemplos claros de sua
transposição didática.
141
6.8
O DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NO LIVRO
DIDÁTICO CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS
Por fim, como vimos na discussão desenvolvida, a pesquisa da Educação em
Ciências, por ter, ela mesma, uma dimensão interdisciplinar na inclusão de
referenciais teóricos diversos, incorporadas aos excertos, nem sempre dá conta de
mobilizar da forma como sugerida nas diversas abordagens a melhoria que se
espera para o ensino de ciências, com a inclusão das dimensões sociais e culturais.
Reconhecemos que há de fato a interseção das vertentes de pesquisas,
aprofundadas na conjuntura desta pesquisa, no texto do livro didático, mesmo que
em ambivalência/prevalência/equivalência com a linguagem da ciência, em
consonância/conflito com o discurso da ciência escolar, indicando movimentos
discursivos em andamento.
Muitos desses movimentos discursivos são mais complexos do que pudemos
observar pelas análises realizadas. O trabalho discursivo a ser realizado, para
promover a incorporação no discurso da ciência escolar, uma ou mais dimensões
das vertentes de nossos estudos, fruto das pesquisas que realizamos, demanda um
conjunto de investimentos diversos, por serem altamente recursivo, envolvendo
inúmeras reelaborações, direcionadas a transformar formas tradicionais instaladas
no discurso da ciência escolar.
O livro didático de ciências, nessa pesquisa, tem a natureza de objeto de
fronteira entre práticas sociais diferenciadas. Portanto, o livro didático pode ser
caraterizado tanto como um espaço que permite a travessia, como também da
dificuldade, do embate imposto pelo movimento do cruzamento da fronteira. Esse
espaço, que a princípio não pertence a nenhuma das práticas, pode ser comparado
a “uma terra de ninguém”, portanto um lugar de disputas (AKKERMAN e BAKKER,
2011, p.141). A pesquisa que realizamos deu ênfase à transferência de ideias, do
ponto de vista da pesquisa, e, portanto a incorporação das ideias pautadas pelas
perspectivas da prática da pesquisa em Educação em Ciências e, no entanto,
percebemos que, em certos momentos a lógica da perspectiva do ensino
predominou sobre a da pesquisa.
142
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tese apresentada é uma investigação altamente contextualizada por voltarse a um conjunto pequeno de textos, imersos em uma conjuntura específica,
entrelaçados em uma série de associações projetivas, respondendo à tradição de
pesquisa a qual estamos vinculadas.
Além disso, foi tecida da mesma forma como se faz uma roupa ou vestimenta,
ou
seja,
no
seu
fazer,
muitos
aspectos
foram
retomados,
reajustados,
reorganizados. Quer dizer, foi necessário realizar movimentos tais como o de
retomar aspectos do plano inicial, identificando a possibilidade de articulação entre
pesquisa e ensino, o de juntar elementos do corpus às análises tanto na redução
como na ampliação dos excertos do estudo, todos eles pertinentes a questões
levantadas no relatório de qualificação, entre outros.
Como dissemos nos capítulos iniciais, a existência do texto mesmo antes da
sua exteriorização é real, fato esse que se fundamenta pelas ideias que resistiram
até o final, mas que, por outro lado, somaram-se a novas escolhas aventadas ao
longo da pesquisa, permitindo o inusitado, a perturbação, o não esperado.
Uma das questões que mais atraiu nessa pesquisa foi, sobretudo, a
possibilidade de investigar, via esse livro didático, momentos da prática social, nos
quais
domínios
vistos
contemporaneamente
como
apartados
figuram
em
aproximação, com todos os percalços que podem influir na avizinhação.
Uma questão que apareceu por intermédio da análise do corpus de pesquisa
foi a de que os fatos textuais (performáticos) revelam perfis fascinantes da
linguagem produzida e as suas ocorrências nos surpreenderam. Surpreenderam
porque essa foi a primeira vez que nos voltamos para aspectos do discurso. Em
geral, o que os analistas do discurso alcançam pelo corpus não é exatamente o
discurso, mas a descrição do texto.
De qualquer forma, ousamos caracterizar alguns discursos tais como o
discurso do estudante, o discurso da certeza, o discurso do social, o discurso
normatizador, o discurso pedagógico, entre outros. Isto foi feito com base em
inferências a partir de evidências retiradas de recursos textuais que se remetem a
um ou mais discursos de origem, e nos quais reconhecemos alguma intenção pelo
entrelaçamento de contextos.
