UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO MARIA CRISTINA DO AMARAL MOREIRA A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS EM UMA COLEÇÃO DIDÁTICA DE CIÊNCIAS RIO DE JANEIRO 2013 Maria Cristina do Amaral Moreira A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS EM UMA COLEÇÃO DIDÁTICA DE CIÊNCIAS Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Educação em Ciências e Saúde. Orientador: Prof.ª Dr.ª Isabel Martins RIO DE JANEIRO 2013 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial desta tese para fins de estudo e pesquisa, desde que a fonte seja citada. M838r Moreira, Maria Cristina do Amaral. A recontextualização do discurso da pesquisa em educação em ciências em uma coleção didática de ciências. / Maria Cristina do Amaral Moreira. – Rio de Janeiro: UFRJ/NUTES, 2013. 169 p.; 30 cm. Orientadora: Isabel Martins. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde, Rio de Janeiro, 2013. Referências bibliográficas: f. 148-160. 1. Ensino de ciências. 2. Livro didático - Avaliação. 3. Tecnologia Educacional em Saúde - Tese. I. Martins, Isabel. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde. III. Título. Maria Cristina do Amaral Moreira A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS EM UMA COLEÇÃO DIDÁTICA DE CIÊNCIAS. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Educação em Ciências e Saúde. Aprovada em ________________________. __________________________________________________ Profa. Dra. Isabel Gomes Rodrigues Martins – UFRJ __________________________________________________ Prof. Dr. Orlando Gomes de Aguiar Junior – UFMG __________________________________________________ Profa. Dra. Sandra Lucia Escovedo Selles – UFF __________________________________________________ Profa. Dra. Laísa Maria Freire dos Santos – UFRJ __________________________________________________ Profa. Dra. Rita Vilanova Prata – UFRJ Para Jaime, Maria Helena e Fred AGRADECIMENTOS Finalizar um trabalho de tese é algo que tem uma dimensão muito solitária, com muitos percalços no caminho, mas por outro lado esse trabalho não teria sido concluído sem a ajuda de muitos professores, colegas, amigos e familiares. Devo muito ao grupo LEME do NUTES/UFRJ, às muitas segundas-feiras de extensos debates. Tratando-se de um grupo em formação, como integrante tenho muito a agradecer, a começar pela professora Isabel Martins que acima de tudo apostou em mim, incluindo-me no grupo como sua orientanda. Agradeço também aos colegas Amanda Lima, Angélica Cosenza, Francine Pinhão, Mônica Lobo, Simone Pinto, Téo Bueno, Laísa Freire, Cristina Cohen, Lucia Pralon, Luisa Vilardi, Mirna Quesado, Lucia Lino, e aos professores(as) Guaracira Gouvêa, Luiz Rezende, Flavia Rezende e Rita Vilanova que conviveram comigo mais de perto, tanto no doutorado como em congressos, e muito contribuíram nas trocas de referenciais e discussões sobre o meu trabalho. Aos professores com os quais convivi nos cursos do NUTES: Miriam Struchiner e Vera Helena de Siqueira, Alexandre Brasil, Flavia Rezende, Isabel Martins, Branca Fallabela, o meu agradecimento. Aos professores Orlando Aguiar Junior, Sandra Selles, Rita Vilanova, Laísa Freire dos Santos e Guaracira Gouvêa, Simone Salomão e Isabel Martins vai um agradecimento especial por contribuírem na arguição desta tese, aprimorando-a e contribuindo para o campo de pesquisa em Educação em Ciências. Aos professores(as)/autores(as) do livro didático Construindo Consciências, Carmen De Caro; Mairy Loureiro dos Santos; Maria Emília de Castro Lima; Nilma Soares da Silva; Ruth Schmitz de Castro e Selma Ambrozina de Moura Braga, Orlando Gomes de Aguiar Junior e Helder de Figueiredo e Paula agradeço imensamente a oportunidade de ter conhecido a obra que escreveram, de grande interesse para a Educação em Ciências, em especial o meu reconhecimento aos dois últimos professores pela disponibilidade de seu tempo, em participar de conversa preliminar à realização da pesquisa. Aos meus colegas de turma: Ana, Andrea, Carol, Juliana, Luziane, Marcus Vinicius e Teo, companheiros sensacionais, um grupo aplicado com garra e disciplina para acertar, a minha gratidão. Aos funcionários da secretaria e de outros espaços do NUTES, Caio, Lúcia, Ricardo. À minha instituição de trabalho, Escola Municipal José de Alencar, em especial as diretoras Ana Paula e Heldenir e colegas que compreenderam o meu momento e sempre me incentivaram, assim como os funcionários da escola. Aos meus tios, Leda e José Golovac (agradecimento póstumo) pela paciência e compreensão em todo esse momento de dor na família, todo o meu amor. A minha prima Adriana e afilhada Nanda que se ressentiram da minha presença esses anos, mas que respeitaram esse momento, o meu agradecimento. A Eliane (agradecimento póstumo) e Luiz Felipe por estarem sempre por perto nas datas mais marcantes de minha vida. Ao meu amigo Marcus Vinicius Pereira que, além de parceiro nas discussões sobre educação, foi meu companheiro, irmão, disponível em qualquer situação, o agradecimento muito sincero. Entre tantos amigos(as), gostaria de citar alguns que me ajudaram muito com suas presenças, palavras e pensamentos positivos, como Renata, Tonico, Matti, Karin, Maia, Andrea, Rô, Ciça, Fátima, Clarinha, Patrícia, Leila, Tânia, Juarez, Letícia, Saulo, Silvana, Vicki, Angela Mascelani, Angela Dias, Mercedes, Gilda, Teca, Dirlei, Tune, Ophélio, Cecy, Eduardo, Márcia, queridos, muito obrigada! E, finalmente, aos meus pais e irmão (homenagem póstuma), fonte de admiração e inspiração, a quem dedico essa tese. Não é puro idealismo, acrescente-se, não esperar que o mundo mude radicalmente para que se vá mudando a linguagem. Mudar a linguagem faz parte do processo de mudar o mundo. A relação entre linguagem-pensamento-mundo é uma relação dialética, processual, contraditória. (FREIRE, 2001, p.68) MOREIRA, Maria Cristina do Amaral. A recontextualização do discurso da pesquisa em Educação em Ciências em uma coleção didática de ciências. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Adotando o enquadramento teórico-metodológico da Análise Crítica do Discurso (ACD) de Chouliaraki e Fairclough (1999) e de Fairclough (2001, 2003), esta tese investigou as relações entre a pesquisa em Educação em Ciências e o Ensino de Ciências. Interessamo-nos pelos discursos da pesquisa e do ensino de ciências, na centralidade do livro didático e no número expressivo desses materiais autorados por pesquisadores do campo da pesquisa da Educação em Ciências. Nesse sentido, a relação dialética entre pesquisa em Educação em Ciências e o Ensino de Ciências nos permite entender práticas sociais em negociação. As trocas de ideias e opiniões entre estas práticas sugerem bases de possíveis consensos, adesões, assim como controvérsias, caracterizando limites e resistências entre discursos. A análise da coleção didática Construindo consciências foi realizada em duas fases interligadas: a análise de conjuntura, compreendendo a discussão das vertentes da pesquisa em Educação em Ciências em confluência com políticas educacionais e influências do mercado editorial, e a da análise textual, consistindo da busca por relações intertextuais e interdiscursivas em seis excertos selecionados do livro didático. Analisamos vocabulário, gramática, coesão textual e aspectos da linguagem que caracterizam o discurso da ciência escolar em hibridização com os da pesquisa em Educação em Ciências. Os resultados apontaram que pesquisas em Educação em Ciências recontextualizadas no discurso da coleção didática contribuem para: a inclusão da perspectiva do estudante; o entendimento do discurso da ciência como prática social e institucional; a confluência de elementos da linguagem, tais como agenciamento e processos relacionais, na dimensão social do conhecimento científico; a valorização de atitudes emancipatórias coletivas; a aproximação necessária entre linguagem científica e linguagem cotidiana, entre outros aspectos. Observamos também consistentes articulações entre vertentes, tais como Concepções Alternativas e Ciência-Tecnologia-Sociedade e o discurso da ciência escolar, o que reflete uma hibridização de discursos em maior consolidação com essas ideias para o Ensino de Ciências. Palavras-chave: Análise crítica do discurso. Livro didático de ciências. Pesquisa em educação em ciências. Educação em ciências. Hibridização de discursos. MOREIRA, Maria Cristina do Amaral. The discourse of research in science education embedded in the discourse of science textbook. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. The thesis examined the relationship between Science Education research and Science Education, according to Chouliaraki and Fairclough (1999) and Fairclough (2001, 2003) theoretical and methodological frameworks. We are interested in the discourses of research and science education via textbook´s centrality and the significant number of these materials authored by researchers from the field of Science Education research. In this sense, the relationship between research in Science Education and Science education is dialectic and, particularly, in this study, constitutive of social practices in trading. Furthermore, the exchange of ideas and opinions among these practices both suggest possible consensus, as expressed by the bases of controversies characterizing limits and strengths, as well as adhesion between discourses. The analysis aimed intertexts and interdiscourses in a textbook, named Construindo Consciências for Elementary School (teacher's manual and student´s book) through six excerpts from the book intersecting strands of research. We analyzed vocabulary, grammar, cohesion and textual aspects of language that characterize the discourse of school science in hybridization with the research in Science Education. The results show that research in Science Education embedded in the discourse of the textbook contributes to: the inclusion of student voice, the possibility that the student has to learn socially, in understanding the discourse of science as a social and institutional, in the various forms taken by the discourse of science, at the confluence of language elements such as agency, relational processes in the social dimension of scientific knowledge; in developing emancipatory collective attitudes; approach required between the scientific language and everyday language, among other things discussed in this thesis. We observed, in our analysis that certain lines of research articulate better to the science school discourse, which reflects a greater consolidation of ideas for the science education. Keywords: Critical discourse analysis. Science textbook. Research in science education. Science education. Hybridization of discourses. LISTA DE QUADROS Quadro 1 Estratégias discursivas em cadeias intertextuais 38 Quadro 2 Tipos de processos relevantes na análise textual 41 Quadro 3 Livros didáticos autorados por pesquisadores do campo da educação em ciências 44 Quadro 4 Formação acadêmica e ocupação dos autores de acordo com 48 a edição de 2010 Quadro 5 Os excertos selecionados para a análise da pesquisa 55 Quadro 6 Intertexto, pesquisador e estratégia discursiva da assessoria pedagógica 97 Quadro 7 As ideias da pesquisa em educação em ciências no livro didático 104 Quadro 8 Sequência de cientistas 115 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Percentagem de livros didáticos aprovados e autorados por pesquisadores nos PNLD 2011 e 2012 22 Tabela 2 Número de páginas e distribuição em unidades e capítulos dos volumes da coleção didática 52 Tabela 3 Número de ocorrências das seções na coleção didática 53 Construindo Consciências LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACD Análise Crítica do Discurso CTS Ciência, Tecnologia e Sociedade EC Educação em Ciências EJA Educação de Jovens e Adultos HCF História da ciência e a filosofia IBECC Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura IDEB Índice de desenvolvimento da Educação Básica LD Livro Didático LDB Lei de Diretrizes e Bases LDC Livro Didático de Ciências LSF Linguística Sistêmico-funcional MAST Museu de Astronomia e Ciências afins MCA Movimento das concepções alternativas PISA Programme for International Student Assessment PNLD Programa Nacional do Livro Didático PNLEM Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio PUC Pontifícia Universidade Católica UFF Universidade Federal Fluminense UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization SUMÁRIO 1 CONTEXTO E JUSTIFICATIVA 15 1.1 UM PERCURSO PESSOAL 15 1.2 SOBRE A PESQUISA E O ENSINO 17 2 O PROBLEMA DE PESQUISA E QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO 21 2.1 O PROBLEMA E OS OBJETIVOS DA PESQUISA 21 2.2 O QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO 27 2.2.1 A análise crítica do discurso de Fairclough 28 2.2.2 O papel da teoria sistêmica de Halliday no estudo 32 2.2.3 Ferramentas analíticas 35 2.2.3.1 As condições de produção do texto 36 2.2.3.1.1 Intertextualidade 36 2.2.3.1.2 Interdiscursividade 39 2.2.3.2 Categorias de análise textual 39 2.2.3.2.1 Léxicos e vocabulário 40 2.2.3.2.2 Transitividade 40 2.2.3.2.3 Coesão Textual 42 3 DESCRIÇÃO DO CORPUS 43 3.1 CRITÉRIOS PARA A DELIMITAÇÃO DO CORPUS DA PESQUISA 43 3.2 O LIVRO DIDÁTICO CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS 47 3.2.1 A autoria 47 3.2.2 Organização da coleção 50 3.2.2.1 Manual do professor 50 3.2.2.2 Livro do aluno 52 3.2.2.3 Excertos selecionados 54 3.2.2.3.1 Seções específicas 55 3.2.2.3.2 O contexto dos excertos selecionados 58 4 ANÁLISE DA CONJUNTURA 65 4.1 A INFLUÊNCIA DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS 65 4.1.1 As vertentes de pesquisa 67 4.1.1.1 Movimento das concepções alternativas 68 4.1.1.2 Modelos e modelagem 71 4.1.1.3 Natureza da Ciência e História e Filosofia da Ciência 74 4.1.1.4 Ciência, tecnologia e sociedade 78 4.1.1.5 Estudos da linguagem 81 4.2 INFLUÊNCIAS DOS SEGMENTOS SOCIAIS NO BRASIL 84 4.2.1 Políticas educacionais e recomendações curriculares oficiais 85 4.2.2 Produção e mercado editorial 88 5 ANÁLISE TEXTUAL 90 5.1 A ASSESSORIA PEDAGÓGICA 90 5.1.1 Interdiscurso na assessoria pedagógica 90 5.1.1.1 91 5.1.2 Um discurso institucional na assessoria pedagógica O discurso do movimento das concepções alternativas, história e filosofia da ciência e modelagem no ensino de ciências Intertextualidade na assessoria pedagógica 5.1.2.1 Os pesquisadores e as ideias da pesquisa em educação em ciências 95 5.1.2.2 A concepção da obra na assessoria pedagógica 96 5.2 O LIVRO DO ALUNO 101 5.2.1 O discurso modalizado 102 5.2.2 As vertentes da pesquisa nos excertos 103 5.2.2.1 Movimento das concepções alternativas dos alunos (MCA) 105 5.2.2.2 História da ciência e natureza da ciência 111 5.2.2.3 CTS, risco e responsabilização, empoderamento e cidadania 116 5.2.2.4 Linguagem 119 6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 127 6.1 O CARÁTER HÍBRIDO DO TEXTO O DISCURSO DO ESTUDANTE REPRESENTADO NO DISCURSO DO MOVIMENTO DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS Antecipação do erro A mescla entre o discurso do MCA, modelagem, pedagógico e o discurso da ciência O discurso normativo do professor e o discurso do MCA O DISCURSO DO AGENCIAMENTO/DIALOGISMO NO DISCURSO DO CONSTRUTIVISMO O DISCURSO DO SOCIAL E O DISCURSO DA PESQUISA EM CTS 127 O discurso da confiança, risco e responsabilização O discurso da ciência como prática humana em interseção com a História da Ciência e CTS 135 O discurso do especialista da cidadania no discurso CTS 137 5.1.1.2 6.2 6.2.1 6.2.2 6.2.3 6.3 6.4 6.4.1 6.4.2 6.4.3 6.5 6.6 6.7 O DISCURSO DA CERTEZA E INCERTEZA NO DISCURSO DA NATUREZA DA CIÊNCIA O DISCURSO DO COTIDIANO EM ARTICULAÇÃO COM O DISCURSO DA CIÊNCIA E CTS O DISCURSO DA CULTURA EM ARTICULAÇÃO COMO DISCURSO DA CIÊNCIA 93 95 130 131 132 133 133 134 136 138 139 140 6.8 O DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NO LIVRO DIDÁTICO CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS 141 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 142 7.1 O LIMITE ESPERADO 145 7.2 ESTUDOS FUTUROS 146 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 148 ANEXOS 161 15 1 CONTEXTO E JUSTIFICATIVA Mudança não é trabalho exclusivo de alguns homens, mas dos homens que a escolhem [...] (FREIRE, 1979, p.52). 1.1 UM PERCURSO PESSOAL O cenário a ser descrito constitui uma preocupação pessoal desde a minha formação como bióloga. O interesse no ensino de ciências foi se complexificando em minha trajetória de vida, tanto do lugar de professora de ciências, de longa caminhada, por inquietações geradas na sala de aula, como na posterior inserção na pesquisa em Educação em Ciências, até chegar ao doutoramento. Portanto, o primeiro motivo que me levou a pensar neste estudo e nas questões que trago como reflexão tem relação com a minha prática em aulas de ciências, em diferentes escolas privadas e públicas, principalmente com foco no Ensino Fundamental, com alguma experiência no Ensino Médio e na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Portanto, questões do ensino e aprendizagem de ciências permeiam os trinta e dois anos de minha experiência como profissional do ensino de ciências, voltados à educação básica. Um segundo motivo, o qual se evidencia no fazer desta pesquisa, está associado ao movimento de formação acadêmica, iniciado há vinte e um anos, desde a minha especialização em ensino de biologia em 1992, pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Na época, interessava-me pelas concepções prévias e alternativas de estudantes de 6º e 7º anos do Ensino Fundamental em relação à teoria biológica da evolução. A abordagem teórica do construtivismo de Bachelard, da psicogenética de Piaget e do socioconstrutivismo de Vygotsky, entre outros, embasavam meus estudos. Na sequência de minha formação como pesquisadora, o interesse modificouse para a experimentação/laboratório, no contexto escolar. Na dissertação de mestrado o foco era entender como a experimentação/laboratório de ciências pode contribuir para o ensino-aprendizagem desta disciplina. A pesquisa sobre 16 experimentação também analisou o papel da linguagem, em relatórios produzidos pelos estudantes, em atividade de investigação, em aulas de laboratório escolar. Atualmente, na presente tese, volto o olhar especificamente para aspectos do estudo da linguagem, na capacidade que colocam a dialogar questões sociais, como metas e programas educacionais, pesquisas em Educação em Ciências e outras mais pontuais, tais como o discurso da ciência ensinado nas escolas. Fato é que, cotidianamente, a maioria das ações/relações, em nossa sociedade, passa a ser mediada por documentos/textos escritos manualmente ou digitalizados, integrando a dimensão da linguagem com mais representatividade na contemporaneidade (FAIRCLOUGH, 2003). Portanto, a linguagem passou a constituir um desafio por seu enredamento no mundo social, constituindo uma robusta dimensão a estabelecer sentidos nas tramas sociais estudadas por pesquisadores de diversas áreas, em confluência com as ciências sociais. A trajetória de pesquisa, aqui lembrada, é importante para que pudesse distinguir a pesquisa que realizo hoje da que fiz anteriormente. Na primeira fase (especialização/mestrado), entendo que foi possível articular questões relativas à prática pedagógica em sala de aula, a partir do indivíduo ou aulas de ciências, em situações de aprendizagem desta disciplina. Nesta tese, há um deslocamento no foco central da pesquisa, ou seja, a busca volta-se para o aprofundamento de questões da linguagem envolvendo o discurso, em livros didáticos de ciências, entendendo a linguagem em uso do material educativo como parte constituinte do discurso da ciência em sala de aula. Mesmo contendo interação com a prática pedagógica, é preciso frisar que o foco da investigação não está nos professores e estudantes. O fundamental no presente estudo é a racionalidade política, social, cultural, ética e de valores voltada para a prática do ensino de ciências, configuradas nas lutas de poder, ideias, situações, interpretações e outras dimensões sociais, que juntas constituem e orientam o conjunto de questões, pressupostos da pesquisa e do ensino nas sociedades contemporâneas. Portanto, para além das inquietações da prática pedagógica, que por si só não constituem um problema de pesquisa, a tese que se apresenta entende o contexto social da pesquisa em Educação em Ciências pelos referenciais da linguagem, ou seja, considera a própria linguagem o contexto social a ser estudado. Neste sentido, trabalhemos com o discurso e o texto do livro didático de ciências, eles mesmos como contexto social da pesquisa. 17 1.2 SOBRE A PESQUISA E O ENSINO As preocupações com o ensino de ciências estão presentes no cotidiano de vários profissionais, abrangendo um contingente grande de indivíduos da sociedade. Estudos reforçam a necessidade de que a ciência, ensinada na escola, deva, acima de tudo, alcançar a meta de uma formação mais cidadã, reflexiva, inclusiva e igualitária para os estudantes na contemporaneidade (KRASILCHICK, 2000, CACHAPUZ et al., 2005, FRACALANZA e MEGID NETO, 2006, NARDI, 2007, MARTINS, 2006, 2007, 2011). Apesar do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) ter atingido em 2011 “as metas estabelecidas em todas as etapas do ensino básico - anos iniciais e anos finais do ensino fundamental e ensino médio” (BRASIL, 2011)1, ainda persistem preocupações como, por exemplo, o desempenho alcançado pelos estudantes brasileiros no Programme for International Student Assessment (PISA)2. O estudante brasileiro, nos anos de 2003 e 2006, em relação ao de outros países da América Latina, não apresentou modificações no desenvolvimento de sua formação científica. O nível de proficiência do estudante no Brasil foi um dos mais baixos (proficiência nível 1), representando um conhecimento científico limitado, aquele que em geral está associado e aplicado a poucas situações familiares, expressando explicações científicas óbvias e quase sempre acompanhadas de evidências simples (WAISELFISZ, 2009). Essa situação persistiu e não se modificou no último PISA, ocorrido em 2009, no qual o Brasil ocupou a posição de 59º lugar, resultado alcançado pelos estudantes em reposta aos índices de avalição do letramento científico (nas disciplinas de matemática e ciências), ficando à frente somente de dois países da América Latina, a saber, Argentina e Peru (OECD, 2009)3 . Em geral, as pesquisas em educação, voltadas aos vários processos de ensino-aprendizagem teóricos e metodológicos, costumam relacionar os resultados ruins, alcançados em avaliações, testes e índices de aprendizagem às questões internas da escola. Para Arroyo (2011), o foco no intraescolar ignora relações entre educação e sociedade, empobrecendo a gestão de políticas, sua formulação, 1 IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Portal do MEC. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1 80&Itemid=336>. 2 O PISA realiza testes periódicos e semelhantes em diversos países (aproximadamente 57 participantes) para avaliar a qualidade da educação em diversos níveis de conhecimento incluindo as competências de ciências. 3 Disponível em <http://dx.doi.org/10.1787/888932343342>. 18 avaliação e análise. Esta consideração é relevante por reforçar a necessidade de incluir disputas extraescolares configuradas no âmbito educacional que, para esse autor, ao invés de provocarem desânimo nos pesquisadores, deveriam, ao contrário, instigar as pesquisas (ARROYO, 2011, p.11). No campo da pesquisa em Educação em Ciências, as formas de melhorar4 o ensino de ciências têm constituído foco de estudo de vários pesquisadores. Há, neste campo, uma sólida discussão sobre os principais objetivos da pesquisa, seus resultados e limites, ideias consolidadas, bem como a necessidade de entender, sobretudo, processos que estimulam as pesquisas na sua relação com a educação. Duit (2007) considera que há pelo menos alguns consensos entre os pesquisadores da Educação em Ciências, em particular esses que dizem respeito à ideia da melhoria do ensino. No entanto, mesmo apostando na melhoria do ensino, pesquisadores consideram que questões, importantes para Educação em Ciências no passado, têm retornado potencializadas, portanto, merecendo ser reexploradas com compromisso duplicado entre os profissionais da educação, principalmente as que se referem à natureza da ciência em contextos educacionais (FENSHAM, 2012). Não obstante as inúmeras facetas de interação, a pesquisa e o ensino constituem práticas sociais distintas e particulares, cada uma caracterizada por atores, metas e compromissos próprios. As singularidades de espaços tão diversos, como universidades, por um lado, e escolas, por outro, indicam que não é possível uma aplicação direta dos resultados das investigações no ensino. Como, então, devemos pensar as contribuições possíveis e reais da pesquisa em Educação em Ciências para o ensino de ciências? A escola é reconhecidamente o lugar onde o conhecimento pedagógico de conteúdo relevante é produzido por professores (TARDIF, 2003). Portanto, ao chegar ao espaço escolar, o conhecimento necessariamente passa por processos de transformação, ou seja, não é acriticamente incorporado às práticas escolares. Essas questões, corroboradas pelas pesquisas da linguagem (OGBORN et al., 1996; KRESS et al., 2002) problematizam as formas pelas quais as contribuições, de uma prática social são empregadas por outra. Em geral, passam por uma série de 4 Melhorar o ensino de ciências diz respeito aos resultados de pesquisa já consolidados do campo da educação em ciências que procuram formas de promover o ensino aprendizagem do conhecimento científico. 19 recontextualizações, movimentos de incorporação do conhecimento gerado numa prática e mediado por outra. Diferentes contextos servem de mediação para que a pesquisa de Educação em Ciências chegue à sala de aula, por exemplo, por intermédio de artigos em periódicos de formação de professores, cursos ou atividades de desenvolvimento profissional, projetos envolvendo pesquisadores de diversas linhas de pesquisa e instituições escolares e materiais educativos, compreendendo caminhos diversos de recontextualizações. Nesta pesquisa nos interessou o estudo dos materiais educativos como um dos contextos de recontextualização da pesquisa no ensino. Mais especificamente, interessou-nos o número crescente de livros didáticos de ciências, publicados no Brasil e autorados por pesquisadores da Educação em Ciências sugerindo locus de aproximação entre as práticas em investigação da pesquisa e do ensino. Essa aproximação pode suscitar simultaneamente elementos semelhantes e descontínuos, na forma particular de articular domínios especializados, análogos a territórios em fronteiras (AKKERMAN e BAKKER, 2011). Com base em Halliday (1993), podemos dizer que práticas sociais, tais como a pedagógica e a acadêmica, configuram focos, objetivos, formas de lidar com seus dilemas, pressupostos, formulações e métodos, bastante diferenciados. Os estudos de linguagem entendem que essas práticas envolvem gêneros discursivos específicos. Isso não significa pensar apenas nos impedimentos dos movimentos de uma prática a outra, mas, para além dos obstáculos relacionados à reconstrução verbal destas práticas, nos interessa, sobretudo, os aspectos que promovem a aproximação entre a pesquisa e o ensino de ciências. Portanto, nessa tese discutimos como os aspectos da pesquisa em Educação Ciências são incorporados no texto do livro didático de ciências. O livro didático, nesse sentido, pode ser considerado artefato que cumpre a função específica de construir pontes entre práticas em interseção (AKKERMAN e BAKKER, 2011, p.134). Se considerarmos que a mudança/recontextualização do ensino de ciências realiza-se por transformações de linguagem, envolvendo o ensino, é possível inferir que essa passa necessariamente por mudanças no livro didático. Fairclough (2001) propõe a análise de discurso para compreender as mudanças sociais e como essas mudanças estabelecem outras formas para a estrutura social. Mudança para Fairclough (2004) se dá a partir de duas relevantes 20 orientações epistemológicas; a primeira delas está voltada à especificidade dos eventos discursivos transformando práticas e ordens do discurso, e a segunda entende as mudanças de práticas nos e através de domínios e instituições sociais (FAIRCLOUGH, 2004). A ideia de mudança não é objeto apenas dos estudos da linguagem. Pode ser entendida de diversas maneiras. Por exemplo, mudança social para Paulo Freire é assim entendida: A rebeldia é ponto de partida indispensável, é deflagração da justa ira, mas não é suficiente. A rebeldia enquanto denúncia precisa se alongar até uma posição mais radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora. A mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação, no fundo, o nosso sonho. É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil, mas é possível, que vamos programar nossa ação politico-pedagógica, não importa se o projeto com o qual nos comprometemos é de alfabetização de adultos ou de criança, se a ação é sanitária, se é de evangelização, se de formação de mão de obra técnica (FREIRE, 1999, p.88). Na nossa concepção, a partir dessas contribuições, a mudança social envolve, pelo menos em parte, mudanças identificadas nos textos, sobretudo no que diz respeito à dialetização a que se refere Freire (1999), promovendo uma rebeldia no sentido de resistência, oposição ao que está colocado como pronto, acabado. Portanto, o sentido de mudança adotado nesta tese diz respeito à escolha, não exatamente a um processo natural, mas a uma necessidade humana de transformação e de atuação social consciente, crítica e organizada. O ensino produtivo (textos e discursos) pode fazer da sala de aula um espaço que, embora convivendo com ideias que reproduzam o status quo, possa estimular a transformação de sentidos e de sujeitos (CARDOSO, 2005). Portanto, interessa-nos saber o que vem a ser mudança na incorporação possível dos discursos da pesquisa em Educação em Ciências, mesmo que em pequenos nichos, no texto do livro didático. Desta forma, estes conjuntos de questões levantadas, entre outras possíveis, compreendem o cenário da pesquisa de tese. A linguagem é ponto de partida e, ao mesmo tempo o de chegada nesse estudo, entendendo que essa não é a única, mas, uma das escolhas possíveis, do amplo contexto social a que estamos submetidas. 21 2 O PROBLEMA DE PESQUISA METODOLÓGICO DE REFERÊNCIA E O QUADRO TEÓRICO- A transformação de nossas ideias sobre a realidade e a transformação da realidade são processos que caminham juntos. (LÖWY, 2010, p.29) Nesse capítulo, a intenção é esclarecer o problema e os objetivos da pesquisa, assim como os principais elementos da Análise Crítica do Discurso (ACD) que foram levados em consideração no decorrer das análises. A ACD tem uma variedade de escopos, o que pode levar naturalmente a métodos analíticos distintos de pesquisa, isso quer dizer que os procedimentos privilegiados foram selecionados de forma a responder satisfatoriamente ao problema de pesquisa específico da tese. 2.1 O PROBLEMA E OS OBJETIVOS DA PESQUISA Neste item, assinalamos três dimensões fundamentais a serem exploradas na construção do nosso problema de pesquisa: o livro didático, o ensino de ciências e a pesquisa em Educação em Ciências. Pode-se argumentar que o livro didático é o componente escolar que mais contribui com práticas para o ensino de ciências, ou seja, com o que é ensinado sobre ciências nas aulas de ciências. Para o ex-ministro da educação Cristovam Buarque, há duas ações/gestões governamentais que realmente deram certo no Brasil: uma é a merenda escolar, e a outra é a distribuição de livros didáticos, realizada pelo governo federal5. No caso dos livros didáticos, consideramos que o investimento governamental com o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) representa em parte o nível de preocupação voltado a esse material didático (Programa TV Senado, 2012). 5 Segundo Buarque (2012), esses projetos deram certo principalmente em relação à abrangência dos mesmos no território nacional; são poucos os municípios que ainda não foram contemplados com a implementação da merenda escolar e com a distribuição do livro didático. No entanto, o educador considera que esses projetos ainda têm muito a melhorar. 22 Pautadas em estudos da educação, na relevância histórica, na produção, circulação e consumo do livro didático na sociedade de um modo geral, consideramos o texto do livro didático o principal representante do discurso6 da ciência na escola. O fenômeno social específico que estamos estudando refere-se ao crescente número de pesquisadores da área de Educação em Ciências, que têm autorado livros didáticos de ciências, biologia, química e física. Em 2013, foram aprovadas 34 coleções didáticas no Sistema de Avaliação do Livro Didático de Ciências 2011 e de Biologia, Física e Química 2012 (PNLD)7, sendo que nove delas (aproximadamente 37% do total) têm pesquisadores da área de Educação em Ciências entre seus autores (Tabela 1). Tabela 1: Percentagem de livros didáticos aprovados e autorados por pesquisadores nos PNLD 2011 e 2012 PNLD LIVROS APROVADOS LIVROS AUTORADOS POR PESQUISADORES 2011 - Ciências 11 3 2012 - Química 5 3 2012 - Física 10 2 2012 - Biologia 8 1 34 (100%) 9 (37%) TOTAL O destaque dado pelo PNLD aos livros dos pesquisadores nas avaliações, a presença de pesquisadores entre seus autores, e a centralidade ocupada pelo livro didático nas aulas das escolas brasileiras constituem aspectos que, reunidos, apontam para a relevância do estudo desenvolvido na tese. No Brasil, os livros didáticos são amplamente disponíveis e frequentemente utilizados por professores, constituindo um poderoso recurso didático que desempenha fundamental papel na estruturação das atividades de sala de aula (MARTINS, 2006). Bittencourt (2003, p.5) assinala que As pesquisas e reflexões sobre o livro didático permitem apreendê-lo em sua complexidade. Apesar de ser um objeto bastante familiar e de fácil identificação, é praticamente impossível defini-lo. Pode-se constatar que o livro didático assume ou pode assumir funções diferentes, dependendo das condições, do lugar e do momento em que é produzido e utilizado nas diferentes situações escolares. Por ser um objeto de “múltiplas facetas”, o 6 7 Discurso no seu caráter semiótico e não só como texto escrito. <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=668&id=12391&option=com_content&view article>. 23 livro didático é pesquisado enquanto produto cultural; como mercadoria ligada ao mundo editorial e dentro da lógica de mercado capitalista; como suporte de conhecimentos e de métodos de ensino das diversas disciplinas e matérias escolares; e, ainda, como veículo de valores, ideológicos ou culturais. A necessidade de educação científica para todos, aliada às dificuldades que rondam o ensino de ciências, como o alto índice de fracasso escolar, a rejeição à ciência por parte dos estudantes repercutem nos sucessivos movimentos de renovação do ensino de Ciências, alguns já bastante explorados pelas investigações da pesquisa em Educação em Ciências e que resumimos a seguir. Krasilchick (1987, 2000) considera que a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº4061/61 houve a ampliação da participação das ciências no currículo escolar e das disciplinas científicas (biologia, física e química) pelo substancial aumento de carga horária, proporcionado a partir dela. Posteriormente, com a LDB 5.692/71, a disciplina ciências passa a ser obrigatória para as oito séries, do então chamado primeiro grau (KRASILCHICK, 1987, 2000). Vilma Barra e Karl Lorenz (apud FERREIRA, 2007), em estudo realizado em 1986, consideraram a década de 1960 a fase de renovação mais ampla do ensino de ciências. Nessa década, realizaram-se inúmeros investimentos na educação através de centros e comitês americanos e ingleses, na produção de materiais didáticos e no financiamento de projetos para o ensino de Ciências, que não só foram traduzidos e utilizados no Brasil, mas também estimularam a produção de projetos nacionais. Mesmo com pouca ressonância por encontrarem-se ainda distantes do trabalho docente (FERREIRA, 2007), destacam-se nesta época as ações propostas, por exemplo, pelo Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC-UNESCO). Nos anos 1970, as demandas para o ensino de ciências relacionavam-se a mudanças na forma de ensinar, questionando a excessiva ênfase na memorização de termos científicos, valorizando aspectos da vivência dos estudantes e investindo na superação de visões ingênuas sobre ciência8. Essas mudanças, bem como a obrigatoriedade da disciplina Ciências, demandavam novos livros didáticos para 8 Maldaner, Zanon e Auth (2006) entendem que na década de 1970 “havia uma preocupação maior com a estruturação do conhecimento científico (Física, Química e Biologia e Geologia)”, na compreensão do que era ciência. A produção e validação desse conhecimento estavam fortemente apoiadas em uma concepção positivista de ciência e na crença de que a aplicação de seus resultados pudesse resolver os graves problemas que afligiam a humanidade, bem como prever e evitar que novos problemas surgissem. 24 essa disciplina e inauguraram novas questões em relação ao livro didático como, por exemplo, a do perfil diferenciado para o autor do livro, uma vez que os currículos de ciências previam o ensino de, no mínimo, três grandes áreas do conhecimento (biologia, física e química). Nas décadas de 1970 e 1980, houve investimento relevante no livro didático que, como instrumento escolar, passou a uniformizar o ensino de ciências por diversas razões, entre elas a desqualificação da formação profissional, a criação das licenciaturas curtas e a precarização das condições de ensino. Nessa fase é que ocorre a consolidação da distribuição dos conteúdos nas várias coleções didáticas como modelo hegemônico: no 6º ano (ambiente, sem vida, com ar-água-solo), conteúdos de biologia no 7º e 8º anos (seres vivos e corpo humano) e física e química no 9º ano (AGUIAR JUNIOR, 2004). Maldaner, Zanon e Auth (2006) consideram que pouco tem mudado nos livros didáticos ao longo dos anos; apesar de todo o aparente investimento na sua atualização, eles ainda preservam roteiros tradicionais de ensino configurados em sequências lineares e fragmentadas de conteúdo (MALDANER, ZANON e AUTH, 2006). Martins (2007) aponta que os livros didáticos expressam “a naturalização de alguns formatos de apresentação” através das “estabilidades de certos enunciados e configurações de organização”. Portanto, o ensino de ciências veiculado nos livros apóia-se em “escolhas realizadas dentro de um conjunto possível de visões de ensino e aprendizagem, que circulam na prática social de ensinar ciências na escola” (MARTINS, 2007, p.111). Entre os fatores que influenciam estas visões destacam-se o conhecimento produzido pela pesquisa em Educação em Ciências, as avaliações de desempenho, as orientações curriculares oficiais e os programas de formação continuada. Nesta tese, optamos por analisar os livros didáticos com referência a dois contextos recentes que têm marcado seu desenvolvimento: (i) a consolidação do campo da pesquisa em Educação em Ciências e (ii) a presença de pesquisadores entre seus autores. A orientação da tese caminhou no sentido de entender se e como o conhecimento produzido pelos pesquisadores, que circula nos congressos e é veiculado nos periódicos especializados, está presente no livro didático de ciências, nas ideias incorporadas no livro. O estudo analisou excertos da coleção didática 25 Construindo Consciências, escritos por oito autores (as), são eles (as): Carmen De Caro Martins; Helder de Figueiredo e Paula; Mairy Loureiro dos Santos; Maria Emília de Castro Lima; Nilma Soares da Silva; Orlando Gomes de Aguiar Junior; Ruth Schmitz de Castro e Selma Ambrozina de Moura Braga. Os pesquisadores não foram lembrados unicamente pelo seu papel de especialistas da Educação em Ciências. Ressaltamos que a maioria dos autores da coleção analisada possui vasta experiência em formação docente (ensino fundamental, médio e superior), a dupla inserção na pesquisa e no ensino os habilita sobremaneira a compreender o panorama cotidiano do ensino de ciências. Quer dizer, além de produtores são também “consumidores, transmissores e implementadores do conhecimento produzido em outras instâncias” (SANTOS, 2001, p. 17). Em outras palavras, o tempo dedicado à pesquisa, à interseção que a maioria deles tem com a formação de professores e à extensa prática pedagógica, todos esses fatores somados fazem desses autores um grupo de particular identidade e interesse. Nesse sentido, o livro didático selecionado é considerado produto social vinculado à produção, circulação e recepção de textos por sujeitos participantes em práticas discursivas relacionadas tanto à pesquisa como ao ensino. O objetivo desse trabalho, então, foi o de compreender como aspectos da pesquisa em Educação em Ciências, tais como suas problemáticas, bases teóricas formulações, experiências, resultados relacionados etc, são recontextualizados e incorporados na coleção didática foco da análise do estudo. Defendemos a tese de que a hibridização dos discursos da pesquisa em Educação em Ciências no livro didático precisa ser compreendida no sentido de identificar nos discursos presentes, como estes constituem o ensino de ciências. De certa forma, essa pesquisa poderá contribuir para a discussão assinalada por Martins (2007) na qual a autora entende que “mudanças discursivas podem trazer mudanças nas atividades sociais constituídas por estes discursos”. Apresentar o problema de pesquisa dessa maneira permite-nos estabelecer a constituição mútua entre discurso e sociedade, na qual a pesquisa dessa tese se insere: os discursos e ideias do livro didático podem sugerir, refletir, refratar os discursos da pesquisa em relação aos do ensino de ciências. O discurso da pesquisa, não sendo o mesmo do ensino, uma vez que ambos pertencem a práticas socioculturalmente diferentes, leva-nos a tentarentender como o primeiro coloniza/não coloniza, negocia/não negocia com o segundo. Portanto, as 26 considerações que trazemos têm como foco os embates discursivos entre pesquisa e ensino de ciências no livro didático num ciclo de recontextualizações de discursos da pesquisa no âmbito escolar. Enfim, ao propor o estudo das relações entre eles, afastamo-nos de uma perspectiva que estabelece uma relação normativa e assimétrica entre discursos, embora reconheçamos que esta possa estar presente, uma vez que são comuns estudos que identificam, por exemplo, pressões exercidas pelo discurso da ciência sobre o discurso da ciência escolar (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999; MARTINS, 2007). No que diz respeito à pesquisa em Educação em Ciências, são muitos os desafios que têm exigido da universidade uma ação no sentido da transformação da sociedade. Embora o que se pense socialmente sobre a ciência não seja só reflexo do que se aprende na escola, existe uma gama de relações sociais da qual a escola faz parte e não pode furtar-se da responsabilidade social desse pertencimento. Assim, neste estudo problematizamos alguns destes, relacionados fundamentalmente a questões relativas à construção de uma linguagem da ciência escolar que, ao se tornar hegemônica, implica um tipo de sociedade e de cidadão. O reconhecimento de especificidades sociais nos levou a privilegiar o discurso da pesquisa em Educação em Ciências brasileira que, não obstante, encontra-se relacionado ao discurso da pesquisa em Educação em Ciências em nível internacional. A opção por quadro teórico e metodológico da ACD foi necessário para explorar as dimensões mutuamente constitutivas entre pesquisa e ensino que se dão principalmente no caso específico de livros didáticos, autorados por pesquisadores da Educação em Ciências. Ao enfatizar a relação indissolúvel entre práticas sociais e discursos (FAIRCLOUGH, 1992), a ACD pode discutir a mudança discursiva como um produto, bem como um fator de promoção da mudança social. Nossa principal hipótese é que a recontextualização e a incorporação das ideias da pesquisa em Educação em Ciências nos livros didáticos materializa um nicho de mudança discursiva, que desafia as abordagens tradicionais hegemônicos, enfatizando a transmissão hierárquica e descontextualizada dos conteúdos científicos no ensino de ciências. Dessa forma, entender as relações hegemônicas como dialéticas faz muita diferença, quer dizer, as ideologias não são vistas como aquelas que apenas sustentam relações de dominação, mas também nelas ocorrem mudanças destas relações (FAIRCLOUGH, 2001). 