143
Os fatos textuais revelaram uma realidade sobre o uso da língua, que até
então não era tão evidente para nós pesquisadoras e que, arriscamos dizer, de certa
forma nem para os produtores do texto. A princípio parecia que a pesquisa em
Educação em Ciências, suas vertentes e ideias seriam identificadas em uma forma
mais próxima da original, principalmente por intermédio de termos específicos e
expressões particulares. Entretanto, reconhecemos imediatamente que, como
mostrado nas análises, na passagem de ideias de uma prática à outra, são muitos
os movimentos de recontextualização.
Widdowson (2010) considera que o corpus de análise lida com o que é
textualmente atestado, mas não com todas as facetas do problema possíveis de
codificar ou decodificar, nem mesmo em circunstâncias em que o contexto é
totalmente apropriado (WIDDOWSON, 2010). Essas questões não têm a ver com
uma desvalorização do corpus, mas com a de deixar mais claro o verdadeiro valor
que se deve dar a essa dimensão da pesquisa.
Os textos que compõem o corpus têm uma realidade refletida: eles só são
reais por causa da realidade pressuposta de que são traços. Esse fenômeno é
chamado descontextualização da linguagem, que faz com que ela seja parcialmente
real (WIDDOWSON, 2010).
A capacidade que a linguística tem de atestar é tão parcial quanto a
linguística permite, pois depende da linguagem e de como o assunto é projetado em
referência a, melhor dizendo, em deferência à evolução da disciplina linguística.
Retomando as considerações que resistiram na tese, entendemos que essas
podem ser resumidas ao potencial do livro didático em estudo em incluir articulações
entre a pesquisa em Educação em Ciências e o ensino de ciências e na premissa de
que por fazerem parte de práticas sociais diferenciadas a pesquisa não tem
comparecido no ensino de ciências, e, portanto, não tem informado o livro didático
de ciências, o que não constitui verdade para o caso específico estudado nessa
tese.
Em relação ao problema inicial de pesquisa, ou seja, a como as ideias da
pesquisa em Educação em Ciências se incorporam ao livro didático, no objetivo de
criar
inteligibilidade
sobre
diálogos
em
complementariedade,
contraste,
anacronismo, consenso, negação, no contexto dessa tese específico nos parece que
os resultados levam a pensar que esse caminho inaugura possibilidade importante
para as questões focadas no ensino de ciências. O estudo mostra que são muitas as
possíveis articulações proporcionadas por essas instâncias sociais. Por outro lado,
144
chamamos atenção, mais uma vez, para o fato de que as articulações apontadas na
tese não são as únicas postas na relação pesquisa e ensino.
Entendemos também que, pelos motivos aqui apresentados com base na
literatura do campo, o livro didático, ao invés de ocupar o lugar de objeto de crítica
das pesquisas, no que se refere à estabilidade do currículo de ciências, deveria
igualmente ser considerado como o lugar do questionamento das ordens do discurso
que hegemonicamente operam nesse instrumento pedagógico.
Quer dizer, uma forma de mudar o ensino de ciências é mudar o livro didático
de ciências nos diversos aspectos apontados nessa tese, tais como na incorporação
da voz do estudante em quantidade suficiente, para que se reconheçam como
sujeitos retratados no livro, na possibilidade que o estudante tem de aprender
socialmente via livro didático, no discurso cujo foco é o de apresentar a ciência como
prática social e institucional, nas diversas formas assumidas pelo discurso da
ciência, na confluência dos elementos da linguagem tais como agenciamento,
processos relacionais na dimensão social do conhecimento científico, no
desenvolvimento de atitudes emancipatórias coletivas ao invés das individuais nos
problemas apresentados, na aproximação necessária entre a linguagem científica
com a linguagem cotidiana, para citar alguns dos aspectos discutidos nessa tese.
Fairclough (2003) entende que a estrutura social mantém o grau de
estabilidade das práticas sociais, mas considera também que textos podem atuar
casualmente sobre essas estruturas provocando pequenas mudanças, pequenas
rupturas nos modos de representar e agir próprios daquela prática.
Como produto social, vinculado à produção, circulação e recepção de textos
por sujeitos participantes das práticas discursivas, o livro didático analisado se
contrapõe à lógica hegemônica a partir dos textos elaborados em co-construção,
mesmo considerando a alta exposição à colonização do mercado editorial e
institucional a que está sujeito.