27 O presente estudo mobiliza esse conjunto de interrelações na formulação do problema a ser investigado. 2.2 O QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO Para a ACD, o problema social de um estudo envolve mais do que a formulação de uma questão de investigação. Com base na crítica explanatória de Baskhar, a ACD compreende a realidade extradiscursivamente, entendendo que o que pensamos sobre certo fenômeno social não pode ser considerado o fenômeno social em si. Isso quer dizer que objetos que estão no mundo são mediados pelos discursos nos textos aos quais temos acesso. A base ontológica da abordagem teórico-metodológica da ACD é o realismo crítico9. Nessa forma de entender o mundo social, estruturas sociais assumem status de realidade, reconhecidas e estudadas pelos efeitos que causam no social (BHASKAR, 1998). Nesse sentido, o conhecimento sobre as coisas é falível, sujeito a reformulações. Se o próprio mundo é um produto ou a construção de nosso conhecimento, então nosso conhecimento certamente seria infalível, pois como poderíamos errar sobre algo? Como dizer que as coisas não são como supomos que sejam? Realismo é, portanto, necessariamente uma filosofia falível e que deve ter cuidado com conceitos simples de correspondência com a verdade. É preciso reconhecer que o mundo só pode ser conhecido a partir de descrições particulares, em termos de discursos disponíveis, embora não se entende daí que uma descrição ou explicação é melhor do que outra (SAYER, 2000, p.2, tradução nossa). A contribuição do realismo crítico na pesquisa é a de que, por meio dela, seja possível imprimir à ciência social a crítica das práticas sociais, entendendo o mundo social independentemente dos nossos pensamentos e conhecimento sobre ele, o que não significa que conhecimentos não possam afetar o mundo. Desta forma, nesta tese, assumimos a posição de pesquisadores visando tanto a uma dimensão descritiva, como a outra performática, na linguagem formulada por intermédio dos dados que criamos. 9 O realismo crítico adotado por Fairclough (2001) fundamenta-se nas ideias de Bhaskar. A força do argumento de Bhaskar no seu livro Uma Teoria Realista da Ciência (1977) está relacionada à distinção entre as dimensões da ontologia e epistemologia – dimensões intransitivas e transitivas, respectivamente – e às implicações que essas distinções têm para o entendimento da prática científica (LÓPEZ, 2003, p.76). 28 2.2.1 A análise crítica do discurso de Fairclough No que diz respeito às diversas perspectivas teóricas sob o rótulo da ACD, a adotada baseia-se na de Fairclough (2001, 2003). A escolha por essa perspectiva se deu principalmente devido ao seu potencial como orientação teórica, tanto por atribuir centralidade ao funcionamento da linguagem, como por incluir uma abordagem social para a compreensão do discurso. Um primeiro aspecto destacado por essa orientação teórico-metodológica diz respeito à discussão do papel central ocupado pela linguagem na produção do novo capitalismo, constituindo as instituições modernas (RESENDE e RAMALHO, 2006; FAIRCLOUCH, 2003; GIDDENS, 2001). O novo capitalismo é, sobretudo, marcado pela radicalização dos traços básicos da modernidade, tais como: separação-tempo e espaço, mecanismos de desencaixe (como as rotinas desencaixadas das tradições) e reflexividade institucional. A separação espaço-tempo é crucial nos mecanismos de desencaixe, na qual as relações sociais são deslocadas dos seus contextos locais de interação e reestruturadas em novas extensões de espaçotempo. No ensino de ciências, podemos considerar inúmeros mecanismos de desencaixe no livro didático, por exemplo, o estudante que não se reconhece ao estudar o próprio corpo, ou mesmo o ambiente do qual faz parte. Outro exemplo, a ser citado em relação ao ensino de ciências é a possibilidade do estudante só reconhecer, como animais, espécies não endêmicas do local onde vive, em descrições da natureza como ambientes selvagens, relacionando-os aos retratados em filmes ou desenhos animados. Como assinalado no parágrafo anterior, outro aspecto importante do novo capitalismo é a reflexividade10 que no contexto da modernidade recente11 baseia-se em informações que vêm de fora dos indivíduos, ou seja, em conhecimento gerado pelos sistemas de especialistas (RESENDE e RAMALHO, 2006). Para Giddens (2002, p.10), “não só estudos acadêmicos, mas todo o tipo de manuais, guias, obras 10 A reflexividade é um dos elementos do dinamismo da modernidade que “consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter” (GIDDENS, 1991, p. 45). 11 Chouliaraki e Fairclough (1999) utilizam a expressão modernidade tardia no livro “Discurso na modernidade tardia”. No entanto, são várias as tentativas de denominação para a teoria da sociedade como diagnóstico de nosso tempo, tais como modernidade reflexiva, modernidade líquida, pósmodernidade. Optamos pelo uso de modernidade recente como expressão que engloba esse conjunto de denominações e resume essa fase da modernidade que vivemos. 29 terapêuticas e de autoajuda contribuem para reflexividade da modernidade” por constituírem, eles mesmos, processos sociais fundamentais ao entendimento sintomático dos fenômenos sociais da atualidade. Nesse sentido, podemos problematizar não só os textos de pesquisa, mas também os próprios livros didáticos e respectivos manuais dirigidos ao professor como locus de produção de conhecimentos, impactando a reflexividade. Chouliaraki e Fairclough (1999) entendem que o discurso na modernidade recente é sempre contraditório, complexo e ambivalente, no qual por um lado temos as incertezas (risco, questões de segurança) e, por outro, a reflexividade. Por isso, tanto a ambiguidade, como a ambivalência no discurso (que circula na prática social significando uma ação social pela permanência ou pela modificação na forma de agir) assemelham-se a formulações marxistas, como as que estabelecem que “na medida em que lutamos para transformar a realidade quando a entendemos, e na medida em que melhor a entendemos, mais lutamos para transformá-la” (LÖWY, 2010, p.29). Widdowson (1996) sublinha que a importância da ACD está justamente no entendimento das relações entre linguagem e sociedade, assim como na compreensão do processo dialético que permeia essas relações. Segundo esse autor, o maior potencial da ACD está na epistemologia desta abordagem que, de forma sucinta, entende a linguagem como prática social. Para Bakhtin (2003), toda manifestação linguística se dá como discurso (enunciado) e diz respeito ao uso coletivo da língua, legitimada por alguma instância na atividade humana socialmente organizada, ou seja, institucionalizada. Nesta pesquisa o livro didático de ciências é considerado representante de disputas, decisões e ações curriculares, uma vez que serve de roteiros oficiais para estruturar a escolarização institucionalizada (GOODSON, 1998). Assim, nesse estudo uma das principais preocupações é com as relações de poder e com a construção ideológica no discurso das diversas esferas sociais, entendendo-as como práticas políticas e ideológicas. Inscreve-se na esfera política por estabelecer, manter e transformar as relações de poder, e na ideológica por constituir, naturalizar, legitimar, reificar, transformar significados gerados na relação de poder, tanto pelo exercício como na luta pelo poder. Os discursos, portanto, são concebidos como lugar de investimentos sociais, históricos e ideológicos por meio de sujeitos que interagem em situações concretas 30 de produção. A característica das transformações na modernidade recente, as quais nos interessam, consiste no entendimento de que essas são transformações que ocorrem na própria linguagem e, portanto, no discurso. A preocupação que temos com a opacidade dos discursos, bem como com as transformações constantes dos discursos na própria linguagem, são dependentes do entendimento da prática comunicativa, e, nesse sentido, o discurso pode ser um excelente locus para “esconder” ideologias. Além do quadro de estabilidades e relações de poder, podemos encontrar nesses espaços aspectos contrahegemônicos no discurso. Portanto, um aspecto a destacar é o caráter dinâmico da análise que realizamos, não constituindo algo definitivo, podendo ser comparada a uma fotografia do momento social na articulação dos discursos encontrados nos excertos do livro didático. No que tange ao nosso interesse e de acordo com a ACD, as relações entre discursos e práticas sociais envolvem processos macrossociais, tais como o da colonização de uma prática social pela outra, processo esse que contribui para a hibridização de elementos das várias práticas sociais. A compreensão da relação entre os processos de colonização e hibridização dos discursos, no livro didático, são meios para entender a função social dos discursos nas práticas. Respaldamo-nos no conceito de hibridização como um conjunto de negociações (articulações) sem supressão das diferenças, ou seja, como o lugar da renegociação (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). Entretanto, reconhecer processos de colonização e hibridização é uma tarefa complexa, pelo fato de que certos discursos encobrem outros, por intermédio de eufemismos, negação, conflito entre muitos outros processos de ocultação. Essa tem sido a principal contribuição da ACD que, em última instância, procura por intermédio da análise do discurso desvelar os usos e abusos de poder em opacidade no discurso, tarefa nem sempre alcançada pelo analista. A análise do livro didático foca neste aspecto híbrido dos textos como norma da modernidade recente12 (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). 12 Chouliaraki e Fairclough (1999) chamam o período recente da modernidade utilizando a expressão “modernidade tardia” emprestada de Giddens (1997). Para Giddens, a modernidade tardia traz consigo uma diferença nas relações vividas pelas pessoas, e que tem na razão o elemento que promove a produção da confiança e elimina ou minimiza os riscos nas sociedades contemporâneas. Entretanto, por se tratar de expressão não utilizada por muitos filósofos e sociólogos aderimos à expressão modernidade recente. 31 Um conceito fundamental nesse estudo é o da recontextualização, sobretudo a das diversas redes que vão constituindo os discursos, no amplo acesso dos indivíduos ao conhecimento produzido por sistemas de especialistas (estilos de vida e práticas em geral) (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). Quando a busca é pela recontextualização de um discurso, esse pode ocorrer pela/na mediação de recursos da mídia, periódicos acadêmicos especializados, entre outros, produzindo formas pelas quais as pessoas se relacionam em suas vidas particulares com os diversos aspectos políticos, econômicos, educacionais etc. Recontextualização envolve processos pelos quais os discursos se articulam em rede, na tendência do conhecimento em determinado contexto tomar emprestado, reordenar, reconfigurar os sentidos de acordo com os princípios de contexto emprestado (MARTIN e VEEL, 1978). Portanto, o discurso da pesquisa em Educação em Ciências em que focamos é aquele recontextualizado no universo do ensino de ciências e incorporado no texto do livro didático, que tanto pode estar associado ao discurso da ciência escolar, ao pedagógico, em uma configuração que mescla dois ou mais discursos, e ainda em composição com os outros tipos de discursos (mídia, divulgação, institucionais etc.). A dificuldade de reconhecimento de discursos colonizadores e hibridizados em articulação diz respeito aos processos de ajuste do discurso recontextualizado e incorporado ao texto, entendidos como aqueles que envolvem pessoas particulares em relações particulares com recursos particulares, aplicando tecnologias a materiais em determinadas relações sociais de produção. [...] Toda a prática de produção é uma combinação de recursos físicos e simbólicos, em níveis variados, e é sempre um momento significativo porque todas as práticas são como dissemos, construçõesreflexivas de uma prática que é parte de uma prática (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999, p.23, tradução nossa). A definição acima nos ajuda a pensar o texto como uma tecnologia, isto é, aparato material destinado a realizar um propósito social específico, através de uma prática de produção e, nessa perspectiva, os livros didáticos são importantes tecnologias discursivas. Entretanto, o sentido dado às condições sociais na produção de texto não implica um determinismo inexorável. Por fim, parece relevante explicar um pouco mais o sentido que conferimos à mudança social. Em geral, a mudança envolve movimentos diferenciados, envolve escolhas diferenciadas. Esses movimentos não são simples de se identificar – os deslocamentos são sutis, ou seja, a mudança é tênue, e muitas vezes não é 32 evidenciada. É possível que a mudança esteja em cada palavra do texto e, ao mesmo tempo, não seja marcada textualmente, aspecto este derivado da natureza estratificada da linguagem. Mudanças envolvem formas de transgressão e cruzamento de fronteiras, como também a reunião de convenções existentes em novas combinações, exploradas em ocorrências que comumente se coíbem. Em relação à dimensão textual do discurso, as mudanças deixam marcas no texto que podem ser mesclas de estilos, vocabulários (técnicos ou não), marcadores de autoridade e familiaridade, formas sintáticas típicas (escrita, oralidade) etc. ACD está interessada tanto em efeitos sociais sobre os textos, bem como efeitos sociais dos textos, de forma coerente com a ideia de que pessoas respondem a textos de uma forma ativa, interessada e transformadora (MARTINS, 2007). Neste estudo, não estamos investigando os efeitos sociais dos textos, mas a dimensão na qual eles podem atuar causalmente sobre estruturas, provocando mudanças, pequenas mudanças, nichos de atuação que podem levar à transformação. 2.2.2 O papel da teoria sistêmica de Halliday no estudo A perspectiva de linguagem adotada pela ACD apoia-se em muitos aspectos na teoria linguística sistêmico-funcional de Michael Halliday. Nessa pesquisa ela foi fundamental por dois aspectos: o primeiro deles diz respeito à caracterização de texto, que para esse autor é produto de uma série de escolhas13, e o segundo, pela possibilidade que essa linguística traz em tipificar o discurso canônico da ciência. No que concerne à questão da escolha, essa perspectiva foi importante na identificação dos sistemas representados (cada qual representando um tipo de escolha) em relação às possibilidades de escolhas disponíveis. Quando empregamos uma linguagem, assumimos certos posicionamentos que podem ser desvelados na análise. É desta forma que, na perspectiva do referencial teóricometodológico, processos ideológicos se atrelam ao funcionamento da linguagem e permitem analisar relações de dominação no discurso. 13 Escolha, neste contexto, quer dizer “um ato inconsciente, guiado, por motivos individuais, segundo nossas intenções, vontades, afetividade, subjetividade, mas também por razões sociais, históricas e culturais, ditadas pelo contexto” (SARDINHA, 2007). 33 A linguística de Halliday contribuiu na identificação de elementos da linguagem por intermédio de uma das três funções da linguagem, que segundo esse autor agem juntamente. Para efeito de estudo desta tese o interesse voltou-se preferencialmente para a função ideacional da linguagem. Para Fairclough (2001) a função ideacional da linguagem e os sentidos ideacionais do discurso têm o papel de fundamentalmente significar e referenciar (FAIRCLOUGH, 2001). Quer dizer, uma vez que o discurso pode ser entendido como uma representação do mundo social, ele é também um modo de ação no mundo, com possibilidades de agenciamento (dimensão acional), ou seja, pessoas podem agir sobre o mundo e sobre outras pessoas, por isso é também chamada de sistêmica. Embora possa parecer que esse autor dê mais destaque para a linguagem verbal e escrita por sua relevância social, o trabalho que realizou engloba outras dimensões da linguagem. Compartilhado por Chouliaraki e Fairclough (1999), o texto é uma categoria de mediação voltada não somente para o que está escrito, mas considerado como uma dimensão multisemiótica, quer dizer, combinando o que está escrito com imagens, esquemas, tabelas, gráficos etc., e, sobretudo, entendendo-o como uma superfície visual, na qual está sendo trabalhado intrinsecamente o que é escrito (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). Nessa tese, os textos serão estudados a partir da dimensão multisemiótica, e não como um conjunto de partículas de significados fixas e atemporais, mas antes de tudo, uma “forma textual característica de participação nas relações sociais” (SMITH, 1990 apud CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999, p.46). A semiótica qualifica os textos como construções multimodais, isto é, como entidades que articulam “diferentes modos semióticos, que refletem princípios e possibilidades de representação e interpretação definidas pela cultura na qual se inscrevem” (MARTINS, 2007, p.97). Neste sentido a análise permite compreender o evento social e o efeito de certos discursos no texto como já assinalamos. Para Halliday e Hasan (1976) a linguagem sendo um sistema de significados, possui formas pelas quais é expressa, ou seja, embora deem importância ao léxico e à gramática da linguagem usada, chamam atenção também para os mecanismos de estruturação do texto. A linguagem é ela mesma uma semiótica social, ou seja, o sistema social ou cultural, entendido como sistema de significados que forma a realidade, em contexto sociocultural (HALLIDAY, 1978). Por exemplo, o discurso canônico da ciência que envolve fazer, falar, pensar, ler e escrever ciência entre 34 outros, combina variadas maneiras de discurso verbal, de expressão matemática, de representação gráfico-visual, operacionalizando-as simultaneamente no mundo. Em geral, essas ações, em relação à ciência, embora presentes no cotidiano das aulas não costumam ser ensinadas nas escolas (MARTIN, 1993) e, dessa forma, o livro didático se torna a "principal fonte de modelos de linguagem científica escrita para a maioria dos alunos" (WIGNELL e EGGINS, 1987 apud HALLIDAY e MARTIN, 1993, p.167). Portanto, a pesquisa, a ciência, o ensino, por pertencerem a sistemas socioculturais diferenciados, apresentam descontinuidade na linguagem. As formulações, contidas no livro didático, constituem texto que se origina e circula nesta prática. A análise do discurso do livro didático, como momento da prática social de ensinar ciências, permite, por exemplo, compreender processos culturais, históricos e conceituais envolvendo esta prática. A preocupação da tese não se restringe aos aspectos estruturais que constrangem o livro didático, move-se para os de natureza dinâmica. Isso quer dizer que nosso interesse volta-se também para aspectos não tão estruturais, ou seja, aqueles capazes de sobrepor os aspectos formais e captar melhor os históricos e as fronteiras presentes entre práticas sociais (MARCUSCHI, 2008). Por isso, além de um modo de produção textual, e de constituir material empírico a ser estudado, o livro didático é categoria discursiva que abre para o entendimento do problema de pesquisa, tanto na dimensão do modo social quanto do linguístico (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). A presença do discurso de uma vertente/linha de pesquisa da pesquisa em Educação em Ciências pode ser significada em vários níveis de entendimento na perspectiva da ACD: a que discursos ela costuma estar associada, qual o significado desta associação, quais elementos são destacados e quais não têm sido articulados a esse discurso no livro didático. A configuração final pode revelar um discurso da vertente da pesquisa mais voltado às recomendações oficiais, ou às pesquisas da área da Educação em Ciências, ou às necessidades da prática pedagógica, ou à vida cotidiana das pessoas, de forma isolada como veremos pelas análises. Portanto, os textos que analisamos nesse estudo, ao mesmo tempo em que resultam das práticas sociais de seus produtores, traduzem desigualdades sociais, fruto da própria sociedade. Os significados dos textos não são unilaterais; eles 35 simbolizam as interações entre produtores e leitores, e os traços linguísticos não são arbitrários, constituindo discursos em opacidade. 2.2.3 Ferramentas analíticas Na perspectiva da ACD, as análises são usualmente conduzidas em duas fases interligadas: uma análise da conjuntura14 e uma análise textual15, permitindo estabelecer relações entre as dimensões discursivas macro e micro sociais que estão conectadas ao problema em questão. A dimensão macro diz respeito à natureza das práticas sociais inerentes à pesquisa, no caso a pesquisa em Educação em Ciências, e aos discursos altamente contextualizados que a constituem. Além disso, essa dimensão implica também aspectos sociais, históricos, políticos e econômicos envolvendo essa prática. Na conjuntura da tese, os aspectos de estabilidade são os aspectos estruturais do gênero que permitem entender ritualizações, controle;16 mas, como já dissemos, há também pontos de tensão, instabilidade e flexibilidade não tão ritualizados. Portanto, o livro didático é concebido como um gênero do discurso complexo, híbrido, heterogêneo, intercalado por diferentes gêneros que o tematizam como gênero discursivo, constitui objeto cultural que se (re)modela conforme demandas externas e princípios epistemológicos para o ensino, preconizados em documentos oficiais e saberes da prática docente. Desta forma, o problema social dessa e de qualquer pesquisa é formulado a partir de um conjunto de fatos, não estáveis e diversificados que compõem a conjuntura estrutural a ser analisada. A dimensão micro é constituída por textos que são gerados e circulam nas práticas sociais em questão, uma vez que os textos contêm marcadores discursivos de seus processos sociais de construção e seu estudo nos esclarece sobre os processos sociais em que estão vinculados (MARTINS, 2007). 14 “Conjunturas são conjuntos relativamente estáveis de pessoas, materiais, tecnologias e práticas, em seu aspecto de permanência relativa, em torno de projetos sociais específicos” (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999, p.22). 15 Na ACD há três tipos de análises que atuam juntas são elas análise da conjuntura, da prática particular e do discurso. Como nessa pesquisa focamos na relação entre discursos à análise da prática particular não foi fundamental, mas, de qualquer forma aspectos das práticas envolvidas foram discutidos. 16 Ordem do discurso entendido como organização social e controle de variação linguística (FAIRCLOUGH, 2003). 36 2.2.3.1 As condições de produção do texto A primeira dimensão da análise textual diz respeito às condições de produção do texto do livro didático e que se baseia na propriedade de que textos estão repletos de fragmentos de outros textos mais ou menos implícitos, podendo assimilar, contradizer, ressoar, ironizar esses fragmentos (FAIRCLOUGH, 2001). As dimensões analíticas da intertextualidade e interdiscursividade são utilizadas para identificar o conjunto de discursos da pesquisa presentes/ausentes no livro didático de ciências (FAIRCLOUGH, 2001, 2003). A distinção feita entre intertextualidade e interdiscursividade serve, no caso desta tese, principalmente para o texto da assessoria pedagógica (manual do professor), no qual a análise depende unicamente da forma como se constroem os discursos entre si. Fairclough (2001) considera essas duas dimensões na categoria da intertextualidade, distinguindo-as em manifesta e constitutiva respectivamente, sendo que a primeira tem foco na dialogicidade, enquanto a segunda, na heterogeneidade dos textos. 2.2.3.1.1 Intertextualidade O termo intertextualidade foi cunhado por Kristeva no final dos anos 1960, em trabalho realizado por Bakhtin. Segundo Bakhtin (1986), cada enunciado17 é um elo na cadeia da comunicação, seja ele uma conversa, um romance ou um artigo científico, só podendo ser entendido no contexto de cada um deles. Textos e enunciados trazem uma dimensão comunicativa no sentido de responderem a outros anteriores e, anteciparem o que estão por vir. Daí a noção de intertexto, no qual todo texto é constituído de outros textos (FAIRCLOUGH, 2001). Esse é um princípio importante que caracteriza o uso que fazemos da linguagem nas comunidades das quais fazemos parte. O significado dado ao texto, ou seja, a maneira como o construímos, depende deste pertencimento. 17 Há muita oscilação conceitual de termos como discurso, texto, enunciado e outros. Há tantas definições quantas teorias a respeito, e, às vezes, até mesmo entre pesquisadores de uma mesma linha teórica (FLORES e TEIXEIRA, 2005). Grosso modo, é possível dizer que enunciado, em certas teorias, equivale à frase ou a sequências frasais, concebido como unidade da comunicação, de significação, necessariamente contextualizado. Para Voloshinov (pseudônimo usado por Bakhtin), (1926) os termos enunciação, enunciado concreto, enunciado estão diretamente ligados a discurso verbal, à palavra e ao evento (BRAIT, 2005). 37 É nas práticas sociais que a comunidade constrói os vínculos intertextuais fundamentais para a semântica do texto, a análise do discurso e, o estudo dos sistemas sociais, como por exemplo, a pesquisa em Educação em Ciências permite entender como a comunidade científica constrói seus intertextos nas diversas vertentes/linhas de pesquisa em convergência com essa prática. Os vínculos intertextuais, a serem desenvolvidos no capítulo que apresenta a análise da conjuntura, podem aparentemente estar explícitos, quando identificamos que textos incluem temas parecidos, ou de mesmo assunto, ou implícitos. Identificar temas/tópicos linguisticamente semelhantes é uma tarefa complexa porque além de da utilização de termos diferentes para significar a mesma coisa, nem sempre há concordância do significado do que é um mesmo tema/tópico. Para avançar nessa direção e outras relacionadas, deve-se incluir para além da sintaxe outras dimensões linguísticas, tais como o entendimento de noções de gênero, tipo textual, registro, discurso especializado, padrão temático, ideologia, vozes sociais entre outros (LEMKE,1992). A intertextualidade é ao mesmo tempo constitutiva e condição para a leitura porque significar textos, quer dizer, construir sentido entre textos, não se faz a partir de um único texto. O que significa que o analista constrói “sentidos, a partir das relações que se estabelecem entre os diferentes discursos que atravessam o texto e aqueles mobilizados pelo analista” (MARTINS, 2007, p.101). A intertextualidade reforça a dialogicidade de um texto, ou seja, reúne a voz de autores e outros indivíduos chamados no texto (FAIRCLOUGH, 2003). Em relação às vozes do discurso representado (indireto/paráfrase/pressuposição) e do discurso representador (direto/citação) presente no texto, pode-se dizer que existem, entre os tipos de discurso, duas escalas que se sobrepõem: a primeira é aquela em que o limite entre discurso representador e representado, está explícito e claramente marcado; e a segunda, em que a extensão do discurso representado se traduz na voz do discurso representador. Dependendo do texto, seja ele artigo científico, palestra ou mesmo uma conversa, há diferenças no que é citado, quando, como e por quê. Essa é uma variável fundamental a respeito de como o discurso é representado e do entendimento da representação que pode ir além do ideacional ou conteúdo da 'mensagem,' para incluir aspectos do estilo e do contexto dos enunciados representados. 38 Por isso, no caso da assessoria pedagógica do livro didático em foco, para compreender os discursos ressaltados em diálogo com a pesquisa em Educação em Ciências, empregamos a categoria da intertextualidade na busca por esses discursos representador ou representado. Na identificação da dimensão intertextual utilizamos as estratégias discursivas desenvolvidas por Fairclough (2001) tais como, citação, paráfrase e pressuposição apresentadas no Quadro 1. Quadro 1: Estratégias discursivas em cadeias intertextuais ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS DEFINIÇÃO REPRESENTAÇÃO DO DISCURSO Citação Citações são representações diretas do discurso, ou seja, reproduzem exatamente a voz do pesquisador. Direto Paráfrase A paráfrase não utiliza palavras exatas do discurso representado, mas o discurso reformulado pelo autor, ou seja, caracteriza a representação discursiva indireta. A paráfrase possibilita identificar mescla de vozes no discurso. Indireto Pressuposição A pressuposição é uma maneira intertextual de mesclar ao discurso construído pelo autor do texto “vozes já estabelecidas ou dadas”. Essas informações dadas podem ser de outros ou podem ser de textos prévios do (a) produtor (a) do texto. Isso pode possibilitar o entendimento de aspectos da constituição ideológica dos textos. Indireto Além de citações, paráfrases e pressuposições, a intertextualidade pode estar expressa de outras formas no livro didático de ciências, por exemplo, na inclusão de desenhos feitos por estudantes de forma a mostrar diferentes maneiras de representar, por exemplo, o ar (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 9º ano, p. 63). Como veremos, no texto intitulado “Entre as partículas existem espaços vazios” são apresentados desenhos com finalidade de comparação entre concepções dos estudantes. A comparação, nesse caso, foca nas dificuldades que muitas vezes os estudantes têm de conceber o espaço vazio entre as partículas do ar, aspecto fundamental na compreensão do modelo científico para o entendimento da estrutura da matéria. 39 2.2.3.1.2 Interdiscursividade A dinâmica da interdiscursividade é interna, depende de mecanismos de redundância textual, ou seja, de repetições de temas ou ideias de discursos preexistentes. No que se referem às relações interdiscursivas, essas se concentram principalmente em aspecto relevante da análise textual, a saber, a análise de gêneros. Um gênero opera como "um modo de atuação sociodiscursivo numa cultura e não como um simples modo de produção textual" (MARCUSCHI, 2008, p.17). Em outras palavras, é um formato discursivo estável, que está intrinsecamente relacionado a uma prática social. Assim, "gêneros são realizados em significados e formas acionais em textos" (FAIRCLOUGH, 2003, p 67.), ritualizados em atividades com elementos previsíveis que ocorrem em uma ordem previsível, podendo ocasionalmente variar incluindo elementos novos (FAIRCLOUGH, 2003). Quer dizer, os gêneros não são apenas “superestruturas determinísticas, mas também formações interativas, multimodalizadas e flexíveis de organização social e de produção de sentidos” (MARCUSCHI, 2008, p.17). Por exemplo, o livro didático de ciências é um gênero tipicamente relacionado ao discurso científico, entremeado pelas demandas pedagógicas organizadas em sequência didática (a apresentação da situação, questões conceituais, os módulos e a produção final, exames, exercícios de compreensão). Constitui um tipo de texto inequivocamente associado às atividades do discurso pedagógico realizadas em sala de aula. Nesse sentido, a decodificação da interdiscursividade também depende da capacidade de leitura do sujeito leitor, por intermédio dos interdiscursos produzidos. Dessa forma, a interdiscursividade pode ser compreendida nas escolhas lexicais, no vocabulário específico utilizado no texto, na transitividade e na coesão lexical. 2.2.3.2 Categorias de análise textual Juntamente com as condições de produção do texto que constituem uma análise mais interpretativa, utilizamos uma análise mais descritiva com base nos 40 marcos linguísticos dos textos (FAIRCLOUGH, 2001). Em nossas análises textuais três categorias nos serviram. São elas: o vocabulário, a gramática (transitividade) e elementos de coesão textual. 2.2.3.2.1 Léxicos e vocabulário Os léxicos e vocabulário expressam compromissos e adesão a certos enquadramentos ou visões de mundo. A relação entre palavras e significados não é fixa como já apontado anteriormente. Os significados potenciais são instáveis, envolvem lutas entre atribuições conflitantes de significados, podendo ser vistos como um fator de conflito ideológico (FAIRCLOUGH, 2003). Há, por exemplo, diferenças quanto ao uso da expressão “aluno” ou "sujeitos de aprendizagem" e cada uma delas compreende marcadores discursivos de orientação teórica diferenciada. Quando utilizamos a palavra aluno, queremos dizer no sentido metafórico “discípulo” e que na escola quer dizer aquele que está na posição de quem recebe um aprendizado. Já “sujeito de aprendizagem” é uma expressão entendida como sujeito que conhece (epistêmico) e pode se remeter, por exemplo, à teoria do desenvolvimento e aprendizagem de Piaget para quem aprendizagem é necessariamente um processo, no qual há interações entre o sujeito e o mundo ao seu redor. Portanto, o que se escolhe como expressão, vocabulário, citação, já inclui em parte o sentido que queremos atribuir ao texto. 2.2.3.2.2 Transitividade Fairclough (2003), a partir das ideias de Halliday sobre as metafunções da linguagem (ideacional, interpessoal e textual), propõe uma recontextualização para essa perspectiva e sugere que há três significados principais presentes em todos os textos: o identificacional, o representacional (ideacional) e o acional. Para o autor, podemos encontrar ação, representação e identificação, simultaneamente, tanto na análise de textos completos, como em pequenos trechos. Em nossa pesquisa, como já assinalamos, focalizamos em estratégias analíticas voltadas ao significado representacional ou ideacional do discurso. A dimensão ideacional pode, na linguística sistêmica de Halliday, ser apreendida por 41 meio de análises da transitividade. Esta é identificada a partir dos tipos de processos codificados nas orações e seus elementos, ou seja, verbos e os participantes. Para Fairclough (2001), há dois tipos principais de processos: um representado por verbos que marcam uma relação entre os participantes e outros que marcam uma ação de um participante sobre outro, direção a um determinado objetivo (FAIRCLOUGH, 2001). Fairclough (2003) expande essa classificação como no Quadro 2. Quadro 2: Tipos de processos relevantes na análise textual (reproduzido de FAIRCLOUGH 2003 p.141) TIPO DE PROCESSO PARTICIPANTES-CHAVES CIRCUNSTÂNCIAS Material Ator ou afetado Material Verbal Ator Verbal Mental Experimentador, Fenômeno Mental Relacional Transportador, atributo, valor Relacional (dois tipos) Existencial Existente Existencial Esse quadro traduz a ideia de que, para Fairclough (2001, 2003), as escolhas são processos com significação cultural, política e ideológica. Assim, a análise da transitividade permite identificar aspectos relacionados à agência, causalidade e responsabilidades (implícitas ou explícitas). Nossa opção por esta categoria analítica se justifica, uma vez que a transitividade pode nos ajudar a entender, por intermédio de questões de agenciamento, as formas de hibridização entre, por exemplo, o discurso científico e discursos que expressam objetivos pedagógicos. Enquanto o primeiro geralmente não indica agenciamento, o segundo tipicamente inclui formulações que deixam claro o ponto de vista representado. Outra característica relacionada à transitividade, e que nos interessa por estar está muito presente – embora não exclusivamente - no discurso científico e em suas recontextualizações, é o grau de nominalização ou a quantidade de grupos nominais de uma oração. A nominalização é uma categoria discursiva na qual se observa a conversão de processos em nomes. Nesta conversão, pode haver a omissão de elementos semânticos, tais como tempo verbal ou exclusão de referências a participantes (FAIRCLOUGH, 2001). 42 Para Thompson (1994), a nominalização é um tipo de metáfora gramatical que realinha os elementos da mensagem. Assim, uma importante função da nominalização é a de encapsulamento e, uma vez que o processo é um elemento central na oração e os outros elementos são definidos a partir de sua relação com eles, se for nominalizado, ocorrerá um inevitável efeito dominó sobre os outros elementos. Quando um processo é expresso como uma coisa pela nominalização, ela se tornará, então, um participante abstrato metafórico. Halliday e Martin (1993) esclarecem que a metáfora gramatical está presente na linguagem desde os gregos nos seus primeiros relatos científicos e que, ao longo dos anos, foi se espalhando pelos países, tornando-se o que costumeiramente chamamos de linguagem da ciência. Uma metáfora gramatical não é uma forma diferente de falar o que seria dito numa forma congruente (literal). No literal, o nível do sentido (semântico-discursivo) mapeia-se diretamente no nível da expressão (léxico-gramatical), e vice-versa (SARDINHA, 2007). Na metáfora gramatical ocorre uma tensão, um recurso da língua é usado como outro (exemplo: verbos que se tornam nomes). 2.2.3.2.3 Coesão textual A coesão textual diz respeito a como os períodos e parágrafos são construídos no texto, ou seja, como orações são ligadas em frases e como essas se unem para formar unidades maiores nos textos. Vocabulário de um mesmo campo semântico, repetição de palavras, o uso de sinônimos próximos, conectivos como conjunções, pronomes, artigos e expressões como sinonímia e hiponímia constituem marcadores coesivos. A coesão textual forma o que denominamos a arquitetura do texto, caracterizando um modo significativo de trabalho ideológico que ocorre em um argumento, texto ou obra. A partir dessa resumida exposição do referencial teórico-metodológico e das categorias de análise decorrentes do mesmo, partimos para a descrição do corpus de pesquisa que para a ACD está sempre aberto à ampliação e complementação. 43 3 DESCRIÇÃO DO CORPUS Neste capítulo, o objetivo é esclarecer o conjunto de orientações, estratégias, opções e percursos tomados na coleta de informações acerca da realidade pesquisada. Descrevemos o corpus de pesquisa considerando três aspectos relevantes da sua concepção. O primeiro trata da escolha da coleção didática entre outras com características semelhantes; o segundo, da caracterização da obra escolhida (livro do aluno e manual do professor, temáticas, unidades e capítulos, ciência referência); e o terceiro, das seções específicas e dos excertos selecionados do livro didático, que constituem o foco principal da análise textual. Esses aspectos, relatados desta forma, não refletem exatamente um caminho cronológico estabelecido nessa pesquisa, mas a ordem conferida diz respeito apenas ao caráter da opção tomada para apresentação do material a ser analisado. Além disso, a apresentação dos excertos já estabelece uma posição de análise, uma vez que a abordagem usada emprega alguns elementos contextuais dos trechos selecionados por meio da interpretação da pesquisadora. 3.1 CRITÉRIOS PARA A DELIMITAÇÃO DO CORPUS DA PESQUISA Coleções novas de livros didáticos de ciências (ciências, química, física e biologia) têm chegado às escolas nos últimos anos em ciclos trienais alternados (ensino fundamental e ensino médio), conferidos pelos PNLD. Ao longo de nossa prática docente, permeada pelo constante contato com estes materiais, identificamos a “novidade” expressa de que algumas dessas coleções tinham como autores, pesquisadores experientes do campo da Educação em Ciências. Afirmamos isso, com base no conjunto de livros didáticos que possuem estas características e estão listados no Quadro 3. Essas coleções de livros didáticos foram avaliadas nos últimos PNLD (2011/2012),18 sendo que muitos desses livros já estavam presentes em PNLD anteriores (2008/2009). O estudo que realizamos não tem a intenção de comparar coleções e nem a pretensão de analisar todos os textos 18 Estamos nos referindo aos PNLD dos últimos anos do EF e do EM. 44 contidos nos compêndios, mas esse conjunto é importante para identificar a representatividade dos textos em análise e da coleção selecionada para a tese. Quadro 3: Livros didáticos autorados por pesquisadores do campo da Educação em Ciências COLEÇÃO AUTORIA NÍVEL EDITORA CIÊNCIAS BJ Nélio Bizzo e Marcelo Jordão EF Editora do Brasil CIÊNCIAS: NATUREZA & COTIDIANO José Trivellato, Silvia Trivellato, Marcelo Motokane, Julio Foschini Lisboa e Carlos Kantor EF FTD S.A. CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS Carmen Maria De Caro, Helder de Figueiredo e Paula, Mairy Barbosa Loureiro dos Santos, Maria Emilia Caixeta de Castro Lima, Nilma Soares da Silva, Orlando Aguiar Junior, Ruth Schmitz de Castro e Selma Ambrozina de Moura Braga. EF Scipione EM Edições SM SER PROTAGONISTA QUÍMICA Julio Cesar Foschini Lisboa QUÍMICA Eduardo Fleury Mortimer e Andréa Horta Machado EM Scipione QUÍMICA PARA A NOVA GERAÇÃO – QUÍMICA CIDADÃ Eliane Nilvana Ferreira de Castro, Gentil de Souza Silva, Gerson de Souza Mól, Roseli Takako, Matsunaga, Sálvia Barbosa Farias, Sandra Maria de Oliveira Santos, Siland Meiry França Dib, Wildson Luiz Pereira dos Santos EM Editora Nova Geração QUANTA FÍSICA Carlos Aparecido Kantor, Lilio Alonso Paoliello Junior, Luis Carlos de Menezes, Marcelo de Carvalho Bonetti, Osvaldo Canato Junior, Viviane Moraes Alves, EM Editora PD FÍSICA EM CONTEXTOS – PESSOAL – SOCIAL – HISTÓRICO Alexander Pogibin, Maurício Pietrocola, Renata de Andrade, Talita Raquel Romero EM Editora FTD NOVAS BASES DA BIOLOGIA Nélio Bizzo EM Ática No Quadro 3, a lista de autores é composta de nomes de pesquisadores ativos no campo e sistematicamente envolvidos em atividades de formação de 45 professores e que fazem parte do evento social, relativamente atual, no qual pesquisadores têm ocupado a posição social de autores de livros didáticos. Em análise preliminar, percebemos que as primeiras coleções de autores pesquisadores surgem aproximadamente por volta de 10 anos atrás. Além disso, a maioria delas (três coleções são exceções no Quadro 3) é escrita fugindo ao padrão de um ou dois autores por coleção didática, demonstrando preocupação em montar equipes multidisciplinares na elaboração das coleções didáticas (MOREIRA e MARTINS, 2010). Outro fato que consideramos importante relatar, e que se relaciona à escolha da coleção para o corpus de pesquisa, é que, em princípio, tínhamos como objetivo analisar mais de uma coleção do conjunto das obras mostradas no Quadro 3. Contudo, ponderamos acerca da viabilidade da conclusão do estudo no prazo pretendido, tendo em vista as demandas que se colocavam para o trabalho, privilegiando análises de conjuntura articuladas às observações pormenorizadas de fragmentos textuais. Mesmo se tivéssemos optado por trabalhar com mais de uma coleção, mesmo que nos circunscrevendo a uma mesma disciplina (Física, Química ou Ciências) ou nível de ensino (Fundamental ou Médio), a extensão do corpus poderia ser excessiva. Dessa forma, optamos por focalizar em apenas uma coleção e, além disso, reduzir o corpus a excertos (de uma a duas páginas). A extensão e os critérios de seleção do corpus foram, portanto, objetos de nossa preocupação, sobretudo no contexto de algumas das críticas aos procedimentos analíticos da ACD. Por exemplo, [...] Por investigar, segundo Stubbs, apenas fragmentos de textos, os analistas críticos do discurso deveriam prestar-se a explicações mais plausíveis acerca dos motivos que os levam a selecionar os dados randomicamente e a organizá-los de modo a extrair interpretações que comprovem as hipóteses aventadas (RODRIGUES-JÚNIOR, 2009, p.107). Um aspecto a ser esclarecido em relação à pesquisa que desenvolvemos diz respeito às formulações a que chegamos ao decorrer da investigação realizada. A busca não é exatamente por generalizações e comprovação de hipóteses, mas o enfoque dado é na adoção de posicionamento visando e privilegiando a construção histórica das relações de poder num viés mais exploratório, entendendo que estas não são dadas, nem são possíveis de serem estabelecidas, exclusivamente por meio da análise da materialidade do texto. 