Muitos aspectos das vertentes de pesquisas, tais quais as das abordagens
construtivistas foram recontextualizados nesse livro e as maneiras encontradas para
isso foram diversas. Consideramos que o discurso das concepções alternativas, seja
pelo destaque ao papel do erro e à voz docente, seja na opção construída de filiação
a modelos configurando uma forma diferenciada ao modelo hegemônico, tem muito
espaço no livro que analisamos, em oposição à recorrente e estável maneira de
assertivas nos discursos presentes no livro de ciências tradicionais.
145
Mas uma vez salientamos que esses aspectos isolados não garantem as
mudanças requeridas no ensino de ciências, mas que a pesquisa que realizamos
trouxe à tona discursos que costumam tradicionalmente serem ignorados no ensino,
considerados neste contexto como pequenas rupturas provocadas nos efeitos de
sentidos do diálogo entre pesquisa e ensino de ciências, identificadas no livro
Construindo consciências.
Entendemos que essas foram algumas das facetas exploradas pelo livro
didático em análise que por articular discursos nem sempre presentes nas aulas de
ciências, muitas vezes configuraram inciativas que não encontraram espaço
complementar ao discurso da ciência.
7.1
O LIMITE ESPERADO
Um aspecto a ser lembrado, no final desta tese, diz respeito às limitações no
tocante às conclusões da análise em um trabalho como o nosso.
A questão da representatividade, neste enfoque, depende sobremaneira dos
interesses que nós, como pesquisadoras, tensionamos na pesquisa, levando sempre
em consideração que os resultados da mesma serão cada vez mais genéricos ou
pontuais quanto maior o corpus, tanto em número de ocorrência de palavras quanto
de gêneros textuais (RODRIGUES JÚNIOR, 2005).
Uma questão que ainda precisa ser mais aprofundada diz respeito às políticas
curriculares, aos procedimentos editoriais e à interferência que estes têm na
articulação entre pesquisa em Educação em Ciências e ensino. Por exemplo, os
autores, como agentes sociais que confeccionam textos, estabelecem relação entre
os elementos dos textos, mas não são totalmente livres em suas concepções e
intenções para o livro. Podemos pensar que o processo de escrita de livros como
este, em geral, se dá em um contexto no qual não há total autonomia. Há restrições
estruturais no processo – tais como, por exemplo, a própria configuração
composicional do livro, recomendações curriculares, a prática pedagógica, entre
outros.
Não é comum encontramos um livro didático que contenha um capítulo
apenas com experimentos ou com elementos da História da Ciência, ou ainda um
capítulo totalmente voltado a questões sociais envolvendo a ciência, essas questões
estão mais articuladas e afins a certos temas, o que não ocorre com todos.
146
Verifica-se, complementando o que foi dito, que, ao longo da história, o
sujeito-autor vem perdendo status pelos limites, padrões e exigências postos em
relação às obras, contribuindo para o sucessivo apagamento da autonomia desses
sujeitos (SOUZA, 1999).
Mesmo com toda a preocupação que os autores tiveram com apresentação
da proposta de forma bem clara e objetiva, ainda há muito a fazer, quando a
intenção é a interseção entre a pesquisa e o ensino. Como dissemos, nas análises
textuais, nada garante que o professor leia a assessoria pedagógica, e mesmo que a
lesse, não há garantias acerca de um pleno entendimento de que as concepções
prévias serão valorizadas, do sentido que a pesquisa traz pra ele, do papel dos
modelos, da história da ciência e assim por diante.
Sabemos que o professor irá utilizar ideias reelaboradas e muitas das
atividades sugeridas, mas, pelo fato de apresentarem nova abordagem, requerem a
leitura prévia da assessoria pedagógica, e embora compreendam atividades
simples, essas ainda demandam muita mediação.
As redes de discursos são poderosos encadeamentos visando a que certos
discursos sejam mais presentes, estáveis e universalizados, portanto estudar uma
parcela da prática social não demonstra como as características gramaticais
manifestas nos textos se relacionam e estão em associação com outras
características co-selecionadas. Por exemplo, não ficaram claro nessa pesquisa o
porquê de certas ideias estarem associadas às específicas vertentes de pesquisa e
ligadas ao discurso pedagógico. Quer dizer, o porquê de um discurso se tornar mais
fluente que um outro.
7.2
ESTUDOS FUTUROS
Consideramos que um dos maiores limites identificados no item anterior é o
da possibilidade de aprofundar questões do discurso relacionadas às vertentes de
pesquisa na sua relação com o ensino de ciências. Quer dizer, levadas pelo
conjunto de vertentes de pesquisas mencionadas pelos autores, procuramos dar
conta das inúmeras possibilidades de articulações entre pesquisa e ensino. No
entanto, entendemos que selecionar uma delas e mergulhar nas questões
147
levantadas pode ser uma estratégia que traga outras interpretações que esta tese
não vislumbrou.
Um aspecto que não exploramos nessa tese e que complementaria nossos
estudos tem a ver com a leitura e a recepção desses textos por leitores para os
quais são endereçados, entre eles, avaliadores de livros didáticos, professores e
estudantes. Provavelmente teríamos diferentes formas de elaborações a partir de
um mesmo excerto de texto.
A questão de não historicizar a autoria foi uma opção que tivemos que tomar
e que pode ser mais aprofundada em trabalhos posteriores. Não discutimos a
questão da identidade do grupo que autora esse livro didático, embora tenhamos
apontado algumas características do grupo. Em outras palavras, a opção foi por
concentrar a atenção na articulação da pesquisa em Educação em Ciências e o
ensino de ciências. Entretanto, estudos futuros poderão incluir e problematizar
outras dimensões de estilo.
Outra consideração importante diz respeito ao fato de que o recorte adotado
deixou de lado algumas vertentes de pesquisa. Um exemplo diz respeito à questão
do papel das imagens em articulação com o texto, ou seja, considerações acerca da
natureza
multimodal
dos
discursos
científico
e
científico-escolar.
Futuras
investigações, no contexto desta e de outras obras, poderão esclarecer a respeito
das incorporações de resultados de vertentes pesquisas emergentes na área.
148
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161
ANEXO 1
Vida de piabas
Conhecendo as piabas, é possível identificar muitas características dos peixes.
Piabas são peixes pequenos de água doce, encontrados em corredeiras de rios e riachos
em todo o Brasil. Possuem brânquias localizadas atrás de uma espécie de tampa chamada
de opérculo. Movimentam-se na água sem muito esforço. Como todo peixe, possuem
nadadeiras e um formato de corpo que facilita o deslocamento na água.
Assim como muitos peixes, as piabas também possuem escamas na pele e
glândulas que produzem um tipo de muco. O muco é um material transparente que lubrifica
a pele, facilitando o deslizamento dos peixes na água e protegendo seu corpo contra a
entrada de organismos causadores de doenças.
Dentro do corpo – como muitos peixes - as piabas possuem um saco de ar, chamado
bexiga natatória. Esse órgão auxilia a flutuação do peixe na água, em diferentes
profundidades. Quando a bexiga natatória está com grande quantidade de ar, o peixe flutua
com pouco esforço muscular. Veja a figura a seguir:
As piabas têm facilidade para viver em corredeiras. Nas primeiras chuvas do ano,
esses peixes fazem a piracema. Os gametas do macho e da fêmea – espermatozóides e
óvulos – são lançados na água ao mesmo tempo. O encontro dos gametas ocorre na água e
dá origem aos ovos de onde nascerão os filhotes.
Em geral, milhares de ovos são formados, mas poucos chegam à fase adulta,
garantindo a sobrevivência da espécie. Muitos ovos e filhotes nascidos são comidos por
outros animais.
Assim como as piabas, todos os peixes possuem órgãos dos sentidos por meios dos
quais percebem estímulos da água. Com o olfato, os peixes podem encontrar alimentos e os
parceiros da mesma espécie. Os movimentos da água são captados por uma estrutura do
corpo chamada linha lateral.
As piabas são de grande importância em nossas águas. Elas servem de alimento
para peixes maiores e alimentam-se de algas, ovos de outros peixes e larvas de insetos,
como as do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue e da febre amarela.
162
ANEXO 2
A influência da Lua
A cultura popular construiu várias histórias e crenças acerca da Lua e de suas
possíveis influencias em nossa vida. Existem pessoas que não cortam os cabelos sem antes
verificar o calendário lunar. Algumas afirmam que as cicatrizes e machucados antigos
sempre ardem quando “muda a lua”. Outras, ainda, afirmam que nascem mais bebês nos
dias em que ocorrem as mudanças de fase da lua.
O pesquisador brasileiro Fernando Lang da Silveira, do Instituto de Física da
Universidade Federal do Rio grande do Sul, resolveu verificar se as fases da lua realmente
influenciam no nascimento dos bebês. Para isso, ele analisou as datas de nascimento de
93124 candidatos a vestibulares realizados na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Em seguida construiu um gráfico que relaciona o número de nascimentos com o dia
do mês lunar.