46 Nesse sentido, após considerar aspectos tais como: o perfil dos autores, o contexto de elaboração da obra, as possibilidades de acesso aos mesmos para eventuais consultas e a afinidade da pesquisadora com a disciplina ciências no Ensino Fundamental, foi selecionada a coleção Construindo Consciências, composta por quatro volumes (6º ao 9º ano do Ensino Fundamental). Para determinar quais os excertos seriam analisados, optamos por consultar os autores, com a finalidade de obter deles, sua visão sobre quais trechos do livro, no momento da elaboração, tiveram influência de algum aspecto da pesquisa em Educação em Ciências. Foram realizadas duas consultas, uma presencial e outra a distância, com dois dos autores: os professores Orlando Aguiar Junior e Helder de Figueiredo e Paula, respectivamente. A partir destas consultas, estabelecemos um diálogo entre a informação prestada pelos autores acerca dos trechos nos quais eles apontaram ter mobilizado aspectos das pesquisas em Educação em Ciências e o conteúdo do livro didático. Metodologicamente, a voz dos autores nos ajudou a fazer a seleção dos excertos do livro didático que se constituiriam no corpus da tese, evitando que esta fosse baseada unilateralmente na leitura e identificação de marcadores textuais pela pesquisadora. De certa forma, esse foi um recurso de atentar à crítica, em geral direcionada às pesquisas que se utilizam da ACD, de um grau de circularidade inerente, na medida em que estas podem buscar dados que “refletem ideologias já estabelecidas e, concomitantemente, as ideologias buscam dados que as representem” (RODRIGUES-JÚNIOR, 2009, p.107). Por essas razões, a consulta aos autores oportunizou uma escolha menos arbitrária dos excertos a serem analisados19. Além disso, foi uma escolha que nos pareceu acertada, uma vez que a fala dos(as) autores (as) do livro mobiliza diferentes vozes sociais e intertextos relacionados às suas trajetórias profissionais, leituras e pesquisas, evidencia a prioridade atribuída a determinadas linhas de pesquisa, relaciona abordagens e conteúdos a resultados de pesquisa. Esses aspectos também foram importantes para o desenvolvimento de uma importante parte da análise, a saber, a análise de conjuntura, pois permitiram 19 Este procedimento de escolha do corpus de análise possibilitou vislumbrar algumas das maneiras pelas quais os autores significavam o livro didático, em geral, e a coleção, em particular. Entretanto, optamos por não tratar estas consultas como parte do material empírico por considerarmos que elas encaminhavam a investigação na direção de outros objetivos, divergentes daqueles estabelecidos inicialmente. 47 identificar quais dentre as diversas linhas de pesquisa do campo da Educação de Ciências necessitariam ter sua história, constituição e desenvolvimento problematizados. O fato de termos conversado apenas com dois dos oito autores não nos parece ter sido um limitante severo, na medida em que o grupo de oito autores trabalha em colaboração há pelo menos dez anos e, apesar de trilharem carreiras de pesquisa individuais, compartilham não só pressupostos teóricos, mas também experiências de trabalho. Além disso, é importante ressaltar que não buscamos representatividade, no sentido estatístico, nem exaustão das possibilidades de significação. Consideramos ainda que a consulta aos autores permitiu o estabelecimento de uma relação de troca entre pesquisadores. Assim, o fato da interação entre a pesquisadora e os autores do material analisado não se dar somente quando da conclusão da pesquisa permitiu explicitar objetivos, bem como dilemas, negociar sentidos e estabelecer uma parceria na qual os autores não só contribuem, mas também se implicam nas demandas da pesquisa. 3.2 O LIVRO DIDÁTICO CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS Na descrição da coleção analisada, destacamos dois aspectos principais: a autoria (formação acadêmica e profissional dos autores) e os aspectos da organização da coleção didática (distribuição em unidades e capítulos, temáticas, e sessões dos livros e excertos selecionados). 3.2.1 A autoria De acordo com informação encontrada na própria coleção didática, a equipe de autores possui envolvimento em projetos de pesquisa de ensino, reformulação curricular e formação continuada de professores de Ciências, Biologia, Física e Química. Além disso, segundo outras informações, também contidas no livro, os quatro volumes do livro didático foram, previamente, entregues a professores de quatro capitais brasileiras a fim de que fizessem críticas e observações e receberam pareceres de especialistas de diversas áreas por meio de consultorias sobre a obra 48 didática. A equipe que integra os autores (as) desse livro didático compreende o Grupo APEC – Ação e Pesquisa em Educação em Ciências- que realiza projetos com foco na melhoria do ensino-aprendizagem de Ciências, em geral, vinculados à Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O Quadro 4, a seguir, apresenta tanto a formação acadêmica como as atuais ocupações profissionais dos autores (as) da coleção didática. Quadro 4: Formação acadêmica e ocupação dos autores de acordo com a edição de 2010 AUTOR GRADUAÇÃO MESTRADO DOUTORADO OCUPAÇÃO ATUAL Carmen De Caro Ciências Biológicas UNICAMP Biologia Vegetal – Genética UNICAMP Educação UFMG Professora do Colégio Técnico e Curso de Especialização do Cecimig da UFMG Helder de Figueiredo e Paula Física UFMG Educação Tecnológica CEFET-MG Educação UFMG Professor do Colégio Técnico da UFMG e do Programa de pósGraduação da Faculdade de Educação da UFMG Mairy Loureiro dos Santos História Natural UFMG Ecologia UnB Professor de Metodologia de Ensino de Ciências em escola de Ensino Superior Maria Emília Caixeta de Castro Lima Química UFMG Educação UFMG Educação UNICAMP Professora de Metodologia de Ciências/Química da UFMG Educação UFMG Educação UFMG Diretora do Centro de ensino de Ciências e Matemática (CECIMIG) e coordenadora do PIBID de Química na Faculdade de Educação na UFMG. Professor de Metodologia de Ensino de Ciências/Física da Faculdade de Educação da UFMG Nilma Soares da Silva Química UFMG Orlando Aguiar Junior Física UFMG Tecnologia CEFET-MG Educação em Ciências Leeds (England) Ruth Schmitz de Castro Física UFMG Ciências USP Coordenadora Pedagógica da Escola Legislativo do ALMG Selma Ambrozina de Moura Braga Ciências - Hist. Nat. UFMG Educação UFMG Professora de Ciências do Centro Pedagógico e do Curso de Especialização em Ensino de Ciências, Biologia, Física e Química. Educação PUC- SP 49 As informações do quadro corroboram a diversidade, competência e experiência que o grupo apresenta nas disciplinas ciências, Educação em Ciências e áreas afins. De forma a entender a inserção dos pesquisadores como autores, fizemos uma pesquisa em acervo, localizado na biblioteca da Faculdade de Educação da USP, denominado LIVRES20. Esse estudo21, mesmo que de forma pouco aprofundada e de caráter restrito, por tratar-se de um único acervo, teve representatividade pelo grande número de livros que tivemos acesso. Nesse levantamento foi possível caracterizar perfis de autores dos livros didáticos de ciências no contexto sócio-histórico do desenvolvimento da disciplina escolar de ciências. Encontramos que a maioria dos autores dos livros didáticos, em décadas passadas, era oriunda do magistério ou profissionais com designação de técnicos em educação. Outras profissões, em menor número, foram identificadas para os autores de livro didático, tais como a de médicos e ainda pessoas relacionadas à religião (padre). Outro aspecto assinalado nesta pesquisa foi o fato de que os autores de livros didáticos em geral assumiam papel de formadores de professores, relacionando “o que” com “o como” a ser ensinado, o que ainda parece fazer parte da concepção dos livros didáticos atuais, como apontaremos nas análises textuais (MOREIRA e MARTINS, 2010). A despeito dessas considerações, entendemos que autores de livro têm realmente uma função relevante, no aspecto que vincula à concepção da obra ao que é a obra, ou seja, o sujeito/autor reunindo na sua obra um modo de expressar, imprimindo um estilo. Aguiar Junior (2004) aponta para uma modificação nesse grupo de autores de livro didático de ciências, os quais nos últimos anos e especialmente nos grupos que ele qualifica de “alternativos”: 20 Banco de dados de livros escolares brasileiros de 1810 até 2005, projeto da professora Circe Bittencourt da faculdade de Educação da USP. Disponível em: <http://paje.fe.usp.br/estrutura/livres/>. 21 O nosso interesse foi procurar saber se esse movimento de autoria era relativamente atual ou uma tradição nessa área. Anotamos informações específicas acerca do autor do livro, sua formação, atuação profissional, e vinculação institucional com base em dados (anotações e fotografias) disponíveis nos próprios exemplares dos livros didáticos, tais como: edição, editora, ano de publicação, os autores, profissão dos autores, equipe de autores, exemplar do professor ou do aluno, série/ano letivo de destino, entre outras. 50 os autores são pesquisadores ou professores que estiveram muito próximos da pesquisa acadêmica em educação em ciências. Além disso, vários desses novos autores estiveram recentemente envolvidos com reformas curriculares, atuando nestas, como consultores, produzindo materiais e programas para formação continuada de professores (AGUIAR JUNIOR, 2004, p.6-7). Há nessa citação a ideia de que, certos livros, por intermédio de seus autores, disponibilizam inovações detalhadas para o uso do professor. O interessante nesse artigo de Aguiar Junior (2004, p.7), e que converge para o que discutimos nessa pesquisa, diz respeito ao grupo de autores e sua inserção na pesquisa de Educação em Ciências, para o qual “o livro é assumido enquanto Projeto de Ensino aberto, flexível, em permanente mudança”. 3.2.2 Organização da coleção Os quatro volumes da coleção didática estão organizados da mesma forma contendo: capa, autores, apresentação e sumário no início do livro. O texto é disposto em unidades (4 a 5, dependendo do volume) e capítulos. Cada capítulo (1 a 5 por unidade) apresenta seções temáticas, além do texto principal, tais como Trocando ideias, Mãos à obra, Faça em seu caderno, O que você aprendeu sobre, cada uma delas voltadas aos objetivos específicos de aprendizagem. Ao final de cada unidade há indicações de leituras (livros, artigos), vídeos e sites para a consulta dos estudantes. A coleção analisada contém também uma bibliografia nas últimas páginas do livro do aluno e outra no manual do professor (assessoria pedagógica). 3.2.2.1 Manual do professor Um ‘manual do professor’, como a própria denominação utilizada no âmbito do PNLD indica, é um texto endereçado a esse grupo de profissionais que tem o propósito de esclarecer aspectos do projeto editorial e da proposta curricular pedagógica, bem como apresentar características específicas do livro em relação a obras semelhantes, sugestões de atividades etc. O manual do professor, nessa coleção didática, recebe o nome de “Assessoria Pedagógica” e localiza-se no final do livro do aluno no exemplar destinado a este profissional. 51 O texto da Assessoria Pedagógica é dividido em cinco partes que descreveremos a seguir. A primeira página, contendo uma apresentação da proposta, tem o formato de uma carta endereçada aos professores (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.4). Em seguida, a segunda e a terceira partes, denominadas ‘Nossa concepção de currículo e de educação em Ciências’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.5-16) e ‘A estrutura e os recursos da coleção’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p. 17-24), respectivamente, compondo o texto comum aos quatro volumes (do 6º ao 9º anos). As páginas seguintes (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p. 25-89) envolvem sugestões sobre cada unidade a ser desenvolvida e, por conseguinte, são diferentes para cada volume. Finalmente as páginas finais (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.90-92), são dedicadas à listagem das referências utilizadas pelos autores. A assessoria pedagógica nos quatro volumes, embora apresente pequenas diferenças, totaliza o mesmo número de páginas. Em nossas análises nos voltamos para a parte do texto que é idêntica nos quatro volumes da obra (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.5-24). Além da extensão do texto da assessoria pedagógica (92 páginas em cada livro), dois motivos nos levaram a focar nas primeiras vinte e quatro páginas deste manual: o primeiro motivo diz respeito ao alcance que o texto comum tem na prática escolar, compreendendo uma leitura endereçada a todos os professores das quatro séries finais do Ensino Fundamental. Um segundo motivo, relaciona-se ao conteúdo do texto, uma vez que envolve a parte da assessoria pedagógica que mais cita pesquisadores do campo de pesquisa em Educação em Ciências, mesmo não excluindo a possibilidade de identificar citações e comentários relacionados à pesquisa e a pesquisadores em outras seções do manual. O texto da assessoria pedagógica foi importante na discussão dessa pesquisa pelas representações discursivas referidas à pesquisa em Educação em Ciências encontradas. De fato, a referência explícita feita à pesquisa em Educação em Ciências logo nas primeiras palavras, endereçadas aos professores, dimensiona a importância que o grupo de autores confere à influência desse tema no que será apresentado ao longo do livro didático. A leitura dessa Assessoria pedagógica é importante. Apresentamos aqui nossas opções fundamentadas nas pesquisas em educação em ciências, 52 discutimos algumas dificuldades que os professores podem encontrar ao longo do seu trabalho e sugerimos formas de intervenção de modo que se superem obstáculos (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.4, grifo dos autores). A análise que realizamos dos textos da assessoria pedagógica foi importante como complementação do corpus de análise, tanto pela caracterização do texto do livro didático pelos autores, quanto para a identificação de vários discursos relacionados à pesquisa incorporados ao texto. 3.2.2.2 Livro do aluno Numa visão geral, a quantidade de páginas, temas, unidades e capítulos parecem estar distribuídos de forma equitativa entre os anos letivos do Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano), como podemos observar na Tabela 2. Tabela 2: Número de páginas e distribuição em unidades e capítulos dos volumes da coleção didática NÚMERO DE PÁGINAS VOLUME QUANTIDADE POR VOLUME LIVRO DO ALUNO ASSESSORIA PEDAGÓGICA UNIDADES CAPÍTULOS 6º ano 264 96 4 13 7º ano 248 96 5 11 8º ano 232 96 4 10 9º ano 264 96 5 11 Quanto à distribuição de temas por unidades, o livro do 6º ano, por exemplo, é composto por quatro unidades com títulos diferenciados de acordo com o tema a ser ensinado, como apresentado na Tabela 2. Fizemos algumas associações entre os temas e as disciplinas a eles ligados e identificamos uma discreta predominância dos relacionados à Biologia, seguido de temas de Física e de Química. Além disso, destacamos a presença, em menor quantidade, de tópicos relacionados à História da Ciência e às Ciências da Terra, Biotecnologia, Agricultura e Astronomia. Como o ensino de ciências é interdisciplinar, essas considerações são importantes pela posição e espaço dos diferentes tópicos nos livros. Por exemplo, tradicionalmente presente apenas em livros para o 9o ano (NASCIMENTO e 53 REZENDE JUNIOR, 2010), os conteúdos relacionados à Física são nesta coleção didática apresentados de maneira melhor distribuída ao longo dos volumes destinados aos quatro anos letivos, o que foge a um tipo de organização considerado hegemônico quando se trata de Ensino Fundamental. O projeto editorial organiza o livro em seções temáticas, descritas na Tabela 3. Todas essas seções são descritas na parte intitulada ‘Estrutura e recursos da coleção’ da Assessoria Pedagógica (p.17). Entretanto, nem sempre estão todas elas presentes em cada uma das unidades do livro. Por exemplo, no caso dos três primeiros capítulos da Unidade I do livro do 6º ano, não há as seções “Ciência tem história”; “Ciência, tecnologia e sociedade”; “Entrevista” e “Investigação compartilhada”. Tabela 3: Número de ocorrências das seções na coleção didática Construindo Consciências SEÇÃO 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano 36 28 22 25 30 27 24 21 4 10 4 6 Trocando ideias 17 14 15 19 Para saber mais 12 14 11 10 O que você aprendeu sobre 13 11 10 11 Projeto de investigação 2 - - 4 Investigação compartilhada 3 4 3 2 Entrevista 3 1 - - Pesquisando sobre 8 4 - 1 Ciência, tecnologia e sociedade 4 2 2 6 Ciência em debate 4 3 2 2 Ciência e arte 2 5 4 2 Ciência tem história 6 5 3 6 Faça em seu caderno Mãos à obra (experimentos e atividades práticas) Praticando e avaliando a leitura De forma geral, a exemplo do que podemos observar na Tabela 3, as seções tais como “Faça no seu caderno” e “Mãos à obra” são as que aparecem em maior 54 número em todos os volumes da coleção, ao longo das unidades22. A seção “O que você aprendeu sobre” corresponde à quantidade de capítulos encontrados em cada volume da coleção. Embora o texto principal ainda seja o componente do livro que se encontra em maior ocorrência, a presença das seções “Mãos à obra”, “Investigação compartilhada”, “Trocando ideias”, entre outras, envolvendo a participação dos estudantes em atividades, promovem uma forma de aprendizagem que se afasta de uma transmissão conteudista, levando o estudante a trabalhar com evidências empíricas, articulando-as com o que aprende nos textos científicos. 3.2.2.3 Excertos selecionados Neste item apresentamos os excertos selecionados. Quatro deles foram identificados após a conversa com o professor Orlando Aguiar Junior, e dois deles, no contexto da conversa com o professor Helder de Figueiredo e Paula. Os excertos estão representados no Quadro 5 e, como veremos, cada um deles encontra-se associado a uma ou mais linhas de pesquisa da Educação em Ciências, como descritos na apresentação de cada um deles. O texto de cada um dos excertos pode ser acessado pela leitura dos anexos, correspondendo cada um dos excertos do Quadro 5, aos ANEXOS 1 a 6, respectivamente. Optamos por não fotocopiar o livro didático, uma vez que a editora23 não nos concedeu a autorização para fazê-lo. Entramos em contato algumas vezes24 com a editora por e-mail e explicamos as razões e o interesse em copiar apenas esses excertos, selecionados para análise e, mesmo assim a autorização não foi concedida. O Quadro a seguir, mostra que o conjunto de excertos inclui pelo menos um texto dos quatro volumes da coleção didática e diz respeito a três seções temáticas, a saber: “Texto”, “Trocando ideias” e “Ciência tem história”. 22 Não contamos a ocorrência do texto principal, uma vez que serve de base para a inserção de todas as seções que apresentamos na tabela. O texto principal ocupa a maior parte do livro didático em estudo. 23 A editora que publica essa coleção é a Scipione que passou a fazer parte do Grupo Abril em 23 2004 , ano no qual esse grupo comprou duas editoras (Scipione e Ática) com tradição reconhecida no mercado brasileiro de livros didáticos. 24 Entre os dias 30/03/2012 a 10/04/2013 quando do último e-mail negando a concessão de reprodução de qualquer parte do livro. 55 Quadro 5: Os excertos selecionados para a análise NÚMERO DO EXCERTO TÍTULO DO EXCERTO VOL. SEÇÃO TÍTULO DA UNIDADE TÍTULO DO CAPÍTULO Modos de ser e de viver dos vertebrados 168-170 PÁG. 1 Vida de piaba 6º ano Texto A diversidade da vida 2 A influência da Lua 7º ano Trocando ideias Lua, Sol e movimentos da Terra A Lua nossa vizinha mais próxima 202-203 3 Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais 7º ano Ciência tem história Energia e ambiente O sol e a vida na Terra 151-154 Luz e visão 165 4 O que sabemos sobre luz e visão 8º ano Trocando ideias O organismo humano e suas interações com o ambiente 5 Entre as partículas existem espaços vazios 9º ano Texto Modelando Materiais O mundo que não vemos 63-64 6 Viajando com segurança 9º ano Texto Ciência, Tecnologia e sobrevivência Viajando com segurança 183-184 3.2.2.3.1 Seções específicas De forma a entender as diferenças entre as seções das quais os excertos foram selecionados para a análise, elaboramos um pequeno resumo explicativo de cada uma delas, quais sejam: “Trocando ideias” e “Ciência tem história”. Optamos por não descrever as que não tiveram representação no corpus. a) Texto O texto é apresentado pelos autores pela expressão texto principal. Para os autores 56 o texto principal de cada capítulo é subdividido em subtítulos sendo articulados com as diversas atividades e seções presentes em cada capítulo. Em conjunto, uma grande diversidade de gêneros textuais é oferecida aos estudantes de maneira que contribua para o desenvolvimento de competências tais como as de leitura e escrita (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.18). No corpus temos três textos principais, sendo eles: ‘Vida de piaba’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p. 168-170), ‘Entre as partículas existem espaços vazios’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.63-64) e ‘Viajando com segurança’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p. 183 e 184). Compondo a seção específica de texto principal, ‘Vida de piaba’ e ‘Entre as partículas existem espaços vazios’ são subtítulos dos capítulos aos quais pertencem e se encontram entre as primeiras quatro páginas dos mesmos. O excerto ‘Viajando com segurança’ é o texto de abertura do capítulo. Os três possuem mais ou menos a mesma extensão no livro didático, sendo que ‘Vida de piaba’, por apresentar um conjunto de cinco fotos e desenhos, ocupa três páginas, enquanto os outros dois ocupam duas páginas. b) Trocando ideias Para os autores, a seção “Trocando ideias” é constituída por questões utilizadas para levantamento e organização dos conhecimentos prévios dos estudantes. São orientadas para estimular o estudante a resgatar informação disponível e a fundamentar seus pontos de vista ao interpretar fenômenos (ASSESSORIA PEDAGÓGICA, p. 17). Em geral, a seção está localizada no início do capítulo, introduzindo um assunto. Contudo, identificamos que esta não é uma regra, já que nos capítulos em que essa seção ocorre quatro vezes, por exemplo, ela está presente inclusive no final do capítulo. O texto, intitulado ‘O que sabemos sobre luz e visão’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano, p.165), é um dos selecionados da seção “Trocando ideias”. Está localizado na segunda página do capítulo oito da unidade 4 do terceiro volume da coleção (8º ano). O volume do 8º ano possui dez capítulos e a seção “Trocando ideias” está presente em todos eles, ao menos uma vez, sendo que, no capítulo cinco aparece três vezes e nos capítulos dois, sete, oito e dez, comparece duas vezes, totalizando dezesseis ocorrências no volume como um todo. 57 O texto, ‘A influência da Lua’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.202-203), também pertence à seção “Trocando ideias” e encontrase no livro do 7º ano, no qual foram identificadas treze ocorrências dessa seção. Diferente do outro volume (do 8º ano), nem todos os capítulos apresentam essa seção, estando presente apenas em algumas unidades (2, 5, 8 e 11). A seção “Trocando ideias” ocorre quatro vezes no capítulo um; três vezes no capítulo dez, e duas vezes no capítulo seis. Nos demais, ocorre uma única vez. O capítulo nove ‘A Lua, nossa vizinha mais próxima’ (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.189), encontramos apenas uma seção do “Trocando ideias”, que é a do excerto selecionado. De qualquer forma, embora a distribuição não seja homogênea, entendemos que essa é uma seção específica que tem grande representatividade nos quatro volumes da coleção didática. c) Ciência tem história Essa seção temática do livro é descrita na assessoria pedagógica da seguinte forma: Referências e informações oriundas da história das ciências e da tecnologia. Elas são encontradas ao longo do texto principal. Às vezes, entretanto, torna-se conveniente reuni-las em um texto especial sucedido por questões destinadas a promover reflexões sobre a natureza da atividade científica (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.17). Portanto, os autores consideram que, alguns textos, como o excerto do capítulo sete ‘Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais’, têm a história da ciência em destaque e sua “a principal intenção não é a de identificar ‘grandes personagens’ da história das ciências, nem fazer apologias ao conhecimento científico”, e sim a de ilustrar caminhos “que caracterizam o processo de produção e validação” do conhecimento da ciência (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p. 19). No corpus de pesquisa, esse é o único texto da seção específica “Ciência tem história”, pertencendo ao volume do 7º ano. Nesse volume do livro didático, encontramos três ocorrências dessa seção nos capítulos três, sete e onze respectivamente e duas no capítulo nove, totalizando cinco no volume como um todo. 58 3.2.2.3.2 O contexto dos excertos selecionados Outro aspecto que descreveremos nesse capítulo é o que denominamos contexto do excerto, ou seja, os elementos que circundam os seis excertos, compondo o corpus de pesquisa, tais como a justificativa para sua escolha, figuras e desenhos, conteúdo a ser aprendido, entre outros. a) Vida de Piaba25 O excerto 1 (ANEXO 1) foi escolhido por ter sido apontado pelo Professor Orlando Aguiar Junior como um exemplo de texto do livro didático, que inclui discursos relacionados às pesquisas sobre linguagem, especificamente sobre o papel das narrativas, no ensino de ciências. A unidade três, da qual o excerto faz parte, intitula-se “A diversidade da vida” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.144-236) e tem por objetivo o estudo dos seres vivos. O primeiro capítulo dessa unidade (capítulo oito) trata de diferenças e semelhanças entre os seres vivos. Para isso, é feita a comparação entre uma biblioteca e sua organização, e a classificação dos seres vivos. Neste exemplo, o que se procura é através da comparação (biblioteca) discutir a importância da classificação (critérios) na vida do homem. Neste capítulo também é apresentada a história da classificação dos seres vivos. O capítulo nove, “Os modos de viver dos vertebrados”, explora a biologia dos peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos. O que chama atenção nesse capítulo é a forma de abordar o conteúdo “Seres vivos”, tradicionalmente ensinado no 7º ano do Ensino Fundamental, e, nesta coleção, introduzido no 6º ano. Esse aspecto evidencia o fato que apontamos anteriormente: a distribuição diferenciada de conteúdos na coleção didática. As restrições impostas pela política educacional não evitaram que essa coleção didática promovesse mudanças na prática discursiva26 pedagógica tradicional, respaldada pelos currículos oficiais de ciências. 25 Piaba é um termo que vem do Tupi e quer dizer “pele manchada”. Assim são chamados pequenos peixes brasileiros atingindo no máximo 20 centímetros. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Piaba> 26 Prática discursiva baseia-se em convenções que naturalizam relações particulares de poder e ideologia, e essas convenções e as formas como elas são articuladas são foco de conflitos (FAIRCLOUGH, 1992). 59 Outro exemplo de formas pelas quais a coleção em questão distingue-se de abordagens tradicionais diz respeito à apresentação da biologia dos peixes. Este tema costuma estar associado ao contexto da classificação dos seres vivos, taxionomicamente distribuídos em reinos e a partir de um elenco de características dos grupos. Entretanto, no capítulo nove, “Modos de ser e de viver dos vertebrados”, os autores não partem do grupo taxionômico para elencar suas características, mas sim da referência a um tipo específico de peixe, chamado piaba. Essas são questões importantes de serem entendidas, uma vez que estabilidades ou transformações requeridas nos textos inserem-se de forma ampla (elementos linguísticos e extralinguísticos) no contexto social da prática pedagógica e não somente na materialidade dos textos didáticos. Para Halliday e Martin (1993), existe diferença entre descrever e classificar na ciência na qual a descrição propõe-se a falar sobre as coisas e a classificação a esclarecer os processos que envolvem as coisas (HALLIDAY e MARTIN, 1993). Quer dizer, conhecer os seres vivos por intermédio dos processos complexifica o entendimento dos estudantes, não apenas pelo uso dos termos técnicos, mas por sua ordenação taxionômica. Desta forma, o título “Vida de piabas”, ao utilizar o vocábulo “vida” significando modos de vida, tempo de vida e referindo-se a um tipo de peixe, procura escapar do padrão apontado. O apelo à vida parece vir de encontro ao apagamento que em geral a linguagem científica promove aos processos a ela relacionados. Piabas antes de serem peixes são seres com vida, ou seja, seres vivos. E o mesmo ocorre com todos os vertebrados relacionados no capítulo nove, tais como em “Vida de sapo e rã”, “Vida de serpentes”, “Vida das corujas-buraqueiras” e “Vida de morcegos”. Em geral, os livros didáticos, ao apresentam os seres vivos, principalmente aqueles mais conhecidos (morcego, cobras, cães, etc.), promovem um afastamento dos estudantes pelo uso de termos técnicos, tais como vertebrados, quirópteros, ofídios, canídeos entre outras nomenclaturas. O vocábulo peixe pode ser entendido como um termo da vida cotidiana dos estudantes. No entanto, este termo, no contexto do livro didático de ciências, muitas vezes assume o status de grupo de animais27 e não o significado dado ao mesmo na vida cotidiana. 27 A expressão peixes é utilizada com base na semelhança de vertebrados aquáticos e não caracteriza uma unidade taxonômica. Para a biologia "Pisces" representa um táxon parafilético (parte dos peixes apresenta maior parentesco com o grupo dos Tetrápoda do que com outros peixes), por 60 No capitulo dez, “Conhecendo os invertebrados” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.185-202) que sucede o capítulo dos vertebrados, a estratégia adotada de utilizar nomes populares (vespas, aranhas, escorpiões, piolhos, pulgas) para apresentar os seres vivos se repete, embora tenhamos encontrado palavras ou termos técnicos, tais como artrópodes, anelídeos, moluscos, etc. O capítulo onze, “A diversidade das plantas” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.203-216) e o doze, “Nem bichos nem plantas,-,que seres são estes?” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.217-236) complementam a unidade que tem como objetivo a aprendizagem dos diversos grupos de seres vivos. b) A influência da Lua A unidade 4 tem o título “Lua, Sol e movimentos da Terra” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.166-206), e os capítulos oito e nove tratam desses três astros, não exatamente nessa ordem; o capítulo oito relaciona-se ao Sol e movimentos da Terra, e o capítulo nove, às questões do satélite Lua. O excerto 2 (ANEXO 2) localiza-se no capítulo nove, cujo título é “A Lua, nossa vizinha mais próxima” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.189-206), que após caracterizar o astro como satélite e compará-lo a outros do sistema solar, apresenta uma seção intitulada “A Lua em nossa cultura” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.199-206). Tanto o título do capítulo, como o da seção citada, utilizam o pronome reflexivo “nossa” indicando que os estudantes/interlocutores estão incluídos no que está dito. No primeiro caso, o termo “nossa vizinha” indica uma proximidade e, no segundo, “nossa cultura” inclui na relação identificada questões que em geral circundam o satélite, tais como crenças e valores que se associam a essa vizinhança. A parte intitulada “A lua em nossa cultura” traz uma discussão sobre as marés e sua relação com a lua e suas fases. O texto “A influencia da Lua” aprofunda as influências do satélite no planeta Terra, muitas delas consideradas crenças, mitos populares sobre a lua, tais como crescimento do cabelo, nascimento de bebês entre incluir alguns descendentes de um ancestral comum. Disponível em: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/oficinas/ed_ciencias/peixes/porque/organizando/agrupamentos _taxonomicos.html>. 61 outros acontecimentos da vida. Segundo o Professor Helder de Figueiredo e Paula, esse texto foi mencionado por incluir questões da pesquisa, envolvendo problemáticas da cultura na sua relação com o ensino de ciências. c) Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais Este excerto 3 (ANEXO 3) foi o escolhido por ter sido apontado pelo Professor Orlando Aguiar Junior como exemplo de texto do livro didático, com o qual os autores dialogaram utilizando discursos relacionados às linhas de pesquisa da História da Ciência e Natureza da Ciência. A unidade três, “Energia e ambiente” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.116-164) trata de diversos assuntos relacionados à energia, tanto do ponto de vista conceitual (física, biologia) quanto dos problemas ambientais relacionados às questões energéticas. O capítulo seis, intitulado “Transformações de energia” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p. 118-143), inicia fazendo um levantamento das concepções sobre energia dos estudantes pelo recurso de imagens. Os textos do capítulo seis discutem formas e fontes de energia, impactos ambientais, usos de energia e a abordagem ao fim do capítulo compreende um conjunto de conceitos da física (energia cinética, potencial, calorímetro). O capítulo sete, “o Sol e a vida na Terra” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.144-164), tem como objetivo relacionar sol e vida e, portanto, tem como disciplina base a biologia. Logo de inicio é lembrada a música Luz do Sol, de Caetano Veloso, para o estudo da fotossíntese. O excerto é um texto que, segundo o autor, foi pensado para enfrentar o problema da concepção equivocada dos estudantes sobre a nutrição dos vegetais. Em geral, os estudantes pensam que plantas se alimentam de terra/solo e por isso crescem e ficam mais pesadas. Kawasaki e Bizzo (2000) entendem que há nessa forma de pensar a ênfase na ideia de que o solo é o meio que fornece todo tipo de nutrientes, deixando de fora plantas que não crescem em solos e que mesmo assim sobrevivem. Os autores do livro didático foram buscar na história da ciência exemplos de experimentos e ideias que pudessem dar conta desta relevante questão para o ensino da fotossíntese. Portanto, embora o capítulo sete seja 62 abrangente, o foco principal é a fotossíntese das plantas relacionando-a com a energia solar. d) O que sabemos sobre luz e visão Este excerto 4 (ANEXO 4) foi escolhido por ter sido apontado pelo Professor Orlando Aguiar Junior, como exemplo de texto que inclui discursos relacionados às concepções alternativas sobre luz e visão e à história da Ótica. O autor considera a atividade importante para que o estudante compreenda o modelo básico da ótica, nas suas ideias estruturantes, e posteriormente dar sentido ao que vai ser ensinado. Foram citados modelos de pesquisas em Educação em Ciências que, categorizados, refletem três formas diferenciadas de modelar a visão (o modelo do olho, do sol, e o físico) que se repetem quando estudantes são solicitados a explicar esse fenômeno. A unidade quatro, na qual está inserido esse excerto, é a denominada “O organismo humano e suas interações com o ambiente” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano, p.162-164), e compreende três capítulos: o capítulo oito, “Luz e visão” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.164-190), o capítulo nove, “O controle da temperatura corporal dos seres vivos (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.191-211), e o capítulo dez, “O sistema nervoso e o efeito das drogas” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ano, p.212-228). e) Entre as partículas existem espaços vazios O excerto 5 (ANEXO 5) da seção texto principal se insere na unidade dois do volume do 9º ano de título “Modelando materiais”. Essa unidade inclui dois capítulos intitulados, “O mundo que não vemos” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, capítulo 3, 9º ano, p.60-76) e “A natureza elétrica dos materiais” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, capítulo 4, 9º ano, p.77-105). A escolha do texto desta unidade foi influenciada por tê-la mencionado o Professor Orlando Aguiar Junior como uma das unidades da coleção que melhor caracteriza as ideias da pesquisa em Educação em Ciências, sobretudo aquelas relacionadas ao papel da linguagem e da modelagem no ensino de ciências. Nesse caso, segundo este autor, a influência da pesquisa em Educação em Ciências diz respeito tanto ao 63 entendimento do ponto de vista dos estudantes, como à antecipação de dificuldades, já estudadas, que viriam a ser suplantadas por intermédio de atividades dirigidas (MOREIRA e MARTINS, 2011). No início de cada unidade do livro há sempre duas páginas de apresentação, as quais são compostas dos itens de aprendizagem, foco dos capítulos que as sucedem, e no caso da unidade ‘Modelando materiais’ temos um pequeno texto explicativo de 12 linhas, acompanhado de três imagens em pares, contendo fotoflecha-representação (moléculas da água em um jarro de vidro, partículas do ar em um pneu da bicicleta e pente eletrizado com pedaços de papel). O capítulo três, “O mundo que não vemos” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.60-76), ao invés de usar a expressão mundo microscópico faz uso da explicação da mesma, referindo-se a um mundo que não é visto a olho nu. Esse capítulo inicia trazendo a noção de modelos, na perspectiva de construções mentais de forma abrangente, em texto de introdução a modelos científicos. O capítulo três traz a proposta de discutir modelos, em geral, e modelos de partículas, em particular o modelo cinético molecular. O excerto ‘Entre partículas existem espaços vazios’ localiza-se na quarta página desse capítulo. O capítulo quatro, “Natureza elétrica dos materiais,” também traz os modelos como foco, desta vez, aqueles explicativos para fenômenos de eletrização. Os dois capítulos fazem referência aos diversos exemplos da História da Ciência. f) Viajando com segurança O excerto 6 (ANEXO 6) pertence ao capítulo nove do livro do 9º ano e foi selecionado por ter sido apontado pelo Professor Helder de Figueiredo e Paula, como um exemplo de texto no qual se procurou incluir aspectos da linha de pesquisa Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). A unidade do quarto volume, na qual o excerto está inserido, intitula-se “Ciência, Tecnologia e Sobrevivência” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p. 148-207). O título dessa unidade faz uma alusão ao acrônimo CTS (idêntico à linha de pesquisa e abordagem curricular Ciência, Tecnologia e Sociedade), mas atribui significado diferente para a letra S. No caso da linha de pesquisa CTS, a letra S significa sociedade e, no título dessa unidade do volume do nono ano, a mesma letra significa sobrevivência. Essa vinculação sociedade- 64 sobrevivência parece apontar para a necessidade do cidadão atual relacionar elementos da ciência e da tecnologia com questões envolvendo riscos e qualidade de vida no cotidiano das pessoas. Suscita também a discussão acerca de temas como riscos e sustentabilidade associada aos modos de organização e vida social. Os três capítulos 7, 8 e 9 da unidade quatro intitulam-se “Estratégias de defesa dos organismos”, (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.150-164) “Tecnologia e saúde” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.165-182) e “Viajando com segurança” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.183-205). O capítulo sete da unidade faz uso da metáfora dos mecanismos da evolução biológica para dimensionar a capacidade de sobrevivência dos seres vivos, nas formas de proteção desenvolvidas por eles, ao longo do tempo. A questão da proteção parece estar organizada, de forma a servir de base à posterior problematização da necessidade de segurança, no contexto de potenciais riscos e danos causados por aparatos tecnológico-científicos, produtos da sociedade problematizados nos capítulos oito e nove. O capítulo oito vincula ciência e tecnologia à saúde, ao propor, por exemplo, discussões sobre temas, tais como a aplicação/produção de vacinas e antibióticos pelos laboratórios farmacêuticos, a proliferação de aparelhos de alta definição de imagem para diagnósticos de doenças, o uso de técnicas de transplantes e de próteses e das tecnologias de transformação, como a produção de transgênicos, clones e células- tronco. O capítulo nove, no qual o excerto se insere, configura um debate voltado aos procedimentos de segurança no trânsito, no contexto da aprendizagem do conceito científico de velocidade e na relação velocidade/equipamentos de segurança (cintos de segurança, air bags, capacetes) com a qualidade de vida das pessoas. O excerto 6 pode ser caracterizado como o de introdução do capítulo nove, ou seja, aquele que apresenta o que será tratado no capítulo de forma mais ampla. A partir destes esclarecimentos prosseguiremos com a análise da conjuntura na qual procuramos dar destaque às vertentes de pesquisa, especificamente a pesquisa realizada no Brasil, escopo de preocupações dos pesquisadores da Educação em Ciências nos últimos anos. 65 4 A ANÁLISE DA CONJUNTURA A análise da conjuntura desta tese explora relações entre aspectos sociais e históricos da (i) pesquisa em Educação em Ciências; (ii) das políticas educacionais e recomendações curriculares oficiais e (iii) do mercado editorial brasileiro, considerando-os por sua relevância, no contexto das condições de produção do livro didático, nos últimos anos no Brasil. 