(gráfico retirado do texto “Marés, fases da Lua e bebês” de Versão ampliada do
artigo A LUA OS BEBÊS, publicado em Ciência Hoje, Rio de Janeiro, vol.29, n. 170: p. 47;
abril de 2001, de Fernando Lang da Silveira)
A seguir, apresentamos um texto com algumas das conclusões do pesquisador. Leiao com atenção e troque ideias com seus colegas sobre as questões que se seguem.
“Observa-se no gráfico que o número de nascimentos oscila em torno de 3300 por
dia. O maior número ocorre no dia posterior à lua nova (3425) e o menor, três dias antes da
cheia (3210). Um teste estatístico permite concluir que as diferenças dos nascimentos ao
longo do mês lunar estão dentro do limite do acaso...
O estudo contradiz, portanto a alegação de que nos dias das quatro fases principais
da lua aumenta o número de nascimentos. Serão verdadeiras as outras tantas influências
atribuídas ao nosso satélite pela sabedoria popular?
SILVEIRA.F.L.A A. A LUA OS BEBÊS, In: Ciência Hoje, Rio de Janeiro, vol.29, n. 170: p. 47.
Questões
1. Qual o objetivo do pesquisador ao realizar esse estudo?
2. Você diria que o estudo realizado por Fernando Lang da Silveira é um estudo científico?
Explique.
3. Porque você acha que o pesquisador usou um número tão grande de datas de
nascimento para fazer essa pesquisa?
4. Esse estudo é suficiente para descartar definitivamente a ideia de que a lua exerce
influência nos nascimentos de bebês ao longo do mês?
5. A crença na influência da Lua sobre o nascimento de bebês costuma ser partilhada por
muitas pessoas, está normalmente baseada em algum tipo de pesquisa ou estudo mais
rigoroso? Em que ela se baseia?
6. Muitas pessoas afirmam que a Lua tem influencia em vários acontecimentos, como
crescimento de cabelos, o desenvolvimento de plantas após a poda e até mesmo o aumento
de criminalidade em alguns períodos do mês. Qual a sua opinião a respeito dessas
crenças?
7. O conhecimento que a ciência nos proporciona acerca da Lua é compatível ou
incompatível com ideias e crenças da cultura popular? Explique.
163
ANEXO 3
Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais
Ciência se faz com perguntas e com muita investigação. É resultado de um grande
esforço coletivo, além de uma vontade enorme de conhecer o mundo que nos cerca. Uma
pergunta pode receber várias respostas diferentes até se chegar a uma resposta aceitável, o
que pode demorar muitos anos, já que podem ser cometidos muitos erros, e são tantas as
idas e vindas que parecem não ter fim. A história das investigações sobre a fotossíntese
mostra alguns desses aspectos da investigação científica.
As perguntas pareciam ser simples: De onde vêm os nutrientes de um vegetal?
Como uma planta se desenvolve? De onde os vegetais retiram as substâncias necessárias
ao seu desenvolvimento?
Primeiras ideias sobre a nutrição dos vegetais
O médico e alquimista belga Jan Baptista van Helmont (1544-1644) foi um dos
primeiros a estudar esse problema. Ele não aceitava a resposta que os estudiosos da época
davam a essas questões. Não lhe parecia correto que as plantas retirassem do solo os
nutrientes necessários para o seu desenvolvimento. Para avaliar suas ideias, ele realizou
um experimento importante com uma planta chamada salgueiro.
Muitas vezes é assim que os cientistas agem: realizam experimentos para testar
suas hipóteses.
Veja nas ilustrações abaixo alguns registros que Van Helmont nos deixou de suas
observações:
(espaço com 5 desenhos correspondendo as letras das legendas)
Ilustrações esquemáticas do experimento de Van Helmont. (A) “Peguei um vaso de
barro, no qual coloquei 100 gramas de terra que havia secado em um forno”; (B) “Plantei um
caule de salgueiro que pesava 2 quilogramas e meio”; (C) “ Para que a poeira levada pelo
vento não se misturasse à terra do vaso, cobri sua abertura com uma placa de ferro
revestida de estanho e com múltiplas perfurações”; (D) “Quando era necessário, eu sempre
umedecia o vaso de barro com água de chuva ou destilada. O vaso era grande e estava
implantado na terra”; (E) “Passados cinco anos, a árvore [...] pesava 80 quilogramas. Não
computei o peso das folhas que caíram em quatro outonos. [...] Por fim, tornei a secar a
terra e assim encontrei praticamente os mesmos 100 quilogramas com alguns gramas a
menos. Portanto, 80 quilogramas de madeira, cortiça e raízes surgiram unicamente da
água”.
Van Helmont concluiu que os vegetais retiram os nutrientes necessários para o seu
crescimento da água, e não do solo. Contudo, em ciências não existe a última palavra, a
verdade final. Tem sempre alguém que enxerga os fatos de uma outra maneira, que pensa
de modo diferente.
Em 1690, outro pesquisador e naturalista inglês John Woodward (1665-1728),
questionou as conclusões de Van Helmont. Ele trouxe de volta ao debate a antiga
explicação de que os vegetais retiram seus nutrientes do solo. Segundo Woodward, a água
só servia como veículo para transportar os nutrientes. Ele cultivou plantas em água com
amostras diferentes de solo dissolvido. Verificou com isso que as plantas que apresentavam
maior desenvolvimento eram aquelas que foram colocadas em soluções de água com maior
quantidade de terra dissolvida. Ao contrário de Van Helmont, ele concluiu que a terra era a
matéria que constituía os vegetais.
Evidências do papel da luz e do ar
Stephen Hales (1677-1761) também investigou o crescimento das plantas. Para ele,
as plantas modificavam as condições da atmosfera com as quais estavam em contato. Mas
ele não sabia explicar como isso acontecia.
Nessa época, a Química começava a dar seus primeiros passos como Ciência
Moderna. O químico inglês Joseph Priestley (1733-1804), que estava envolvido em estudos
sobre os gases, interessou-se pelo assunto, investigando gases envolvidos na vida vegetal.
164
Ele já havia descoberto que uma vela mantida num ambiente fechado permanecia acesa
somente durante certo período de tempo. Verificara, também, que camundongos morriam
depois de algum tempo presos em ambientes fechados.
Ele logo formulou um raciocínio de que deveria existir algum processo na natureza
capaz de impedir que camundongos morressem e velas se apagassem em ambientes
fechados. Se não fosse assim, como se poderia explicar a existência de vida na Terra?
Introduzindo vegetais em ambientes fechados, Priestley chegou à conclusão de que era a
vegetação que restaurava o ar, tornando possível a existência da vida na terra.
Contudo, Priestley não notou que a “restauração” do ar só acontecia em presença da
luz.
O médio holandês Jan Ingenhouz ( 1739-1799) refez os experimentos de Priestley,
com algumas variações, e concluiu que 1) a luz era necessária para ocorrer a restauração
do ar; 2) apenas as porções verdes das plantas realizavam esse processo; 3) as sementes e
outras partes das plantas não promoviam a restauração do ar.
Apesar da grande contribuição dos trabalhos de Ingenhouz para a Ciência, ele ainda
não sabia que as plantas, como todos os seres vivos, também respiram por todo o tempo e
que, nesse processo, retiram oxigênio da atmosfera, em vez de “restaurar” o ar. Ele também
não sabia explicar por que a luz era importante nem o que significava a cor verde das
plantas.
(Dois desenhos: desenho A: experiência da vela acesa sozinha na campanula e vela
acesa e planta na campanula e desenho B: rato sozinho e rato com a planta)
O papel dos minerais na nutrição dos vegetais
A técnica de cultura de plantas em água desenvolvida por Woodward foi
aperfeiçoada e utilizada por muitos pesquisadores que estavam interessados em entender o
papel do solo na nutrição dos vegetais. Um deles, Julius Sachs (1832-1897), cultivou alguns
brotos de milho e feijão em água destilada, e outros brotos em uma solução de água
destilada misturada com sais minerais.
Experimento em desenho de Sachs (4 desenhos de brotos de feijão e milho -2 na
água destilada (A) (cor amarela)e dois na água com sais (B) (cor verde) – o tamanho é igual
no dois desenhos.
Texto: Sachs colocou alguns brotos de vegetais em vasos que continham apenas
água destilada (A) e outros que continham água destilada acrescida de alguns minerais (B).
Ele notou que as plantas que foram colocadas em água destilada sem sais minerais ficaram
mais amareladas e menos desenvolvidas do que aquelas que ficaram na solução de água
destilada com sais minerais.