4.1 A PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS O campo de pesquisa em Educação em Ciências28 vem se estruturando e consolidando desde a década de 1960. Fensham (2004) esclarece que nessa década, os debates, as temáticas e as preocupações, presentes nos primeiros trabalhos desse campo, enfatizavam a experimentação como forma de melhorar o ensino de Ciências (FENSHAM, 2004). De lá para cá, o campo se expandiu, constituindo uma natureza interdisciplinar, integrando contribuições provenientes de áreas como “a própria Ciência, a Psicologia Educacional, a História e Filosofia da Ciência, a Sociologia da Ciência e outros estudos sobre ciência” (CACHAPUZ et al., 2008, p.33). De acordo com Jenkins (2001), é possível distinguir duas tradições de pesquisa como as mais proeminentes nos últimos 30 anos: a pedagógica e a empírica. Segundo esse autor, a tradição pedagógica é aquela que foca no ensino de conteúdos da ciência referência, enquanto a tradição empírica busca entender aspectos próprios da ciência mais voltada a influenciar a situação escolar (JENKINS, 2001). Duit (2007) aponta que uma paridade entre essas duas tradições de pesquisas possibilitaria um progresso maior no entender e aprender ciência. Treagust (2004), ao discutir tendências de pesquisa nesse campo, entende que mesmo com todo o aparente desenvolvimento de currículos para o ensino de ciências e da consolidação e divulgação de pesquisa em Educação em Ciências, 28 Delizoicov, Slongo e Lorenzetti (2007) esclarecem que Cachapuz utiliza o termo “investigação em didática das ciências” e não “pesquisa em Educação em Ciências”, caracterizando formas diferentes de denominar o campo. 66 ainda é necessário aprofundar a relação entre estas práticas sociais. Esse pesquisador também afirma que as investigações no campo da Educação em Ciências reúnem inúmeras discordâncias no nível dos seus fundamentos, não compreendendo paradigma único29, incluindo contribuições provenientes de temas/perspectivas variadas: aprendizagem, ensino, tecnologia educacional, currículo, ambientes de aprendizagem, formação de professores, avaliação e história e filosofia da ciência entre outros (TREAGUST, 2004). Cachapuz et al. (2005) consideram que a pesquisa em Educação em Ciências anterior à década de 1980 ainda se encontrava num período pré-paradigmático, e que, entre os anos 1990 e 2000, configurou-se a virada discursiva pelos aspectos que caracterizaram a pesquisa dessa década (1990), tais como o seu caráter não linear, as frutíferas controvérsias e as orientações teóricas mais aprofundadas. No contexto brasileiro, pesquisadores reconhecem que a pesquisa em Educação em Ciências tem como marca o estudo da prática escolar, embora nem sempre com objetivo de viabilizar estratégias de ensino (MORTIMER, 2002). Esse fato parece estar relacionado à constatação de que discussões teóricas, metodologias e resultados acumulados por essa pesquisa muitas vezes não chegam à sala de aula e, quando chegam, nem sempre são apropriados pelos professores (REZENDE e OSTERMANN, 2005). Delizoicov, Slongo e Lorenzetti (2007) esclarecem que embora haja, no campo da Educação em Ciências, uma preocupação com “o processo de difusão e apropriação do conhecimento científico no âmbito da educação escolar”, ainda é necessário aprofundar relações entre resultados de pesquisas e práticas educativas escolares, o que poderá contribuir para a formulação de novos problemas às investigações. Estes aspectos a que nos referimos retomam o que apontamos na introdução da tese, ou seja, a necessidade de compreender a aplicação dos resultados das investigações pelo viés da mediação e recontextualização em práticas escolares. Somado a isso, a escola interage com o discurso instituído30 e possui a missão de levá-lo a diversos grupos sociais. No Brasil, observa-se nesse campo de conhecimento um amplo 29 Corpo com coerência de conhecimentos (KOPFER, 1983 apud CACHAPUZ et al., 2005). Cardoso (2005) realiza uma discussão sobre o que entende por “sujeito do discurso pedagógico”, que de acordo com os pressupostos de Althusser (1970) é aquele produzido pela escola, considerado importante elemento do aparelho ideológico do Estado. Esses sujeitos aceitam essa sujeição pela instituição escolar e a não ser pela sujeição referida, são sujeitos totalmente desprovidos de liberdade. Nesse sentido, fica caracterizada a impossibilidade de regimes de poder se realinhar pelo entendimento que a estrutura social tem uma dimensão dinâmica, ou seja, os elementos diversos que a compõem estão em estado de tensão permanente (CARDOSO, 2005, p.49-54). 30 67 crescimento, realçado nos inúmeros programas de pós-graduação, banco de teses e dissertações, eventos, simpósios e congressos promovidos pelas diversas universidades, revistas especializadas na divulgação da produção intelectual dos programas de pós-graduação, assim como participações de pesquisadores brasileiros em eventos internacionais. Este crescimento quantitativo é acompanhado de um reconhecimento da qualidade dos trabalhos, bem como da sintonia entre suas temáticas, referenciais e resultados, quando comparados a seus congêneres internacionais. Entretanto, os pesquisadores reconhecem que mesmo com todo o crescimento da produção do campo, este não tem expressado, em igual medida, formas pelas quais os estudos efetivamente influem na comunidade escolar. No item a seguir, contextualizaremos cada uma das vertentes da pesquisa em Educação em Ciências, relevantes na conjuntura do estudo. 4.1.1 As vertentes de pesquisa Existem formas diferenciadas de nomear e referenciar as linhas/vertentes de pesquisa do campo em Educação em Ciências. Em geral, essas se relacionam à tradição de pesquisa que podem ser mais desenvolvidas em certa região de um país, ou divergirem de país para país. Melhor dizendo, embora pertencendo a uma mesma prática social (mesmo campo semântico), a história, a cultura, os investimentos, os grupos de pesquisa contribuem para o estabelecimento das linhas de pesquisa, em suas particularidades. Cachapuz et al. (2008), por exemplo, em um levantamento a partir de revistas acadêmicas europeias, no qual analisam as mudanças e tendências das pesquisas em Educação em Ciências, apresentam uma definição do que entendem por linha de pesquisa. Para esses autores, a linha de pesquisa representa tentativas da comunidade para alcançar mais e melhor conhecimento, com base num conjunto de questões e num dado enquadramento teórico aceite (por vezes cruzamento de vários), procurando evidências, seguindo uma metodologia projetada para responder o mais claramente possível às questões de pesquisa (CACHAPUZ et al., 2008, p. 28). Verifica-se que o artigo mencionado, mesmo que com base nas pesquisas desenvolvidas na Europa, refere-se à conceituação de “linhas de pesquisas”, que não se baseia em uma demarcação de natureza epistemológica, mas em uma 68 definição operacional que destaca temas e focos específicos das pesquisas, ou seja, baseia-se no que “os pesquisadores fazem efetivamente” em seus gabinetes e em grupos de pesquisas, inseridos numa comunidade bem definida, como a da Educação em Ciências (CACHAPUZ et al., 2008, p. 28). Complementando essa observação, acerca da definição de linha de pesquisa e de acordo com o referencial teórico da ACD, questões, objetos, referenciais, pressupostos, resultados de pesquisa de um campo específico de investigação são entendidos como constituindo discursos em circularidade, e, portanto, expressam diferenças quanto à pesquisa realizada fora e dentro do Brasil. Assim, justificamos a opção por não enumerar uma lista de linhas de pesquisa, tal como expressa em uma ou outra publicação, nacional ou internacional e, dessa forma, trabalhar com a noção de vertente, ou seja, um conjunto de ideias que guarda terminologia e referências comuns. Nesse sentido, as vertentes selecionadas para compreender a conjuntura da tese foram aquelas explicitamente apontadas como relevantes pelos autores do livro didático ‘Construindo Consciências’ no contexto de elaboração do texto, servindo como fontes de discursos a serem apreciadas na análise que realizamos, tanto do manual do professor quanto do livro do aluno. São elas: o movimento das concepções alternativas, natureza da ciência e história da ciência, modelo e modelagem, CTS e linguagem, o que não exclui a correspondência de algumas delas às linhas de pesquisa mencionadas em muitos trabalhos de revisão, ou de estado da arte importantes para o campo da Educação em Ciências. Além disso, embora separadas por suas especificidades, há grande afinidade entre essas linhas/vertentes de pesquisas, que dialogam entre si e apresentam aspectos semelhantes no que diz respeito às questões filosóficas e pedagógicas. 4.1.1.1 Movimento das concepções alternativas A vertente do movimento das concepções alternativas (MCA)31 nasce no âmbito das ideias construtivistas sobre ensino e aprendizagem. Contudo, o construtivismo32 31 Os estudos acadêmicos compreendem inúmeras denominações das concepções dos estudantes para interpretar fenômenos das Ciências Naturais, tais como, concepções alternativas, prévias, espontâneas entre outras. Certos autores utilizam concepções prévias, como uma denominação geral para esse corpo de ideias, outros preferem usar a expressão, concepções alternativas para distingui- 69 centrou esforços em estudar as concepções dos estudantes, do ponto de vista de sua origem e do seu desenvolvimento (OSBORNE, 1996). Como já assinalado, o construtivismo tem, para o campo da Educação em Ciências, uma dimensão paradigmática; suas ideias, pressupostos, proposições, métodos geraram inúmeras mudanças repercutindo no ensino. Inúmeros trabalhos dos anos 1980, liderados pelo movimento das concepções alternativas (MCA) consideraram estudar as concepções dos estudantes em relação a diversos conceitos científicos, sendo um dos trabalhos pioneiros sobre o assunto, organizado por três grandes nomes da Educação em Ciências: Rosalind Driver, Edith Guesne e Andrée Thibergen, intitulado “Children’s ideas in science”, em 1985. Segundo Moraes (2000), dois artigos foram seminais para a vertente do MCA, no âmbito dos trabalhos internacionais: o de Novak (1977) e o de Driver e Easley (1978), ambos por ressaltarem a importância das ideias dos estudantes “como sistema complexo de referências e significados sobre os conceitos científicos” no contexto do ensino (MORAES, 2000, p.144). No caso das pesquisas brasileiras, consideramos que as perspectivas ausubelianas sobre a aprendizagem significativa (NOVAK 1997, MOREIRA, 1999, 2000, 2006), o estruturalismo de Piaget e a epistemologia construtivista foram os principais fundamentos teóricos que balizaram as discussões do MCA. Ausubel contribuiu com a discussão acerca do papel dos conhecimentos prévios dos estudantes na aprendizagem de conteúdos formais. Moreira (2010), baseando-se na teoria de aprendizagem significativa de Ausubel, Novak e Hanesian (1980), destaca que o conhecimento prévio é a variável que mais influencia a aprendizagem do estudante. Em suas palavras, sabemos que a aprendizagem significativa caracteriza-se pela interação cognitiva entre o novo conhecimento e o conhecimento prévio. Nesse processo, que é não-literal e não-arbitrário, o novo conhecimento adquire significados para o aprendiz e o conhecimento prévio fica mais rico, mais diferenciado, mais elaborado em termos de significados, e adquire mais estabilidade (MOREIRA, 2010, p.4). las de erros conceituais (SILVA e NÚÑEZ, 2007). Nessa tese, mantivemos as denominações usadas pelos autores citados. 32 A abordagem do construtivismo não representa exatamente uma vertente da pesquisa em Educação em Ciências, mas um conjunto de visões que se faz presente em várias delas. Nesse sentido, o construtivismo será tratado como uma abordagem que constituiu e influenciou as pesquisas e não como uma vertente de investigação propriamente dita. Bastos (2002) esclarece que há muitas acepções de construtivismo como a de Piaget, Vygotsky, Carl Rogers e Paulo Freire, todas elas compreendendo a ideia principal “de construção”, porém contendo uma heterogeneidade de perspectivas teóricas, muitas vezes incomensuráveis. 70 Os estudos baseados em Jean Piaget foram fundamentais na compreensão da construção do conhecimento, principalmente em termos de compreensão das funções e dos processos mentais na constituição do sujeito e do mundo físico. Esses estudos compreendem o que se passou a chamar de ‘construtivismo pedagógico,’ que pode ser caracterizado a partir de ideias de dois grandes pensadores da educação: Piaget e Vygotsky. Piaget apoiava-se numa epistemologia, construtivista e estruturalista da psicologia genética33, na qual o conhecimento é privado ou pessoal, dando ênfase à construção e estruturação do conhecimento no indivíduo (RAMOS, 2000). Os princípios da teoria de Piaget foram aplicados tanto à pesquisa como ao próprio ensino de ciências, constituindo suporte para a identificação e a caracterização dos pensamentos concreto e formal dos estudantes (MORAES, 2000). No Brasil, o trabalho de Piaget, em colaboração com Rolando Garcia (PIAGET e GARCIA, 1987), também teve grande influencia nas pesquisas do campo, principalmente no que diz respeito à relação entre ontogênese e sociogênese, contextualizada por intermédio de exemplos retirados da história da ciência. Na perspectiva do MCA, o foco volta-se para comparações e analogias entre ideias históricas e tendências no raciocínio espontâneo dos estudantes (VILLANI 1990,1992; FILOCRE 1991). A tradição vygotskiana sucedeu à piagetiana como fundamentação das investigações do campo. O construtivismo sociohistórico (também pedagógico), baseado nas ideias de Vygotsky, tem como principal aporte entender a consciência humana como situada social, cultural e historicamente; portanto a ênfase dada é na interação social34. Nesta perspectiva, a linguagem passa a ocupar lugar central, pois, de acordo com Vygotsky, aprendemos no meio cultural e linguístico em que vivemos (MORAES, 2000). A maior contribuição da vertente do MCA, com grande influência sobre a comunidade de pesquisa brasileira, foi aquela que se converteu nos estudos da mudança conceitual. O rótulo de mudança conceitual compreende muitas versões distintas no campo de pesquisa (MORTIMER, 1996, AGUIAR JUNIOR e FILOCRE, 33 O conhecimento está associado ao processo de formação do sujeito na sua relação com o objeto de forma progressiva, dinâmica e diacrônica, com uma estrutura evolutiva (RAMOS, 2000). 34 A escola, nesse caso, atua colocando em movimento processos de desenvolvimento interno desencadeado pela interação do estudante com outras pessoas do seu meio (colegas de sala, professores, pais, entre outros). 71 1997). Apesar de ter se constituído como importante programa de pesquisa na década de 1980, não superou críticas acerca das dificuldades em produzir evidências de sua ocorrência, na identificação de mudança na visão ou no acréscimo de mais uma ideia no repertório do estudante, em situações de aprendizagem de determinado fenômeno científico (AGUIAR JUNIOR e FILOCRE, 1997). No cenário da pesquisa brasileira, novos estudos surgem como alternativa à mudança conceitual, baseados na construção do conhecimento científico por intermédio da investigação do processo de aprendizagem, levando em conta obstáculos epistemológicos a essa aprendizagem. O conceito de perfil conceitual (MORTIMER, 1995,1996), baseado na noção de perfil epistemológico bachelardiano, é uma profícua tentativa de explicar certas características da coexistência de conflito, em perspectivas epistemológicas, associadas às ideias dos estudantes. Alguns pesquisadores entendem que o maior subsídio da vertente do MCA, nos mais diversos países ao redor do mundo, foi o de mostrar um padrão das concepções dos estudantes em relação aos conceitos científicos investigados, respaldado pela totalidade, recursividade das pesquisas produzidas (MORTIMER, 1996). 4.1.1.2 Modelos e modelagem Na Educação em Ciências, o termo modelo aparece com frequência assumindo diversos sentidos, abrangendo muita polissemia (KRAPAS et al., 1997). A noção de modelos mentais (JOHNSON-LAIRD, 1983) surgiu na literatura, em oposição à versão operativa e formal, do funcionamento cognitivo proposto principalmente por Piaget. Para Johnson-Laird (1983), psicólogo cognitivo, as representações mentais, assim como os modelos mentais, são análogos estruturais do mundo tal qual é percebido ou conceituado. O modelo mental, ou representação pessoal interna, tem como característica fundamental a capacidade de ser gerativo, ou seja, visto para além do caráter descritivo, podendo gerar predições e novas ideias (FRANCO e COLINVAUX, 2000). Portanto, as pessoas ao explicarem o mundo físico utilizam modelos, quer dizer, 72 modelos relacionam-se com o conhecimento humano do mundo e como ele funciona. Colinvaux (2004) distingue modelos de modelagem, compreendendo que modelos indicam caminhos e pontes que permitem articular os sistemas teóricos, de alto nível de abstração/generalização, com os sistemas empíricos, multi-variados e sempre específicos; e a modelagem, por sua vez, se refere aos processos de formação e uso dos modelos (COLINVAUX, 2004, p.113). Estudos dessa vertente entendem que o modelo mental não é acessado totalmente, é representado no todo ou em parte e, por isso, denominado de modelo expresso (GILBERT e BOULTER, 1995). A palavra “representação”, nesse caso, é usada no sentido de aspectos visuais, processados na entidade modelada, embora possa abranger outros aspectos (MORRISON e MORGAN, 1999). Modelos expressos (textos, orais, símbolos, desenhos) podem ser trabalhados coletivamente em situações de ensino, especificamente em atividades de modelagem. Portanto, processos de modelagem têm relação com a criação de modelos e, nesta perspectiva, aprender ciências é a capacidade que o estudante tem de articular aspectos teóricos e empíricos envolvendo os fenômenos científicos, compreendendo as relações analógicas do modelo em estudo (DUIT e GLYNN, 1996). Há ainda outras formas de conceituar modelos, por exemplo: modelos mentais e conceituais (consensuais), sendo o modelo conceitual concebido como produto de um processo de modelagem compartilhado por uma comunidade científica, podendo referir-se tanto a um objeto concreto como à representação do mesmo (KRAPAS et al., 1997). Justi e Gilbert (2006) esclarecem que a explicação mais aceita para modelo, entre os pesquisadores, é aquela que o apresenta como a representação de uma ideia, objeto, acontecimento, processo ou sistema, criado com um objetivo específico de aprendizagem (GILBERT, BOULTER e ELMER, 2000). Na Educação em Ciências um aspecto bastante explorado por vários estudos dessa vertente procurou entender a forma pela qual os estudantes elaboram seus modelos mentais/expressos ao estudar determinado fenômeno científico, não havendo, no entanto, o acompanhamento pormenorizado das etapas subsequentes desta construção (NERSESSIAN, 1992; VOSNIADOU, 1994; MOREIRA e GRECA, 1996; MOREIRA, 1997). 73 No Brasil, Franco e Colinvaux (2000), baseando-se no trabalho de Nersessian (1992), passam a dar destaque às analogias no ensino de ciências, não apenas como guias do pensamento para a resolução de problemas (por inferências lógicas), mas considerando-as como trabalho de inferência e geradoras de solução aos problemas das aulas de ciências. Moreira (1997), outro pesquisador brasileiro que aprofundou estudos nessa vertente, considera que essa foi uma tendência nas investigações de alguns pesquisadores, associando o sentido de analogia às suas pesquisas com modelos mentais, ou seja, como uma ferramenta de raciocínio para explicar o fenômeno. No campo da química, Monteiro e Justi (2000) analisaram livros didáticos visando entender a extensão das analogias como bons modelos de ensino. Justi e Gilbert (2006) reconhecem que há no ensino a ideia de que os modelos apresentados por intermédio dos livros didáticos tem uma correspondência com a verdade nas explicações dos professores, por serem análogos aos modelos científicos. No entanto, há duas incorreções nessa visão: a primeira, de que a ciência pode ser entendida como a única resposta para um determinado problema, e a segunda, a de que os modelos de ensino são de fato modelos científicos. A diversidade e a extensão da produção não nos permitem explorar, nesta análise de conjuntura, todos os trabalhos realizados sobre esta temática no Brasil. Não obstante, captura aspectos relevantes desta vertente que possuem ressonância, tanto no trabalho dos professores quanto nos livros didáticos. Os modelos de ensino (pedagógicos) não são idênticos aos modelos da ciência a serem ensinados, embora o modelo de ensino deva resguardar o núcleo conceitual do modelo científico. Mesmo que tenhamos muitos exemplos de modelos mobilizados no ensino de ciências (átomo, célula, ciclo da água), esses nem sempre têm apontadas ou entendidas as limitações da própria natureza desses modelos (FERREIRA, 2006). E, como já referido, embora os modelos da ciência tenham papel fundamental na Educação em Ciências, muitas vezes o foco está na narrativa do professor, na do livro didático, ou ainda no modelo consensual a ser ensinado, o que depende das negociações entre as visões dos estudantes e o conhecimento a ser construído. Pesquisadores consideram que o ideal é o equilíbrio entre as quatro formas de modelos, mental, expresso, consensual e pedagógico em sala de aula, no 74 entendimento do papel, natureza e limitações de cada um deles para professores e estudantes em aulas de ciências (GILBERT e BOULTER, 1998). 4.1.1.3 Natureza da Ciência e História e Filosofia da Ciência Para Harres (2000) o ensino de ciências deveria ter como principal escopo desenvolver nos estudantes um entendimento da natureza da ciência. No entanto, essa finalidade parece ser uma tarefa complexa a atingir, por isso muito problematizada em pesquisas em interseção com a investigação de livros didáticos (MORTIMER, 1988; PIMENTEL,1998; MARQUES e CALUZI, 2003; MARTINS, 2006; BITTENCOURT e PRESTES, 2011) e com as concepções de professores e estudantes (MORTIMER, 1995, TEODORO, 2000). Muitas das noções veiculadas nos livros e ideias de estudantes e professores de ciências representam correntes filosóficas diferenciadas e excludentes entre si. Uma visão comum sobre a natureza da ciência é a baseada numa concepção empirista-indutivista35, na qual o conhecimento científico é entendido como único, verossímil, de validade independente do contexto, e atrelado ao método científico a ser aplicado e definido por algoritmo (HARRES, 2000). Os críticos dessa visão empiricista-indutivista entendem que, ao contrário dessa ideia, a ciência possui uma variedade de métodos e conceitos relacionados às suas práticas, tais como: evidência, controle de variáveis, geração de hipótese, reconhecimento e medição de fontes de erros, distinção entre teorias, parâmetros esses que permitem a distinção entre ciência e pseudociência (OSBORNE, 1996). Os debates que se colocam em relação à natureza da ciência referem-se às concepções realista e relativista, no estatuto dado por essas visões do que representa o real para a ciência. O realismo (não crítico) entende que o mundo é como a ciência o vê e, quando uma teoria é descartada, isso ocorre justamente porque ela não se encaixa no mundo real. A visão realista envolve a noção de verdade, a partir de teorias verdadeiras que descrevem exatamente como o mundo é, ou seja, na correspondência direta entre teoria e real (CHALMERS, 1997). 35 A razão pela qual a “concepção empirista-indutivista parece ter ficado tão profundamente arraigada à investigação científica é que os cientistas a utilizaram como critério de demarcação entre ciência e não ciência. Isto é, ela ensejou a convicção de que o conhecimento científico derivado dos dados da experiência é um conhecimento objetivo e confiável porque é provado” (KÖHNLEIN e PEDUZZI, 2002, p.3). 75 Epistemólogos como Barchelard afastam-se desta visão entendendo que “a ciência não trabalha com o que se pode encontrar no visível”, ao contrário, ela procura através da razão aproximar-se do real (COSTA, 2000, p.85). No que diz respeito à Educação em Ciências, as visões empiristas, idealistas, realistas e relativistas, entre outras, trazem consequências importantes por compreenderem epistemologias, influenciando o currículo nas decisões sobre quais conteúdos ensinar e não ensinar e a respeito das estratégias metodológicas a adotar (HARRES, 2000), vide exemplo, do excerto 1 “Vida de piabas” descrito no corpus. Portanto, a inclusão das perspectivas histórica e filosófica na Educação em Ciências é considerada fundamental por oferecer subsídios à aprendizagem, sobretudo, da natureza da ciência (GIL PÉREZ, 1993; MATTHEWS, 1994). Nos anos 1980, a História da Ciência e a Filosofia (HCF), segundo Matthews (1995), estavam mais afastadas do ensino de ciências do que nos anos 1990, pelo menos no âmbito internacional. No Brasil, as primeiras publicações envolvendo a perspectivas de HCF no ensino são datadas da década de 1980, aproximadamente em 1985, ampliando-se sobremaneira as pesquisas dessa vertente a partir dos anos 2000. No cenário brasileiro, a tradição da HCF, na sua origem, envolveu um conjunto de professionais de diversos campos de pesquisa, tais como, historiadores36, filósofos da ciência e educadores tendo na pesquisa em Ensino da Física as primeiras iniciativas neste sentido. Teixeira, Greca e Freire (2009) consideram que “há uma comunidade relativamente numerosa de pesquisadores trabalhando com uso didático de HFC no Ensino de Ciências” e que, tanto no Brasil, como internacionalmente, há pouca investigação no que diz respeito às intervenções didáticas em aulas de ciências para o alcance dos objetivos de parâmetros apontados pelas pesquisas. Na biologia, o livro Biological Sciences Curriculum Study – BSCS (1983) foi um material curricular que se preocupou com a contextualização histórica da ciência, mas veiculava uma visão empirista da ciência, sobretudo por enfatizar o método científico. Algumas abordagens já foram pensadas por pesquisadores da Educação em Biologia, na perspectiva da História da Ciência, como modelo didático na 36 Embora os historiadores da ciência realizem pesquisas em sua área pura, muitas delas trazem consequências à educação, por isso o aumento do interesse dos historiadores. (PEDUZZI, MARTINS e FERREIRA, 2012) 76 organização de atividades de ensino. Trivelato Junior (1995, p.94), por exemplo, se pautou nas “alterações conceituais que os cientistas experimentaram em épocas passadas como processo de aprendizagem e conflitos” e, portanto, a serem vivenciadas pelos estudantes, contribuindo para a aprendizagem de certo conceito científico. Entretanto, autores como Bizzo (1993) advertem quanto às consequências indevidas de um paralelismo direto entre História da Ciência e ensino, explorando possibilidades e limites dessa contribuição, sobretudo no que diz respeito às demandas conceituais que se colocam para os professores de ciências (BIZZO, 1993; MOREIRA, SALOMÃO e COLINVAUX, 2006). Carvalho e Vannucchi (1996) consideram que a HCF, além de muito ter contribuído para a discussão sobre a mudança conceitual, favoreceu outras dimensões do ensino de ciências. A HCF proporciona aos estudantes “captarem algo dos aspectos intelectuais que estão em jogo nestes assuntos, que vejam que há perguntas a fazer” e que para além das respostas pensem em possíveis respostas e evidências que as respaldem (CARVALHO e VANNUCHI, 1996, p.5). As razões apontadas na citação como aspectos intelectuais referem-se à compreensão da natureza da ciência, tais como os conceitos e teorias da ciência, a superação dos obstáculos e dificuldades dos estudantes em compreender as disciplinas científicas, assim como a concepção de ciência como empreendimento coletivo, histórico, tecnológico, cultural e social (CARVALHO e VANNUCCHI, 1996). Independentemente da narrativa histórica oferecida no ensino, há sempre uma concepção sobre o funcionamento e construção da ciência; portanto, o confronto dos objetivos formativos e epistemológicos buscados é fundamental para entender visões comunicadas por estas narrativas históricas. Forato, Martins e Pietrocola (2012) aprofundam os propósitos do uso da HFC no ensino, articulando-os com os do Letramento Científico, por entenderem a epistemologia da ciência como fundamental ao letramento científico, ao desenvolvimento da capacidade crítica dos estudantes e à compreensão dos processos sócio-históricos da construção do conhecimento científico, entretanto, pesquisas têm apontado desafios e dificuldades – em diferentes esferas –, para se efetivar propostas concretas na sala de aula, tanto na formação de professores das ciências quanto na escola básica. Dentre tais dificuldades estão os problemas e riscos trazidos pelas abordagens anacrônicas sobre os processos de construção das ciências, tais como a pseudo-história, ainda presentes no ambiente escolar e social dos estudantes (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012, p.123) 77 Portanto, Forato, Martins e Pietrocola (2012) identificam certas dificuldades quando há transposição de saberes desta perspectiva para a escola básica. Muitas questões aparecem como desafios, tais como: a negociação entre domínios histórico-epistemológicos, exigências de projetos educacionais nas possibilidades de aplicação em sala de aula, reflexões sobre a natureza da ciência, e principalmente sobre concepções de ciência subjacentes às atividades de ensino. No âmbito das pesquisas brasileiras, há um esforço na menção da ideia da ciência como atividade humana influenciada pelo contexto sociocultural da época e pela utilização de exemplos históricos como fatores extracientíficos, influenciando os conteúdos da ciência a serem ensinados. Parece haver, nessa preocupação, a intenção de afastar o anacronismo presente nas visões históricas, seja pelo uso de fontes primárias da HCF, ou na construção de textos para estudantes, cujo significado dos termos novos é realizado por intermédio de exemplos históricos. De fato, diversas críticas advertem para os perigos de algumas abordagens, que ao optarem por uma reconstrução linear de fatos históricos, em geral, estereotipam atores e simplificam fatos (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012), criando mais problemas do que soluções. O que apontamos parece repercutir na discussão atual sobre a natureza da ciência introduzida por Fensham (2012) em pesquisa recente. Esse pesquisador considera que a ideia da incerteza tem sido recorrentemente difundida pela mídia no tratamento de problemas sociocientíficos. Segundo o autor, a mídia tem mostrado os feitos da ciência, sobretudo os que envolvem questões sociocientíficas, na forma de “conhecimento em competição”, ou seja, constituindo um dilema37. No cotidiano, inúmeros exemplos experimentam o mesmo tratamento, tais como os riscos associados ao uso de telefones celulares, à ingestão de alimentos transgênicos, à influência dos agrotóxicos na saúde humana, ao uso da energia nuclear, entre outros. Para Fensham, houve uma queda generalizada no interesse dos alunos em ciências e matemática nas escolas e na qualidade de matrículas em universidades em cursos voltados para a ciência, especialmente na física. Estudantes que obtém elevados resultados em ciências e matemática escolar têm escolhido cursos não científicos, como o comércio, economia e direito. Essas mudanças na escola e na ciência da universidade influem diretamente na qualidade e na quantidade de estudantes em preparação para o ensino de ciências da escola como uma carreira. Há sintomas que incluem [...] uma 37 Em geral, um dilema é considerado uma situação difícil e apresentada na de escolha entre alternativas contraditórias, antagônicas. <http://www.dicionarioinformal.com.br/dilema/> 78 queda na confiança política e pessoal da autoridade da ciência, e na identificação de questões urgentes da ciência e tecnologia envolvendo a incerteza da ciência (FENSHAM, 2012, p. 7-8, tradução nossa). Segundo Fensham (2012), além de afastar os jovens das profissões científicas, a visão de ciência como incerta compreende dois grandes equívocos. Em primeiro lugar, no domínio científico, as interpretações dadas pelos cientistas para uma mesma questão envolvendo resultados contraditórios não configuram incertezas. O argumento da ciência é o de que o conhecimento produzido por ela não é incerto, mas cético38. O sentido da incerteza é acompanhado de certo relativismo que tolera um pluralismo de ideias e valores. O cético, ao contrário, afasta-se de questões de juízo, ou seja, combate crenças que impregnam os valores. Assim, este primeiro equívoco conduziria a opinião pública a uma descrença na ciência. O segundo equívoco tem a ver com o valor dado para as descobertas científicas em nossa sociedade. Ao serem reduzidas ao status de opiniões ou interpretações sobre um determinado fenômeno, não são identificadas como hipóteses científicas falseáveis (FENSHAM, 2012). De qualquer forma, pelo exposto, há várias justificativas para a inclusão da vertente da Natureza da Ciência e HFC no ensino. 4.1.1.4 Ciência, tecnologia e sociedade A linha de pesquisa Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) tem seu advento no pós-guerra, no contexto da sociedade industrializada, fundando-se nos questionamentos voltados aos aspectos ambientais, tecnológicos, éticos, políticos e de cidadania, todos direcionados às profundas mudanças econômicas e sociais que tiveram início nesta fase da história (SANTOS e MORTIMER, 2002; CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). A escola, instituição tradicional da sociedade, tem socializado, segundo Aikenhead (2005), uma forma específica de pensar e crer na ciência. Este fato parece estar estreitamente relacionado ao endereçamento do conhecimento escolarizado a uma elite social, na medida em que o conhecimento escolar serve a 38 O ceticismo se refere a uma posição crítica à determinada situação, que envolve validade de ideias, sobretudo por meio de evidência empírica (ceticismo científico). Contrapondo-se ao dogmatismo, o ceticismo é uma doutrina que tem como base questionar o que lhe apresentado como verdade (ceticismo filosófico). <http://www.dicionarioinformal.com.br/ceticismo/> 79 uma visão de mundo, atrelada especialmente a uma ciência universitária e a programas de engenharia que buscam formar cientistas. Sob a ótica de uma análise de conjuntura realizada com base em princípios da ACD, esta vertente estaria relacionada às questões de poder pela incorporação do viés da luta hegemônica. Por exemplo, a sequência clássica dos conteúdos de ciências nos currículos e livros didáticos pressupõe tomar certos significados como tácitos e apresentar interesses específicos como gerais (RESENDE e RAMALHO, 2009). Em outras palavras, as escolhas por determinados conteúdos e sequências didáticas nas práticas escolares de ciências, ao se construírem como hegemônicas adquirem caráter universal, ou seja, de que existe apenas uma forma de se ensinar ciências, aspecto também dimensionado na vertente da natureza da ciência. Para a abordagem CTS, no entanto, não existe uma ciência única e, por isso, não há uma única forma de ensinar ciências (AIKENHEAD, 2005). Para autores como Santos (2005), a perspectiva da vertente CTS permite superar visões universalistas e, para atingir esse objetivo, o conhecimento escolarizado deve articular-se preferencialmente com os saberes da população não acadêmica. Esta visão converge para uma concepção em que a ciência deixa de ser exclusividade de um público restrito. Além disso, esclarece que uma vertente que enfatiza articulações entre ciência, tecnologia, sociedade e situações cotidianas permite também o estabelecimento de debates éticos e culturais. Para o autor, as diferentes matrizes de racionalidade (científica, tecnológica, social, cultural), que no cotidiano são inseparáveis, podem estar mais presentes em abordagens de ensino de ciências alinhadas aos pressupostos CTS (SANTOS, 2005). De acordo com a ACD, essas são questões que contribuem para o debate de aspectos tais como os da modernidade recente, descritos no capítulo da abordagem teórico-metodológica. Por exemplo, pela reflexividade é possível expor a ideologia, por intermédio da fragmentação, desconstrução e resistência às ideias naturalizadas. Em geral, argumentos de credibilidade são dependentes das autoconstruções reflexivas, influenciadas pelo mundo cada vez mais tecnologizado/informatizado (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999; RESENDE e RAMALHO, 2009). O movimento CTS, no Brasil, remonta ao início dos anos 1990 e, em parte, sofreu influências de tradições de pesquisa europeias e anglo-americanas (AIKENHEAD, 2003). No entanto, no caso específico da pesquisa brasileira, a 80 filosofia educacional de Paulo Freire tem sido apontada como forma particular de se pensar as abordagens CTS, principalmente por tratar de questões que ligam a ciência à desigualdade social (SANTOS, 2005) a democracia (AULER e DELIZOICOV, 2004), tendo a preocupação em retratar o ensino de ciências como um projeto crítico-emancipatório para a sociedade. Abreu, Fernandes e Martins (2013), em estudo da produção brasileira no âmbito CTS/CTSA entre os anos 1980 e 2008, fizeram levantamento das características específicas desta vertente, no desenvolvimento do pensamento brasileiro no campo da Educação em Ciências. No levantamento realizado, esclarecem que há uma defasagem entre a produção internacional e a nacional. Enquanto na primeira a produção é mais intensa nas décadas de oitenta e noventa, na brasileira a emergência e o crescimento dos artigos, sobre CTS, se dão principalmente a partir do ano de 2001. Nos resultados obtidos, estes pesquisadores também identificam que a produção acadêmica em CTS/CTSA tem se voltado para relatos de pesquisa empírica numa variedade de temáticas e abordagens. Há a confirmação de que o marco teórico que mais contribui para as pesquisas da linha CTS, no Brasil, é o do pensamento humanístico de Paulo Freire, consolidando uma forma crítica de CTS nacional, mesmo com a forte inspiração das investigações brasileiras nas perspectivas teóricas internacionais (ABREU, FERNANDES e MARTINS, 2013). Amaral et al. (2006) consideram importante trabalhar a ciência como atividade humana, como assinalado na perspectiva da HFC, incluindo cenários socioeconômicos e culturais das descobertas científicas, bem como nas suas interrelações com a tecnologia e a sociedade. Santos e Mortimer (2002), analisando os pressupostos teóricos da perspectiva CTS, entendem que, no caso brasileiro, a ênfase está na preparação dos estudantes para o exercício da cidadania e a aquisição do letramento científico, caracterizados por uma abordagem dos conteúdos científicos no seu contexto social. Esta visão é corroborada e expandida pelas análises de Prata (2011) ao considerar que, sobretudo, em contextos contemporâneos, a formação para a cidadania passa a integrar a agenda de vários projetos educacionais brasileiros, projetos esses em que a formação do cidadão assume a posição de finalidade última da educação. Outro aspecto da vertente CTS, fundamental à discussão situada na modernidade recente, é a formação para a cidadania, tanto no que concerne a 81 constituição da identidade individual, como coletiva. Um ensino de ciências pautado na desnaturalização de formas de ensinar, possibilitando a reflexividade e contribuindo para a construção de identidades na diversidade, sobretudo no reconhecimento das diferenças, oferece possibilidade de diálogo mais democrático, necessário às sociedades atuais. O letramento científico tem uma dimensão mais interdisciplinar no que diz respeito às vertentes aqui assinaladas, ou seja, compreende uma série de parâmetros interconectados, advindos de cada uma das vertentes assinaladas e de outras não incluídas nessa discussão. 