Os experimentos de Sachs indicavam que os sais minerais eram importantes para o
desenvolvimento das plantas e que elas os obtinham do solo. Desse modo, o papel do solo
parecia ter sido resolvido. No entanto, apesar de sua grande importância para a nutrição das
plantas, os sais minerais são absorvidos em quantidades muito pequenas. Sendo assim, tal
absorção não seria suficiente para explicar o aumento de massa de um vegetal em
crescimento. Podemos chegar a essa conclusão analisando os resultados do experimento
de Van Helmont com o salgueiro.
Poderíamos continuar essa história indefinidamente. Isso porque o conhecimento
científico nunca estará pronto e acabado. Cada pergunta respondida traz outras tantas para
se responder. Os estudos sobre a fotossíntese prosseguiram por muito tempo. Vários outros
cientistas contribuíram para que hoje um poeta, que talvez nem saiba desta história toda,
tenha feito aqueles versos lindos que apresentamos no início do capítulo: “Luz do sol, que a
folha traga e traduz/ Em verde novo, em folha, em graça, em vida, em força, em luz”.
165
ANEXO 4
O que sabemos sobre luz e visão
Leia as questões com atenção e registre por escrito suas respostas. Depois disso,
compare suas respostas com as de seus colegas, procurando estabelecer as conclusões do
grupo.
As ideias que temos sobre o assunto serão o ponto de partida para nosso estudo
sobre luz e visão.
1. Em seu caderno, faça um esboço da figura a seguir. Depois disso:
a) Expliquem, em palavras, como a luz permite ao Chico Bento ver a flor.
b) Se achar adequado, utilize setas para complementar sua explicação. Nesse caso, as
setas devem indicar como a luz presente no ambiente torna o Chico Bento capaz de
localizar e enxergar a flor.
2. A imagem a seguir apresenta um quarto com janela aberta em dia ensolarado. As
lâmpadas estão apagadas e o Sol está bem alto no céu. Nessas circunstâncias, existe luz
no interior do quarto? Em caso afirmativo, explique como a luz chega até ele.
3. À noite, no instante em que a luz de seu quarto se apaga, você tem dificuldade de
enxergar os objetos, mas depois de um certo tempo você já consegue perceber ao menos
seus vultos. Explique como e por que isso acontece.
4. Como você acha que o nosso olho funciona e como ele nos permite ver os objetos que
estão à nossa volta?
5. Como podemos representar a luz? Considere as seguintes situações: a) Uma vela é
colocada sobre uma mesa em uma sala escura. Represente em seu caderno a luz que é
emitida pela vela e se propaga no ambiente da sala. b) Um abajur é colocado no mesmo
lugar em que estava a vela. Represente a luz que é emitida pela lâmpada acesa e que se
propaga no ambiente da sala.
166
ANEXO 5
Entre as partículas existem espaços vazios
Ao propor modelos para o ar, podemos pensar em diversas maneiras de representar
seus componentes. Apresentamos, abaixo, quatro desenhos, feitos por estudantes, que
expressam diferentes modelos.
Os dois primeiros modelos (A) e (B), apresentam uma visão do ar como algo
contínuo. O ar aparece como uma nuvem. No modelo (A), ele apenas muda de lugar depois
de aquecido, mas seu volume total não se altera
O modelo (B) explica a dilatação do ar supondo que a “nuvem” que o representa
pode ficar mais “concentrada” ou mais “distribuída”.
Nos modelos (A) e (B) os estudantes não admitem a existência de partículas.
Sabemos que o ar é uma mistura de diferentes substâncias, como gás nitrogênio, oxigênio e
outros.
Os modelos (C) e (D) sugerem a natureza descontínua dos gases, ao contrário dos
modelos (A) e (B), que apresentam uma visão do ar como algo contínuo. Em (C) o ar é
representado por pequenas bolinhas, e podemos supor que cada uma delas representa uma
partícula das substâncias do ar. Nesse modelo, as bolinas aumentam de tamanho quando o
ar é aquecido e diminuem quando ele é resfriado.
Os modelos (C) e (D) sugerem explicações diferentes para o fenômeno da dilatação.
Para o modelo (C), são as partículas que se dilatam. Para o modelo (D), as partículas não
sofrem modificação no tamanho quando aquecidas. Elas apenas se afastam umas das
outras, o que significa que passam a existir maiores vazios entre elas.
Como decidir qual modelo, entre (C) e (D), melhor representa a dilatação do gás?
Ambos parecem razoáveis. Qual deles você escolheria?
Os modelos científicos não atribuem às partículas propriedades que são dos
materiais, como cor, aparência, textura e dilatação. O modelo (C) faz isso atribuindo as
partículas a propriedade de dilatar, que é própria dos materiais e objetos do mundo
macroscópio. Por isso a representação D é mais compatível com o modelo científico de
partículas. Deste modo quando a garrafa é mergulhada na água quente, os espaços entre
as partículas do ar aumentam. O ar dentro da garrafa passa a ocupar um espaço maior e,
consequentemente, o volume ocupado por ele aumenta, o que explica o fato do balão inflar.
Os gases podem também sofrer transformações com facilidade. Isso acontece
quando baixamos sua temperatura ou quando aumentamos a pressão exercida sobre eles.
Interpretamos essas mudanças admitindo que, nesses casos, os espaços entre as
partículas de ar diminuem.
As bolinhas dos modelos representam as substâncias que compõem o ar. Entre elas
existem apenas espaços vazios. Ao longo da história da ciência, não foi fácil admitir a
existência do vazio. Da mesma forma essa ideia pode perecer estranha para você.
Entretanto, o modelo cinético molecular, também chamado de modelo de partículas, foi
desenvolvido admitindo-se que existem espaços vazios entre as partículas e que as
partículas que compõem os materiais não variam de tamanho em uma transformação. Em
outras palavras, o que varia são os espaços vazios entre elas.
Em geral, os sólidos, quando são aquecidos dilatam-se e, quando são resfriados,
contraem-se. Entre as partículas de um pedaço de ferro, de um pedaço de madeira, da água
que bebemos e do ar que respiramos existem espaços vazios que podem aumentar ou
diminuir em razão da variação da temperatura e da pressão. Diferentes materiais
apresentam dilatações distintas.
O mercúrio, por exemplo, dilata-se com muita facilidade e por isso, é utilizado na
fabricação de termômetros.
167
ANEXO 6
Viajando com segurança
Ao aumentar a velocidade com que se deslocam os seres humanos precisam criar
mecanismos de segurança para evitar acidentes. Como a ciência pode nos ajudar a
compreender os dispositivos e procedimentos de segurança no trânsito?
Nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos. Essa sequência natural da vida
é interrompida, muitas vezes, por mortes precoces ou traumas irresistíveis causados por
acidentes. O que podemos fazer para evitar isso?
O corpo humano é capaz de andar, correr e saltar, atingindo velocidades máximas
pouco superiores a 10 metros por segundo. O sistema esquelético muscular é o responsável
por nossa capacidade de locomoção. O esqueleto tem, ainda, a função de proteger nossos
órgãos internos de colisões e impactos com outros objetos.
Com o auxílio de máquinas, abreviamos o tempo gasto nas viagens, ampliamos
nossa força e a velocidade de nossos movimentos. Porém quem se move a grandes
velocidades pode, consequentemente, sofrer acidentes graves. Mesmo sendo muito
resistentes, os ossos não conseguem proteger o organismo quando sofremos impactos em
altas velocidades. Alguns tipos de acidentes passam a acontecer em razão das máquinas e
dos ambientes que construímos e utilizamos.
Com o rápido crescimento e concentração populacional nos grandes centros
urbanos, a circulação de pessoas tornou-se um problema. Segundo levantamento do
Ministério da saúde, em 2006, 123061 pessoas foram internadas pelo SUS (Sistema Único
de Saúde) vítimas de acidentes de trânsito, com custo estimado de R$ 118 milhões. Esse
custo é o mais alto se considerarmos vítimas atendidas em hospitais particulares e
pacientes com planos de saúde. Entretanto, muito pior do que danos materiais é a dor de ter
vidas interrompidas bruscamente por causa desses acidentes ou, ainda, ver as marcas que
eles deixam no corpo e na memória de quem os sofreu.
Mas qual seria a maior causa de acidentes no trânsito? A imprudência de condutores
e pedestres? As más condições das vias de transporte e dos veículos?
Na tabela abaixo apresentamos os dados divulgados do programa Pare (Programa
de Redução de Acidentes no Trânsito), realizado pelo Ministério dos Transportes com o
objetivo de combater acidentes de trânsito, identificando, por exemplo, suas principais
causas (disponível em http://www.transportes.gov.br/Pare/indexpp.htm. Acessado em: 20
fev.2009).
Muito está por ser feito do ponto de vista da educação das pessoas para lidar com os
dispositivos tecnológicos e conviver em uma sociedade que tem cada vez mais pressa. O
que a ciência tem a nos dizer sobre isso?
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO MARIA CRISTINA