4.1.1.5 Estudos da linguagem Estudos que associam linguagem e ensino de ciências têm sido cada vez mais frequentes na Educação em Ciências no Brasil. O tema, suas variações, interações em sala de aula, argumentação, análise do conteúdo e do discurso da ciência constituem enquadramentos teóricos da linguagem presentes nos trabalhos no campo da pesquisa em Educação em Ciências, com amplo interesse e crescimento de produção no Brasil. Inicialmente, a análise do discurso (AD) francesa (PECHÊUX 1969; ORLANDI 2001; MAINGENEAU 1994) forneceu as bases teóricas para as primeiras investigações sobre a natureza e as inter-relações entre o discurso científico, o discurso da ciência escolar e compreensão pública da ciência (ALMEIDA, 2003). No que diz respeito às diferenças entre a AD e a ACD, em geral, essas estão relacionadas à concepção de discurso que cada uma das correntes apresenta para o conceito. A AD está vinculada ao materialismo de Althusser (1970), no qual o discurso molda o sujeito no seio dos meios de produção da vida social (ALTHUSSER, 1970). Portanto, para a AD o sujeito é resultado das ideologias que aparelham as instituições. No que diz respeito à ACD, o discurso é entendido como prática social reprodutora ou transformadora da realidade social (ou das realidades). Portanto, o sujeito tanto é moldado como transforma o discurso, configurando a relação dialética entre discurso e realidade social (MELO, 2009). Alguns estudos da linguagem foram desenvolvidos em colaboração entre pesquisadores brasileiros e britânicos, explorando perspectivas anglo-saxônicas 82 para o estudo do discurso, como a Linguística Crítica (KRESS, 1989, FAIRCLOUGH, 1992, 2001), os estudos de multimodalidade (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996), forneceram bases para o desenvolvimento de ferramentas analíticas na construção de explicações na aula de ciências (OGBORN et al., 1996). Podemos citar outras parcerias entre autores brasileiros e britânicos, no contexto dos estudos da linguagem que, com base no sociointeracionismo vygotskiano e em perspectivas bakhtinianas para o estudo da linguagem, foram fundamentais na proposição de ferramentas analíticas para interações discursivas em sala de aula (MORTIMER e SCOTT, 2002; AGUIAR JUNIOR, 1998). Entre muitos aspectos, essa vertente de pesquisa tem contribuído com análises envolvendo dados de linguagem, destacando os movimentos discursivos e trânsitos de significados que se instalam no desenvolvimento de atividades e de interações discursivas em sala de aula. Além disso, a linguagem científica passa a ser considerada em sua natureza sociohistórica, o que implica os seus contextos de produção e circulação (PINHÃO e MARTINS, 2009). Nesses estudos, em geral, há o reconhecimento e a compreensão da importância da dimensão linguística nas dinâmicas de construção de conhecimentos e, também, evidências das tensões que se instalam entre a linguagem cotidiana e a linguagem científica no ensino de ciências. Alguns estudos brasileiros, publicados em periódicos, anais de congressos e encontros do campo de Educação em Ciências, concentraram-se nessas questões anteriormente levantadas e na análise dos conteúdos e abordagens dos livros didáticos, ou seja, em questões referentes à acuidade conceitual e à forma de apresentação dos conteúdos (CASSAB e MARTINS, 2003; FERREIRA e SELLES, 2003; FRACALANZA, 1993). Ainda em relação ao livro didático, Braga e Mortimer (2003), estudando autores de livros por intermédio de seus textos, consideram que estes, ao escreverem um texto, criam o novo, algo que não é mera transposição de sentidos entre textos, e sim um deslocamento de interpretação, ou seja, a interpretação dos discursos em outra forma discursiva, produzindo efeitos de sentidos que lhes são característicos (BRAGA e MORTIMER, 2003). Outros contextos importantes, nos quais as relações entre linguagem e ensino de ciências foram problematizadas na pesquisa brasileira, são os de marco teórico da análise do discurso didático no ensino de ciências (EL-HANI, 2006; MARTINS, 83 2006, 2007) e os de leitura e escrita de textos científicos relacionados à sala de aula (MOREIRA, 2005, ANDRADE e MARTINS, 2006). Os estudos na perspectiva do livro didático têm diversificado a investigação do e sobre o texto, tais como: práticas de leitura (verbal e imagético) do livro didático de ciências (MARTINS e GOUVÊA, 2003); leituras e critérios para escolha do livro por professores de ciências (CASSAB e MARTINS, 2003); influências históricoculturais (SELLES e FERREIRA, 2004); análises de imagens e ilustrações (MARTINS et al., 2003; OTERO e GRECA, 2004, CARNEIRO, 1997; FREITAS et al., 2004); representações do livro presentes nos ideários de professores e pesquisadores e nos currículos oficiais (MEGID NETO e FRACALANZA, 2003); análises dos gêneros discursivos que compõem o livro didático (BRAGA, 2003) e de aspectos retóricos subjacentes ao livro didático (NASCIMENTO, 2003), as visões de ciência veiculadas pelos livros didáticos (QUESADO, 2005); representações do livro presentes nos ideários de professores e pesquisadores e nos currículos oficiais (MEGID NETO e FRACALANZA, 2003); análises dos gêneros discursivos (BRAGA, 2003); análise do caráter multimodal do texto dos livros didáticos (MARQUEZ , IZQUIERDO e ESPINET, 2003), análises que integram aspectos do conteúdo, valores e práticas sociais (CLÉMENT et al.,2005) (MARTINS, 2006, p.120). Especificamente em relação ao livro didático, Martins (2006) entende que estudos do discurso favorecem um conjunto de questões mais abrangentes do papel da linguagem, tanto como obstáculo como facilitadora da ação social (HALLIDAY e MARTIN, 1993). Halliday (1992; 1998), em suas pesquisas, identificou algumas das características do discurso científico-escolar, sugerindo que a chamada linguagem da ciência deve ser vista como resultado da reconstrução (semiótica) da experiência humana. Para Martin e Veel (1998) os livros didáticos de ciências naturais representam, em primeiro plano, o discurso da ciência, ou seja, compartilham códigos linguísticos e semióticos próprios do discurso científico (HALLIDAY, 1992; HALLIDAY e MARTIN, 1993; MARTIN e VEEL, 1998; MARTINS, 2007). Para estes pesquisadores, além das questões de vocabulário (léxicos específicos), o discurso científico é prioritariamente constituído por uma gramática com características próprias tais como: definições integradas, taxonomia técnica, expressões especiais, densidade léxica, ambiguidade sintática, metáfora gramatical e descontinuidade semântica (HALLIDAY e MARTIN, 1993). As dificuldades de legibilidade e de interpretação do texto científico por parte dos estudantes não se devem somente às especificidades gramaticais, léxicas ou sintáticas do texto, fato este que tem muito a dizer da linguagem da ciência contemporânea. Christie (1998) salienta que o que determina o conhecimento da ciência nas escolas não é apenas a lógica interna da disciplina, mas também a 84 lógica da atividade pedagógica (CHRISTIE, 1998). Em outras palavras, “a aprendizagem da ciência envolve contextos da ciência, bem como uma série de valores, atitudes e formas de trabalho”, que são relevantes para as práticas sociais aprovadas e operadas na sociedade (CHRISTIE, 1998, p.152). Essas ideias também levam a caracterizar o ensino de ciências veiculado nos livros didáticos com base em “escolhas feitas dentro de um conjunto de visões possíveis de ensino e aprendizagem, que circulam na prática social do ensino de ciências na escola” (MARTINS, 2007, p.111). Na aprendizagem de ciências, a dimensão estrutural coloca em primeiro plano algumas possibilidades para a organização do currículo, enquanto outras permanecem ocultas. Por exemplo, no Brasil, é possível identificar ideias sobre o papel da experimentação e da História da Ciência como relacionada tanto com a América do Norte e Europa, a partir dos materiais curriculares de ensino de desenvolvimento de projetos (por exemplo, PSSC, BSCS, ChemStudy, Nuffield etc.) (KRASILCHICK, 1987). Isso nos leva a perceber os livros didáticos como instrumentos que respondem a exigências da sociedade e não como componentes inquestionáveis, na observância da consolidação de modelo hegemônico de conteúdos em coleções diferentes (AGUIAR JUNIOR, 2004). Há também nas escolhas vinculações com o mercado nas práticas de produção editorial, a serem comentadas mais adiante, expressando uma relação de “decisão” muito comum nas práticas sociais contemporâneas, textualmente mediadas. 4.2 INFLUÊNCIAS DE OUTROS SEGMENTOS SOCIAIS NO BRASIL As pesquisas em Educação em Ciências são incorporadas aos livros didáticos, assim como esse material recebe outras influências de diversos segmentos sociais, entre elas, as políticas educacionais, a atuação das editoras e autores de livro didático (FRACALANZA e MEGID NETO, 2006). Em geral, o elevado grau de investimento intelectual e financeiro das políticas educacionais expressam expectativas, centralidade, legibilidade e controle do poder expressando o que pode ou, não pode ser “ensinado” em ciências por intermédio do livro didático. Em termos bernsteinianos, podemos caracterizar o livro didático como um aparelho pedagógico 85 no qual estão presentes mecanismos simbólicos de controle pedagógico (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). Dessa forma, entendemos que esses aspectos fazem parte das condições de produção do discurso do livro didático e, portanto, devem ser compreendidos como parte do discurso da pesquisa em Educação em Ciências. O que chamamos atenção nestas considerações diz respeito à rede de discursos pela qual uma ideia da pesquisa vai sendo incorporada ao discurso oficial (PNLD e Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN) do livro didático, do professor em sala de aula, e do mercado editorial. 4.2.1 Políticas educacionais e recomendações curriculares oficiais O controle exercido pelo Estado sobre o sistema educacional não se dá apenas via definição das políticas curriculares, mas também pelos índices de avaliação e distribuição de livros didáticos, entre outras modalidades. Há alguns anos, e como atestam alguns documentos oficiais, o Estado passou a ser um comprador dessas obras didáticas para estudantes (BITTENCOURT, 2010). Os programas governamentais de regulamentação, avaliação, produção, distribuição do livro didático que vêm se sucedendo através dos anos resultam em políticas educacionais de inegável interferência sobre o sistema educacional e, por consequência direta, sobre o livro didático (BITTENCOURT, 2010). Essa é uma interferência que, segundo a autora, se remete à legislação de 1827 na qual, o material educativo, especificamente o livro didático, passa a ser objeto de interesse político. Assim, as leis e programas de avaliação que organizam e interferem no currículo, definindo disciplinas e matérias a serem ensinadas, trazem inúmeras restrições ao texto, caracterizando o controle do Estado na esfera da circulação do livro didático. Segundo Torres (2007), tanto as políticas educacionais, de um modo geral, quanto o PNLD, refletem orientações do Banco Mundial (BM) em associação às do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), que nos últimos anos vêm ocupando o espaço que antes pertencia a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em assuntos concernentes à educação. Torres (2007, p.126) esclarece que o BIRD tem interesse, sobretudo, na 86 qualidade da escola básica e, para isso, estabelece uma lista de nove prioridades escolares em relação aos insumos a ela direcionada. Nessa lista de prioridades, o livro didático39 ocupa o quarto lugar, ficando atrás apenas dos itens: biblioteca, tempo de instrução e tarefa de casa (FRACALANZA e MEGID NETO, 2006; TORRES, 2007). Essa questão é importante quando dimensionamos o projeto educacional dessas agências fomentadoras, que ao conferir prioridade ao livro didático, em detrimento aos outros aspectos, tais como o da formação/qualificação do professor, parece promover um projeto de sociedade que vai ao encontro dos ideais neoliberais focados “nos mecanismos de produção, de formação para o trabalho e de promoção à adequação social” (PINHÃO e MARTINS, 2012, p.346). Em contextos recentes, em 1985, o programa do Livro Didático passa a ser chamado PNLD em todo o território nacional, e a primeira avaliação do conteúdo de ciências (1ª a 4ª séries), na forma de guias de livros recomendados, foi publicada em 1997. Nessa fase, o principal mote das avaliações focalizava os erros conceituais dessas publicações, o que levou a uma série de modificações, necessárias e apontadas em pesquisas acadêmicas, como assinalado na vertente da linguagem (BIZZO,1996, PIMENTEL, 2006). Após a década de 1997, a produção da pesquisa em Educação em Ciências deu uma guinada, incluindo questões de saúde e educação ambiental, voltadas ao ensino de ciências, o que, de certa forma, interferiu nas políticas educacionais (PINHÃO e MARTINS, 2010) e consequentemente nos materiais educativos, foco dessas políticas. No que diz respeito às pesquisas em Educação em Ciências, várias de suas vertentes têm sido representadas nas políticas educacionais, como exemplo, destacamos os discursos CTS. Estas inserções, que contribuem na caracterização de pluralidade metodológica e variedade legítima de abordagens de ensino ciências, são identificadas no texto do edital do PNLD para 2014, como na seguinte recomendação: o estudante deve ser direcionado para a investigação de fenômenos e temas que evidenciem a utilidade da ciência para o bem estar social e para a formação social dos cidadãos aptos a responder aos questionamentos com que frequentemente nos defrontamos. Assim, deve valorizar temas e 39 Para o Banco Mundial, livros didáticos são expressões operativas do currículo e compensam os baixos níveis de formação docente. A recomendação é de que a produção e, distribuição desses livros seja feita pelo setor privado além da capacitação e elaboração de guias didáticos para professores (FRANCALANZA e MEGID NETO, 2006). 87 práticas contextualizadas, próximas da realidade e do dia a dia dos alunos, favorecendo a compreensão de como a ciência e a tecnologia são produzidas e afetam nossa sociedade. (BRASIL, 2014, p.53). Nesta recomendação há o pedido expresso para a contextualização do conteúdo de ciências na vida diária dos estudantes, pelo estabelecimento de relações entre ciência, tecnologia e as experiências cotidianas. Este é um exemplo de discurso híbrido, envolvendo a interconexão entre recomendações oficiais e discursos CTS, claramente relacionado à educação para a cidadania. No bojo desde movimento, entendemos que as recentes avaliações do PNLD têm se mostrado positivas em relação às coleções de pesquisadores em ensino de ciências, no qual muitos dos avaliadores já tiveram ou têm inserção na pesquisa desse campo. Uma análise dos textos do catálogo do PNLD 2011 (à época da redação deste texto, o penúltimo produzido para séries finais do Ensino Fundamental) revela a valorização de algumas ideias e conceitos explorados na pesquisa acadêmica por meio de sua inclusão como parâmetros de avaliação. Na seção “abordagem pedagógica”, o documento esclarece que dá importância à utilização do conhecimento prévio dos alunos no encaminhamento das atividades e como os diferentes conteúdos podem ser trabalhados para permitir ao aluno o desenvolvimento das habilidades necessárias à compreensão da Ciência” (BRASIL, 2011, p.13). Esse trecho enfatiza a importância do conhecimento prévio no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, tema bem explorado pela vertente do MCA na comunidade de pesquisa em Educação em Ciências. Na década de 2005, a exemplo do que já ocorria no Ensino Fundamental, a avaliação passa a ser realizada no Ensino Médio, sendo que os livros contemplados pelo programa, nessa fase, foram apenas os de Português e Matemática. O livro de Biologia só entrou no programa em 2007 e o de Química em 2008, portanto, há relativamente cinco anos atrás. De forma análoga, ao exemplo que trouxemos retirado do PNLD 2011, na ficha de avaliação do Guia Didático do PNLD 2012 para a disciplina de química, especificamente no bloco três “Abordagem teórico– metodológica e proposta didático-pedagógica,” identificamos no item 3.6 a seguinte formulação: “a obra apresenta discussões entre ciência, tecnologia e sociedade, criando condições para que os jovens entrem em contato com a cultura científica atual” (PNLD QUÍMICA, 2012, p.15), chamando atenção para a dimensão CTS do ensino da química. 88 Os PCN, criados nos anos 1996 no âmbito das políticas educacionais de Ciências, são fundamentais como instrumentos de controle curricular. Pino, Ostermann e Moreira (2004), discutindo as concepções epistemológicas veiculadas aos PCN específicos para a área de Ciências Naturais reconhecem a falta de comprometimento desse documento oficial com a pesquisa no campo da Educação em Ciências. Para esses autores, os PCN apresentam a ciência de forma acrítica, podendo muitas vezes reforçar a “ideia de que a maneira certa de se fazer ciência segue um programa empirista-indutivista”, e, ao contrário, o que o documento oficial deveria apresentar seria uma explícita rejeição a essa concepção de ciência (PINO, OSTERMANN, MOREIRA, 2004, p.13). Barcelos e Martins (2011) consideram que estudar os livros didáticos na perspectiva de suas transformações contribui para o entendimento da história da educação, para a sua relação com as políticas educacionais e a correlata prática escolar. Portanto, se por um lado temos o discurso da pesquisa em Educação em Ciências articulado com alguns documentos, temos também aqueles que nem sempre se articulam com novos discursos e problematizações desse campo de pesquisa. 4.2.2 Produção e mercado editorial Mesmo com um percurso que se caracteriza pela ampla interferência do Estado no sistema educacional, editoras têm igualmente atuado influenciando o livro didático na esfera social, desde o século XIX. Atualmente, as disputas entre as editoras nacionais e internacionais, em relação às dimensões regulamentadoras colocadas para o livro didático, têm crescido a partir dos PNLD. Especificamente, no Brasil, Choppin (2004) chama atenção para o lugar ocupado pelo livro didático no mercado editorial, que no início do século XX já representava dois terços da produção nacional e no ano de 1996 aproximadamente 61% (CHOPPIN, 2004). Gatti Junior (2000) esclarece que na França, as editoras, neste mesmo ano e nicho de mercado, concentraram aproximadamente 20% do negócio editorial e que as editoras norte-americanas, em 1980, concentravam 25% dos seus negócios no ramo dos livros escolares, o que, em valores absolutos, alcançou 1,5 bilhões de dólares. No Brasil, além da 89 estabilidade do mercado envolvendo o livro didático, esse percentual muito alto na sua produção é um diferencial se comparado a outros países. Aguiar Junior (2004) assinala que, (...) entre 1994 e 2004, o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) adquiriu, para utilização nos anos letivos de 1995 a 2005, 1,026 bilhão de unidades de livros distribuídos entre alunos matriculados do sistema público do Ensino Fundamental tendo investido, nesse período, R$ 3,7 bilhões (AGUIAR JUNIOR, 2004, p.2). Certas editoras, atraídas pelo lucro da produção de obras didáticas, especializaram-se nesse tipo de produto. A maior razão é justamente por constituir um mercado que, a princípio, não sofre nenhuma redução de consumo e distribuição pela constante presença de um comprador, o Estado (BITTENCOURT, 2010). Somado a isso, o caráter compulsório do livro garante a sua reimpressão contínua. Portanto, a única pressão a qual editoras estão submetidas parece proceder do seu comprador principal, o Estado (FRACALANZA e NETO, 2006). E, reforçando resultados já apontados por pesquisas educacionais, as editoras, acabam por definir os parâmetros do que pode e não pode estar presente nesses livros. Atualmente, por exemplo, levando em consideração as tendências colocadas no mercado de escolas mais conservadoras e outras exigindo mudanças, essas editoras estão produzindo obras de uma mesma disciplina voltadas a públicos diferenciados. Além disso, cada vez mais identificamos um endereçamento do livro didático às exigências do PNLD que, como dissemos, afina-se em muitos aspectos às questões trazidas do campo da pesquisa em Educação em Ciências. No que se referem às escolhas dos autores, as editoras realizam uma primeira seleção através de projetos encaminhados a elas, embora muitas vezes parta da própria editora o convite para que profissionais exerçam a tarefa de autores de livros didáticos muito de acordo com o perfil encontrado. Além dessa escolha, existe a escolha que o governo faz entre editoras que submetem livros ao PNLD e que atualmente concentram-se em quatro grupos empresariais, a saber: FTD, Abril Educação, Santillana e Saraiva40. 40 Disponível em: <http://www.observatoriodaeducacao.org.br/>. 90 5 A ANÁLISE TEXTUAL Neste capítulo apresentamos a análise do manual do professor (assessoria pedagógica) e do livro do aluno da coleção didática “Construindo Consciências”. Começamos pelo manual do professor por se tratar de texto que pode nos dar a ideia global das concepções de ensino e aprendizagem, pressuposições, aportes teóricos dos autores do livro didático de ciências. Posteriormente, discutimos a relação entre as pesquisas em Educação em Ciências e os excertos selecionados do livro do aluno. Importante salientar que a análise textual realizada procura dar ênfase à identificação e discussão das relações intertextuais dos discursos recontextualizados nos excertos selecionados da coleção didática e dos interdiscursos, buscando quais e como aspectos relacionados à pesquisa (temas, resultados, metodologias etc.) são incorporados ao texto. 5.1 A ASSESSORIA PEDAGÓGICA O texto da Assessoria Pedagógica é composto, tanto por referências aos pesquisadores do campo da Educação em Ciências, em enunciados na forma de citações, paráfrases e pressuposições, como por interdiscursos que aludem à pesquisa e outras influências sociais em rede de discursos. É um texto com extensão de 92 páginas, com subdivisões e seções descritas no capítulo do corpus, que variam de conteúdo de volume a volume, de acordo com o ano escolar. As análises, como já mencionamos, focaram somente o texto em comum para os quatro volumes (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.5-24), especialmente os textos que, de alguma forma, nos ajudam a entender a relação da pesquisa com o ensino. 5.1.1 Interdiscurso no texto da Assessoria Pedagógica A primeira observação, no que diz respeito a interdiscursos, tem a ver com o título e com a posição ocupada pelo texto do manual do professor no próprio livro 91 didático. Afirmamos, na análise da conjuntura, que o livro didático compreende um conjunto de discursos internalizados e que tradicionalmente circulam nos documentos das políticas educacionais, tais como os do PNLD, PCN, entre outros, sofrendo influências dos ditames das editoras, em processos mediados pela autoria. Por isso, levando em consideração esses aspectos, iniciamos a análise textual com questões relacionadas ao discurso institucional, marcado por movimentos de inclusão de elementos novos e da manutenção de outros, próprios do discurso do livro didático. Em seguida, apresentamos os interdiscursos presentes no manual do professor que se relacionam com tipos de discurso da pesquisa em Educação em Ciências e elementos no texto do livro didático. 5.1.1.1 Um discurso institucional na assessoria pedagógica Nessa coleção o nome dado ao manual do professor é o de ‘assessoria pedagógica’, que inclui uma escolha lexical a ser analisada. Em geral, essa parte dos livros didáticos pode ser chamada de manual do professor, orientações para o professor, entre outras designações. Não sabemos se intencionalmente ou não, a denominação para o manual do professor coincide com a de outros livros didáticos comercializados pela mesma editora. Usualmente, os títulos são componentes especiais de um livro, revista, artigo entre outros. A posição que ocupam no texto e a função de sintetizar o argumento, as ideias, o objeto principal do texto adiantam para o leitor o que será lido, buscando atrai-lo e levá-lo à leitura. A denominação assessoria pedagógica, entre outros sentidos, nos remete ao seu significado originário do latim, assessore, que significa aquele(a) que auxilia um cargo superior por intermédio de suas funções, correspondendo, também, ao sinônimo de adjunto(a). Em geral, a função de assessoria pedagógica nas escolas brasileiras é diferente daquela exercida pelo(a) professor(a), exigindo algum tipo de pós-graduação ou especialidade. No entanto, essa é uma função praticamente extinta na escola, o que pode demonstrar a falta de interesse neste cargo/função, dando a ideia de ineficácia da ocupação profissional. O fato é que o manual do professor, sendo chamado de assessoria pedagógica, nos remete a essa função e a seu papel no contexto escolar estando 92 fundamentalmente relacionado à ação de trazer propostas e concepções de atividades endereçadas à sala de aula. Assim, se, por um lado, o texto da assessoria pedagógica justifica as escolhas das atividades sugeridas pelos autores baseadas nas pesquisas em Educação em Ciências, por outro, pode contribuir para um apagamento do discurso do professor. Um primeiro aspecto, diz respeito à autonomia do professor, ou seja, à real necessidade do professor de ciências utilizar uma assessoria pedagógica. Se pensarmos na história do papel do livro didático e no aumento de sua importância no contexto das críticas à formação do professor, a escolha pela denominação pode indicar uma postura, por parte das editoras, no sentido de suprir déficits ou lacunas na formação destes profissionais. Quer dizer, a assessoria reflete um conjunto de expectativas das editoras, das políticas oficiais, das pesquisas em ensino, da prática pedagógica nas demandas por melhorias/renovações/inovações do ensino operado nas escolas. Portanto, podemos pensar o assessor(a) identificado(a) como um(a) agente que sugere mudanças no “que fazer” e “como fazer” em sala de aula. Entretanto, como sugerem Amaral et al. (2006), esta tarefa não se esgota no papel do assessor, pois quanto mais o livro didático de ciências distanciar-se das práticas tradicionais de veiculador de conhecimentos prontos e acabados, mais relevante é o papel do(a) professor(a) e, portanto, do livro a ele endereçado (manual do professor). Outro aspecto relevante relaciona-se com a proposta do livro que, por apresentar ordenamentos e estratégias de ensino diferenciadas, requer maior mediação por parte dos autores com os docentes. Essas questões que identificamos relacionam-se à prática da assessoria na sua interação com os profissionais da escola que, em geral, se dá numa única direção (livro para professor), caracterizando a separação espaço-tempo, aspecto preponderante das relações na modernidade recente. Mesmo assim, consideramos que essa forma de denominar o manual do professor configura uma maior aproximação entre a concepção da obra por parte dos autores e o professor. Estas e outras questões contribuem para o debate instaurado na modernidade recente, recorrentemente apontado pela ACD, ou seja, a apreensão em relação à naturalização das situações das dinâmicas sociais. As questões de poder dependem da relação de confiança depositada, por exemplo, em livros didáticos e seus textos, na estabilidade de seus conteúdos, nos níveis de 93 organização desse aparato, de significantes e significados que constituem o texto. Em suma, a forma de denominar o manual do professor pode ser vista como mais um exemplo do impacto das instituições modernas na sociedade, provocada pelo deslocamento/desencaixe “das relações sociais dos contextos locais e a sua rearticulação através de partes indeterminadas de espaço-tempo” (GIDDENS, 2002). 5.1.1.2 O discurso do movimento das concepções alternativas, história e filosofia da ciência e modelagem no ensino de ciências Para Fairclough (2001), é possível identificar os elementos que compõem as ordens do discurso articulados nos tipos de discurso. Por exemplo, o vocabulário particular nos remete a certos discursos. Identificamos na assessoria pedagógica o “discurso da abordagem do construtivismo pedagógico e da vertente do MCA,” tanto pelo emprego de expressões tais como “sujeito do processo ensino-aprendizagem”, “ideias prévias”, “conflito”, “obstáculos à aprendizagem,” bem como pela referência ao caráter histórico do desenvolvimento do conhecimento científico (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.5). Há nesse livro uma seção específica, intitulada “Trocando ideias,” que tem como objetivo “explicitar e organizar os conhecimentos prévios dos estudantes” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.19). A retórica da organização do texto e a proposta de atividade (social) que o texto coloca para o leitor, entre outros aspectos, indicam ênfase e importância sendo atribuídas às abordagens pedagógicas que valorizam as ideias dos estudantes como relevantes para a aprendizagem e como merecedoras de explicação (isto é, possuidoras de uma lógica, coerência passível de inteligibilidade). Valorizam também sua articulação com as ideias escolarizadas, de forma menos assimétrica do que em pedagogias não construtivistas, que consideram o aluno como tábula rasa e o conhecimento como algo que pode ser transmitido. Outra dimensão importante identificada no texto diz respeito a diferenciação evidenciada entre racionalidade científica e conhecimento comum ou de opinião, realçada na preocupação dada à ciência, com os seus pressupostos epistemológicos. Essa diferença foi observada na distinção entre linguagens e suas características semânticas, tanto na assessoria pedagógica, como nos exemplos do 94 livro do aluno que apresentaremos. Como se lê em trecho da assessoria pedagógica, Ao procurar estabelecer relações entre as ideias prévias dos estudantes e os conhecimentos científicos, consideramos as inúmeras diferenças entre esses dois sistemas de conhecimento (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.5). É possível identificar nessa formulação a sugestão de valor epistemológico diferenciado para as ideias dos estudantes, salientando a sua dimensão pedagógica no texto. No livro do aluno, encontramos as diferenças entre os dois sistemas de conhecimento, exemplificadas quando os autores discutem aspectos da linguagem do senso comum e da linguagem da ciência, como no trecho a seguir: Alguns estudantes acreditam, erroneamente, que os átomos de chumbo são densos, que as partículas que constituem o permanganato de potássio (um sólido cor roxa) são roxas e que, quando um se funde barra de ferro, os átomos de ferro também se fundem. Preste atenção! Todas essas conclusões estão erradas As partículas (sejam elas átomos ou moléculas) não têm as propriedades da substância à qual elas pertencem (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9 º ano, p.62). Por exemplo, a ideia de “densidade” e “cor” como propriedades específicas da matéria (átomos de chumbo são densos, partículas de permanganato de potássio são roxas e átomos de ferro como capazes de fusão), representada discursivamente dessa forma, é decorrente de resultados de investigação das concepções dos estudantes sobre os componentes da matéria, sua estrutura e propriedades (MORTIMER, 1994; CHASSOT, 1996, GARNETT, GARNETT e HACKLING, 1995), bem explorados na literatura como obstáculos à aprendizagem. Evidenciamos também o uso de diferentes recursos linguísticos (comparação, analogia, metonímia) nas explicações de conceitos científicos, para além das formas tradicionalmente caracterizadas pela metáfora gramatical e por conjuntos de nominalizações. Um exemplo de analogia está no texto denominado “os materiais são formados de um grande número de pequeníssimas partículas,” que aparece no livro antecedendo o excerto 5 (“Entre partículas existem espaços vazios”). Ali identificamos uma abordagem que salienta esses recursos discursivos (analogia) para o ensino das estruturas moleculares, por intermédio de construções feitas por peças de plástico interligadas, tal como no enunciado “os átomos são como peças de um joguinho de montar que formam peças maiores” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.62). Nesse caso, estruturas e blocos de construção são comparados a moléculas e átomos, em referência visual a um 95 brinquedo para crianças, bastante conhecido, de forma a facilitar a compreensão das estruturas abstratas pelos estudantes, além de explicar que algumas das propriedades observadas em objetos feitos de certos átomos, como a densidade, referem-se à estrutura molecular e não ao próprio átomo (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.62). Em geral, a analogia ajuda a criar um modelo que tanto caracteriza partes constituintes da matéria como também sugere algo sobre a dinâmica da interação entre elas (blocos como átomos e pinos como ligações). Notamos também a hibridização de diferentes formas de comunicar ciência, por intermédio da variação de gêneros textuais proposta na assessoria pedagógica, no contexto de referências a textos argumentativos, descritivos, relatos de experimentos, entrevistas, narrativas, produções literárias e artísticas entre outros (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica). 5.1.2 Intertextualidade na assessoria pedagógica A manifestação de outros textos na assessoria pedagógica foi analisada em duas etapas. A primeira diz respeito à menção de nomes de pesquisadores no texto e a segunda, à representação do discurso de pesquisadores na forma de citações ou paráfrases. 5.1.2.1 Os pesquisadores e as ideias da pesquisa em Educação em Ciências Nessa seção, procuramos caracterizar, por intermédio dos intertextos, as ideias da pesquisa em Educação em Ciências, identificadas as referências a autores e pesquisadores estrangeiros e brasileiros. Entre os autores internacionais citados, identificamos dois grupos. Há aqueles que são mundialmente conhecidos pelo trabalho em áreas diferentes da Educação em Ciências, tais como literatura, filosofia e psicologia cognitiva. São eles: Bruner, Bachelard, Tolstoi e Vygotsky,além de outros nomes de experientes pesquisadores em Educação em Ciências, como: Peter Fensham, Robin Millar, Jonathan Osborne, cuja contribuição remonta à fase em que várias das linhas e vertentes do campo se constituíram e, sistematicamente, foram retratados na origem, história, pressupostos, questões e epistemologia da pesquisa de campo. 96 No caso dos pesquisadores brasileiros, um fato que destacamos é a referência aos pesquisadores do estado de Minas Gerais, mais especificamente de Belo Horizonte, cidade na qual a maioria dos autores reside e onde se situa a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Esse fato parece convergir para as vertentes de pesquisa selecionadas. De fato, alguns dos pesquisadores citados na assessoria pedagógica são os próprios autores do livro didático, por exemplo, Lima e Paula. Há nas referências aos pesquisadores uma costura toda própria que está presente nas concepções de ensino e aprendizagem de ciências que o grupo de autores deposita no texto do livro didático e que é realizada discursivamente por meio de citações, paráfrases e pressuposições presentes na assessoria pedagógica. O Quadro 6 apresentado a seguir mostra intertextos associados a enunciados de pesquisadores, e o tipo de estratégia discursiva usada pelos autores para inseri-los no texto. 5.1.2.2 A concepção da obra na assessoria pedagógica Há múltiplas maneiras de articulação intertextual e, em todas elas, aqueles que produzem o texto escolhem “quais vozes terão ou não destaque, o que pode ser utilizado estrategicamente na direção dos discursos que se pretende sustentar” (SANTOS e RESENDE, 2012, p.156). Por isso, Fairclough (2003, p. 55) aponta que “a intertextualidade é inevitavelmente seletiva em relação ao que é incluído e ao que é excluído dos eventos e textos representados”. Encontramos onze referências à pesquisa em Educação em Ciências nas primeiras vinte quatro páginas do texto (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.1-24). De forma geral, todas elas incluem exemplos de intertextualidade explícita por terem mencionado a fonte do intertexto, por intermédio do nome do autor ou autores. Entretanto, a diferença entre elas está na forma como o fragmento articula-se ao texto, quais os enunciadores, incluindo ou não as vozes dos autores, no destaque dado ao argumento, entre outros aspectos identificados no texto. Referências podem ser atribuídas a outros enunciadores e retomadas por adesão, discordância, contestação, pressuposição, nos intertextos (KOCH, BENTES e CAVALCANTE, 2008). Quadro 6: Intertexto, pesquisador e estratégia discursiva da assessoria pedagógica INTERTEXTO PESQUISADOR Aprender ciências implica, em larga medida, aprender a se comunicar com linguagens científicas. A definição é o momento de síntese, de compreensão sintética, acabada e formal. Ao investigar a construção dos conceitos, Vygotsky afirma que o ensino direto de conceitos é impossível e infrutífero: Quando ela [a criança] ouve ou lê uma palavra desconhecida numa frase, de resto compreensível, e a lê em outra frase, começa a ter uma ideia vaga de um novo conceito: mais cedo ou mais tarde, ela [a criança] [...] sentirá a necessidade de usar essa palavra- e uma vez que a tenha usado a palavra e o conceito lhe pertencem [...] Mas transmitir deliberadamente novos conceitos ao aluno [...] é, estou convencido, tão impossível e inútil quanto ensinar uma criança a andar apenas por meio das leis do equilíbrio. Ao questionar os professores de Ciências sobre seus principais objetivos, Lemke (2002) relata que sempre se depara com respostas tais como: “contribuir para que os alunos compreendam os conceitos básicos da Física, da Química e da Biologia”. A objeção deste autor a essa declaração, com a qual concordamos, é que os termos “compreender” e “conceitos” impõem graves e desnecessárias limitações às diversas contribuições que a Educação em Ciências pode apresentar para a formação dos estudantes. Exigem divergências entre os filósofos, historiadores e sociólogos que se perguntam sobre o que constitui a natureza da atividade científica. Para além dessas divergências, existe razoável consenso entre os especialistas que se ocupam da educação em Ciências acerca de quais reflexões sobre esse tema devem ser desenvolvidas no Ensino fundamental. Os conceitos de materiais e transformações funcionam como estruturadores do pensamento químico, aos quais é possível remeter quase todos os conceitos químicos abordados no Ensino Médio e Fundamental. A esses dois conceitos ligam-se diretamente os conceitos de substância e de reação química que, interrelacionados, podem funcionar como aglutinadores lógicos para todos os demais conceitos químicos. O estudo dos modelos atômicos desconectados do estudo dos fenômenos conduz a uma falsa compreensão dos conceitos químicos. É comum, por exemplo, que os estudantes concluintes da educação básica confundam os conceitos de átomos e moléculas e não entendam sua relação com os elementos químicos e compostos. Mesmo os estudantes capazes de usar estes termos com relativa facilidade atribuem a eles significados que estão distantes dos atribuídos pela Química.(...) Por essa razão, nossa opção nesta obra foi pela introdução ao estudo do átomo com parcimônia, no livro do 9º ano. Como nos diz Bachelard (1993) o conhecimento científico sempre nasce de uma pergunta. Compondo produções artísticas, textos argumentativos, relatos de experimentos e textos descritivos, a diversidade dos gêneros textuais se completa com o uso de textos narrativos. Bruner (2002) reúne evidências de que a narrativa é a forma de organização textual mais elementar que estrutura o pensamento humano. Os seres humanos aprendem narrando, muito embora os textos científicos se orientem por um gênero discursivo no qual os sujeitos não têm lugar. Mortimer (2000) Lima e Silva (2005) ESTRATÉGIA DISCURSIVA Paráfrase Paráfrase Vygotsky (1971) Paráfrase 7 Tolstoi (1903) apud Vygotsky (1991) Citação 7 Lemke (2002) Citação/Paráfrase 7 Millar and Osborne (1998); Osborne et al. (2003) and Paula (2004a) Pressuposição 9 Gomes (1998) Citação 12 Fensham (1994) Paráfrase 12 Bachelard (1993) Paráfrase 19 Bruner (2002) Paráfrase 23 Lima (2005) Paráfrase 23 PÁG. 6 6 98 a) O que foi citado Citações ou representações diretas do discurso, que reproduzem exatamente a voz do pesquisador citado, foram menos frequentes com três ocorrências em onze casos. O Quadro 6 mostra que, embora tratem de problemáticas diferentes da pesquisa em Educação em Ciências, existe um sentido que as reúne, pois todas elas se voltam para a questão de como se dá a aprendizagem de ciências pelos estudantes. Na citação de Tolstoi e Vygotsky é estabelecida uma relação entre construção do conhecimento, aprendizagem e apropriação de conceitos (ideia do pertencimento). A citação de Gomes (1998), ainda relacionada à aprendizagem, afasta-se do sentido mais amplo de aprendizagem e diz respeito à aprendizagem específica da química. Esta citação sugere um sentido de aprendizagem organizada a partir de ideias estruturadoras (aglutinadores lógicos) da química, fundamentais para aprendizagem dessa disciplina ao longo da escolaridade dos estudantes. As ideias estruturadoras foram muito estudadas, por exemplo, na pesquisa acerca dos chamados modelos mentais, sobretudo no contexto da discussão sobre modelos consensuais (aqueles a serem aprendidos por representarem conceitos das ciências), e modelos expressos (aqueles que os estudantes apresentam em situações de ensino) (GILBERT e BOULTER, 1998). Essa forma de entender o ensino parece convergir para o sentido de aprendizagem como construção, mobilizado também em outras citações, configurando construções específicas e mais elaboradas, na medida em que combinam as diferentes influências da pesquisa. No caso das referências ao trabalho de Jay Lemke, há duas formas de expressar suas ideias: uma pela citação, indicada entre aspas, e outra por meio de paráfrase que, além de explicitar a citação do pesquisador, traz a voz dos autores por meio da expressão “com a qual concordamos” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.7). As referências problematizam ainda a ênfase exagerada dada por alguns professores na aprendizagem conceitual, o que levaria a uma concepção de aprendizagem acrítica. A estratégia, de completar a citação tem como objetivo inserir a opinião dos autores na forma de anuência. O léxico “objeção,” utilizado para qualificar o texto de Lemke, parece reforçar esta concordância dos autores. 99 Em síntese, consideramos que o conjunto de citações aqui reunidas, ao trazer a voz dos teóricos mencionados produz como efeito o sentido de valorizar uma aprendizagem que não está alicerçada na memorização de conceitos, fórmulas e definições, mas sim na construção pessoal. A partir da análise que fizemos anteriormente do título Assessoria Pedagógica, essas considerações indicam uma pluralidade discursiva entre título e conteúdo. b) Retomando o dizer do outro A paráfrase foi a estratégia discursiva mais frequente, contabilizando sete ocorrências em 11 casos. Diferente da citação, a paráfrase não utiliza palavras exatas do discurso representado, mas o discurso é reformulado pelo autor, caracterizando-se assim uma representação discursiva indireta. A paráfrase igualmente possibilita identificar mescla de vozes dos autores referenciados e dos autores do livro, no discurso. No Quadro 6, podemos identificar pelo menos duas vozes na paráfrase aludindo à Fensham: a do próprio pesquisador e a dos autores, evidenciada pelo uso da expressão “nossa opção”. Bachelard, filósofo da ciência, frequentemente mobilizado como referencial da pesquisa em Educação em Ciências, é trazido de forma explícita em uma das paráfrases do Quadro 6, de forma a valorizar a pergunta como princípio do processo de construção do conhecimento. Para Bachelard, o importante é romper com o conhecimento comum e uma boa pergunta em sala de aula sobre determinado problema faz brotar uma nova racionalidade, diferente, por exemplo, da opinião (eu acho, eu acredito que, etc.). Trabalhar a relação entre questionamento e conhecimento parece constituir um aspecto da perspectiva construtivista, relevante para os autores do livro analisado na construção de uma racionalidade científica. Na paráfrase de Mortimer (2000), os autores reforçam a ideia de que a ciência pode ser concebida como uma forma de linguagem. Esse aspecto também nos remete ao socioconstrutivismo analisado na conjuntura. Não identificamos, na paráfrase do texto de Mortimer a mescla de vozes dos autores do livro, devido à escolha pelo emprego do verbo aprender no modo infinitivo. Entendemos que essa escolha textual aproxima os autores da visão de Mortimer que, em última análise, promove uma recontextualização das ideias do construtivismo social ao colocar a linguagem em primeiro plano na aprendizagem. 100 A paráfrase de Lima e Silva apresenta as definições em ciências como síntese e não como ponto de partida na aprendizagem. Esta ideia, que também é reforçada pela paráfrase de Vygotsky, vai de encontro a uma opção didática, muito difundida em alguns livros didáticos, nos quais se apresenta uma definição, seguida de exercícios de memorização ou aplicação de fórmulas. A paráfrase de Fensham converge para questões da química e a importância da construção dos conceitos (modelos consensuais de átomos e moléculas) nessa disciplina. O autor chama atenção para o fato de que os estudantes podem responder de forma adequada às questões objetivas sobre átomos e moléculas, sem entendê-las de fato. Ou seja, uma vez que o conceito não é construído pelo estudante, ele é usado apenas para responder as questões de avaliação. Essa é uma dimensão bem aprofundada pelas pesquisas em Educação em Ciências que pautaram a discussão acerca da mudança conceitual. No entanto, como ressaltaremos nas análises do livro do aluno e no capítulo da discussão, entendemos que, mesmo apostando na construção do conhecimento, o foco da aprendizagem no livro didático em análise não se dá na mudança conceitual. A paráfrase da ideia de Bruner, acerca da potência do pensamento narrativo, é articulada com a importância atribuída a diferentes tipos de texto na aprendizagem de ciências. Esta discussão relaciona-se às críticas dirigidas à linguagem usual do livro de ciências, que compreende processos excessivos de nominalizações e metáforas gramaticais, considerados entraves para o entendimento da disciplina em geral e da linguagem científica, em particular (HALLYDAY e MARTIN, 1993; MARTIN e VEEL, 1998). Análises subsequentes mostram a maneira pela qual os autores consideram o uso de narrativas, como no excerto 1, texto sobre peixes para o 6º ano, que por intermédio da vida de um tipo específico de peixe (piaba), elaboram uma estratégia discursiva que escapa dos processos abstratos deste tipo de linguagem. c) Questões ideológicas no dizer O texto da assessoria pedagógica também apresenta articulações na forma de pressuposição, na qual o significado está implícito. É uma maneira textual de mesclar ao discurso construído pelo autor do texto “vozes já estabelecidas ou dadas,” o que pode possibilitar o entendimento de aspectos da constituição ideológica dos textos. 101 Na forma de pressuposição, as ideias de Millar, Osborne e de Lima e Paula são recontextualizadas na legitimação de um conjunto de ideias das pesquisas, em detrimento de outras, sobre o que se deve ensinar em ciências no Ensino Fundamental. A escolha da palavra “consenso” e a referência aos especialistas parecem confluir, reforçando essa legitimação. Temos, mais uma vez, um exemplo de confiabilidade, voltada aos discursos acadêmicos que, hibridizados aos pedagógicos, realçam a autoridade dada aos especialistas (em Educação em Ciências) necessariamente como a melhor escolha dentre num conjunto de possibilidades. Em outras palavras, o consenso como ideia hegemônica não é resposta para todas as situações. Por outro lado, o texto reforça o potencial de estudos sistemáticos e aprofundados na construção de estratégias de enfrentamento e superação de alguns obstáculos. Não obstante, alertamos para o fato de que a palavra consenso, no caso de ideias para sala de aula, não garante em si a resposta apropriada em todos os contextos desta prática. Em síntese, podemos dizer que, de forma geral, as referências diretas e indiretas (citações, paráfrases e pressuposições), que encontramos para ideias relacionadas às pesquisas como fontes legítimas e confiáveis, sobre as quais as escolhas pedagógicas podem ser justificadas, foram corroboradas por escolhas lexicais típicas, como nos exemplos assinalados. 5.2 O LIVRO DO ALUNO O livro do aluno, diferentemente da assessoria pedagógica, não apresenta o discurso relatado. Por isso, o foco volta-se para a compreensão do jogo dialógico entre os textos instalados no discurso, ou seja, para a dinâmica interna textual, dependente de mecanismos de redundância textual, do discurso que repete temas ou ideias associadas a discursos preexistentes, entre outros fatores. O objetivo, como apontado no capítulo do quadro teórico metodológico, foi o de identificar os interdiscursos por intermédio dos elementos de retórica, transitividade, metáfora gramatical, nominalizações, vocabulário e escolhas lexicais. 102 5.2.1 O discurso modalizado A pesquisa que realizamos tem foco na função ideacional do discurso, ou seja, no papel do discurso na significação e na referência. Entretanto, como afirma Fairclough (2001), essa é uma questão a ser enfatizada porque outras funções discursivas podem coincidir no discurso. Por exemplo, a modalidade, ou nível de comprometimento do falante/escritor com suas proposições, pode ser considerado como interseção entre a função ideacional do discurso e a interpessoal, ou seja, entre a significação do discurso e a representação das relações sociais (FAIRCLOUGH, 2001). Não obstante, optamos por enfatizar a dimensão ideacional, uma vez que o objetivo são as formas de representação que o discurso da pesquisa assume no texto do livro didático, e seus distintos efeitos de sentido. Sabemos que autores de um livro têm posição relevante no aspecto que vincula a concepção da obra ao que é a obra, ou seja, aquilo que o sujeito/autor reúne na sua obra constitui um modo de expressar, imprime um estilo particular ao texto/discurso. O livro didático, mesmo considerado um gênero discursivo, associado a tipos particulares de discursos, pode ser compatível com estilos alternativos (FAIRCLOUGH, 2001). Portanto, mesmo mantendo o foco desse estudo na representação do discurso, consideramos o aspecto da modalidade importante para caracterizar transformação nos padrões, em geral, encontrados para o livro didático de ciências. No caso da coleção em análise, aspectos tais como o emprego do presente durativo, do gerúndio e das nominalizações e metáforas gramaticais caracterizam uma mudança no livro didático de ciências. Por exemplo, o título da obra, “Construindo Consciências”, assim como alguns títulos de unidades (por exemplo, Modelando os materiais/9º ano), capítulos (por exemplo, “Viajando com segurança”/9º ano) ou seções do livro (por exemplo, “Trocando ideias”) parecem contribuir para marcar o comprometimento dos autores com o envolvimento do leitor/estudante, por meio de referência a uma ação presente, contínua e conjunta, caracterizada pelo emprego do verbo no gerúndio. A unidade “Modelando materiais” é um bom exemplo para representar a estilização a qual nos referimos nos seus vários subtítulos, tais como: “Enchendo um balão sem soprar” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.64), “Interpretando alguns fenômenos” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 103 9º ano, p.71) e “Construindo modelos explicativos” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.79) que, no conjunto, implica ações contínuas e conjuntas ao longo das leituras sugeridas pela unidade. O uso do gerúndio é relevante porque ele sozinho assume a função de advérbio, que tem relação com o ‘como fazer’. No título “Construindo Consciências”, essa forma nominal do verbo denota a perspectiva de aprendizagem em progressão, em construção que, como dissemos, parece assumida para o conjunto da obra didática. Além disso, a construção no plural: “consciências”, nos remete ao significado dessa palavra, que pode ser entendida como um sentimento do que a pessoa tem daquilo que ocorre com ela mesma, quer dizer, “construir consciências” seria construir autoconhecimento, mas também pode significar “estar ciente” de algo, ou seja, construir um saber. Há ainda outro sentido nesse título do livro: o de que esse conhecimento a ser construído é relacionado à ciência (consciências). Desta forma, o título do livro, além de representar um estilo que acompanha toda a obra, compreende em si uma concepção de aprendizagem, uma forma de pensar, própria dos autores do livro. 5.2.2 As vertentes da pesquisa nos excertos Em nossas análises, decidimos apresentar as vertentes mencionadas pelos autores do livro didático, as quais tiveram forte impacto na constituição da comunidade de pesquisa do campo em Educação em Ciências no Brasil. Elas correspondem às vertentes desenvolvidas na seção ligada à análise da conjuntura e são ilustradas por trechos específicos, tanto da assessoria pedagógica como do livro do aluno, selecionados para análise dos dados apresentados no Quadro 7. Os exemplos que constam no Quadro 7 referem-se ao corpus descrito no capítulo 3 da tese, e a análise que apresentamos a seguir procurou relacionar as ideias desenvolvidas na análise da conjuntura com os aspectos textuais encontrados no livro do aluno. Quadro 7: Caracterização das vertentes da pesquisa em Educação em Ciências em fragmentos textuais da assessoria pedagógica e do livro do aluno VERTENTE TENDÊNCIA ASSESSORIA PEDAGÓGICA LIVRO DO ALUNO As ideias que temos sobre o assunto serão o ponto de partida para nosso estudo sobre luz e visão (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano). Movimento das Concepções Alternativas História da Ciência e Natureza da ciência Modelagem CTS Linguagem Ao procurar estabelecer relações entre as ideias prévias dos estudantes e os conhecimentos científicos consideramos as inúmeras diferenças entre esses dois sistemas de conhecimento (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, p.5). A ciência desenvolve formas de investigação que são continuamente renovadas em função de mudanças em seus propósitos e de sua evolução conceitual. ... Não há um “método científico” universal e infalível, mas metodologias que são a todo tempo criadas no curso das investigações e submetidas às críticas da comunidade científica. A ciência não é meramente “técnica” nem “neutra” e solitária. Pelo contrário, é um empreendimento social e cultural como diversas outras atividades humanas (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, p.9). VOLUME, UNIDADE, CAPÍTULO E TEXTO Unidade: "O organismo humano e suas interações com o ambiente" do 8º ano (p.162-229). Capítulo "Luz e visão" (p.164-190). Texto: O que sabemos sobre luz e visão (p.165) Os modelos (C) e (D) sugerem explicações diferentes para o fenômeno da dilatação. Para o modelo (C), são as partículas que se dilatam. Para o modelo (D), as partículas não sofrem modificação no tamanho quando aquecidas. Elas apenas se afastam umas das outras, o que significa que passam a existir maiores vazios entre elas (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 9º ano, p. 63). Ciência se faz com perguntas e com muita investigação. É resultado de um grande esforço coletivo, além de uma vontade enorme de conhecer o mundo que nos cerca. Uma pergunta pode receber várias respostas diferentes até se chegar a uma resposta aceitável, o que pode demorar muitos anos, já que podem ser cometidos muitos erros, e são tantas as idas e vindas que parecem não ter fim. A história das investigações sobre a fotossíntese mostra alguns desses aspectos da investigação científica (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 7º ano, p. 151). ...na Unidade 2 - Modelando os materiais, fornecer uma explicação atômico molecular para a diversidade dos materiais, suas propriedades e usos. Isso é feito por meio da construção de modelos para esse mundo que não vemos, do estudo da natureza elétrica dos materiais e de uma introdução à teoria de ligações químicas. (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, p.13). Como decidir qual o modelo, entre (C) e (D), melhor representa a dilatação do gás? Ambos parecem razoáveis. Qual deles você escolheria? (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 9º ano, p.63) Com outras atividades e leituras propostas na coleção, as seções que discutem as ciências e as suas relações com a tecnologia, o ambiente e a sociedade forma concebidas para sofisticar a compreensão dos estudantes sobre a ciência como empreendimento cultural e social (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, p.20). Muito está para ser feito do ponto de vista da educação das pessoas para lidar com os dispositivos tecnológicos e conviver em uma sociedade que tem cada vez mais pressa. O que a ciência tem a nos dizer sobre isso? (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 9º ano, p.184). Um exemplo disso refere-se à mudança do foco descritivo do ensino da Zoologia e Botânica para ao tratar da história da vida de alguns animais e plantas, comtemplar conteúdos em situações próximas dos estudantes. Aprender ciências implica, em larga medida aprender a se comunicar com as linguagens científicas (MORTIMER, 2000). Essa aprendizagem envolve uma apropriação de formas específicas de falar sobre o mundo: a ciência se comunica por meio de gráficos, tabelas, diagramas, esquemas, equações, definições cuja leitura não é trivial. Procuramos, portanto, elaborar atividades que permitam aos estudantes familiarizar-se com essas linguagens e apropriar-se delas (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, p.6). Conhecendo as piabas, é possível identificar muitas características dos peixes. Piabas são peixes pequenos de água doce encontrados em corredeiras e riachos em todo o Brasil. Possuem brânquias localizadas atrás de uma espécie de tampa chamada opérculo. Movimentam-se na água sem muito esforço. Como todo peixe, possuem nadadeiras e um formato de corpo que facilita o deslocamento na água (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, 6º ano, p.168). Unidade: "Modelando materiais" do 9º ano (p.60105). Capítulo 3 "O mundo que não vemos" (p.60-76). Texto:. ”Entre as partículas existem espaços vazios” (p.63-64) Unidade: “Energia e ambiente” do 7º ano (p.116-165) Capítulo 7: “O sol e a vida na Terra” (p.144-165) Texto: Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais (p.151-154). Unidade: "Modelando materiais" do 9º ano (p.60105). Capítulo 3 "O mundo que não vemos" (p.60-76). Texto: Entre as partículas existem espaços vazios (p.63). Unidade: "Ciência, tecnologia e sobrevivência" do 9º ano (p. 148-207). Capítulo 9: "Viajando com segurança". Texto: Viajando com segurança (p.183-184). Unidade 3 “A diversidade da vida” (144-237). Capítulo 9: “Modos de ser e de viver dos vertebrados” (168-184). Texto: Vida de Piaba ( p.168-170). 105 5.2.2.1 Movimento das concepções alternativas dos alunos (MCA) A primeira parte desta seção volta-se para a incorporação da vertente do MCA no livro didático. Consideramos que as ideias dessa vertente foram introduzidas em diálogo com outras vertentes, tais como modelagem e história da ciência, fortemente marcadas em capítulos do livro do aluno, cujo mote é a construção de conceitos científicos. Esses aspectos parecem remeter a um enfoque bastante desenvolvido pelas pesquisas nacionais. Os excertos 4 e 5 (“O que sabemos sobre luz e visão” e “Entre as partículas existem espaços vazios) são exemplos dos que mais contribuíram na discussão da vertente do MCA na atribuição direta das concepções alternativas aos estudantes, o que torna mais fácil para o mesmo se identificar como aquele(a) que sustenta essas ideias. Apesar de qualificadas como erradas, as concepções alternativas/prévias são referidas como produto da reflexão e do processo mental dos estudantes/leitores, ou seja, conferindo um valor positivo às ideias. Nos excertos selecionados (1 a 6), identificamos que as concepções dos estudantes são utilizadas como antecipações ao erro, embora não explicitamente com o objetivo direcionado à mudança conceitual, como já assinalamos anteriormente. Além disso, como vimos, na análise da conjuntura, a identificação das concepções dos estudantes pode ser relevante como diagnóstico preliminar ao aprendizado, caracterizando um perfil conceitual (MORTIMER, 1995,1996) para ensinar conceitos e, a partir dele, propor reflexão e atividades de construção do conhecimento científico. Observamos também que o modo retórico assumido no capítulo 3 do nono ano intitulado "O mundo que não vemos" (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.60-76) parece explicitar ideias alternativas, desafiá-las por meio da exposição de seus limites explicativos e, consequentemente, evidenciar a necessidade de possíveis reelaborações. Este modo pode ser identificado, no plano interdiscursivo, com orientações piagetianas que inspiraram abordagens para promoção da mudança conceitual, na progressiva construção de estruturas conceituais mais elaboradas. a) Sistemas de conhecimento e mudança conceitual O excerto 4 (ANEXO 4), “O que sabemos sobre luz e visão,” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano, p.165) faz parte da seção ‘Trocando ideias’, 106 na qual é sugerido um conjunto de atividades a serem realizadas, em grupo, pelos estudantes. Logo de início identificamos a presença do discurso pedagógico pelo oferecimento de informações, tais como: “as ideias que temos sobre o assunto serão o ponto de partida para nosso estudo sobre luz e visão”. Essa informação parece contribuir para que os estudantes entendam que precisam aprimorar suas ideias, pensar em novas formas para explicar os temas luz e visão. O excerto 4 é marcado por uma série de comandos ao longo do texto, tais como: “leia as questões com atenção”, “faça um esboço”, “explique”, “utilize setas para complementar sua explicação,” entre outros. Esses comandos associados à argumentação contendo instruções a serem realizadas numa ordem preestabelecida, indicada pelo uso do conectivo “depois disso” e pela numeração das perguntas de um a cinco, são estratégias próprias do discurso pedagógico com conotação mais normativa. Embora com essa conotação, a atividade toda é conduzida de forma a garantir espaço ao estudante para expor suas concepções sobre luz e visão, por meio das respostas às diversas perguntas formuladas. Somado a isso, o título do excerto 4, “O que sabemos sobre luz e visão,” emprega um pronome interrogativo “ que” seguido do verbo transitivo direto “saber” no plural, buscando estabelecer algo em comum aos leitores/estudantes. Embora pareça uma pergunta, o enunciado está escrito na forma de uma afirmação. O “que sabemos” ainda vai ser dito e estimulado pelas questões em sequência ao título. Espera-se talvez que nesse dizer apareçam formas diferentes daquelas associadas ao conhecimento científico. Por outro lado, as palavras do título parecem evocar justamente o contrário do que anuncia, ou seja, o que não sabemos sobre luz e visão. Ou seja, as ideias sobre luz e visão pertencem ao senso comum e, em geral, se afastam das explicações que a ciência tem para estes conceitos. As nuances entre perguntas de opinião e que indicam incentivo à participação dos estudantes, a troca de ideias, diagnose das concepções prévias dos alunos são estratégias que sugerem a existência de elementos presentes no texto, respaldados pelas pesquisas de abordagem construtivista e socioconstrutivista. b) MCA e modelos expressos na construção do conhecimento Outro exemplo relacionado aos aspectos da construção do conhecimento por parte do estudante refere-se à análise do excerto 5 (ANEXO 5) “Entre partículas existem espaços vazios” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, 107 p.63). A análise desse texto tem como objetivo, entender como uma atividade incorpora o discurso do construtivismo pedagógico, para ensinar o modelo de espaço entre moléculas. Os efeitos das escolhas verbais promovem implicações, nos processos codificados nas orações, ao longo dos enunciados. O texto citado compreende dois tipos de processos, o relacional e o agenciamento41. Por meio da transitividade vamos analisar um exemplo de texto que possui foco no agenciamento. O excerto 5, considerando-o no seu todo, apresenta dois tipos de discursos em sequência: um discurso pedagógico construtivista, na página 63 do volume do 9º ano e, outro, científico escolar, na página 64 do mesmo volume. No discurso pedagógico construtivista, correspondendo à primeira parte do excerto, os acontecimentos envolvendo os verbos “ao propor”, “supondo que”, “como decidir”, “qual você escolheria” indicam agenciamento, constituem ações intencionadas do leitor. Esse tipo de discurso se aproxima de uma conversa parecida com a que ocorre em sala de aula (discurso pedagógico) e se afasta da que chamamos de discurso científico (metafórico). No entanto, com o decorrer do texto o discurso da sala de aula (pedagógico) acaba dando espaço ao discurso científico, como veremos pela análise em sequência do texto. O texto começa indicando uma proposta para o leitor, pelo emprego do verbo no modo transitivo direto (“ao propor”, CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.63). Esse verbo, no modo transitivo direto, representa uma ação que implica o leitor/estudante em um processo relacional, ou seja, estabelece um diálogo entre, o professor, e seu estudante, chamando-o a tornar-se ativo, no processo de aprendizagem. O texto, ainda no início, expõe para o estudante/leitor quatro modelos do “ar”, na forma de desenhos, compostos por dois frascos com balões presos aos gargalos A, B, C e D (representações do ar). Mostra, igualmente, que os frascos do desenho (de cada modelo) apresentam temperaturas diferentes, dois sem aquecer e dois, aquecidos. É possível relacionar os desenhos apresentados neste trecho às representações feitas por estudantes em pesquisas do campo, configurando estratégia de aproximação do conhecimento teórico à realidade concreta do sujeitoaprendiz, por intermédio da ação discente, na construção do conhecimento. 41 Optamos neste item por apresentar a análise completa. 108 O texto, “ao propor modelos para o ar” (relacionados aos desenhos), faz uso da estratégia de interlocução direta, criando com isso uma situação hipotética importante na a construção de um conhecimento julgado relevante para o estudante. Na continuação, os verbos utilizados na expressão “podemos pensar” tornam o estudante cúmplice do processo de construção do conhecimento. Com esse recurso, marca-se, além do agenciamento, o dialogismo próprio do discurso pedagógico, mediado pelo texto. Além disso, o uso do verbo “pensar” no trecho: “ao propor modelos para o ar, podemos pensar em diversas maneiras de representar seus componentes” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.63) parece sugerir ambiência de construção coletiva do conhecimento. No trecho: “nos modelos (A) e (B) os estudantes não admitem a existência de partículas. Sabemos que o ar é uma mistura de diferentes substâncias, como gás nitrogênio, oxigênio e outros” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.63), estes modelos expressam processos semelhantes pelas seguintes convergências. Em primeiro lugar, o destaque dado às representações dos estudantes, focando na ausência das partículas (em geral representadas pelos estudantes por bolinhas), elementos importantes para entender o ar como uma mistura de gases. Em segundo lugar, torna o estudante cúmplice das afirmações ligadas ao emprego do verbo “saber”. Essa estratégia na construção do texto configura, do mesmo modo, o dialogismo apontado anteriormente. Desconstrói-se o discurso monológico e fechado, típico do discurso científico (BAKHTIN, 2003), em nome do diálogo constante com o estudante, num processo de elaboração conjunta do conhecimento. Chamou-nos atenção o uso do artifício da comparação para facilitar a visualização dos fenômenos por parte dos estudantes, como no trecho: “os dois primeiros modelos, (A) e (B), apresentam uma visão do ar como algo contínuo. O ar aparece como uma nuvem”. Nesse caso, na sentença que se segue há o deslocamento do “modelo A” para o início da sentença, na forma de topicalização, para frisar a ideia de que, apesar de um aspecto particular atinente a esse elemento (sua mudança de lugar depois de aquecido), suas características básicas se mantêm inalteradas (“seu volume total não se altera”). Aliás, o uso do marcador “apenas” no trecho “ele apenas muda de lugar”, de visível valor argumentativo, minimiza a importância dessa particularidade para o entendimento do fenômeno, valorizando a ideia de “continuidade” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.63). Estas estratégias discursivas valorizam um movimento de 109 construção de ideias pelos estudantes, levando-os a descartar os modelos que não representam fenômenos científicos. Nas sentenças: “em (C) o ar é representado por pequenas bolinhas, e podemos supor que cada uma delas representa uma partícula das substâncias do ar”. Nesse modelo, as bolinhas aumentam de tamanho quando o ar é aquecido e diminuem quando ele é resfriado” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.63), o ar é comparado a/representado por bolinhas que incham quando aquecidas. Os verbos “supor” e “sugerir” representam os modelos como construções conceituais e não como representações ou reificações. Usa-se o recurso do contraste para que fique mais fácil a visualização das diferenças entre os modelos A e B (de um lado) e C e D (de outro). A locução “ao contrário de” é responsável por agenciar tal contraste. O uso da expressão “bolinhas” contribui também, por meio de um elemento de linguagem cotidiana e afetiva, para uma maior aproximação com o leitor/interlocutor. Na continuidade, examinando-se ainda o excerto 5: “Entre as partículas existem espaços vazios,” o estudante é convidado a escolher, entre os modelos, o que melhor representa a dilatação do ar. O uso do “como” pede por uma decisão entre os modelos C e D para a dilatação, descartando os modelos A e B. A interrogação é mais um elemento que aponta para o diálogo com o estudante no processo de construção do conhecimento. O uso do verbo “parecer”, na frase: “ambos parecem razoáveis. Qual deles você escolheria?” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.63) relativiza o ponto de vista apresentado. Além disso, solicita-se do estudante uma escolha, no sentido de valorizar sua contribuição no processo de construção do conhecimento. Essa atividade, montada com base em modelos expressos com desenhos de estudantes, procura num primeiro momento a compreensão das relações analógicas do modelo em estudo, realizada coletivamente na situação de ensino, e fundamentase nas perspectivas teóricas da modelagem. Portanto, processos de modelagem têm relação com a criação de modelos e nesta perspectiva aprender ciências é a capacidade que o estudante tem de relacionar aspectos teóricos e empíricos, o que fica bem evidente em toda essa primeira parte (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ANO, p.63) da atividade do texto “entre partículas existem espaços vazios”. 110 A segunda parte do texto promove uma mudança na linguagem. A primeira parte, como vimos, privilegiou mais os aspectos da construção do conhecimento pela modelagem, por intermédio de uma linguagem dialógica e com agenciamento. A segunda parte apresenta conceituações e definições. A linguagem passa a se estruturar de forma mais categórica, configurando a verdade científica, na forma de definição, tal qual no enunciado: “em geral, sólidos quando aquecidos, dilatam-se e quando esfriados, contraem-se” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.64). O excerto 5 permite-nos constatar que o discurso dialógico prepara o da linguagem da ciência. A linguagem da ciência aparece caracterizada como discurso científico escolar na página 64, com o objetivo de nitidamente dar um fechamento para a atividade proposta pelo texto. Esse exemplo de análise demonstrou coincidência entre a concepção trazida na assessoria pedagógica, na qual as definições e conceituações são pontos de chegada da construção do conhecimento e o texto no livro do aluno. c) MCA e História da Ciência Outra forma de explorar as concepções alternativas e prévias dos estudantes está relacionada às referências feitas à História da Ciência. Em geral, como apontamos na análise da conjuntura, a História da Ciência no Ensino de Ciências é uma vertente que apresenta estudos vinculados à filosofia da ciência e que, recentemente, relaciona-se com discussões sobre concepções de natureza da ciência. Identificamos em trecho anteriormente analisado, que versou sobre a ligação química, a exploração dos pressupostos da História da Ciência, na contraposição de ideias antigas, implicitamente caracterizadas como não exatamente corretas, agregando ideias novas, subentendidas como mais elaboradas ou com maior grau de correção ("uma ideia antiga era a de os átomos possuíam espécies de ganchos que se encaixavam uns aos outros", CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.62). Nesse exemplo, por intermédio das ideias associadas à História da Ciência, procurou-se afastar o estudante de certas analogias incorretas, que associam ligação química com o mecanismo envolvendo ganchos. O padrão de contraposição de ideias, em vários exemplos de temáticas do ensino de ciências, em associação com a História da Ciência, tais como no debate acerca do geocentrismo e heliocentrismo, do lamarquismo e darwinismo, pode 111 induzir a um anacronismo (gaiolas epistemológicas42), o que nem sempre é recomendado pelas pesquisas como um recurso adequado e eficaz para a compreensão da natureza da ciência (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012). Nesse caso, diferente do assinalado, a proposta do livro foi a de mostrar para o estudante a ideia incorreta (pinos e ganchos) como uma sugestão identificada nas pesquisas da Educação em Ciências, que visa a lidar com dificuldades de aprendizagem, considerando seu valor epistemológico e pedagógico na construção de explicação dos fenômenos/conceitos científicos. 5.2.2.2 História da ciência e natureza da ciência Outro aspecto associado à História da Ciência e à natureza da própria História da Ciência é aquele que promove a aprendizagem por intermédio de narrativas históricas. As narrativas, históricas ou não, pressupõem sequências de eventos estruturados no tempo43 e as ações que nelas ocorrem, podem, ou não, ser determinadas por mecanismos de causa e efeito, ou seja, são formas de apresentar o discurso compreendendo contradições e questionamentos (CORREIA, 2003). Portanto, o uso de narrativas para explorar a HFC, conforme apontamos na conjuntura da tese, implica uma simplificação da história contada e, portanto, “qualquer narrativa histórica reverbera uma concepção sobre o funcionamento e construção da ciência” (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012). O excerto 3 (ANEXO 3), intitulado “Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.151-154), inserido na seção do livro didático chamada de “Ciência tem história”, utiliza elementos da História da Ciência para construir uma narrativa que, em primeiro lugar, explicita o que é a ciência, para depois apresentar algumas ideias do passado sobre a nutrição dos vegetais. De acordo com o que expusemos na conjuntura de pesquisa, as ideias de antigos pesquisadores podem corresponder a algumas das concepções prévias dos estudantes, embora como apontado pela literatura do campo, nem sempre haja correspondência epistemológica entre elas. No entanto, nos parece que no caso específico do excerto 3, o objetivo desse tipo de exposição é o de possibilitar a aprendizagem do conhecimento científico (sobre a nutrição dos vegetais), por 42 Cada período histórico compreende características próprias à produção e divulgação do conhecimento (FORATO, MARTINS e PIETROCOLA, 2012). 43 Possibilitando avançar ou voltar no tempo. 112 intermédio da narrativa histórica e de evidências de experimentos do passado. Assim, ao ler sobre a História da Ciência, os estudantes estruturam os seus conhecimentos. Um aspecto a destacar na análise do excerto 3 diz respeito à caracterização da natureza da ciência, que especificamente antecede à narrativa histórica. O texto “Avaliando evidências sobre a nutrição” inicia-se da seguinte forma Ciência se faz com perguntas e com muita investigação. É resultado de um grande esforço coletivo, além de uma vontade enorme de conhecer o mundo que nos cerca. Uma pergunta pode receber várias respostas diferentes até se chegar a uma resposta aceitável, o que pode demorar muitos anos, já que podem ser cometidos muitos erros, e são tantas as idas e vindas que parecem não ter fim. A história das investigações sobre a fotossíntese mostra alguns desses aspectos da investigação científica. As perguntas pareciam ser simples: De onde vêm os nutrientes de um vegetal? Como uma planta se desenvolve? De onde os vegetais retiram as substâncias necessárias ao seu desenvolvimento? (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, 2010, p.151). A primeira frase do parágrafo: “ciência se faz com perguntas e com muita investigação” simboliza um sujeito indeterminado, por meio do uso da partícula ”se”, ou seja, não deixando explícito quem são o/os participante(s) da ação. Em outras palavras, não há neste excerto menção aos participantes da atividade ciência, aos cientistas/pessoas, nem aos seus processos, por meio do emprego de verbos tais como perguntar ou investigar. Nesse sentido, a ausência de agentes não favorece o esclarecimento sobre quais são os elementos causais e a responsabilidade da ação em curso. O trecho seguinte (“é resultado de um grande esforço coletivo, além de uma vontade enorme de conhecer o mundo que nos cerca”), embora pareça não conter agenciamento, emprega a expressão “esforço coletivo”. Ao atribuir o processo do “esforço” explicitamente a sujeitos, permite identificar que se trata de um grupo, pelo uso do termo ‘coletivo’. No entanto, há nesse trecho um processo de nominalização traduzido pelo empacotamento de informações (por exemplo, dos tipos de participantes e de que tipo de esforço). Ainda no que concerne ao léxico “coletivo”, que significa agrupamento, conjunto (contrário a individual), esse é um termo que aparece associado à prática social da ciência, sujeito do texto. Entretanto, esse léxico pode dar ideia de um único coletivo, na direção contrária a que assistimos na sociedade atual, na qual interesses de financiamento entre grupos e laboratórios fazem diferença naquilo que é pesquisado e entendido como ciência. 113 Quando o texto se remete à expressão: “além de uma vontade enorme de conhecer o mundo que nos cerca”, há intenção de inserção dos leitores, evidenciada pelo uso do pronome “nos”, mas não necessariamente implica no esforço coletivo, sugerido no texto. Então, neste caso, “vontade enorme de conhecer o mundo que nos cerca” parece significar um movimento secundário ao do esforço coletivo, sugerido na frase anterior. Certas linearidades do texto, nas escolhas que fazemos na ordem com que as palavras são apresentadas, expressam lutas de poder inseridas no próprio discurso, que muitas vezes fogem à intenção do autor. Outro aspecto relacionado à natureza da ciência diz respeito ao enunciado do trecho: “já que podem ser cometidos muitos erros,” atribuindo-se à ciência estes erros. O trecho inicia-se com o período: “uma pergunta pode receber várias respostas diferentes até se chegar a uma resposta aceitável, o que pode demorar muitos anos”, correspondendo ao efeito esperado da causa identificada. Essa é uma questão que esbarra num problema de credibilidade da ciência na sociedade atual. Como problematizado na conjuntura, Fensham (2012) pondera que incertezas têm sido associadas à prática social da ciência, considerada contraditória e contendo muitos dilemas. Outra situação diz respeito ao trecho final desta oração “e são tantas as idas e vindas que parecem não ter fim”. A expressão “idas e vindas” contém o sentido de algo que oscila entre ideias, posições ou atitudes, sem chegar a uma decisão definitiva de qual adotar ou rejeitar. A complementação: “parece não ter fim” sugere uma conotação de ação infinita. Este parece ser um exemplo de formulação que reforça o dilema de incompletude conferido ao conhecimento científico (Fensham 2012). O próximo texto, igualmente retirado do excerto 3 e intitulado “Primeiras ideias sobre a nutrição dos vegetais”, como sugerido nas palavras do título, traz um conjunto de ideias sobre a temática da nutrição dos vegetais, numa versão histórica. Esta parte do texto tem como objetivo enfrentar questões da compreensão do estudante em relação a como plantas se alimentam e ao papel da alimentação no seu desenvolvimento (KAWASAKI e BIZZO, 2000), e para isso o texto apresenta uma série de cientistas, suas ideias e experimentos. O primeiro cientista citado é Van Helmont, no contexto da ideia por ele proposta de que “não lhe parecia correto que as plantas retirassem do solo os nutrientes necessários para o seu desenvolvimento” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.151) e, na sequência do texto, esclarece 114 que “para avaliar suas ideias, ele realizou um experimento importante com uma planta chamada salgueiro” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.151). Há neste trecho uma pressuposição da negação do cientista ao modelo vigente, pelo emprego do “não lhe parecia correto”. O modelo vigente enfatizava o pensamento aristotélico no qual “a chave para a compreensão de plantas estava para ser encontrada no estudo dos animais”44 (KAWASAKI e BIZZO, 2000, p. 27). O cientista problematiza essa visão apresentando a atividade experimental como importante para a prática da ciência, seguida da ponderação de que “muitas vezes é assim que os cientistas agem: realizam experimentos para testar suas hipóteses” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ANO, p.151). Esta observação, mesmo que em certa medida possa ser considerada empírico-indutivista, no sentido de que, ao verificar ou falsear uma hipótese, o cientista chega a uma resposta ao problema, relativiza, em alguma medida, o papel do experimento ao sugerir outras maneiras de agir cientificamente. O trecho seguinte: “contudo, em ciências não existe a última palavra, a verdade final. Tem sempre alguém que enxerga os fatos de outra maneira, que pensa de modo diferente” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.152) aponta para um sentido de que a reformulação, ou a existência de um ponto de vista diferente sobre uma dada questão, não significa que a primeira não seja válida ou pertinente. A expressão “tem sempre alguém” realiza essa ideia pela constância dada ao sentido pelo emprego do “sempre”. Mais adiante é descrito o experimento de Woodward no trecho: “ele cultivou plantas em água com amostras diferentes de solo dissolvido. Verificou com isso que as plantas que apresentavam maior desenvolvimento eram aquelas que foram colocadas em soluções de água com maior quantidade de terra dissolvida” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.152). Esse experimento não é representado com o mesmo detalhamento que o anterior (Van Helmont), contendo desenhos e legendas, o que contribui para que certos experimentos sejam mais conhecidos ou mais relevantes do que outros. 44 Para Aristóteles as plantas se alimentavam passivamente dos nutrientes oferecidos pelo solo e o desenvolvimento era entendido nos moldes do crescimento de um cristal. O solo era comparado a um estômago dos animais (aquele que prepara o alimento). Para Kawasaki e Bizzo (2000) o modelo predominante entre estudantes é bem semelhante ao modelo aristotélico (KAWASAKI e BIZZO, 2000). 115 O texto “Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.151-154) apresenta uma narrativa por intermédio de seis ideias representadas por cientistas, suas respectivas datas de nascimento e morte, ao lado de um conjunto de ideias a eles atribuídas, mostradas no Quadro 8. Quadro 8: Sequência de cientistas e suas proposições à cerca da nutrição vegetal IDEIA EM RELAÇÃO À RETIRADA DE NUTRIENTES FEITA POR VEGETAIS NOME DO CIENTISTA Van Helmont (1544-1644) Retiram nutrientes da água John Woodward (1665-1728) Retiram nutrientes do solo Stephen Hales (1677-1761) Investigou o crescimento da planta. Plantas modificam a atmosfera. Joseph Priestley (1733-1804) Investigou os gases envolvidos na vida vegetal. Jan Ingenhouz (1739-1799) Restauração do ar na presença da luz nas porções verdes das plantas Julio Sachs (1832-1897) Sais minerais eram importantes para o desenvolvimento das plantas e que elas os obtinham do solo. O texto discute como, por exemplo, John Woodward, que não concordava com Van Helmont, “trouxe de volta ao debate a antiga explicação de que os vegetais retiram seus nutrientes do solo” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 7º ano, p.152). Neste caso, as ideias são colocadas como contrárias, sem que haja menção de que uma delas tenha vencido o debate. Mais à frente (excerto 3 a seguir ao título “o papel dos minerais na nutrição dos vegetais”) encontramos, na página 154, do volume do 7º ano, o seguinte trecho: “desse modo, o papel do solo parecia ter sido resolvido”. Se por um lado, a alternância de visões ilustra o caráter tentativo e aberto dos processos de produção de conhecimento científico, a apresentação da sequência corre o risco de encaminhar um sentido de fechamento, ao contrário do sentido de conhecimento provisório, de que a história continua, e de que essas são, hoje, as respostas que temos. Forato, Martins e Pietrocola (2012) consideram que a inserção da história da ciência nas aulas é fundamental, mas que a abordagem recortada de episódios históricos não deve perder de vista a compreensão panorâmica da história. Esse é, sem dúvida, um grande desafio a enfrentar no ensino de ciências. Inserir a HFC no texto didático, como visto no exemplo que analisamos, é relevante. O ideal é que as 116 narrativas históricas sejam utilizadas para confrontar objetivos formativos e epistemológicos como no caso apresentado o de, sobretudo, enfrentar/suplantar a concepção prévia dos estudantes. 5.2.2.3 CTS, risco e responsabilização, empoderamento e cidadania O excerto 6 (ANEXO 6), analisado nesse item, tem o título “Viajando com segurança”. Podemos identificar, nesse excerto, uma questão a ser tratada como relevante à reflexão nas sociedades na modernidade recente. A principal preocupação do texto é com o conceito de velocidade que, geralmente, é trabalhado nas escolas de forma descontextualizada. Por exemplo, aprende-se a calcular a velocidade ou a aceleração de móveis (carros, ônibus, caminhões, aviões, trens e etc.) que, embora tendo representação na vida real, não constituem exemplos reconhecidos pelos estudantes. O trecho do Quadro 7, pelo qual iniciaremos a análise, corresponde ao final do excerto em questão. Nesse excerto 6, há portanto a preocupação significativa com a relação que se estabelece entre velocidade e cotidiano do estudante. O trecho do Quadro 7 responsabiliza os seres humanos, e não a indústria automobilística, como agentes do aumento da velocidade, tal como no enunciado “muito está para ser feito do ponto de vista da educação das pessoas para lidar com os dispositivos tecnológicos e conviver em uma sociedade que tem cada vez mais pressa” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.184). Como resposta à questão do excesso de velocidade, no contexto do agenciamento/implicação, são “os seres humanos” que devem criar técnicas de proteção/segurança. A responsabilidade parece ser individual, relacionada ao comportamento humano, no sentido de se proteger usando cinto de segurança e comprando carros equipados com air bags, entre outras ações. Esse enunciado parece incluir dois movimentos: aproxima o leitor quando se remete às possibilidades de uso da tecnologia e, ao mesmo tempo, o afasta por não tomar parte na sua produção. Desta forma, favorece o entendimento de que a questão da segurança e das possibilidades de adotar comportamentos seguros envolve diferentes níveis de implicação, a saber, individual, institucional e mercadológica. 117 Outro aspecto a ser mencionado sobre o excerto 6, diz respeito à pergunta localizada no início do excerto, próxima ao título, a saber, “como a ciência pode nos ajudar a compreender os dispositivos e procedimentos de segurança no trânsito?” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.183) que configura uma forma de interrogação direta requerendo uma decisão/posicionamento do leitor, num modelo interativo de construção discursiva. Por meio desse modelo interativo, o estudante torna-se alguém, necessitado em compreender questões relacionadas à segurança no trânsito, portanto, implicado na questão em jogo. O emprego do “como” chama atenção para o modo pelo qual a ciência pode ajudar na compreensão das questões relacionadas à segurança, ou seja, ao processo que a ciência favorece a inteligibilidade de determinadas questões. Ao mesmo tempo, ocorre, nessa pergunta, uma nominalização, na utilização do termo “ciência” que condensa a ideia de um processo de construção de inteligibilidade. Uma consequência imediata evidenciada por essa nominalização é a supressão de um conjunto de processos e dos participantes envolvidos no enunciado. Há também, nessa pergunta, um exemplo de modalização no trecho: “pode nos ajudar a compreender” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.183). Aqui temos três verbos seguidos: poder, ajudar e compreender. O verbo “poder” é um verbo que implica a possibilidade da ação que se segue; o “ajudar” relaciona-se com “nós/leitores” e, o “compreender” está modalizado pelo verbo ajudar, implicando a possibilidade de ajuda, mas não necessariamente a garantia da compreensão. Portanto, essas formas de apresentar a relação entre ciência, tecnologia e sociedade, tanto no início como no final do excerto 6, nos exemplos apresentados, servem de base para ressaltar a centralidade que a ciência ocupa no contexto da discussão. No caso da linha de pesquisa CTS, dois aspectos, inter-relacionados, foram selecionados por nós de forma a problematizá-los, quando o objetivo é a incorporação da vertente nas atividades didáticas, são eles: o contexto social como modo de produção do conhecimento e a construção da cidadania na implicação do sujeito, escolhidos por representarem aspectos fundamentais na promoção do letramento científico no ensino de ciências (MARTINS, 2011). O excerto 6 analisado traz como cenário a velocidade caracterizada, de forma complexa, como imposição, benefício e fator de risco na vida dos cidadãos. Entendemos que o cenário proposto no texto, aproxima três dimensões do conhecimento: a do estudante, a da ciência (estatísticas oficiais) e a da tecnologia 118 (máquinas automotoras). Além disso, a própria configuração do texto, apresentado na forma de debate, como estilo discursivo, é uma estratégia pedagógica amplamente alinhada aos pressupostos do CTS. Esta proposta, como já mencionada, diverge de abordagens tradicionais nas quais, em geral, o estudante estuda o conceito velocidade envolvendo aplicações de fórmulas, tal qual a da razão entre variação de espaço e de tempo, sem problematizá-la como questão social. Santos e Mortimer (2002) entendem que disponibilizar representações que permitam ao cidadão agir, tomar decisão e compreender o que está em jogo no discurso dos especialistas, tem sido a principal proposição dos currículos com ênfase em CTS. No que diz respeito à implicação da ciência no problema social da velocidade na vida das pessoas, em geral, os estudantes entendem a ciência como inerentemente positiva. A discussão da velocidade vinculada ao social (riscos, aumento populacional, tecnologia das máquinas) e das consequências negativas associadas à possibilidade de atingir altas velocidades, devido ao avanço da tecnologia, pode permitir articulações que não eram pensadas para o ensino deste conceito físico. Para além das questões postas, em relação aos indivíduos como motoristas, pedestres, moradores das cidades, há aquelas em que as influências e consequências das inovações científico-tecnológicas são de cunho social, político e, portanto, entendidas como impulsionadas por motivos econômicos (por exemplo, na referência aos planos de saúde) e não por motivos democráticos (JENKINS, 1999). Somado a isso, no caso das questões sociocientíficas levadas às salas de aula é relevante pensar no grau de importância dada a elas pelos estudantes, algumas questões parecem importadas dos professores ou dos livros didáticos, não sendo de fato problemas para a faixa etária que debate a temática. A proposta CTS tem como mote a formação da cidadania e a promoção do letramento científico visando à apropriação de conceitos fundamentais da disciplina pelo estudante, prioritariamente por meio da leitura, interpretação e análise crítica dos problemas do cotidiano, relacionados aos conceitos aprendidos (SANTOS e MORTIMER, 2002; SANTOS, 2007). O texto analisado trata uma temática que, em geral, não constitui conflito nas aulas de ciências, a velocidade e o trânsito nas grandes cidades. São muitas as questões a enfrentar na relação com essa temática na Educação em Ciências, ou seja, dar possibilidades de questionar os sistemas de especialistas, as referências 119 às estatísticas oficiais, o discurso biológico como argumento de “autoridade” (tal como utilizado no excerto 6) e fatos sociais (vítimas, hospitais, pacientes, plano de saúde, dor e morte) relevantes para a retórica das consequências da velocidade no trânsito. No entanto, e de acordo com o exposto, para outras vertentes de pesquisa a incorporação dos resultados de pesquisa em estratégias de ensino ainda constitui um desafio para os educadores. 5.2.2.4 Linguagem Já vimos, em outros itens analisados, que as questões da linguagem estão presentes o tempo todo na discussão. Além disso, não é fácil separar nas análises cada uma das vertentes das pesquisas em Educação em Ciências. Por essas razões, nesse item discutimos aspectos que, embora considerados relacionados à linguagem, interagem com as demais vertentes da pesquisa, tais como o discurso científico escolar, a metáfora gramatical e cultura e discurso científico. a) Discurso científico escolar Partindo do princípio de que o eixo principal dessa vertente é a ideia de que aprender ciências é aprender a ler, falar, escrever e praticar ciência, a análise se voltou a entender com que outras dimensões do discurso, o discurso científico da ciência se hibridiza e que implicações tem esse conjunto de ideias no discurso científico escolar (SANMARTI,1997). Já apontamos também que um dos aspectos incorporados à pesquisa é a construção do conhecimento individual e coletivo pelos estudantes. O livro tem, em muitos trechos já mostrados, uma abordagem que promove agenciamento, alcançado pelo modo dialógico da linguagem, fato esse que se afasta da univocidade, por vezes identificada com o discurso científico. Encontramos no livro do aluno, em trecho que precede o excerto 5 o uso da expressão "prestar atenção", que parece fazer parte da formulação oral de professores em sala de aula, quando o que é explicado merece mais reflexão. A voz do professor, nesse sentido, não representa a lógica do discurso da ciência, mas sim da atividade pedagógica em jogo. Nesse caso, a atividade parece ser a do estudante 120 aprender e a do professor, ensinar algo, produzindo posições de sujeitos pedagógicos específicos. A interseção do discurso pedagógico é presente em várias situações do livro tal como, o trecho destacado do excerto 5 (ANEXO 5) “Entre partículas existem espaços vazios”, mediando a linguagem científica, reproduzido a seguir. As bolinhas dos modelos representam as substâncias que compõem o ar. Entre elas existem apenas espaços vazios. Ao longo da história da ciência, não foi fácil admitir a existência do vazio. Da mesma forma essa ideia pode perecer estranha para você (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ano, p.63, grifo nosso). Nos trechos: “ao longo da história da ciência, não foi fácil admitir a existência do vazio” e “da mesma forma essa ideia pode parecer estranha para você” além de recorrer ao termo ‘vazio’, parece haver uma preocupação em relacionar à dificuldade enfrentada pela ciência (em sua história) com aquela que o estudante experimentará para entender este conceito. Ora, a ideia de que antigas visões sobre teorias científicas possam ser retomadas por estudantes durante a aprendizagem das mesmas constituiu uma perspectiva de outras análises que já realizamos nesse capítulo (item 5.2.2.1, ideias antigas e história da ciência) e recorrentes no livro do aluno. Além disso, há nesse trecho uma aproximação entre autores e leitores antecipando uma dificuldade que os estudantes poderão passar para entender o conceito foco do ensino (vazio/vácuo). O enunciado parece representar a voz do(a) professor(a), como uma preocupação relacionada ao estudante que não entende o assunto logo de início, devido a sua complexidade. b) Metáfora gramatical Outro aspecto relacionado a essa vertente que ficou evidente na análise foi a forma de abordar termos técnicos e classificação científica frequente no ensino de ciências, como no trecho do Quadro 7, intitulado “Vida de piabas”, do excerto 1 (ANEXO 1). A começar pelo título que adjetiva a vida pela expressão “vida de piabas”, já se apresentando esse aspecto diferente do que costumamos encontrar nos livros didáticos, remetendo a questões mais concretas para o estudante. Por meio da adjetivação de vida, aproxima-se o sentido de vida cotidiana ao da biologia, sentido este excedendo a qualquer lista de características que possa ser ensinada ao estudante. Ao incluir o nome do peixe piaba no texto, o capítulo “Modo de ser e de viver dos vertebrados” aproxima o entendimento de aspectos da ciência a estes 121 seres com vida, ou seja, à compreensão do termo “seres vivos”, antes mesmo de entendê-los como pertencendo ao grupo dos peixes. Outra questão relacionada ao excerto 1 “Vida de piaba,” que reforça aspectos de análises anteriores, é a caracterização de um discurso dialógico presente em inúmeros excertos do livro didático em estudo. O excerto 1 “Vida de piabas” inicia-se com o enunciado “conhecendo as piabas”, sendo possível identificar muitas características dos peixes, e o emprego do verbo no gerúndio (aspecto de estilo do grupo autoral) implica uma ação presente, contínua e conjunta envolvimento o leitor/estudante. Além disso, há nesse início de texto uma sugestão de ambiência de construção coletiva do conhecimento. Portanto, a metáfora gramatical45 (neste exemplo, pelo uso do verbo conhecer na frente do nome piaba) parece colocar em evidência o conhecimento prévio do leitor para o entendimento do que vem a seguir. Diferentemente do que costumamos ver em outros livros didáticos, o excerto 1 procura não apresentar de forma excessiva os processos e atividades que envolvem os seres vivos na forma de metáfora gramatical. Neste excerto há um esforço voltado para a descrição do ser vivo (piaba) como, por exemplo, numa série de elementos que caracterizam o tipo particular de peixe, como no enunciado “piabas são peixes pequenos de água doce, encontrados em corredeiras de rios e riachos em todo o Brasil” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 6º ANO, p.168), ao invés de utilizar expressão do tipo “peixes ósseo” (osteíctes) a escolha foi a de realizar o caminho inverso, afastando os termos técnicos e o excesso de nominalizações. No entanto, no período: “possuem brânquias localizadas atrás de uma espécie de tampa chamada de opérculo”, não há um sujeito presente (elipse) referindo-se a peixes ou a piabas. Essa foi uma escolha que visou privilegiar a palavra “brânquias,” convertendo a atividade de possuir brânquias em um estado, o que vem a caracterizar uma nominalização neste período. Na continuidade do texto e na inserção de um segundo termo técnico denominado “opérculo”, houve a intenção de suavizá-lo na comparação com uma “tampa”, palavra de uso cotidiano (recurso metadiscursivo). O último período do primeiro parágrafo: “como todo peixe, possuem nadadeiras e um formato de corpo que facilita o deslocamento na água” 45 A gramática da oração, em especial a metáfora gramatical, se traduz numa forma de entender como um tipo de processo pode ser substituído pela gramática típica de outro (HALLIDAY e MARTIN, 1993). 122 (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9º ANO, p.168) faz uma analogia, transferindo o sujeito particular fonte, para um sujeito particular alvo (uso da conjunção “como”), na tentativa de aproximar a piaba ao grupo dos peixes para o entendimento da classificação biológica destes animais. Estas são questões que para Fairclough (2001) relacionam-se a estratégias retóricas envolvendo a produção do texto. Esta forma de apresentação antecipa a informação pela maneira como as piabas se locomovem, contribuindo para a construção do conhecimento pelo estudante, de forma a prepará-lo ao que vem a seguir. O texto continua utilizando a mesma estratégia discursiva da comparação pelo emprego da expressão “assim como muitos peixes...” partindo do menos familiar (a classe dos peixes) ao mais familiar (piabas). Observa-se que, nesse caso, não são apontadas diferenças, apenas as semelhanças (escamas e glândulas com muco), caracterizando a comparação retórica pela qual são elencadas características da classe dos peixes. A seguir, no excerto 1, temos outra comparação, neste caso envolvendo a bexiga natatória comparada a um saco de ar. O terceiro período do terceiro parágrafo completa a informação com a metáfora gramatical “quando a bexiga natatória está com grande quantidade de ar, o peixe flutua com pouco esforço muscular,” por oferecer eventos conectados numa cadeia causa-efeito, localizados num único espaço semiótico, o do próprio texto. Este é um artefato linguístico o qual elenca eventos ocorrendo de forma linear no meio natural. No quarto parágrafo, o foco volta-se para um fenômeno traduzido pelo termo técnico “piracema” no qual o processo em si é relegado a um segundo plano (reprodução com desova após subida de rio). O próximo período promove um corte de linguagem de aspectos mais objetivos (piabas/peixes) para mais abstratos (gametas), característicos do discurso científico. No quinto parágrafo, a metáfora gramatical “milhares de ovos são formados” dá ênfase à quantidade de ovos associada à garantia da espécie. Muitos eventos importantes são omitidos, tais como o fato de os ovos serem formados pelos peixes (fêmeas e machos), quando se encontram no acasalamento etc., caracterizando a linguagem científica. Outra metáfora é entendida pela expressão “muitos ovos e filhotes... são comidos,” na realização indireta cujo sentido não pode ser mapeado diretamente. Há no sexto parágrafo, novamente, o uso da comparação retórica entre piabas e peixes, que, nesse caso, parece não explicitar como piabas usam os 123 órgãos dos sentidos. Além disso, o emprego de certas expressões técnicas, como “órgãos dos sentidos” que nem sempre são de domínio dos estudantes, pode acarretar alguma fragmentação na compreensão do texto, considerando-se que peixes se diferenciam de outros grupos no que diz respeito à forma como sentem o ambiente. Pelos aspectos da linguagem entendemos que os elementos retóricos, termos técnicos e nominalizados geraram uma tensão entre descrição, narração e linguagem científica. A intenção de ensinar o tema peixes, a partir do contexto de vida de um tipo específico como as piabas, pode ser analisada de duas formas. No seu aspecto positivo, a menção do nome piaba e os exemplos de modo de vida desse peixe foi uma estratégia discursiva que procurou evitar processos excessivos de nominalizações e metáforas gramaticais, mas que mesclados com outros gêneros textuais podem constituir entraves para o entendimento da linguagem em geral e, da científica, em particular. Por outro lado, percebemos que a estratégia de contar a vida das piabas é interessante quando mesclada à linguagem científica. A estratégia da analogia nos pareceu importante nesta aproximação, porém parece não ter dado conta da aproximação em todos os elementos do texto. O que talvez pudesse ser resolvido é a apresentação dos dois textos separadamente, um com a história de vida da piaba e o outro texto científico, aludindo ao texto da história do peixe. A tessitura, nesse caso, parece nos mostrar de forma semelhante com o que encontramos no texto que dá ênfase à natureza da ciência, que certas formas de dizer são incompatíveis com outras. O texto científico faz uso de um conjunto de metáforas gramaticas/ nominalizações que, em geral, pode estar ligado às coerções do próprio gênero, ou seja, no qual muitas informações precisam ser dadas com um número reduzido de palavras. A narrativa/descrição, ao contrário, não está presa a esta questão, e o que vale é descrever com mais detalhes sobre algo ou alguém. Por isso, a junção de dois gêneros textuais com essas características configura formas que não se combinam linguisticamente. 124 c) Cultura e discurso da ciência O título do texto da seção “Trocando ideias” do excerto 2 (ANEXO 2) é “A influência da Lua,” no qual o verbo influenciar (forma não metafórica) torna-se o nome “influência,” caso típico de uma metáfora gramatical. Nesse título não é revelado o tipo de influência sobre o que, ou a quem é feita a referência. No caso do título do texto “A influência da lua” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ANO, p.202), parece haver uma tensão entre estratos da gramática, no qual o sentido semântico-discursivo não é mapeado ao nível léxico-gramatical e vice-versa. Portanto, este é um exemplo do que assinalamos sobre a estratificação da gramática, característica importante de análise para a linguística sistêmicofuncional. Uma forma não metafórica (congruente) para este título seria “A lua influencia a Terra/a nossa vida” que, neste caso, mapeia a expressão léxicogramatical pelo sentido semântico-discursivo. Este aspecto é relevante quando nos referimos a livros didáticos que, em geral, possuem pouca continuidade semânticodiscursiva; quer dizer, os textos nem sempre têm uma sucessão encadeada, buscando ampliação do entendimento. Como já dito, inúmeras vezes, o discurso científico escolar procura condensar uma série de relações cognitivas/informações em um número reduzido de palavras. O excerto 2 começa associando cultura popular às histórias e crenças de influências da lua sobre a vida das pessoas. A própria expressão “cultura popular” condensa um conjunto de informações que não aparecem para o leitor/estudante. Por exemplo, as culturas são locais, algumas mais hegemônicas que outras e a própria ciência também pode ser entendida como cultura, embora não popular. Além disso, a “cultura popular” está associada a histórias e crenças construídas por um agente desconhecido que provavelmente é subtendido pelo termo popular, como sendo aquela que pertence ao povo. O termo “popular” pode ter alguns sentidos contraditórios, e ao mesmo tempo em que pode estar associado a algo democrático, conhecido de todos, pode ser igualmente entendido como aquilo que é vulgar, de menos importância. No entanto, o uso da palavra cultura antecedente o termo “ popular” pode trazer um sentido mais positivo à palavra. De qualquer forma, trazer para o texto didático à discussão das crenças parece fundamental. Mas qual o lugar da cultura/conhecimento popular na sua relação com o conhecimento científico? Em geral, o conhecimento popular é entendido como diferente/impeditivo ao conhecimento científico, como neste 125 exemplo em que o estudo científico (apresentado no excerto) parece concluir que o nascimento de crianças não tem relação com as fases da lua e, ao contrário, a crença popular indica essa influência. O excerto 2 apresenta dois discursos de forma comparativa. Por exemplo, no primeiro parágrafo é explicitado o conhecimento popular e, no segundo, o conhecimento científico. Os dois discursos podem aparentar a mesma força discursiva, mas apresentam assimetrias, tais como, por exemplo, no segundo parágrafo o conhecimento científico ser mostrado na pessoa de um pesquisador de uma instituição de ensino federal, o que lhe atribui o status de especialista. Além disso, as ações sugeridas pelos verbos nos parágrafos são diferentes. O verbo “construir,” no primeiro parágrafo, associado à cultura popular, parece ter o sentido de criar histórias e as causas levantadas para estas ideias baseiam-se em consultas do calendário lunar e as sensações, experimentadas pelas pessoas (“cicatrizes antigas ardem”). No segundo parágrafo, temos uma ação do cientista que “resolveu verificar”. Verificar no primeiro parágrafo tem o sentido de consultar um calendário; neste segundo, tem o sentido de confirmar, procurar a verdade, corroborar, etc. Esses dois verbos: “resolveu verificar” são considerados uma locução perifrástica, ou seja, aquela que transmite certo valor (aspecto, tempo, modo) às informações suplementares em relação à ação designada (verificar). O verbo resolver pode ter duas interpretações: achar uma solução ou fazer desaparecer pouco a pouco (as dúvidas), mas, neste caso, modaliza o discurso veiculando uma vontade ou desejo. O trecho “resolveu verificar se as fases da lua realmente influenciam no nascimento dos bebês” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 8º ano, p.202) passa por uma vontade do especialista de dissipar a dúvida e, sobretudo, em buscar o que é verdadeiro pelo sentido dado pelo “realmente” (verdadeiramente). Os próximos trechos compreendem novas ações (analisar, construir gráfico) para o alcance da verificação realizada pelo especialista. O verbo “analisar” quer dizer estudar, examinar, investigar as datas de aniversário e sua relação com a lua do dia. O emprego de gráficos representa a linguagem científica em combinação com o discurso verbal, da escrita, de expressões matemáticas, representações gráficas e visuais e operações motoras no mundo natural, próprias dessa linguagem (LEMKE, 1998a, 1998c). 126 Embora as questões das crenças e cultura popular estejam presentes no excerto analisado, entendemos que os dois primeiros parágrafos contrapõem estes conhecimentos (popular e científico) de forma assimétrica pelos motivos expostos. 127 6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Nesse capítulo, vamos apresentar a discussão geral dos excertos (casos da linguagem em uso) do livro didático em articulação com os tradicionais discursos encontrados no livro (ciência escolar, mídia, pedagógico, senso comum), e com os considerados discursos da pesquisa. São eles: (i) o discurso do estudante, representado no discurso do movimento das concepções alternativas, (ii) o discurso do agenciamento na construção de conceitos científicos, (iii) o discurso sociocientífico no estudo do conceito físico da velocidade, (iv) o discurso da certeza e incerteza no discurso da natureza da ciência, (v) o discurso da linguagem científica, em diálogo com a linguagem pedagógica (vi) o discurso da ciência e a cultura popular, entre outros. 6.1 O CARÁTER HÍBRIDO DO TEXTO Na análise que realizamos não associamos um tipo de discurso da pesquisa a cada excerto do corpus de análise, embora a lembrança de inclusão de cada um deles, feita pelos autores, tenha levado em consideração essa relação mais específica. Além disso, não é possível, segundo Fairclough (2001, p.226), assumir como dado o papel dos discursos na prática social. Esse papel só é estabelecido por intermédio da análise. Portanto, essas relações só puderam ficar mais claras, a partir da análise da conjuntura e da análise textual. Verificamos na análise da conjuntura que muitas vertentes de pesquisa, embora separadas por seus componentes teóricos e metodológicos, têm pressupostos que se assemelham, por exemplo, o diálogo entre movimento das concepções alternativas e a abordagem do construtivismo, movimento das concepções alternativas e a vertente de estudo dos modelos mentais e modelagem, abordagem do construtivismo sociohistórico e a história da ciência. Em geral, várias destas vertentes aparecem na história, no campo de pesquisa em Educação em Ciências, com enquadramento teórico emprestado de outro campo de pesquisa. Por estes motivos, embora possamos entender que discursos permeiam certas vertentes de pesquisa, alguns estão mesclados de tal forma que sua identificação objetiva com uma determinada vertente/linha de pesquisa não se torna 128 possível. Se nos ativéssemos apenas aos sentidos da linguagem textual (perspectiva parcial), estaríamos alcançando uma parte da imagem total, da relação entre essas práticas sociais. Nesse caso, a análise da conjuntura trouxe a dimensão do contexto social, plano semiótico que a análise, focada somente no texto, não contemplaria. A seguir, procuramos mostrar a fusão e as principais ideias da pesquisa em Educação em Ciências recontextualizadas no livro. No que pudemos identificar na assessoria pedagógica, os intertextos analisados têm como principal tema a aprendizagem, ou seja, a forma como se aprende ciências, e as principais informações envolveram o entendimento da aprendizagem de ciências como linguagem, numa construção do conhecimento em oposição à aprendizagem por meio de definição e, portanto, com ênfase no processo da aprendizagem como chegada. Os sentidos associados a essa forma de aprender envolvem liberdade no aprendizado, caminhos diferenciados, idiossincrasias. Portanto, a intertextualidade demostra a colonização das ideias da pesquisa, sobretudo das vertentes do MCA, modelo e modelagem no livro didático, embora apresentando de forma mais focalizada as demais vertentes analisadas na tese. No que diz respeito aos conceitos da ciência, a assessoria pedagógica já apontava uma maneira diferente para o quesito da memorização, ou seja, uma abordagem mais voltada à construção do conceito pelo sujeito. Este movimento foi observado tanto nas formulações discursivas, que estimulavam a construção individual, como nos processos que sugeriam elaboração conjunta do conhecimento. Nesse sentido parece haver negociação com a prática pedagógica que tem o compromisso com a aprendizagem dos estudantes. Identificamos duas formas de enfrentar questões relacionadas aos termos técnicos, conceitos ou definições no livro do aluno. A primeira delas procurou articular o discurso da pesquisa ao movimento das concepções alternativas em associação com a construção individual ou coletiva dos estudantes (por exemplo, no excerto 4), e a segunda, com o uso da História da ciência ressaltando os obstáculos enfrentados pelos cientistas (excerto 3). Os atores sociais, representados nos textos da assessoria pedagógica, são os alunos/estudantes, os professores e acadêmicos. Há formas diferentes de se referir a esses atores, alguns deles são referidos a um grupo como o caso da expressão “ao questionar professores” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, assessoria pedagógica, p.7), o que pode representar a regulamentação de práticas e 129 consensos próprios do grupo. Nesse caso parece que levantamentos de concepções dos professores da pesquisa tiveram mais relevância do que as ações pedagógicas. No caso do estudante, identificamos diferentes formas de referências a esses atores sociais, tais como: alunos, estudantes e crianças. Teriam esses atores o mesmo status social? Outro aspecto complementar a esse diz respeito à associação entre criança e aluno. Por exemplo, a referência ao texto de Vygotsky explicita como a criança aprende por intermédio de uma diferenciação, entre aprender no cotidiano e aprender ciências (leis do equilíbrio). Essa preocupação nos pareceu ser a de apontar para as questões específicas da aprendizagem da ciência. Um aspecto relevante a ser mencionado nessa discussão diz respeito à linguagem empregada no livro “Construindo Consciências,” que parece delinear uma configuração diferenciada da que, em geral, encontramos em outros livros didáticos de ciências. O ordenamento hegemonicamente presente no livro didático perfila uma série de conceitos teóricos e abstratos, por intermédio de uma linguagem repleta de metáforas gramaticais e nominalizações. Ao contrário, os excertos analisados do livro Construindo Consciências apresentam uma linguagem que evita certas formas de nominalizações, termos técnicos, e que procura dialogar com o estudante, levando-o a refletir sobre os conceitos a serem aprendidos, propondo a construção constante de ideias, em contraste com a memorização e aprendizagem por definições, como já assinalamos. Nesse sentido identificamos uma negociação entre os discursos da pesquisa da vertente linguagem em diálogo com a linguagem científica. Além da questão de evitar um número grande de nominalizações foi possível identificar que nominalizações foram usadas para outras funções que não a de conformar teorias científicas. Por constituírem realinhamentos de estratos da linguagem, as metáforas são tradicionalmente empregadas para transformar léxicos46 o que não acontece com as metáforas gramaticais, pois ao contrário dos léxicos envolvem movimentos gramaticais que mantêm o significado, diferindo os significantes (MARTIN e VEEL, 1998). A nominalização “conhecendo piabas” realinha o verbo conhecer em nome (gerúndio forma nominal do verbo), estendendo o potencial de sentido tanto do léxico, como também das outras palavras que se organizam ao redor dele. A função da metáfora, nesse caso, não foi a de expressar uma teoria científica ou um conceito, mas a de incluir os leitores como conhecedores de um assunto que servirá de base para aprender sobre o estudo dos peixes. 46 Um mesmo significante sugere diferentes significados (MARTIN e VEEL, 1998). 130 Mesmo que tenhamos reconhecido uma instabilidade entre a linguagem na sua forma narrativa e a na sua forma metafórica, há nesse excerto a colonização da pesquisa da vertente da linguagem no texto didático. As escolhas lexicais empregadas de modo geral no conjunto de excertos do livro didático constituem também aspectos fundamentais para se entender essa coleção nos aspectos do seu estilo discursivo. O emprego do gerúndio como: construindo, modelando, viajando, entre outros exemplos citados na análise, caracteriza a obra didática por uma preocupação com a aprendizagem processual e contínua. Dessa forma, foi possível entender que os excertos analisados têm a marca da pesquisa em Educação em Ciências no formato mais dialógico, por incluir a voz do estudante, concepções alternativas, o discurso do social, da responsabilização, o discurso da ciência como atividade humana, mutável e em construção. Consideramos que o livro didático ciências “Construindo Consciências” revela mudanças que envolvem formas de transgressão e cruzamento de fronteiras, o que também não excluiu a reunião de convenções existentes em novas combinações, ou a sua exploração em ocorrências que comumente se coíbem. Por estas questões, arriscamos afirmar que a ordem do discurso da ciência foi transformada num desenho mais democrático e menos categórico no texto do livro analisado. A seguir, apresentaremos a discussão de alguns dos discursos identificados e os efeitos de sentido no diálogo entre pesquisa e ensino. 6.2 O DISCURSO DO ESTUDANTE REPRESENTADO NO DISCURSO DO MOVIMENTO DAS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS Em geral, livros didáticos não incluem no corpo do texto ou nas atividades propostas a voz do estudante, a não ser quando, em algum exercício, ao final da aula ou do capítulo do livro, é pedido que exercício/questionamento sobre o que foi ensinado. ele(a) responda algum Esse é um aspecto a se considerar por dizer respeito a questões de poder instauradas no discurso. A sala de aula (de ciências), assim como outros espaços educativos, ainda compreende relações muito assimétricas, tanto pela valorização do discurso da ciência, quanto na voz do professor que o detém. Como mencionamos na análise conjuntural e textual, o movimento das concepções alternativas procura modificar essa relação e, 131 de alguma forma, incluir a voz do estudante no que é ensinado e aprendido em ciências na escola. Pelos resultados obtidos, observamos que o livro em questão inclui a voz do estudante de diversas formas, com objetivos diferenciados e a partir de estratégias diversas. 6.2.1 Antecipação do erro Incluir as ideias dos estudantes é tensionar o conhecimento científico pela desigualdade, assimetria, na proposta de outra racionalidade. Na inclusão do discurso do outro (em geral minoria), é possível democratizar o espaço de sala de aula, não havendo apenas um único discurso. A questão da inclusão de respostas possíveis dos estudantes a problemas envolvendo o conhecimento científico em antecipação permite descartar/problematizar respostas não desejáveis como solução ao problema específico. Essas são questões muito estudadas e com vasta produção na literatura acadêmica. O estudante passa a entender que as respostas que trazem não são inéditas, já foram estudadas, se repetem, têm resistência, dizem respeito à faixa etária, e que podem desmobilizar enfrentamentos, embates cognitivos, embora não totalmente descartáveis. Tanto o excerto 4, “O que sabemos sobre luz e visão”, quanto o excerto 5, “Entre partículas existem espaços vazios,” são exemplos do que estamos discutindo. Os estudos, envolvendo as ideias prévias e alternativas dos estudantes, na sua relação com os conceitos científicos, contribuíram muito na sua incorporação, em aulas de ciências, portanto, não há como desconsiderá-los no que é dito e feito em sala de aula. Há, porém, pequenas diferenças entre os dois excertos, os quais, como já dissemos, estão voltados para a construção do conhecimento. O excerto 5 tem um endereçamento individual (“qual deles você escolheria?, pode parecer estranha para você”), enquanto no excerto 4 o endereçamento parece oscilar entre um comportamento coletivo e o individual. Consideramos importante problematizar discursos alternativos como sistemas à parte, como aqueles que não constituem a linguagem da ciência e, portanto, não autorizados na prática da ciência. Quando, no quadro teórico metodológico, nos 132 referimos a ensinar ciências na capacidade do aprendiz em falar, ler e escrever ciência e antecipar erros nos parece uma primeira etapa para se alcançar esses objetivos. 6.2.2 A mescla entre o discurso do MCA, modelagem, pedagógico e o discurso da ciência De certa forma, este item já foi mencionado no anterior, quer dizer, entender que a solução encontrada não é a única para o problema e que muitas vezes pode não respondê-lo é algo que precisa ser dito e ensinado aos estudantes nas aulas de ciências. O excerto 5, “Entre partículas existem espaços vazios,” além de preparar o estudante para entender a ideia de vazio entre moléculas, ensina que respostas diferentes a um problema são modelos explicativos, que os estudantes apresentam modelos diferentes para um determinado fenômeno, compreendendo também que a ciência tem o seu próprio modelo, para o mesmo fenômeno. Além disso, há para cada modelo uma discussão sobre o fato de que estes não atendem à resposta dada pela ciência. Nesse caso, houve uma combinação do discurso do MCA com o de modelos e modelagem, ambos transformados em discurso pedagógico, ao ressaltar o que falta e o que é representado de forma equivocada nos desenhos, servindo de demonstração no excerto. Aprofundando um pouco mais a questão dos sistemas de conhecimento, é importante entender que respostas diferentes como sistemas de saber pode oferecer outro entendimento para o ensino. Em geral, pensa-se que o que se sabe sobre determinado assunto está relacionada à subjetividade de alguém. Existe uma forma de pensar que entende que o discurso pertence à pessoa que o enuncia, o que para ACD não corresponde ao que ocorre. Aquele que enuncia está condicionado pelo campo semântico dado pela situação da enunciação. Além disso, há confusão entre o que é um saber de conhecimento e um saber da crença, sendo que o segundo refere-se a julgamentos e a valores que atribuímos ao mundo. Na análise que realizamos, identificamos que, ao saltar da linguagem das concepções alternativas e modelagem para a linguagem da ciência, há uma ruptura devido ao apagamento do agenciamento, as abstrações nas generalizações, questões nem sempre percebidas pelo leitor. Portanto, entender o discurso da ciência como um sistema de saber pode contribuir nas distinções que se fazem necessárias aos saberes que concorrem com o ensino de ciências. 133 6.2.3 O discurso normativo do professor e o discurso do MCA O discurso normativo é um discurso que permeia a sala de aula todos os dias. Pode ser traduzido como aquele discurso que vem do “legislador” dotado de poder e autoridade. No caso da sala aula, vem representado no discurso do professor (preste atenção; faça isso, não aquilo; silêncio, por favor). Em geral, esse discurso regulamenta as condutas na realização de uma tarefa social. Identificamos esse discurso em articulação com o da voz do aluno em confluência com ideias alternativas. A forma de incluir a voz do professor associada ao discurso do estudante (ideias prévias) parece afastar alguns dos comentários que fizemos nos dois itens anteriores. Diferentemente da antecipação ao erro e do entendimento da ciência como sistema de conhecimento, o discurso normativo pretende convencer pela coerção, prescrição, como no exemplo, “preste atenção! Todas essas conclusões estão erradas (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, 9 º ano, p.62). Não há, neste trecho, explicação, algum tipo de raciocínio esclarecendo as razões de certas ideias estarem erradas, como realizado nos exemplos anteriores. A base para argumentação, nesse caso, foi o certo e o errado, portanto não está claro para o leitor(a) por que fenômenos observados macroscopicamente não têm correspondência no mundo microscópico, como no exemplo analisado. A aproximação do discurso das ideias alternativas e o discurso normativo do professor parecem tensionar a relação entre conhecimento científico e ideias que os estudantes trazem sobre os fenômenos científicos. 6. 3 O DISCURSO DO AGENCIAMENTO/DIALOGISMO NO DISCURSO DO CONSTRUTIVISMO Muito se fala da linguagem da ciência como aquela que, além de excluir o agenciamento, compreende um conjunto de entidades (por exemplo, brânquias, moléculas, velocidade) que dificultam a aprendizagem. A ausência de agência pode contribuir com o não entendimento da causa e responsabilização da ação envolvendo a informação a ser comunicada. O discurso do construtivismo pedagógico mostrou-se contrário à nominalização comum nos textos didáticos de ciências. O excerto 5, “Entre partículas existem espaços vazios,” parece aclarar o que destacamos. Como vimos 134 nas análises, a primeira etapa deste excerto envolveu a desconstrução de ideias, significando um conjunto de conhecimentos prévios dos estudantes, por intermédio de modelos, para depois, por meio de poucas nominalizações, apresentar o conhecimento científico e responder ao modelo molecular das substâncias. Isso significa que a intenção foi se afastar do movimento do discurso da ciência escolar (que acompanha o movimento da linguagem da ciência), o qual a maioria das coisas ocorrendo no mundo se transforma em nomes, um mundo feito de coisas, ao invés de um mundo de acontecimentos. Halliday e Martin (1993) apontam que os estudantes reagem a essa realidade imposta pela linguagem da ciência. Dessa forma, gostaríamos de argumentar que os textos do livro didático não necessariamente acompanham as formas linguísticas da linguagem da ciência, e nem por isso deixam de ensinar o conhecimento da ciência. Mesclar textos de outras formas linguísticas tais como o que inclui agenciamento e diálogo com os estudantes ameniza e é um contraponto para a aprendizagem da linguagem metafórica da ciência. O fato dos excertos analisados mesclarem elementos discursivos voltados ao diálogo, agenciamento do leitor, interação entre os interlocutores, aspectos da pesquisa em Educação em Ciências (história da ciência, construção do conhecimento, concepções alternativas entre outros) e o discurso da ciência, possibilita uma submersão maior, tanto na aprendizagem da ideia de espaço entre as moléculas como no entendimento de modelos científicos aspecto fundamental da natureza da ciência. 6.4 O DISCURSO DO SOCIAL E O DISCURSO DA PESQUISA EM CTS A vertente da pesquisa chamada CTS, como mostramos na conjuntura da tese, nasce com a responsabilidade interdisciplinar de agregar ciência, tecnologia e sociedade e atualmente tem incluído também a dimensão ambiente em suas preocupações. Em geral, a ciência parece não se envolver com dimensões da vida social, nos problemas sociais e suas soluções; por exemplo, no que se referem às questões ambientais, as resoluções quase sempre se expressam mais na forma de controle de consequências coletivas de danos às comunidades. A linha de pesquisa CTS, concebida a partir de visão interdisciplinar, procura dar conta dessas dimensões sociais não presentes no conhecimento científico. 135 Portanto, visa ao questionamento e inclusão de disciplinas, que associadas às científicas, contribuiriam no avanço das problemáticas envolvendo o trânsito nas grandes cidades, o uso do celular e o perigo dos transgênicos para a saúde humana etc. Pode ser que textos que incluam questões sociais em interseção com o discurso da ciência devam tangenciar questões ausentes (o indiscutível) nos debates em nossas sociedades. Por exemplo, qual o lugar da lentidão, da vagareza no trânsito? Parece-nos relevante salientar o aspecto presente no excerto 6, “Viajando com segurança”, que faz sentido na discussão da pressa, rapidez em nossa sociedade, nem sempre explícita no tema velocidade. A concepção de velocidade parece não incluir graduações, tais como, pouca, média e nenhuma velocidade. O que aparenta ficar de fora é a principal razão da discussão, a de que para realizar deslocamentos humanos, de forma rápida, há a exigência de poder aquisitivo (carro próprio, aviões). Portanto, quem não pode se deslocar dessa forma por não ter como pagar vive em transportes públicos que, por funcionarem de forma precária, contribuem para a pouca eficiência espaço-tempo de trabalhadores das grandes cidades. Por esse e outras motivos consideramos os textos que buscam incluir aspectos do discurso CTS ainda inconclusos para as problemáticas sociocientíficas. Por outro lado, a ideia de discutir velocidade, para além do conceito da física, nos pareceu uma mudança discursiva bem recortada e não identificada em perspectivas de ensino, no campo da Educação em Ciências. Tal como apontado por Martins (2007), a ausência de questões estéticas, intuitivas e emocionais da criatividade científica nos materiais educativos tem contribuído para um sério afastamento entre a ciência e as questões sociais (MARTINS, 2007). 6.4.1 O discurso da confiança, risco e responsabilização Em geral, as habilidades de avaliar evidências e formular conclusões são importantes ao letramento científico. Ainda assim, mesmo tendo acesso às evidências sobre o uso de tecnologias, as pessoas acabam deferindo aos especialistas julgar a confiabilidade das fontes, uma vez que certos conceitos e conhecimentos científicos são muito difíceis ao público leigo (CHRISTENSEN, 136 2007). Tomar decisão tem sido uma tarefa mais complexa do que parece, principalmente pelos aspectos que já discutimos das incertezas que rondam a ciência. Alguns estudos consideram, por exemplo, que o principal item que as pessoas avaliam como risco relaciona-se diretamente ao grau de possíveis danos que certas tecnologias ou procedimentos acarretam à sua integridade física, deixando de lado outras facetas do problema. O texto “Viajando com segurança” é um excerto que pode contribuir com essa discussão na questão do trânsito. O excerto 6 dirige a maioria das perguntas a posicionamentos individuais e é bem possível que a maioria das soluções oferecidas pelos estudantes, possa estar vinculada aos danos individuais como assinalamos. O que identificamos é que, mesmo com todos os esforços de incluir na pauta os problemas sociocientíficos, a maioria dos textos que buscam um discurso social, ainda propõe uma postura de responsabilização voltada para o indivíduo, mais do que para o coletivo, ou seja, com pouca interferência social e institucional. Portanto a aposta feita, ao final do excerto 6, relacionando pessoas educadas com melhor possibilidade de lidar com dispositivos tecnológicos pode nem sempre dar conta do letramento científico almejado. Talvez seja interessante pensar se o contrário, por exemplo, pessoas com pouca escolaridade teriam igualmente condições de tomar decisões, em relação às questões científicas com implicações sociais. Há que se perguntar com que reflexões o ensino de ciências tem contribuído para a tomada de decisão nas sociedades atuais? 6.4.2 O discurso da ciência como prática humana em interseção com a História da Ciência e CTS Consideramos pela análise realizada que mesclar características da linguagem científica (nominalização, apagamento do agenciamento) afasta a possibilidade de construir um sentido de ciência como prática humana. Consideramos igualmente que, focar nos cientistas e em seus experimentos, embora relevante por trazer a dimensão da ciência como prática humana, ainda inclui o risco de configurar uma abordagem recortada de episódios históricos, desmembrados de uma panorâmica da história, pela ausência de aspectos socioculturais a influir no que se pesquisa e produz em ciência. Pareceu-nos que, comparando os dois excertos 6 (Viajando com segurança”) voltado para a vertente CTS, e o 3 (Avaliando evidências sobre a nutrição dos 137 vegetais) voltado para a História da Ciência, o primeiro apresentou melhores condições de interseção com o discurso da ciência como prática humana. Arriscamos uma razão para o fato do discurso da ciência como prática humana configurar melhor aderência ao discurso CTS: parece-nos que discurso, nessa vertente, possibilita articular “o conhecimento científico com o seu uso social como modos elaborados de resolver problemas humanos” (SANTOS, 2007, p.487). Mesmo assim, entendemos que tanto o discurso do CTS, como o da História da Ciência ainda precisam ser mais explorados no aspecto discutido e nas suas potencialidades em relação ao ensino de ciências. 6.4.3 O discurso do especialista x da cidadania no discurso CTS Implicar os estudantes de forma a que pensem sobre as questões rotineiras com estranhamento permite abalar a estrutura de confiança nos sistemas de especialistas, possibilitando requalificação e empoderamento (GIDDENS, 2002, p.134). Para Giddens (2002), vivemos num sistema sem autoridades definitivas, mesmo as crenças mais acalentadas subjacentes aos sistemas especializados estão abertas à revisão, e comumente alteradas de maneira regular. O empoderamento está disponível para o leigo como parte da reflexividade da modernidade, mas muitas vezes há problemas sobre como esse empoderamento se traduz em convicções e em ação (GIDDENS, 2002, p. 133). Os sistemas de especialistas, as referências às estatísticas oficiais, o discurso biológico são utilizados para construir os argumentos de “autoridade” e fatos sociais (vítimas, hospitais, pacientes, plano de saúde, dor e morte) relevantes para a retórica das consequências da velocidade no trânsito. Esta perspectiva nos leva a problematizar em que medida tem ocorrido o desenvolvimento da formação cidadã, uma vez que ainda continuamos a delegar a um grupo pequeno aquilo que é bom para a maioria das pessoas, assinalado como naturalização e universalização de discursos. Nesse contexto, o empoderamento se constrói pela dissolução do consenso naturalizado, proporcionando maior reflexividade por parte do estudante. O estudante é levado a considerar os diversos aspectos da educação para compreender, por exemplo, no conceito de velocidade, tanto aquilo que constitui sua parcela individual como no que é do âmbito das instituições ao formular as leis, na construção de estradas de qualidade, na formação de profissionais que controlem o trânsito, entre outros aspectos. 138 6.5 O DISCURSO DA CERTEZA E INCERTEZA NO DISCURSO DA NATUREZA DA CIÊNCIA O excerto 3, “Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais” (CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS, livro do aluno, p.151- 154), parece conformar uma visão realista da ciência, ou seja, aquela que apresenta uma correspondência entre teoria e realidade. Esse tipo de visão está associado ao que é certo e errado, atual ou imaginário, fato ou ficção. Em geral, o realismo tem como base o ceticismo, e certo objetivismo de que o mundo independe do conhecimento que dele temos. Essa forma de pensar leva o estudante à ideia de que discurso e conhecimento não são autoreferenciados e, por isso, falíveis. No caso das ciências sociais, essa visão não faz sentido, uma vez que o fenômeno social é conceitualmente dependente e as teorias influem na prática social; por isso, o social não tem como ser independente do conhecimento que temos sobre ele. Para o realista o conhecimento é útil porque é verdadeiro e, no caso da ciência, este aspecto é mais do que útil, uma vez que o conhecimento se faz bem sucedido, ou seja, a verdade tem a ver com adequação prática. Essa questão tem relação com a linguagem que não apenas descreve o mundo, mas ela mesma é performática, ou seja, cria objetos que passam a fazer parte do mundo. No caso do excerto 3 estudado, a questão da natureza da ciência surge quando a relação estabelecida no texto entre respostas diferentes a um mesmo problema é representada com sentido de erro. Parece-nos que, se conferimos às narrativas históricas e ideias passadas o status de erros, duas consequências podem influir no ensino: a primeira a de que há o pressuposto de que o que se busca na ciência é pelo certo/verdadeiro e, nesse caso, voltamos à ideia de uma ciência empírico-dedutiva e, segundo, que ideias erradas do passado conferem a esses estudos uma visão de incerteza. A tarefa de falar sobre a ciência em textos didáticos não é simples, há limites impostos pela própria linguagem. Alguns limites dizem respeito às visões que confundem (a) o caráter tentativo das explicações científicas com indefinição e (b) incerteza com ceticismo. Identificamos também que algumas formulações de explicações científicas nos livros didáticos, especialmente as que possuem características típicas da linguagem da ciência - altamente metaforizada, com baixa complexidade gramatical e alta densidade léxica -, podem favorecer estas visões. Quer dizer, ao tratar as atividades da ciência como entidades científicas, os aparatos 139 usados na linguagem metaforizada da ciência são incorporados ao texto, transformando a própria prática da ciência em teoria. Dessa forma, entendemos que, por um lado, a discussão sobre a natureza da ciência do excerto 3 e nos léxicos empregados apontou para a ideia de incerteza na produção do conhecimento científico; no entanto, a forma como o texto está configurado (indeterminação do sujeito e falta de agenciamento) parece mostrar um sentido contrário a essa ideia, tendo como produto uma ambivalência de sentido no texto. Podemos atribuir à ambivalência identificada a inerente complexidade dos textos didáticos analisados. O fato de que as produções discursivas resultam da articulação de discursos diversos, tais como o do cotidiano, o cientifico e o discurso da pesquisa, permite afirmar que, de acordo com a ACD, articulados, esses discursos produzem textos híbridos que negociam visões de mundo nem sempre consensuais. 6.6 O DISCURSO DO COTIDIANO EM ARTICULAÇÃO COM O DISCURSO DA CIÊNCIA E CTS Uma forma de enfrentar os problemas da aprendizagem do conhecimento científico é fazer com que os estudantes entendam que a linguagem da ciência é diferente da linguagem cotidiana. Já dissemos que o livro em questão enfrenta esse problema, suavizando o emprego de nominalizações e metáfora gramaticais. No entanto, a linguagem científica tem que ser aprendida. Não é possível transformá-la em outra qualquer. Muitos foram os exemplos nos quais identificamos a articulação entre os discursos da ciência e o do cotidiano. O excerto 1, “Vida de piabas,” nos pareceu a tentativa que mais caracteriza as diferenças entre esses discursos, por isso uma estratégia interessante na articulação entre diferentes visões de mundo ou sistemas de crença. No entanto, pelos aspectos da linguagem, os elementos retóricos e nominalizados geraram uma tensão entre os dois gêneros textuais e por isso consideramos que para entender essas mudanças na linguagem o (a) professor(a) precisa estar ciente da assessoria pedagógica, de forma a mediar ativamente a passagem de uma linguagem à outra, ao lidar com o texto em sala de aula. 140 No que diz respeito ao discurso CTS o excerto 6, “Viajando com segurança,” inclui o discurso do cotidiano hibridizado ao discurso da ciência menos tensionado, incorporando fundamentos do discurso CTS, quais sejam, a ênfase dada aos compromissos da ciência/tecnologia e o municiamento dos estudantes com argumentos, informações e posições críticas em relação ao problema da segurança no trânsito, na vida das pessoas e, na sua própria vida. 6.7 O DISCURSO DA CULTURA EM ARTICULAÇÃO COMO DISCURSO DA CIÊNCIA O excerto 2, “A influência da Lua”, parece ter sido o único caso da incorporação do discurso da cultura em articulação com o discurso da ciência. Em relação à análise desenvolvida, entendemos que a articulação não se deu de forma harmoniosa, devido à questão do lugar dos atores sociais e seus poderes; de um lado, o conhecimento adquirido pela vivência, permeado de valores e crenças das pessoas comuns, e de outro, o conhecimento legitimado do pesquisador. Esse discurso contém em si mesmo um desnivelamento de poder indicado por posicionamentos ideológicos, nas atividades dos atores sociais no texto. Segundo Resende e Ramalho (2009), quando discursos entram em competição em um texto, um deles ocupa o lugar do protagonista e outro o do antagonista. E a articulação, nesse caso, se faz na negação de um dos discursos em relação ao outro. Entendemos que uma parte, a dos atores sociais (pessoas), teve agência ofuscada, enquanto a outra (pesquisador brasileiro) sobressaída no texto. Por isso, consideramos que as questões que problematizam o texto podem dar a entender que respostas associadas às crenças populares não tem lugar no conhecimento humano. O ensino de ciências, cada vez mais, abarca responsabilidades que, se por um lado aumentam a importância desse campo disciplinar, por outro, podem inviabilizar competências para sua efetivação. Questões interdisciplinares sugeridas como formas de trabalhar certos conceitos, nas diversas disciplinas, nos parecem ainda pouco viáveis no ensino, uma vez que não há exemplos claros de sua transposição didática. 141 6.8 O DISCURSO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS NO LIVRO DIDÁTICO CONSTRUINDO CONSCIÊNCIAS Por fim, como vimos na discussão desenvolvida, a pesquisa da Educação em Ciências, por ter, ela mesma, uma dimensão interdisciplinar na inclusão de referenciais teóricos diversos, incorporadas aos excertos, nem sempre dá conta de mobilizar da forma como sugerida nas diversas abordagens a melhoria que se espera para o ensino de ciências, com a inclusão das dimensões sociais e culturais. Reconhecemos que há de fato a interseção das vertentes de pesquisas, aprofundadas na conjuntura desta pesquisa, no texto do livro didático, mesmo que em ambivalência/prevalência/equivalência com a linguagem da ciência, em consonância/conflito com o discurso da ciência escolar, indicando movimentos discursivos em andamento. Muitos desses movimentos discursivos são mais complexos do que pudemos observar pelas análises realizadas. O trabalho discursivo a ser realizado, para promover a incorporação no discurso da ciência escolar, uma ou mais dimensões das vertentes de nossos estudos, fruto das pesquisas que realizamos, demanda um conjunto de investimentos diversos, por serem altamente recursivo, envolvendo inúmeras reelaborações, direcionadas a transformar formas tradicionais instaladas no discurso da ciência escolar. O livro didático de ciências, nessa pesquisa, tem a natureza de objeto de fronteira entre práticas sociais diferenciadas. Portanto, o livro didático pode ser caraterizado tanto como um espaço que permite a travessia, como também da dificuldade, do embate imposto pelo movimento do cruzamento da fronteira. Esse espaço, que a princípio não pertence a nenhuma das práticas, pode ser comparado a “uma terra de ninguém”, portanto um lugar de disputas (AKKERMAN e BAKKER, 2011, p.141). A pesquisa que realizamos deu ênfase à transferência de ideias, do ponto de vista da pesquisa, e, portanto a incorporação das ideias pautadas pelas perspectivas da prática da pesquisa em Educação em Ciências e, no entanto, percebemos que, em certos momentos a lógica da perspectiva do ensino predominou sobre a da pesquisa. 142 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A tese apresentada é uma investigação altamente contextualizada por voltarse a um conjunto pequeno de textos, imersos em uma conjuntura específica, entrelaçados em uma série de associações projetivas, respondendo à tradição de pesquisa a qual estamos vinculadas. Além disso, foi tecida da mesma forma como se faz uma roupa ou vestimenta, ou seja, no seu fazer, muitos aspectos foram retomados, reajustados, reorganizados. Quer dizer, foi necessário realizar movimentos tais como o de retomar aspectos do plano inicial, identificando a possibilidade de articulação entre pesquisa e ensino, o de juntar elementos do corpus às análises tanto na redução como na ampliação dos excertos do estudo, todos eles pertinentes a questões levantadas no relatório de qualificação, entre outros. Como dissemos nos capítulos iniciais, a existência do texto mesmo antes da sua exteriorização é real, fato esse que se fundamenta pelas ideias que resistiram até o final, mas que, por outro lado, somaram-se a novas escolhas aventadas ao longo da pesquisa, permitindo o inusitado, a perturbação, o não esperado. Uma das questões que mais atraiu nessa pesquisa foi, sobretudo, a possibilidade de investigar, via esse livro didático, momentos da prática social, nos quais domínios vistos contemporaneamente como apartados figuram em aproximação, com todos os percalços que podem influir na avizinhação. Uma questão que apareceu por intermédio da análise do corpus de pesquisa foi a de que os fatos textuais (performáticos) revelam perfis fascinantes da linguagem produzida e as suas ocorrências nos surpreenderam. Surpreenderam porque essa foi a primeira vez que nos voltamos para aspectos do discurso. Em geral, o que os analistas do discurso alcançam pelo corpus não é exatamente o discurso, mas a descrição do texto. De qualquer forma, ousamos caracterizar alguns discursos tais como o discurso do estudante, o discurso da certeza, o discurso do social, o discurso normatizador, o discurso pedagógico, entre outros. Isto foi feito com base em inferências a partir de evidências retiradas de recursos textuais que se remetem a um ou mais discursos de origem, e nos quais reconhecemos alguma intenção pelo entrelaçamento de contextos. 143 Os fatos textuais revelaram uma realidade sobre o uso da língua, que até então não era tão evidente para nós pesquisadoras e que, arriscamos dizer, de certa forma nem para os produtores do texto. A princípio parecia que a pesquisa em Educação em Ciências, suas vertentes e ideias seriam identificadas em uma forma mais próxima da original, principalmente por intermédio de termos específicos e expressões particulares. Entretanto, reconhecemos imediatamente que, como mostrado nas análises, na passagem de ideias de uma prática à outra, são muitos os movimentos de recontextualização. Widdowson (2010) considera que o corpus de análise lida com o que é textualmente atestado, mas não com todas as facetas do problema possíveis de codificar ou decodificar, nem mesmo em circunstâncias em que o contexto é totalmente apropriado (WIDDOWSON, 2010). Essas questões não têm a ver com uma desvalorização do corpus, mas com a de deixar mais claro o verdadeiro valor que se deve dar a essa dimensão da pesquisa. Os textos que compõem o corpus têm uma realidade refletida: eles só são reais por causa da realidade pressuposta de que são traços. Esse fenômeno é chamado descontextualização da linguagem, que faz com que ela seja parcialmente real (WIDDOWSON, 2010). A capacidade que a linguística tem de atestar é tão parcial quanto a linguística permite, pois depende da linguagem e de como o assunto é projetado em referência a, melhor dizendo, em deferência à evolução da disciplina linguística. Retomando as considerações que resistiram na tese, entendemos que essas podem ser resumidas ao potencial do livro didático em estudo em incluir articulações entre a pesquisa em Educação em Ciências e o ensino de ciências e na premissa de que por fazerem parte de práticas sociais diferenciadas a pesquisa não tem comparecido no ensino de ciências, e, portanto, não tem informado o livro didático de ciências, o que não constitui verdade para o caso específico estudado nessa tese. Em relação ao problema inicial de pesquisa, ou seja, a como as ideias da pesquisa em Educação em Ciências se incorporam ao livro didático, no objetivo de criar inteligibilidade sobre diálogos em complementariedade, contraste, anacronismo, consenso, negação, no contexto dessa tese específico nos parece que os resultados levam a pensar que esse caminho inaugura possibilidade importante para as questões focadas no ensino de ciências. O estudo mostra que são muitas as possíveis articulações proporcionadas por essas instâncias sociais. Por outro lado, 144 chamamos atenção, mais uma vez, para o fato de que as articulações apontadas na tese não são as únicas postas na relação pesquisa e ensino. Entendemos também que, pelos motivos aqui apresentados com base na literatura do campo, o livro didático, ao invés de ocupar o lugar de objeto de crítica das pesquisas, no que se refere à estabilidade do currículo de ciências, deveria igualmente ser considerado como o lugar do questionamento das ordens do discurso que hegemonicamente operam nesse instrumento pedagógico. Quer dizer, uma forma de mudar o ensino de ciências é mudar o livro didático de ciências nos diversos aspectos apontados nessa tese, tais como na incorporação da voz do estudante em quantidade suficiente, para que se reconheçam como sujeitos retratados no livro, na possibilidade que o estudante tem de aprender socialmente via livro didático, no discurso cujo foco é o de apresentar a ciência como prática social e institucional, nas diversas formas assumidas pelo discurso da ciência, na confluência dos elementos da linguagem tais como agenciamento, processos relacionais na dimensão social do conhecimento científico, no desenvolvimento de atitudes emancipatórias coletivas ao invés das individuais nos problemas apresentados, na aproximação necessária entre a linguagem científica com a linguagem cotidiana, para citar alguns dos aspectos discutidos nessa tese. Fairclough (2003) entende que a estrutura social mantém o grau de estabilidade das práticas sociais, mas considera também que textos podem atuar casualmente sobre essas estruturas provocando pequenas mudanças, pequenas rupturas nos modos de representar e agir próprios daquela prática. Como produto social, vinculado à produção, circulação e recepção de textos por sujeitos participantes das práticas discursivas, o livro didático analisado se contrapõe à lógica hegemônica a partir dos textos elaborados em co-construção, mesmo considerando a alta exposição à colonização do mercado editorial e institucional a que está sujeito. Muitos aspectos das vertentes de pesquisas, tais quais as das abordagens construtivistas foram recontextualizados nesse livro e as maneiras encontradas para isso foram diversas. Consideramos que o discurso das concepções alternativas, seja pelo destaque ao papel do erro e à voz docente, seja na opção construída de filiação a modelos configurando uma forma diferenciada ao modelo hegemônico, tem muito espaço no livro que analisamos, em oposição à recorrente e estável maneira de assertivas nos discursos presentes no livro de ciências tradicionais. 145 Mas uma vez salientamos que esses aspectos isolados não garantem as mudanças requeridas no ensino de ciências, mas que a pesquisa que realizamos trouxe à tona discursos que costumam tradicionalmente serem ignorados no ensino, considerados neste contexto como pequenas rupturas provocadas nos efeitos de sentidos do diálogo entre pesquisa e ensino de ciências, identificadas no livro Construindo consciências. Entendemos que essas foram algumas das facetas exploradas pelo livro didático em análise que por articular discursos nem sempre presentes nas aulas de ciências, muitas vezes configuraram inciativas que não encontraram espaço complementar ao discurso da ciência. 7.1 O LIMITE ESPERADO Um aspecto a ser lembrado, no final desta tese, diz respeito às limitações no tocante às conclusões da análise em um trabalho como o nosso. A questão da representatividade, neste enfoque, depende sobremaneira dos interesses que nós, como pesquisadoras, tensionamos na pesquisa, levando sempre em consideração que os resultados da mesma serão cada vez mais genéricos ou pontuais quanto maior o corpus, tanto em número de ocorrência de palavras quanto de gêneros textuais (RODRIGUES JÚNIOR, 2005). Uma questão que ainda precisa ser mais aprofundada diz respeito às políticas curriculares, aos procedimentos editoriais e à interferência que estes têm na articulação entre pesquisa em Educação em Ciências e ensino. Por exemplo, os autores, como agentes sociais que confeccionam textos, estabelecem relação entre os elementos dos textos, mas não são totalmente livres em suas concepções e intenções para o livro. Podemos pensar que o processo de escrita de livros como este, em geral, se dá em um contexto no qual não há total autonomia. Há restrições estruturais no processo – tais como, por exemplo, a própria configuração composicional do livro, recomendações curriculares, a prática pedagógica, entre outros. Não é comum encontramos um livro didático que contenha um capítulo apenas com experimentos ou com elementos da História da Ciência, ou ainda um capítulo totalmente voltado a questões sociais envolvendo a ciência, essas questões estão mais articuladas e afins a certos temas, o que não ocorre com todos. 146 Verifica-se, complementando o que foi dito, que, ao longo da história, o sujeito-autor vem perdendo status pelos limites, padrões e exigências postos em relação às obras, contribuindo para o sucessivo apagamento da autonomia desses sujeitos (SOUZA, 1999). Mesmo com toda a preocupação que os autores tiveram com apresentação da proposta de forma bem clara e objetiva, ainda há muito a fazer, quando a intenção é a interseção entre a pesquisa e o ensino. Como dissemos, nas análises textuais, nada garante que o professor leia a assessoria pedagógica, e mesmo que a lesse, não há garantias acerca de um pleno entendimento de que as concepções prévias serão valorizadas, do sentido que a pesquisa traz pra ele, do papel dos modelos, da história da ciência e assim por diante. Sabemos que o professor irá utilizar ideias reelaboradas e muitas das atividades sugeridas, mas, pelo fato de apresentarem nova abordagem, requerem a leitura prévia da assessoria pedagógica, e embora compreendam atividades simples, essas ainda demandam muita mediação. As redes de discursos são poderosos encadeamentos visando a que certos discursos sejam mais presentes, estáveis e universalizados, portanto estudar uma parcela da prática social não demonstra como as características gramaticais manifestas nos textos se relacionam e estão em associação com outras características co-selecionadas. Por exemplo, não ficaram claro nessa pesquisa o porquê de certas ideias estarem associadas às específicas vertentes de pesquisa e ligadas ao discurso pedagógico. Quer dizer, o porquê de um discurso se tornar mais fluente que um outro. 7.2 ESTUDOS FUTUROS Consideramos que um dos maiores limites identificados no item anterior é o da possibilidade de aprofundar questões do discurso relacionadas às vertentes de pesquisa na sua relação com o ensino de ciências. Quer dizer, levadas pelo conjunto de vertentes de pesquisas mencionadas pelos autores, procuramos dar conta das inúmeras possibilidades de articulações entre pesquisa e ensino. No entanto, entendemos que selecionar uma delas e mergulhar nas questões 147 levantadas pode ser uma estratégia que traga outras interpretações que esta tese não vislumbrou. Um aspecto que não exploramos nessa tese e que complementaria nossos estudos tem a ver com a leitura e a recepção desses textos por leitores para os quais são endereçados, entre eles, avaliadores de livros didáticos, professores e estudantes. Provavelmente teríamos diferentes formas de elaborações a partir de um mesmo excerto de texto. A questão de não historicizar a autoria foi uma opção que tivemos que tomar e que pode ser mais aprofundada em trabalhos posteriores. Não discutimos a questão da identidade do grupo que autora esse livro didático, embora tenhamos apontado algumas características do grupo. Em outras palavras, a opção foi por concentrar a atenção na articulação da pesquisa em Educação em Ciências e o ensino de ciências. Entretanto, estudos futuros poderão incluir e problematizar outras dimensões de estilo. Outra consideração importante diz respeito ao fato de que o recorte adotado deixou de lado algumas vertentes de pesquisa. Um exemplo diz respeito à questão do papel das imagens em articulação com o texto, ou seja, considerações acerca da natureza multimodal dos discursos científico e científico-escolar. Futuras investigações, no contexto desta e de outras obras, poderão esclarecer a respeito das incorporações de resultados de vertentes pesquisas emergentes na área. 148 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, T. B., FERNANDES, J. P.; MARTINS, I. Levantamento sobre a produção CTS no Brasil no período de 1980- 2008 no campo de Ensino de Ciências, Alexandria, Revista de Educação em Ciência e Tecnologia, 2013. No prelo. AGUIAR JR, O. O papel do construtivismo na pesquisa em ensino de ciências. Investigações em Ensino de Ciências, v.3, n.2, p.107-120, 1998. AGUIAR JUNIOR, O. G. Professores, reformas curriculares e livros didáticos de ciências: parâmetros para produção e avaliação do LD. In: ENCONTRO DE PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA, 9, 2004, Jaboticatubas. Anais... Jaboticatubas: Sociedade Brasileira de Física, 2004. 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O muco é um material transparente que lubrifica a pele, facilitando o deslizamento dos peixes na água e protegendo seu corpo contra a entrada de organismos causadores de doenças. Dentro do corpo – como muitos peixes - as piabas possuem um saco de ar, chamado bexiga natatória. Esse órgão auxilia a flutuação do peixe na água, em diferentes profundidades. Quando a bexiga natatória está com grande quantidade de ar, o peixe flutua com pouco esforço muscular. Veja a figura a seguir: As piabas têm facilidade para viver em corredeiras. Nas primeiras chuvas do ano, esses peixes fazem a piracema. Os gametas do macho e da fêmea – espermatozóides e óvulos – são lançados na água ao mesmo tempo. O encontro dos gametas ocorre na água e dá origem aos ovos de onde nascerão os filhotes. Em geral, milhares de ovos são formados, mas poucos chegam à fase adulta, garantindo a sobrevivência da espécie. Muitos ovos e filhotes nascidos são comidos por outros animais. Assim como as piabas, todos os peixes possuem órgãos dos sentidos por meios dos quais percebem estímulos da água. Com o olfato, os peixes podem encontrar alimentos e os parceiros da mesma espécie. Os movimentos da água são captados por uma estrutura do corpo chamada linha lateral. As piabas são de grande importância em nossas águas. Elas servem de alimento para peixes maiores e alimentam-se de algas, ovos de outros peixes e larvas de insetos, como as do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue e da febre amarela. 162 ANEXO 2 A influência da Lua A cultura popular construiu várias histórias e crenças acerca da Lua e de suas possíveis influencias em nossa vida. Existem pessoas que não cortam os cabelos sem antes verificar o calendário lunar. Algumas afirmam que as cicatrizes e machucados antigos sempre ardem quando “muda a lua”. Outras, ainda, afirmam que nascem mais bebês nos dias em que ocorrem as mudanças de fase da lua. O pesquisador brasileiro Fernando Lang da Silveira, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio grande do Sul, resolveu verificar se as fases da lua realmente influenciam no nascimento dos bebês. Para isso, ele analisou as datas de nascimento de 93124 candidatos a vestibulares realizados na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em seguida construiu um gráfico que relaciona o número de nascimentos com o dia do mês lunar. (gráfico retirado do texto “Marés, fases da Lua e bebês” de Versão ampliada do artigo A LUA OS BEBÊS, publicado em Ciência Hoje, Rio de Janeiro, vol.29, n. 170: p. 47; abril de 2001, de Fernando Lang da Silveira) A seguir, apresentamos um texto com algumas das conclusões do pesquisador. Leiao com atenção e troque ideias com seus colegas sobre as questões que se seguem. “Observa-se no gráfico que o número de nascimentos oscila em torno de 3300 por dia. O maior número ocorre no dia posterior à lua nova (3425) e o menor, três dias antes da cheia (3210). Um teste estatístico permite concluir que as diferenças dos nascimentos ao longo do mês lunar estão dentro do limite do acaso... O estudo contradiz, portanto a alegação de que nos dias das quatro fases principais da lua aumenta o número de nascimentos. Serão verdadeiras as outras tantas influências atribuídas ao nosso satélite pela sabedoria popular? SILVEIRA.F.L.A A. A LUA OS BEBÊS, In: Ciência Hoje, Rio de Janeiro, vol.29, n. 170: p. 47. Questões 1. Qual o objetivo do pesquisador ao realizar esse estudo? 2. Você diria que o estudo realizado por Fernando Lang da Silveira é um estudo científico? Explique. 3. Porque você acha que o pesquisador usou um número tão grande de datas de nascimento para fazer essa pesquisa? 4. Esse estudo é suficiente para descartar definitivamente a ideia de que a lua exerce influência nos nascimentos de bebês ao longo do mês? 5. A crença na influência da Lua sobre o nascimento de bebês costuma ser partilhada por muitas pessoas, está normalmente baseada em algum tipo de pesquisa ou estudo mais rigoroso? Em que ela se baseia? 6. Muitas pessoas afirmam que a Lua tem influencia em vários acontecimentos, como crescimento de cabelos, o desenvolvimento de plantas após a poda e até mesmo o aumento de criminalidade em alguns períodos do mês. Qual a sua opinião a respeito dessas crenças? 7. O conhecimento que a ciência nos proporciona acerca da Lua é compatível ou incompatível com ideias e crenças da cultura popular? Explique. 163 ANEXO 3 Avaliando evidências sobre a nutrição dos vegetais Ciência se faz com perguntas e com muita investigação. É resultado de um grande esforço coletivo, além de uma vontade enorme de conhecer o mundo que nos cerca. Uma pergunta pode receber várias respostas diferentes até se chegar a uma resposta aceitável, o que pode demorar muitos anos, já que podem ser cometidos muitos erros, e são tantas as idas e vindas que parecem não ter fim. A história das investigações sobre a fotossíntese mostra alguns desses aspectos da investigação científica. As perguntas pareciam ser simples: De onde vêm os nutrientes de um vegetal? Como uma planta se desenvolve? De onde os vegetais retiram as substâncias necessárias ao seu desenvolvimento? Primeiras ideias sobre a nutrição dos vegetais O médico e alquimista belga Jan Baptista van Helmont (1544-1644) foi um dos primeiros a estudar esse problema. Ele não aceitava a resposta que os estudiosos da época davam a essas questões. Não lhe parecia correto que as plantas retirassem do solo os nutrientes necessários para o seu desenvolvimento. Para avaliar suas ideias, ele realizou um experimento importante com uma planta chamada salgueiro. Muitas vezes é assim que os cientistas agem: realizam experimentos para testar suas hipóteses. Veja nas ilustrações abaixo alguns registros que Van Helmont nos deixou de suas observações: (espaço com 5 desenhos correspondendo as letras das legendas) Ilustrações esquemáticas do experimento de Van Helmont. (A) “Peguei um vaso de barro, no qual coloquei 100 gramas de terra que havia secado em um forno”; (B) “Plantei um caule de salgueiro que pesava 2 quilogramas e meio”; (C) “ Para que a poeira levada pelo vento não se misturasse à terra do vaso, cobri sua abertura com uma placa de ferro revestida de estanho e com múltiplas perfurações”; (D) “Quando era necessário, eu sempre umedecia o vaso de barro com água de chuva ou destilada. O vaso era grande e estava implantado na terra”; (E) “Passados cinco anos, a árvore [...] pesava 80 quilogramas. Não computei o peso das folhas que caíram em quatro outonos. [...] Por fim, tornei a secar a terra e assim encontrei praticamente os mesmos 100 quilogramas com alguns gramas a menos. Portanto, 80 quilogramas de madeira, cortiça e raízes surgiram unicamente da água”. Van Helmont concluiu que os vegetais retiram os nutrientes necessários para o seu crescimento da água, e não do solo. Contudo, em ciências não existe a última palavra, a verdade final. Tem sempre alguém que enxerga os fatos de uma outra maneira, que pensa de modo diferente. Em 1690, outro pesquisador e naturalista inglês John Woodward (1665-1728), questionou as conclusões de Van Helmont. Ele trouxe de volta ao debate a antiga explicação de que os vegetais retiram seus nutrientes do solo. Segundo Woodward, a água só servia como veículo para transportar os nutrientes. Ele cultivou plantas em água com amostras diferentes de solo dissolvido. Verificou com isso que as plantas que apresentavam maior desenvolvimento eram aquelas que foram colocadas em soluções de água com maior quantidade de terra dissolvida. Ao contrário de Van Helmont, ele concluiu que a terra era a matéria que constituía os vegetais. Evidências do papel da luz e do ar Stephen Hales (1677-1761) também investigou o crescimento das plantas. Para ele, as plantas modificavam as condições da atmosfera com as quais estavam em contato. Mas ele não sabia explicar como isso acontecia. Nessa época, a Química começava a dar seus primeiros passos como Ciência Moderna. O químico inglês Joseph Priestley (1733-1804), que estava envolvido em estudos sobre os gases, interessou-se pelo assunto, investigando gases envolvidos na vida vegetal. 164 Ele já havia descoberto que uma vela mantida num ambiente fechado permanecia acesa somente durante certo período de tempo. Verificara, também, que camundongos morriam depois de algum tempo presos em ambientes fechados. Ele logo formulou um raciocínio de que deveria existir algum processo na natureza capaz de impedir que camundongos morressem e velas se apagassem em ambientes fechados. Se não fosse assim, como se poderia explicar a existência de vida na Terra? Introduzindo vegetais em ambientes fechados, Priestley chegou à conclusão de que era a vegetação que restaurava o ar, tornando possível a existência da vida na terra. Contudo, Priestley não notou que a “restauração” do ar só acontecia em presença da luz. O médio holandês Jan Ingenhouz ( 1739-1799) refez os experimentos de Priestley, com algumas variações, e concluiu que 1) a luz era necessária para ocorrer a restauração do ar; 2) apenas as porções verdes das plantas realizavam esse processo; 3) as sementes e outras partes das plantas não promoviam a restauração do ar. Apesar da grande contribuição dos trabalhos de Ingenhouz para a Ciência, ele ainda não sabia que as plantas, como todos os seres vivos, também respiram por todo o tempo e que, nesse processo, retiram oxigênio da atmosfera, em vez de “restaurar” o ar. Ele também não sabia explicar por que a luz era importante nem o que significava a cor verde das plantas. (Dois desenhos: desenho A: experiência da vela acesa sozinha na campanula e vela acesa e planta na campanula e desenho B: rato sozinho e rato com a planta) O papel dos minerais na nutrição dos vegetais A técnica de cultura de plantas em água desenvolvida por Woodward foi aperfeiçoada e utilizada por muitos pesquisadores que estavam interessados em entender o papel do solo na nutrição dos vegetais. Um deles, Julius Sachs (1832-1897), cultivou alguns brotos de milho e feijão em água destilada, e outros brotos em uma solução de água destilada misturada com sais minerais. Experimento em desenho de Sachs (4 desenhos de brotos de feijão e milho -2 na água destilada (A) (cor amarela)e dois na água com sais (B) (cor verde) – o tamanho é igual no dois desenhos. Texto: Sachs colocou alguns brotos de vegetais em vasos que continham apenas água destilada (A) e outros que continham água destilada acrescida de alguns minerais (B). Ele notou que as plantas que foram colocadas em água destilada sem sais minerais ficaram mais amareladas e menos desenvolvidas do que aquelas que ficaram na solução de água destilada com sais minerais. Os experimentos de Sachs indicavam que os sais minerais eram importantes para o desenvolvimento das plantas e que elas os obtinham do solo. Desse modo, o papel do solo parecia ter sido resolvido. No entanto, apesar de sua grande importância para a nutrição das plantas, os sais minerais são absorvidos em quantidades muito pequenas. Sendo assim, tal absorção não seria suficiente para explicar o aumento de massa de um vegetal em crescimento. Podemos chegar a essa conclusão analisando os resultados do experimento de Van Helmont com o salgueiro. Poderíamos continuar essa história indefinidamente. Isso porque o conhecimento científico nunca estará pronto e acabado. Cada pergunta respondida traz outras tantas para se responder. Os estudos sobre a fotossíntese prosseguiram por muito tempo. Vários outros cientistas contribuíram para que hoje um poeta, que talvez nem saiba desta história toda, tenha feito aqueles versos lindos que apresentamos no início do capítulo: “Luz do sol, que a folha traga e traduz/ Em verde novo, em folha, em graça, em vida, em força, em luz”. 165 ANEXO 4 O que sabemos sobre luz e visão Leia as questões com atenção e registre por escrito suas respostas. Depois disso, compare suas respostas com as de seus colegas, procurando estabelecer as conclusões do grupo. As ideias que temos sobre o assunto serão o ponto de partida para nosso estudo sobre luz e visão. 1. Em seu caderno, faça um esboço da figura a seguir. Depois disso: a) Expliquem, em palavras, como a luz permite ao Chico Bento ver a flor. b) Se achar adequado, utilize setas para complementar sua explicação. Nesse caso, as setas devem indicar como a luz presente no ambiente torna o Chico Bento capaz de localizar e enxergar a flor. 2. A imagem a seguir apresenta um quarto com janela aberta em dia ensolarado. As lâmpadas estão apagadas e o Sol está bem alto no céu. Nessas circunstâncias, existe luz no interior do quarto? Em caso afirmativo, explique como a luz chega até ele. 3. À noite, no instante em que a luz de seu quarto se apaga, você tem dificuldade de enxergar os objetos, mas depois de um certo tempo você já consegue perceber ao menos seus vultos. Explique como e por que isso acontece. 4. Como você acha que o nosso olho funciona e como ele nos permite ver os objetos que estão à nossa volta? 5. Como podemos representar a luz? Considere as seguintes situações: a) Uma vela é colocada sobre uma mesa em uma sala escura. Represente em seu caderno a luz que é emitida pela vela e se propaga no ambiente da sala. b) Um abajur é colocado no mesmo lugar em que estava a vela. Represente a luz que é emitida pela lâmpada acesa e que se propaga no ambiente da sala. 166 ANEXO 5 Entre as partículas existem espaços vazios Ao propor modelos para o ar, podemos pensar em diversas maneiras de representar seus componentes. Apresentamos, abaixo, quatro desenhos, feitos por estudantes, que expressam diferentes modelos. Os dois primeiros modelos (A) e (B), apresentam uma visão do ar como algo contínuo. O ar aparece como uma nuvem. No modelo (A), ele apenas muda de lugar depois de aquecido, mas seu volume total não se altera O modelo (B) explica a dilatação do ar supondo que a “nuvem” que o representa pode ficar mais “concentrada” ou mais “distribuída”. Nos modelos (A) e (B) os estudantes não admitem a existência de partículas. Sabemos que o ar é uma mistura de diferentes substâncias, como gás nitrogênio, oxigênio e outros. Os modelos (C) e (D) sugerem a natureza descontínua dos gases, ao contrário dos modelos (A) e (B), que apresentam uma visão do ar como algo contínuo. Em (C) o ar é representado por pequenas bolinhas, e podemos supor que cada uma delas representa uma partícula das substâncias do ar. Nesse modelo, as bolinas aumentam de tamanho quando o ar é aquecido e diminuem quando ele é resfriado. Os modelos (C) e (D) sugerem explicações diferentes para o fenômeno da dilatação. Para o modelo (C), são as partículas que se dilatam. Para o modelo (D), as partículas não sofrem modificação no tamanho quando aquecidas. Elas apenas se afastam umas das outras, o que significa que passam a existir maiores vazios entre elas. Como decidir qual modelo, entre (C) e (D), melhor representa a dilatação do gás? Ambos parecem razoáveis. Qual deles você escolheria? Os modelos científicos não atribuem às partículas propriedades que são dos materiais, como cor, aparência, textura e dilatação. O modelo (C) faz isso atribuindo as partículas a propriedade de dilatar, que é própria dos materiais e objetos do mundo macroscópio. Por isso a representação D é mais compatível com o modelo científico de partículas. Deste modo quando a garrafa é mergulhada na água quente, os espaços entre as partículas do ar aumentam. O ar dentro da garrafa passa a ocupar um espaço maior e, consequentemente, o volume ocupado por ele aumenta, o que explica o fato do balão inflar. Os gases podem também sofrer transformações com facilidade. Isso acontece quando baixamos sua temperatura ou quando aumentamos a pressão exercida sobre eles. Interpretamos essas mudanças admitindo que, nesses casos, os espaços entre as partículas de ar diminuem. As bolinhas dos modelos representam as substâncias que compõem o ar. Entre elas existem apenas espaços vazios. Ao longo da história da ciência, não foi fácil admitir a existência do vazio. Da mesma forma essa ideia pode perecer estranha para você. Entretanto, o modelo cinético molecular, também chamado de modelo de partículas, foi desenvolvido admitindo-se que existem espaços vazios entre as partículas e que as partículas que compõem os materiais não variam de tamanho em uma transformação. Em outras palavras, o que varia são os espaços vazios entre elas. Em geral, os sólidos, quando são aquecidos dilatam-se e, quando são resfriados, contraem-se. Entre as partículas de um pedaço de ferro, de um pedaço de madeira, da água que bebemos e do ar que respiramos existem espaços vazios que podem aumentar ou diminuir em razão da variação da temperatura e da pressão. Diferentes materiais apresentam dilatações distintas. O mercúrio, por exemplo, dilata-se com muita facilidade e por isso, é utilizado na fabricação de termômetros. 167 ANEXO 6 Viajando com segurança Ao aumentar a velocidade com que se deslocam os seres humanos precisam criar mecanismos de segurança para evitar acidentes. Como a ciência pode nos ajudar a compreender os dispositivos e procedimentos de segurança no trânsito? Nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos. Essa sequência natural da vida é interrompida, muitas vezes, por mortes precoces ou traumas irresistíveis causados por acidentes. O que podemos fazer para evitar isso? O corpo humano é capaz de andar, correr e saltar, atingindo velocidades máximas pouco superiores a 10 metros por segundo. O sistema esquelético muscular é o responsável por nossa capacidade de locomoção. O esqueleto tem, ainda, a função de proteger nossos órgãos internos de colisões e impactos com outros objetos. Com o auxílio de máquinas, abreviamos o tempo gasto nas viagens, ampliamos nossa força e a velocidade de nossos movimentos. Porém quem se move a grandes velocidades pode, consequentemente, sofrer acidentes graves. Mesmo sendo muito resistentes, os ossos não conseguem proteger o organismo quando sofremos impactos em altas velocidades. Alguns tipos de acidentes passam a acontecer em razão das máquinas e dos ambientes que construímos e utilizamos. Com o rápido crescimento e concentração populacional nos grandes centros urbanos, a circulação de pessoas tornou-se um problema. Segundo levantamento do Ministério da saúde, em 2006, 123061 pessoas foram internadas pelo SUS (Sistema Único de Saúde) vítimas de acidentes de trânsito, com custo estimado de R$ 118 milhões. Esse custo é o mais alto se considerarmos vítimas atendidas em hospitais particulares e pacientes com planos de saúde. Entretanto, muito pior do que danos materiais é a dor de ter vidas interrompidas bruscamente por causa desses acidentes ou, ainda, ver as marcas que eles deixam no corpo e na memória de quem os sofreu. Mas qual seria a maior causa de acidentes no trânsito? A imprudência de condutores e pedestres? As más condições das vias de transporte e dos veículos? Na tabela abaixo apresentamos os dados divulgados do programa Pare (Programa de Redução de Acidentes no Trânsito), realizado pelo Ministério dos Transportes com o objetivo de combater acidentes de trânsito, identificando, por exemplo, suas principais causas (disponível em http://www.transportes.gov.br/Pare/indexpp.htm. Acessado em: 20 fev.2009). Muito está por ser feito do ponto de vista da educação das pessoas para lidar com os dispositivos tecnológicos e conviver em uma sociedade que tem cada vez mais pressa. O que a ciência tem a nos dizer sobre isso?